A formação econômica e social do Brasil sob nova ótica.

September 27, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Historia, História do Brasil, História, Formação Econômica do Brasil, Caio Prado Jr.
Share Embed


Descrição do Produto

A FORMAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL SOB NOVA ÓTICA



José Flávio Motta
Iraci del Nero da Costa


I - O modelo de Caio Prado Júnior.

A historiografia econômica brasileira marcou-se pela elaboração, ainda na
primeira metade deste século, de uma interpretação acerca do processo de
formação econômica e social do Brasil assentada na ênfase posta na produção
para exportação. Assim, em Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia,
publicado em 1942, Caio Prado Júnior explicitava o sentido da colonização,
conceito fundamental a embasar a aludida interpretação: "No seu conjunto, e
vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o
aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga
feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os
recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu.
É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma
das resultantes: e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no
econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos
americanos. {...} Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na
realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros
gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café,
para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo
exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não
fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a
economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem
como as atividades do país." (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 31-32).

É sabida, e indiscutível, a importância do modelo interpretativo proposto
por Caio Prado Júnior para a compreensão de nossa formação histórica.
Todavia, ainda que tenha sido inegável a relevância ímpar, nas etapas
colonial e imperial da história brasileira, das atividades direcionadas à
exportação, sedimentava-se na historiografia um viés exportador, que
passava a nortear os trabalhos produzidos na área.(1) Em outras palavras,
no modelo pradiano ao se "{...} pensar a constituição da economia
brasileira como uma mera projeção imediata do capital comercial no plano
da produção {...} perde-se de vista, assim, o que hodiernamente chamaríamos
'Brasil real' e se privilegia desmesuradamente o 'Brasil exportacionista',
vale dizer, o segmento econômico voltado para os mercados mundiais."
(COSTA, 1995, p. 3-4) (2). Patenteiam-se, dessa forma, as limitações
características do modelo em questão, pois, neste Brasil real, "{...} as
articulações presentes na sociedade brasileira sobrepujavam largamente um
mero empreendimento dirigido pelo capital comercial e imediatamente voltado
para o mercado mundial e dele totalmente dependente. Neste sentido tratava-
se de urna economia com expressivos traços de integração endógena e que
comportava uma gama diversificada de atividades produtivas votadas para o
atendimento de suas próprias necessidades, dando-se, também, processos
internos de acumulação. Disto decorria a geração, na órbita doméstica, de
condições que permitiam um espaço econômico relativamente autônomo vis-à-
vis a economia internacional e o capital comercial, espaço econômico este
ao qual, ademais, deve-se atribuir expressivo contributo no que tange à
formação da renda e do produto." (COSTA, 1995, p. 20).


II - Algumas críticas ao modelo pradiano.

As críticas ao modelo de Caio Prado Júnior, que marcam o evolver da
historiografia a partir de meados dos anos 1960 e, sobretudo, no decênio de
1970, não obstante as discrepâncias, muitas vezes de fundo, que as
diferenciam umas das outras, apresentam a característica comum de
defenderem a necessidade, para um melhor entendimento do processo de
formação econômica e social do Brasil, de se voltar a atenção,
essencialmente, para o universo colonial, propugnando-se uma efetiva
inflexão "para dentro" da economia brasileira. Compondo as criticas
aludidas, destacam-se as interpretações de Antônio Barros de Castro, Ciro
Flamarion S. Cardoso e Jacob Gorender.

Para Castro, mais além da finalidade de servir aos interesses do comércio
europeu, punha-se à estrutura socioeconômica estabelecida na colônia
brasileira a tarefa de reproduzir-se a si mesma: "A produção em massa de
mercadorias cria raízes no Novo Mundo, objetivando-se sob a forma de um
complexo aparato produtivo. O 'objetivo' maior desta realidade – o seu
'sentido' se se quiser – lhe é agora inerente: atender as suas múltiplas
necessidades, garantir a sua reprodução. Em tais condições o comércio é
estruturalmente recolocado e os interesses mercantis – bem como os da Coroa
– terão necessariamente de ter em conta as determinações que se estabelecem
no nível da produção. Em outras palavras, a forma pela qual os interesses
externos atuam sobre a colônia passa a depender 'primeiramente da sua
solidez e da sua estrutura interna'. O 'projeto' colonial e/ou
mercantilista subsiste, sem dúvida; o seu raio de incidência –especialmente
em conjunturas adversas – fica no entanto severamente limitado pelo
surgimento na colônia de uma estrutura socioeconômica, com seus elementos
de rigidez, suas regularidades, seus interesses e, por último, mas também
importante, pelos conflitos que lhe são próprios." (CASTRO, 1980, p. 88-
89). (3)

Proposição semelhante é evocada por Gorender: "Focalizando agora a linha de
interpretação que se concentrou no mercado e dele fez a chave explicativa
da economia colonial, constatamos um resultado invariável desse
procedimento metodológico: a sobreposição da esfera da circulação às
relações de produção. {...} A desobstrução metodológica impõe a inversão
radical do enfoque: as relações de produção da economia colonial precisam
ser estudadas de dentro para fora, ao contrário do que tem sido feito, isto
é, de fora para dentro." (GORENDER, 1985, p. 6-7). Como corolário da
"inversão radical" por ele proposta, Gorender desenvolve o conceito de modo
de produção escravista colonial, com o qual pretende dar conta do processo
de formação econômica da colônia brasileira. Na mesma direção – e com
anterioridade – caminha a critica de Ciro Flamarion Cardoso ao
circulacionismo e à chamada "teoria do capitalismo comercial": "el carácter
de uma formación económica y social debe buscarse básicamente en la esfera
de la producción". Para Cardoso, ademais a rejeição à ênfase desmedida na
esfera da circulação, aliada à crítica igualmente contundente ao
dogmatismo presente no esquema stalinista de evolução das sociedades,
implica a especificidade do regime colonial: "en mi opinión, la
especificidad de las estructuras internas coloniales y de su génesis
histórica {...} impone la elaboración de uma teoria de los modos de
producción coloniales, partiéndose del principio que dichas estructuras son
específicas y dependientes." (CARDOSO, 1975, p. 86)



III - A produção historiográfica recente.

A década de 1970, além dos desenvolvimentos teóricos referidos no item II
acima, colocou-se igualmente como marco inicial de produção de um vasto
material historiográfico assentado na integração de fontes primárias de
variados tipos. Essa produção – na qual se inserem com destaque os
trabalhos realizados no campo da demografia histórica (4) – evidenciou, à
saciedade, a relevância dos processos econômicos que se davam na órbita
interna da economia brasileira e, por essa via, corroborou, com farto
embasamento empírico, a insuficiência da "visão exportacionista" à la Caio
Prado. Mais ainda, essa mesma produção historiográfica, amiúde de caráter
monográfico, ao ilustrar, cabal e inequivocamente, a multiplicidade e a
complexidade definidoras do universo colonial, tornou igualmente evidentes
as limitações postas no plano teórico em decorrência da utilização do
conceito de modo de produção colonial.

Assim, por exemplo, como lidar, no âmbito de um modo de produção escravista
colonial, com o largo segmento formado pelos indivíduos não-proprietários
de cativos? Afinal, tais indivíduos, conforme verificado em COSTA (1992),
dominavam amplamente a produção de mantimentos (arroz, feijão, milho,
mandioca), de algodão e a pesca; eram, em suma, "{...} participes ativos do
mundo produtivo. Faziam-se presentes em todas as culturas, mesmo nas de
exportação, vinculavam-se às lidas criatórias, ao fabrico e/ou
beneficiamento de bens de origem agrícola e compareciam com relevo nas
atividades artesanais. Suas apoucadas posses, é evidente, limitavam e
condicionavam sua presença, a qual, não obstante, não pode ser negada nem
deve ser subestimada." (COSTA, 1992, p. 111).

IV - O "mosaico de formas não-capitalistas de produção".

Tornou-se, portanto, patente, a dificuldade de integrar, às interpretações
vigentes acerca de nossa formação econômica e social, a complexidade e
riqueza características da realidade Colonial brasileira. Essa realidade
não se via apreendida pelas análises centradas quase exclusivamente nas
atividades de exportação; de outra parte, dita realidade "vestia", com
evidente desconforto, a camisa-de-força representada pelo conceito de modo
de produção.

Os anos 1990 trouxeram à luz duas importantes tentativas de superar o
impasse vivenciado pela historiografia. Em uma delas, explicitada no
trabalho de FRAGOSO (1992), a crítica aos modelos explicativos tradicionais
é acompanhada da ênfase no conceito de formação econômico-social, trazido
ao cerne da análise com o intuito de superar as limitações postas pela
noção de modo de produção. O avanço historiográfico das últimas décadas é
incorporado pelo autor enquanto compondo um "mosaico de formas não-
capitalistas de produção", manifesto na produção escravista de alimentos no
Rio de Janeiro, no complexo agropecuário que se estabelece na região das
Minas Gerais, com base no trabalho de escravos e camponeses e direcionado
para o abastecimento interno, nas fazendas de criação e na agricultura de
alimentos presentes em São Paulo e, por fim, na região sul, na produção
camponesa de alimentos, na charqueada escravista e nas estâncias gaúchas.

Nas palavras de Fragoso: "a existência de um mercado doméstico e de
segmentos produtivos para ele voltados introduz um novo elemento na lógica
de funcionamento da formação colonial – referimo-nos à possibilidade de
reproduções endógenas. {...} o processo de reprodução desses segmentos se
dá em meio ao mercado interno, constituindo-se, assim, em movimentos de
acumulações introversas na economia colonial. Disso infere-se uma maior
possibilidade de retenção do sobretrabalho na própria economia colonial e,
portanto, de autonomia dessa última, diante de flutuações externas.
{...} Em realidade, a possibilidade de se apreender os movimentos de
acumulação endógena à economia colonial prende-se à compreensão dessa
última enquanto formação econômico-social. Desse modo, aquela acumulação
resultaria, a princípio, da interação mercantil dos processos de reprodução
do escravismo colonial com os setores produtivos ligados ao mercado
doméstico." (FRAGOSO, 1992, p. 131-132).

A interpretação proposta por Fragoso apresenta-se passível de crítica em
dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, o entendimento da economia
colonial enquanto formação econômico-social encobre, mas não resolve, a
impropriedade presente na utilização do conceito de modo de produção
("problema" que Fragoso, aliás, compartilha com Ciro Cardoso e Jacob
Gorender): "A impropriedade está, justamente, em conceber abstratamente
o conjunto de categorias 'modos de produção'. Segundo nossa visão, os
distintos modos de produção identificados por Marx devem ser entendidos
como um continuum do qual o capitalismo ê o ponto culminante, e o é porque,
a partir de sua efetivação, a história, além de se fazer universal, conhece
uma mudança qualitativa, de sorte que se torna impossível dissociar as
distintas sociedades ou áreas do planeta – a solidariedade que as une é
dada e explicada pelo capital e pelo capitalismo. Disto se infere, em
primeiro, a impossibilidade de emparelharmos os distintos modos de produção
– ao fazê-lo operamos uma abstração –; em segundo, a impertinência de
'procurarmos' novos modos de produção depois de fundada, pelo capitalismo,
a história universal. Posta esta e, correlatamente, o mercado mundial,
persiste, apenas, o modo de produção capitalista – que a tudo ilumina,
parafraseando a imagem clássica. Segundo nossa leitura de Marx, a superação
'deste' modo de produção significa a superação da própria categoria, a pré-
história devirá história; o homem, até então pressuposto, devirá sujeito."
(COSTA, 1985, p 3). (5)

O segundo dos aspectos fundamentais da interpretação de Fragoso que deve
ser sopesado diz respeito à radicalização da crítica ao modelo de Caio
Prado Júnior mediante a defesa de uma reprodução autônoma da economia
brasileira. Há, aqui, que reproduzir o seguinte questionamento, de Ciro
Cardoso: "Tendo combatido por muitos anos as posturas que enfatizam
unilateralmente as relações metrópole-colônia ou centro-periferia, a
extração de excedentes, o capital mercantil (hipostasiado em 'capitalismo
comercial') e mais em geral a circulação de mercadorias como locus
explicativo privilegiado, só posso me regozijar com esses novos e sólidos
argumentos {dos estudos preocupados em evitar o viés exportador - JFM/INC}.
Desde que, também neste caso, não se ceda à tentação de mais uma ênfase
unilateral. {As análises que incorporam tais argumentos JFM/INC} não
estarão esquecendo exageradamente, empurrando um tanto para fora do
horizonte, a dependência colonial e neocolonial – e as determinações e
condicionamentos que ela sem qualquer dúvida implicava (ainda que tais
análises tenham demonstrado que algumas das determinações imputadas a
fatores externos eram falsas)? Fique como questão a ser pensada esta minha
dúvida." (CARDOSO et alii, 1988, p. 58)

V - O capital escravista-mercantil.

A segunda das interpretações trazidas à luz nos anos 1990 e que aqui se
deseja salientar é aquela centrada no conceito de capital escravista-
mercantil, elaborada por Costa & Pires. Por um lado, preocupa-se em fugir à
radicalização da crítica ao modelo pradiano. Dessa forma, ainda que se
tenha em mente a complexidade da realidade colonial, cada vez mais
esmiuçada pela historiografia no decurso dos últimos lustros, não se nega
que a sociedade escravista moderna "{...} é a própria encarnação da
dependência com respeito ao mundo exterior, seja quanto à colocação de
parcela substantiva do produto gerado, seja no respeitante à sua própria
manutenção no tempo, pois necessitava, crucialmente, do fornecimento
externo de mão-de-obra cativa." (COSTA, 1995 p. 25). (6)

Nessa perspectiva, a critica a Caio Prado assume o seguinte teor: a
limitação que marca seu modelo "{...} deveu-se ao fato de ele haver
transposto para o plano fenomênico, sem as necessárias e devidas mediações,
elementos próprios do que considerou a essência de nossa formação e da
sociedade aqui constituída. Reduzido, assim, o plano do concreto, ao que se
poderia entender ser seu determinante em última instância, a elementos de
sua pretensa 'essência' – que não se exaure em tais elementos, diga-se com
ênfase –, resta-nos um caricatura de vida econômica e social, desfigurada,
rígida, descarnada, apartada da experiência do dia-a-dia, perdem-se a
especifícidade e as peculiaridades do escravismo moderno {...} e se fica ás
voltas com um 'sentido' abstrato, imaterial, que faz com que nos sintamos
tão incomodados, tão 'desconfortáveis' quando confrontamos nossa visão
daquela sociedade com a que derivamos da leitura dos escritos de Caio Prado
Júnior." (COSTA, 1995, p. 26).

De outra parte, a categoria capital escravista-mercantil substitui, na
interpretação ora enfocada, o papel desempenhado pelo modo de produção (em
Gorender e Ciro Cardoso) e pela formação econômico-social (em Fragoso):
"Assim, no caso da colônia lusa em terras americanas, a criação da mais-
valia decorria da ação do capital escravista-mercantil, vale dizer, embora
isolado dos mercados externos e, portanto da órbita da circulação {...}, a
esfera da produção interna colocava-se inteiramente em sua órbita e era
dominada por ele. Tal dominância, que não deve ser entendida em termos
absolutos, estendia-se à produção de mercadorias (exportáveis ou não), de
valores de uso e de serviços, abarcando, também, a alocação de fatores e
recursos e espraiando-se pela circulação interna. Afetava, ainda, a geração
e distribuição da renda, a escala da produção, o tamanho das plantas
instaladas, as técnicas utilizadas e os elementos afetos à qualificação da
mão-de-obra. Enfim, sua presença condicionava toda a economia colonial bem
como as relações estabelecidas no processo de produção, projetando-se,
ademais, na vida social e política da colônia. Disto deve-se inferir que os
segmentos sociais e econômicos não vinculados imediatamente ao escravismo
também se viam influenciados e, em larga medida, determinados pelo capital
escravista-mercantil {...} o qual só podia comunicar-se com o mundo que lhe
era externo mediante a intermediação do capital comercial." (PIRES & COSTA,
1994, p. 137-138) (7).

A caracterização do capital escravista-mercantil – sua "onipresença" –
sedimenta, outrossim, a crítica aos modelos interpretativos que o
antecederam, pois "{...} é justamente em tamanha dominância que se assenta
o engano daqueles que pensam encontrar aqui o assim chamado 'escravismo
capitalista' ou propugnam pela existência de um pretenso modo de produção
colonial." (PIRES & COSTA, 1994, p. 137). Adicionalmente, a riqueza e, ao
mesmo tempo, "simplicidade" teórica do conceito capital escravista-
mercantil evidencia o profícuo caminho trilhado pela historiografia, em
termos da discussão, sempre bem-vinda, do processo de formação econômica e
social do Brasil, calcada agora em categorias originais e mais adequadas à
nossa realidade, superando-se, assim, o vezo próprio dos que têm tentado
explicar o aludido processo com base na utilização de um universo
conceptual erigido, sobretudo, em termos do desenvolvimento histórico
observado na Europa Ocidental.



NOTAS

1. Caso, por exemplo, de FURTADO (1980) e NOVAIS (1979).

2. Compondo igualmente este viés exportador, a própria população brasileira
viu-se enfocada mediante a ênfase nos contingentes particularmente
presentes na produção para exportação, isto é, a mão-de-obra escrava e o
conjunto dos proprietários de cativos, relegando-se os demais à
marginalidade econômica e social. Dessa forma, assevera Prado Júnior:
"Entre estas duas categorias {senhores e escravos - JFM/INC} nitidamente
definidas e entrosadas na obra da colonização, comprime-se o número, que
vai avultando com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e inadaptados;
indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem ocupação
alguma. {...} O número deste elemento indefinido socialmente, é avantajado
{...} compreenderia com certeza a grande, a imensa maioria da população
livre da colônia. Compõe-se, sobretudo, de pretos e mulatos forros ou
fugidos da escravidão: índios {...}; mestiços de todos os matizes e
categorias {...}; até brancos, brancos puros, e entre eles, {...} até
rebentos de troncos portugueses ilustres {...}; os nossos poor white,
detrito humano segregado pela colonização escravocrata e rígida que os
vitimou." (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 281-282).

3. Saliente-se que a crítica de Castro é igualmente pertinente quando se
toma o enfoque teórico de Fernando Novais acerca do sentido da colonização:
"{...} a colonização do Novo Mundo, na Época Moderna, apresenta-se como
peça de um sistema, instrumento da acumulação primitiva da época do
capitalismo mercantil. Aquilo que {...} afigurava-se como um simples
projeto, apresenta-se agora consoante com o processo histórico concreto de
constituição do capitalismo e da sociedade burguesa. Completa-se,
entrementes, a conotação do sentido profundo da colonização: comercial e
capitalista, isto é, elemento constitutivo no processo de formação do
capitalismo moderno (NOVAIS, 1979, p. 70). Sobre esta abordagem, escreve
Castro: "Observe-se que, para efeitos da interpretação da estrutura
econômico-social da colônia, o fato de que em Novais o 'sentido último' é
dado pela 'aceleração da acumulação primitiva de capitais' {...}, e não
pelos interesses do comércio europeu (como quer Caio Prado), em pouco ou
nada os diferencia. A substituição do 'objetivo' pelo 'significado' apenas
evita (ou melhor, oculta) a teleologia patente em Caio Prado" (CASTRO,
1980, p. 88, nota de rodapé n. 74).

4. Acerca da contribuição da demografia histórica à historiografia
brasileira ver MOTTA (1994).

5. Sobre o entendimento do capitalismo como forma superior e derradeira da
existência natural da sociabilidade humana, ver MOTTA & COSTA (1995a e
1995b).

6. Este último elemento da dependência da sociedade escravista, cabe
frisar, não se vê absolutamente negado quando, como o faz Fragoso, "{...}
consideramos o tráfico atlântico, desde meados do século XVIII, como um
negócio interno à economia do Sudeste brasileiro. E isso por uma boa razão:
ele era controlado por negociantes residentes no Brasil. Esse fenômeno
transformava tal negócio em uma operação integrada aos movimentos de
acumulação interna à economia colonial" (FRAGOSO, 1992, p. 131-132).

7. Acerca do capital escravista-mercantil, ver também COSTA & PIRES (1994)
e PIRES & COSTA (1995).



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CARDOSO, Ciro Flamarion S. Severo Martínez Peláez y el caráter del régimen
colonial. In: ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii. Modos de producción en
América Latina. 3a. ed. Córdoba: Cuadernos de Pasado y Presente, Buenos
Aires: Siglo XXI, 1975.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. et alii. Escravidão e abolição no Brasil: novas
perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

CASTRO, Antônio Barros de. A economia política, o capitalismo e a
escravidão. In: AMARAL LAPA, José Roberto do (org.). Modos de produção e
realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980.

COSTA, Iraci del Nero da. Nota sobre a não existência de modos de produção
coloniais. São Paulo: IPE/USP, 1985.

COSTA, Iraci del Nero da. Arraia-miúda: um estudo sobre os não-
proprietários de escravos no Brasil. São Paulo: MGSP, 1992.

COSTA, Iraci del Nero da & PIRES, Julio Manuel. A fórmula do capital
escravista-mercantil. Estudos Econômicos, v. 24, n. 3, p. 527-532,
set./dez. 1994.

COSTA, Iraci del Nero da. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado
Júnior. São Paulo: NEHD-FEA/USP, 1995, 45 p. (Cadernos NEHD, n. 3).

FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e
hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 17a. ed. São Paulo: Nacional,
1980.

GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4a. ed. São Paulo: Ática, 1985.

MOTTA, José Flávio. Contribuições da demografia histórica à historiografia
brasileira. In: Anais do IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais.
Belo Horizonte: ABEP, 1994, vol. 3, p. 273-295.

MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da história, o inicio
da história. Informações Fípe. São Paulo: FIPE, n. 172, p. 20-23, janeiro/
1995.

MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da história, o inicio
da história: um adendo. Informações Fipe. São Paulo: FIPE, n. 174, p. 21-
23, março/1995.

NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema
colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979.

PIRES, Julio Manuel & COSTA, Iraci del Nero da. Considerações sobre o
capital escravista-mercantil. Estudos Econômicos, v. 24, n. 1, p. 129-
143, jan./abr. 1994.

PIRES, Julio Manuel & COSTA, Iraci del Nero da. O capital escravista-
mercantil. São Paulo: NEHD-FEA/USP, 1995, 14 p. (Cadernos NEHD, n. 1).

PRADO JÚNIOR. Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. 17a. ed.,
São Paulo: Brasiliense, 1981.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.