A expansão da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX): Uma Coalizão Anti-Hegemônica?

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A Expansão da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX): Uma Coalizão Anti-Hegemônica? Erik Herejk Ribeiro1

Resumo Este estudo tem por objetivo discutir os aspectos securitários da expansão da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), decorrentes da inclusão de Índia e Paquistão em julho de 2015. Argumenta-se que este movimento representa uma nova fase da Organização, com o aprofundamento da coalizão entre China e Rússia contra a hegemonia dos EUA no Sistema Internacional. A proposta de inclusão de Índia e Paquistão na OCX promove e traz complexidade à integração regional e à regionalização da segurança, estimulando a coordenação multilateral para questões envolvendo o Afeganistão e o restante da massa continental eurasiana. Além disso, a OCX promove o conteúdo ético do Espírito de Xangai para a ordem internacional, que se coloca como alternativa normativa ao Neoconservadorismo Unilateral dos EUA. Destaca-se o respeito à soberania e construção de capacidades estatais. O estudo analisa os fundamentos da hegemonia americana, a contestação desta ordem, a proposta e o funcionamento da OCX e os desafios securitários enfrentados em suas diferentes fases. Palavras-chave: Organização para a Cooperação de Xangai; Hegemonia; Segurança Regional; Relações Internacionais da Ásia.

Introdução

Este estudo apresenta uma análise sobre a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) e sobre sua importância para a Segurança Internacional. Argumenta-se que o aprofundamento da coalizão2 e a inclusão de novos membros (Índia e Paquistão, em julho de 2015) ocorre como uma reação à hegemonia dos Estados Unidos e representa uma nova fase institucional da OCX. Esta hegemonia, que será objeto de análise na seção seguinte, é baseada em aspectos materiais e ideológicos. Os EUA buscam a primazia militar e a manutenção da capacidade de intervenção decisiva na massa continental eurasiana. No entanto, observa-se que a emergência de capacidades militares assimétricas dos demais países desafia o planejamento de guerra dos EUA. A ausência de uma Grande Estratégia 3 – que se adapte a esta realidade – tem se mostrado problemática, pois tem sido substituída por conceitos técnico-operacionais preemptivos na esfera 1

Mestre e Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais/UFRGS. E-mail: [email protected]. Bolsista CAPES. 2 Considera-se que a OCX representa uma coalizão e não uma aliança, pois é baseada em objetivos específicos como o combate a ameaças não tradicionais, não prevê um tratado abrangente de defesa mútua entre seus membros e não é direcionada contra nenhum país ou bloco de países. 3 Grande Estratégia é a conjunção de todos os fatores de poder nacional (sociais, econômicos, institucionais e militares) de um país para atingir objetivos da esfera da Estratégia, que compreende a relação entre a política e a guerra. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

militar e pelo Imperialismo (Liberal ou Neoconservador) na esfera ideológica. Em relação ao Imperialismo, os estadunidenses apostaram no efeito físico e psicológico das Guerras de Demonstração e das guerras encobertas para promover a democracia e o capitalismo liberal nos países periféricos. Especificamente, a ascensão do Neoconservadorismo Unilateral 4 (a partir de 2001) aprofundou a desestabilização do Afeganistão e do Iraque, aumentando a insegurança regional e o papel da insurgência islâmica. Em resposta ao Neoconservadorismo Unilateral, a Carta da OCX (2002) traz um conteúdo ético conhecido como Espírito de Xangai, que promove uma filosofia diferente na condução da ordem internacional. Este conteúdo ético procura reforçar a construção dos Estados locais, a consolidação da soberania e a busca pelo consenso multilateral e pela integração econômica (sob a liderança dos países de maior expressão). Argumenta-se que, no longo prazo, a promoção do Espírito de Xangai tem potencial para proporcionar uma alternativa normativa para as relações interestatais e para a condução dos assuntos de Segurança Internacional. Num primeiro momento, China e Rússia procuraram distender suas relações no pós-Guerra Fria, criando um espaço de influência conjunta na Ásia Central. Posteriormente, a Guerra ao Terror acentuou os processos regionais de securitização e a expansão de redes extremistas. Além disso, a invasão do Iraque em 2003 demonstrou o interesse dos EUA na remodelação (ou, nos termos de Mearsheimer, engenharia social) de Estados frágeis considerados como não democráticos. A partir de então, a OCX é melhor instrumentalizada para promover a estabilização dos Estados membros e a coordenação militar contra ameaças não convencionais. Os interesses de seus membros convergem em pontos específicos, nomeadamente a estabilidade securitária regional, o combate a ameaças não-tradicionais, a cooperação econômica e um conteúdo ético que valoriza (entre outros fatores) a soberania e a não intervenção. Atualmente, num contexto de retirada dos EUA no Afeganistão, a Organização expande seu escopo de atividades para lidar de forma mais decisiva com a instabilidade afegã. A iniciativa de aceitar Índia e Paquistão como países membros tem como uma de suas finalidades o gerenciamento da situação no Afeganistão, que não pode ser resolvida sem a aquiescência dos serviços paquistaneses e o apoio indiano. Além disso, a distensão das relações indo-paquistanesas, mediada informalmente pela OCX, traria benefícios para todos os países da região. A perspectiva de 4

Embora não haja consenso sobre suas características, pode-se citar: intervenção militar unilateral, promoção coercitiva da mudança de regime, imposição do liberalismo político e econômico, crença na universalidade dos valores Ocidentais, visão de mundo sob a ótica de conflitos civilizacionais. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

distensão é reforçada pela intenção em reunir – em torno da OCX – os projetos de integração regional promovidos pela China (Rota da Seda) e pela Rússia (União Eurasiana). Por conta da magnitude destes fatores, argumenta-se que a Organização entra em uma nova fase, marcada pela promoção de novas normas de interação securitária (o Espírito de Xangai), pela integração econômica regional e pela regionalização da segurança através do gerenciamento dos dois maiores focos de instabilidade na porção central da massa eurasiana. As seções seguintes trazem as seguintes análises: Em primeiro lugar, discute-se a percepção estadunidense sobre os fundamentos de sua hegemonia, nomeadamente a busca pela primazia militar e a capacidade de intervir na massa Eurasiana a partir de suas extremidades (Europa, Oceano Índico e Oceano Pacífico). Posteriormente, contextualiza-se a mudança de postura dos EUA em direção ao Neoconservadorismo Unilateral e a reação dos países periféricos e semiperiféricos, dentre as quais se destaca a OCX na esfera securitária. As três seções sobre a OCX abordam respectivamente: o conteúdo ético e normativo da Organização; a proposta de atuação e a resposta da OCX aos desafios securitários regionais e, por último, o significado da inclusão de Índia e Paquistão como membros plenos.

A hegemonia dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria O argumento elaborado nesta seção aponta que a hegemonia 5 estadunidense, conquistada após a derrocada da União Soviética6, passa por um momento de forte contestação. Ressaltam-se dois motivos principais na esfera político-securitária: a emergência de Estados capazes de colocar em dúvida o sucesso da projeção de força dos EUA e o fracasso do neoconservadorismo unilateral. Esta seção traz três discussões relacionadas à hegemonia dos Estados Unidos a partir da década de 1990. A primeira procura compreender a percepção estadunidense sobre as fundações de sua hegemonia, quais sejam: A busca pela superioridade militar decisiva (primazia) e a capacidade de intervenção em todas as regiões da Eurásia. A segunda versa sobre a natureza cambiante desta 5

Adota-se aqui como base o conceito gramsciano de hegemonia: coerção e consenso. A coerção seria a faceta ou manifestação material da hegemonia através da violência ou ameaça de uso da força. O consenso seria a capacidade de introduzir em outros países um conjunto de valores, crenças e projeções simbólicas que conformam uma determinada ética de conduta (FARIA, 2013). Embora seja totalmente reconhecida a importância de aspectos econômicos, tecnológicos e financeiros da hegemonia, a proposta atual limita-se a analisar as faces securitária e ideológica. 6 A derrocada da URSS é vista como um marco para o início da hegemonia americana por proporcionar, pela primeira vez, três vitórias de nível verdadeiramente global: a superioridade militar incontestável, a vitória ideológica e a adesão global às instituições mundiais criadas com a liderança dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

ordem hegemônica, que passou do liberalismo multilateral ao neoconservadorismo unilateral a partir de 2001. Por fim, serão elencados os elementos que indicam uma contestação crescente à hegemonia americana nas esferas militar e política. No plano estratégico, os Estados Unidos buscam a primazia nuclear, que é definida pela capacidade de destruição completa do arsenal nuclear inimigo sem que haja capacidade de contraataque (LIEBER; PRESS, 2006). Eliminando a possibilidade de dissuasão7, os estadunidenses teriam não somente a capacidade de vencer guerras, mas de assegurar sua inviolabilidade, de promover seus interesses e de moldar a ordem internacional (HUNTINGTON, 1993, p. 70). Apesar de contarem com grande arsenal nuclear, os Estados Unidos esbarram nas capacidades de contraataque (ou segundo ataque) de China e Rússia 8. Os EUA optaram, então, pela construção de Sistemas de Mísseis Balísticos de Defesa (BMD) nos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e no Japão (PICCOLLI, 2012; RIQIANG, 2013). Conforme alertam Martins e Cepik (2014, p. 16), o eventual comissionamento pelos Estados Unidos de mísseis hipersônicos antibalísticos9 colocaria em cheque a capacidade retaliatória de China e Rússia, pois impediria que os mísseis lançados atingissem ativos ou o próprio solo americano (ou aliado). No entanto, mesmo que os EUA obtenham futuramente a primazia nuclear (a pesados custos econômicos10), a observação de aspectos puramente técnicos negligencia a própria subordinação da guerra à política e evidencia a ausência de uma Grande Estratégia clara dos Estados Unidos para o Século XXI. Por trás do discurso defensivo do BMD, encontra-se uma lógica de guerra preemptiva11 (ou mesmo preventiva), onde os EUA se propõem a neutralizar uma ameaça antes que 7

Dissuasão significa o uso da ameaça de retaliação para convencer a outra parte a não tomar a iniciativa militar. Estes dois países possuem mísseis de longo alcance em bases fixas e móveis, configurando a chamada tríade nuclear de lançadores em terra, mar (submarinos) e ar (bombardeiros). Suas capacidades incluem os Mísseis de Reentrada Múltipla Independentemente Direcionados (MIRV), que potencializam sua tríade nuclear. 9 As armas hipersônicas são mais velozes (acima de cinco vezes a velocidade do som) e sua trajetória alcança camadas exteriores da atmosfera. Sua principal vantagem é a possibilidade de alterar sua trajetória final, sendo menos vulnerável à interceptação. O programa estadaunidense Prompt Global Strike (2003) deu origem à pesquisa e ao desenvolvimento destas armas, sob a justificativa da necessidade em construir um sistema baseado em solo estadunidense que pudesse penetrar qualquer defesa e atingir qualquer alvo em menos de uma hora. 10 É importante notar as críticas de Drezner (2013) e de Martins e Cepik (2014) acerca dos custos excessivos da primazia militar. Estes autores apontam que, do ponto de vista econômico e político, a busca pela primazia se mostra contraproducente. 11 Segundo Colin Gray (2007), a preempção ocorre quando um Estado ataca primeiro na iminência ou durante a condução de um ataque inimigo. A guerra preventiva (como foi o caso do ataque ao Iraque em 2003) ocorre quando um Estado ataca primeiro, pois teme que a correlação de forças se altere de forma desfavorável no futuro. O autor aponta que, embora não seja um equívoco considerar a utilização destes instrumentos, o governo George Bush (2001-2008) substituiu conceitos estratégicos como contenção e dissuasão para adotar um conceito que é meramente operacional, utilizado apenas ocasionalmente conforme a necessidade estratégica. 8

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ela reúna condições (ou iniciativa) para ataca-lo. No caso da Ásia-Pacífico, esta lógica é materializada pelo conceito de Batalha Aeronaval (Air-Sea Battle12), que prevê ataques em profundidade para destruir as redes eletrônicas, capacidades retaliatórias e bases adversárias, prostrando o adversário. A questão é que há altos custos humanos em uma guerra nuclear e chance de reconstrução e de retaliação futura pelo inimigo. Além disso, não há como garantir sucesso na esfera das operações ao invadir China ou Rússia, por exemplo (CEPIK; ÁVILA; MARTINS, 2009; MARTINS; CEPIK, 2014). Se a obtenção da primazia nuclear não é suficiente para sustentar o pilar securitário da hegemonia estadunidense, recorre-se à geopolítica como elemento explicativo. Embora não caiba um esforço abrangente para abordar as alternativas de Grande Estratégia para os EUA 13, é necessário analisar os elementos geopolíticos que sustentam a ordem internacional hegemônica. Barry Posen (2003) coloca no centro da hegemonia americana o conceito de Comando dos Comuns (comando do mar, do espaço e do ar). Segundo Posen, o elemento fundamental para a manutenção da hegemonia é a superioridade militar dos EUA no acesso e na negação do acesso de terceiros às áreas comuns. O comando dos mares habilita a projeção de força para todos os continentes, o comando do espaço dá consciência de situação para atuar nas massas terrestres e no mar, o comando do ar possibilita ataques de precisão e de profundidade nos territórios adversários. Acompanhando a lógica do Comando dos Comuns, Brzezinski (1997, p. 23) afirma que a hegemonia americana é a primeira de cunho verdadeiramente global, calcada na sua capacidade ímpar de projeção de força nas extremidades da Eurásia (Europa e Pacífico) e no Golfo Pérsico (Oceano Índico). Segundo Brzezinski (1997, 2012) a chave para a hegemonia global é o tabuleiro da Eurásia. Embora pareça um relativo contrassenso, os Estados Unidos dependem do gerenciamento de um espaço geograficamente distante, do qual não fazem parte. Portanto, o que mantém a hegemonia americana é sua capacidade de intervir em todas as regiões da Eurásia e, principalmente, de impedir que haja a confluência entre Grandes Potências que possa ameaçar seu acesso extracontinental, seja a partir da Europa, do Oceano Índico, ou do Pacífico (BRZEZINSKI, 1997, p. 35).

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Em 2015, o conceito foi renomeado para Joint Concept for Access and Maneuver in the Global Commons (JAMGC). Supostamente, o novo conceito deve promover maior inclusão das forças terrestres nas operações. 13 Para um debate sobre a Grande Estratégia dos EUA, ver Posen e Ross (1996) e Brown et al (2000). Em geral, os argumentos se dividem entre “engajamento seletivo” (POSEN, 2014) e a primazia (BROOKS; IKENBERRY; WOHLFORTH, 2013). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Passando para o segundo enfoque, a hegemonia americana passou por transformações políticas desde a década de 1990, influenciando as percepções dos outros países e, por consequência, afetando suas bases ideológicas. Com o fim da Guerra Fria, a política externa dos Estados Unidos prezou pela promoção da democracia liberal e dos valores ocidentais, buscando planificar e padronizar governos estrangeiros e normas internacionais. Os EUA se promoveram como a superpotência benigna capaz de garantir a estabilidade global, a cooperação institucional e a funcionalidade das economias e dos mercados. Por trás deste discurso, havia a intenção de controlar – através das instituições globais, das mudanças de regime político e do liberalismo econômico – os países sujeitos à ordem liderada pelos estadunidenses. Como bem observa Mearsheimer (2011), esta “Grande Estratégia” já é imperial no seu núcleo: segundo seus proponentes, os Estados Unidos teriam o direito e a responsabilidade de interferir na política interna dos países. A mudança dos anos 1990 para os anos 2000 não diz respeito a uma mudança de mentalidade, senão de postura. Os “imperialistas liberais” acreditam que as “engenharias sociais” no exterior podem ser feitas pela conjunção entre aliados, instituições internacionais e pela ação militar. Já os neoconservadores – em ascensão a partir do governo George W. Bush (2001-2008) – acreditam muito mais na força militar e no unilateralismo, pois os Estados Unidos possuem poder incomparável e irrestrito, logo, não há necessidade em comprometer-se

com

aliados

e

instituições

que

drenam

os

esforços

estadunidenses

(MEARSHEIMER, 2011, p. 19). O neoconservadorismo unilateral do governo W. Bush teve como principais elementos o lançamento da Guerra ao Terror e a escolha de países párias pertencentes ao “eixo do mal” (Coreia do Norte, Irã, Iraque, Mianmar, Síria), que teriam em comum a tirania e uma suposta irracionalidade, que impediria a simples dissuasão por parte do Ocidente (NASSER; TEIXEIRA, 2010). Após o 11 de Setembro, o Afeganistão foi o primeiro escolhido para a ação militar exemplar, seguido em 2003 pelo Iraque de Saddam Hussein. A ocupação estadunidense nestes dois países aumentou o antiamericanismo e escancarou a debilidade da mudança de regimes à força (MEARSHEIMER, 2011, p. 21-22). Os Estados Unidos também não deixaram de lado seus dois principais competidores estratégicos: China e Rússia. No caso russo, o principal desenvolvimento foi a expansão da OTAN para o Leste Europeu, assediando Estados pós-soviéticos como a Geórgia e a Ucrânia. Ao mesmo tempo, as chamadas Revoluções Coloridas (mudança de regime) invadiram o espaço pós-soviético

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na Ásia Central e Leste Europeu, Mianmar (Revolução do Açafrão em 2007) e Taiwan (Revolução dos Girassóis em 2014). O próprio Mearsheimer (2014) reconhece que não é segredo o apoio da CIA e de agências americanas a grupos pró-democracia em países escolhidos para a engenharia social. As revoltas árabes de 2011 fizeram parte deste mesmo processo (MONIZ BANDEIRA, 2013). Por isso não surpreende a revelação de documentos do Departamento de Defesa dos EUA que analisam o Estado Islâmico – nascido dos escombros da Guerra Civil Síria – como um possível “ativo estratégico”, ainda em 2012 (BHADRAKUMAR, 2015). Dado que o neoconservadorismo é essencialmente uma estratégia imperialista, é necessário recorrer a duas análises críticas sobre o imperialismo americano. Em primeiro lugar, pode-se fazer uma analogia com a abordagem de Mike Davis (1985) sobre a Guerra Fria, chantagem nuclear e a “Nova Direita” (neoconservadores). Segundo o autor, a centralidade do conflito bipolar não dizia respeito à Europa – onde já havia divisão das esferas de influência – mas sim ao Terceiro Mundo. Hoje, é a periferia do Sistema Capitalista que está em disputa. Logicamente, não pode haver ordem internacional sem seguidores e sem adesão à hegemonia estadunidense. Em um mundo cada vez mais complexo, globalizado e avançado tecnologicamente, a ascensão dos países do Sul coloca a ordem atual em questão. Devido à falta de impeditivos ou restrições à ação militar estadunidense, a chantagem nuclear e o guarda chuva nuclear para apoiar as contrarrevoluções no Terceiro Mundo foram substituídos pela Guerra de Demonstração. Na análise de Ellen Wood e Larry Patriquin (2012), o Imperialismo estadunidense assumiu a real forma do Capitalismo: não há mais conquista colonial e sim dominação econômica extraterritorial. Aqueles que não se submeterem à ordem econômica liberal ou tiverem caminhos de desenvolvimento próprios estarão sujeitos à intervenção. Assim, os EUA realizam papel de polícia mundial e garantem um império sem fronteiras através do poder psicológico (interno e externo) e do “terror exemplar”. O problema central, no entanto, é a falta de objetivo estratégico, negligenciando a subordinação da guerra à política (WOOD; PATRIQUIN, 2012, p. 256-260). Ao longo dos anos 2000, emergiram elementos de contestação à continuidade da hegemonia estadunidense. Argumenta-se que há mudanças na dinâmica internacional, traduzidas em maior distribuição de capacidades militares, na reação da periferia e semiperiferia ao neoconservadorismo e no retorno das identidades nacionais.

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Ao longo dos anos 2000, enquanto os Estados Unidos estavam imersos nas duas guerras mais longas de sua história, emergiam competidores políticos e securitários. Embora os EUA ainda tenham o Comando dos Comuns, Grandes Potências como China e Rússia e Potências Regionais como o Irã já são capazes de, na esfera das operações, criar Zonas Contestadas, onde a vitória estadunidense passou a ser incerta (POSEN, 2003). Sua intenção não era competir com o vasto poder americano, mas criar estratégias assimétricas de autodefesa, capazes de inviabilizar os custos de uma invasão e colocar seu sucesso em questão. Posteriormente, as estratégias assimétricas ficaram conhecidas como Negação de Área e Antiacesso 14 (A2/AD). A digitalização da guerra também se constitui num fenômeno central para a horizontalidade de capacidades militares, pois o processo de assimilação tecnológica colocou principalmente China e Rússia em condições de empregar a guerra informatizada (ÁVILA; CEPIK; MARTINS, 2009). A Índia também se aproxima da autonomia militar e tecnológica, ao empregar sistemas de satélites indígenas, ao iniciar a operação de sua tríade nuclear e ao modernizar suas capacidades convencionais. Portanto, mesmo que não seja de seu interesse contestar a hegemonia americana de forma frontal, a Índia tem cada vez mais capacidade de ação autônoma na esfera securitária. As instituições multilaterais15 foram seletivamente ignoradas pelos estadunidenses nas últimas décadas. Por consequência, os países emergentes da periferia e semiperiferia buscaram não somente democratizar a ordem internacional vigente, mas também criar e reforçar suas próprias pontes regionais e inter-regionais, desconcentrando a governança global (CEPIK, 2013, p. 314). Estava em curso um movimento cada vez maior de contestação de uma ordem hegemônica unilateral, baseada no conteúdo ético do neoconservadorismo (intervenção militar, mudança de regime, imposição do liberalismo político e econômico, a universalidade dos valores Ocidentais, conflitos civilizacionais). As Guerras de Demonstração, apesar de inicialmente terem algum sucesso, logo evidenciaram a fragilidade do projeto de mudança de regime pela força externa. Da mesma forma, as Revoluções Coloridas fracassaram e trouxeram maior instabilidade política. Ao final de contas,

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De forma resumida, as operações A2/AD em terra são feitas por artilharia, foguetes e mísseis de curto ou médio alcance. No mar, há o emprego de mísseis antinavio (cruzadores ou balísticos) e de submarinos dotados com torpedos ou mísseis cruzadores. Mais próximo à costa, há o emprego de minas marítimas, de submarinos de menor alcance, de pequenos navios torpedeiros e de lanchas de ataque rápido. Pelo ar, aviões caça, bombardeiros e helicópteros podem possuir mísseis antinavio e antissubmarino (KREPINEVICH, 2010, p. 10). 15 Pode-se citar, por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU e regimes comerciais, ambientais, de controle de armas e de energia nuclear. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

percebeu-se que o Império causava mais terror do que prosperidade. Como o próprio Brzezinski (2012, p. 64) reconhece, a “América deveria repensar seriamente se explorou de forma inteligente a oportunidade extraordinária do fim pacífico e geopoliticamente favorável da Guerra Fria”. Nota-se que houve uma mudança nas identidades dos países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) justamente a partir da desilusão com o modelo estadunidense e com o ressurgimento de seus poderes e valores nacionais (MIELNICZUK, 2013). Todos os novos agrupamentos liderados por países do Sul (BRICS, G20, IBAS) apontam para o desejo de multipolaridade e de um Sistema Internacional mais justo nas esferas econômica e política. É neste contexto que a OCX, formalizada em 2001, representa uma rejeição ao neoconservadorismo e à ordem hegemônica unilateral.

Contestando a hegemonia: O conteúdo ético da Organização para a Cooperação de Xangai

A questão da ética é um elemento essencial da política internacional contemporânea. Em jogo estão disputas ideológicas e políticas sobre os rumos das sociedades e sobre o papel do conjunto sobre as unidades. Seguindo a interpretação weberiana 16, o neoconservadorismo representaria a ética das finalidades. Ou seja, os meios duvidosos da guerra aberta e encoberta contra Estados considerados como não democráticos tem o objetivo de levar a “verdadeira” democracia a estas sociedades. Esta lógica baseou-se na interpretação extremamente equivocada presente na obra “O Fim da História”, de Francis Fukuyama. Ali foi fabricada a ideia de que o futuro seria de inevitável progresso e que todas as sociedades atingiriam prosperidade e estabilidade ao seguirem os princípios da democracia liberal e do livre mercado. Os neoconservadores tomaram para si a missão de cumprir o destino vislumbrado por Fukuyama, negligenciando qualquer experiência histórica, cultural e política de outros modelos de sociedade. O conteúdo ético da OCX vai de encontro à hegemonia estadunidense exatamente por adotar uma visão balanceada entre meios e fins. Não é possível adotar um modelo de ação com sucesso que desconsidere a experiência histórica, seja no viés das Relações Internacionais ou da Sociologia. 16

Weber distingue dois tipos de ética: a “ética das últimas finalidades” – absoluta, com ênfase em princípios e nos meios empregados – e a “ética da responsabilidade”, que recai sobre os resultados finais. No entanto, emergem paradoxos nos dois casos: como criar uma ética moralmente pura em seus meios, se a violência é recorrente nas relações humanas e sociais? O que seria uma finalidade “boa” e quando esta justificaria o emprego de meios duvidosos? O ideal, portanto, seria o uso complementar da ética dos fins e dos meios, não considerando parâmetros préestabelecidos ou se apegando puramente a princípios (NEGRI, 2003, p. 83-85). I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

A grande falha do neoconservadorismo foi aceitar que vivemos num mundo plano, totalmente globalizado e que é facilmente adaptável institucional e economicamente a modelos importados. Outra falha de igual proporção foi acreditar que governos sem o monopólio da força e sem legitimidade interna poderiam assumir a tarefa de construção do Estado. Assim, a ética da OCX se coloca como uma alternativa filosófica à unipolaridade ideológica propagada pelos EUA. China e Rússia, os dois pilares da Organização, publicaram pelo menos três documentos conjuntos (1997, 2001 e 2005) enfatizando a promoção da multipolaridade; o respeito à diversidade cultural, econômica e política; o direito à escolha do próprio caminho de desenvolvimento; a igualdade de soberania e o respeito à lei internacional. Por sua vez, a Carta da OCX (2002) apresenta seus princípios no Artigo 2º. Em síntese, há o respeito mútuo à soberania e à integridade territorial; não interferência em assuntos internos; igualdade de todos os Estados membros; resolução pacífica de conflitos; não utilização da OCX contra outros Estados ou Organizações e prevenção de atos ilegítimos contra membros da OCX. Por trás das normas compartilhadas por seus membros, a OCX proporciona uma via de fortalecimento das elites nacionais, assistindo no seu processo de construção do Estado, no desenvolvimento econômico conjunto e na manutenção da integridade territorial (ARIS, 2009). O “Espírito de Xangai”, como é chamado este conjunto de normas e princípios, se tornou um modelo a ser seguido pelos países da Ásia e da periferia em geral. A Rússia, por exemplo, já expressou seu desejo em transformar a plataforma da OCX num mecanismo de resolução de conflitos internacionais. Parte do projeto de inclusão de Índia e Paquistão passaria, portanto, pela adoção do Espírito de Xangai de respeito mútuo e de coexistência pacífica (LU, 2015). Os críticos norte-americanos e europeus à Organização apontam que seus mecanismos acabam por reforçar intencionalmente regimes políticos e práticas ditatoriais. O elemento que escapa à análise destes críticos é justamente a fragilidade da coesão social, econômica e política de sociedades que ainda lutam para chegar à modernidade. Samuel Huntington (1968) já argumentava, há quase 50 anos, que não existe sistema político eficiente (democrático ou não) sem que haja ordem e estabilidade. Ainda, se observarmos a própria sociologia histórica da formação dos Estados europeus, veremos que o conflito interestatal, as guerras entre vizinhos e a busca pela sobrevivência foram suas prioridades por centenas de anos (TILLY, 1990). A comunidade de segurança e o compartilhamento de soberania se consolidaram apenas na década de 1990. Como aponta Ayoob (2002, p. 40), o desafio dos Estados do Terceiro Mundo não é transcender o Estado Westfaliano,

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mas fortalecer sua eficiência e legitimidade para que haja ordens políticas domésticas estáveis e uma participação positiva no Sistema Internacional. Portanto, o conteúdo ético da OCX (o Espírito de Xangai) se opõe à forma como a hegemonia estadunidense vem sendo conduzida após o término da Guerra Fria. Primeiramente, através da promoção de diferentes normas e princípios entre seus membros e, concomitantemente, no discurso externo de promoção da igualdade de soberania, da multipolaridade e da rejeição ao uso unilateral da força. Além disso, através do documento “SCO Strategy Towards 2025”, a Organização se opõe à competição estratégica entre Grandes Potências, caracterizada pela militarização do espaço e pela construção de sistemas unilaterais de defesa antimíssil. Sua noção de direitos humanos também foi esclarecida neste documento, contrapondo a noção de universalidade e enfatizando o direito ao desenvolvimento. Os países declararam que respeitarão diversidades nacionais e que lutarão contra a politização dos fóruns sobre direitos humanos (KUCERA, 2015). Outra questão mais profunda, que demanda maior investigação, é a capacidade de liderança e de promoção do Espírito de Xangai, principalmente por parte de China e Rússia. Assim como na esfera material, onde estes países já possuem protagonismo regional e são capazes de contestar a hegemonia estadunidense, haverá também um encontro de projetos na esfera ideológica. Assim como na Guerra Fria, provavelmente a competição se dará na periferia do Sistema. Resta saber, neste caso, se o Espírito de Xangai valerá de forma seletiva ou se atuará como uma nova plataforma de relações interestatais. Aqui nos é caro o conceito de liderança pela autoridade humana, de Yan Xuetong (2011). Yan aponta que os EUA são o único país capaz de exercer liderança global. No entanto, esta liderança tem ocorrido por meio de hegemonia, utilizando padrões duplos ao favorecer aliados e ao contrariar inimigos. Entre 2001 e 2008, a liderança dos EUA teve aspectos de tirania ao desrespeitar suas próprias normas. A liderança pela autoridade humana, por outro lado, ocorre através “[...] do exemplo e da adesão. É o poder por meio da virtude, da prática e da transmissão de valores aceitos como superiores, do ponto de vista moral” (PITT, 2014, p. 63). A solução para a China, em longo prazo, seria ter capacidade de liderança pela autoridade humana, se transformando internamente para adotar um sistema de princípios e de valores passível de adesão pelos demais Estados. Este modelo pressupõe, ao mesmo tempo, que haja algum grau de hierarquia internacional, onde os países mais fortes assumem mais responsabilidades do que os mais fracos (PITT, 2014, p. 63). Ou

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seja, por exemplo, caberia às Grandes Potências as tarefas de prover bens públicos e de estabilizar focos de conflito militar através de soluções aceitas pelos demais. Neste caso, a atuação no gerenciamento da segurança regional (especialmente do Afeganistão) e na inclusão possivelmente turbulenta de novos membros na OCX (Índia e Paquistão) são dois desafios à capacidade de liderança chinesa e também russa.

Desafios político-securitários e a resposta da OCX

Esta seção analisará a resposta da OCX às ameaças não tradicionais e à tentativa dos EUA em alterar o panorama estratégico do mundo muçulmano, desde o Oriente Médio até a Ásia Central. Inicialmente, o objetivo da OCX era a busca por maior cooperação e estabilidade regional, combatendo os três males: terrorismo, separatismo e extremismo. No entanto, a projeção dos interesses dos Estados Unidos para a Ásia Central alterou seu significado (VISENTINI, 2013, p. 210). Para além dos atentados de 11 de setembro, a nova Estratégia de Segurança Nacional (setembro de 2002) dos Estados Unidos enfatizava a existência de um “Arco de Instabilidade”, que abrangia desde o Oriente Médio até o Nordeste da Ásia, tendo a Ásia Central como eixo. A partir de então, houve maior engajamento militar e de inteligência dos Estados Unidos e o estabelecimento de bases de operações em quase todos os países desta região (BURGHART, 2007, p. 10). Pode-se observar que a invasão do Afeganistão e a Guerra ao Terror acabaram por legitimar a luta antiamericana e pan-islamista dos extremistas islâmicos. Suas ações reverberaram não somente no Afeganistão-Paquistão (Af-Pak) ou na Ásia Central, mas nas próprias periferias de China, Índia e Rússia (Xinjiang, Caxemira e Chechênia, respectivamente). No plano da mudança de regime através da subversão, destacaram-se as Revoluções no Quirguistão, Uzbequistão e no Leste Europeu/Cáucaso. Quanto às intervenções militares, observa-se a instrumentalização das revoltas árabes para derrubar regimes na Líbia e na Síria. Como resultado, houve a aproximação dos interesses de China, Índia e Rússia, de modo que o separatismo e as mudanças de regime por via externa se tornaram temas securitários centrais, figurando em discursos do alto escalão político e em documentos oficiais (SONG, 2015; ANTONOV, 2015; RAGHAVAN, 2014, p. 68-69).

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Segundo Marcel de Haas (2007, p. 07-10), a evolução institucional da OCX17 pode ser dividida em três períodos: 1) Medidas de construção de confiança e de segurança (1996-2001) – redução dos contingentes de fronteira e das tensões herdadas do conflito sino-soviético; 2) Segurança regional contra os três males (2001-2004) – Estabelecimento de secretariado permanente, exercícios conjuntos antiterrorismo e criação da Estrutura Regional Antiterrorista (do inglês, RATS); 3) Organização internacional abrangente (2004-presente) – busca por reconhecimento internacional e por interação com outras organizações, admissão de Estados observadores (Mongólia, Índia, Paquistão e Irã), exercícios militares anuais. De forma efetiva, a cooperação dentro da OCX se dá por intermédio dos mecanismos de fortalecimento da coordenação securitária interagências; fornecimento de armas e recursos militares; estímulo ao crescimento econômico por meio de ajuda, investimentos e projetos de infraestrutura. A primeira observação diz respeito à abordagem holística da OCX. Ao evitar o envolvimento externo em conflitos internos, os países membros retiram elementos de legitimidade dos grupos insurgentes. Da mesma forma, a busca pela superação do atraso econômico auxilia na consolidação do Estado central. Além disso, as relações próximas da China com o Paquistão e a crescente aproximação da Rússia com o Sul da Ásia visam a diminuir o papel passivo e ativo paquistanês nas ações terroristas (NEVES, PICCOLLI, 2012, p. 113-114). O desafio de estabilização do Afeganistão é um exemplo da oposição entre o projeto hegemônico estadunidense (calcado no intervencionismo estrangeiro) e a regionalização da segurança (NEVES, PICCOLLI, 2012). É necessário mencionar que, de imediato, todos os países próximos ao Afeganistão demonstraram certa aquiescência da necessidade em responder aos atentados do 11 de Setembro com uma invasão militar. Por outro lado, logo ficou claro que o objetivo não era apenas derrotar a Al Qaeda e o Talibã. Em 2002, o Irã foi colocado na lista do Eixo do Mal e, no ano seguinte, o Iraque foi invadido. Devido à incerteza sobre os objetivos estadunidenses e à falta de vontade dos EUA em criar uma iniciativa regional para o Af-Pak, países como China, Índia, Irã e Rússia adotaram uma abordagem de aguardar os resultados e de evitar maior envolvimento (CHANDRA, 2015, p. 183-185). A partir do governo Obama (2009-presente), os Estados Unidos começaram a reduzir sua presença militar no país, diante da dificuldade em manter o custeio de operações e em assegurar o

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Em 1996 formou-se o grupo Cinco de Xangai (China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão). Apenas em 2001, com a adesão do Uzbequistão, o grupo transformou-se na OCX. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

controle do governo local sobre o território afegão. No entanto, os EUA não abandonaram o projeto imperial (seja liberal ou neoconservador) no Oriente Médio, mesmo que haja certo interesse em dividir os custos da ocupação com Europa, China, Índia e Rússia. É possível que o recente acordo nuclear assinado pelo Irã seja o ponto de partida para uma estratégia de balança de poder regional (FRIEDMAN, 2015), possibilitando o direcionamento para a Ásia-Pacífico e o engajamento seletivo. Ainda assim, por mais que o governo Obama tenha interesse no Pivô para a Ásia, existem setores muito fortes no lobby pró-Imperial, a exemplo de Robert Kaplan (2015). De qualquer modo, China, Rússia e o próprio conjunto da OCX já sinalizaram que a estabilização do Afeganistão será a prioridade securitária regional nos próximos anos. Com a retirada das tropas americanas, a OCX está disposta a desempenhar um papel mais ativo no Afeganistão, embora ainda não esteja claro de que forma isto ocorrerá. Em termos conjunturais, destacam-se as iniciativas da China ao promover a conciliação entre elementos moderados do Talibã e o governo de Kabul. Reeves (2014) realiza um esforço de identificação de futuras ameaças e do possível papel da OCX num contexto pós-ocupação dos EUA. O autor observa que o ressurgimento do radicalismo poderia reviver projetos de unificação do Vale do Fergana sob um Estado Islâmico, abarcando os países da Ásia Central e o Afeganistão. Em primeiro lugar, o arcabouço da OCX possibilita a redução dos refúgios separatistas e extremistas em países vizinhos que não seriam alvo destes grupos em específico. Também poderia haver maior coordenação no combate ao narcotráfico. Em contrapartida, devido às ações prévias da Organização, é improvável que ela intervenha diretamente nos assuntos internos do Afeganistão. Ainda no ano de 2000, mesmo com o transbordamento das ações do Talibã para a vizinhança, o Grupo de Xangai decidiu não intervir. Mesmo em países membros, a OCX falhou em mobilizar recursos para intervir na crise interna do Quirguistão (2010), apesar do pedido de ajuda. Ainda cabe mencionar as intervenções da Rússia na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014), que foram recebidas com cautela e apreensão pelos outros membros18 (REEVES, 2014, p. 9-10). O Afeganistão, apesar de não ser um país tão grande em população ou território, carrega um caráter simbólico e geopolítico central para a Eurásia. Em primeiro lugar, foi uma das principais passagens da Rota da Seda, um caminho de conexão logística terrestre entre a Europa e a Ásia.

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Cabe mencionar, no entanto, que a Índia foi um dos primeiros países a reconhecer a legitimidade dos interesses russos na Crimeia. O governo indiano também se opôs a qualquer tipo de retaliação econômica ou política à Rússia. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Durante o Século XIX, desenvolveu-se o Grande Jogo de diplomacia, incursões e espionagem entre o Império Britânico e o Império Russo. O Afeganistão foi o ponto de choque entre impérios, tornando-se um tampão após a Convenção Anglo-Russa (1907). Atualmente, a China retoma a visão da Rota da Seda através do projeto “One Belt, One Road” (OBOR), buscando retomar as rotas terrestres para a Europa e concretizar o sonho moderno de uma Eurásia interconectada e interdependente (KHANNA, 2008, p. 65-70). Neste sentido, a segunda resposta da OCX aos desafios político-securitários ocorre na esfera econômica. Diferentemente do período do Grande Jogo, os projetos das atuais potências continentais da Ásia parecem estar progressivamente se alinhando. Como mencionado anteriormente, a China tem destinado cada vez mais recursos ao OBOR, inclusive por intermédio da OCX, para os países da Ásia Central. Os projetos visam realizar o potencial energético, logístico, de recursos naturais e de serviços destes países. A Rússia aposta na União Econômica Eurasiana, composta por Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão e Quirguistão. Ambos os projetos têm apresentado sinergia e algum grau de coordenação (KARAGANOV, 2015). Neste contexto, também é necessário mencionar os planos futuros da OCX. Durante a 15ª Cúpula da OCX, em julho de 2015, China e Rússia concordaram em alinhar progressivamente a Rota da Seda/OBOR e a União Econômica Eurasiana. Existe a noção de que qualquer arranjo securitário entre os membros deve ser ancorado pelo desenvolvimento econômico comum19 (LU, 2015). Houve também uma discussão sobre a criação de um banco de desenvolvimento da OCX. No entanto, o grande acontecimento da Cúpula foi o início do processo de adesão da Índia e do Paquistão como membros plenos. Ainda, foram aceitos como parceiros de diálogo: Armênia, Azerbaijão, Camboja e Nepal. Argumenta-se que a OCX pode estar entrando em uma nova fase, caracterizada pela sua incorporação de novos membros e pela expansão de seus objetivos econômicos, políticos e securitários.

Uma nova fase para a OCX: Índia e Paquistão como membros plenos

Nesta seção será feita uma análise mais conjuntural, alicerçada nos elementos conceituais e históricos apresentados nas seções anteriores. Buscar-se-á responder quais os possíveis interesses 19

Em contraste, ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos têm desenvolvido uma verdadeira guerra comercial contra a Índia – que supostamente seria um dos grandes parceiros no Pivô para a Ásia – em assuntos relacionados a propriedade intelectual. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

dos membros da OCX ao aceitarem dois novos membros de grande magnitude regional. Ainda, serão analisadas possíveis implicações da expansão desta Organização para a Segurança Internacional, em especial para a Ásia. Como resultado, pode-se observar que a OCX embarca em uma nova fase distinta das anteriores. Os dois novos elementos determinantes desta fase seriam: 1) A busca pela integração continental na Ásia; 2) tentativa de estabilização de dois temas centrais para a segurança regional – a guerra civil no Afeganistão e a rivalidade Índia-Paquistão. Embora os elementos trazidos nesta seção sejam historicamente recentes e, portanto, sujeitos a reviravoltas ou reinterpretações, analisa-los não significa tentar predizer o futuro. Pelo contrário, aqui são retomadas as ideias da hegemonia estadunidense – exercida por intermédio do Imperialismo – e do conteúdo ético da OCX (ou Espírito de Xangai) como elementos explicativos para o fenômeno em questão. Em primeiro lugar, conforme exposto, os Estados Unidos não possuem mais a garantia de sucesso na projeção de força para todas as regiões, condição da qual usufruíra no início deste século. Logo, sua capacidade de moldar os eventos em regiões distantes como os oceanos Índico e Pacífico está reduzindo e, cada vez mais, é sujeita à interferência de potências militares regionais, como China, Índia e Rússia. Seguindo nesta linha, seu comportamento deve ser progressivamente moderado pelos interesses das potências regionais. A Índia é frequentemente citada como um aliado natural dos Estados Unidos devido a sua rivalidade com a China. Apesar de existir uma parceria estratégica Indo-Americana, é equivocado assinalar um alinhamento automático entre as partes. A Índia é um país pós-colonial subdesenvolvido, que partilha de valores asiáticos e tem um histórico de não alinhamento e de autonomia estratégica. Na mesma linha do Espírito de Xangai, a Índia deseja um mundo policêntrico (multipolar), numa ordem que não seja hierárquica e nem baseada em valores universais. Mesmo sendo democrática, a Índia não é promotora da democracia em suas relações externas (CHACKO; DAVIS, 2015, p. 6-14). A elevação da Índia a Grande Potência no âmbito militar não é um sinal de que ela agirá como as Grandes Potências europeias do Século XX, repetindo a rivalidade Franco-Alemã contra a China. Pelo contrário, exatamente pelo histórico colonial e pela disparidade socioeconômica entre a Ásia e o Ocidente, indianos e chineses têm sido cada vez mais pragmáticos em suas relações bilaterais. Embora nenhum dos dois países mais populosos do mundo descarte um cenário de

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confrontação, é sabido que, por hora, ele é altamente indesejável 20. Além disso, ambos claramente defendem a regionalização da segurança, em contraposição ao intervencionismo externo. Levando em consideração certo grau de estabilidade estratégica nas relações entre China e Índia, a dinâmica que ambos os Estados não conseguem controlar é justamente o “Arco de Crises” que abarca boa parte do mundo muçulmano e parte destes dois países. A ascensão recente do Estado Islâmico e sua expansão (até mesmo para o Afeganistão) também é elemento de preocupação conjunta. A dinâmica afegã é retroalimentada pela fragilidade estatal e pela ambiguidade do Paquistão, onde setores da burocracia flertam com a radicalização política, a despeito da relativa laicidade do Exército e das elites políticas civis. Além disso, o cenário de guerra interestatal mais provável da região seria justamente entre Índia e Paquistão, que enfrentam crises periodicamente. A Rússia, por sua vez, sente que vem perdendo espaço para a China em sua esfera de influência tradicional. Assim, a inclusão de membros da grandeza de Índia e Paquistão seria uma forma de equilibrar os interesses regionais. Não se pode negligenciar, tampouco, que a Rússia tem sido pressionada pelo Ocidente a tomar atitudes indesejáveis no Leste Europeu. A crise da Ucrânia reforçou ainda mais a noção de que as oportunidades diplomáticas e econômicas para os russos se encontram na Ásia. A OCX confere à Rússia uma capacidade de liderança internacional que dificilmente teria ao agir de forma isolada. Vladimir Putin não surpreende quando afirma que deseja tornar a OCX numa plataforma internacional de resolução de conflitos para além de seus membros. Principalmente no caso da China, a inclusão de Índia e Paquistão está condicionada à adesão destes aos projetos da Rota da Seda. Em abril de 2015, a China anunciou investimentos da ordem de US$ 45 bilhões em energia e infraestrutura para o Paquistão. No mês seguinte, assinou investimentos num total de US$ 22 bilhões para a Índia. Ao contrário dos paquistaneses, a Índia ainda não está segura se irá participar de forma plena do projeto de integração regional da China. Ainda existe um debate interno sobre as vantagens e desvantagens em aceitar a maior inserção econômica da China no Oceano Índico (MOHAN, 2014). Ao aderir à OCX, entende-se que a Índia ao menos se propõe a participar do debate sobre a integração econômica deste espaço. Isto, por si só, já merece destaque. Para o Paquistão, participar de um projeto de integração com a presença de

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Se colocarmos em termos da teoria realista e da balança de poder, também haveria nexo neste comportamento: teríamos aqui uma contradição entre a balança regional – onde China e Índia estariam em lados opostos – e a balança global, onde a Índia estaria em uma posição de bandwagoning evoluindo para o soft-balancing em relação aos Estados Unidos. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

China e Rússia acaba por diluir o receio de subordinar-se a uma ordem hegemônica indiana no sul da Ásia. O segundo eixo de atuação – a estabilização do Afeganistão e a distensão do conflito IndoPaquistanês – é um desafio de ainda maior magnitude. O Paquistão é o epicentro de ambos e, portanto, sua entrada na OCX é um evento emblemático. Logo nos primeiros anos de sua existência, o Paquistão embarcou numa aliança com os Estados Unidos, participando de um cinturão de contenção à URSS. Ainda no final da década de 1970, Estados Unidos e Arábia Saudita proveram todo tipo de ajuda para os paquistaneses treinarem guerrilhas mujahidins e formarem o Talibã para resistir à invasão soviética (1979-1989). Como resultado, o próprio Talibã, com apoio paquistanês, assumiu o governo afegão na década de 1990, em meio a uma prolongada guerra civil. Após o 11 de setembro, os EUA compeliram os paquistaneses a unirem esforços na Guerra ao Terror, apesar de sua relutância em abandonar os antigos aliados. Ao longo dos anos, ficou cada vez mais claro que o Estado paquistanês se encontrava dividido entre elementos que desejavam liderar o mundo islâmico – adquirindo assim profundidade estratégica para enfrentar a ameaça indiana – e elementos que desejavam estabilizar e modernizar o Paquistão (FAIR, 2011). Percebendo que a solução do conflito no Afeganistão passaria necessariamente pelo combate aos refúgios no noroeste paquistanês, os Estados Unidos iniciaram uma série de ataques a esta região, muitas vezes sem consentimento do governo local. Neste sentido, a ocupação estadunidense e o advento da guerra feita por robôs (drones) têm efeitos político-estratégicos negativos em longo prazo: o governo paquistanês entra em crise de legitimidade, aumenta o sentimento antiamericano e mais radicais são recrutados (RASHID, 2012; AHMAD, 2014). A rivalidade Indo-Paquistanesa, por sua vez, é baseada numa disputa civilizacional e de identidade. Os dois Estados surgiram de uma violenta partilha do Raj Britânico e enfrentam muita dificuldade para consolidarem sua legitimidade, seja por questões socioeconômicas ou pelos grupos insurgentes regionais. A questão da Caxemira é central para a manutenção de ambas as ordens sociais. Desde a Guerra Sino-Indiana (1962), formaram-se relações triangulares entre a Índia e a parceria China-Paquistão (RIBEIRO, 2015, p. 47-52). A China tem se mostrado cada vez mais incomodada com as dificuldades em lidar com o Paquistão. A ingovernabilidade de certas regiões tem afetado os negócios chineses e colocado em risco seus projetos logísticos no país. Além disso, a China tem promovido a aproximação com a Índia, mas os indianos desconfiam de suas históricas relações especiais com os paquistaneses.

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Mesmo assim, a cooperação é possível porque as duas potências temem que o Paquistão se radicalize. Este cenário dificultaria qualquer distensão com a Índia e abriria espaço para a expansão de redes Uigures (população nativa do Xinjiang) ou mesmo do novo Estado Islâmico da Síria e do Iraque. Outra questão fundamental foi a reaproximação do Paquistão com a Arábia Saudita nos últimos anos, com rumores de que os paquistaneses estavam compartilhando tecnologia militar sensível, inclusive armas nucleares. Percebendo o risco desta movimentação, China e Rússia tomaram atitudes na mesma direção: os Russos retiraram o embargo à venda de armas para o Paquistão e os Chineses compeliram os paquistaneses (nos bastidores) a não enviarem tropas para combater na Guerra Civil do Iêmen. Em relação ao Afeganistão, observa-se que chineses e russos têm favorecido a aproximação entre o governo central (agora liderado por Ashraf Ghani), o Talibã e a inteligência paquistanesa (Intelligence Services Directorate). Tendo esses fatores em mente, a entrada do Paquistão na OCX tem como objetivo fortalecer os setores que favorecem a normalização das relações exteriores do país, seja em relação à Índia ou ao radicalismo islâmico. Observando os elementos fundamentais da Organização, o Paquistão deveria seguir uma postura de redução do apoio a grupos insurgentes na Caxemira, por exemplo. A Índia, por sua vez, também realiza operações encobertas, a exemplo de 1971, quando auxiliou os bengalis na libertação de Bangladesh. Atualmente, acredita-se que a inteligência indiana esteja em contato com a etnia balúchi, que habita o sul do Paquistão. A mitigação da desconfiança mútua poderia ser auxiliada por um arcabouço multilateral dentro da própria OCX. A exemplo do Fórum Regional da ASEAN 21, onde as duas Coreias encontraram um mecanismo de diálogo informal, a OCX poderá prover um espaço de diálogo e resolução de conflitos interessado primeiramente na diplomacia e na estabilidade. Ainda, dentro das condições institucionais atuais, Índia e Paquistão terão oficiais trabalhando em conjunto na Estrutura Regional Antiterrorista (o RATS) e, possivelmente, participarão de exercícios multilaterais e de outras formas de comunicação entre elites militares. Na questão da legitimidade, a não interferência direta dilui a retórica nacionalista ou pan-islâmica dos insurgentes. A possível distensão Indo-Paquistanesa poderia abrir os canais de comércio regionais, colocando o Paquistão na encruzilhada logística entre Índia, China e Ásia Central.

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Associação das Nações do Sudeste Asiático. Seu fórum regional conta com os dez países da região e todos os principais países da Ásia-Pacífico. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Obviamente, há de se ressalvar a complexidade das geometrias de poder variável que acometem uma Ásia em rápida transformação. Aqui foi traçado um dos perfis de coalizão regional através da OCX, que tem combinado visões de estabilização securitária e de integração econômica. Se observarmos os interesses de cada país individualmente, possivelmente nenhum estará disposto a assinar uma aliança militar duradoura com qualquer de seus parceiros dentro da Organização. Sendo assim, a coalizão da OCX serve para explicar um alinhamento temporário em torno de temas de interesse comum, que possui, ao mesmo tempo, elementos de longa duração, como a integração regional e a regionalização da segurança. A questão central desta explanação é justamente atentar para a convergência de interesses na estabilização do continente asiático e de suas imediações. Países como China, Índia e Rússia desejam a multipolaridade não somente porque acreditam em sua estatura individual ou porque desejam reconhecimento de seu status, mas também porque discordam da forma como a hegemonia estadunidense foi conduzida nas últimas décadas. Ao contrário do que muitos esperavam, os EUA não foram uma potência benevolente, e sim agiram de forma auto-interessada e seletiva. A coalizão da OCX responde filosoficamente e praticamente a questões que a hegemonia estadunidense não foi capaz de produzir resposta adequada. Em muitos casos, inclusive, os problemas existentes foram acentuados. A emergência do Estado Islâmico é um exemplo claro deste ponto. Por fim, não podemos esquecer que o sinal verde para a entrada de Índia e Paquistão na OCX veio de China e Rússia. Os dois países do sul da Ásia já haviam se candidatado há alguns anos, mas sua entrada não era aceita. Em termos estratégicos, cabe refletir se a entrada destes países na OCX não é uma resposta da China à possibilidade de uma doutrina militar ofensiva dos EUA no Pacífico (baseada no conceito de Batalha Aeronaval) e da Rússia à tentativa de expansão da OTAN para a Ucrânia. A coalizão da OCX e seu aprofundamento também são decorrência prática da falta de flexibilidade diplomática dos EUA nestas duas questões.

Conclusão

Nesta seção, serão retomados os argumentos principais da análise e a correlação entre a hegemonia dos EUA e a proposta de atuação da OCX. Em primeiro lugar, parece claro que a hegemonia estadunidense passa por um momento de incertezas, seja em termos materiais (capacidades militares) ou ideológicos (capacidade de liderança). Neste sentido, a contestação à

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ordem hegemônica depende, por um lado, da capacidade estratégica e operacional em dissuadir a ação unilateral dos EUA na massa eurasiana. Sem o lastro militar e a criação das Zonas Contestadas, o fundamento da hegemonia estadunidense permanece, mesmo que não haja a aquiescência de boa parte dos outros países. Por esse motivo, o próprio estudo das Relações Internacionais e da Segurança Internacional deve estar em constante diálogo com os Estudos Estratégicos. O ponto de vista político e ideológico, por sua vez, também é indispensável por prover modelos alternativos de governança do Sistema Internacional, sem os quais teríamos uma discussão estéril. Conforme visto anteriormente, a forma pela qual os Estados Unidos exercem sua hegemonia alimenta a instabilidade securitária de diversas regiões, especialmente na Eurásia. Em parte, o comportamento imperialista (seja neoconservador ou liberal) poderia ser explicado pela ausência de desafiantes capazes de dissuadir a potência hegemônica e pela transformação do poder militar em poder psicológico-ideológico (o “terror exemplar”). Este comportamento é baseado no conteúdo ético do Neoconservadorismo, que coloca os fins (democracia, liberalismo econômico) acima dos meios (intervenção militar e guerra encoberta). Todos estes fatores são produto da falta de uma Grande Estratégia dos EUA para o Século XXI. Por isso, a ascensão de competidores (China e Rússia) tem suscitado respostas de caráter potencialmente ofensivo e preemptivo por parte dos Estados Unidos. A postura assertiva dos EUA em relação a seus competidores e a incapacidade em assimilar diferentes interesses tem fortalecido a coalizão China-Rússia. A OCX pode ser considerada como o principal produto desta coalizão, que adaptou sua atuação e suas expectativas conforme China e Rússia sentiam a necessidade em promover estabilidade por meio da regionalização da segurança. Ao mesmo tempo, os dois países utilizam a Organização para avançar em seus projetos de integração econômica regional, que também se constitui num pilar de mitigação de conflitos entre países vizinhos. A decisão em expandir a OCX pode ser considerada como uma nova fase da Organização e também um ponto de inflexão na coalizão entre estes dois países. A partir da análise feita na seção anterior, conclui-se que China e Rússia compreendem que o problema da governança na Ásia Central depende essencialmente da estabilização do Sul da Ásia. Na esteira da questão securitária, ambos os países estão alinhando também seus projetos de integração econômica regional. Além disso, existe claramente uma ambição de mudança do ordenamento global em dois sentidos: 1) Por meio do gerenciamento de conflitos sensíveis ao Sistema Internacional (guerra civil no Afeganistão

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e tensões entre Índia e Paquistão); 2) Proporcionando uma visão de mundo alternativa e o poder do exemplo ao gerenciar conflitos que a hegemonia estadunidense não foi capaz de solucionar. Em termos geopolíticos, a confluência de interesses e a coalizão entre China, Índia e Rússia tem sérias implicações para os Estados Unidos, que podem prosseguir com seu perfil atual ou responder de forma elaborada e consciente à contestação destas Grandes Potências. Nenhuma das três potências se opõe à participação securitária dos EUA em suas regiões próximas. No entanto, há forte contestação a sua filosofia de atuação, que carece de perspectiva estratégica viável e erode qualquer expectativa de estabilidade em uma ordem hegemônica unipolar. Referências Bibliográficas

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