A formação de professores de inglês: desafios da próxima década

June 15, 2017 | Autor: Telma Gimenez | Categoria: Teaching English as a Second Language, English language teaching
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GIMENEZ, T. . A formação de professores de Inglês: desafios da próxima
década. Boletim. Centro de Letras e Ciências Humanas (UEL), Londrina,
PR, v. 40, p. 9-16, 2001.
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE INGLÊS: DESAFIOS DA PROXIMA DÉCADA[1]


Telma Gimenez[2]

Universidade Estadual de Londrina


ABSTRACT:
As a contribution to a round table on future trends in EFL in Brazil
I address the issue from the standpoint of the differences between the
private and the state sectors, especially in relation to quality
assessments. Since we traditionally approach the use of technology in
education from a methodological point of view, in this paper I discuss for
whom the innovations in education are proposed rather than how teachers
could implement them.



Introdução

Sempre que falamos sobre projeções futuras sobre educação somos
tentados a observar as mudanças em curso na sociedade e suas ligações com o
ensino e as escolas. Vivemos um período em que os avanços tecnológicos nos
possibilitam formas de comunicação sem precedentes, e que modelos
autoritários, centralizados, homogeneizantes vão sendo substituídos por
formas descentralizadas, heterogeneizantes, plurais e democráticas de
relacionamento.
Todos nós concordamos que novos processos sociais estão emergindo em
função de novas tecnologias, com muitas inovações que poderíamos chamar de
progresso e que têm provocado novos modos de relacionamento com a
linguagem. Mas é também um mundo que tem produzido desigualdades imensas.
Creio que a próxima década tem como desafio a educação como instrumento
para a superação das desigualdades sociais. Essa colocação requer que
pensemos a formação de novos professores como um aspecto fundamental para
tratamento dessas questões. Assim, penso que posso contribuir para a
discussão sobre o futuro do ensino de inglês como língua estrangeira
elaborando questões vinculadas a para quem as mudanças estarão acontecendo
mais do que de que como incorporaremos a tecnologia na educação, pois este
ângulo de abordagem tem sido sido mais freqüentemente adotado em discussões
que colocam avanços tecnológicos como inexoráveis.
Quando falamos de mudanças como as citadas acima, falamos de mudanças
que somente em horizonte de tempo não definido atingirão todos os segmentos
da sociedade. Falamos também de mudanças que ainda estão em curso. Não
podemos nos esquecer que geralmente temos realidades distintas em nosso
país. Enquanto alguns têm acesso a Internet, outros ainda nem chegaram a
ter o benefício da luz elétrica. O Brasil ainda é um país de grandes
desigualdades sociais e, principalmente, um país onde a educação pública
mantém uma distância enorme da educação pela qual se pode pagar, seja essa
avaliação negativa para a escola pública no ensino fundamental e médio,
seja negativa para o setor privado em nível universitário.

O público e o privado no ensino de Inglês
No caso da área que ensinamos, tem sido comum a afirmação de que para
se aprender inglês é preciso ter aulas em "academias", idéia essa
encontrada inclusive entre alunos de Letras, e que não se aprende inglês na
escola pública.[3] Essa distinção tem levado a uma elitização do ensino de
inglês, cuja eficiência parece estar reservada ao setor privado. Seríamos
tentados então a propor que o ensino público fosse pautado pelos mesmos
critérios e procedimentos do setor privado. É inclusive comum encontrarmos
alunos de Letras observando aulas em escolas particulares, na esperança de,
ao caracterizar esse ensino, transpor para a escola pública as mesmas
práticas pedagógicas. A idéia está tão arraigada que algumas escolas
particulares de ensino fundamental e médio decidiram terceirizar o ensino
de inglês, acreditando que assim o fazendo estarão aumentando a eficácia de
seu ensino (GIMENEZ, 1999).
Não quero com isso dizer que o intercâmbio entre o setor privado e o
público não seja benéfico; ao contrário. Acho, no entanto, que há uma
distinção básica entre esses dois setores no que os governa: enquanto as
escolas particulares estão voltadas para o mercado, as públicas deveriam
estar voltadas para a formação do público. Gostaria de abrir um parêntesis
e discutir o que entendemos por público. Geralmente entendemos público como
"gratuito", "não pago", "sustentado pelo Estado". Outro sentido de público,
que deveria estar impregnado em todas as escolas – pagas ou não, é que a
tarefa das escolas é formar um público. Um público pode ser definido como
um grupo de cidadãos que tem interesses interconectados e que agem
coletivamente para o bem comum.
E qual a importância dessa distinção? As escolas particulares,
regidas pelos princípios de marketing e propaganda, pelos controles de
qualidade, pelos modelos empresariais, tratam a educação como produto, a
ser avaliado por clientes. Basta analisarmos as propagandas das escolas de
inglês, uma delas inclusive com contrato de risco, prometendo devolver o
dinheiro em dobro a quem se sentir insatisfeito. Essa proposta vê qualidade
como um conceito abstrato, descontextualizado, ignorando que qualidade é um
conceito inescapavelmente político.
As públicas, ao contrário, mas igualmente sujeitas a mecanismos de
avaliação públicos, deveriam estar se pautando pelos objetivos educacionais
mais amplos reservados à escola: a formação integral do indivíduo enquanto
ser social, preparado para atuar no mundo e dele participar, não apenas
enquanto consumidor de produtos (materiais ou culturais) importados.
Assim, em resposta ao mercado, escolas de línguas florescem em toda
parte, juntamente com a noção de que inglês é uma língua essencial para o
mundo de hoje, e espanhol a segunda mais importante. Essa expansão do
inglês vem acompanhada da ampliação da idade para aprendizagem (crianças
iniciam seus estudos mais cedo), de cursos voltados para fins ou
necessidades específicas, especialmente a área de Business English.
Ampliação da faixa de clientes e atendimento personalizado são princípios
fundamentais para quem pretende ser bem sucedido no mercado. Cito apenas
esses exemplos e vocês poderão ter outros.
Gostaria de contrastá-lo com os objetivos colocados para ensino de
Língua Estrangeira no nível fundamental, conforme apresentados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais:


Ao longo dos quatro anos do ensino fundamental espera-se com o ensino de LE
que o aluno seja capaz de:

identificar no universo que o cerca as línguas estrangeiras que cooperam
nos sistemas de comunicação, percebendo-se como parte integrante de um
mundo plurilíngue e compreendendo o papel hegemônico que algumas línguas
desempenham em determinado momento histórico;
vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua
estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o
mundo, refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as
visões de seu próprio mundo, possibilitando maior entendimento de um
mundo plural e de seu próprio papel como cidadão de seu país e do mundo;
reconhecer que o aprendizado de uma ou mais línguas lhe possibilita o
acesso a bens culturais da humanidade construídos em outras partes do
mundo;
construir conhecimento sistêmico, sobre a organização textual e sobre
como e quando utilizar a linguagem nas situações de comunicação, tendo
como base os conhecimentos da língua materna;
construir consciência lingüística e consciência crítica dos usos que se
fazem da língua estrangeira que está aprendendo;
ler e valorizar a leitura como fonte de informação e prazer, utilizando-a
como meio de acesso ao mundo do trabalho e dos estudos avançados;
utilizar outras habilidades comunicativas de modo a poder atuar em
situações diversas.

Assim, julgar o ensino na escola pública significa julgá-lo em relação
a esses objetivos e não os propostos pelos institutos de línguas. No
entanto, parece ser o parâmetro do ensino privado que rege a avaliação da
qualidade do ensino público, quando o instrumento de aferição deveria ser
outro.

Enquanto a escola particular se volta para necessidades imediatas dos
clientes, a escola pública projeta objetivos mais amplos para seus
educandos. Não quero crer que seja unicamente essa distinção que acirra as
desigualdades sociais, mas não podemos deixar de situar o ensino de inglês
na grade curricular no quadro maior do papel da escola pública na sociedade
brasileira e sua contribuição para manutenção ou não do status quo.

Desafios para a formação de professores
Quais seriam as implicações disso para a formação de professores?
Em primeiro lugar, que programas de formação que se apoiassem em
conceitos de melhoria de ensino a partir de mudanças metodológicas estariam
trabalhando com apenas parte da história, uma vez que as diferenças entre
os setores público e privado (e, portanto, a noção de qualidade) não se
situam no campo metodológico, mas no campo político. Não se trata de trazer
ou não a Internet para a sala de aula, de promover ou não a autonomia. A
exclusão social é também regida por outros mecanismos, geralmente ausentes
do processo de reflexão dos futuros professores de inglês e mesmo dos já
atuantes.
Em segundo lugar, que o contexto educacional deve ser parte do quadro
onde se instauram propostas curriculares e objetivos de ensino. Não há
espaço para soluções homogeneizantes e universais.
De que forma os professores estariam sendo preparados para lidar com
isso? Gostaria de considerar as diferenças à luz da formação de professores
de inglês nos cursos de Letras, cujos objetivos se fundam na preparação de
professores para atuação principalmente no setor público. Estaríamos
considerando as diferenças citadas? Haveria alguma necessidade de distinção
nessa preparação? Deveríamos estar pensando em preparar professores para
reagir ao mercado? O fato de ignorarmos a distinção não estaria
contribuindo para manutenção das desigualdades sociais, refletidas no
ensino eficaz do setor privado e no ineficaz do setor público? Não
estaríamos, em suma, levando à exclusão social?
Poderíamos começar olhando para mudanças (mudanças enquanto reações a
alterações na sociedade) e a forma como são engendradas. As recentes
mudanças na educação brasileira tem seguido uma estratégia macropolítica,
definida por DIKER (1997) como aquela em que a transformação do
professorado é impulsionada pela sanção e aprovação de diferentes
instrumentos legais, mais que por um trabalho progressivo com as
instituições e docentes.
Não obstante os esforços e algumas experiências bem sucedidas, de modo
geral, a escola pública tem recebido a pecha da baixa qualidade de ensino.
Isto fere um dos princípios das mudanças apontadas na sociedade, i.e. a
democratização de conhecimentos. O ensino de inglês, como de resto o ensino
de outras disciplinas, tem assim contribuído para a manutenção do status
quo. Se quisermos mudar o quadro das diferenças sociais, e se acreditamos
que esse objetivo possa ter algum lugar na escola, os professores
precisariam estar cientes de seu papel enquanto possíveis agentes dessa
transformação. Talvez através da reflexão que extravase os limites da sala
de aula de inglês. Talvez questionando para quem são concebidas as mudanças
educacionais.

Referências:
DIKER, G. A formação e a prática do professorado: passado, presente e
futuro da mudança. In: HERON DA SILVA, L. et al. (orgs) Identidade
Social e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: Ed. Secretaria
Municipal de Educação de Porto Alegre. 1997.
GIMENEZ, T. Terceirizaram o Inglês. Boletim NAPDATE, n. 6, 1999, p. 3.
MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Secretaria de Ensino
Fundamental, 1998.
MOITA LOPES, L. P. Oficina de Lingüística Aplicada. Campinas: Mercado de
Letras, 1996.
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[1] Participação em Mesa Redonda sobre Future trends in EFL, durante a
Third Southern EFL Teachers´Association Conference, realizada em
Florianópolis, de 18 a 20 de maio de 2000. O estilo adotado respeita a
elaboração inicial como um texto com traços de oralidade.
[2] Pesquisadora do CNPq
[3] Críticas a essa visão deficitária do aluno da escola pública podem ser
encontradas em MOITA LOPES (1996).
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