A Farsa do Diálogo Político \"Governo e Renamo\"

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1 A FARSA DO DIÁLOGO POLÍTICO “GOVERNO E RENAMO”

Decorridos vinte e três anos, quando no histórico dia 4 de Outubro, o povo moçambicano visitou a sua aclamada árvore denominada “Acordo Geral de Paz” (AGP), o único fruto que tinha amadurecido era a falsa promessa da retomada das “negociações” entre o regime da Frelimo e o maior partido de oposição, a Renamo. O instituído Presidente da República, Filipe Nyusi, como quem procurava responder à comum inquietude dos cerca de vinte e cinco milhões de moçambicanos, sobre o futuro do país, a seguir ao regresso às matas do líder da Renamo, fez do anúncio da existência de contactos com a Renamo, em vista à retomada das negociações, a essência do seu discurso comemorativo das celebrações do AGP, assinado em Roma no dia 4 de Outubro de 1992. Por sua vez, Afonso Dhlakam, que se encontrava fugitivo, em consequência do frustrado atentado à sua integridade física, na Estrada Nacional (EN) nº 6, perpetrado pelas forças militares ao serviço do regime, no dia 25 de Setembro findo, confirmou a existência de tais contactos, numa entrevista exclusiva concedida ao canal televisivo STV, no mesmo dia 4 de Outubro, a partir da "parte incerta" onde se tinha abrigado. Falando momentos após sair do abrigo em Gorongosa, no dia 8, voltou a reiterar o próprio compromisso com a paz e o diálogo. Com certeza, Dhlakama não podia imaginar que a perversidade, a falta de escrúpulos e a cobardice do seu adversário chegariam tão longe, ao ponto de fazer quase o mesmo que fez Adolf Hitler ao Primeiro Ministro austríaco, Kurt Von Schuschinigg, quando, no dia 12 de Março de 1938, convidou-o para um encontro em Berchtesgaden, nos Alpes Bávaros, e lá o constringiu (pela força das armas) a aceitar a entrada massiva, na Áustria, dos alemãs que iriam, depois, materializar o acto de anexação (Anschluss). De facto, o que o regime de Maputo fez foi, literalmente, armar uma cilada a Dhlakama, consistente em usar as figuras dos mediadores nacionais para, em nome de negociações em vista a um diálogo político, fazê-lo sair do lugar do seu esconderijo e traze-lo ao alcance da sua mão para, no dia seguinte, lançar um assalto à sua residência, pela mão das forças de segurança ao serviço do regime, e obriga-lo a capitular. Conseguida a capitulação de Dhlakama, o sucessivo passo que o regime procurará dar será aquele de persuadi-lo a ir a Maputo para se encontrar com Filipe Nyusi e, desse modo, exorcizar, na opinião pública nacional e internacional, o aspecto militar do escândalo do dia 9 de Outubro, fazendo com que os resultados obtidos na Beira – a capitulação – fiquem batizados com o nome de “acordo” entre Afonso Dhlakama e Filipe Nyusi. O caso estremo seria aquele do regresso de Dhlakama à “parte incerta”. A fundamentação teórica da conversão de um golpe militar em “acordo político”, além dos analistas políticos ao serviço do regime, pode, desde já, contar também com argumentações do Bispo Dom Dinis Sengulane que, sarcasticamente ou ingenuamente, classificou o assalto à residência de Dhlakama, nas Palmeiras I, na cidade da Beira, como “início prático do diálogo entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama”. A promessa do diálogo e toda a propaganda à sua volta são uma falsos. Mas esta falsidade não consiste no facto de não existência dos ditos contactos, nem na não existência da probabilidade da retomada formal das negociações, mas no facto de não existência de matéria para as negociações. Nem a Frelimo e a Renamo, nem os moçambicanos como um todo, já não têm nada a negociar para o restabelecimento/estabelecimento da paz. Tudo quanto havia para negociar já foi negociado e esgotado. O que Moçambique precisa, neste momento, é uma reforma institucional, capaz de libertar as instituições públicas do controlo absoluto e prejudicial do partido no poder. A finalidade/objectivo de um diálogo não é o dialogar. A finalidade do diálogo é o conhecimento da verdade (em filosofia), ou a resolução de um problema (em outras ciências humanas). Platão – o pai do método dialético - utilizou este instrumento para o conhecimento da verdade, de modo a conformar o próprio agir e a convidar os outros homens a conformar o próprio comportamento segundo a verdade trazida à luz do intelecto, através do diálogo. Portanto, a função do diálogo é indicar o modo em que se deve proceder e, uma vez identificado o modo de proceder o passo sucessivo é, justamente, proceder e não dialogar, novamente. Não obstante, por definição, o diálogo se desenvolva a partir de pontos de vista diferentes, ele supõe,



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todavia, uma predisposição recíproca, da parte dos intervenientes, para chegar a um consenso. Por sua vez, o consenso, enquanto manifestação da resolução dos pontos de vista diferentes (os que deram origem ao diálogo), só pode durar se houver o estabelecimento e observação das normas que regulam o procedimento e protegem a matéria do consenso. Na sua obra publicada em 2009 – Come gli stati diventano democratici -, Pietro Grilli di Cortona, ajudanos a identificar o momento certo e o objecto certo de um diálogo político: depois de definir a democratização como o processo que visa transformar um regime não democrático em democrático, nota que tal transformação inicia quando a crise do regime não democrático torna-se evidente, ou quando a elite dirigente manifesta a intensão de implementar mudanças caraterizadas pelo incremento de respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos. A transição democrática é inaugurada pela implementação das novas regras do jogo político, concordadas entre todas as forças políticas interessadas. Em Moçambique (e na África, em geral) esta fase coincide com as transformações político-institucionais dos anos que vão desde a segunda metade da década Oitenta até à primeira metade da década Noventa, quando uma grande parte dos Estados da África Negra (inclusive Moçambique) transitaram de regimes autoritários de partido único para o sistema democrático, através das reformas constitucionais que introduziram o multipartidarismo e as eleições regulares. Não foi por um mero acaso que as negociações de Roma que culminaram com a assinatura do AGP, no dia 4 de Outubro de 1992, se situam dentro deste mesmo período e, a matéria do diálogo nessas negociações tenha sido a concertação das novas regras que deviam disciplinar o novo modo de conquistar e manter o poder político, o novo tipo de relacionamento entre os governados e os governantes, e a criação das instituições públicas vocacionadas a fazer observar as normas estabelecidas e as modalidades com que o deveriam fazer. Uma vez dado este passo (com sucesso), as forças políticas (partidos políticos) que têm como própria vocação a conquista e a conservação do poder político já não têm mais nada a “dialogar” entre elas. Tudo quanto têm a fazer é observar, com rigor, as regras do jogo político estabelecidas, vigiando para que cada instituição política, gozando da necessária autonomia no próprio campo de ação, observe e faça observar as normas contidas na Lei. Doravante, tanto a relação entre os partidos, como a relação entre os partidos e as demais instituições políticas e públicas, são disciplinadas pelas regras estabelecidas e pelas idóneas instituições, e não por concertações secretas, obscuras e suspeitas entre dois ou três partidos políticos. No caso de alguma ineficiência com um potencial capaz de causar conflitos de interesses, o que os cidadãos devem pedir às classes políticas não é o diálogo entre os vários partidos porque este resultaria sempre infrutífero; o que se deve pedir é a reforma institucional. O impasse na questão política moçambicana não reside na falta do diálogo, porque o diálogo já aconteceu quando era necessário faze-lo. A essência do problema político moçambicano reside no facto de ter-se introduzido uma democracia esvaziada do seu conteúdo. A essência dos sistemas ditos democráticos é a existência de vários centros de poder que se contrabalançam e se controlam reciprocamente. No caso moçambicano todo o poder está concentrado no Executivo e as decisões emanam das figuras influentes do partido no poder. Este estado de coisas criou um mal estar generalizado. A Renamo é apenas uma das expressões incontornáveis desse mal estar generalizado. A propaganda do “diálogo político” é utilizada pelo regime como instrumento para ganhar tempo, enquanto procura mecanismos adequados para subjugar todas as vozes contestantes e manietar as poucas instituições que ainda mantêm o mínimo do poder real. Além do que até aqui foi dito, Afonso Dhlakama e Filipe Nyusi não têm nada a dialogar também porque este último não tem nenhum programa para Moçambique. O programa que tinha esboçado quando, contra todas as expectativas, viu-se proclamado presidente da República de Moçambique, foi brutalmente reprimido pela Comissão Política (CP) do partido quando ele manifestou a intenção séria de resolver a tensão política, implementando algumas reformas institucionais que tinham sido sugeridas pelo líder da Renamo, nos dois encontros realizados logo a seguir à sua tomada de posse. No presente momento, Filipe Nyusi é refém dos que o colocaram no poder; os mesmos que, contra os seus persistente discursos



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pacifistas, continuam a comandar as emboscadas contra os líderes da oposição, encomendam os assassinatos dos professores e dos jornalistas e, o Presidente da República e do partido a assistir impotentemente, feito de um palhaço. O assalto à residência de Dhlakama e a consequente capitulação visam, não ao alvor do diálogo Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama, como, ingenuamente, parece estar convencido o emérito Bispo Anglicano, Dom Segulane. Visam, sim, esvaziar as poucas conquistas democráticas obtidas com a revisão constitucional de 1990; acabar com a oposição efetiva; revogar as concessões conquistadas pelo AGP; e incrementar o controlo totalitário das instituições públicas pelo partido no poder. O desarmamento de Afonso Dhlakama à margem do disposto no AGP e do Acordo sobre a Cessação das Hostilidades Militares (ACHM), assinado no dia 5 de Setembro de 2014, pelo então Presidente da República, Armando Guebuza e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, poderia ser lido em paralelo a um outro fenómeno, o fenómeno da presença massiva e frequente dos altos dirigentes do regime nas principais festas das assembleias religiosas. Não pode não constituir uma inquietação quando uma classe política que tem mostrado de forma inequívoca a própria intenção de manter as instituições públicas reféns dos próprios interesses apresentase publicamente em “comunhão” com a Igreja e serve-se dos momentos de cultos para faz passar a própria mensagem que, obviamente, visa distorcer a opinião pública e perpetuar as várias formas de escravidão, severamente condenadas pelo Evangelho. Os vértices do partido no governo desdobram-se em fazer passar a mensagem segundo a qual eles e o próprio partido têm o apoio das Igrejas. De facto, não obstante quase todos os cristãos da Igreja de Santo António da Polana (inclusive o Pároco) tenham começado a saber da existência de um cidadão que responde pelo nome de Filipe Jacinto Nyusi só quando o partido Frelimo estava à procura do próprio candidato às eleições presidenciais de 2014, no dia 6 de Setembro findo, este mesmo Nyusi apresentou-se na Catedral de Tete como membro da Paróquia da Polana. E, no dia 3 do mês em curso, fez-se entregar a própria certidão de baptismo, pela mão do Bispo de Pemba, Dom Luís Fernandes Lisboa, em plena Celebração litúrgica, na Missão de Imbuho, no distrito de Mueda. Não parece airoso que um cristão que vai a casa de Deus com o objectivo de se encontrar com o seu Criador e com os seus irmãos faça-se entregar a própria certidão de baptismo em plena celebração litúrgica e em frente das câmaras televisivas. Só um ganho substancialmente político pode justificar este esquisito espetáculo. Uma leitura paralela dos acontecimentos do dia 9 do mês em curso, na residência de Afonso Dhlakama, e do fenómeno do esforço que o regime empreende para fazer das confissões religiosas seus cúmplices, sugere a existência de uma complementaridade das duas estratégias: enquanto as armas são utilizadas para manietar as forças políticas de oposição, a “comunhão” com as Igrejas deve servir para assassinar as consciências das massas. As Igrejas que, pela vontade de Deus, são o espaço onde o povo de Deus encontra-se para escutar a sua Palavra, de modo a deixar-se transformar por ela, em Moçambique, transformam-se, progressivamente, em espaços onde o regime faz passar a própria mensagem que visa manipular a opinião pública

sobre questões de interesse político-social. Todavia, a Palavra evangélica que os cristãos procuram servir com todas as suas forças exige deles denunciar publicamente os factos que vão contra a mais elementar dignidade humana e que ferem profundamente a fraternidade e a filiação universal de um mesmo Pai, núcleo essencial do Evangelho de Jesus. Na sua Exortação Apostólica pós-sinodal - Africae Munus (O Compromisso da África) - , de Novembro de 2011, Papa Bento XVI exorta a Igreja na África a ser “Sal da Terra e Luz do Mundo” (Mt 5, 13-14). Falando especificamente sobre a questão política, Bento XVI salienta que “uma das



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tarefas da Igreja Local (a Igreja na África) é formar consciências rectas e sensíveis às exigências da justiça, para que maturem mulheres e homens solícitos e capazes de realizar esta ordem social justa com a sua conduta responsável” (Africae Munus, 22). Portanto, não parece justificável que os Ministros da Palavra de Deus e os respectivos crentes renunciem à própria missão de formar consciências, permitindo que discursos tendenciosos sejam proclamados nos lugares de culto, por dirigentes políticos de conduta publicamente contestada.

Alfredo Manhiça

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