A existência de Deus em Duns Scotus

August 1, 2017 | Autor: M. Barradas | Categoria: Duns Scotus, Teologia, Filosofía
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Faculdade Católica de Fortaleza Márcio André Teixeira Barradas

A EXISTÊNCIA DE DEUS EM DUNS SCOTUS NA OBRA ORDINATIO

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Jan Gerard Joseph ter Reegen

Fortaleza 2011

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Faculdade Católica de Fortaleza Márcio André Teixeira Barradas

A EXISTÊNCIA DE DEUS EM DUNS SCOTUS NA OBRA ORDINATIO

Defesa em:____/____/____ Nota Obtida: _________ Banca Examinadora

_____________________________________________ Prof. Dr. Jan Gerard Joseph ter Reegen

_____________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos Silva de Sousa

Fortaleza 2011

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“É nossa profunda convicção de que, especialmente, com o tesouro intelectual de João Duns Scotus, podemos obter armas brilhantes para combater e eliminar a nuvem negra do ateísmo, que ofusca a nossa época. Muitas vezes, os negadores teóricos e práticos de Deus não são para adorar os ídolos e os fantasmas, eles se formaram e se tornaram nulos em seus pensamentos.” (Paulo VI, Carta Apostólica Alma Parens).

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO ESCOTISTA ......................................... 7 1.1 Contexto Histórico .............................................................................................................. 7 1.1.1 A criação das universidades. ............................................................................................. 8 1.1.2 O pensamento aristotélico na Alta Escolástica. ............................................................... 10 1.2 Vida e Obra de Duns Escoto ............................................................................................ 12 1.2.1 A divergência entre filósofos e teólogos ...................... Erro! Indicador não definido.13 1.2.2 A refundação da Metafísica a partir de Duns Escoto. ..................................................... 16 1.2.3 A teoria da univocidade do ser ........................................................................................17 1.2.4 Teoria do conhecimento. ................................................................................................. 17 CAPÍTULO 2 O CONCEITO DE ENTE INFINITO. ............................................................. 20 2.1 É possível ao homem conhecer a Deus naturalmente? .................................................. 20 2.2 A relação entre ente e infinito.......................................................................................... 23 2.2.1 A noção de infinito. ......................................................................................................... 23 2.2.2 As quatro ordens do ser ................................................................................................... 29 2.2.3 Justificação das ordens dos seres ..................................................................................... 31 CAPÍTULO 3 A EXISTÊNCIA DE DEUS ............................................................................. 36 3.1 Se há entre os seres um ser infinito atualmente existente ............................................. 36 3.1.1 Propriedades relativas do ser infinito .............................................................................. 36 3.1.1.1 Primazia da causa eficiente...........................................................................................36 3.1.1.2 Primazia da causa final.................................................................................................39 3.1.1.3 Primazia da causa eminente..........................................................................................40 3.1.1.4 Unidade da primeira natureza ....................................................................................... 41 3.2 Propriedades absolutas de Deus ...................................................................................... 42 3.2.1 Inteligência e vontade ...................................................................................................... 42 3.2.2 A infinidade do primeiro Ser............................................................................................44 3.3 “Se só existe um Deus” .................................................................................................... 47 CONSIDERAÇOES FINAIS ................................................................................................... 53 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................... 56

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INTRODUÇÃO

Deus existe? É possível ao homem conhecê-lo racionalmente ainda nesta vida? O que o homem conhece e como o faz? Estas perguntas norteiam toda a investigação acerca de uma reflexão filosófica sobre a existência de Deus, tema este tão analisado na Idade Média por conta da cultura européia ser dominantemente teocêntrica. Dentre vários filósofos cristãos, vale destacar Duns Scotus, um dos maiores filósofos franciscanos e da Idade Média, que sobressaiu a ponto de ser criada uma nova linha de pensamento filosófico chamada de escotismo. Portanto, antes mesmo de iniciar a investigação com relação à existência de Deus, é mister inserir-se no contexto histórico do Doutor Sutil,1 para que se verifique as circunstâncias filosóficas e sociais, bem como a influência recebida do seu pensamento. Por isso, no primeiro capítulo analisar-se-á, em linhas gerais, a dimensão sócio-político-cultural do século XIII, pondo em evidência a criação das universidades, pois isto repercutiu de forma direta e incisiva na universalização do saber, bem como para a sistematização da filosofia cristã medieval. Outro aspecto destacado no primeiro capítulo é a influência do pensamento aristotélico. Até o período da Alta Escolástica pouco se sabe e raras são as obras disponíveis e traduzidas para o latim de Aristóteles, sendo que o inicio da Idade Média é posta em evidência a Filosofia neoplatônica de Agostinho. Por conta do controle em que os Reis e o papado tinham sobe as universidades, havia-se uma certa temerosidade com respeito a liberação do estudo das obras de Aristóteles, já que de início era improvável adequar o pensamento filosófico deste com a doutrina cristã. Para tanto, vale ressaltar a importância do pensamento escotista. Por último, no primeiro capítulo apresentar-se-ão as principais colaborações e teses de Duns Scotus. A refundação da metafísica destaca-se por uma nova forma de inteligir com relação ao estudo do ser. Qual o papel da metafísica? Para o Doutor Sutil, a excelência desta é reconhecê-la enquanto ciência por meio da separação do campo investigativo da filosofia e da teologia, e que a metafísica é reafirmada tornando-a como ciência e tendo-a

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Duns Scotus era chamado de Doutor Sutil pelo seu rigorismo lógico em seus argumentos.

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como dobradiça, ou seja, fazendo uma mediação entre a filosofia e a teologia. Ademais, destacar-se-á ainda no primeiro capítulo, como a grande novidade do pensamento escotista, a teoria da univocidade do ser, que tem como fundamento um conceito comum entre as criaturas e Deus, o que, segundo o Doutor Sutil, possibilita o conhecimento de Deus por meio da univocidade do conceito de ente. Esta teoria será apresentada de forma geral e breve neste capítulo, porém será aplicada especificamente na problematização da existência de Deus no segundo capítulo. Por fim, encerrar-se-á o primeiro capítulo citando brevemente a teoria do conhecimento em Duns Scotus, no qual dar-se-á a devida importância do que é cognoscível apresentando a metodologia intelectiva do homem de como apreender as coisas, o ser humano e o próprio Deus. Já no segundo capítulo, explicar-se-á a noção de ente infinito em Duns Scotus, que é para ele a melhor forma de conceituar racionalmente a Deus, já que não é possível provar a existência de Deus tomando o termo Deus em si, mas é possível demonstrar filosoficamente a existência do ente infinito. Dessa forma, neste capítulo apresentar-se-á o conceito de ente e infinito, destacando as quatro ordens do ser e o conceito unívoco do ser para se obter o conhecimento de Deus. O terceiro capítulo explicar-se-á a existência de Deus em três perguntas: Se entre os seres há um ser infinito? Se este ente infinito é existente? Se há um único Deus? Enfim, retomar-se-á a fundamentação das quatro ordens do ser, aplicando-se às três primazias causais, investigando-as como elas decorrem e evidenciando-se a sua existência e que estas são na verdade uma mesma natureza. Por fim, apresentar-se-á racionalmente a unicidade de Deus, destacando-a em sete vias.

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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO ESCOTISTA

1.1 Contexto Histórico

A Idade Média é dividida pelos historiadores entre a Alta Idade Média e a Baixa Idade Média. Aquela se deu entre os séculos V ao IX, tendo como enfoque a formação do sistema feudal. Com a queda do Império Romano e a formação dos Reinos Bárbaros (Reino Franco, Império Bizantino e a expansão do mundo árabe), foram-se firmando um processo de ruralização da economia e sociedade da Europa. Já na Baixa Idade Média, compreendida entre os séculos XI ao XV, caracterizou-se pela crise do modo de produção feudal e das suas relações sociais, culturais e econômicas. O século XIII2 é caracterizado por grandes mudanças e é a época em que viveu Duns Scotus.3 Neste período é perceptível a crise do sistema feudal, ou seja, até então a vida em sociedade do homem medieval restringia-se a vida agrária em seus feudos, e que ligeiramente mudou para uma forma de vida urbana. Não obstante a esta transformação, o pensamento filosófico medieval apresentou nesse século o auge da sua sistematização em Tomás de Aquino4. A Alta Escolástica5 destacou-se por ser o apogeu da filosofia e da teologia na

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O ocidente europeu no século XIII é repleto de transformações sociais, culturais, demográficas e comerciais, dando-se abertura para outros poderes que são os burgos ou municípios e as monarquias nacionais. Também soma-se a união do Romano Pontífice com o imperador, observando ou uma situação de equilíbrio ou de uma tentativa de um domínio sobre o outro (cesaropapismo ou teocracia). 3 João Duns Escoto nasceu entre o ano 1265 e 1266 na Escócia, e que ingressou na ordem franciscana em 1281. Concluído os seus estudos em Paris e Oxford, ensinou em 1300 em Cambridge e Oxford, depois foi lecionar em Paris no ano de 1302 e em 1307 em Colônia, que morreu em 1308. 4 “Numa exposição histórica da filosofia medieval, a obra e a importância de São Tomás devem ser encaradas, não à luz do triunfo posterior do tomismo, e sim, exclusivamente, no ambiente histórico do século XIII. Pois bem: o aristotelismo se corroborara a ponto de tornar necessária uma tomada de posição: ou seria posto a serviço da Teologia, ou, ao contrário, transformar-se-ia numa ameaça aos próprios fundamentos da visão cristã do mundo” (BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 447). 5 “A Escolástica medieval costuma ser distinguida em três grandes períodos: 1º a alta Escolástica, que vai do séc. IX ao fim do séc. XII, caracterizada pela confiança na harmonia intrínseca e substancial entre fé e razão e na coincidência de seus resultados; 2º o florescimento da Escolástica, que vai de 1200 aos primeiros anos do séc. XIV, época dos grandes sistemas, em que a harmonia entre fé e razão é considerada parcial, apesar de não se considerar possível a oposição entre ambas; 3º dissolução da Escolástica, que vai dos primeiros decênios do séc. XIV até o Renascimento, período em que o tema básico é a oposição entre fé e razão” (Dicionário: Escolástica. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. e Org. Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins

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Idade Média, seja numa perspectiva sociopolítica ou cultural institucional. Tendo em vista a primeira, o primado do papado na Europa tem uma grande influência na evidenciação da cultura teocêntrica, por conta da ampla disseminação do pensamento cristão. Na segunda, vale destacar o surgimento das ordens mendicantes6 que forneciam um grande número de mestres para as universidades, no qual resultou que estas passaram a ser grandes centros de pesquisa e ensino.

1.1.1 A criação das universidades.

A filosofia escolástica é profundamente marcada e influenciada pela criação das universidades7. As universitas studiorum, diferentemente do sentido que as universidades têm nos dias atuais, foram criadas com um caráter de corporação, ou seja, surgiram no período escolástico para fins de produção e transmissão do conhecimento em defesa da Igreja enquanto instituição. A Universidade de Paris, por exemplo, considerada a mais antiga e a mais influente da época, tive uma importância relevante para o desenvolvimento do pensamento cristão ao mundo inteiro8. A elaboração e transmissão da teoria filosófica de Duns Scotus deu-se nas universidades9. Daí a observância em relacionar a importância sociocultural do surgimento da Fontes, 2000. p. 344). 6 Com o surgimento das ordens medicantes marcou-se a transição do modelo de vida e economia feudal encontrado nos mosteiros, para a vida urbana evidenciada pela ascensão da burguesia e o consequente reflorescimento do comércio. Por isso, as ordens mendicantes surgem com essa necessidade inicial de produção e transmissão do conhecimento à luz do pensamento cristão em voga na época. 7 “A Universidade de Paris, que em última instância deve sua origem às escolas urbanas do século XII, começou a existir com o privilégio do rei Felipe II Augusto, concedido em 1200 às citadas escolas. Com a aprovação real, a incipiente Universidade reuniu os mestres e alunos pertencentes às escolas catedralícias de Notre-Dame e submeteu-os à jurisdição de um chanceler. Os mestres agrupavam-se em quatro faculdades: teólogos, artistas (depois filósofos), decretistas e médicos. Os estudantes constituíam quatro nações (picardos, galos, normandos e ingleses, substituídos pelos alemães durante a Guerra dos Cem Anos), à frente dos quais se achava o reitor, que logo começou a rivalizar com a autoridade do chanceler. Em agosto de 1215, o legado pontifício Robert de Courçon deu estatutos à nascente Universidade, estabelecendo o regime de promoção do professorado e a organização da docência”( SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 256-257). 8 “Aos olhos de um Inocêncio III ou de um Gregório IX, a Universidade de Paris representava o meio mais eficaz de que dispunha a Igreja para a difusão da verdade no mundo inteiro. Por isso Inocêncio III tentou como primeiro transformar este centro de estudos num organismo, cuja estrutura, atividade e função ideais no seio da cristandade só podem ser devidamente avaliadas do ponto de vista supracitado. Para o homem medieval nada havia de estranho em tal atitude. Tratava-se não tanto de uma instituição da cidade de Paris ou da nação francesa, quanto de um estabelecimento da cristandade universal. Como instituto supranacional, ela ultrapassa os estados nacionais, situando-se ao lado do Sacerdotium e do Imperium” (BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis – RJ: Vozes, 1970. p. 356). 9 O Doutor Sutil ensinou nas Universidades de Oxford, Cambrigde, Paris e Colônia. Por isso é mister citar como eram as universidades no século XIII, situando o meio acadêmico em que este Filósofo viveu.

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universidade com destaque do seu pensamento filosófico no meio acadêmico. Ora, “as universidades foram a criação mais original e fecunda da civilização ocidental medieval, e, ao mesmo tempo, a expressão e resultado de um novo espírito e de uma nova mentalidade.”10 Nas universidades medievais o conteúdo era ministrado por duas formas: a disputatio e a lectio.

A Lectio podia ser legere cursorie (leitura prévia de um livro clássico, com um comentário e uma paráfrase, sem mais) ou legere ordinarie (após a leitura, o mestre formulava, a propósito do texto, uma série de problemas, que tratava de resolver). A disputatio era um ensino participativo: podia ser ordinaria, na qual o próprio mestre colocava as dificuldades, as resolvia e sitematizava; ou então geral ou quodlibet, de caráter extraordinário e solene, que era realizada duas vezes por ano (páscoa e Natal), e na qual se debatiam os mais variados temas.11

Na visão sociocultural do Século XIII, a criação das universidades é muito relevante, por conta da própria mudança social vivida neste século. Com o desenvolvimento das corporações, grêmios, municípios e das classes burguesas, aqueles que têm os mesmos interesses uniam-se para defender a sua própria causa. Não era diferente com as universidades, que foram criadas inicialmente como uma “associação corporativa”, chamada a defender os seus próprios interesses. A influência social das universidades repercutiu incisivamente na Igreja com o surgimento de novos mestres, elaborando o conhecimento científico que antes era reservado apenas a uma função hierárquica. A ascensão dos novos mestres fez com que “o studium adquire o terceiro poder ao lado do sacerdotium e do regnum, quer dizer, a classe intelectual universitária elevou-se a categoria social com grande poder no social e no religioso.”12

Com a criação das universidades, a figura do homem de cultura adquire uma nova consideração e relevância sociais singulares. Se a antiga divisão da sociedade estava feita segundo a tríade oratores, bellatores e laboratores, a partir de agora, a nova ordem social é constituída pelos sapientes, pelos nobiles, e pelos divites sive potentes. O intelectual, o novo sábio, é expressão e emblema desse novo organismo ou nova instituição, a universidade de uma determinada cidade que, por sua vez, é um organismo universal e 13 fundamental da christianitas medieval. 10

MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 11. 11 SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 257 e 258. 12 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 12. 13 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso

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As mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas no século XIII não só são acolhidas, discutidas e recebidas positiva ou negativamente dentro das universidades, mas também são iniciadas estas transformações no interior deste meio acadêmico, pois os novos mestres universitários são autênticos formadores de opinião e isto influenciava decisivamente no curso da sociedade medieval. Somando-se a isto, é importante citar que a comunidade universitária realçava um ambiente favorável ao diálogo entre as mais distintas classes sociais, já que não era um privilégio apenas de ricos ou pobres, pois ambos tinham acesso ao conhecimento. Por isso, reflete-se que não só o saber era ensinado de forma universal, mas a inclusão da sociedade, abrangendo todas as classes sociais, tinha também um aspecto universalizante, ou seja, compreendendo o todo no saber e nas diversidades socioculturais.

A universidade medieval não era elitista ou classista, mas popular, na qual podiam entrar não somente os abastados, mas também os estudantes pobres, filhos de camponeses, de lavradores e artesãos, os quais, com a intenção das taxas ou mediante bolsas de estudos, podiam enfrentar o peso econômico dos estudos. Uma vez que os estudantes ingressavam na universidade, desapareciam as diferenças sociais, e todos eles entravam a fazer parte de 14 uma certa 'nobreza' que a ciência adquirida lhes outorgava.

As universidades precursoras na Escolástica foram a de Oxford, Bolonha e Paris, no qual a primeira destacava-se pelo grande incentivo às ciências naturais e experimentais; na segunda, enfatizava o Direito e a terceira “teve a honra de ser chamada de omnium studiorum nobilissima civitas, civitas philosophorum, por excelência, convertendo-se no centro principal da vida intelectual da Idade Média”.15

1.1.2 O pensamento aristotélico na Alta Escolástica.

A recepção das Obras de Aristóteles deu-se no Ocidente de forma gradativa e lenta. Não se conhecia as obras completas do Estagirita antes do século XII, somente conhecia-se entre os latinos as Categorias e o De Interpretatione, por meio da transcrição de Boécio. Até o século XIII, é fundamental perceber que existia três pontos que diferenciavam Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 12. 14 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 12. 15 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 13.

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as interpretações das obras de Aristóteles.

Caso olhemos para seu destino a partir do século XII, o Aristoteles latinus apresenta três aspectos linguísticos, culturais e filosóficos diferentes. O Aristóteles greco-latino foi adquirido em duas etapas. Primeiramente, o período tardo antigo e da alta Idade Média, o Aristóteles de Boécio e, no século XII, as novas traduções greco-latinas de Tiago de Veneza, muitas vezes lacunares ou diferentes. A partir do século XIII, o trabalho de Guilherme de Moerbeke abre um período de revisão e crítica textuais. Entre esses dois extremos encontra-se, no início do século, o Aristóteles árabe16 latino – o de Averrós – com Miguel Escoto.

O recebimento das obras de Aristóteles não foi algo simples de ser constatado e nem passível de discussões, pelo contrário, foi motivo de divergências do ponto de vista doutrinário. As interpretações e as doutrinas dos árabes e dos judeus, juntamente com o texto do Estagirita confrontavam a doutrina cristã. “Os quatro problemas mais graves eram: o criacionismo, a providência divina, o princípio da dupla verdade e a imortalidade da alma.”17 Fazendo menção a filosofia árabe, remete-se à criação da Casa da Sabedoria, em Bagdá, logo após a fundação desta cidade no ano de 765, no qual se dedicava a tradução das obras

dos filósofos gregos para o árabe, passando pelo siríaco. O desenvolvimento da

filosofia árabe medieval principiou-se por Al-Kindî,18 e teve como grande comentador de Aristóteles o filósofo Al-Fârâbî.19 Al-Gâzâlî,20 apresentava-se com a sua crítica ao 16

DE LIBERA, Allan. A Filosofia Medieval. Trad. Marcos Marcolino. Edições Loyola, 2. Ed. São Paulo, 2004. p. 359. 17 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 15. 18 “Cronologicamente, o primeiro filósofo árabe aristotélico foi al-Kindî (796- ca. 866), pensador a quem se atribuem mais de duzentos e oitenta escritos. […] Al-Kindî criou uma teodicéia especialmente centrada na negação dos atributos positivos de Deus, afirmando exclusivamente os atributos negativos, que lhe serviam para destacar a absoluta transcendência de Deus sobre o mundo. Também se inclinou para uma demonstração da existência de Deus, a partir das criaturas, como sendo o ser necessário e o supremo criador, ordenador e criador do Universo. Além disso, estudou amplamente o tema aristotélico (entendimento sempre em ato e entendimento em potência ou possível), o entendimento que passa da potência ao ato (intelecto possível, quando atualizado pela recepção de formas inteligíveis), e o entendimento demonstrativo (que conserva a ciência adquirida e pode transmiti-la por demonstração). O entendimento sempre em ato, inteligência da última esfera celeste – que rege o mundo sublunar - , produz as formas e é, portanto, uma substância separada(Cfr. Sobre o intelecto, Fdz. I, ns. 929-932). O entendimento em potência ou possível é parte da alma individual do homem”( SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 219- 220). 19 Al-Fârâbî (ca. 870-950), dotado de um estimável saber enciclopédico e tentou harmonizar as doutrinas de Platão e de Aristóteles, detinha de um considerável conhecimento da filosofia grega e de dialética. A sua principal contribuição foi o conceito de ser necessário que tanto influenciou Avicena. “Procurando encontrar um critério para distinguir entre Deus e os seres criados, notou que um é causado e outros são incausados; que um é necessário e outros são contingentes.” (SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 221). 20 Algazel (1058-1111), foi um ferrenho crítico ao Aristotelismo e ao pensamento especulativo filosófico, pelo fato do crescimento das questões filosóficas e suas discussões, que aparentavam uma dissociação entre a

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pensamento filosófico, e em especial ao aristotelismo, que para ele estava em detrimento a doutrina religiosa e que não deveria especular temas religiosos na filosofia. Porém, é em Ibn Sînâ que encontra-se aquele que sistematizou o pensamento filosófico medieval árabe. A influência da filosofia de Aristóteles também recaiu na filosofia da Alta Escolástica, apesar da resistência e da insegurança das autoridades eclesiais da época. O maior filósofo que soube sistematizar e adequar com a filosofia cristã foi Tomás de Aquino, que este apresentou a novidade do seu pensamento por conta da sua originalidade da sua filosofia e não só adequou ao pensamento Aristotélico, bem como o desenvolveu e apresentou novas categorias e teorias, que decorreu depois no surgimento de uma nova corrente de pensamento filosófico, o Tomismo.

1.2 Vida e Obra de Duns Escoto.

Nascido entre 1265 ou 1266, no condado de Berwick (Escócia), Duns Escoto frequentou na sua infância a escola de Haddington. Em 1278 ou 1279, Duns ingressou no convento franciscano em Dumfries, por intermédio do seu tio que exercia a função de guardião e em 1281 recebeu o hábito franciscano. Dez anos após, no dia 17 de Março, ele foi ordenado sacerdote em Northampton, e de 1293 a 1296 foi estudar em Paris. De 1297 a 1301 foi lecionar na Universidade de Cambridge e de Oxford. Entre 1302 e 1303 retornou para Paris na condição de Bacharel Sentenciário, porém teve o seu trabalho interrompido por conta do dissídio entre Filipe, o Belo, e o Papa Bonifácio VIII, ao recusar a causa do rei, pois este obrigou a todos os padres a estarem a seu lado o apoiando. No ano seguinte pode retornar a Paris. Em 18 de Novembro de 1304 o Ministro Geral, Gonsalo de Balboa, promoveu Duns Escoto para o Licenciado e Magistério em Teologia. Em 1308 foi enviado para Colônia, tendo falecido em 8 de Novembro deste ano. Por conta de a morte de Duns Scotus ter sido decorrida em meio à incompletude das suas obras, é importante mencionar que, por vários séculos, houve uma certa margem de erro de interpretação do pensamento escotista, por conta do equívoco quanto à atribuição da autoria de algumas obras filosóficas que, em verdade, estas foram elaboradas por alguns de seus discípulos. Por isso, a Comissão Escotista apresentou um estimável trabalho em retomar documentos e fontes de pesquisa com o intuito de verificar a autenticidade da autoria de suas

doutrina religiosa, Algazel tenta retirar todas as doutrinas filosóficas que tentam por menor que seja afetar a doutrina religiosa. Com a separação entre teologia e filosofia, Al-Gazâlî critica Avicena e Averróis, que são os dois intérpretes muçulmanos de Aristóteles.

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obras, delimitando o pensamento de Duns Scotus e retirando-se toda a margem de erro e má interpretação das teorias deste autor. Duns Escoto destacou-se pelo seu pensamento original que superou a mera reprodução dos autores dominantes, para se firmar em um pensamento próprio seja no âmbito da Filosofia quanto na Teologia. Na filosofia, a teoria da unicidade do ser fez do Doutor Sutil um dos maiores filósofos da Idade Média, por representar a reformulação e evidenciação da Metafísica, apresentando esta como uma dobradiça entre a Filosofia e a Teologia. Como vimos anteriormente a calorosa discussão entre filósofos e teólogos fez perceber a grande importância em diferenciar metodologicamente o campo de estudo da filosofia quanto da teologia, apresentando aquilo que as une e as diferencia. Dentre as obras filosóficas do Doutor sutil pode-se elencar as seguintes: Quaestiones in librum Porphyrii Isagoge, Quaestiones super Praedicamenta Aristotelis, Quaestiones in primum librum Perihermeneias Aristotelis, Quaestiones in duos libros Perihermeneias Aristotelis, Quaestiones super librum Elenchorum Aristotelis, Quaestiones super libros Metaphysicorum Aristotelis, Quaestiones super secundum et tertium De anima. Ademais, três destacam-se pela profundidade e abrangência do seu pensamento filosóficoteológico que são: Lectura, Ordinatio e Reportatio.21

1.2.1 A divergência entre filósofos e teólogos.

É vista, nesta questão, a controvérsia entre filósofos e teólogos. Os filósofos defendem a perfeição da natureza e negam a perfeição sobrenatural; os teólogos, entretanto, reconhecem a deficiência da natureza, a necessidade da graça e a perfeição sobrenatural. O filósofo diria, portanto, que nenhum conhecimento sobrenatural é necessário ao homem, no presente estado, mas sim que ele poderia adquirir todo conhecimento a si necessário a partir da ação de causas naturais [. . .] Contra esta posição, pode-se argumentar de três maneiras: nada sobrenatural pode, pela razão natural, ser mostrado existir no peregrino, e nem pode ser mostrado ser necessariamente requerido para a sua perfeição; e tampouco, ademais, o que possui algo sobrenatural pode conhecer que aquele nele se encontra. Portanto, é impossível, aqui, que se faça uso da razão natural contra Aristóteles: caso se argumente a partir do que é crido, não há argumentação contra o filósofo, pois ele não admite uma premissa crida. Donde estas razões aqui formuladas contra ele têm uma outra 21

“Os comentários feitos por Scotus ao Livro das Sentenças chegaram a nós de três formas: como Lectura, como Ordinatio e como Reportatio (“leitura”, “ordenação” e “reportagem” poderiam ser os termos da tradução para o português). Coube a C. Balic explicar o significado técnico de tais palavras. A Lectura era o texto elaborado pelo bacharel para apresentar em aula – seria algo como um rascunho ou uma primeira redação; a Ordinatio, o texto que o professor preparava para entregar aos livreiros, a fim de serem feitas cópias, isto é, tratava-se da obra definitiva do autor; já a Reportatio compunha-se das notas de aula, tomadas pelos alunos ou assistentes”. (DE BONI, Luis Alberto. Sobre a vida e a obra de Duns Scotus. Veritas. PUCRS: Porto Alegre, 2008. v. 53, n. 3. p. 8).

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premissa, crida ou provada a partir do que é crido; por isso mesmo, não são senão persuasões teológicas, a partir do que é crido para o que é crido.22

A novidade da filosofia Escotista dá-se primeiramente pela originalidade do objeto de estudo da metafísica: a ontologia. A metafísica é tida como dobradiça entre a filosofia e a teologia. A mediação e o intermédio da metafísica entre a filosofia e a teologia é concebida a partir da visão de mundo em que ambas tendem a se contrastar. A filosofia grega detém-se em analisar o mundo como uma natureza física, tendo como fim último o motor imóvel. Já para a teologia, tendo como a priori a fé, o mundo é uma criação de Deus resultado da sua vontade livre e contingente e não do motor imóvel. É muito desafiante unir essas duas visões contrastantes, porém Escoto teve a preocupação e o olhar de filósofo e teólogo capaz de unir o que aparentemente era improvável.

Diante desta dificuldade real, o Doutor Sutil vê a única saída no fato de que alguém seja filósofo e teólogo ao mesmo tempo, mas sem mesclar nem confundir a filosofia e a teologia nem em seus conteúdos nem em seus métodos. Quando a mente do filósofo é a mesma do teólogo, pode ser iluminada pela fé, não para apoiar-se dela, mas para que ilumine a razão em sua capacidade cognoscitiva e para uma compreensão da Revelação. Quando a mente do teólogo é a mesma do filósofo, se verá obrigada a expressar as verdades reveladas com conceitos humanos capazes de conectar a contingência radical com a vontade criadora de Deus e não com razões do necessitarismo grego. 23

Enfim, para superar as aporias presentes entre as discussões entre filósofos e teólogos, o Doutor Sutil vem superar a visão tradicional da própria metafísica, dando-lhe um estatuto científico, por meio da teoria da univocidade do ser. A metafísica deve distinguir-se tanto da física quanto da teologia, pois a metafísica transcende a física e a teologia amplia o campo investigativo da metafísica. “Por isso, não se deve confundi-las nem tampouco separálas. Pela fé se transcende a filosofia e se abre à metafísica; e a partir da metafísica se concebe a teologia não como uma transmetafísica, mas como uma ciência humana do divino.”24 Na relação entre a filosofia e a teologia, em três aspectos torna-se claro para Duns Escoto que em nosso estado presente necessitamos de um auxílio sobrenatural. Primeiramente, não é concebível na investigação filosófica que o fim último do homem que

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DUNS SCOTUS, João. Prólogo da Ordinatio. Tradução, introdução e notas de Roberto Hofmeister Pich. EDIPUCRS: Porto Alegre, 2003. n. 5 e 12. 23 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p 126. 24 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 126-127.

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move as suas atividades seja a visão beatífica. Segundo, para atingir esse fim, é preciso saber o modo de se chegar a ele, os meios que se conduz a este e se esses meios são suficientes. Terceiro, pelo conhecimento natural não obtemos o conhecimento da essência do mundo espiritual e da própria divindade. Não obstante a esses três aspectos acima citados, as verdades extraídas na teologia podem ampliar e condicionar a especulação filosófica, como destaca Oromí, três verdades na teologia que iluminam a compreensão filosófica com relação ao mundo:

1ª, que Deus criou o mundo por um ato livre da sua vontade; o que significa que o mundo é essencialmente contingente, já não somente existe, porque 2ª, na mente divina está necessária e atualmente todas as idéias ou essências possíveis. O que a vontade divina faça contingentemente ao escolher as essências da mete divina para realizálas significa que as essências realizadas podiam ser essencialmente outras; aí radica sua contingência radical; 3ª, que nosso entendimento, nossa alma, está destinada a ver a essência divina, não em abstrato, senão em concreto, ut esentia haec.[tradução nossa].25 Diante da transitoriedade do mundo, ou seja, o constante devir das coisas, Escoto não se limitou a trazer no centro da sua investigação o problema da mudança e do movimento, mas sim a investigação do nada ao ser. Para explicar o problema da contingência do mundo 26, o Doutor Sutil parte do pressuposto de que a filosofia só pode conhecer profundamente o mundo e o homem a partir da criação. Somente a partir de Deus, que atua no mundo de forma livre, entende-se a contingência.

Scotus tem uma expressão própria para enfatizar a relação ativa de Deus com as criaturas: práxis, que traduz o vínculo livre e amoroso de Deus com os seres criados (Ord. III, d 16, q.2, n. 53-54). A relação criatural implica e comporta uma dependência ontológica de Deus que condiciona a estrutura íntima do ser contingente e se escapa a simples relação de pot6encia-ato. Ao mundo deve se aproximar, pois, não apenas com a inteligência, como realidade cognoscível, senão também com a vontade, como realidade amada.27 25

“1ª, que Dios creó el mundo por un acto libérrimo de su voluntad; lo que significa que el mundo es esencialmente contingente, ya no sólo existe, porque 2ª., en la mente divina están necesaria y actualmente todas las ideas o esencias posibles. El que la voluntad divina obre contingentemente al escoger las esencias de la mente divina para realizarlas significa que las esencias realizadas podían ser esencialmente otras: ahí radica su contingencia radical; 3ª, que nuestro entendimiento, nuestra alma, está destinado a ver la esencia divina, no en abstracto, sino en concreto, ut esentia haec.”(MERINO, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosófico-teológico. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 56). 26 “Entende-se por contingência como o modo de ser daquilo que existe atualmente” [tradução nossa]. SCOTUS Apud. MERINO, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosófico-teológico. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 45. 27 “Escoto tiene una expresión propia para subrayar la relación activa de Dios con las criaturas: praxis, que

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1.2.2 A refundação da Metafísica a partir de Duns Escoto.

Partindo da discussão acerca dos filósofos e dos teólogos acerca do entendimento do conhecimento de Deus, do mundo e do homem, Duns Escoto teve a preocupação em criar uma ciência que pudesse intermediar a Filosofia e a Teologia. Assim, ele definiu três ciências, especificando o objeto de cada uma delas: a teologia natural, a teologia sobrenatural e a ciência beata, diferenciando-as da física aristotélica com a ciência beata. Na ciência beata, defini-se como “a ciência do divino – sub lumine glorie – consiste em amar, porque a especulação dos bem-aventurados é uma especulação amativa. É um conhecimento prático, na medida que, indo além do puro conhecer, se estende e alcança um ato de vontade”28. Já a teologia sobrenatural visa “conhecer e amar o divino sub lumine fidei”29. Já a teologia natural, Escoto descobriu uma nova ciência que é a refundação da metafísica, agora sob a apreciação da ontologia. Aprofundando o tema, o Doutor Sutil criticou tanto Avicena quanto Aristóteles e Tomás de Aquino. Primeiro Avicena elencou entre os transcendentais a noção de ente, coisa e necessidade, caindo assim no necessitarismo emanacionista e também no imediatismo da noção de ente30. Segundo, Aristóteles afirmou que “o intelecto penetra, com sua parte mais alta, na espécie da criatura – que somente representa a criatura – para conhecer as coisas que são de Deus, e as que foram ditas de Deus”31. Por último, Tomás de Aquino afirma na sua teoria do conhecimento que a razão humana só pode alcançar o conhecimento de Deus pela causalidade transcendental, ou seja, a compreensão da essência de Deus é alcançada pelo entendimento que Deus é o primeiro motor imóvel, primeira causa incausada, ser necessário por si, ser perfeitíssimo e supremo ordenador. Diante dos três pensamentos acima citados, Duns Scotus apresenta a novidade da

traduce el vínculo libre y amoroso de Dios con los seres creados (Ord. III, d 16, q.2, n. 53-54). La relación criatural implica y comporta una dependencia ontológica de Dios que condiciona la estructura íntima del ser contingente y se escapa a la simple relación de potencia-acto. Al mundo hay que acercarse, pues, no sólo con la inteligencia, como realidad cognoscible, sino también con la voluntad, como realidad amada.” (MERINO, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosófico-teológico. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 46). 28 SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 387. 29 SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 388. 30 SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 381. 31 SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 382.

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sua filosofia, pois ele não acredita que a demonstração e o conhecimento de Deus é obtida como uma causa transcendental, a partir dos efeitos do mundo físico. Entretanto, o Doutor Sutil pensa primeiramente que o ente pode ser dividido em ens infinitum e ens finitum, ens increatum e ens creatum, e, por meio disso, é possível chegar à prova da existência de Deus32.

1.2.3 A teoria da univocidade do ser.

A refundação da metafísica é concebida por Duns Escoto por meio da ontologia, a fim de superar a divisão entre filosofia e teologia. A novidade trazida na metafisica por ele se dá na noção de ser, em que ele percebeu a possibilidade de obter um conceito comum de ser na teoria da univocidade do ser. Com o conceito unívoco do ser, Duns Escoto apresenta em sua teoria a possibilidade de se conhecer qualquer realidade, seja a humana ou a divina, por conta de um conceito de ente comum a ambas. Com isto, o Doutor Sutil quer afirmar que o objeto do entendimento é o ente enquanto ente, e que se não houver esse conceito unívoco não se pode conhecer a Deus.

A univocidade designa 'a unidade de razão daquilo que é predicado' (Ord. I, d. 8, n. 89 (IV, 195)); é a identidade de um conceito. A identidade do conceito unívoco predicado vai além da identidade real dos sujeitos dos quais se predica. Quer dizer, o conceito pode ser idêntico em si mesmo sem que seja idêntico nos casos aos quais se refere. A univocidade designa a unidade de um mesmo conceito enquanto se predica de muitas coisas. 'Para que não haja conflito no tocante ao nome de univocidade, chamo de conceito unívoco aquele que é uno; de tal modo que sua unidade é suficiente para a contradição, quando se afirma e se nega algo da mesma coisa' (Ord. I, d. 3, n. 26 (III, 18)). A univocidade não designa coisas idênticas no nome e no sentido, mas designa a unidade e a identidade de um conceito, assumindo as exigências da lógica segundo os requisitos do princípio da não contradição. A univocidade lógica de um conceito é sua unidade consistente33.

A univocidade em que Duns Escoto demonstra é a do conceito do ser, podendo-se diferenciar da univocidade física ou natural (compreendendo a identidade real), e da univocidade metafísica (gênero próximo de diferentes seres).34 Vale citar que apesar de Tempier no ano 1277 apresentou dentre as teses condenadas a da individuação da matéria, não refere-se a univocidade do conceito do ser apresentado pelo Doutor Sutil, pois ele também 32

SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p 389. 33 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 127-128. 34 MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 128.

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nega a individuação da substância pela matéria signata quantitate. A matéria é indistinta e indeterminada, não podendo constituir princípio de individuação. 1.2.4 Teoria do conhecimento. A teoria do conhecimento apresentada por Duns Escoto diferencia das doutrinas predominantes da época, seja as de influência platônico-agostiniana, representadas por Henrique de Gand, ou as de influência aristotélica, representadas por Tomás de Aquino e Godofredo de Fontaines. A primeira, afirma que todo o conhecimento inicia-se e se finda na alma. Já para a segunda, a inteligência não passa da potência para o ato sem ser movida pelo objeto. Para o Doutor Sutil, o conhecimento é obtido tanto pela inteligência da alma como pelo objeto cognoscível. Esta é a sua teoria das causas eficientes parciais35. De fato, argumenta o Doutor Sutil, a solução apresentada por Henrique de Gand, além de ser ambígua, uma vez que não precisa a natureza de condição necessária por parte do objeto, é reconhecida como necessária para que haja conhecimento, e, por outro lado, não lhe é reconhecido valor de autêntica causa. [. . . ] A segunda orientação, de inspiração aristotélica, e que coloca a tônica da causalidade efetiva do ato cognoscitivo no objeto, é vigorosamente combatida por Duns Scotus, pois compromete irremediavelmente não só as iniciativas da inteligência, em concreto a formação de conceitos, de juízos e raciocínios, mas também sua própria dignidade espiritual, à medida que o 36 efeito, ou seja, o conhecimento seria mais perfeito do que sua causa .

A novidade trazida pela teoria acima citada é que tanto o sujeito cognoscente quanto o objeto cognoscível concorrem mutuamente para o conhecimento. Isto decorre ao se perceber que o sujeito exerce por meio da ação intelectiva causas e efeitos próprios do seu ato de inteligir, e, igualmente, o objeto dentro da sua esfera tem causas e efeitos específicos. A base da compreensão da sua teoria do conhecimento é a introdução de uma nova entidade ontológica que é a natureza comum (natura communis), que é indiferente tanto à singularidade quanto à universalidade. Para que o intelecto tome as realidades concretas, que são singulares e individuais, e as abstraia para uma natureza universal, o Doutor Sutil cria esse termo que é a natureza comum, condição necessária para que o intelecto passe da coisa singular para o universal. A tese escotista sobre a natureza comum, em relação com o entendimento, pode ser sintetizada do modo seguinte: a natureza comum constitui o 35

SCOTUS, Apud MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 82. 36 SCOTUS, Apud MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 81.

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fundamento remoto do universal, já que é indiferente tanto à singularidade como à universalidade. A natureza comum, considerada no existente concreto, é universal físico. Conceitualizada pelo entendimento (prima intentio) é o universal metafísico e, aplicada a todos os indivíduos da espécie (segunda intentio), é o universal lógico. Portanto, entre a unidade concreta do individual sensível e a unidade universal inteligível da predicação lógica existe a natureza comum, como unidade específica, unidade de essência e 37 inteligibilidade .

A teoria do conhecimento apresentada por Duns Scotus tem como novidade a noção da natureza comum e do ser unívoco como uma nova possibilidade de refletir filosoficamente acerca do conhecimento de Deus pelo intelecto do homem. A teoria do conhecimento analógico é agora substituida por Duns Scotus pela teoria das causas parciais, em que prioriza o conhecimento do singular. Para o Doutor Sutil não é possível conhecermos a Deus naturalmente, ou seja, não é um conhecimento evidente, no entanto, é possível provar a exitência de Deus buscando um primeiro princípio na ordem do ser. Por isso, tomando essas noções gerais do pensamento escotista, é possível passar para reflexão da existência de Deus no pensamento filosófico de Duns Scotus.

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MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 140.

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CAPÍTULO 2 O CONCEITO DE ENTE INFINITO.

2.1 É possível ao homem conhecer a Deus naturalmente?

A partir dessa reflexão inicial, que norteou a teoria do conhecimento de Duns Scotus, o conhecimento humano apreende a quididade entitativa, ou seja, conhece-se o ser enquanto ser. Assim o Doutor Sutil parte para a seguinte questão: “Deus é naturalmente cognoscível pelo intelecto humano nesta vida?”38 Resume a opinião de Henrique de Gand, “Deus não é conhecido através de uma representação que lhe seja própria, pois nada é mais simples que ele; mas através de alguma representação alheia proveniente das criaturas, à semelhança do modo de operação da estimativa”.39 No entanto, a opinião de Duns Scotus é em parte divergente de Henrique de 40

Gand, já que aquele filósofo também acredita que é possível chegar a um “conceito de Deus que é concebido por si e quiditativamente”41. Por meio deste pensamento, o Doutor Sutil utiliza do conceito unívoco a criatura e a Deus para alcançar o conhecimento deste, e não mais tomando apenas um conceito análogo ao que se tem da criatura. A respeito da argumentação da teoria da univocidade do ser, esta é provada por cinco argumentos que serão analisados cada um deles. No primeiro argumento, Duns Scotus afirma que na atividade intelectiva, todo intelecto, que tem certeza a respeito de um conceito e duvida a propósito de outros, possui o

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DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 1. 39 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 21. 40 A opinião de Henrique de Gand apresenta a forma de conhecimento de Deus de três modos, a saber: generalíssimo, mais geral e geral. Na primeira é dividida em três etapas. Primeiro, concebe a Deus de uma forma mais vaga, por tentar particularizar numa noção geral de ser para este ser. Segundo, é tentar tirar este e ficar só com o ser. Terceiro, é de se distinguir o conceito de ser próprio de Deus com o ser das criaturas, pois Deus para Henrique de Gand é um ser indeterminado negativamente, e o conceito análogo das criaturas é indeterminado privativamente. Em seguida, passando para o modo mais geral, atribui-se a Deus atributos mais perfeitos, em um grau mais supremo. Por fim, de modo geral, conhece-se a Deus que em qualquer atributo seu se confunde com a sua noção primeira, de ser. “Henrique de Gand sustenta, pois, que os dois conceitos de ser são radicalmente distintos e que o assim chamado ‘conceito análogo de ser’ comum às criaturas e a Deus é na realidade dois conceitos. Nós os confundimos por causa de sua semelhança que consiste na negação de determinação.” Ibidem., n. 21. 41 Ibidem., n 25.

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conceito de que tem certeza como distintos dos conceitos de que tem dúvida.” 42 A certeza alcançada pelo intelecto de que Deus é um ser soma-se na dúvida se ele é um ser finito ou infinito, criado ou incriado. Para explicitar melhor esse argumento, o filósofo remete a discussão ocorrida nos primórdios da filosofia na Grécia Antiga, acerca do que era o primeiro princípio. Alguns postulavam que era a água e outros que era o fogo. Apesar da dúvida com relação a natureza específica do primeiro princípio (se era água ou fogo), existia um consenso entre eles de que o primeiro princípio era um ser. Com relação ao segundo argumento, este parte da premissa de que “nenhum conceito real é causado naturalmente no intelecto humano nesta vida senão por aqueles fatores que movem naturalmente o nosso intelecto”43. Dessa forma, só podemos conhecer algo pela imagem sensível ou o objeto revelado na imagem sensível. Por conseguinte, se não existisse um conceito unívoco do objeto revelado na imagem sensível e do ser incriado, não se poderia chegar ao conhecimento de Deus. Já no terceiro argumento, refere-se que quando se tem um conceito apropriado de um sujeito compreende-se tudo o que for inerente a ele. O intelecto humano não é capaz de conhecer suficientemente tudo que é inerente a Deus. Portanto, “será através das proposições imediatas que serão conhecidas as mediatas,”44 isto é, partindo do conhecimento dos termos das criaturas, da mesma forma obtêm-se o termo médio, e onde finda-se o termo médio iniciase as proposições imediatas.45 O quarto argumento é investigado da seguinte forma: “ou alguma perfeição pura 46 tem um significado que é comum a Deus e à criatura, ou não.”47 Se não, ou é aplicada apenas às criaturas e não se aplicaria a Deus, ou ainda teria um significado que seria próprio Deus e

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DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 27. 43 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 35. 44 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 37. 45 “Qualquer proposição imediata é conhecida na medida em que conhecemos os seus termos. Portanto, a maior é evidente a propósito de tudo o que for concebível como imediatamente inerente ao conceito de sujeito. Caso se trate de algo que inere mediatamente, faz-se o mesmo raciocínio a respeito do termo médio referido ao mesmo sujeito e onde quer que o processo termine teremos o que foi dito a propósito das proposições imediatas.” DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 37. 46 “Uma perfeição pura ou simples é a que não implica, em sua razão formal, nenhuma imperfeição ou limitação. Exemplos: conhecimento, vontade, existência, sabedoria, etc. Distingue-se das perfeições mistas que implicam, em sua noção formal, alguma imperfeição ou limitação. Exemplos: matéria, corporeidade, sensibilidade, razão, etc.” (DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 38). 47 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 38.

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nada seria aplicado a Deus por ser uma perfeição pura. Por isso, Duns Scotus conclui que para se investigar por meio da metafísica ao conhecimento de Deus deve-se partir do entendimento que “considera-se a noção formal de algo e remove-se desta noção formal a imperfeição que ela tem nas criaturas; toma-se esta noção formal e atribui-se-lhe de maneira total à suma perfeição; é deste modo que ela é atribuída a Deus.”48 Utilizando o exemplo do Doutor Sutil toma-se a noção formal da sabedoria, intelecto e vontade. Aplicando essas noções às criaturas, percebe-se suas imperfeições, e que ao abstraírem para a sua noção formal tornam-se puras e são atribuídas a Deus de forma perfeitíssima. Diante disso, afirma-se que não é possível atribuir nada a Deus partindo de qualquer noção que seja própria às criaturas, pois aquilo que é próprio de Deus é diferente do que seja a criatura. Ao quinto argumento refere-se à ordem das intelecções segundo a ordem das criaturas que conduzem a elas. “Segue-se, portanto, que entre a intelecção abstrativa ínfima e a intelecção intuitiva há mais ou tantas intelecções intermediárias quantos intermediários há entre a espécie ínfima dos seres e a suprema.”49 Por esta razão, é possível percorrer de uma espécie mais ínfima a um ser superior àquela causa a intelecção abstrativa suprema. Do exposto acima acerca dos cinco argumentos que tratam da univocidade do ser, ou seja, Duns Scotus defende que Deus pode ser conhecido naturalmente pelo homem “em algum conceito unívoco a ele e à criatura.”50 Outrossim, o Doutor Sutil acredita que existam muitos conceitos que são particularizados em Deus; porém, na sua opinião, o conceito mais perfeito e mais simples é o conceito de ser infinito, pois exprime o modo intrínseco da própria entidade divina, e ele afirma que “[. . .] quando digo ‘ser infinito,’ não tenho um conceito por assim dizer composto acidentalmente do sujeito e do seu atributo, mas um conceito próprio do sujeito num determinado grau de perfeição, a saber, a infinidade.”51

Prova-se a perfeição deste conceito, primeiro, porque este conceito é, dentre todos os conceitos por nós concebíveis, o que mais inclui virtualmente. Pois, assim, como o ser inclui virtualmente em si o verdadeiro e o bem, assim também o ser infinito inclui o verdadeiro infinito, o bem infinito e toda a perfeição pura infinita. Prova-se também pelo fato seguinte: A existência do ser infinito é a última coisa a ser demonstrada através de uma demonstração 48

DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 39. 49 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 42. 50 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 26. 51 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 58.

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‘de que’, como ficou claro pelo que foi dito na primeira questão da segunda distinção. Ora, o mais perfeito se conhece em último lugar, através de uma demonstração ‘de que’, que parte das criaturas. Com efeito, é dificílimo estabelecê-lo a partir das criaturas por causa da sua distância entre elas.”52

2.2 A relação entre ente e infinito

Ao iniciar a reflexão filosófica acerca da existência de Deus, Duns Scotus parte da necessidade de se provar a existência de um ente infinito.53 Quando se afirma que Deus existe diz-se que essa proposição é por si evidente, porém a proposição da existência de um ente infinito não é por si evidente, pois precisa ser demonstrada. Para o Doutor Sutil, “O conceito simultaneamente mais perfeito e mais simples que nos é possível é o conceito de ser infinito.”54 Portanto, o conceito de ente infinito envolve estes dois termos: ente e infinito.

A infinitude não repugna ao ente por quatro razões: em primeiro lugar, porque a própria finitude não pertence à noção de ente, nem é uma propriedade conversível com o ente, que causasse incompossibilidade do ente com o infinito; em segundo lugar, por uma razão de analogia com a quantidade, isto é, porque tal como o infinito não repugna à quantidade, ao receber sucessivamente parte por parte, assim também o infinito não repugna à entidade, ao ser simultaneamente na perfeição; em terceiro lugar, por comparação entre a quantidade de virtude e a quantidade de volume, de modo que, se aquela é simplesmente mais perfeita do que esta, e se o infinito é possível em volume, então, a fortiori, também o será em virtude; por fim, e em quarto lugar, porque o intelecto, porque o primeiro objeto é o ente, não sente repugnância alguma ao inteligir algo infinito, pois não poderia deixar de senti-la, caso o infinito deixasse de existir.55 Compreendendo que a noção de ente e infinito não se excluem mutuamente, mas que cada um tem a sua particularidade, é importante tomá-los a parte e depois o relacioná-los entre si, pois a noção de ente é fundamental para prescindir o conhecimento de uma ordem dos seres, e em perceber que a noção de infinito é a mas perfeita e simples definição de Deus. Ao fim dessa exposição do que venha a ser ente e infinito, cumpre verificar a univocidade do ser como via de acesso ao conhecimento de Deus por meio da metafísica apresentada por Duns Scotus.

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DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 59. 53 “Utrum aliquod infinitum esse sit per se notum, ut Deum esse.” SCOTUS, Apud XAVIER, p. 159. 54 DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 58. 55 SCOTUS apud XAVIER, p. 163.

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2.2.1 A noção de infinito.

O questionamento acerca do caráter infinito de Deus, inquirindo na possibilidade da existência de um ente infinito em ato, requer a reflexão se o infinito é conhecido como ente.56 O âmbito desta investigação envolve dois aspectos, essencial e existencial. No primeiro, é mister excluir tudo aquilo que não é próprio enquanto tal, podendo chegar a afirmação de um ente cuja determinação essencial seja a sua infinitude. Os argumentos contrários incidem na ideia de que há uma contradição entre infinitude e determinação, afirmando que o ente infinito seria indeterminado e indefinido. Ao contrário desta afirmação Scotus cita Aristóteles em que a infinitude seria mesma uma determinação do ente.57 Da mesma forma, afirmar a existência de um ente infinito é conceber tal ente em meio aos outros entes, e não defender que esta existência seja meramente intelectual. Os que defendem em contrário, sustentam que o ente infinito não pode co-existir com os entes finitos, pois o que é contrtário não pode haver lugar com ele simultaneamente. No entanto, o pensamento de Duns Scotus58 vem corrigir desse erro afirmando que:

[. . .] a contradição entre finitude e infinitude existe a um âmbito anterior a da existência atual, a saber, a da possibilidade de existência, em quanto que possui uma virtude infinita, a qual dá lugar a que exista todo quanto é algo, de modo que, dado que todo quanto se mostra mediante os sentidos e que se encontra movido pelo existente, sua existência é inegável. [tradução nossa].59

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Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 307: “Circa distinctionem secundam quaeritur primo utrum in entibus sit aliquod ens actu infinitum” 57 Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008., 310: “VII Physicorum dicit Philosophus quod primum movens est infinitum, et ideo non est virtus in magnitudine: non infinita, quia nulla talis, - nec in magnitudine finita, quia maior magnitudo habet maiorem virtutem. Sed ista ratio non valeret nisi intelligeret de infinito secundum virtutem, quia corpus, tu sol, esset infinitum duratione.” 58 Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 310: “Primo dicendum est quid sit primo cognitum a nobis cognitione confusa secundum viam generationis. Et dico quod illud est species specialissima, cuius individuum et sigulare fortius movet sensum, sive sit audibile sive visibile sive tangibile; quodcumque individuum fortius movet sensum, illa species est primo cognita cognitione confusa.” 59 “[. . .] la contradicción entre finitud e infinitud a un ámbito anterior al de la existencia actual, a saber, al de la posibilidad de existencia, en cuanto que posee una virtud infinita, la cual da lugar a que exista todo cuanto es algo, de modo que, dado que todo cuanto se muestra mediante los sentidos y que se encuentra movido por él existe, su existencia es innegable.” NÚÑES, Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma – Itália: Antonianum, 2008. p. 310.

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Diante desta possibilidade do ente infinito em ato, ou seja, que este tenha um lugar entre os demais entes, tanto de modo essencial quanto existencial, constituindo o ente infinito como tal e que sua presença seja encontrada em meio aos entes infinitos, é preciso partir da questão elaborada por Duns Scotus: “Iuxta hoc quaeritur utrum aliquod infinitum esse, ut Deum esse, sit per se notum.”60

[. . .] Dessa forma, em virtude desta nova pergunta põe-se expressamente em questão o âmbito do ente finito e particularmente àquele ente finito que é capaz de apreender a presença de si mesmo e dos demais, ao homem, pois de fato que se dá uma relação entre este âmbito e o do infinito, entre Deus e as criaturas, a maneira como a presença daquele se pode pôr de manifesto em meio destas últimas encontrar-se-á ligada ao modo como se dá a conhecer a presença destas ao homem, e a capacidade deste de reconhecer a dita presença. [tradução nossa].61 A presença do ente infinito em meio aos entes finitos não deve ser a única preocupação, soma-se ainda a verdade disto que é dada por uma proposição, no qual unem-se tanto os sentidos quanto o intelecto, isto é, a proposição reune tanto aquilo que se dá a conhecer quanto ao que se deixa manifestar a sua presença. Portanto, para se reconhecer que existe um ente infinito em ato, examinando a sua essencia e a sua existência, a sua veracidade e a sua presença, Duns Scotus afirma que tal proposição deve ser dada per se nota.62

Assim, ao examinar o que entende Duns Escoto por uma proposição ‘per se nota,’ podemos nos dar conta de que tal caráter determina-se a partir de dois termos; por uma parte, temos o que se trata de uma proposição, de modo que temos que considerar a maneira que lhe é 60

Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 315. 61 “[. . .] Asimismo, en virtud de esta nueva pregunta se pone expresamente en cuestión el ámbito de lo ente finito y particularmente a aquel ente finito que es capaz de aprehender la presencia de sí mismo y de los demás, al hombre, pues del hecho de que se dé una relación entre este ámbito y el del ente infinito, entre Dios y las criaturas, la manera como la presencia de aquel se pueda poner de manifiesto en medio de estas últimas se encontrará ligada al modo como se da a conocer la presencia de éstas al hombre, y a la capacidad de éste de reconocer dicha presencia.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 315. 62 Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 316: “Ad istam quaestionem secundam est primo dicendum. Ad cuius solutionem primo videntum est quae est ratio propositionis per se notae [. . .] cum dicitur propositio per se nota, per ly 'per se' non excluditur quaecumque causa, quia non notitia terminorum, quia nulla propotitio est per se nota nisi habeatur notitia terminorum; sed excluditur quaecumque causa et ratio quae est extra per se conceptus terminorum propositionis per se notae.”

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própria, em quanto tal, para pôr manifestada a presença de todo o que é, a qual tem lugar a partir do que Escoto denomina ‘notitia terminorum’, já que “nulla propositio est per se nota nisi habeatur notitia terminorum”; por outro aspecto, para que estejamos diante de uma proposição ‘per se nota’, é necessário que se excluia assim mesmo “quaecumque causa et ratio quae est extra per se conceptus terminorum.” [tradução nossa].63 A definição de uma proposição per se nota dá-se da seguinte forma: primeiramente é importante ater-se que toda a apreensão dada por algo por sua presença é viabilizada primeiramente por conhecer o seu nome64, e este conhecimento é no início dado de forma indeterminada, confusa, apenas dado a sua presença aos outros por conta do seu nome. No entanto é mister superar esta falha na definição para ser conhecido efetivamente, de forma determinada, definida, sendo que a presença seja obtida por tudo aquilo que o constituí enquanto tal. A relação existente entre o nome e a sua definição, estando em plena harmonia, Duns Scotus vai chamar de 'notitia terminorum', que é a manifestação efetiva daquilo que se encontra e que é possível reconhecer a sua presença, pois o nome por si só é incapaz de mostrar algo se não remete ao que a coisa é. Nestes termos, tem-se no nome a forma confusa enquanto que na definição encontra-se claramente determinada.

Assim, ainda que em virtude da reunião entre o nominado e a sua definição, uma vez que o último tenha sido apreendido, pode-se consumar a manifestação da presença do dito ente cada vez que nos encontremos ante ele, dita manifestação não mostra em efeito nada se é o que se afirma do ente cuja presença é acolhida no dizer não se encontra já reunido nele, senão se dá uma correspondência entre eles, entre o conceito e a definição. [tradução nossa].65 63

“Así, al examinar qué entiende Duns Escoto pro una proposición 'per se nota', nos podemos dar cuenta de que tal carácter se determina a partir de dos términos; por una parte, tenemos que se trata de una proposición, de modo que tenemos que considerar la manera que le es propia, en cuanto tal, para poner de manifesto la presencia de todo lo que es, la cual tiene lugar a partir de lo que Escoto denomina 'notitia terminorum', ya que 'nulla propositio est per se nota nisi habeatur notitia terminorum'; por otra parte, para que estemos ante una proposición 'per se nota', es menester que se excluya asimismo 'quaecumque causa et ratio quae est extra per se conceptus terminorum.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 317. 64 Cf. SCOTUS, Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. 2008, p. 317: “Nunc autem alius terminus est nomem, et conceptus importatus per nomem, ut alius terminus est nomem, et conceptus importatus per nomen, ut alius terminus est nomen, et difinitio nominis.” 65 “Así, aún cuando en virtud de la reunión entre el ente nombrado y su definición, una vez que su ésta ha sido aprehendida, se puede consumar la manifestación de la presencia de dicho ente cada vez que nos encontremos ante él, dicha manifestación no muestra en efecto nada si es que lo que se afirma del ente cuya presencia es

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Deparando-se com uma proposição per se nota, não é suficiente a notitia terminorum, mas Duns Scotus também acrescenta a conceptus terminorum, que consiste em acolher a manifestação daquilo que se dá a conhecer, permitindo que tenha um lugar de reconhecimento efetivo de que estamos na sua presença. Dessa forma, estas duas ações, notare e concipere, o ato de deparar-se com algo já conhecido e reconhecê-lo e de acolher do que se dá a conhecer, são complementares para uma proposição per se nota. De modo que podemos entender a “notitia teminorum” como o reconhecimento dos termos, a saber, o reconhecimento de que a reunião daquilo que se tem presente, da sua definição e do nome que põe a ambos em relação, não somente dá lugar à manifestação do ente mencionado na proposição, senão que também a sua própria em quanto termos da proposição, a saber, em quanto que cada um deles permite que tenha lugar a dita manifestação, e que sua reunião constitui a causa imediata desta última. O “conceptus terminorum,” por sua parte, diz a relação com a apreensão efetiva da manifestação do ente que se tem presente mediante o seu nome e a sua definição, mas não considerando já a isto como causa da manifestação do dito ente, senão mais também que sua reunião na proposição nos permite reconhecer que o ente aludido constitui o fundamento da manifestação que tem lugar nela, e por onde nos remete mais além da proposição. [tradução nossa].66

Aprofundando a questão com relação a manifestação do ente infinito nos entes finitos, esta proposição é reconhecida a partir de si mesma por meio da verificação da verdade na relação entre o que é dito ao ente e como este se torna presente. “A la concordancia entre sujeto y predicado la llamamos anteriormente la 'verdad de la proposición', mientras que a la correspondencia entre el ente y su definición la 'verdad de la manifestación'.”67 Neste acogida en el decir no se encuentra ya reunido en él, si no se da una correspondencia entre ellos, entre el concepto y la definición.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 319. 66 “De modo que podemos entender la 'notitia terminorum' como el 'reconocimiento de los términos', es decir, el reconocimiento de que la reunión de aquello que se hace presente, de su definición y del nombre que pone a ambos en relación, no sólo da lugar a la manifestación del ente mencionado en la proposición, sino que también a la suya propia en cuanto términos de la proposición, es decir, en cuanto que cada uno de ellos permite que tenga lugar dicha manifestación, y que su reunión constituye la causa inmediata de esta última. El 'conceptus terminorum' , por su parte, dice relación con la aprehensión efectiva de la manifestación del ente que se hace presente mediante su nombre y su definición, pero no considerando ya a éstos como causa de la manifestación de dicho ente, sino más bien que su reunión en la proposición nos permite reconocer que el ente aludido constituye el fundamento de la manifestación que tiene lugar en ella, y por ende nos remite más allá de la proposición”. GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 323. 67 GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 325.

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sentido, entende-se que ao examinar se a veracidade do ente infinito requer a observância da determinação do ente e da sua presença e da correta relação entre ambos, mas que não é suficiente para tornar-se evidente em si para o homem este proposição.

No entanto, a proposição que afirma o ser do ente infinito em ato, de Deus, está determinada para ser reconhecida a partir de si mesma, de acordo dom o que temos visto, não quer dizer outra coisa que nela tem lugar de maneira adequada a manifestação da presença do ente em questão, e por ente dá-se uma correspondência absoluta entre o caráter suficiente do dito ente e a proposição mediante da qual se dá a conhecer. Não obstante, tal correspondência não é capaz de assegurar que todo aquele que ouvi a proposição pode alcançar uma apreensão adequada da essência divina, isto é, que reconheça mais que Deus mesmo que se faz presente de maneira adequada na dita proposição, pois o fato de que a manifestação seja ou não apreendida por n’s não determina seu caráter “per se notum.”[tradução nossa].68

Ao examinar o caráter de uma proposição per se nota, compreende-se que esta é reconhecida a partir de si mesma, no entanto, Duns Scotus afirma que o ser humano não pode assimilar pelo intelecto a presença do ser de Deus a partir desta proposição em si mesma,69 mas somente quando se põe manifestada pelo próprio Deus nas criaturas, “[. . .] de maneira que a evidência da manifestação de Deus enquanto ente infinito em ato não é imediata, senão mais que é produto de uma conclusão.”70 Ademais, só é possível reconhecer a presença de Deus ou por meio da fé ou por 68

“Sin embargo, que la proposición que afirma el ser del ente infinito en acto, de Dios, esté determinada para ser reconocida a partir de sí misma, de acuerdo con lo que hemos visto, no quiere decir otra cosa que en ella tiene lugar de manera adecuada la manifestación de la presencia del ente en cuestión, y por ente se da una correspondencia absoluta entre el carácter suficiente de dicho ente y la proposición mediante la cual se da a conocer. No obstante, tal correspondencia no es capaz de asegurar que todo aquel que oye la proposición pueda alcanzar una aprehensión adecuada de la esencia divina, esto es, que reconozca sin más que Dios mismo se hace presente de manera adecuada en dicha proposición, pues el hecho de que la manifestación sea o no aprehendida por nosotros no determina su carácter 'per se notum'.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 328. 69 Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 329. “Quod primo et per se convenit inferiori se, natum est ostendi per se de suo superiore, sumpto inferiore pro medio, ut si aliqua passio ostendatur primo de triangulo, illa potest demonstrari de figura per triangulum; sed omnis conceptus quem nos concipimus de Deo est superior sive posterior quam haec essencia; igitur per hanc essentiam, cui primo convenit esse, potest demonstrari esse de omni conceptu quem nos de Deo concipimus.” 70 “[. . .] de manera que la evidencia de la manifestación de Dios em cuanto ente infinito em acto no es inmediata, sino que más bien es producto de una conclusión”.GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 329.

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uma demonstração, sendo que estas anteriorizações confirmam a não evidência por si mesma da proposição Deus é ou um ente infinito é. Portanto, isto resulta que a apreensão dos termos não nos põe em presença de Deus, e por onde não podemos afirmar que a proposição ‘Deus é’ seja reconhecida a partir de si mesma.

Por último, tudo o que podemos conceber de Deus não é algo, como disse Scotus, “simpliciter simplex,” isto é, um conceito que já não pode reduzir a um conceito anterior ou mais simples, nem que se pode resolver em vários conceitos, posto que, quanto apreendemos algo de Deus e isso é comum para ele e para nós, e portanto temos que encontrar neste caráter comum àquele que é próprio de Deus e que o diferencia das criaturas. De modo tal que é necessário provar que as partes do dito conceito encontram-se nele, e assim uma parte se pode demonstrar de outra, como um exemplo que dá Scotus, 'ut quod Deus est infinitus et quod Deus est, prout nos Deum concipimus.'[tradução nossa].71 Portanto, a presença de Deus nas criaturas não é possível pelo homem apenas por meio de sua mera apreensão, mas é preciso reconhecer a sua manifestação que é resultada pela apreensão do que é comum a Deus e às criaturas, e isto só ocorre neste pôr em relação das criaturas, do homem e de Deus, e que se realizará em virtude do caráter unívoco do ser, “[. . .] entendemos ‘ser’ como ‘estar presente’, como ‘presença’, e não tanto como entidade.”[tradução nossa].72 O ponto central em questão e que foi analisado é que se existe a possibilidade de encontrar algo comum entre um ente infinito e os entes finitos, acolhendo a sua presença, e esse vínculo pode-se chamar de univocidade do conceito de ser, compreendendo como ser do ente, presença do que se faz presente, colocando a infinitude de Deus e a finitude das criaturas uma diante da outra, correspondendo o que está presente e a sua manifestação.

2.2.2 As quatro ordens do ser 71

“Por último, todo lo que podemos concebir de Dios no es algo, como dice Scoto, 'simpliciter simplex', esto es, un concepto que ya no se puede reducir a un concepto anterior o más simple, ni que se pueda resolver en varios conceptos, puesto que, cuando aprehendemos algo. De modo tal que es menester probar que las partes de dicho concepto se encuentran reunidas en él, y así una parte se puede demonstrar de la otra, como en el ejemplo que da Escoto, 'ut quod Deus est infinitus et quod Deus est, prout nos Deum concipimus'.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 330. 72 “[. . .] entendiendo ‘ser’ como ‘hacerse presencia’, como ‘presencia’, y no tanto como ‘entidad’.’ ’GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 331.

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Deus para Duns Scotus é o primeiro princípio dos seres. Para tanto, parte do relato das Sagradas Escrituras do povo antigo Hebreu quando Moisés coloca-se diante de Deus para que revele o seu nome, e que o revelou como caminho para o entendimento humano acerca do divino dizendo: “Eu sou o que sou”. Por isso a compreensão da noção do ser serve como método para que o Doutor Sutil reflita filosoficamente sobre a existência de Deus. Se Deus é um ser, Scotus inicia a sua reflexão com relação as quatro ordens do ser.

Oh Senhor nosso Deus! Quando teu servo Moisés perguntou a Ti, Doutor verossímil, qual és o teu nome, para que se pudesse dizer aos seus filhos de Israel, Tu que conheces a capacidade do entendimento humano a respeito de Ti, deste-o a conhecê-lo respondendo: Eu sou o que sou73 [tradução nossa].

Na primeira divisão da ordem essencial, relaciona-se entre a ordem de eminência e a ordem de dependência. Com relação à ordem de eminência, “diz-se primeiro ou anterior o que é excedente ou eminente, e o posterior o que é excedido”74 [tradução nossa]; e na ordem de dependência, “diz-se anterior aquilo de que algo depende, e posterior o que depende”75. Na segunda divisão da ordem essencial, subdivide-se a ordem de dependência entre “o que depende é causado e aquilo de que depende é sua causa, ou é um efeito mais remoto de uma causa e aquilo de que depende é um efeito mais próximo da mesma causa”.76 A explicação da segunda divisão decorre pelo fato de uma causa ter dois efeitos, e que um pode ser causado naturalmente por ela e outro só depois pode ser causado por ela. Então, temos dois efeitos de uma mesma causa, sendo um sendo anterior e outro posterior. O efeito mais remoto depende do efeito anterior, e isso faz com que entre eles existam uma relação de causalidade, o que os faz relacionar-se com um terceiro efeito. “Logo o efeito segundo depende da causa que produz o ser do efeito mais próximo, e pelo mesmo depende

73

“Domine Deus noster, Moysi servo tuo, de tuo nomine filiis Israel proponendo, a te Doctore Veríssimo sciscitanti, sciens quid posset de te concipere intellectus mortalium, nomen tuum benedictum reserans, respondisti: EGO SUM, QUI SUM” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 595. 74 “Primo modo prius dicitur eminens, et posterius, quod est excessum”. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 597. 75 “Secundo modo prius dicitur, a quo aliquid dependet, et posterius, quod dependet.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 597. 76 “ [. . . ] quia dependens aut est causatum et illud a quo dependet est eius causa, aut dependens est causatum remotius alicuius causae et illud a quo dependet est causatum propinquius eiusdem causae”. Ibidem., p. 598.

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também este”.77 Na terceira divisão argüi-se que tomando a divisão anterior, em a existência de um efeito, A, mais imediato a uma causa que lhe é próxima e tomando outro efeito, B, que lhe é posterior e que não tem em nenhuma causa anterior a sua causa próxima, pode-se ainda tomar uma causa que seja próxima ao efeito B e posterior ao efeito A. Dentre essa causa que seja comum a ambos os efeitos faz com que estes se relacionem em uma ordem essencial. Por isso, conclui-se que não pode existir um efeito posterior sem antes existir um efeito anterior. Por fim, na quarta divisão, refere-se a subdivisão as quatro ordens conhecidas: final, eficiente, formal e material, no qual será aprofundada no item seguinte.

[. . .] É, de fato, comprovado da seguinte forma: os dois efeitos, essencialmente ordenados a partir de um terceiro, que é devido a ambos, também deve ser essencialmente ordenados entre si. Além disso, a causa comum é concebida como uma causa remota do efeito posterior, se o efeito anterior não é causado. Adicione o efeito posterior não pode existir sem o anterior.”[tradução nossa]78 2.2.3 Justificação das ordens dos seres

As quatro ordens acima citadas são justificadas por Duns Scotus num capítulo seguinte.79 Neste capítulo, o autor desenvolve a sua argumentação em dezesseis conclusões que tem como intuito aprofundar as ordens dos seres. Para tanto, na conclusão primeira cita-se que “Nenhuma coisa existe que gere a si mesmo como ser” [tradução nossa],80 e que a esta afirmação o Doutor Sutil faz a seguinte reflexão: “Que nenhuma coisa está essencialmente ordenada a si mesma” [tradução nossa].81 Nenhuma coisa pode exceder a si mesma, ou seja, é inadmissível conter dentro de uma ordem de eminência que exista algo que dependa de si 77

“Ergo secundum dependet a causa quae posuit propinquius in esse; igitur et ab esse propinquiore”. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 599. 78 “Hoc autem sic probatur: Nam et utrumque causatum respectu tertii, quod est causa ipsorum, essentialiter ordinatur: igitur ET inter se; tunc etiam causa communis quasi remota causa intelligitur respectu posterioris, priori non causato; tunc etiam posterius non potest esse sine priore.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 600. 79 Refere-se ao segundo capítulo da obra Tratado acerca do primeiro princípio de Duns Scotus. 80 “Nada hay que se dé a sí mismo el ser.” “Nulla omnio res est quae seipsam gignat ut sit.”( DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 602). 81 “Que ninguna cosa está esencialmente ordenada a sí misma?” “Quia nulla omnio res essentialem ordinem habet ad se?” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 602).

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mesmo em ordem essencial. A conclusão segunda defende que a ordem essencial não é possível em círculo, ou seja, algo seria anterior e posterior ao mesmo tempo. E segue-se a isto a conclusão terceira, que o que é posterior só pode ser em ordem de dependência ou de efeito a algo que lhe é anterior, e não do que lhe é posterior. A partir dessas demonstrações, é importante compreender as conclusões referentes às quatro ordens de causa e efeito. A primeira diz que “o que não é finito não é efetível” [tradução nossa].82 O efetível é gerado por uma causa por si, e não de que é acidental; e também para ser gerado por essa causa por si deve ser ordenada a um fim. Dessa forma, o fim é causa primeira, é o que move todo o processo de causação, por isso deve toda a atenção na relação de causa e efeito.

Prova da premissa maior. Em nenhum gênero é primeiro por acidente (ou o acidental). Aristóteles o prova em o livro segundo da Física, onde diz que a natureza e a inteligência como causas por si são necessariamente anteriores ao azar e a fortuna, que são causas por acidentes nesse gênero de causalidade [eficiente]. Mas o que não procede do anterior não procede do posterior, como consta na verdade terceira. Fala-se de feitos positivos, únicos que podem ser causados propriamente. A premissa maior é então evidente. Prova da premissa menor. Todo agente por si age por um fim, pois nada atua em vão; Aristóteles, no livro II da Física, afirma com relação à natureza, em que aparece menos evidente. Logo, um agente por si não faz nada senão por um fim.[tradução nossa].83

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“Lo que no es 'finido' no es 'efecto'” “Quod non est finitum non est effectum.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 604). 83 “Prueba de La premisa mayor. En ningún género es primero lo accidental. Aristóteles lo prueba en el libro segundo de la Física, donde dice que la naturaleza y la inteligencia como causas per se son necesariamente anteriores al azar y la fortuna, que son causas per accidens en este género de causalidad [eficiente]. Pero lo que no procede de lo anterior no procede de lo posterior, como consta de la verdad tercera. (Nótese que hablo de efectos positivos, únicos que pueden ser causados propiamente.) [Luego lo que no procede de una causa per se, que es anterior, no procede de una causa accidental, que es posterior, es decir, no es causado.] La premisa mayor es, pues, evidente. Prueba de la premisa menor. Todo agente per se obra por un fin, pues nada actúa en vano; Aristóteles, en el libro II de la Física, lo afirma de la naturaleza, en la que aparece menos evidente. Luego, un agente per se no hace nada sino por un fin.” “Maior sic probatur: quia in nullo genere per accidens est primum; quod Aristoteles satis exprimit II Physicorum, ubi casu et fortuna tamquam causis per accidens, priores ponit necessario naturam et intellectum tamquam causas per se in illo genere causae; quod autem non est a primo, non est a posteriori, ex tercia iam praemissa. Et loquor de positivis, quae sola sunt proprie effectibilia. Pater igitur maior. Minor sic probatur: Agens per se omne agit propter finem quia nullum frustra, quod Aristoteles in II Physicorum determinat de natura, de qua minus videtur; ergo tale nihil efficit nisi propter finem”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 605).

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Da conclusão que segue, “o que não é efetível não é finito”84, o Doutor Sutil apresenta o fim com relação a causa final. O que depende do ser finito não é o seu fim, mas somente quando este move a causa eficiente a dar o ser ao finito. “O fim não é a causa final da causa eficiente, senão do efeito. Por conseguinte, a afirmação de que o agente atua por um fim, não se entende de seu fim, senão do fim do efeito” [tradução nossa].85 Por isso, todo efetível depende da sua causa final que o move por um fim, e este fim não se deve confundir como causa de uma causa eficiente. “[. . .] A última operação de um ser, o objeto desta operação, é chamado às vezes, e com razão, fim, porque é o último, e em algum modo ótimo, e tem pelo menos algumas condições da causa final” [tradução nossa].86 Na conclusão sexta defende-se que “o que não é efetível não é materiável” [tradução nossa].87 É importante esclarecer primeiramente que como a matéria está em contradição com a forma, esta não pode ser causa que aquela se torne em ato. Portanto para que a matéria se torne em ato é necessário o causar de outro ser, sedo que “[. . .] este outro ser é a causa eficiente do composto, pois constituir um ser composto ou fazer com que a matéria seja em ato pela forma é a mesma coisa” [tradução nossa].88 Ademais, para que haja uma unidade do composto formado pela matéria e pela forma, é mister compreender que não uma delas é causada entre si, pois ambas são inferiores a entidade total, mas que esta unidade é garantida por um ser extrínseco que tem unidade. A causa eficiente é a causa próxima da final. Logo é anterior à matéria 84

“Lo que no es 'efecto' no es 'finido.'” “Quod non est effectum non est finitum.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 606). 85 “El fin no es la causa final de la causa eficiente, sino del efecto. Por consiguiente, la afirmación de que el agente actúa por un fin, no ha de entenderse de su fin, sino del fin del efecto.” “Patet aliud corollarium, quod finis non est causa finalis efficientis, sed effectus; unde quod dicitur, agens agit propter finem, non intelligendum est suum, sed sui effectus”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 609). 86 “[. . .] La última operación de un ser, o El objeto de esta operación, es llamado a veces, y con razón, fin, porque es lo último, y en algún modo lo óptimo, y tiene por lo mismo algunas condiciones de la causa final.” “[. . .] Tamen bene operatio ultima alicuius, vel quod per ipsam attingitur, quandoque dicitur finis, quia ultimum et aliquo modo optimum, et ita habet aliquas condiciones causae finalis”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 607). 87 “Lo que no es ‘efecto’ no es ‘materiado’.” “Quod non est effectum non est materiatum”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 609). 88 “[. . .] Este otro ser es la causa eficiente del compuesto, pues ‘constituir un ser compuesto’ o ‘ hacer que la materia sea en acto por la forma’ es una misma cosa.” “[. . .] illud est efficiens compositum, quia idem est ‘facere compositum’ et ‘materiam esse actu per formam’.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 609).

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[ logo o que não é efeito não é materiável, causado pela matéria]; pois o que tem uma causa anterior, não tem uma posterior. A primeira proposição [a causa eficiente é a causa da final] prova-se: a causalidade do fim consiste em mover metaforicamente em quanto é amado; desta maneira o fim move a causa eficiente, não outra causa. O composto é verdadeiramente uno. Logo tem certa entidade que nem é matéria nem é forma. Esta entidade do composto, que é uma, não é unidade, um ser, constituído de vários elementos, senão por virtude de um; nem é causada primeiramente por uma das duas entidades componentes, porque cada uma destas é inferior a da entidade total. Logo esta entidade total é causada por um ser extrínseco que é uno. [tradução nossa].89 Na sétima conclusão afirma-se que “o que não é materiável não é formado e viceversa.”90 Foi visto acima que o composto formado pela matéria e pela forma é obtida a sua unidade por um ser extrínseco que causa a matéria e não a forma que causa a matéria. Outrossim, o que é materiado é também formado, e existe uma causa intrínseca para a matéria e também uma causa intrínseca para a forma e que esta concausa aquela. Por conseguinte, o que não contem uma parte potencial [material], não é composto. Logo tampouco é formado, pois o que é formado é composto, tem uma forma como parte. Como acabamos de fundamentar com relação à matéria e a forma pode fundamentar-se da substância ou sujeito e acidente e sua ordem. [tradução nossa].91 As duas conclusões seguintes relacionam com as quatro conclusões anteriores. Na conclusão oitava afirma que as causas intrínsecas têm uma dependência com relação às causas extrínsecas, pois estas são anteriores em causalidade por terem um grau de perfeição maior do que aquelas. Já na conclusão oitava defende que a ordem das quatro classes de causas tem como consequência causarem uma mesma coisa. Dessa forma, existe uma relação mútua 89

“La causa eficiente es la causa próxima a la final. Luego es anterior a la materia [luego lo que no es efecto, no es ‘materiado’, causado por la materia]; pues lo que no tiene una causa anterior, no tiene una posterior. La primera proposición [la causa eficiente es la causa próxima a la final] se prueba: la causalidad del fin consiste en mover metafóricamente en cuanto es amado; de esta manera el fin mueve la causa eficiente, no otra causa. El compuesto es verdaderamente uno. Luego tiene cierta entidad, que ni es la materia ni la forma. Esta entidad del compuesto, que es una, no es da unidad, un ser, constituido de varios elementos, sino por virtud de uno; ni es causada primeramente por una de las dos entidades componentes, porque cada una de éstas es inferior a la entidad total. Luego esta entidad total es causada por un ser extrínseco que es uno.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 610). 90 “Lo que no es ‘materiado’ no es ‘formado’ y viceversa.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad., Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 610). 91 “Por consiguiente, lo que no contiene una parte potencial [materia], no es compuesto. Luego tampoco es ‘formado’, pues lo que es ‘formado’ es compuesto, tiene una forma como parte. Como acabamos de razonar de la materia y forma puede razonarse de la substancia o sujeto y accidente en su orden.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 611).

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entre a causa final e a causa eficiente, e que também existe uma relação entre a causa material e a causa formal. Qual seja a ordem das quatro classes de causas, aparece manifesto na causa final e na eficiente pelo que foi dito acerca de sua relação mútua, pela prova segunda da conclusão quarta, a prova segunda da conclusão sexta e a conclusão oitava. [. . .] Se perguntas em que ordem é a matéria anterior à forma, respondo: como efeito mais próximo na ordem, segundo a qual a forma, respondo: Como efeito mais próximo na ordem, segundo a qual a forma é causada pela mesma causa. Contudo, a forma é anterior em eminência, pois é mais perfeita. [tradução nossa].92 Nas quatro conclusões seguintes Duns Scotus vai comparar a anterioridade e a posterioridade dos efeitos e a sua relação de causalidade. Primeiro, quando tomamos dois efeitos e o comparamos com uma mesma causa, percebe-se nesta uma certa disposição ou de proximidade ou de distanciamento com os respectivos efeitos. Já se relacionarmos dois efeitos sendo que um é mais próximo de uma causa, por conta disto, não se pode afirmar que seja este efeito causa do outro efeito por ser distanciado da mesma causa. Referindo as próximas conclusões, relaciona-se o excedido com o excedente, podendo perceber uma ordem de eminência, sendo que este é mais nobre do que aquele, não há necessariamente uma relação de causalidade, não sendo sua causa nem o seu efeito mais próximo. “Se algum ser eminente não é causa de outro excedido, nem efeito mais próximo da causa de ambos, segue-se que o ser excedido não depende essencialmente do eminente.” [tradução nossa].93 Ademais, não se pode afirmar ao que depende de outro seja menos perfeito do que este. Por fim, nas últimas duas conclusões que se seguem, entende-se que não há necessidade de haver outras ordem de seres por conta das conclusões acima referidas. Refletindo sobre as seis ordem dos seres, Duns Scotus demonstra que é importante compreender as causas e os efeitos dispostos numa ordem, e que ao compreendê-la, serve como pressuposto para a reflexão acerca do ente infinito. Quando afirma-se que existe esta 92

“Cuál sea el orden de estas cuatro clases de causas, aparece manifiesto respecto de la causa final y de la eficiente por lo dicho acerca de su relación mutua, por la prueba segunda de la conclusión cuarta, la prueba segunda de la conclusión sexta (incluso de otras secciones de las mismas conclusiones) y la conclusión octava. [. . .] Si preguntas en qué orden es la materia anterior a la forma, respondo: Como efecto más próximo en el orden, según el cual la forma es causada por la misma causa. Sin embargo, la forma es anterior en eminencia, pues es más perfecta.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 614). 93 “Si algún ser eminente no es causa de otro excedido, ni efecto más próximo de la causa de ambos, síguese que el ser excedido no depende esencialmente del eminente.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 618).

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ordem, está já se dispondo para a especulação filosófica acerca da existência de Deus, pois o ser humano não te acesso ao conhecimento de Deus por meio da sua própria essência, mas por meio de uma via comum entre Deus e as criaturas. Por isso é importante fazer menção entre a ordem dos seres à teoria da univocidade do ser.

CAPÍTULO 3 A EXISTÊNCIA DE DEUS

3.1 Se há entre os seres um ser infinito atualmente existente

3.1.1 Propriedades relativas do ser infinito

A fundamentação da existência do ser infinito é apresentada por Duns Scotus por meio das três modos de primazia, no qual este ser infinito é tido como algo simplesmente primeiro em eficiência, em finalidade e em eminência.

3.1.1.1 Primazia da causalidade eficiente

A primeira conclusão é apresentada por Duns Scotus na perspectiva da possibilidade da existência de uma causa eficiente absolutamente primeira, sendo que esta não seja produzida por nenhuma outra causa eficiente. Para tanto, esta conclusão é embasada pela seguinte proposição: “Algum ser é efetível?”94 Ou seja, por termos analisado a ordem dos seres, juntamente por existir também uma ordem das causas, a existência de uma causa eficiente primeira é uma proposição necessária, por isso torna-se mais rigoroso o critério e a investigação em Duns Scotus. “Algum efetivo é simplesmente primeiro, isto é, não efetível por outro, nem efetivo em virtude de outro”95. Sendo o efetivo um ser que é capaz de produzir um efeito, e o efetível é algo suscetível de ser produzido por tal efetivo, logo o Doutor Sutil afirma que o 94

“Duns Escoto prova esta conclusão a partir da proposição: Algum ser é efetível (“Aliquod ens est effectibile”). Ele observa expressamente que seria possível partir, também, da proposição: Algum ser é produzido (“Aliquod ens est effectum”); entretanto, esta proposição é continente, e como se sabe, as regras da teoria aristotélica da demonstração proíbe o uso de tais proposições. No intuito de dar uma demonstração rigorosa, Duns Escoto opta pela primeira proposição, que é necessária e evidente; pois aquilo que é efetuado é necessariamente efetível.” (BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1970. p. 504). 95 DUNS SCOTUS, João. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 43.

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efetível só o é ou por si, ou por nada ou por outro. Por nada não se pode, pois o nada não é capaz de causar. Por si não há ser capaz de fazer a si mesmo, segundo Scotus cita Agostinho. Portanto, o efetível dá-se por outro. Ao querer determinar este, notar-se-á que a ele caberá reconhecer algum ser primeiro a este, e a esse procedimento resultará ao infinito, por conta de que em cada efeito deve-se reconhecer um efeito anterior. A isto o Doutor Sutil critica a defesa em sentido do ascendente a infinidade, bem como a existência de um círculo nas causas. Para criticar a infinidade das causas é mister fazer uma diferenciação entre causas essencialmente ordenadas e causas acidentalmente ordenadas. Na primeira, em relação a causa e seu efeito, ela é causa em virtude da sua própria natureza, enquanto que a segunda é em virtude de algo acidental. Em um primeiro aspecto de diferenciação dado por Duns Scotus, nas causas essencialmente ordenadas, há uma dependência de uma causa com relação a outra, enquanto que nas causas acidentais não há dependência entre as causas. Segundo, nas causas essencialmente ordenadas, há uma diferenciação entre as causas, pois uma causa é mais perfeita do que a causa inferior, enquanto que nas causas acidentalmente ordenadas, não há dependência e nem diferenciação entre as causas. Por fim, naquelas há uma colaboração simultânea no causar, enquanto que nestas a causalidade é perfeita com relação ao seu efeito e independe de outra causa. “[. . .] uma infinidade de causas essencialmente ordenadas é impossível. Segundo, que uma infinidade de causas acidentalmente ordenadas é igualmente impossível sem fazer alto nas essencialmente ordenadas; por conseguinte, em todos os casos uma infinidade de causas essencialmente ordenadas é impossível. Terceiro, embora se negue [a existência de] uma ordem essencial, ainda assim uma infinidade é impossível. Portanto, em qualquer hipótese, existe necessariamente algum primeiro e simplesmente efetivo.”96

Portanto, em três proposições Duns Scotus tenta provar a argüição acima exposta. Inicialmente afirma-se que “uma infinidade de causas essencialmente ordenadas é impossível.”97 Existindo uma totalidade dos efeitos essencialmente ordenados deve ser procedida de uma causa externa a esses efeitos, pois se não o fosse seria causa de si mesmo, ademais, teriam estas causas uma existência simultânea em ato. Também vale ressaltar que comparando a causa superior ela é tida mais perfeita no causar, logo a infinitamente superior é 96

DUNS SCOTUS, João. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 52. 97 DUNS SCOTUS, João. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 53.

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a mais perfeita, por isso o seu causar é infinito. No entanto, sabe-se que esta causa é imperfeita por depender de outra.98 A infinidade acidental essencialmente ordenada também é impossível. O acidente produz mesmo deixando de existir a sua causa anterior, pois a ela é independente em produzir os seus efeitos. Porém, o causar do que é acidental não é um ato permanente, exceto que dependa de alguma natureza de duração infinita. Por isso, a infinidade acidental depende da existência de sua infinidade essencial e esta já foi provada anteriormente a sua existência desde que seja causada por uma natureza diversa e perfeita.99 Ao afirmar sobre uma natureza efetível, comprova-se que não é causada em virtude de outra natureza, pois tenderia a um processo infinito que seria em círculo, o que é improvável como foi visto. Por conta da existência de um ser primeiro que é efetível, logo ele não é causado, não é ordenado a um fim, não é materiável, nem formável e também nem materiável e formável ao mesmo tempo.100 Ademais, prova-se a existência da causa eficiente primeira em ato por referir a sua existência por si.

[. . .] A primeira causa eficiente não somente é anterior às outras, senão que exclui contradicionalmente outro ser anterior. E enquanto é primeiro, existe. Prova-se como a quarta conclusão: A definição da primeira causa eficiente inclui, antes de tudo, incausabilidade. Logo se pode existir, pois que não contradiz ao ser, pode existir por si. Logo existe por si. [tradução nossa].101 98

Cf. Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 627-628: “Pruébanse estas proposiciones. Pruebas de A: Primera: La totalidad de los efectos esencialmente ordenados es causada. Luego causada por alguna causa que no pertenece a ella, pues la totalidad de dependientes depende, y no de alguno de sus elementos componentes. Si la totaldad fuese causada por algún elemento perteneciente a ella, éste sería causa de sí mismo. Segunda: Si una infinidad de causas esencialemnte ordenadas fuese posible, existirían simltáneamente en acto cera diferencia arriba indicada entre causas esencialemente ordenadas y accidentalmente ordenadas. Pero ningún filósofo admite tal conclusión” “Probatio istarum: Primo A probatur, tum quia universitas causatorum essentialiter ordintorum est causata; igitur ab aliqua causa quae nihil est universitatis; tunc enim esset causa sui; tota enim universitas dependentium dependet et a nullo illius universitatis; tum quia infinitae causae essentialiter ordinatae essent simul i actu – ex diffrentia tertia supra; consequens nullus philosophus ponit.” 99 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 628: “[. . .] Esta infinidad de sucesión es imposible a no ser que toda ella y cada miembro suyo dependa de alguna naturaleza de duración infinita. “[. . .] Talis infiitas successionis est iposibilis, nisi ab aliqua natura infinite durante, a qua tota successio et quiblibet eius dependeat.” 100 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 629-630: “[. . .] Si el primero es inefectible, es absolutamente incausable, porque no es ‘finible’ [ordenable al fin], consta de la conclusión quinta del capítulo segundo; ni ‘materiable’, consta de la conclusión séptima del mismo capítulo; ni ‘materiable’ y ‘formable’ al mismo tiempo, consta de la conclusión octava del mismo capítulo.” “[. . .] Si primum est ineffectibile, igitur incausabile, quia non finibile – ex quinta secundi; Nec materiabile – ex sexta eiusdem; Nec formabile – ex septima ibi; simul etiam de forma et materia – ex octava ibidem.” 101 “[. . .] La primera causa eficiente no sólo es anterior a las otras, sino que excluye contradictoriamente otro ser anterior. Y en cuanto es primero, existe. Se prueba como la cuarta conclusión: la definición de la primera causa eficiente incluye, ante todo, incausabilidad. Luego si puede existir, pues que no contradice al ser, puede

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A causa eficiente primeira, por ser incausável, é por ela mesma necessária. Ocorre esta necessidade do seu existir porque todas as causas que existem são por ela ordenadas, e se o incausável não existisse, as causas que não a dependessem desta ou o existiriam por si ou por outro. Se as causas que são incompatíveis existissem, o incausável não existiria, e da mesma forma o incompatível com o incausável nega a existência de outro incompatível. Por fim, não pode existir um ser que não dependa do incausável e depende de outro, pois o incausável é mais perfeito do que qualquer outro ser.102 Só a um ser pertence a necessidade intrínseca de si, pois se existissem duas naturezas dessa forma, obteriam a mesma necessidade e a mesma quididade, e as diferenciariam por suas entidades formais, sendo que ocorreria duas incompatibilidades. Primeiramente, por conta da entidade comum, seriam de menor atualidade, e segundo, pelo fato da entidade formal distintiva, seriam de maior atualidade. “Parece, contudo, impossível que algo seja primeiramente necessário por uma atualidade menor e não seja nem primeiramente nem por si por uma atualidade maior.” [tradução nossa].103 A necessidade intrínseca de ser de duas naturezas é incompatível também e dois aspectos. Primeiro, porque sendo desiguais, um seria mais perfeito do que o outro e isso é contraditório, pois nada pode ser mais perfeito do que é intrinsecamente necessário. Segue ainda que existindo duas naturezas intrinsecamente necessárias, nenhuma dependeria da outra, e não existiriam no universo, o que levaria a entender que a unidade do universo está relacionada a ordem dos seres.104

existir por sí. Luego existe por sí.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 628. p. 631. 102 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 632. “[. . .] Nihil incompossibile incausabili potest positive vel privative esse, quia vel ex se vel ab alio; non primo modo, quia tunc esset sic ex se – ex quarta – et ita incompossibilia simul essent; et pari ratione neutrum esset, quia concedis per illud incompossibile, illud incausabile non esse, et ita sequitur e converso; quia nullum causatum habet vehementius esse vel potentius a causa quam incausabile non.” 103 “Parece, sin embargo, imposible que algo sea primariamente necesario por una actualidad menor, y no lo sea ni primariamente ni per se por una actualidad mayor.” “ [. . .] Videtur autem impossibile quod minor actualitas sit qua primo aliquid est necessarium, et maiore nec primo nec per se sit aliquid necessarium.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 628. p. 633. 104 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 634: “Si duae naturae essent ex se necesse esse, nullam dependentiam haberet uma ad aliam in essendo; ergo nec aliquem ordinem essentialem; igitur alterum nihil esset huius universi, quia nihil est in universo, quod non habet essentialem ordinem inter entia, quia ab ordine partium est unitas universi.”

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3.1.1.2 Primazia de causalidade final

A primazia da causalidade final segue em três conclusões. A primeira é que “algum finitivo é simplesmente primeiro.”105 Este ser primeiro não admite que o possa ser ordenado a um outro fim, muito menos causar como fim por conta de outro, pois ele se ordena a si mesmo. Esta prova é obtida de forma similar por cinco argumentos contidos na conclusão segunda do terceiro capítulo, referente ao primeiro efetivo.106 A segunda conclusão é que “o primeiro finitivo é incausável.” Entende-se esta conclusão pelo fato de que a primeira causa final não é causada por outro agente per se e nem por outro fim, pois se existisse uma causa que a gerasse o excederia e esta deixaria de ser primeira. E a terceira conclusão refere-se à existência em ato dessa causa primeira no qual pertence a alguma natureza, e que remete à quarta conclusão deste capítulo. Já na terceira conclusão, Duns Scotus reflete sobre a existência em ato desta causa final primeira e se ela possui a uma natureza eficiente.107 De início, vale ressaltar que a primeira causa final tem a sua primazia a ponto de que a existência de algo anterior a ela é impossível, e por isso, esta causa deve existir por si, e se não existisse nem por si e nem por outro seria um nada, um não existente, o que é improvável pelo fato deste não ser capaz de produzir nada.

3.1.1.3 Primazia de preeminência

Na terceira primazia, Duns Scotus vai analisar a possibilidade de alguma natureza ser excedente ou eminente. Observa-se que ao partir da possibilidade de alguma natureza ser ordenada a um fim e que se pode também ser excedida, portanto é provável a existência de um excedente ou eminente. Em três conclusões é possível demonstrá-la. Na primeira, “é possível alguma natureza eminente simplesmente primeira em perfeição,”108 ao partir da

105

Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 636: “Aliquod finitivum est simpliciter primum.” 106 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 636: “Probatur quinque pobationibus similibus illis ad secundam huius tertii.” 107 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 637: “Primum finitivum est actu existens, et alicui naturae actu existenti convenit ista primitas.” 108 “Es posible alguna naturaleza eminente simplemente primera en perfección.” “Aliqua natura eminens est simpliciter prima secundum perfectionem” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca

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ordem essencial existe a necessidade de que um ser tome como primeiro nesta ordem, pois como foi já explicado a inviabilidade de uma ordem em círculo ou de um regresso ao infinito. A segunda conclusão refere-se que, “a natureza suprema é incausável.”109 Cabe argumentar que esta natureza suprema é infinível, ou seja, não é ordenada a um fim, pois se assim fosse, afirmaria que existe algo maior e mais perfeito; decorre também por ser inefetível, e por conta disso, é incausável. Segue a última conclusão, “A natureza suprema é uma natureza atualmente existente.110 A existência desta natureza suprema é evidenciada pelo fato de não existir outra natureza que a supere em perfeição ou em supremacia, pois seria uma contradição.

3.1.2 Unidade da primeira natureza

Do exposto acima ao referir-se as três primazias, é cabível perceber que estas coincidem-se em uma mesma natureza, pois o primeiro eficiente age por si mesmo sendo o seu próprio fim, não havendo uma causa de um fim de outro que a possa causar, e o primeiro eficiente é o primeiro eminente, posto que o efeito que produz a outrem é diferente e inferior ao próprio efeito de si mesmo, por ser mais perfeito a causa de si a natureza primeira.

Com efeito, se uma natureza pertence a um ser intrinsecamente necessário e si a natureza a que pertence qualquer das primícias mencionadas é o ser intrinsecamente necessário (consta nas conclusões quinta e terceira com relação a primeira primícia, das conclusões quinta e nona com respeito da segunda, e das conclusões quinta e decimo terceira relacionada com a terceira), segue-se que cada um das ditas primícias pertencem à natureza a que pertencem atualmente a uma natureza (consta das conclusões quarta, décima e decimo quarta) e não a diferentes naturezas. Logo é a mesma. Prova menor: Em caso contrário, muitas naturezas seriam seres intrinsecamente necessários, consta da segunda proposição do argumento dado. A conclusão proposta prova-se, ademais, pela natureza do incausável: O incausável é primeiro e único. Pois o que és primeiro com qualquer das três primazias em incausável. Logo é primeiro e único. Prova da maior: Como poderia ser por si mesmo uma multiplicidade? [tradução nossa]111 de Autores Cristianos, 1960. p. 637. 109 “La naturaleza suprema es incausable.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 638. 110 “La naturaleza suprema es una naturaleza actualmente existente.” “Suprema natura est aliqua actu existes.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 638. 111 “En efecto, si a una naturaleza pertenece e ser intrínsecamente necesario (consta de la conclusión sexta de esta capítulo), y si la naturaleza a la que pertenece cualquiera de las primacías mencionadas es ser intrínsecamente necesario (consta de las conclusiones quinta y tercera respecto de la primera primacía, de las

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3.2 Propriedades absolutas de Deus

3.2.1 Inteligência e vontade

O primeiro ser, provado que possui uma tríplice primazia, age por si e é incausável, sendo que a sua inteligência e a sua vontade é provada por três aspectos. Primeiro, é que a natureza só age movida por um fim, e para tanto é necessária a existência de um conhecedor do fim para que dirija a natureza ao seu fim. Já no segundo, refere-se que se o incausável age movido por um fim e este fim não pode ser superior a ele, logo tanto age por ele mesmo como o seu fim é ele mesmo, pois o primeiro eficiente não ama um fim distinto de si senão estaria ordenado a algo fora dele.

Todo agente natural considerado como tal e supondo que fosse independente, atuaria necessariamente e de idêntica maneira, embora não atuasse por um fim. Por conseguinte, se somente atua por um fim, isto se deve porque depende de um agente que ama o fim [a saber, de um agente dotado de inteligência e vontade]. [. . .] O primeiro eficiente dirige seu efeito ao fim. Logo o dirige ou naturalmente ou por amor do fim. Não do primeiro modo [a saber, naturalmente], porque o ser que não conhece só dirige em virtude e algum outro ser que conhece – a primeira ordenação é própria do sábio - , e o primeiro eficiente não dirige como tampouco causa em virtude de outro. [tradução nossa]112 conclusiones quinta y novena respecto de la segunda, y de las conclusiones quinta y decimotercera respecto de la tercera), síguese que cada una de dichas primacías pertenece a la naturaleza a la que pertenece actualmente a una naturaleza (consta de las conclusiones cuarta, décima y decimocuarta) y no a diferentes naturalezas. Luego a la misma. Prueba de la menor: En caso contrario, muchas naturalezas serían seres intrínsecamente necesarios, consta de la segunda proposición del argumento dado. La conclusión propuesta se prueba, además, por la naturaleza de lo incausable: Lo incausable es primero y único. Pero lo que es primero con cualquiera de las tres primacías en incausable. Luego es primero y único. Prueba de la mayor: ¿Cómo podría ser por sí una multitud?” “[. . .] Si unicae naturae inest necesse esse ex se – ex sexta huius – et cui inest primitas quaecumque dictarum trium, illud est necesse esse ex se – ex quinta et tertia de uma primitate, et ex quinta et nona de alia primitate, et ex quinta et decimatertia de tertia primitate – igitur unicae naturae inest quaecumque primitas praedicta, cui etiam naturae inest uma et alia; quia quaelibet alicui naturae inest actu – ex quarta et decima et decimacuarta – et nona lii et alii naturae; igitur eidem .Probatur minor, quia tunc multae naturae essent necese esse – ex secunda argumenti iam facti. Item: Probatur propositum per incausabile, quia illud est unicum primum; quodlibet dictum est incausabile; quare, etc. Maior probatur: Quomodo multitudo erit a se?” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 640. 112 “Todo agente natural considerado como tal, y suponiendo que fuese independiente, actuaría necesariamente y de idéntica manera, aunque no actuase por un fin. Por consiguiente, si sólo actúa por un fin, ello se debe a que depende de un agente que ama el fin [es decir, de un agente dotado de inteligencia y voluntad]. [. . .] El primer eficiente dirige su efecto al fin. Luego lo dirige o naturalmente o por el amor Del fin. No del primer modo [es decir, naturalmente], porque el ser que no conoce sólo dirige en virtud de algún otro ser que conoce – la primera ordenación es propia del sabio –, y el primer eficiente no dirige, como tampoco causa, en virtud de otro. ” “Omne naturale agens, praecise consideratum, ex necessitate et aeque ageret, si ad nullum finem ageret, si esset independenter agens; ergo si non agit nisi propter finem, hoc est quia dependet ab agente amante finem; quare,

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Por fim, em um terceiro aspecto, apresenta-se a prova de que algum efeito ocorre contingentemente quando é causado. Cabe aqui diferenciar o que age de forma necessária do que age contingentemente. No primeiro, o seu agir manifesta-se de forma inevitável, ou seja, sempre produz o mesmo efeito, já no segundo, existe a possibilidade da mudança e de variar o movimento, aceitando assim o oposto, dando margem para que aconteça tal efeito ou não. Portanto, ao indagar sobre o causar do primeiro eficiente se é volitivo, supõe-se que é contingente. 113

Se outra causa pode impedir a causa atuante, o pode em virtude de uma causa superior, e assim sucessivamente, até obter, por último, a causa primeira. Se esta move necessariamente uma causa imediata a si, terá necessidade em todas as ordem das causas a que impedem. Logo esta impedirá necessariamente. Logo, em tal caso, nenhuma causa poderá causar sem efeito contingente. [tradução nossa].114

A inteligência e a vontade são atributos absolutos de Deus por conta das três provas acima descritas, ademais, vale ressaltar ainda que estes atributos também se identificam com a própria essência do Primeiro Ser. Isto é provado em duas proposições. Primeiro que, Duns Scotus citando Aristóteles, diz que a própria sublimidade do Primeiro Princípio decorre do se tornar idêntico com o ato de entender; segundo, também citando Aristóteles, se o Primeiro Princípio estivesse em potência com relação ao entendimento, o ato de entender para ele seria trabalhoso.115 etc. [. . .] Primum efficiens dirigit effectum suum ad finem; ergo vel naturaliter vel amando illum; non primo modo, quia non cognoscens nihil dirigit nisi in virtute cognoscentis; sapientis enim est prima ordinatio; Primum in nullius virtute dirigit, sicut nec causat.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 654. 113 Cf. “[. . ] todo actuar será contingente, porque depende de la eficiencia del primer principio, que es contingente.” “Omne efficere erit contingens, quia dependet ab efficientia Primi, quae est contingens.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 662. 114 “Si otra causa puede impedir la causa actuante, lo puede en virtud de una causa superior, y así sucesivamente, hasta llegar, por último, a la causa primera. Si ésta mueve necesariamente una causa inmediata a sí, habrá necesidad en todo el orden de causas hasta la que impide. Luego ésta impedirá necesariamente. Luego, en tal caso, ninguna causa podrá causar su efecto contingentemente.” “Si alia causa potest impedire istam, nunc potest virtute superioris causae impedire, et sic usque ad primam; quae si immediatam causam sibi necesario movet, in todo ordine usque ad istam impedientem erit necesitas; igitur necesario impediet; igitur tunc non posset alia causa causare contigenter causatum.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 656. 115 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 664. “Hoc Aristoteles ostendit XII Metaphyscae de intelligere; alias Primum non erit optima substantia, quia per intelligere est honorabile; alias

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[. . .] A vontade é idêntica à natureza primeira: O querer é um ato de vontade, então a vontade é incausável [intrinsecamente necessário, idênticas com a natureza primeira]. Uniformemente, o ato de querer, que é idêntica à natureza primeira é concebido como posterior à vontade, então a fortiori será idêntico a dita natureza. Segue-se, em segundo lugar, que o ato que se entende a si não é conhecido, então o ato de compreensão é intrinsecamente necessário sem causa, idêntico com a natureza que o ato de vontade [então a fortiori ser idêntico a ele]. Segue-se, em terceiro lugar, que o entendimento é idêntico. Argumenta-se como se tem argüido a respeito da vontade partindo do ato de querer. Segue-se também que a razão [conceito, idéia] de que compreende em si é idêntico ao que a natureza, é intrinsecamente necessária, e é concebido, por assim dizer, antes de intelecção. [tradução nossa].116

3.2.2 A infinidade do Primeiro Ser.

A infinidade do Primeiro Ser é provada por quatro vias em Duns Scotus. Na primeira via, a da eficiência, primeiro constata-se que “o primeiro move com movimento infinito. Logo, tem poder infinito.”117 É importante explicar que este poder infinito não se deve entendê-lo pelo tamanho da duração do movimento, nem com o poder de produzir todas as coisas simultaneamente, e tampouco pela distância infinita entre os opostos, mas é simplesmente porque a primeira causa possui eminentemente a perfeição causativa total das coisas.

laboriosa erit continuatio, quia si non sit illud sed in potentia contradicionis ad illud, ad illam sequitur labor, secundum ipsum.” 116 “[. . .] la voluntad es idéntica a la naturaleza primera: El querer es un acto de la voluntad; luego la voluntad es incausable [intrínsecamente necesaria, idéntica con la naturaleza primera]. Parejamente, el acto de querer, que es idéntico a la naturaleza primera, se concibe como posterior a la voluntad; luego a fortiori la voluntad será idéntica a dicha naturaleza. Síguese, en segundo lugar, que el acto por el que se entiende a sí no es conocido; luego el acto de entender es intrínsecamente necesario [incausable, idéntico a la naturaleza que el acto de querer [luego a fortiori será idéntico a ella]. Síguese, en tercer lugar, que el entendimiento le es idéntico. Se arguye como hemos argüido respecto de la voluntad partiendo del acto de querer. Síguese también que la razón [concepto, idea] por la que se entiende a sí misma es idéntica a dicha naturaleza, pues es intrínsecamente necesaria, y se concibe, por así decirlo, anteriormente a la intelección.” “[. . .] voluntas est idem primae Naturae, quia velle non est nisi voluntatis; igitur illa est incausabilis; ergo, etc. Similiter: Velle intelligitur quase posterius, et tamen velle est idem illi Naturae; igitur magis voluntas. Sequitur secundo quod intelligere se est idem illi Naturae, quia nihil amatur nisi cognitum; ergo intelligere est necesse esse ex se; similiter quasi propinquior est illi Naturae quam velle. Sequitur tertio quod intellectus est idem illi Naturae, sicut prius de voluntate ex velle argutum est. Sequitur quod ratio intelligendi se est idem sibi, quia necesse esse ex se, et quase praeintelligitur intellectioni.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 666. 117 “El Primero mueve con movimiento infinito. Luego tiene poder infinito.” “Primam viam, ex parte causae, tangit Philosophus VIII Physicorum et XII Metaphysicae, quia movet motu infinito; ergo habet potentiam infinitam.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 111.

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[. . .] Além disso, segundo Aristóteles, todas as perfeições das causas secundárias existem na primeira mais eminentemente do que em si , de sê-lo possível, se concebesse nela formalmente. Prova: A causa segunda é próxima à primeira tem toda a sua perfeição causativa da primeira somente. Logo a causa segunda possui-a formalmente. A conseqüência é óbvia: A primeira causa é causa total e equívoca com relação à segunda. Se argúi igualmente da causa terceira, consideramos em relação à primeira, teremos a conclusão buscada (que a primeira contém mais eminentemente que esta a sua perfeição causativa), se consideramos em relação à segunda, segue-se que ele contém, eminentemente, a perfeição total que a terceira possui formalmente, mas que, possuindo eminentemente a perfeição da terceira, se o deve à primeira, como consta do que foi citado acima. Logo a primeira tem mais eminentemente do que a segunda a perfeição da terceira; diga-se outro modo das demais causas, até a última. [tradução nossa].118

A segunda via prova que o primeiro eficiente é conhecedor de tudo o que pode ser feito. “Os inteligíveis são infinitos e os são em ato, no entendimento que se obtém em todos os seres. Logo o entendimento dá-se simultaneamente em ato ao infinito. O entendimento do Primeiro é tal. (Logo é infinito).”119 Em um primeiro aspecto, percebe-se que os atos do intelecto do primeiro efetivo conhecem os objetos que lhe são dispostos simultaneamente em ato, e que estes objetos são infinitos. Já em segundo, a abrangência do intelecto do efetivo dáse por abranger todas as operações próprias do conhecimento dos variados tipos de objeto. Portanto, a causa eficiente primeira por causar a causa segunda, esta não acrescenta em nada àquela, pois se dependesse da segunda, de forma alguma seria primeira e 118

“[. . .] Además, según Aristóteles, todas las perfecciones de las causas segundas existen en la primera más eminentemente que si, de ser ello posible, se hallasen en ella formalmente. Prueba: La causa segunda próxima a la primera tiene toda su perfección causativa de la primera sola. Luego la causa segunda, que la posee formalmente. La consecuencia es evidente: La causa primera es causa total y equívoca respecto de la segunda. Se arguye igualmente de la causa tercera, consideramos en relación a la primera, tenemos la conclusión intentada (que la primera contiene más eminentemente que ella su perfección causativa); si consideramos en relación a la segunda, síguese que ésta contiene eminentemente la perfección total que la tercera posee formalmente; pero esto, al poseer eminentemente la perfección de la tercera, se lo debe a la primera, como costa de lo mostrado arriba. Luego la primera contiene más eminentemente que la segunda la perfección de la tercera; dígase otro tanto de las demás causas, hasta la última.” “[. . .] Tum quia perfectiones totae secundum Aristotelem eminentius sunt in primo quam si ipsae formalitates earum sibi inessent si possent inesse; quod probatur, quia causa segunda proxima prima quam secunda causa habens ipsam formaliter. Consequentia patet, quia prima respectu illius causae secundae est causatotalis et aequivoca. Consimiliter quaeratur de tertia causa respectu secundae vel respectu primae: si respectu primar, habetur propositum; si respectu secundae, sequitur secundam eminenter continere perfectionem totalem quae est formaliter in tertia. Sed secunda habet a prima quod sic continet perfeccionem tertiae, ex praeostensa; ergo prima eminentius habet continere perfectionem tertiae quam secunda, et sic de omnibus aliis, usque as ultimam.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 120. 119 “Los inteligibles so infinitos, e infinitos en acto, en el entendimiento que entiende todos los seres. Luego el entendimiento que los entiende simultáneamente en acto es infinito. El entendimiento del Primero es tal. (Luego es infinito).” “[. . .] intelligibilia sunt infinita, et hoc actu, in intellectu omniaintelligente; ergo intellectus ista simul actu intelligens est infinitus. Talis est intellectus primi.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 125.

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mais perfeita. Somente o finito acrescenta a outro finito alguma perfeição, logo se conclui que a causa primeira é infinita. Ademais, acrescenta-se que o Primeiro eficiente obtém a cognoscibilidade não a partir de um objeto, mas por si mesmo, por isso, nada que é cognoscível pode acrescentar ao conhecimento do Primeiro. Na terceira via argüi-se que, por meio do fim, que a vontade livre tende a amar um bem infinito e isso decorre por esta vontade não se contentar plenamente em amar um bem finito. “[. . .] parece também que se tinha repugnância entre o bem e a infinidade, a vontade não descansaria no bem infinito, nem tenderia facilmente a ele, como não tende a que repugna a seu objeto.” [tradução nossa].120 Dessa forma, é inconcebível não conceber uma compatibilidade entre o infinito e o bem, pois se ocorresse assim, ambos se rejeitariam e nada encontraria repouso no bem infinito. Por fim, na quarta via sustenta-se que “o infinito não repugna o ser.”121 De início deve-se compreender que por não ser contraditórios os conceitos de ser e infinito, eles não se repugnam. “O ser não pode explicar-se por nada mais conhecido; ao infinito o entendemos pelo finito (isto o explico vulgarmente: infinito é o que excede um finito dado, não segundo uma relação finita precisa, senão mais além de toda relação assinalável.” [tradução nossa].122 Por conseguinte, por não serem contraditórios, é possível compreender o infinito por meio do finito, pela via da univocidade do conceito de ser. Ademais, Duns Scotus retoma o argumento anselmiano, provando que é possível provar a existência do Ser Primeiro, por dois aspectos, quer seja provando a existência na realidade do ser qüiditativo, pois não é possível o intelecto encontrar o seu maior repouso do que no ser pensável em sumo grau; ou ainda com relação ao ser existencial, por conta da existência do Primeiro eminente não ser evidenciada apenas no intelecto, mas que a sua sumidade decorre por também existir na realidade. 120

“[. . .] parece también que, si hubiese repugnancia entre e bien y la infinidad, la voluntad no descansaría en el bien infinito, ni tendería fácilmente a él, como no tiende a lo que repugna a su objeto.” “Videtur etiam si infinitum repugnaret bono quod nullo modo quietaretur in bono sub ratione infiniti, Nec in illud faciliter tenderet, sicut Nec in repugnans suo obiecto.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 130. 121 “[. . .] lo infinito no repugna al ser.” “[. . .] quia infinitum non repugnat enti.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 132. 122 “El ser no puede explicarse por nada más conocido; al infinito lo entendemos por lo finito (esto lo explico vulgarmente: infinito es lo que excede un finito dado, no según una relación finita precisa, sino más allá de toda relación asignable.” “[. . .] Ens per nihil notius explicatur, infinitum est quod aliquod finitum datum secundum nullam habitudinem finitam praecise excedit, sed ultra omnem talem habitudinem assignabilem adhuc excedit.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 132.

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[. . .] O que existe é pensável maior; é mais perfeitamente cognoscível, por ser visível ou intuitivamente inteligível; o que não existe, nem em si, nem em outro ser mais nobre ao que nada acrescenta, não é visível. Agora, o que é visível é mais perfeitamente cognoscível que o que não é, que é somente abstratamente inteligível. Logo o cognoscível perfeitíssimo existe.[tradução nossa].123

Diante das apreciações destas quatro vias prova-se que o Ser Primeiro é um ser infinito, seja por ser o primeiro eficiente, por conhecer todos os seres possíveis, porque é o fim último e ainda na exposição do argumento de Santo Anselmo que indica “Deus é o ser no qual não se pode pensar nada maior,” rejeitando a via inútil que reduz a infinidade a imaterialidade. Enfim, pode-se provar que entre os seres existe um ser com a tríplice primazia, eficiência, causal e eminência. A seguir, prova-se que ele é infinito e que ele existe em ato, pois este conceito de infinito é perfeitíssimo em absoluto, restando no capítulo seguinte provar a unicidade de Deus.

3.3 A unicidade de Deus.

Antes de se tentar explicar dentro de uma reflexão filosófica acerca da existência de somente um Deus, o Doutor Sutil cita a autoridade do rabino Moyses Maimonides, que não acredita que seja demonstrável por meio da razão a existência de um só Deus, pois “a unidade de Deus é recebida pela lei.”124 No entanto, Duns Scotus prova a existência da unidade de Deus por meio da razão natural e isto é provado por sete vias, a saber: a via do entendimento infinito, a via da vontade infinita, a via da bondade infinita, a via do poder infinito, a via do infinito tomado absolutamente, a via do ser necessário e por último a via da onipotência. A primeira via é a do entendimento infinito, que se pode destacar em três pontos. O entendimento infinito conhece todo o inteligível, portanto o conhecimento e a essência do 123

“[. . .] Lo que existe es pensable mayor; es más perfectamente cognoscible, por ser visible o intuitivamente inteligible; lo que no existe, ni en sí, ni en otro ser más noble al que nada añade, no es visible. Ahora bien, lo que es visible es más perfectamente cognoscible que lo que no es, que es sólo abstractamente inteligible. Luego el cognoscible perfectísimo existe.” n. 139. “[. . .] maius cogitabile est quod existit ; id est perfectius cognoscibile, quia visibile sive inteligibile intellectione intuitiva; cum non exsistit, nec in se nec in nobiliori cui nihil addit, non est visibile. Visibile autem est perfectius cognoscibile non visibile sed tentummodo intelligibili abstractive; ergo perfectissimum cognoscibile existit.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 436. 124 “[. . .] la unidad de Dios es recibida por la ley.” “[. . .] et ad hoc sequitur auctoritas Rabbi Moysis, 23 cap., quod ‘unitas Dei accepta est a Lege.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 163.

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Primeiro Ser tornam-se a mesma coisa. Tomado o exemplo da possibilidade da existência de dois deuses, chamando-os de A e B, A para ser comprovadamente deus, precisa conhecer B em sua essência para que se caracterize um conhecimento perfeito; porém, o conhecimento de B em sua essência só poderia estar nele mesmo para que ele seja Deus. Dessa forma, tanto A como B, em essências distintas, não possuem o conhecimento pleno de todo o inteligível, logo é impossível haver dois ou mais deuses. Em um segundo ponto, destaca-se a relação de posteridade. Ainda tomando o exemplo acima, se A conhecesse a B em sua essência, este ato inteligível seria tido como posterior ao da sua própria essência, e isto caracterizaria que A não seria Deus. “Todo ato de conhecer que não é idêntico ao objeto é posterior a este, pois o ato não é anterior nem simultâneo por natureza a algo distinto dele; do contrário, poderia ser entendido sem objeto e reciprocamente.” [tradução nossa].125 Ademais, Duns Scotus nega a possibilidade de A conhecer a B, pois o conhecimento de Deus é tido como perfeitíssimo e intuitivo, e não quando se recorre simplesmente ao conhecimento por semelhança ou universal. Por fim, o Doutor Sutil afirma que a adequação do conhecimento decorre da intelecção de apenas um objeto, logo A não pode ter A e B como objeto do seu conhecimento.

[. . .] O mesmo ato do entendimento não pode ter dois objetos adequados. A é objeto adequado da interlocução de A; mas se poderia entender a B, este o seria adequado. Logo é impossível que A entenda ambos, A e B, com uma única interlocução simultânea e perfeitamente; requereria duas interlocuções realmente distintas, o que prova que não é Deus. A maior é evidente, porque de outra sorte o ato seria adequado a um objeto, descartado o qual não seria satisfeito e adequado. Tal objeto seria portanto inútil. [tradução nossa].126

125

“[. . .] Todo acto de conocer que no es idéntico al objeto, es posterior a éste, pues el acto ni es anterior ni simultáneo por naturaleza a algo distinto de él; de lo contrario, podría ser entendido sin objeto y conversamente.” “[. . .] quod autem actus ipsius a sit posterior ipso b, probatio, quia omnis actus cognoscendi qui non est idem obiecto, est posterior obiecto; neque enim prior neque simul natura est actus cum aliquo alio ab actu, quia tunc actus posset intelligi sine obiecto, sicut e converso.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 166. 126 “[. . .] El mismo acto del entendimiento no puede tener dos objetos adecuados. A es objeto adecuado de la intelección de A; pero si pudiera entender a B, éste le sería adecuado. Luego es imposible que A entienda ambos, A y B, con una única intelección simultánea y perfectamente; requeriría dos intelecciones realmente distintas, lo que prueba que no es Dios. La mayor es evidente, porque de otra suerte el acto sería adecuado a un objeto, descartado el cual no sería menos satisfecho y adecuado. Tal objeto sería, por tanto, inútil.” “[. . .] actus idem non potest habere duo obiecta adaequata; a est obiectum adaequatum suae intellectioni, et b esset adaequatum eidem si a posset intelligere b; ergo impossibile est quod a intelligat unica intellectione simul perfecte a et b. Si a habeat intellectiones realiter distinctas, ergo non est Deus. Maior paret, quia aliter actus adaequaretur obiecto quo subtractonon minus quietaretur et adaequaretur, et ita frustra esset tale obiectum.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 168.

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A segunda via refere-se à vontade infinita em que Duns Scotus argüi em duas formas. Por conta de a vontade infinita corresponder a que Deus ame todo o que é amável enquanto é amado, existindo dois deuses, A não pode amar infinitamente A e B ao mesmo tempo, pois “[. . .] todo ser ama naturalmente a seu ser mais que o ser do outro, de que nem é parte nem é efeito.” [tradução nossa].127 Enfim, existe uma primazia do amor a si em relação ao amor ao outro. “ [. . .] Por o mesmo A ama naturalmente seu ser mais que o ser de B. Mas a vontade livre, quando é reta, conforma-se com a vontade natural; do contrário a vontade natural não seria sempre reta.” [tradução nossa].128 Conclui-se que A não ama infinitamente B, então não pode haver dois deuses. Da mesma forma que A não é capaz de amar infinitamente a si mesmo e a B, também Duns Scotus afirma que a felicidade plena consiste em gozar plenamente de um só objeto quando ele diz que “[. . .] nenhum ser pode ser atualmente feliz em dois objetos beatificantes totais; do contrário, destruindo qualquer deles seria, não obstante, feliz; por tanto, não é feliz em nenhum deles.” [tradução nossa].129 A vontade infinita abrange amar e gozar plenamente, o que se torna provado que não é possível a co-existência de seres divinos dotados desta vontade, logo o Doutor Sutil prova que só há um Deus provado pela via da vontade infinita. A bondade infinita é classificada por Duns Scotus como a terceira via. Esta via pressupõe a anterior, já que se é provado que só há um Deus possuidor de uma vontade infinita, da mesma forma somente há um bem infinito que satisfaça essa suma vontade. “[. . .] Logo a vontade poderia ordenadamente amar mais vários bens infinitos que um só, e não descansaria em nenhum bem infinito único. Mas que um bem seja infinito e não satisfaça toda vontade é contra a natureza do bem.” [tradução nossa].130 127

“[. . .] todo ser ama naturalmente a su ser más que el ser de otro, de que ni es parte ni es efecto.” “[. . .] quilibet enim naturaliter diligit plus esse suum quam esse alterius cuius non est pars vel effectus.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 169. 128 “[. . .] Por lo mismo A ama naturalmente su ser más que el ser de B. Pero la voluntad libre, cuando es recta, se conforma a la voluntad natural; de lo contrario la voluntad natural no sería siempre recta.” “[. . .] ergo plus diligit a se naturaliter quam ipsum b. Sed voluntas libera quando est recta conformatur voluntati naturali, aliquin voluntas naturalis non esset semper recta.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 169. 129 “[. . .] ningún ser puede ser actualmente feliz en dos objetos beatificantes totales; de lo contrario, destruido cualquiera de ellos, sería, no obstante, feliz; por tanto, no es feliz en ninguno de ellos.” “[. . .] quia nihil potest esse actu beatum in duobus obiectis beatificantibus totalibus; probatio, quia utroque destructo nihilominus esset beatus; ergo in neutro est beauts.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 170. 130 “[. . .] Luego la voluntad podría ordenadamente amar más varios bienes infinitos que uno solo, y no descansaría en ningún bien infinito único. Pero que un bien sea infinito y no satisfaga toda voluntad es contra la

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A quarta via é a da potência infinita que é fundamentada por meio da ordem dos seres já explicada no capítulo anterior, e esclarece que o poder infinito causa todo efeito, por ser causa primeira, e que resulta que esta infinidade causal não comporta outra causa para gerar um mesmo efeito. Por isso, existindo um poder infinito, não é possível estabelecer duas causas finais primeiras e duas causas eminentes primeiras, pois Duns Scotus ensina que “[. . .] nenhum ser é excedido primeiramente por dois seres e nenhum ser ‘finito’ és essencialmente ordenado a dois fins primeiros. [. . .] logo é impossível que haja dois fins primeiros dos ‘finitos’ dados, o que haja dois eminentes primeiros de dois excedidos.” [tradução nossa]. 131 A próxima via apresentada por Duns Scotus é a do infinito absoluto, tomando a ordem dos seres percebe-se que todo finito é excedido, porém o infinito não o pode ser excedido. Esta via vai contra toda a cultura da Grécia Antiga que acreditava na existência de vários deuses,132 e que a fundamentação que o Doutor Sutil vai sobressair a essa cultura politeísta é em Santo Agostinho, quando diz “[. . .] toda perfeição que se obtém em diversos seres é maior em muitos do que em um, como se disse em A Trindade, livro oitavo, capítulo Primeiro. Logo o infinito absoluto não pode se obter em muitos.” [tradução nossa].133 A sexta via é concebida por Duns Scotus pelo ser necessário, que por ser responsável em gerar não só muitos indivíduos de uma mesma espécie mais infinitos indivíduos, é sem refutação aceitável a sua existência determinada em apenas um ser necessário, pois a infinidade de seres necessários não há como fundamentá-las. Abrindo-se a possibilidade da existência de dois seres necessários, existem duas opções, a saber: Se não são naturaleza del bien.” “[. . .] ergo voluntas ordinate plus posset amare plura infinita quam unum, et per consequens in nullo uno bono infinito quietaretur. Sed hoc est contra rationem boni – quod sit infinitum et non quietativum cuiuscumque voluntatis.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 171. 131 “[. . .] ningún ser es excedido primariamente por dos seres y ningún ser ‘finido’ es esencialmente ordenado a dos fines primeros. [. . .] Luego es imposible que haya dos fines primeros de los ‘finidos’ dados, o que haya dos eminentes primeros de dos excedidos.” “[. . .] nihil enim est excessum a duobus primo excedentibus, vel finitum essentialiter ordinatur ad duos primos fines. [. . .] ergo impossibile est aliquorum duorum finitorum duos esse fines primos, vel duorum excessorum duo prima eminentia.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 174. 132 Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 3. A unicidade de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. n. 175. (Os Pensadores): “Uma perfeição é numerada em vários, quando cada um de seus portadores possui a sua perfeição própria e distinta. Assim, cada u de vários deuses possuiria sua perfeição própria e distinta; e por isso haveria mais perfeição em vários deuses do que num só. Nas três pessoas da divina Trindade, ao contrário, a perfeição é uma só; ali ela não é numerada: as três pessoas não possuem mais um mais de perfeição do que duas ou uma.” 133 “[. . .] toda perfección que se halla en diversos seres es mayor en muchos que en uno, como se dice en De la Trinidad, libro octavo, cap. Primero. Luego el infinito absoluto no puede hallarse en muchos.” “[. . .] quaecumque perfectio potest numerari in diversis, plus perfectionis habet in pluribus quam in uno, sicut dicitur VIII De Trinitate cap 1; igitur infinitum omnino in pluribus numerari non potest.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 175.

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formalmente necessários em virtude de ambos, não que se falar em um ser necessário; porém se forem, ocorrerá uma necessidade resultada por duas razões, o que se torna ilógico, pois uma necessidade não abrange a outra.

Pela mesma via sexta argüiu de outro modo: Se existe dois seres necessários, se distinguem por perfeições reais. Chamamo-las A e B. Então, ou estes dois seres necessários que se distinguem pelas perfeições A e B, formalmente necessários por estas ou não. Se não são necessários por elas, nem A nem B, é obvio, são a razão formal da sua necessidade. Logo nem o ser que inclui qualquer delas é primeiramente necessário, pois contem uma entidade que não é a razão formal da necessidade de ser nem é necessária de si. Mas se tais seres são formalmente necessários por A e B e, ademais, são necessários pela entidade que convém, segue-se que tenham em si duas razões da sua necessidade. Mas isto é impossível, pois nenhuma destas perfeições (aquela em que convém com o outro e aquela em que se distingue dele) inclui a outra, e descartada uma delas, o ser seria necessário por outra. A saber, haveria um ser formalmente necessário por uma perfeição e descartada esta, seria, não obstante, necessário; o que és impossível. [tradução nossa].134

Na sétima via que é a da onipotência, Duns Scotus vem advertir acerca da validade desta via, e de antemão vem sustentar que não a pode ser demonstrada pela razão somente, mas pressupondo a fé, nas palavras do Doutor Sutil diz-se que “[. . .] se A é onipotente, pode ocorrer que qualquer outro ser seja ou não seja. Portanto, poderá destruir a B, a saber, tê-lo impotente, logo B não é Deus.”135 Essa via é assegurada também unindo-se a 134

“Por la misma vía sexta arguyo de otro modo: Si hay dos seres necesarios, se distinguen por perfecciones reales. Llamémoslas A y B. Ahora bien, o estos dos seres necesarios que se distinguen por las perfecciones A y B son formalmente necesarios por ellas o no. Si no son necesarios por ellas, ni A ni B, es obvio, son la razón formal de su necesidad. Luego ni el ser que incluye cualquiera de ellas es primariamente necesario, pues contiene una entidad que no es la razón formal de la necesidad de ser ni es necesaria de sí. Pero si tales seres son formalmente necesarios por A y B y, además, son necesarios por la entidad en que convienen, síguese que tienen en sí dos razones de su necesidad. Pero esto es imposible, pues ninguna de estas perfecciones (aquella en que conviene con el otro y aquella en que se distingue de él) incluye a la otra, y descartada una de ellas, el ser sería necesario por la otra. Es decir, habría un ser formalmente necesario por una perfección, y descartada ésta, sería, no obstante, necesario; lo que es imposible.” “Secundo arguo sic, et iuxta istam viam: si sint plura necesse esse aliquibus perfectionibus realibus distinguuntur; sint illae a et b. Tunc sic: aut illa duo distincta per a et b sunt formaliter necesse esse per a et per b, aut non. Si non, ergo a non est ratio formalis essendi necessário, nec b per consequens: nec ergo ea includens est necessarium primo, quia includit aliquam entitatem quae non est formaliter necessitas essendi nec necessária ex se. Si autem illa sint formaliter necesse esse per a et b, et praeter hoc utrumque est necesse esse per illud in quo convenit unum cum alio, ergo utrumque habet in se duas rationes quarum utraque formaliter est necesse esse, sed hoc est impossible, quia neutra illarum includit alteram; utraque ergo illarum circumscripta esst tale necesse esse per reliquam, et ita aliquid esset formaliter necesse esse per rationem aliquam, qua circumscripta nihilominus esset necesse esse, quod est imposible.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 177. 135 “[. . .] si A es omnipotente, puede hacer que cualquier otro ser sea o no sea. Por tanto, podrá destruir a B, es decir, hacerlo impotente. Luego B no es Dios.” “[. . .] si a est omnipotens, ergo potest facere circa quodcumque aliud ipsum esse vel non esse, et ita posset destruere b, et ita faceret b nullipotentem, et sic sequitur quod b non est Deus.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid:

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quarta via, pois um mesmo efeito não pode ser causado duplamente, e ademais, existindo A, por sua onipotência ele pode produzir em seu querer todas as coisas, independente de B, o que leve a concluir que B não é onipotente porque o seu querer não produz todas as coisas, mesmo se concorresse com a vontade de A, logo prova-se a unidade de Deus por essa via.

Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 179.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A existência de Deus foi um tema bastante refletido filosoficamente na Idade Média e que teve a sua devida valorização por conta da própria cultura teocêntrica da Europa, e, ademais, pela forte influência que exercia a Igreja na sociedade feudal. Dentre os inúmeros autores deste período, destaca-se Duns Scotus, por conta da novidade do seu pensamento filosófico. A influência de Aristóteles fez com que o Doutor Sutil aprofundasse nele e, refletindo de forma nova a metafísica, apresentou a teoria da univocidade do ser, concebendo um conceito comum entre Deus e as criaturas e que, por conta disso, fez-se possível chegar à verificação, a posteriori, da existência de Deus. Partindo do conceito de Deus, que é por si mesmo compreensível, porém, de forma obscura, Duns Scotus entende que o que é demonstrável é a existência do ente infinito. Para compreender este, é preciso assimilar o entendimento com relação às quatro ordens dos seres e a teoria da univocidade do ser, pois o conhecimento de Deus não é auto-evidente, mas sim demonstrável a posteriori. Quando se entende o que venha a ser esta ordem, juntamente com o conceito unívoco do ser, torna-se mais compreensível a ontologia do Doutor Sutil. Deus é simplesmente primeiro em eficiência, finalidade e eminência. A primazia da causa eficiência verifica-se que há um ser primeiro em eficiência, ou seja, que é efetível, logo ele não é causado, não é ordenado a um fim, não é materiável, nem formável e também nem materiável e formável ao mesmo tempo. Por isso, sem se afirmar que não há um efetível primeiro, decorrer-se-á no erro em defender que os seres ordenam-se em círculo, que é ilógico. Já na primazia da causa final, explicou-se em três conclusões de Duns Scotus, no qual esta primazia é simplesmente primeiro, é incausável e tem natureza eminente. Dessa forma foi-se entendido que nenhuma causa final possa vir a ser causada por um fim diferente desta causa. Com relação à primazia da causa preeminente, decorre três conclusões, sendo que esta primazia é simplesmente primeira em perfeição, para que não se decorra de uma ordem em círculo ou de um regresso ao infinito. A segunda conclusão refere-se que a natureza suprema é incausável, por conta de não existir uma causa senão a si mesmo pois senão não seria mais perfeito. Na última conclusão, afirmou-se que a natureza suprema é uma natureza

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atualmente existente. Pois do contrário, existiria uma natureza maior, o que seria uma contradição. Destas três primazias supracitadas, verificou-se que ambas referem-se a uma mesma natureza, o que faz ser um ser atualmente existente. Relacionaram-se estas entre si e compreendeu-se que o primeiro eficiente age por si mesmo sendo o seu próprio fim, não havendo uma causa de um fim de outro que a possa causar, e o primeiro eficiente é o primeiro eminente, posto que o efeito que produz a outrem é diferente e inferior ao próprio efeito de si mesmo, por ser mais perfeito a causa de si a natureza primeira. Por fim, a unicidade de Deus foi verificada em sete vias. A primeira via é a do entendimento infinito, que se afirmou que o conhecimento e a essência do Primeiro Ser tornam-se a mesma coisa. A segunda, da vontade infinita, argüiu-se que naturalmente um ser ama mais a si mesmo e que não pode amar infinitamente um outro ser e a si mesmo sendo infinito. A terceira via, da bondade infinita, argumentou-se que a vontade infinita só ama um bem infinito que satisfaça essa vontade. A quarta via defendeu-se que o infinito não repugna o ser, ou seja, não há contradição entre ser e infinito, e ambos não se repugnam. A quinta via é a do infinito absoluto, sendo que se remeteu a ordem dos seres percebendo que todo finito é excedido, porém o infinito não o pode ser excedido. A sexta via é concebida por Duns Scotus pelo ser necessário, que por ser responsável em gerar não só muitos indivíduos de uma mesma espécie mais infinitos indivíduos, é sem refutação aceitável a sua existência determinada em apenas um ser necessário, pois a infinidade de seres necessários não há como fundamentá-las. Na sétima via que é a da onipotência, provou-se somando-se ao argumento da quarta via, pois um mesmo efeito não pode ser assegurado duplamente, sendo que essa via deve-se pressupor a fé para partir da razão. Nestes temos, reconhece-se que a grande contribuição do pensamento filosófico de Duns Scotus, primeiramente, na metafísica, com a teoria da univocidade do ser, e, em especial, com relação à existência de Deus, concebendo Deus como o ente infinito e aplicando o pensamento aristotélico, na perspectiva Cristã, no qual resulta na novidade do seu pensamento. No Doutor Sutil é característico o rigor lógico, a metafísica original e perspicácia em seus argumentos, aspectos estes relevantes, já que ao homem contemporâneo, cada vez mais crescente o ateísmo, depara-se com a crise do homem que é a crise do ser e a não compreensão racional da existência de Deus. É possível verificar, por meio da filosofia, a existência de Deus. Por que não retomar ao período genuíno do pensamento filosófico, que na Escolástica tão bem foram elaboradas obras com o intuito de provar a existência de Deus? Seria para o homem de hoje

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um mero conhecimento descartável e desapropriado para os dias atuais? Seria uma visão reducionista e fechada se não estivesse aberto o homem atual à pesquisa e ao estudo da filosofia medieval, em especial, ao estudo da existência de Deus. Por isso cabe a ressalvar a contribuição dos filósofos medievais e, em especial, da contribuição do pensamento do Doutor Sutil com relação à existência de Deus. Quando se busca conhecer como Duns Scotus apresenta a demonstração do ente infinito como caminho seguro para alcançar ao entendimento racional da existência de Deus, é preciso perceber que nesse estudo envolve a própria reflexão de o quê e como o homem conhece as coisas, ele mesmo e a Deus. O homem contemporâneo não pode negar a si mesmo, o que ele tem de mais sublime, que é o saber e o desejo da verdade. Buscar o conhecimento, e a fonte de todo o saber, que se resume na busca do homem a Deus, é, na perspectiva racional, potencializar a magnífica capacidade que tem o homem em pensar, de forma reta e segura. Portanto, não se deve negligenciar em refletir que existe uma causa primeira em eminência, eficiência e finalidade, ou seja, no estudo do ser existe uma ordem, e que este ser primeiro é existente e possuidor de uma única natureza e na unicidade de Deus. Há por acaso um estudo que demonstre a não existência de Deus? O que existe é a crise de valores do homem de hoje, que prefere rastejar em seu niilismo a transcender para além de si mesmo, reconhecendo que a sabedoria do homem está em elevar a sua razão ao que há de mais sublime ela possa desejar, no mais perfeito encontro do homem com o divino: saber que Deus existe.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1 OBRAS PRINCIPAIS DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 265-592. ______. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 593-710. ______. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 265- 278 (Os Pensadores). ______. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 279- 307 (Os Pensadores). ______. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 3. A unicidade de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 309- 318 (Os Pensadores).

______. Prólogo da Ordinatio. Tradução, Introdução e notas de Roberto Hofmeister Pich. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. (Coleção Pensamento Franciscano, Volume V).

2 OBRAS SECUNDÁRIAS

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1970. DE BONI, Luis Alberto. Sobre a vida e a obra de Duns Scotus. Veritas. PUCRS: Porto Alegre, 2008. v. 53, n. 3. p. 7-31. DE LIBERA, Allan. A Filosofia Medieval. Trad. Marcos Marcolino. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004. Dicionário: Escolástica. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. e Org. Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 344. MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006.

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________, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosóficoteológico. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.

GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 307-334. Vol. I. SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006.

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