A expansão Arawak: tecendo linguística, arqueologia e antropologia

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A expansão Arawak: tecendo linguística, arqueologia e antropologia

Belem, 29 de abril, 2015 Museu Paraense Emilio Goeldi Roger Blench Chief Research Officer, Kay Williamson Educational Foundation McDonald Institute for Archaeological Research, Cambridge Visiting Professor, University of New England, Armidale Academic Visitor, Rajiv Gandhi University, Arunachal Pradesh

Estudos linguísticos sobre Arawak A família Arawak foi identificado por Fr. Salvatore Gilij (1721–1789): Sagio di storia americana; o sia, storia naturale, civile e sacra de regni, e delle provincie spagnuole di TerraFerma nell' America Meridionale descritto dall' abate (1780– 1784) Vols. 1-4. Rome: Perigio. Outros estudos importantes: Schmidt (1917), De Goeje (1928), Noble (1965), Matteson (1972), Derbyshire (1991), Payne (1991), Aikhenvald (1999), Ramirez (2001), Walker & Ribeiro (2011), Facundes & Brandão (2011).

Estudos linguísticos sobre Arawak Destes, o trabalho de Payne é o mais atual e completo, com argumentos linguísticos claros e rico em dados de uma amostra de cerca de 20 linguas Arawak. Mesmo assim, a amostra é longe de ser completo. O trabalho de Ramirez (2001) tem muita informação mas a amostragem é fragmentada e algumas das formas supostamente “reconstruídas” são claramente empréstimos recentes.

Fr. Salvatore Gilij

Arawakan vs. Maipurean Existem propostas para relações genéticas entre Arawak e outras famílias como Jivaro, Arawá, Harakmbet etc. Isso é a chamada hipótese ‘Macro-Arawak’, que poucos hoje sustentam Para distinguir suas propostas da proposta Macro-Arawak, Payne (1991) denomina a família ‘Arawak estreito’ (senso stricto) de ‘Maipurean’. Este termo ocorre em alguns textos, mas minha preferencia e de outros autores mais recentes é de voltar para o termo Arawak

Os linguas Arawak

Quantas línguas são? • Incluindo línguas vivas, extintas e com evidencia fragmentaria, de acordo a Glottolog são: • • • • • •

Arawak Total (76) Maipure central (7) Maipure oriental (2) Maipure setentrional (39) Maipure merdional (25) Maipure ocidental (3)

Quantas línguas são? • Ethnologue (2015): 54 línguas vivas, 700,000 falantes • Classificação interna segundo Ethnologue contem 60 línguas, alguns recentemente extintas • Arawak das ilhas do Caribe (‘Taino’) é extinto, mas talvez deve ser considerado com uma cadeia de dialetos em vez de varias línguas • Ethnologue usa uma divisão simples setentrional / meridional / não classificado, mas as bases não são mais aceitas; a classificação de Glottolog é mais confiável • Mesmo assim, nenhuma dessa classificações depende de argumentos publicados cobrindo a família toda

Desafios para um estudo Arawak comparativo  Tanto as línguas quanto a literatura é dispersa entre varias fontes e países.  Fontes em: Inglês Holandês Espanhol Português  Frances  Alemão Latim  Aproveito para agradecer a ajuda de Harald Hammarstrom e o Instituto Max Planck de Leipzig (também brevemente extinto) na compilação de dados

Desafios para um estudo Arawak comparativo  Muitas fontes (especialmente as mais antigas) foram transcritas usando ortografias nacionais idiossincráticas  ‘j’ pode ser transcrito como /h/, /y/ or /ʤ/ dependendo do autor  Idealmente todo devia ser re-transcrito usando uma transcrição regular (tipo IPA)  O banco de dados apresentado aqui tenta fazer isso, com alguns problemas ainda para resolver  Devido a morfologia aglutinativa (por exemplo, possessivos) em Arawak, muitas fontes citam palavras sem separar raiz de prefixo/sufixo o qual complica trabalho comparativo

O que constitui uma língua Arawak? Quase todas as chamadas línguas Arawak tem o prefixo na primeira pessoa singular nu-, mas as línguas Arawak originárias (e.g. Palikur) usam taOutros aspectos comuns são segunda pessoa singular pi-, pronome relativo ka-, e negativo maA forma *-nene ‘língua’ é encontrada em quase todos os grupos

Relação com arqueologia Suposta associação entre culturas arqueológicas e línguas Arawak Williams (2003) sugere uma associação com os petroglifos ‘Timehri’ no Orinoco e muitas ilhas no Caribe: datação dificil Relação importante com cerâmica Saladoide (~3000 AP) no Caribe e Barrancoide (2800 AP) ao longo dos principais rios Cerâmica policroma vermelho e preto sobre engobo branco, decorada com incisões, esculturas, etc.

Arte rupestre Relação entre Arawak e petroglifos do estilo Timehri : Williams, Denis. 2003. Prehistoric Guiana.

Lingua e cultura material Relação entre Timehri e Barrancoide (800 BC-900 AD): Dubelaar, C.N. 1986. South American and Caribbean Petroglyphs.

Relação entre Barrancoide e Arawak: Heckenberger, M. 2002. Rethinking the Arawakan Diaspora: Hierachy, Regionality, and the Amazonian Formative. Lathrap, D. 1970. The Upper Amazon.

Williams, D. 2003. Prehistoric Guiana.

Cerâmica Saladoide [St Croix]

Aretafatos Arawak (várias ilhas)

Culturas cerâmicas  Cerâmica Barrancoide não chega até o Caribe: não se sabe por que  Estilo Barrancoide tardio pode ser relacionado com surgimento de caçicados hierárquicas e uso mais extenso de mandioca amarga no continente  Existem relatos de cerâmica Barrancoide no interior da bacia amazônica: aguardando confirmação

Os Arawaks em alta mar  População humana chegou até Cuba e outras partes do Caribe a partir de 6000 AP.  A população inicial parecia ser caçadores coletores vindo da região do sul do que hoje é Estados Unidos (Florida)  Os Arawak e (muito depois) os Karib migraram para o Caribe desde a região do Orinoco

Os Arawaks em alta mar Se identificamos a cerâmicas Saladoide com a expansão inicial dos Arawak, essa expansão teve seu inicio a partir de 400 AC. Porem, muitas ilhas de fala Arawak não tem esse estilo de cerâmica Então parece que o estilo de cerâmica mudou na medida que os Arawak foram migrando até o ocidente, mas também houve uma segunda onda de expansão tardia de tal forma que as ilhas no oeste do Caribe falavam dialetos do Arawak documentado por Colombo

Os Arawaks em alta mar  Colombo encontrou vários grupos de Taino em diferentes ilhas  Existe muita informação sobre sociedade e cultura material: Caçicados, ausência de guerra intra-comunal, ênfase em comercio: coerente com chamado “Ethos Arawak” da Amazônia  Informação sobre a língua Taino é limitado  Alguns evidências sobre a língua dos caçadores originais

Os Arawak e os Karib  Existe um documento valioso, um dicionário do chamado “Karib das ilhas” de Pere Breton (1665)  Mas a pesar do nome, essa língua é Arawak, parecida com Garifuna de hoje  Mas: tem uma língua cerimonial especial dos homens que vem do Karib

Empréstimos Arawak para espanhol e inglês  Como primeiro ponto de contato dos europeus com o Novo Mundo, muitos traços culturais novos foram encontrados associados ao seu nome Arawak  Essas palavras foram registradas por Peter Martyr, quem entrevistou alguns indígenas levados para Espanha por Colombo  Os termos entraram em espanhol, inglês e outras línguas

Empréstimos Arawak para espanhol e inglês Antilles

Gloss

Spanish

English

bajaraque

casa grande

barraca

barracks

barbacoa

plataforma para secar milho

barbeque

cay, cayo

ilha

cayo

key

caracol

concha

caracol

canoa

canoa, barco

canoa

canoe

hamaka

rede

?

hammock

huracan

furacão

huracán

hurricane

juanna

cobra (iguana)

sabana

campo aberto

sabana

savannah

tabaco

cachimbo

tabaco

tobacco

iguana [goanna]

Os Arawak na América do norte  No final do século 15, um grupo de Arawak migrou de Cuba até Florida  O cacique, Sequene e seu filho Carlos fundaram a vila de Abaibo no sul da Florida  Tiveram algumas relações com os espanhóis mas não se sabe o que aconteceu com eles (Escalante Fontaneda, 1837-41, vol. 20).

Linguística  A pesar de muitos dados, a reconstrução de proto-Arawak é incipiente  O trabalho mais extenso é de Payne (1991) que avalia 20 línguas  Incluí 203 grupos de cognatos sets, principalmente substantivos e alguns adjetivos  Não prioriza reconstrução cultural: termos para comercio, barcos, pesca, estrutura social não são incluídos

Linguística  O trabalho de Ramirez (2001) apresenta reconstruções para mais línguas, porem usa um grupo menor de termos  Apresenta por exemplo uma reconstrução detalhada de proto-Japurá-Colombia que corresponde com Maipure setentrional, mas para algumas palavras as proto-formas são reconstruídas usando apenas dois cognatos  Os resultados de Ramirez precisam ser verificadas

Problemas com a transcrição  Transcrições muito inconsistentes mesmo para grupos pequenos  Problemas com comprimento de vogais, aspiração, presença/ausência de serie retroflexo  Acentos as vezes são usados para indicar qualidade dos vogais mas sem explicação; tom presente mas as vezes não marcado claramente

Problemas com a transcrição  Poucas fonologias usam a técnica clássica de pares mínimos (Martinet): as fonologias são apresentadas e afirmadas sem evidências  Não se sabe se Proto-Arawak tem um sistema de sons simples (Payne 1991) ou complexo, se algumas transcrições mais novas são consideradas, particularmente a serie retroflexo

Algumas questões:  “Arawak ocidental”: Chamicuro e Yanesha compartilham somente raízes que também são compartilhadas com outros ramos: o grupo não apresenta inovações compartilhadas ou correspondência sistemática – classificação somente geográfica?  Morike é muito fragmentar, parece mais com Chamicuro  Irantxe foi classificado como Maipure meridional mas deve ser um grupo isolado

Hipóteses sobre o berço Arawak  A maioria dos autores afirmam origem no Orinoco: migrações para o Caribe e o sul até Bolivia  Aikhenvald usa centro de diversidade para em argumentos para uma origem na Amazônia central

Reconstrução cultural  Método “Palavras e Coisas”: palavras que reconstroem para proto-Arawak estavam presentes no lugar e momento de origem  Problemático: os Arawak passaram por várias ecologias, incluindo mar. Não podemos atribuir “tubarão” para protoArawak!  As reconstruções de Payne (1991) são as mais confiáveis, e podemos adicionar mais evidências. Ramirez (2001) inclui mais itens mas não sabemos a profundidade temporal

Reconstrução cultural I: agricultura urucum (Bixa orellana) mandioca pimenta milho batata doce tabaco I tabaco II

*abinkitʰɨ *kaniCɨ *aʧɨdɨ *marikɨ *kʰalɨtʰɨ *ʧɨmade *ʃeri

Possível abacate abacaxi

*pirija *mawiru

Reconstrução cultural II: animais paca abelha, mel peixe I peixe II catitu piranha anta (cavalo, cão) pavão, jacú I pavão, jacú II

*pʰɨkɨli *maba *kopaki *hima *ahbɨya *uma *kema *maradɨ *kanatʰɨ

Possível boto jacaré

*hamana *kaʧuri

Reconstrução cultural III: tecnologia

flecha lança arco panela I panela II

*ʃumedra *yokorɨ *-tapa *kopitʰi *lama

Possível zarabatana canoa

*wapana *hiita

Modo de produção Proto-Arawak  Falantes de Proto-Arawak tinham um inventario tecnológico considerável, usavam barcos, conheciam o rio e os peixes mas também caçavam e cultivavam muitas variedades de plantas  Ainda não foi possível reconstruir palavras referentes a hierarquia social nem tecnologia para processamento de mandioca amarga, o que sugere que esses foram inovações posteriores a expansão inicial

Fluxo contrário (oeste-leste)?  A rede de intercâmbio Arawak também parece ter servido como canal de fluxos de plantas do oeste até o leste, contrário à direção da expansão  Com dados genéticas Clement propõe origem da pupunha (Bactris gasipaes) no sudoeste da Amazônia, viajando em direção ao nordeste  A raiz #pipiro também parece viajar na mesma direção, supostamente através das redes de câmbio Arawak mas em “contrafluxo” a rota de expansão  Possível que castanha (Bertholletia excelsa) viajou na mesma direção  Cubiu (Solanum sessiliflorum) também claramente domesticado em um só reginao no oeste da Amazônia e depois foi levado até o leste

Cubiu

A sociedade Arawak I  Existem algumas hipóteses sobre tendências gerais da cultura Arawak (“Arawak ethos”: Santos Granero & Hill, Hornborg)  Evitar “guerra endôgena” (guerra contra falantes de línguas parecidas), como é caso de muitos grupos amazônicos (Tupi, Yanomami, Jivaro, etc.)  Alianças inter-étnicas e surgimento de hierarquia, caciques  Traços variados e flexíveis de vida social, parentesco, consanguinidade, descendência: sociedades do tipo “Casa” (LeviStrauss)  Genealogia, herdânca como base de liderança política

A sociedade Arawak II  Religião tem um papel central: mitologia, ritos, especialistas  Relações de intercâmbio inter-étnico, os Arawak sendo frequentemente os moderadores de redes de troca na Amazônia, no Caribe e nos Andes.  Geografia sagrada relatando os ancestrais, hérois culturais e suas viagens pela paisagem. Relações políticas podem ser representados na paisagem a traves dessas historias  Preferencia para agricultura na beira do rio

A sociedade Arawak III  A hipótese funciona melhor no leste que no oeste (“o problema Matsigenka...”)  A chave de hierarquia seria mandioca amarga? Mandioca foi domesticada há 9000 anos: Macaxeira não pode ser armazenado, farinha, tapioca, etc., sim.  Surgimento de ethos hierárquico no nordeste associado a aumento demográfico: demanda para amido que pode ser armazenado como indicado na arqueologia  Co-evolução mandioca amarga / sociedades com hierárquica, tecnologia para processar mandioca s e criação de Terra Preta

O que aconteceu no oeste?  Na sua migração para o oeste, parece que os Arawak perderam a cerâmica distintiva, petroglifos, estrutura social  Talvez a migração foi rápida, e ocorreu antes de evolução dos traços associados a mandioca amarga  Ou, nos seus contatos com sociedades caçadores não-hierárquicos no oeste, perderam os incentivos em manter sistemas hierárquicos  Aguardando a arqueologia para esclarecer tudo isso

Macro-Arawak  Esfera de interação ou macro-família?  Algumas línguas no oeste da Amazônia compartilham raízes  Arawa  Harakmbet  Guajiban  Jivaro (Shuar-Candoshi)  Puquina (?) [extinto]  Witoto (?)  O único que se sustenta é Jivaro: termos básicos em comum com Arawak

Conexão Jivaro língua P-Maipuran P-Shuar-Candoshi pescoço Proto-Maipuran Proto-Shuar excremento P-Japurá-Colômbia P-Shuar mulher/esposa P-Maipuran P-Shuar

*nene *nia*kenu *kuntúha *-iʔiha *íha *ɨno *núwa

varrer P-Maipuran P-Shuar

*pɨ(da) *ha-pí-

Paralelos com Austronesia  Expansão no Pacífico há 4000 anos  Tecnologia marítima, ideologia de “fundador” deu condições para sempre procurar novos assentamentos  Pescadores-coletores  Hierarquia social forte, ideologia religiosa  Expansão demográfica, incorporação de populações originais  Quando encontraram as sociedades não-hieráquicas da Nova Guinea, perderam a cultura material e social que impulsou a migração

Arawak na Bolivia

Obrigado!

Love Eriksen para alguns slides Andy Hsiu para datilografia Glenn Shephard, Anna Ribeiro, Helena Lima, Charles Clement para discussões Harald Hammstrom para referências MPEG/PCI para apoio em Belem

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