A experiência educacional do Bachillerato Popular Trans Mocha Celis na visibilidade das travestis e transexuais em Buenos Aires/Argentina

June 2, 2017 | Autor: Luana Pagano Peres | Categoria: Educação, Transexualidade, Educação, gênero e diversidade sexual, Educação Sexual
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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA 08 a 10 de junho de 2016

GT8 Gênero, Educação e Escola

A experiência educacional do Bachillerato Popular Trans Mocha Celis na visibilidade das travestis e transexuais em Buenos Aires/Argentina

Luana Pagano Peres Molina (Universidade Federal de São Carlos/ Universidad de Buenos Aires. Doutoranda no Programa de Educação, Mestre em História Social, Especialista em Psicologia Aplicada à Educação e Graduada em História)

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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS GT8 Gênero, Educação e Escola

A experiência educacional do Bachillerato Popular Trans Mocha Celis na visibilidade das travestis e transexuais em Buenos Aires/Argentina Luana Pagano Peres Molina1

Resumo: Esta pesquisa faz parte da tese em desenvolvimento pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, em que se objetiva analisar e refletir o processo de formação do Bachillerato Popular Mocha Celis, no ano de 2012, na cidade de Buenos Aires/Argentina através da aplicação metodológica da etnografia. A pesquisa parte de uma perspectiva pós-estruturalista e queer, e entende este espaço educacional como uma iniciativa de proporcionar às travestis e transexuais a inclusão social através do retorno ao sistema educacional no ciclo do ensino médio. Apresentam-se como resultados alguns dos projetos pedagógicos pensados a partir da concepção de cidadania, políticas públicas e da educação sexual às/aos estudantes com ênfase nas medidas humanitárias e proativas no endossamento das práticas aos Direitos Humanos e a diversidade sexual na Argentina.

Palavras-chaves: Diversidade Sexual; Educação Popular; Transgeneridade.

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Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) / Universidad de Buenos Aires (UBA); Doutoranda no programa de Educação, Mestre em História Social, Especialista em Psicologia Aplicada à Educação, Graduada em História; [email protected].

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Introdução Es la primera escuela pública laica, gratuita y con perspectiva de género del mundo. La idea es acceder a derechos, como la educación, el trabajo, la salud, la vivienda, desde una mirada integral para que todas las personas puedan finalizar sus estudios. Francisco Quiñones2

O Bachillerato Popular Trans Mocha Celis foi criado no ano de 2011 pelos fundadores Francisco Quiñones e Agustín Fuchs e iniciou seu funcionamento/ano letivo em 2012 com 15 estudantes. Esta iniciativa educacional refletiu o período de ascensão dos direitos conquistados pela comunidade LGBTTTI – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais – a partir do início do século XXI nos governos dos Kirchner.3 Os movimentos sociais argentinos passaram a organizar-se fortemente e se reestruturam, a partir de meados dos anos de 1980 pós a ultima ditadura militar (19761983), através de um discurso voltado aos direitos humanos e de reconhecimento as necessidades das minorias sociais do país. O movimento feminista uniu-se aos movimentos de direitos humanos e de diversidade sexual para alcançarem possíveis avanços sociais e direitos que garantissem seu exercício de cidadania e liberdade. A teórica Dora Barrancos define muito bem o contexto argentino nos ano de 1980, como:

[...] se cuenta la notable renovación y difusión de los estudios feministas, los cambios epistemológicos, las transformaciones de la historia social, el empinamiento internacional de la historiografía de género, a lo que se unen los cambios de la vida política y social argentina con el retorno a la democracia. (BARRANCOS, 2004:49)4

A mobilização política se concentrou especialmente na cidade de Buenos Aires, mas aos poucos foi atingindo outras regiões do país. Neste contexto de mudanças sociais e 2

Fundador e Diretor do Bachillerato Popular Trans Mocha Celis em Buenos Aires/Argentina e ativista do movimento LGBTTIQ. 3 Estamos nos referindo ao governo de Nestor Kirchner e posteriormente a Cristina Kirchner, ambos presidentes da Argentina nos anos de 2003 até 2015. 4 Tradução Livre: [...] se aponta a renovação e difusão dos estudos feministas, as mudanças epistemológicas, as transformações da história social, a ascensão internacional da historiografia de gênero, ao que se unem as mudanças da vida política e social argentina com o retorno da democracia.

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políticas, vale ressaltar que foi também na década de 1980 que ocorreu o “boom” da epidemia da HIV/AIDS, o que elevou as novas discussões a respeito das orientações sexuais, com a necessidade de se falar sobre as formas de prevenções nas práticas sexuais e que exigiu do governo reconhecimento das novas formações afetivas e criação de campanhas de conscientização para o uso de preservativos, como a camisinha. Desta maneira, se fizeram visíveis às situações de vulnerabilidade, injustiça e desigualdade frente à população LGBTTTI daquele período. Ainda na década de 1980 surgiu a Comunidad Homosexual Argentina (CHA), um das organizações sociais LGBTTTI cujo foco foi de reivindicar ações na área do direito à livre escolha sexual, assimilando conjuntamente os discursos dos direitos humanos e ações participativas, como: grandes passeatas, manifestos e mobilizações públicas em defesa da democracia e reivindicações aos direitos das/os homossexuais (PECHENY, JONES, 2008). Um exemplo dessa articulação ocorre em 1992 quando é organizado por Carlos Luis Jáuregui, a primeira Marcha do Orgulho Gay, com a presença de aproximadamente 250 pessoas participantes e cujo tema central foi a Libertad, Igualdad, Diversidad. Os/as organizadores da Marcha se posicionaram, neste momento, como interlocutores/as entre o Estado, os meios de comunicação e a sociedade em geral para fazerem visíveis as demandas da diversidade sexual e entrarem nas agendas públicas. Essas chamadas “Políticas de Visibilidades” ocorreram no decorrer da década de 1980 e 1990 quando organizações sociais começaram a denunciar a falta de representações positivas e de impactos sobre as condições das existências de gays, lésbicas, travestis e transexuais. Percebe-se então que é necessária a criação de uma série de estratégias que se articulem e que causem ganhos sociais. Manifestando-se publicamente, o movimento LGBTTTI desafia a fronteira do público-privado acerca da sexualidade humana e denunciam o discurso heterossexista dos grupos sociais privilegiados a partir de uma linguagem de direitos humanos e de inclusão (MORENO, 2008). A tarefa de promover uma valorização positiva da diversidade sexual e os avanços de uma legislação igualitária foi elevando cada vez mais ao longo dos anos e aumentando os números dos participantes da Marcha do Orgulho Gay. No início, o número de pessoas trans, por exemplo, foi mínima e com poucas participações no evento, a cada ano a Marcha passou a comportar uma grande multiplicidade de manifestantes com espaços para todas as demandas do coletivo LGBTTTI, incluindo a presença de pessoas cada vez mais jovens. (BARRANCOS, 2014)

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A partir de uma maior abertura da sociedade e dos avanços sociais referentes à comunidade LGBTTTI apresentou-se uma proliferação de outros grupos e organizações em todo país, como por exemplo, Grupo de Lesbianas feministas Las Lunas y las otras (1990); Grupo Autogestivo de Lesbianas (GAL); Transexuales por el Derecho a la Vida y la Identidad – Transdevia (1991); Grupo de Investigación em Sexualidad e Interracción Social – ISIS (1992); Colectivo Eros (1993); Travestis Unidas (1993); Asociación de Travestis, Transexuales y Transgéneros de Argentina – ATTTA (1996); Federación Argentina de Lésbianas, Gays, Bisexuales y Trans – FLGBT (2005). Diante de todo este contexto da década de 1990, dos direitos humanos à visibilidade, possibilitou-se o surgimento e fortalecimento do coletivo para pessoas travestis e transexuais. Desde o início deste período, na capital Buenos Aires, surgiu um agrupamento para a busca de direitos das travestis e denúncia de violência, estas que já vinham para capital em fuga de áreas muito conservadoras e interioranas com forte influência da Igreja Católica (BERKINS y FERNÁNDEZ, 2005). A organização das travestis e transexuais começou a manifestar-se e suas principais denúncias e argumentações voltou-se para a visibilidade das suas condições, dificuldade ao acesso à saúde e pelo fim dos Edictos Policiales. Para Barrancos (2014:24) podemos esclarecer os Edictos como [...] normas inconstitucionales, elaboradas por los propios cuerpos de policía [...] daban capacidad a las fuerzas policiales para actuar en materiales tales como la prostitución y [...] contra la franca perturbación de las buenas costumbres5. De forma que, por exemplo, para as travestis, o ato de homens estarem usando roupas e acessórios considerados femininos já era motivo de voz de prisão. Ainda a respeito dos Edictos Policiales pode ser entendido como prisões compulsórias (de 6 a 21 dias) com multas de ate 2100 pesos para quem saísse na rua com roupas do sexo contrário. Acredita-se que no fim dos anos de 1980 e inicio dos anos de 1990 cada travesti já teria entre três ou quatro detenções mensais. Além da prisão havia ainda as humilhações, agressões, os roubos, as propinas e violações. (BAZAN, 2010:458). Para o acolhimento das trans na cidade de Buenos Aires, que vinham de diversas regiões do país e pela necessidade de acabar com a ditadura policial contra este grupo, surge o ativismo da Asociación de Lucha por la Identidad Travesti y Transexual (ALITT), sendo uma das suas fundadoras, a pesquisadora e militante Lohana Berkins. Ao longo da 5

Tradução Livre: [...] normas inconstitucionais, elaboradas pelo próprio corpo de polícia [...] que davam capacidade as forças policiais para atuar em materiais como a prostituição e [...] contra a franca perturbação dos bons costumes.

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década de 1990 as travestis e transexuais trouxeram ao espaço social e ao cenário público a reivindicação por uma identidade e as denúncias a respeito do que esta comunidade vem enfrentando a exclusão, a falta de reconhecimento social, a repressão social e a falta do convívio familiar. Apoiados em novos discursos, como a teoria queer, e com a força política crescente dos movimentos sociais, a partir do início do século XXI a Argentina conquistou grandes direitos para a população LGBTTTI, tornando-se referência internacional pela legalidade e reconhecimento da diversidade sexual: A Lei da União Civil (2003), A Lei da Educação Sexual Integral (2006), o Casamento Igualitário (2010), a Lei de Identidade de Gênero (2012). O avanço legislativo é notável, mas e os questionamentos referentes à reinserção educacional da comunidade travesti e transexual? A transfobia no ambiente escolar foi e é um dos principais motivos que levaram as pessoas trans a deixarem a escola, o que gerou e gera dificuldades ao acesso profissional, reforçando a marginalização e cujos direitos são negados, como seu próprio exercício a cidadania. Como então se adaptar a um espaço que sempre se mostrou heteronormativo e excludente? É neste contexto que o Bachillerato Popular Trans Mocha Celis foi fundado, um centro educativo, no bairro Chacaritas em Buenos Aires, e o primeiro no mundo a ser fundado na perspectiva dos estudos de gênero e sexualidade. Além de produzir mudanças significativas na forma que a comunidade trans está inserindo-se na sociedade, observamos possibilidades de acesso à educação e ao mercado de trabalho.

Metodologia

Foi delimitada como metodologia a visão etnográfica. A Etnografia tem como característica analisar e objetivar o comportamento social do sujeito inserido em seu cenário cotidiano, a partir da obtenção de dados qualitativos por meio de uma série de observações. O teórico Lapassade (2001:72) pontua que a observação participante inicia-se com a chegada do/da pesquisador/a ao campo da investigação e as negociações que lhe permitirão ter acesso ao espaço investigativo, no desdobramento da pesquisa, até por fim, o termino do estudo. A esse respeito, nesta pesquisa, a observação participante aplicou-se desde o primeiro contato por e-mail, a minha chegada à cidade e os contatos iniciais, o início da participação no Mocha Celis, o reconhecimento do espaço nas primeiras visitas, e

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de todo processo de que aos poucos me tornou uma “nativa” e que possibilitou- me construir uma rede de relações naquele ambiente. Estes aspectos apresentados possibilitam uma analise detalhada e aprofundada na compreensão do significado das praticas e ações sociais. Ainda nessa perspectiva metodológica da pesquisa, para Pereira e Lima (2010:4), a etnografia torna-se um plano aberto e flexível, conforme o cotidiano é observado e descrito. Caracteriza-se pela observação densa, criteriosa, detalhada, sobre o entorno sociocultural no qual os/as participantes da pesquisa estão inseridos/as e destaca-se por formarem dois pilares metodológicos: a interação prolongada entre o/a pesquisador/a e o/a participante da pesquisa e a interação forjada no cotidiano do universo do/da participante. O desenvolvimento da experiência no Mocha Celis, enquanto observadora, iniciouse em Junho de 2015 até Abril de 2016. A coleta de dados desdobrou-se através das observações no ambiente escolar, com alguns encontros na disciplina Género e Educación e apoiadas na confecção de um diário de campo.

Desenvolvimento

Para melhor compreensão do funcionamento deste sistema educacional, busco apresentar uma breve conceituação do que são os Bachilleratos. A partir da grave crise econômica vivenciada na Argentina no fim dos anos de 1990 e o início dos anos 2000 resultante da implosão do sistema neoliberal que prevaleceu no governo de Menem, as classes populares passaram a pensar um tipo de educação autônoma, presentes nos sindicatos e nas comunidades periféricas, para as minorias sociais e de caráter comunitário (ARIEL, TERZIBACHIAN, 2012:519). As autoras Ariel e Terzibachian (2012:529) definem os Bachilleratos como escolas autogestionadas e populares. De forma que fazem parte de uma educação formal, mas que ainda reivindicam sua autonomia frente ao Estado e obrigam que este reconheça as diferentes realidades sociais em que estas escolas estão inseridas. Portanto, acredita-se que o principal objetivo destes locais de ensino seja a educação popular e o empoderamento das classes populares. Os Bachilleratos Populares ressurgem das forças das assembleias de bairros, por parte dos movimentos sociais e das estratégias para abrirem espaços que resolvam os problemas educativos apresentados. Pensa-se em uma educação inclusiva, participativa e

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que se ajuste as necessidades do grupo que se apresenta, perdendo, principalmente, as características das estruturas rígidas e hierárquicas das escolas tradicionais.

Estas experiencias se proponen incidir en la reconstrucción del espacio público después de años de desmantelamiento de las prestaciones sociales del Estado. Expresan además los debates más amplios en torno a la definición de la escuela pública, su matriz liberal y la exclusión sufrida por los sectores populares. (GLUZ, 2010:56)6

Uma das principais características dos Bachilleratos é ser uma organização institucional horizontal, ou seja, as decisões de seu funcionamento, projetos e conteúdos são tomados pelas/os docentes e estudantes, em assembleias, e não de maneira hierárquica e vertical como em escolas tradicionais. Afinal, não se trata de um/uma ter mais conhecimento que o/a outro/a, mas sim, terem saberes diferentes e tratarem de compartilharem estes saberes para a possibilidade da construção do aprendizado (GLUZ, 2010). As próprias assembleias fazem parte do processo educativo, onde se debate e discutem os temas em grupo, exercendo a democracia, refletindo e adotando posturas sobre as diferentes questões. Como consequência desta prática, surgem novas relações sociais dentro do âmbito escolar e sua cotidianidade. As/os docentes, em sua maioria, são militantes e universitários/as em processo de formação, portanto, ainda há o desafio de construir um novo rol de profissionais preparados para trabalharem novos currículos, com uma visão de desenvolverem práticas para uma educação popular. (PAEZ, PUTERO, 2012) Quanto aos conteúdos trabalhados, estes são divididos por áreas que estão a cargo de parceiras/os pedagógicas/os, que são formados por dois ou mais docentes, no intuito de realizarem os programas, planificações e sistematização para refletirem sobre o que se realizou e o que se pretende realizar. Os projetos educacionais variam de acordo com as necessidades das/os estudantes. Deste contexto político e social na Argentina, juntamente com esta nova prática educacional que se popularizou pelo país, teremos o surgimento de um Bachillerato trans. O objetivo foi de criar um espaço educativo, público e gratuito, voltado às pessoas travestis, transexuais, transgêneros, da Capital Federal e dos arredores, de maneira a garantir o acesso a uma educação livre de discriminação pela orientação sexual e/ou identidade de gênero.

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Tradução Livre: Estas experiências se propõem incidir na reconstrução do espaço público depois de anos de desmantelamento das prestações sociais do Estado. Expressam também os debates mais amplos em torno à definição da escola pública, sua matriz liberal e a exclusão sofrida por setores populares.

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O estudo do livro La gesta del nombre propio de Josefina Fernandez e Lohana Berkins (2005) que inspirou a formação do Bachillerato Mocha Celis apresenta um informe sobre a situação da comunidade travesti na Argentina em que aponta a média de vida das pessoas trans em 35 anos e analisa as principais causas de morte, em primeiro lugar, a violência policial, logo em seguida, as doenças sexualmente transmissíveis e intervenções cirúrgicas como produto da inacessibilidade deste coletivo ao sistema de saúde público. Enquanto que na educação, este mesmo informe aponta que o nível de evasão da comunidade travesti duplica a proporção da população geral (maiores de 15 anos) que não terminaram seus estudos. Por isso a importância de se pensar em políticas públicas e de reconhecimento para um grupo que é tão vulnerável. Según datos ofrecidos por la organización, un 85% del colectivo trans no terminó el secundario. Un 79% está en situación de prostitución. La esperanza de vida es de 35 años, la mitad que la media en Argentina. Este proyecto es una opción concreta de integración y de aprendizajes, frente a la falta de una respuesta educativa estructural por parte del Estado. En nuestro país la formación primaria y secundaria es obligatoria. Paradójicamente, es el mismo sistema, dominado por una perspectiva heterosexual y patriarcal el que excluye a miles de jóvenes por su identidad de género. (QUIÑONES, 2011:2)7

O nome do espaço educacional Mocha Celis foi escolhido em homenagem prestada à travesti argentina Mocha Celis, que ficou conhecida no Bairro de Flores, devido à brutalidade de sua morte em decorrência de três tiros que recebeu na cabeça. A travesti homenageada Mocha Celis não sabia ler nem escrever por isso sempre pedia para lerem seus documentos. Algumas companheiras, no período em que esteve presa8, começaram a alfabetiza-la, porém ela faleceu antes de completar seus estudos. A Escola desenvolve diariamente atividades no horário da uma da tarde até às seis e meia, com turmas referentes aos três anos do ensino médio/secundário. Como incentivo e colaboração para participação dos/as estudantes, estes/as inscrevem-se em vários programas disponíveis em nível federal e estadual como bolsistas. E após os três anos do programa, além 7

Tradução Livre: Segundo dados oferecidos por organizações, 85% do coletivo trans não terminou o secundário. E 79% estão em situação de prostituição. A esperança de vida é de 35 anos, a metade que a média na Argentina. Este projeto é uma opção concreta de integração e de aprendizagens, frente à falta de uma resposta educativa estrutural por parte do Estado. Em nosso país a formação primária e secundária é obrigatória. Paradoxalmente, é o mesmo sistema, dominado por uma perspectiva heterossexual e patriarcal o que exclui milhares de jovens por sua identidade de gênero. 8 Nos anos de 1990 estava em plena vigência à normativa dos Códigos de Faltas e Contravenciones que sancionava as pessoas que exibissem publicamente roupas de outro sexo. Era uma época de repressão e detenções as pessoas travestis.

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da certificação do ensino médio/secundário obtém um título técnico de “Perito Auxiliar em Desarollo de las Comunidades”. Este Bachillerato pretende ofrecer una respuesta a este círculo de violencias desde la educación popular, rescatando los saberes propios del colectivo trans* y canalizándolos en el armado de proyectos cooperativos. A su vez el título que entregará (Perito/a en el Desarrollo de las Comunidades) permite continuar estudiando en cualquier Universidad o Instituto Superior, tanto público como privado (QUIÑONES, 2012, p. 1)9

Esta iniciativa educacional é a primeira no mundo fundada a partir da perspectiva de gênero e sexualidade, portanto se decidiu incorporar estas temáticas em todas as disciplinas, como por exemplo, no inglês se ensina vocabulário LGBT, em matemática a ler os números de alguma analise clínica de casos pertinente à problemática da sexualidade e em história se fala de minorias, o movimento social LGBTTTI e sua formação e Direitos Humanos. As/os estudantes realizam projetos com enfoques na literatura, cooperativismo, matemática, noções digitais, memória, educação sexual. O currículo está dividido por departamentos como: Area Cosmologica (para o departamento de Ciências Naturais e Exatas), Areas Sociales (para o departamento de História e Formação de Cidadania), Area Lenguaje (departamento de Línguas e Literatura). Além disso, possuem uma área chamada de Area Formativo Ocupacional com um Departamento de Orientació en Formativo Ocupacional com disciplinas em Formação Ocupacional. Este módulo se baseia em outro programa do Ministério do Trabalho da Nação chamado de “Programa Jóvenes com Más y Menor Trabajo” em que se desenvolve a importância da inclusão do trabalho, começando com um perfil do trabalhador e depois com a elaboração de um currículo, passando por leis trabalhistas e orientações de entrevistas. E também ainda há uma disciplina de Educação e Gênero ministrada pela diretora acadêmica Vida Morant. Nesta disciplina se tem como base o currículo implantado da Educação Sexual Integral, para as/os estudantes desenvolverem atividades vistas como ferramentas para expressarem suas emoções e sentimentos, respeitando a si e ao outro a partir de um entendimento acerca da sexualidade humana e da diversidade sexual, construindo e reconstruindo conceitos, ressignificando ações de cuidado da saúde e do corpo.

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Tradução Livre: Este bachillerato pretende oferecer uma resposta a este círculo de violências desde a educação popular, resgatando os saberes próprios do coletivo trans y canalizando-os no esquema de projetos cooperativos. Além do título que possibilitará (Perito/a no desenvolvimento das comunidades) permite continuar estudando em qualquer Universidade ou Instituto Superior, tanto público como privado.

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De acordo com o projeto pedagógico da disciplina (2015) o enfoque é abranger e debater as noções, os tabus e as ideias que envolvem e cercam as construções de gênero e sexualidade. Neste processo os debates perpassam temáticas como: a prostituição, a identidade de gênero, sexualidade na adolescência, discriminações e preconceitos, abuso sexual, violências simbólicas, papéis sexuais, orientações sexuais, entre outras categorias. O recorte para este trabalho faz parte do acompanhamento de quatro aulas da disciplina de Gênero e Educação nos mês de Setembro de 2015. As aulas ocorreram na quinta-feira com a turma do 3o. ano e a proposta da aula foi o desenvolvimento de um projeto para confecção de um Spot Publicitário dentro da temática da diversidade sexual. O objetivo da proposta da professora Vida Morant foi de que as/os estudantes teriam autonomia para construírem uma campanha publicitária que conscientizasse sobre a diversidade sexual humana e também ensinasse conceitos como orientação sexual e identidade de gênero para um público que não tivesse conhecimento dessas conceitualizações, de maneira a valorizar o combate às práticas de homofobia e transfobia. Para isso a professora exemplificou o que eram spots publicitários com “peças” que foram utilizadas durante as campanhas do movimento LGBTTTI de Buenos Aires no período da campanha para o casamento igualitário e Lei de Identidade de Gênero. Conforme vemos alguns dos exemplos das peças publicitárias a seguir:

Fonte 1: Campanha Casamento Igualitário. Disponível em: http://www.falgbt.org/matrimonio-igualitario/ 09/05/2016.

Fonte 2: Campanha Lei de Identidade de Gênero. Disponível em: http://www.falgbt.org/ley-deidentidad/ 09/05/2016.

Na primeira aula, a professora apresentou as instruções para o processo de desenvolvimento da atividade: os spots poderiam (ou não) ser em grupos e sua apresentação deveria ser entre 2 a 3 minutos. Poderia ser um vídeo gravado e editado, cartazes ou para as

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pessoas que não teriam como gravar poderiam encenar como propaganda ali mesmo no espaço e no horário da aula. Após a explanação, esta aula dividiu-se em dois momentos: a explicação do que era um Spot Publicitário e a retomada de alguns conceitos já trabalhados sobre a diversidade sexual que poderiam ser abordados nos trabalhos, como: identidade de gênero, homofobia, transfobia, orientação sexual. A partir destas instruções ocorreram as divisões dos grupos e nas próximas duas aulas as/os estudantes prepararam seus materiais. Um grupo quis falar sobre o que era a Lei da Educação Sexual implantada em 2006, outro grupo falou sobre o que era a Lei de Identidade de Gênero de 2012, outros dois falaram sobre homofobia e transfobia, e por fim, mais dois grupos apresentaram a temática da transexualidade. A maioria recorreu à biblioteca para buscarem materiais e referenciais teóricos para tornar as narrativas bem coerentes, com uma linguagem clara e objetiva, justamente adaptada a um modelo de spot publicitário. No último dia foram apresentados dois vídeos: um sobre relatos do dia a dia de um transexual em um ambiente escolar tradicional sofrendo Bullying dos/as colegas de sala de aula com gracinhas e piadinhas sobre sua identidade e perseguições no intervalo, o que fez com que o estudante retratado deixasse a escola; o outro grupo recriou no vídeo um momento/ ato de transfobia, onde duas amigas, uma travesti e outra transexual, foram juntas tomar café em uma cafeteria famosa na cidade e tiveram situações de discriminações por meio de olhares e comentários de outros/outras clientes e do próprio garçom que as atenderam de maneira grosseira. Outros grupos apresentaram cartazes: um sobre o combate à homofobia com os dizeres “A homossexualidade não é uma enfermidade. A homofobia sim.” e outro sobre a importância da Lei de Identidade de Gênero que diz “Nós éramos invisíveis, não existíamos, agora com a Lei 26.743 – Lei de Identidade de Gênero – somos alguém, agora existimos e temos identidade”:

Fonte 3: Elaborada pela autora. 17/09/2015

Fonte 4: Elaborada pela autora. 17/09/2015.

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O interessante desta atividade foi o envolvimento que as/os estudantes apresentaram na confecção dos spots como também na própria apresentação, em que retrataram muitas vivências particulares das suas realidades. Como vemos na dificuldade da convivência no ambiente escolar, a aceitação da sociedade em relação às identidades trans, a violência gerada pela homofobia fundada em um discurso patológico a respeito das orientações sexuais homossexuais, gays e lésbicas, e por fim, exaltando as mudanças geradas a partis da Lei de Identidade de Gênero criada no ano de 2012. A Lei de identidade de gênero deu um passo essencial à dignidade trans: o do reconhecimento da identidade baseada exclusivamente na autodeterminação. Tornou-se pioneira em todo o mundo ao deslocar o discurso médico e transferi-lo unicamente para o discurso dos Direitos Humanos, para a noção de identidade. A Lei No. 26.743 que autoriza travestis e transexuais a escolher seu sexo no registro civil. A norma estabelece que qualquer pessoa possa solicitar a retificação de seu sexo no registro civil, incluindo o nome de batismo e a foto de identidade. Com a vigência da medida, a mudança de sexo não necessita mais do aval da justiça e do laudo psiquiátrico para reconhecimento, e o sistema de saúde deve incluir operações e tratamentos para a adequação ao gênero escolhido. (ARGENTINA, Lei 26.743, Art. 2, 2012) Por fim, apontamos uma das atividades realizadas no Mocha Celis, dentro de uma perspectiva de Gênero e Sexualidade, em uma disciplina com base curricular para se desenvolver estas temáticas de maneira emancipatória, positiva e transformadora. A proposta do Bachillerato Popular Mocha Celis é um espaço educacional que visa o combate de qualquer forma de discriminação, colocando –se como uma reconstrução, uma nova possibilidade do sistema educativo que historicamente resultou-se excludente.

Considerações Finais

São diversas as violências cometidas contra as pessoas LGBTTTI, em diversos espaços sociais, inclusive o escolar. Por isso, um dos desafios enfrentados para quem lida com educação e políticas públicas educacionais é refletir sobre a evasão escolar desse coletivo, em especial às vivências das pessoas trans. Este Bachillerato busca oferecer e desenvolver uma resposta a um círculo de violências simbólicas que ocorrem no cotidiano escolar que marginalizam minorias, resgatando principalmente os saberes próprios do coletivo trans e transformando-os em um projeto cooperativista, de cidadania e reinserção laboral.

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Alguns dos prêmios recebidos pelo Bachillerato desde 2012 foram: Declaración de interés en la promoción de los Derechos Humanos por la Legislatura de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires; Subsidios del Ministerio de Educación de la Nación- Auspicio del INADI; Reconocimiento oficial del Ministerio de Educación de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires; Mocha Celis desenvolve e representa ações no âmbito político, educacional e social que se tornaram igualmente indispensáveis na luta e nos esforços ao combate as discriminações. Ações que nos orientam por princípios que propõem atitudes críticas, dialógicas e humanitárias. Entendidas como permanentemente abertas para negociar e reconstruir sentidos, desestabilizar relações de poder e doutrinas opressivas, bem como subverter lógicas concentradoras de recursos e geradoras de novas modalidades de opressão.

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