A fronteira manejada: apontamentos para uma história social da fronteira meridional do Brasil (século XIX)

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Flavio M. Heinz (Org.)

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

OI OS EDITORA

2009

© Dos Autores – 2009 [email protected]

Editoração: Oikos Capa: Marcelo Garcia dos Santos Fotos da capa: 1. Ao largo de Tenerife, Ilhas Canárias, navio de imigrantes de Hamburgo em rota para o Rio de Janeiro (março de 1887). Acervo do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. 2. R. Nº 2080: Arquivo da Emigración Galega (Santiago de Compostela, España), “Vigo”, c. 1955, Foto Bene. (Transatlántico “Santa Cruz”, que realizó muchos viajes hacia la América del Sur, transportando pasajeros). Revisão: Do Organizador Arte final: Jair de Oliveira Carlos Impressão: Rotermund S. A. Editora Oikos Ltda. Rua Paraná, 240 – B. Scharlau Caixa Postal 1081 93121-970 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / Fax: 3568.7965 [email protected] www.oikoseditora.com.br

E96

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. / Organizado por Flavio M. Heinz. – São Leopoldo: Oikos, 2009. 328p.; 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7843-116-7 1. História comparada – América Latina. 2. Análise histórica. 3. História social. I. Heinz, Flávio M. CDU 98(=4)

Catalogação na Publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184

Em memória de Blanca Zeberio (Orieta), historiadora arguta e colega generosa.

Sumário Comparações e comparatistas ..................................................................... 9 Flavio M. Heinz Ana Paula Korndörfer A longa duração hoje: balanço de meio século (1958-2008) .................. 21 Maurice Aymard Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa .............................................................................. 44 Rosa Congost Una reflexión en torno a los mediadores políticos en la segunda mitad del siglo XIX. El partido como problema ........................................... 56 Marta Bonaudo Tradiciones militares coloniales. El Río de la Plata antes de la revolución ............................................................................................ 74 Raúl O. Fradkin La redefinición de las fronteras: cuando “argentinizar” fue la consigna ............................................................................................ 127 Susana Bandieri A fronteira manejada: apontamentos para uma história social da fronteira meridional do Brasil (século XIX) ........................................... 145 Mariana Flores da Cunha Thompson Flores Luís Augusto Farinatti O comerciante, o estancieiro e o militar: noções divergentes de honra entre as elites do Rio Grande do Sul no início do século XIX .... 178 Karl Monsma Los actores sociales de la ganadería patagónica: políticas públicas y formas asociativas en las primeras décadas del siglo XX ................ 196 Graciela Blanco

Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina. Ni “feudal” ni “comunista”: El caso de la Provincia de Jujuy ..................................................................................... 217 Ana Teruel María Teresa Bovi El desierto y sus confines. Contexto y narrativa en la Descripción Amena de la República Argentina de Estanislao Zeballos....................... 252 Sandra Fernández Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones gallegas hacia la Argentina ............................................... 285 Nadia Andrea De Cristóforis Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo ........................................................................................................ 316 Adriano Codato

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Comparações e comparatistas Flavio M. Heinz* Ana Paula Korndörfer** As páginas que compõem este livro traduzem o esforço de especialistas de História do Brasil, da Argentina, da França e da Espanha em somar suas experiências de pesquisa e trabalho de reflexão para o avanço da empresa comparativa. Estão aqui reunidos alguns dos textos apresentados em um colóquio científico destinado a aproximar especialistas interessados neste avanço, o II Encontro da Rede Internacional Marc Bloch de Estudos Comparados em História – Europa/América Latina, realizado em Porto Alegre em outubro de 2008.1 Estes textos expõem, em sua diversidade temática e complexidade metodológica, as dificuldades inerentes à realização da história comparada, mas também sugerem pistas e soluções para superá-las. Como sói acontecer em coletâneas do gênero, há um amplo gradiente de variação entre os textos no que diz respeito à sua maior ou menor proximidade com a metodologia ou perspectiva comparatista. Com efeito, a ideia orientadora do colóquio não era a de, ingenuamente, fundar uma prática comparatista, mas antes de colocar, lado a lado, pesquisadores experientes que tivessem a comparação como um elemento possível e desejado de seu trabalho, permitindo que a reflexão e a prática de pesquisa de uns e outros se deixassem contaminar pelas experiên* Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, coordenador do Laboratório de História Comparada do Cone Sul (CNPq/PUCRS). ** Doutoranda em História, CNPq/PUCRS. 1 Nem todos os textos apresentados no II Encontro da Rede Marc Bloch estão incluídos neste volume. Alguns textos apresentados no Encontro, notadamente aqueles de autoria de pesquisadores do Projeto de cooperação acadêmica existente entre UNCPBA (Tandil, Argentina) e Unisinos (Brasil), serão objeto de publicação específica. Agradecemos à coordenadora brasileira deste projeto, Marluza Harres, da Unisinos, pelo apoio e colaboração para a viabilização da atual publicação.

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Comparações e comparatistas / Flavio M. Heinz e Ana Paula Korndörfer

cias dos colegas. Assim, há textos onde a reflexão sobre a comparação histórica tem grande destaque e outros em que a experiência singular de pesquisa deste ou daquele tema prevalece sobre os traços comparatistas. Em todos os casos, contudo, um mesmo perfil de pesquisa se descortina: rigor e qualidade no trabalho investigativo, riqueza das fontes utilizadas e clareza metodológica, alguns dos requisitos básicos do sucesso não apenas da empresa comparatista, mas de toda boa historiografia. A comparação em História Duas frases da historiadora norte-americana Deborah Cohen, no ensaio preparatório do workshop “Europe in comparative and crossnational perspective”, provocativamente intitulado Comparative History: buyer beware, parecem bem sinalizar as dificuldades suscitadas pelo binômio história comparada: “Comparative history has few detractors. Formally, at least, it may have even fewer practitioners”2. Com efeito, a história comparada – nas palavras de Cohen, “ao lado da história quantitativa, uma das ‘queridinhas’ dos pesquisadores nos anos 1970” –, segue, apesar de suas dificuldades, conquistando corações. E isso se deve, nos parece, mais pela suposição de sua eficácia do que pelos resultados alcançados pelos historiadores ‘comuns’ que a ela se dedicaram ao longo das últimas décadas. Assim, o método comparativo atrairia simpatias de um público que, em sua esmagadora maioria, não faz história comparada. Mas o que explica o charme desta disciplina/especialidade, subentendendo-se que seu fascínio é amplamente superior à sua capacidade de mobilizar pesquisadores? Não há uma, mas várias respostas possíveis para esta pergunta. Uma primeira resposta é aquela que aponta para a ausência de um rol claro de procedimentos a serem seguidos, o que, apesar dos atrativos, dificulta sua difusão. Assim, se é verdade que todos já escutaram falar de método comparativo, a maioria não sabe exatamente como fazer, como aplicá-lo. Mais grave, quando alguém se lança a buscá-lo, via de regra, não encontra respostas objetivas quanto às suas etapas e consecução. 2

COHEN, Deborah, “Comparative History: buyer beware”, GHI Bulletin, n. 29 (Fall 2001), p. 23.

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Dir-se-ia que a melhor maneira para se apropriar de uma determinada metodologia ou teoria é partir para suas leituras canônicas, o que não é totalmente falso, mas que representa uma certa simplificação da realidade. No caso da História comparada, o cânone dos cânones é Bloch, e de Bloch, dois artigos: Por uma história comparada das sociedades européias e Comparação, respectivamente, de 1928 e 1930. Ora, Bloch nos oferece linhas gerais para pensar a comparação, não um manual de procedimentos. A popularização dos dois artigos como porta de entrada da história comparada também pode não ter ajudado muito, uma vez que a perspectiva de análise, logo o modus operandi do historiador, poderia ser melhor percebida na leitura do conjunto de sua obra do que nos textos de divulgação sobre as virtudes do método. Uma segunda resposta pode ser encontrada na dificuldade e complexidade da empresa comparatista. Maturidade intelectual e erudição são características exigidas aos que se aventuram na comparação histórica, condições necessárias, mas não suficientes, é certo, para o seu sucesso. O comparatista se destaca como quem realiza um feito extraordinário: para além do necessário domínio de sua história nacional, aventura-se também no conhecimento de outras histórias nacionais. Se considerarmos a crescente especialização da profissão e o crescimento exponencial dos conhecimentos – produzidos em diferentes espaços disciplinares – passíveis de serem incorporados numa história nacional, a tarefa parece simplesmente gigantesca. Por definição, o comparatismo não seria tarefa de iniciantes. Colocado assim, parece claro que os fatores de desestímulo ao aparecimento de novos postulantes à condição de historiador comparatista são mais importantes do que os estímulos. Jürgen Kocka chama a atenção para a crescente dependência que um amplo estudo de comparação histórica terá de literatura secundária e seu distanciamento em relação a fontes e idiomas próprios de alguns dos casos em análise.3 De toda forma, o conjunto de dificuldades para a aplicação do método revela uma das estratégias de sucesso do comparatismo entre historiadores: o trabalho de equipe e a divisão de tarefas entre especialistas nacionais.

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KOCKA, Jürgen. “Comparison and Beyond”. History and Theory. V. 42, n. 1, February 2003, p. 41.

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Por fim, uma terceira resposta para o descompasso entre o grande prestígio do método e o pequeno número de seus efetivos utilizadores diz respeito à natureza das sensibilidades políticas e intelectuais no período de sua disseminação. Nação e nacionalismo são duas dimensões evidentes do êxito do Estado e da sociedade burguesa da segunda metade do século XIX – momento no qual é preciso localizar a consolidação da disciplina histórica –, mas também são expressões centrais da perigosa precipitação das radicalizações políticas e intelectuais dos anos 1920/30. Assim, superar o quadro nacional e mergulhar no âmbito europeu ou, ao menos, cotejar outras histórias nacionais, poderia ter significado um olhar sobre o outro que, para além dos óbvios contornos psicanalíticos, sinalizava um certo posicionamento político. Este posicionamento, uma espécie de linha de frente contra a sedução de uma história nacional instrumentalizada e submetida ao chauvinismo intelectual ambiente, provavelmente atraiu muitos historiadores para o comparatismo. É possível sugerir que, ainda hoje, longe da conjuntura europeia que a militância intelectual de Bloch conheceu, a comparação de histórias nacionais conserva um certo atrativo cosmopolita e internacionalista, em contraponto ao particularismo de certas histórias regionais e mesmo nacionais. Mas, retomando o primeiro ponto, a pergunta que nos afeta mais diretamente aqui é: há efetivamente um método da história comparada? Para um certo número de estudiosos contemporâneos, a história comparada, no sentido de um conjunto claro e ordenado de procedimentos que, aplicados a determinada situação, permitem auferir resultados concretos, não existe. Como delineamento geral do método, Bloch indicava a necessidade de escolha de fenômenos nos quais houvesse certas semelhanças entre os fatos observados e dessemelhanças em relação ao meio, o acompanhamento de sua evolução no tempo, a percepção das continuidades, a busca de influências entre uma sociedade e outra, e a busca das causas ou o sentido das causalidades. O editor de Comparative Studies in Society and History, Raymond Grew, citado por Maria Lígia Coelho Prado, entende que o historiador francês propunha menos um método e mais uma forma de pensar. Para Grew “não haveria propriamente um método comparativo”. O “uso da comparação [em Bloch] era uma maneira de alcançar diferentes perspectivas no campo

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da pesquisa. [Tratar-se-ia de um] modelo que prescinde da elaboração de estruturas formais e que se apresenta mais como uma forma de pensar o objeto do que como uma metodologia”4. Mesmo Kocka, talvez o mais importante historiador comparatista em atividade, coordenador daquele que é possivelmente o maior empreendimento internacional do gênero, a pesquisa sobre as burguesias europeias do século XIX, chama a atenção para uma dimensão mais subjetiva das virtudes do método: “a comparação ajuda a tornar o ‘clima’ da pesquisa histórica menos provinciano”5! Para ele, a comparação na pesquisa histórica responde a quatro propósitos: heurístico, descritivo, analítico e paradigmático. Em relação ao primeiro, Kocka sugere que a abordagem comparativa permite localizar questões e problemas que, de outra forma, seriam possivelmente negligenciados ou ignorados. Kocka ilustra o propósito com a célebre identificação de Bloch da questão de estruturas de apropriação da terra similares aos “enclosures” no sul da França, uma “revelação” que ao mesmo tempo dá perspectiva ao caso clássico inglês e tensiona de forma objetiva a historiografia agrária e regional francesa. No plano descritivo, a comparação se presta a iluminar os perfis dos casos singulares, contrastando-os com outros. Kocka exemplifica este propósito com o grande número de caracterizações particularistas dos fenômenos históricos do tipo Sonderweg alemão ou Excepcionalismo americano. Neste aspecto, poderíamos reconhecer a função descritiva da comparação na historiografia regional ou nacional, por exemplo, na identificação de tipos diferentes de “regionalismo”, como o “regionalismo gaúcho” de Joseph Love, de viés autoritário e fortemente ideológico, em contraste com regionalismos menos “particularistas” de outras regiões do país; ou, ainda, a pretensa semelhança dos regimes políticos varguista e peronista. Em relação à função analítica, a comparação se mostra indispensável na formulação e na resposta a questões causais. E afirma Kocka, sem antes deixar de assinalar que fora Weber o ‘pioneiro deste tipo de ambiciosa comparação’: “William Sewell e outros sublinharam que a comparação

PRADO, Maria Ligia Coelho. “Repensando a história comparada da América Latina”. Revista de História, Universidade de São Paulo, n. 153, 2005, p. 19. 5 KOCKA, op. cit., p. 39 (tradução nossa). 4

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pode ter o lugar de um experimento indireto que facilitaria o ‘teste de hipóteses’. Ainda que possamos ser céticos em relação a esta reivindicação, não há dúvida de que a comparação é indispensável para historiadores que gostam de formular questões causais e oferecer respostas causais”. Por fim, a função paradigmática da comparação aparece na abertura que ela oferece ao historiador, distanciando-o daquilo que conhece melhor e ampliando sua capacidade de problematizar seus temas de pesquisa. Neste sentido, Kocka oferece uma extraordinária leitura dos problemas das formações profissionais excessivamente “nacionais” e do peso das historiografias regionais de viés marcadamente particularista: “Historiadores estão com frequência muito concentrados na história de seu próprio país ou região. Por causa disso, a comparação pode ter um efeito de ‘desprovincialização’ e liberação, de abertura dos olhos, com consequências para a atmosfera e o estilo da profissão”6. Para concluir, duas palavras sobre as tensões entre o comparatismo histórico e as novas tendências historiográficas de privilegiar a dimensão supranacional ou internacional dos processos. Referimo-nos às histórias chamadas interconectadas, ou “connected histories”, que se popularizaram entre os historiadores por permitir que o objeto de pesquisa conduza o investigador. Diferentemente dos estudos comparativos, modelizados, estruturados e, sobretudo, definidos a partir de unidades de análise mais ou menos rígidas, como o estado nacional e suas instituições, ou ainda, suas unidades regionais (como fizeram Joseph Love, Robert Levine e John Wirth na análise de três estados brasileiros na primeira fase republicana), a história conectada persegue um tema, um objeto que migra entre diferentes classes, grupos sociais, identidades étnicas ou profissionais, e, sobretudo, passa relativamente impune pelas fronteiras regionais e nacionais. Uma disciplina genuinamente ‘nacional’ como a história se deixa assim seduzir pela possibilidade de que o aspecto universalizante presente na circulação mundial de determinada ideia ou produto cultural se deixe apreender, não no quadro de sua inscrição nacional, mas nos traços por vezes erráticos de sua recepção em diferentes populações. Retomando Cohen, é preciso dizer que ambas as histórias, a comparativa e as ‘histórias cruzadas’ ou interconecta-

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KOCKA, p. 41 (tradução nossa).

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das, têm em comum o fato de sustentarem sua legitimidade na habilidade de ver algo que as histórias nacionais obscurecem, ainda que com diferentes motivações e resultados: “Depois de tudo, a história comparada está preocupada fundamentalmente com diferenças e semelhanças, frequentemente com questões de causalidade. Histórias transnacionais, em contraste, podem nos falar sobre circulação transnacional, sobre a história das trocas culturais, sobre fenômenos internacionais”7. Os textos O inventário de temas aqui propostos retoma alguns dos temaschave do comparatismo histórico, daquele que se realiza há muito tempo no hemisfério norte, é certo, mas também daquele esboçado por historiadores das duas margens do Rio Uruguai: fronteira, elites políticas, homens públicos e imigração são apenas alguns deles. Debrucemo-nos sobre eles um instante: O texto de Maurice Aymard que abre esta coletânea, apresentado na sessão de abertura do II Encontro da Rede Internacional Marc Bloch, intitula-se A longa duração hoje: balanço de meio século (1958 – 2008). Erudito e metodologicamente instigante, Aymard propõe uma discussão sobre a noção de longa duração a partir da publicação, nos Annales E. S. C., em 1958, do célebre artigo de Fernand Braudel, “Histoire et sciences sociales. La longue durée”. Constatando o impacto internacional do texto de Braudel ao longo do último meio século, Aymard propõe-se a explorar alguns aspectos do texto e a situá-lo no contexto de sua elaboração, a abordar suas formas de recepção/adaptação e a perguntar-se sobre sua influência e possível atualidade. O texto de Rosa Congost, historiadora do espaço agrário espanhol, foi aquele da conferência de encerramento do evento. Escrito em tom pessoal, como afirma a própria autora, Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa, narra o percurso de reflexão e as percepções da autora em torno da história comparada. Afirmando não conceber outra maneira de realizar estudos históricos, Rosa Con-

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COHEN, p. 24 (tradução nossa).

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gost aponta que a comparação permite ao historiador analisar melhor a realidade investigada, ajudando-o a situar os problemas estudados em coordenadas de espaço e tempo. Estabelecendo diálogos com Maurice Aymard e Marc Bloch, e abordando suas experiências pessoais de investigação sobre a propriedade na Catalunha “entre os séculos XVIII a XX”, a autora discute os desafios e os “ganhos” da comparação em análises históricas. O objetivo da historiadora Marta Bonaudo, da Universidade Nacional de Rosário, no terceiro dos textos aqui reunidos, é aproximar-se da complexa experiência de conformação/configuração de instâncias de mediação entre a sociedade civil e o Estado – os partidos – na Argentina da segunda metade do século XIX. Analisando as experiências e reflexões sobre a política e os partidos em Santa Fé, entre 1853 e 1890, a partir de fontes como periódicos e correspondências, Bonaudo discute os dilemas e as tensões que marcaram a dinâmica das construções republicanas e nacionais como a organização da vida política e de um sistema representativo. Raúl Fradkin aborda as tradições militares forjadas no espaço do Rio da Prata durante o período colonial enfocando, principalmente, o século XVIII. Neste sentido, Fradkin se propõe a identificar as características das formações armadas que se configuraram no espaço da Intendência de Buenos Aires – milícias, corpos veteranos, entre outras – e as tradições que se forjaram em torno dessas formações, buscando comparar a experiência de Buenos Aires com outras do Prata, investigando especificidades e variações regionais. Tradiciones militares coloniales. El Río de la Plata antes de la revolución, texto embasado em vasta bibliografia, deve ser entendido, segundo o autor, como parte de uma preocupação maior: desvelar a natureza e as características das forças beligerantes que intervieram no ciclo de guerras aberto no Rio da Prata entre as décadas de 1810 e 1870 para compreender melhor as possibilidades de intervenção política dos setores sociais subalternos, bem como a incidência da guerra e das tradições militares na configuração de suas culturas políticas. Susana Bandieri, historiadora da região patagônica, propõe-se a discutir o processo de “argentinização” da Patagônia nas primeiras décadas do século XX. Apontando a crescente penetração estatal na região

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patagônica no período em questão, Bandieri analisa a Ley de Fomento de los Territorios Nacionales, de 1908, e outras ações realizadas neste sentido, a partir da década de 1920 e, principalmente, nas décadas de 1930 e 1940, auge do pensamento nacionalista. De acordo com Bandieri, a partir dos anos 1920, com o crescimento da preocupação em “argentinizar” a região – criar a identidade nacional e proteger a soberania –, o Estado nacional ampliou sua presença na Patagônia através, por exemplo, da criação de sucursais do Banco de la Nación Argentina em centros fronteiriços da região, da transformação de San Carlos de Bariloche em centro turístico internacional, da criação de escolas de fronteira e da exploração de recursos como petróleo e gás. Assim como outros autores presentes neste volume, Bandieri defende, em La redefinición de las fronteras: cuando “argentinizar” fue la consigna, a necessidade de se transcender as análises tradicionais sobre fronteira. Mariana Flores da Cunha Thompson Flores e Luís Augusto Farinatti propõem, a partir de uma reflexão historiográfica sobre a questão da fronteira no estudo da sociedade dos confins meridionais do Brasil no século XIX, formas alternativas de análise do espaço fronteiriço. Em A fronteira manejada: apontamentos para uma história social da fronteira meridional do Brasil (século XIX), Thompson Flores e Farinatti discutem as visões opostas de “fronteira-barreira” e de zona de fronteira completamente integrada para, a partir daí, proporem a discussão sobre o “manejo da fronteira”. Refutando as ideias de fronteira como espaço que isola/separa as partes ou que as integra totalmente, os autores apontam a necessidade de se perceber que viver em uma zona de fronteira – no caso, a região sudoeste do Rio Grande do Sul –, ao longo do segundo e do terceiro quartéis do século XIX, era uma situação que propunha possibilidades e problemas diversos para os agentes, conforme sua posição social; as relações com a fronteira e os significados atribuídos a ela pelos sujeitos eram dinâmicos, históricos. Articulando vasta bibliografia e documentação, como processos-crime e inventários post mortem, os autores buscam exemplificar como grandes estancieiros, líderes militares, subalternos – pequenos produtores e peões –, perseguidos pela justiça, escravos e comerciantes se relacionaram, a partir de seu posicionamento social, com a situação de fronteira. Karl Monsma aborda a honra masculina enquanto capital simbólico em O comerciante, o estancieiro e o militar: noções divergentes de honra 17

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entre as elites do Rio Grande do Sul no início do século XIX. Analisando os conflitos do comerciante João Francisco Vieira Braga com o estancieiro Boaventura José de Oliveira e com o militar Antônio Francisco Pinto de Oliveira, Monsma discute as diferenças nas noções de honra de segmentos distintos da elite no Rio Grande de São Pedro Imperial – ponto importante para compreender os conflitos apresentados –, bem como as formas, também distintas, com que os envolvidos realizavam a defesa da honra. Merecem destaque, na discussão trazida por Monsma, as associações estabelecidas entre honra e palavra. Assim como Susana Bandieri, Graciela Blanco também elegeu a Patagônia argentina como recorte de sua investigação. Em Los actores sociales de la ganadería patagónica: políticas públicas y formas asociativas en las primeras décadas del siglo XX, os principais objetivos de Blanco são três: analisar o processo de ocupação e distribuição da terra na Patagônia, destacando o final do século XIX e o início do século XX; caracterizar os atores sociais que se configuraram a partir das distintas formas de apropriação da terra e sua exploração através da criação extensiva de gado, tais como proprietários, arrendatários e “ocupantes”; e, por fim, buscar uma aproximação dos conflitos emergentes e da ação das organizações corporativas surgidas na Patagônia neste período, como a Federación de Sociedades Rurales de la Patagonia. Ana Teruel e María Teresa Bovi, da Universidade Nacional de Jujuy, elegeram a complexa e variada realidade socioeconômica da província de Jujuy, no século XIX, para abordar as transformações dos direitos de propriedade no período, explorando questões relativas a como estes direitos foram formulados depois da expropriação das comunidades indígenas. Em Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina. Ni “feudal” ni “comunista”: El caso de la Provincia de Jujuy, Teruel e Bovi centram sua análise na gestão do governador Eugenio Tello na década de 1880 (1883 – 1885), momento de inflexão mais claro, segundo as autoras, entre a antiga ordem e a nova, cujos valores básicos eram o trabalho e a propriedade privada. A fronteira também é tema do texto El desierto y sus confines. Contexto y narrativa en la Descripción Amena de la República Argentina de Estanislao Zeballos, de Sandra Fernández, da Universidade Nacional de Rosario. Fernández analisa Descripción Amena de la República Argetina, obra

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em três tomos publicada ao longo da década de 1880 e que representa a cosmovisão do espaço pampeano na ótica de Estanislao Zeballos, homem público rosarino com trânsito pelos caminhos da ciência e pelo mundo editorial. Entrecruzando informações biográficas e contexto, a autora traz trechos da Descripción e analisa como Zeballos, representante do homem moderno de fins do século XIX e início do século XX argentino, abordou temas como a construção do Estado nacional e a necessidade do ingresso da Argentina na modernidade. Nadia Andrea De Cristóforis, da Universidade de Buenos Aires – UBA, propôs-se a compreender como operaram os mecanismos de assistência oficial no último ciclo da imigração galega para a Argentina, entre 1946 e os primeiros anos da década de 1960, e em que medida a ação destes mecanismos incidiu sobre a conformação e as características sociodemográficas desta imigração. Apontando os estudos sobre imigração como campo fértil para aprofundar as reflexões sobre os problemas da comparação e sobre a escolha da escala de análise, De Cristóforis analisa a colaboração entre o Comité Intergubernamental para las Migraciones Europeas (CIME), o Instituto Español de Emigración (IEE) e a Comisión Católica Española de Migración (CCEM) na organização e funcionamento do Plan de Reagrupación Familiar. Em Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones gallegas hacia la Argentina, a autora apresenta e contextualiza o Plan de Reagrupación Familiar, a doutrina eclesiástica sobre a imigração e o papel desempenhado pela Comisión Católica Española de Migración no funcionamento do Plan, entre outras questões. Por fim, no texto que fecha este volume, Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo, Adriano Codato, cientista político da Universidade Federal do Paraná, apresenta argumentos em favor de um “necessário e urgente” retorno aos estudos sobre o Estado Novo para compreender a reestruturação do universo das elites na primeira metade do século XX, ponto capital, segundo o autor, do processo de transformação capitalista do Brasil. Abordando aspectos da história política do período e da historiografia, Codato destaca a modificação da posição dos atores no campo político e a transformação do próprio campo do poder no Brasil depois de 1930, enfocando questões relativas aos políticos profissionais. O autor defende a utilidade de se conhecer, atra-

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vés de estudos prosopográficos, o perfil da nova classe política nacional para uma melhor avaliação das mudanças sociopolíticas do período. Devido às semelhanças e afinidades ideológicas entre as elites intelectuais de Brasil e Argentina entre 1920 e 1940, o autor propõe que o texto sirva como um “roteiro” de questões possíveis à história e à historiografia argentinas.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

A longa duração hoje: balanço de meio século (1958-2008)* Maurice Aymard**

O artigo de Fernand Braudel dedicado à longa duração aparece nos Annales E.S.C. em 19581. Braudel acaba de se ver confiadas, após a morte de Lucien Febvre (em setembro de 1956), ao mesmo tempo a presidência da VIª Seção da EPHE (da qual ele fora secretário desde sua criação, em 1948, ao mesmo tempo fundador e diretor do Centro de Pesquisas Históricas) e a direção dos Annales. Nascido em 1902, ele sabe que, salvo algum acidente, tem diante de si 15 anos para impor sua marca. Para isso se preparara, e ele decide dar a este artigo a forma de um discurso programático. Sua intenção não é somente científica. É fixar as orientações que propõe não apenas para a disciplina histórica, mas, mais ainda, para o conjunto das ciências humanas e sociais, no quadro de sua aproximação, o que representa, a seus olhos, uma prioridade ao mesmo tempo intelectual e estratégica. Fiel ao seu hábito de nunca se tornar prisioneiro das palavras que emprega, hesita entre duas expressões para designá-las: “ciências sociais” (no título) e “ciências do homem” (das quais constata, já na primeira linha, a “crise geral”, e que darão seu nome à nova instituição que se prepara para criar, a Maison des Sciences de l’Homme). A primeira das duas denominações irá se sobrepor à segun-

*Conferência de abertura do II Encontro da Rede March Bloch de Estudos Comparados em História – Europa América Latina, em 21 de outubro de 2008. Publicado originalmente sob o título “La longue durée aujourd’hui. Bilan d’un demi-siècle (1958-2008)”. In: CURTO, Diego R. et alii (editors). From Florence to the Mediterranean and beyond: Essays in honor of Anthony Molho. Firenze: Leo. S. Olschki, 2009. Traduzido por Flavio M. Heinz. **Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS); antigo administrador da Maison des Sciences de l’Homme de Paris. 1 BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: La longue durée”. Annales E.S.C., XIII, 4, p. 725-753, 1958.

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A longa duração hoje: balanço de meio século (1958-2008) / Maurice Aymard

da apenas em 1975, por ocasião da transformação da VIª Seção da EPHE em EHESS (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), mas então sofrerá a concorrência das “ciências do homem e da sociedade”, designação escolhida pelo CNRS, que coexistirá até os dias atuais com as “ciências humanas e sociais”, mais fáceis para traduzir para o inglês. Mas o essencial, em 1958, está situado alhures: no fato de que a longa duração é para ele a carta mestra – e, de fato, a única – que lhe permite reivindicar para a história, ao lado das matemáticas, um papel de congregar as ciências do homem. Elas sofrem, a seus olhos, de um defeito maior: o de concentrar sua atenção no presente, e de não levar em consideração as realidades e as dinâmicas do passado que, estima, são indispensáveis para compreender o presente. O artigo foi lido, citado e traduzido para diversas línguas, mas sua recepção privilegiou o que dizia respeito à história e, com frequência, deixou em segundo plano o que dizia respeito às demais ciências do homem. As razões deste descompasso entre as intenções do autor e a recepção pelos seus leitores mereceriam, sem dúvida alguma, ser especificadas. Duas me parecem ter pesado de forma determinante. A primeira: a aliança proposta entre história e ciências sociais se colocava em muitos países em termos diferentes, em particular em todos aqueles onde a história era classificada pelos próprios historiadores entre as humanities (Estados Unidos) ou entre as Geisteswissenschaften (Alemanha). A segunda lhe é complementar: é a história que, nos anos 1960, constituiu a linha de frente*** da influência dos Annales no exterior, e também é ela a responsável pela adesão de ao menos uma parcela dos historiadores a uma identificação de sua disciplina com as ciências sociais. Esta adesão se dá por volta de 1968 nos Estados Unidos, em datas posteriores em outros países, mas ela se dá também no momento em que, na própria França, a antropologia toma o lugar da economia como interlocutora principal e, em certa medida, como modelo para os historiadores. Ora, o artigo de 1958 apostava de fato em diferentes cenários. De um lado, ele afirmava a ruptura da história com a concepção événementielle com a qual se identificara por tanto tempo e, com o tempo, dava razão a Simiand, cuja crítica a Langlois e Seignobos, “Méthode historique et sciences sociales”, publicada em 1903 na Revue de Synthèse

***Aile marchante, no original. N. do T.

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Historique, será por ele reeditada nos anos 1960 nos Annales. Por outro lado, ele procurava identificar as pontes e os contatos possíveis entre os setores mais avançados da pesquisa nas outras disciplinas. Mas visava também, em outro plano, a explicitar aquilo que separava as ambições da história dos objetivos que Claude Lévi-Strauss acabava de fixar para a antropologia. Isto o conduzia a sublinhar uma dupla oposição: aquela entre a pesquisa das regras, ao mesmo tempo simples e gerais, mas válidas para sociedades de dimensões limitadas, e as idas e vindas incessantes entre modelos e realidades sociais cuja complexidade parece inesgotável e é constantemente relançada ao historiador das sociedades mais próximas de nós, e aquela entre a longa duração dos historiadores – um tempo “quase imóvel, lento a passar” – e o “tempo imóvel” da antropologia estrutural, que bem se contentaria de deixar à história apenas as migalhas do acontecimento. Todo sucesso tem suas contrapartidas. Para um texto, duas delas são as mais frequentes. Por um lado, ele é chamado a circular cada vez mais fora de seu contexto, a ser lido com olhos diferentes em função de outros debates, seja para ser reivindicado como modelo a seguir, seja para ser criticado ou recusado: basta pensar na célebre fórmula de Keynes “in the long run we are all dead”, que foi utilizada por muitos historiadores para rejeitar uma história suspeita de colocar entre parênteses as decisões, as maneiras de pensar e de sentir, as trajetórias individuais e coletivas, as emoções e paixões dos homens concretos, e para reivindicar para a história o tempo da vida contra aquele da morte. Por outro lado – e o preço a pagar é ainda mais elevado –, o título do texto acaba por bastar a si próprio, por circular só e por oferecer àqueles que o citam a ilusão de que podem dispensar-se de sua leitura: a prática do namedropping não vale apenas para os autores, mas também, como se sabe, para as palavras da moda. O impacto internacional do artigo de Braudel ao longo dos últimos 50 anos o expôs particularmente a este duplo risco. Ele se tornou uma referência obrigatória. Mas por isso teria ele conservado uma influência real sobre as orientações recentes da pesquisa tanto em história quanto em ciências sociais? Em outras palavras, ele se manteria atual ou teria se tornado um texto entre outros, datado historicamente, cujo impacto poderia ser seguido e medido, mas, no fundo, estava ultrapassado, pois fora deixado de lado ou substituído por outras proposições metodológicas ou teóricas, dotadas de uma real capacidade heurística e que teriam deslocado o debate para outros terrenos? 23

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Tentarei responder aqui estas questões, na ordem. Logo, inicialmente, irei reler o próprio texto, na sua totalidade e complexidade, para situá-lo novamente em seu contexto. E, em seguida, mostrar as formas e as modalidades de recepção dele, quer conscientes e confessadas, quer silenciosas e mesmo involuntárias, mas igualmente reais: ou, se preferirmos, segui-lo e medir sua influência e posteridade. E, enfim, na terceira etapa, perguntarei sobre sua atualidade. O texto tem sua data – 1958 – e deve ser lido por aquilo que é, isto é, como um programa proposto por um homem que, cercado pela aura que seu Mediterrâneo lhe valera dez anos antes, acaba de aceder às responsabilidades universitárias, que para isso se preparara por muitos anos2. E Braudel está bem decidido a não deixar passar a oportunidade que lhe confere, no contexto francês e internacional da época, a dupla direção que lhe coube. De um lado, aquela dos Anais, fundados em 1929, dirigidos com firmeza por Lucien Febvre depois da morte de Marc Bloch de 1944 a 1956, e que conseguiu se impor como uma revista de combate, engajada em uma revisão drástica e uma modernização das maneiras de fazer, de conceber e de escrever a história. De outro, aquela da VIª Seção da EPHE, uma instituição recente, criada apenas dez anos antes, e então em plena expansão face à Universidade tradicional. Uma instituição que encarna a necessidade de ensinar não apenas saberes adquiridos, que se ocuparia apenas de transmitir, mas a própria pesquisa em execução. Enfim, uma instituição capaz de atrair, para os numerosos postos colocados à sua disposição, tanto quanto professores confirmados, dispondo já de uma posição acadêmica de prestígio numa Faculdade ou no Collège de France, quanto pesquisadores que a Universidade mantivera até então à distância, ou que não podia recrutar porque eram estrangeiros, e que estavam entre os melhores de sua geração: assim, um Jean Meuvret, na França, bibliotecário na Escola Normal Superior, ou um Etienne Balazs, sinólogo de primeiro nível, de origem húngara, 2

Conferir G. GEMELLI. Fernand Braudel e l’Europa universale. Veneza: Marsílio, 1990, que sublinha as principais etapas desta preparação, desde a criação do Centre de Recherches Historiques da VIª Seção, que Braudel dirige, até a viagem aos Estados Unidos no outono de 1955, organizada nesta perspectiva por Clemens Heller em ligação com Edward d’Arms, um dos responsáveis da Fundação Rockefeller, em sua contribuição à redação do IV Plan, nos diferentes artigos que ele publica precisamente nestes mesmos anos e que se encontram reunidos no primeiro volume de seus Écrits sur l’histoire, publicados 11 anos mais tarde, em 1969 (Paris, Flammarion).

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que encontrara refúgio como trabalhador agrícola numa fazenda do sudoeste no final dos anos 1930. Ou ainda excluídos e dissidentes do Leste e do Oeste, numerosos no clima da Guerra Fria – um Daniel Thorner, um Ignacy Sachs ou um Georges Haupt. E, enfim, e sobretudo, os jovens que chegavam aos 30 na década de 1950 (Jacques Le Goff, François Furet ou Emmanuel Le Roy Ladurie), que tinham suas obras pela frente, mas em relação aos quais era necessário ter a audácia de apostar. Esta instituição, que leva o nome de “Seção de Ciências Econômicas e Sociais”, apresenta o paradoxo, ao menos aparente, de ter sido fundada por historiadores – Lucien Febvre, Fernand Braudel, Charles Mozaré – e de ser dirigida desde sua fundação, e ainda por outros 25 anos (até 1985 e, depois, entre 1995 e 2004) por historiadores. A intuição de Braudel é compreender que esta posição, para ser aceita pelas outras disciplinas e mantida, deve ser justificada por um programa que deverá atingir três objetivos. Em um primeiro momento, ele deverá mostrar não a superioridade intrínseca da história, que não está absolutamente garantida, mas sim sua capacidade, no momento em que é, sem dúvida, a menos constituída cientificamente das ciências do homem e não para de tomar emprestado das outras (economia, geografia, ciências políticas, demografia, etc.) e de lhes fornecer, em contrapartida, o que lhes falta: uma inserção no passado das sociedades que elas estudam essencialmente no tempo presente (mesmo a antropologia e a etnologia, cujo alvo principal, no caso das sociedades ditas “primitivas”, ainda era o presente como testemunho vivo de um passado e de uma “origem” do homem, especialmente do homem vivendo em sociedade). A história, reivindica Braudel, está aí, presente, à sua disposição, para lhes trazer as chaves de acesso àquilo que lhes falta e do qual, ele lembra, têm absoluta necessidade: sem sua ajuda, elas estão condenadas ao fracasso. Mas também lhe será necessário, em um segundo momento, mostrar que os historiadores também estão interessados pelas mais recentes questões que mobilizam as ciências sociais. As dimensões inconscientes da vida dos homens e das sociedades, as estruturas, os modelos, e quase ainda mais as matemáticas sociais, estatísticas ou qualitativas: matemáticas que, com certo avanço sobre os historiadores, os economistas3, os 3

O que não impede Braudel de condená-los por permanecerem quase sempre “prisioneiros da atualidade mais breve [...] encurralados por esta restrição temporal.” Um julgamento

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linguistas e os antropólogos, à imagem de Claude Lévi-Stauss, reencontraram em seu caminho, e cujos recursos souberam mobilizar para “vencer a escalada das ciências exatas” ou, em outras palavras, obter êxito na passagem da observação, da descrição e da classificação – sempre necessárias, mas insuficientes isoladamente – à elaboração de regras suficientemente gerais, no limite válidas em todos os tempos e em todos os lugares, em todas ou quase todas as sociedades. A história, repete-lhes ele, tomou claro conhecimento de suas descobertas e, por sua vez, engajou-se no mesmo caminho. Ela está pronta para jogar com eles, sem reticências, o jogo das matemáticas, mas sem por isso renunciar à inesgotável complexidade das realidades sociais. Com efeito, ela não poderia (e ele é cioso em marcar sua diferença, através da oposição entre dois caminhos, um redutor e outro globalizante) contentar-se com uma abordagem exclusivamente microssocial, que limitaria sua ambição em estabelecer, em relação a grupos muito restritos de indivíduos, regras cuja validade seria, em seguida, estendida ao conjunto. Para o diálogo que este artigo – apresentado como uma chamada à discussão – quer estabelecer com as outras ciências sociais, Braudel pode, assim, avançar três pistas que deveriam permitir que se compreendessem: a das matemáticas, é claro, mas também a do espaço e a do tempo. De um lado, então, a geografia ou, se se preferir, a ecologia (40 anos antes do termo ser retomado por Peregrine Horden e Nicholas Purcell)4, em nome do princípio da “redução necessária de toda realidade social ao espaço que ela ocupa”. De outro, a longa duração, que não é outra coisa, insiste, que “uma das possibilidades de uma linguagem comum em vista de uma confrontação entre as ciências sociais” e que representa o aporte próprio da história, ou, melhor, de uma história nova que terá superado a tentação de atenção exclusiva ao acontecimento e ao individual. Esta longa duração é sempre relativa a outras, sejam mais longas ou, ao contrário, mais breves. Ela se identifica, em sua extensão mais ampla, com aquelas das sociedades e das civilizações humanas, mas engloba outras, mais curtas, mesmo que cada uma destas durações retome, por sua conta, uma parte da herança daquelas que a precedecontra o qual Witold Kula decidirá defendê-los, colocando em evidência tudo o que as duas disciplinas têm a aprender uma com a outra: KULA, W. “Histoire et économie: La longue durée”, Annales E.S.C., XV, 2, p. 294-313, 1960. 4 HORDEN, P.; PURCELL, N. The Corrupting Sea: A Study on Mediterranean History. Oxford: Blackwell, 2000.

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ram – aquelas das economias, das religiões ou das culturas. Mas ela é ela mesma englobada em outras, infinitamente mais longas, que começaram bem antes da aparição das primeiras sociedades e mesmo dos primeiros homens: assim as da terra ou do clima, com as quais o homem teve de compor para poder elaborar suas próprias respostas, ou ainda as das espécies animais e vegetais, entre as quais aprendeu a fazer suas escolhas, domesticando e adaptando umas a suas próprias necessidades, caçando, ao contrário, outras até as eliminar, pois eram consideradas nocivas ou perigosas. Voltado ao presente e ao futuro, para o qual Braudel define uma estratégia intelectual de cooperação entre disciplinas, em vista da ocupação de uma posição dominante no campo das ciências sociais e humanas cujo centro será ocupado pela história, tal programa é, para ele, também o ponto de chegada de seu próprio percurso pessoal, da maturação de seu pensamento e, sobretudo, de sua visão do espaço e do tempo, entre Argélia, França, Brasil e Alemanha: este percurso o conduziu de uma pesquisa inicialmente centrada em Felipe II e o Mediterrâneo, quer dizer, em um estudo que poderia ter sido tradicional ou clássico sobre a política externa de uma grande potência da época em uma das direções de sua expansão, para um livro cujo personagem central se tornou o próprio Mediterrâneo5. Este mesmo percurso o levou a construir seu livro em torno de três diferentes temporalidades, correspondendo a três níveis de leitura da realidade social e humana: aquela dos acontecimentos, que é a do vivido pelos homens, mas também a que eles registraram, ao menos em parte, nas fontes escritas que nos deixaram; aquela dos movimentos de conjunto das sociedades, da economia, da política, da guerra, que marcam a duração de um longo século XVI; e, enfim, a longa duração, que ele intitula, no Mediterrâneo, “a parte do meio”, e que organiza em torno de duas disciplinas que eram, no momento em que escreve o livro, as únicas a colocar o longo tempo no centro de suas análises: a geografia humana e a etnografia. Uma etapa intermediária desta reflexão nos é fornecida hoje pela recente publicação, sob o título de “L’histoire, mesure du monde”6, da BRAUDEL,Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: Armand Colin, 1949. Em português: BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1984, 2 v. (N. do T.). 6 Les écrits de Fernand Braudel; t. II: “Les ambitions de l’histoire”. Paris: Editions de Fallois, 1997, p. 11-83. 5

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parte conservada das notas, reescritas por dois de seus ouvintes num pequeno caderno timbrado de seu Oflag**** e por ele corrigidas, das conferências que realizara durante seus cinco anos de reclusão na Alemanha, primeiro no campo de Maiença (1941-42), depois no de Lübeck (1943-44). Este texto, que se pode ler hoje como o esboço de um livro que nunca será acabado e publicado, permite-nos dispor de outro parâmetro, anterior ao seu livro sobre o Mediterrâneo (defendido como tese em 1947, mas publicado somente em 1949), e de fato contemporâneo de sua redação ou, antes, de suas redações sucessivas: não é por acaso que ele dedica uma parte importante de seu desenvolvimento às formas e aos conteúdos de um diálogo ao mesmo tempo possível e necessário entre as ciências sociais. Além disso, sabemos, sobreviver esses cinco anos num campo de prisioneiros foi, para ele, não apenas escrever e isolar-se do presente: foi também olhar para além dos acontecimentos que se identificavam com a sucessão de vitórias alemãs, amplamente anunciadas pelas rádios e pelos jornais locais, e projetar-se no futuro. Sua repetida afirmação sobre elas, retomada por seus companheiros de prisão, em tom de blague: “É apenas um acontecimento”, inscrevia-se na mesma linha que a célebre frase de Churchill: “De derrota em derrota vamos em direção à vitória final”. Restaria ainda explorar a pista das fontes eventuais e, mais amplamente, de seus precedentes, tanto na história como em outras disciplinas. Para ficarmos com a França, Marc Bloch, defensor de uma história regressiva, voltando do presente em direção ao passado, tentara dar destaque tanto às continuidades longas (como em seu artigo sobre as falsas novidades)7 quanto às sedimentações sucessivas: entre Alemanha e França, a área de extensão do open field ignora e, portanto, precede o estabelecimento das fronteiras políticas8. Por seu lado, Lucien Febvre acentuara a pluralidade dos tempos dos homens, na qual via um verdadeiro desafio para os historiadores. Ainda antes de Braudel, a equipe de ****Oflag, acrônimo de Offizierslager, campo de prisioneiros para oficiais, durante a Primeira e a Segunda Grande Guerra. 7 BLOCH, Marc. “Réflexion d’un historien sur les fausses nouvelles de la Guerre”. Revue de Synthèse historique, XXXIII, p.13-35, 1921. Em português: “Reflexões de um historiador sobre as falsas notícias da guerra”. In: BLOCH, Marc. História e historiadores. Textos reunidos por Étienne Bloch. Lisboa: Teorema, 1998, p. 177-198 (N. do T.). 8 BLOCH, Marc. Les caracterères originaux de l’histoire rurale française. Paris: Armand Colin, 1952, capítulo II.

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sábios que acompanha Napoleão no Egito nos lembra o papel de laboratório científico que O Mediterrâneo havia desempenhado, desde a segunda metade do século XVIII, mobilizando a atenção tanto das ciências da natureza (zoologia, botânica, geologia, etc.) quanto das ciências do homem que se estavam constituindo (história, geografia, arqueologia, etnografia): papel cuja herança Braudel irá, precisamente, recolher e capitalizar, para reapropriá-la e reformulá-la em termos diferentes. De fato, a concepção de longa duração que elabora por ocasião da redação de O Mediterrâneo distancia-se, claramente, de todas as proposições do tipo de Toynbee ou de Spengler, que se reduzem, a seus olhos, a formas de leitura sub specie aeternitatis da história dos homens e a generalizações desencarnadas. A longa duração não existe sozinha, mas em referência a outras durações mais curtas, que Braudel reagrupa, pela comodidade e simplicidade de sua exposição, como o faz para as próprias longas durações, em torno de dois polos principais: aquelas dos movimentos de conjunto indo da década ao século e aquela dos acontecimentos. A longa duração não define um tempo imóvel, mesmo que ele possa ser percebido como tal pelos atores, mas um tempo quase imóvel, que passa lentamente. Ela só se opõe ao acontecimento na medida em que este é usualmente identificado com o excepcional, com o que acontece apenas uma vez. Ela é constituída de pequenos fatos e gestos regularmente repetidos, sem neles se pensar, por serem evidentes. É tecida de regularidades silenciosas – um silêncio em relação ao qual o papel da história é precisamente de explicitar e fazer falar. No entanto, mesmo que seja feita de regularidades e repetições que podem surgir quase da mesma forma, ela é ao mesmo tempo construção, sedimentação e mudança, e todas as três se dão em uma escala temporal infinitamente maior (um ou vários milênios) que aquela do tempo familiar aos historiadores. Daí a questão que Braudel coloca, ao final de uma longa enumeração de regularidades do clima, tal como foram percebidas, vividas e interiorizadas pelos homens à época: “O clima mudou desde o século XVI?” Ela abre o caminho à escrita de uma verdadeira história do clima, enfim livre de todo impressionismo jornalístico. A mesma distinção entre tempo imóvel e tempo quase imóvel permite a Braudel se distanciar de Lévi-Strauss, mesmo que saudando seu empreendimento: “sua tentativa, nestes temas, me parece a mais inteligente, a mais clara, a melhor enraizada na experiência social, de onde tudo deve partir e para onde tudo deve voltar”. Nela ele percebe as 29

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seduções, mas também os perigos, a ameaça para a história de ser rejeitada ao lado do acontecimento. Compartilha a ambição de “transpor a superfície da observação para atingir a zona dos elementos inconscientes ou pouco conscientes” e “extrair as leis mais gerais de estrutura”. Mas ele denuncia, nas respostas dadas, seus limites. Estas são formuladas a partir “de grupos restritos onde cada indivíduo é, por assim dizer, observável”, situam-se “no encontro do infinitamente pequeno e da duração muito longa”, mas “circulam apenas numa das inumeráveis rotas do tempo, aquela da duração muito longa, ao abrigo dos acidentes, das conjunturas, das rupturas”. Contra a redução a uma leitura modelizada de uma “vida social muito homogênea”, que permite “definir de forma certeira as relações humanas simples e concretas, pouco variáveis”, ele reivindica para a história, no extremo oposto, a infinita complexidade do social, a multiciplicidade das inumeráveis rotas do tempo. À redução do real “a elementos miúdos, a toques finos, idênticos, cujas relações se possam analisar precisamente”, para delas extrair as “leis de estrutura mais geral”, ele opõe da parte da história uma iniciativa mais experimental, feita de idas e vindas entre realidades observadas e modelizações. Os modelos, sempre provisórios, sempre simplificados, devem igualmente ser sempre submetidos à prova da realidade, como os movimentos dos navios que, lançados ao mar após terem sido construídos – para utilizar a metáfora que ele aprecia – são observados até que afundem. A racionalização, a modelização são para o historiador sempre aproximações cujo mérito é relançar a análise: a longa duração será, portanto, sempre uma explicação entre outras. O mesmo se dará em relação à economia-mundo, no terceiro volume de Civilisation matérielle, Economie et Capitalisme, intitulado Le temps du Monde (1979): ela não é mais que uma “ordem face a outras ordens”. Este modelo, uma vez lançado ao mar, seguiu seu curso, cujas etapas, mudanças de rota, incidentes de percurso, escalas nos é necessário repetir agora. Sem dúvida era inevitável que ele escapasse em parte a seu construtor e idealizador e que outros buscassem utilizá-lo, por sua vez, e tomar o controle dele, modificando, como acontece seguidamente em relação aos navios, o nome, os portos de atracagem e as bandeiras. Se Fernand Braudel nunca reivindicou nem o comando nem a propriedade exclusiva, também nunca deixou de utilizá-lo nas diferentes etapas de seu próprio percurso.

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Primeiro, o percurso institucional: as orientações dadas à VIª Seção através do recrutamento de jovens pesquisadores, historiadores, antropólogos, economistas, psicólogos sociais, demógrafos, geógrafos, que, em sua maioria, adequaram para seu próprio uso, cada a um à sua maneira e com toda a liberdade, a noção de longa duração, como aliás ele lhes havia sugerido, reconhecendo que cada realidade social observada remete à sua própria definição e delimitação da longa duração, válida para ela e apenas para ela. Em seguida, o percurso intelectual, que conduzirá Braudel a declinar dos usos da longa duração em função de quatro objetos principais, fora do próprio Mediterrâneo. Les mémoires de la Mediterranée, livro redigido em 1968-69, mas publicado 30 anos depois9, lhe servirá para percorrer novamente a trajetória histórica antes de Grécia e Roma. O primeiro destes objetos serão as civilizações, em seu manual sobre o tempo presente, reeditado sob o nome de Grammaire des civilisations10: neste ele oferece a definição mais englobante delas (elas são ao mesmo tempo espaços, sociedades, economias, mentalidades coletivas, assim como continuidades), mas reafirma fortemente que não podem ser compreendidas e analisadas senão sob a condição de tomá-las em sua mais longa duração. Uma duração mais longa do que os elementos com os quais o observador contemporâneo por vezes tende a identificálas: assim as religiões, sobre as quais escreve, com certo sentido da antecipação, que são retardatárias, que se apropriaram de civilizações já estabelecidas, solidamente implantadas, que as haviam precedido11. O segundo destes objetos, já presente no artigo de 1958 (p. 51), estará no cerne das explicações de Civilisation matérielle12: as “prisões de BRAUDEL, Fernand. Les mémoires de la Méditerranée: préhistoire et antiquité. Paris: de Fallois, 1998. 10 BRAUDEL, Fernand. Grammaire des civilisations. Paris: Arthaud, 1987 (este texto retoma a parte principal, por ele redigida, do manual destinado às classes finais dos liceus franceses e consignada por S. Baille e R. Philippe em Le monde actuel, histoire et civilisations. Paris: Belin, 1963). 11 Citaremos em relação a este tema as duas afirmações da página 54 (“a religião é o traço mais forte no coração das civilizações, ao mesmo tempo seu passado e seu presente”) e da p. 73 (Cristandade e Islã: “estas novas religiões recuperaram o corpo das civilizações já existentes. A cada vez foram a alma delas, desde o início tiveram a vantagem de se encarregarem de uma rica herança, de um passado, de todo um presente, e desde logo um futuro”). 12 BRAUDEL, Fernand. Civilisation matérielle et capitalisme. Paris: Armand Colin, 1967, que, na versão final em três volumes da obra, Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XVe-XVIIIe siècle, receberá um novo título: Les structures du quotidien. 9

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longa duração”, representadas, para as principais dentre elas, por suas escolhas técnicas fundamentais, e primeiramente a das plantas das quais fizeram a base de sua alimentação – o trigo, o arroz (com a passagem ulterior à irrigação), o milho, o painço, os tubérculos. A cada vez estas escolhas orientam, condicionam e limitam as decisões ulteriores das sociedades que as fizeram. O terceiro objeto será o capitalismo entre o séculos XV e XVIII, ao qual ele dedica o terceiro volume de sua trilogia, publicada em 1979, Les temps du Monde: trata-se, a seus olhos, de uma construção ao mesmo tempo original, que deve, pois, ser estudada nela mesma, inseparável do capitalismo industrial que a seguiu e que ela vislumbra, e comparável com outros capitalismos que dominaram períodos mais ou menos longos da história de outras civilizações, como a fenícia, a grega e a romana da Antiguidade, ou a da China. No caso desta, de importância central para qualquer comparação com a Europa moderna, é preciso analisar o capitalismo ao mesmo tempo local, colocado sob vigilância do poder político, e exterior a ela, em todo o Sudeste asiático, onde muito cedo ele encontra as liberdades que lhe faltam em seu país. O quarto objeto, enfim, será aquele de La identité de la France13, em relação ao qual se dedica a demonstrar que esta identidade é tecida, ao mesmo tempo, por continuidades, por escolhas muito antigas e por rupturas, por permanências e por construções progressivas, por unidade e por diversidade. Demonstra também que ela carrega a marca do Estado que foi, ao longo dos séculos, um dos atores principais, mas não o único, de sua construção, e que ela é a este respeito tudo menos eterna. Mas essas utilizações pessoais e diferentes do tema da longa duração pelo próprio Braudel, para construir demonstrações históricas a cada vez também diferentes, não devem levar a esquecer que outras também subiram bordo do navio, dele tomaram posse e adaptaram o tema às suas próprias necessidades, nem sempre – o que pouco importa – reconhecendo suas dívidas. Contentar-me-ei aqui em assinalar os episódios principais que acompanharam as mutações sucessivas da pesquisa histórica. O primeiro se identifica com a deposição das alianças disciplinares que ocorre no fim dos anos 1960: a história toma volens nolens suas

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BRAUDEL, Fernand. L’identité de la France. 3 v. Paris: Arthaud-Flammarion, 1986-90.

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distâncias em relação à economia, que, de toda forma, afasta-se dela, e constrói com a antropologia uma nova parceria, da qual retirará um triplo enriquecimento. Em primeiro lugar, a ampliação de seus temas de estudo a um conjunto de questões até aqui ignorado ou deixado de lado, pois as considerava fora de sua alçada. Estas se tornam, em alguns anos, parte integrante do “território do historiador” caro a Emmanuel Le Roy Ladurie: o parentesco e a aliança, é claro, mas também os mitos e as crenças, as relações interpessoais e as práticas sociais, as técnicas no sentido mais amplo do termo, o corpo, as representações de si e do outro, da vida, da morte e do tempo, as relações de sexo e de gênero, etc. Em seguida, a apropriação de um vocabulário conceitual, utilizado inicialmente com a paixão do neófito, e progressivamente dominado, e as problemáticas correspondentes. Enfim, a terceira ampliação – espetacular – do campo das fontes utilizadas e a transformação da maneira de lê-las e interpretá-las: passa-se assim, em particular, dos textos aos objetos, com a abolição da fronteira que os separara, e de uma leitura desses documentos que se pretendia exclusivamente crítica e objetiva a uma pesquisa sistemática da ligação estreita entre as fontes e seus autores, que as produziram e que, conscientemente ou não, explicitamente ou não, as carregaram de sentido, que precisamos hoje redescobrir. Mesmo que a referência à longa duração braudeliana não apareça sempre aí, ela está no cerne da própria conduta dos mais exigentes destes historiadores que exploram as vias abertas pela antropologia e buscam criar a moda em vez de se contentar em segui-la. A empresa se situa, de fato, em uma dupla continuidade. De um lado, aquela da linha fixada por Lucien Febvre, em 1932, em sua lição inaugural no Collège de France: “os textos sim, mas todos os textos” – e não uma simples seleção subjetiva dentre eles feita pelo historiador –, “os textos sim, mas não apenas os textos” – e, portanto, também outras marcas, objetos e signos que nos deixaram, voluntária e conscientemente ou não, as gerações e as sociedades que nos precederam, que redescobrimos ou que chegamos a reconstituir, e que aprendemos a ler. De outro lado, aquela da história inconsciente, da história das formas inconscientes do social, que Braudel privilegiara em seu artigo, tomando emprestado de LéviStrauss uma citação que este fizera de Marx em Anthropologie Structurale: “os homens fazem a história, mas ignoram que a fazem”, mas para apressar-se em acrescentar que esta história que diz respeito ao “tempo

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estrutural [...] é com frequência mais claramente percebida do que acreditamos”. Se então os historiadores ganharam amplamente, foi porque eles foram bem-sucedidos em impor aos antropólogos sua concepção do tempo, reintegrando as áreas estudadas pelos seus parceiros ao mesmo tempo na duração longa de uma temporalidade lenta, mas com certeza não imóvel, e no contexto social no qual os homens aprendem rapidamente a manipular as regras em vez de se contentarem em aplicá-las ou a elas se submeterem. Isto é o que Pierre Bourdieu lembrará ao afirmar que a tarefa do sociólogo é explicar e explicitar, ao mesmo tempo, as regras e as exceções que lhes são feitas, sem, no entanto, questioná-las definitivamente. E o que fará Braudel dizer que tinha um ponto em comum com o pensamento de Bourdieu: ambos consideravam que toda sociedade dedica 85 ou 90% de suas energias para se reproduzir. Estes 10 a 15% fazem a diferença em relação a uma visão determinista da história na qual leitores apressados tentaram, com frequência, enclausurar Braudel: a longa duração dá lugar às iniciativas do indivíduo, apenas se contenta em limitar seu alcance, enclausurando-o “em um destino que ele mal fabrica, em uma paisagem que desenha atrás dele e à sua frente as infinitas perspectivas da longa duração”14. Levada por esta aliança que domina as transformações da disciplina histórica a partir do fim dos anos 60, a história se renova profundamente a partir de seu interior. De um lado, as problemáticas elaboradas para o período compreendido entre os séculos XIII e XVIII passam por uma indiscutível expansão, tanto a jusante como a montante, tocando tanto a história dos séculos XIX e XX, com a social history anglo-saxã, quanto da Alta Idade Média e da Antiguidade. De outro lado, elas deixam os limites da Europa para tocar outras áreas geográficas e culturais, desde o México e os Andes ao Sudeste Asiático, para o qual Bernard Lepetit justamente propôs observar, no livro de Denys Lombard, Le Carrefour javanais15, o último grande livro braudeliano, regressando do passado mais próximo ao mais longínquo, como sugeria Marc Bloch, analisando, tal como o arqueólogo, os estratos sucessivos acumulados ao longo do tempo, de maneira a reconciliar continuidades e rupturas. Em

14 15

BRAUDEL, Fernand. La Mediterranée..., 1966, I, p. 520. LOMBARD, Denys. Le Carrefour javanais. Paris: EHESS, 1990, 3 v.

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outro plano, a história das mentalidades, tal como se define a partir do início dos anos 1970, rompe aparentemente com as problemáticas de inspiração braudeliana, que, por muito tempo, privilegiaram a economia e os determinismos da vida material, e desloca sua atenção para outras direções. Mas ela não apenas retoma, à sua maneira, o próprio conceito de longa duração, como afirma constituir o campo de aplicação privilegiado dele, afirmando que são as mentalidades que evoluem o mais lentamente, que elas têm dificuldade em interiorizar a mudança, estão sempre atrasadas em relação ao real e ao presente e fornecem, portanto, a chave de uma duração mais longa, que é aquela, ao mesmo tempo herdada e incessantemente re-atualizada, das maneiras de pensar, de decidir e de viver dos homens. Outras pistas poderiam ser seguidas para mostrar, por exemplo, como duas concepções da longa duração, a dos antropólogos e a dos historiadores, puderam coexistir e interagir: basta pensar neste ponto de oposição entre o Mediterrâneo dos historiadores e o dos antropólogos16. Uma dezena de anos depois do livro de Braudel, que orientará durante várias décadas a maioria das pesquisas dos historiadores, os programas do “Mediterrâneo dos antropólogos” são definidos a partir do final dos anos 1950 em torno do estudo da Europa do Sul, vista e analisada como encarnando “a outra Europa”, testemunha do “passado que perdemos” ou que estamos perdendo, e não mais a da primeira modernidade de uma Europa em expansão. Mas muitos dos participantes deste novo empreendimento tendem a esquecer que estas maneiras de pensar e de viver e esta organização cultural do social são em grande parte construções recentes, cujas etapas de criação a história pode precisamente reconstituir, sobre o duplo fundo da continuidade de comportamentos atestados pelo passado e da clivagem que se constituiu entre a Europa do norte e do nordeste e a Europa do sul e do sudeste – a primeira tendo desempenhado um papel ativo, e mesmo decisivo, na construção da imagem da segunda. Para a América pré-colombiana e, depois, colonial, a “etnohistória” de John Murra, introduzida na Europa por Ruggiero Romano e, em 16

Cf. ALBERA, D.; BLOK, A.; BROMBERGER, C. (Org.). L’anthropologie de la Méditerranée. Anthropology of the Mediterranean. Paris: Maisonneuve & Larose; Maison Méditerranéenne des Sciences de l’Homme, 2001; ALBERA, D.; TOZY, M. (Org). La Méditerranée des anthropologues. Paris: Maisonneuve & Larose; Maison Méditerranéenne des Sciences de l’Homme, 2005.

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seguida, por Nathan Watchel (que coordenou com o mesmo John Murra o número especial dos Annales intitulado “Antropologia histórica das sociedades andinas”)17, se constituiria em outro exemplo de síntese, desta feita infinitamente mais convincente e melhor acabada, entre os aportes da etnologia e da história. Em um nível mais profundo, poder-se-ia perguntar se a conversão iniciada, a partir de meados dos anos 1970, por muitos antropólogos, especialmente africanistas, em direção a temas europeus, não contribuiu para a modificação, de maneira ainda mais significativa, das próprias condições do diálogo, criando novos campos de cooperação e de mútua fecundação entre antropologia e história. Basta pensar no impacto dos trabalhos de um Jack Godoy sobre a história longa da alfabetização e da família: os historiadores encontraram nele a chave das inflexões fundamentais que podiam lhes ajudar a identificar as rupturas que recortam a longa duração em sequências sucessivas e os descompassos cronológicos entre regiões e meios sociais diferentes. “Lenta a passar e a se transformar”, a longa duração não passa em todo lugar no mesmo ritmo e não toma sempre os mesmos caminhos. Onde estamos hoje? A referência à longa duração ficou para trás, aceitada como uma evidência, mencionada como referência obrigatória, mas doravante privada de toda eficácia real, ao menos para uma história, na Europa ocidental, cada vez mais atraída pelo presente e preocupada pela explicitação de seus procedimentos narrativos? Deixarei de lado todos os falsos problemas, essencialmente imputáveis a uma leitura superficial dos textos de Braudel, no entanto muito nuançados, a este respeito. Bastará lembrar uma vez por todas que a longa duração não se define, ou, em todo caso, não apenas, por um número de séculos ou de milênios, mas pela duração da vida do objeto histórico estudado, que fixa, caso a caso, a escala temporal – e, com frequência, também, espacial – da análise. E que ela também não é o passado, mas aquilo que, no passado, “explica o presente” e, portanto, em particular a presença do passado no presente, mantida viva e ativa pelas decisões, os gestos, as maneiras de viver, de pensar e de reagir dos indivíduos concretos. Procurando traços da longa duração no século XVI, Braudel não procedeu de maneira diferente: seu arquivo, cuja digitalização está começando no

17

MURRA, John; WATCHEL, Nathan (Org.). “Anthropologie historique des sociétés andines”, número especial de Annales E.S.C., XXXIII, 5-6, 1978.

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marco de um programa sobre a gênese dos textos literários, é uma sequência de anotações de pequenos fatos repetidos, observações de época. Ele se servirá deles para reconstituir as regularidades, cujos traços se mantiveram vivos até os nossos dias, mas cujas origens se encontram bem distantes no passado. A longa duração é, de fato, tecida de eventos menores e singulares. Esta conduta não tem nada de impressionista: ela explica e justifica a fórmula “dix fois pour une”*****, frequentemente retomada por ele. Ela lhe permite uma dupla atualização do Mediterrâneo: no presente de hoje, para nós seus leitores, em relação ao longo século XVI do qual nos fala e no qual quer nos fazer entrar, mas também no presente do século XVI, em relação aos seus múltiplos passados que recuam longe no tempo, do que os atores da época possuíam consciência mais ou menos clara. A questão central me parece, de fato, outra. Ela diz respeito menos à própria longa duração do que a seus mecanismos de funcionamento, que são aqueles da repetição, pelos indivíduos, mas também pelos grupos e as instituições, de gestos, de comportamentos, de maneiras de pensar e de decisões que tendem a se distanciar pouco da regra e, portanto, a confirmá-la, admitindo-se que, ao interpretá-la, pode-se desviála à margem. A dupla referência de Fernand Braudel à geografia e à etnologia o conduziu a destacar, no Mediterrâneo, de um lado, as escolhas efetuadas ao longo de milênios pelas sociedades que construíram e humanizaram o espaço mediterrâneo, e que, em seguida, funcionam como constrangimentos ou predeterminações para as decisões daquelas que as sucederam, e, de outro, as tradições transmitidas de geração em geração pelos próprios atores, particularmente no marco da família. Para explicar a transmissão da tradição nas sociedades rurais, Marc Bloch já havia sublinhado que a educação das crianças era, com frequência, atribuída aos avós, que lhes asseguravam os cuidados enquanto os pais trabalhavam nos campos. Braudel, de sua parte, havia colocado o último capítulo de sua primeira parte, “A unidade humana”, sob o signo dos caminhos e das cidades, ou seja, de ordenamento durável do espaço concebido como espaço de circulação e de trocas.

***** Expressão que poderia ser traduzida, literalmente, por “dez vezes por uma”, e que indica algo frequente, repetido, evidente (N. do T.).

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A primeira pista, aquela dos constrangimentos, esboçada já no artigo de 1958, foi ulteriormente formalizada por ele, como havíamos mencionado, em 1967 (em Civilisation matérielle), sob o nome de “prisões de longa duração”. Estas se identificam com as escolhas, efetuadas pelas sociedades em um momento muito remoto de seu passado, a respeito dos cereais aos quais irão recorrer para assegurar a maior parte de sua alimentação: escolhas ao mesmo tempo técnicas, econômicas, culturais e sociais, que se revelarão constrangedoras e irreversíveis e fixam para as sociedades o campo dos possíveis. Esta mesma pista foi retomada em meados dos anos 1980 pelos economistas, com o artigo de Paul David sobre o teclado da máquina de escrever18, sob o nome de dependência temporal. A expressão lhes serve para designar as escolhas técnicas, mas também institucionais e sociais, cuja duração propõem explicar – apesar de sua irracionalidade em certos casos intrínseca – pela racionalidade dos custos de transação, que desencorajam os investimentos necessários para questioná-las. A explicação é tentadora, mas nenhuma verificação experimental foi feita, nem qualquer contabilização precisa, quando seria simples fazê-lo – assim, por exemplo, a propósito da Suécia, quando aderiu à condução dos automóveis pela mão direita, ou da Grã-Bretanha, quando renunciou, para sua moeda, ao velho sistema carolíngio “libra-soldo-dinheiro” e adotou o sistema decimal. No entanto, estes dois casos teriam permitido colocar em números, de forma bastante precisa, estes “custos de transação”, frequentemente invocados como explicação final mas raramente calculados. Os historiadores da alimentação, ao contrário, estudaram bastante como os europeus conseguiram, no século XX, ao cabo de uma série de mudanças e progressos agronômicos e comerciais que haviam começado em meados do século XVIII, superar os embaraços de um regime alimentar no qual o trigo tinha de assegurar a maioria das calorias e das proteínas, e passaram progressivamente a um regime no qual a maioria das proteínas é garantida pela carne e pelos laticínios, e a maioria das calorias pelas gorduras e açúcares rápidos. E eles seguem de perto as transformações em curso na alimentação dos países industrializados e 18

DAVID, Paul. “Clio and the Economics of QWERTY”. American Economic Review. Papers and Proceedings, LXXV, p. 332-337, 1985; “Understanding the Economics of QWERTY: The Necessity of History”. In: Economic History and the Modern Economist. Organizado por W. N. Parker. London: Basil Blackwell, 1986, p. 30-49.

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urbanizados, com forte redução de aportes calóricos sugeridos (as 1.800 a 2.000 calorias cotidianas, que há meio século representavam a fronteira da subalimentação, são hoje propostas como o ideal para nossas populações adultas sedentárias, dispensadas de todo de qualquer esforço físico em seu trabalho), a diminuição das gorduras, dos açúcares e das proteínas animais, os progressos dos legumes e das frutas, o privilégio dado às vitaminas, aos elementos minerais, ou a estes recém-chegados ao poder, um pouco misteriosos (mas cujo impacto publicitário é forte), que são os ômega 3, 5 e outros... As duas pistas (a dos constrangimentos e a da tradição) se encontram reunidas em Braudel com base em sua definição do conceito de “civilização”. A seus olhos, todas as civilizações se inscrevem em um espaço e em uma duração infinitamente mais longa que aquela do político ou mesmo da religião. Mas ele toma o cuida de precisar que estas se definem ao mesmo tempo por aquilo que dão aos outros, pelo que lhes tomam emprestado (daí uma margem de inovação no cerne da longa duração), mas também pelo que recusam, para afirmar a sua reserva e sua diferença. Esta prudência, justificada pela experiência do passado, foi, com frequência, esquecida, em todos os debates posteriores ao 11 de setembro, por todos os discípulos de Huntington atraídos pela ideia de uma guerra inevitável entre civilizações concebidas como conjuntos petrificados e incapazes de se comunicar entre si e, ainda mais, identificadas principalmente com sua dimensão apenas religiosa. A segunda pista, a da tradição, viu-se recentemente submetida a uma dupla crítica. A primeira, de Eric Hobsbawm e de Terence Ranger, sobre a invenção da tradição19, opõe os mecanismos de construção “ativa” da tradição à visão, excessivamente simples, de uma pura transmissão passiva, e faz destas tradições construídas objetos de história, datáveis no tempo, situáveis no espaço, atribuíveis a atores sociais e institucionais identificáveis, reinterpretados mais ou menos livremente pelas sucessivas gerações em função de suas necessidades do momento. Isto as leva do estatuto de “descrições objetivas”, que os especialistas das “ tradições populares” tinham se dado por objetivo registrar, para protegê-las do esquecimento e compreender, por dentro, as sociedades que as viviam no presente, ao estatuto de “representações”, que devem en19

HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, T. (Coord.). The Invention of Tradition. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

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contrar seu lugar numa história social da cultura e numa história cultural da sociedade. A segunda crítica se encontra no pano de fundo das posições dos antropólogos que, à imagem de Marshall Sahlins, sugerem substituir a fórmula “quanto mais isso muda, mais permanece a mesma coisa” (o tempo imóvel) pela formulação inversa: “quanto mais isso é a mesma coisa, mais isso muda”, que nos aproxima do tempo quase imóvel, que passa lentamente, mas compreendendo sempre uma parte de mudança que Fernand Braudel propusera. Mas ela acrescenta aí o fato de que a inovação, por forçar as portas do conservadorismo das sociedades, tem a necessidade de se esconder atrás do respeito da tradição. A forma pela qual o passado contribui para modelar o presente constitui, pois, uma questão mais viva e atual que nunca no campo das ciências sociais. Esta é uma questão cuja resposta deve ser buscada, ao mesmo tempo, do lado do passado – as “mensagens” que ele nos transmitiu, os caminhos que nos preparou, mas também o que aprendemos a conhecer, o que buscamos saber e o que escolhemos reter sobre ele, pois a memória é tecida de esquecimentos e de redescobertas –, e do presente – a forma pela qual as sociedades, de forma consciente ou não, explícita ou não, reinterpretam esse passado e o “atualizam”, e os mecanismos de sua incorporação, aceitação e apropriação, geração após geração, que Bourdieu havia colocado no cerne de suas análises do habitus, e que ditam as astúcias que permitem, a cada vez, ao morto apoderar-se do vivo. Mesmo que o interesse dos pesquisadores tenha se deslocado das obrigações materiais em direção aos modelos culturais, a ambição segue a mesma. Mas essa questão, que diz respeito ao próprio funcionamento da longa duração, não deve deixar que seus outros usos sejam esquecidos: primeiramente, aquele que consiste, para estudar um objeto histórico, qualquer que seja, em tomá-lo na totalidade de sua mais longa duração, para estabelecer seus limites e identificar suas principais rupturas ou inflexões, sinalizar uma periodização e definir, justificando-os em seguida, o momento e o lugar nos quais concentra a observação e a análise. A história do livro será, pois, para tomar apenas um exemplo, uma história de cinco séculos e meio, se a relacionamos àquela da imprensa e se admitimos que os meios digitais, sem que nela tenham posto um ponto final, representam um momento de inflexão fundamental. Isso porque eles vêm pôr em questão o monopólio do livro, como forma de referência de comunicação e de circulação do texto escrito, de maneira ainda

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mais eficaz, posto que passaram a controlar, na origem, a própria composição do texto até a camera ready copy. Mas a história do livro é uma história de um milênio ou mais, se identificamos seu nascimento com aquele da passagem do volumen ao codex, que modifica profundamente os modos de apresentação e, mais ainda, de leitura do texto. E será uma história mais longa ainda, da ordem de três milênios ou mais, se a identificamos com aquela dos próprios textos literários, de sua fixação, de sua transmissão pelo escrito, de sua “publicação”, de sua conservação nas bibliotecas públicas ou privadas: tal será também o tempo das religiões do livro. E este recorte, em durações de tamanho diferentes, poderá ser ainda clareado e tornado mais complexo se ampliamos a história do livro àquela da leitura, igualmente rica de ensinamentos. A longa duração não é una, mas plural, segundo o objeto estudado e as questões que lhe são postas. Todos estes usos e estas representações da longa duração como repetição não idêntica, mas quase idêntica, fazem parte hoje da bagagem comum das ciências sociais, aí incluída a história. As críticas formuladas em 1951 por Bernard Baylin, ou, em 1968, por Stuart Hugues20, nas quais ambos denunciavam a ausência de qualquer ligação entre as três temporalidades do Mediterrâneo, não são mais citadas senão como testemunhos do efeito surpresa provocado pelo livro à época e da incompreensão gerada em alguns, mal-estar diante deste questionamento de seus hábitos e certezas. Como Anthony Molho observou corretamente, o que estes historiadores, vinculados apenas à representação linear de um tempo que passa no mesmo ritmo, recusavam era precisamente essa pluralidade dos tempos que Braudel procurava distinguir para pôr em evidência suas múltiplas interações21. Mas é preciso também levar em conta tudo o que mudou ao longo destes últimos 50 anos, tanto no conteúdo e nos métodos das ciências sociais quanto na relação que têm ou buscam ter com as ciências exatas: os próprios termos com os quais Braudel pôde formular estas duas questões, e que constituem o cerne de seu artigo de 1958, foram sensivelmente re-orientados. E a tarefa que

BAYLIN, B. “Braudel’s Geohistory – A Reconsideration”. Journal of Economic History, XI, 3-1, p. 277-282, 1951; STUART HUGHES, H. The Obstructed Path: French Social Thought in the Years of Desperation, 1930-1960. New York: Harper & Row, 1967. 21 MOLHO, Anthony. “Like Ships Passing in the Dark: Reflections on the Reception of La Méditerranée in the U.S. Review, XXIV, 1, p. 139-162: 155-157, 2001. 20

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nos cabe é levar isso em conta, para pormos em dia as respostas que, hoje, poderíamos oferecer. As ciências sociais, incluindo a história, viveram duas transformações fundamentais, aparentemente contraditórias e, de fato, complementares. A primeira foi aquela da ampliação em direção às origens do tempo histórico. A história não começa mais com a Suméria. Com efeito, a revolução científica da arqueologia aboliu a fronteira da invenção da escrita que servia para distinguir a história da pré-história e aquela, frequentemente associada à anterior, da oposição entre “sociedades frias” e “sociedades quentes”: ela aproximou os antropólogos, os arqueólogos e os historiadores, quer trabalhassem sobre a Europa, quer sobre as outras grandes áreas geográficas e culturais do mundo, e mobilizou muitos técnicos de análise, de medida, de modelização e de informatização emprestados das ciências exatas. A comparação das Memórias do Mediterrâneo, de Fernand Braudel (redigido em 1968-69), com o La mer partagée, de Jean Guilaine (1994)22, permite medir o caminho percorrido em duas décadas e aclara uma perspectiva na qual se inscreve o Sabbat des sorcières, de Carlo Ginzburg23. Deste ponto de vista, a “revolução neolítica”, iniciada cerca de 12 mil anos antes de nossa era, em diferentes regiões de nosso planeta (o Oriente Próximo, o México e os Andes, a China, a Nova Guiné), fixa hoje a unidade de análise comum aos historiadores, aos arqueólogos e aos antropólogos. Mas como nenhuma revolução faz, nunca, tábua rasa do que a precedeu, ela coloca o problema das continuidades – mais ou menos subterrâneas – com as etapas anteriores do controle dos recursos da natureza, que estavam na base da organização das sociedades de caçadores-coletores que não desapareceram na noite para o dia.24 A segunda foi aquela do lugar atribuído aos atores individuais e às relações que eles tecem entre si nas decisões tomadas no cotidiano, e que o pesquisador, com distanciamento, lê como ditadas pela necessidade, mas que foram então vividas como escolhas mais ou menos conscientes e racionais entre diferentes soluções possíveis. GUILAINE, Jean La mer partagée: la Méditerranée avant l’écriture, 7000-2000 av. J.-C. Paris: Hachette, 1994. 23 GINZBURG, Carlo. Storia notturna: Una decifrazione del sabba. Turin: Einaudi, 1989. 24 Cf. “Nouveaux regards sur la révolution néolithique”, entrevista com Jean-Paul Demoule e Jean Guilaine, Le Monde, 28-29 de setembro de 2008. 22

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Esta dupla transformação explica a situação atual das ciências sociais, na qual duas posições principais tendem a se opor. De um lado, com efeito, encontramos todos aqueles que colocam, no centro de suas análises e de suas explicações, os mecanismos (educação e aprendizagens diversas, representações sociais, obrigações aceitas e, mesmo, reivindicadas, etc.) que levam os indivíduos a fazer voluntariamente “a escolha do necessário” e a retomar, por sua conta, a herança do passado. Em compensação, de outro encontramos todos aqueles que, desconfiados em relação a qualquer forma de determinismo (quer reivindiquem ou não sua filiação ao individualismo metodológico), privilegiam a racionalidade das decisões dos atores e se contentam em explicar os limites destas decisões em razão dos limites da informação de que eles dispunham no momento em que as tomaram. Uma das formas de superar estas oposições seria, sem dúvida, seguir as pistas que as ciências exatas definiram e traçaram para suas próprias necessidades e que ainda hoje encontram, com algumas exceções, apenas um eco limitado nas ciências sociais: elas merecem hoje ser sistematicamente exploradas. Assim, por exemplo, aquelas que nos foram oferecidas ao longo dessas últimas décadas, as análises da disseminação, da bifurcação e do caos, da complexidade ou, ainda, a análise estocástica. Com efeito, elas abrem o caminho a outras leituras e a outras interpretações da longa duração, que possuem em comum o fato de aí introduzir a própria ideia de ruptura e de mudança, e de orientar as ciências sociais em direção às representações não lineares do tempo e, ao mesmo tempo, às análises das sociedades em termos de sistemas dinâmicos. As perspectivas que elas nos propõem, em mais de um ponto, são radicalmente diferentes daquelas que guiaram a concepção e a redação do artigo de 1958. Mas têm o mérito de nos oferecer outras soluções possíveis às questões nele colocadas. A estas, Braudel propôs uma primeira série de respostas cujos limites, apesar de sua fecundidade e impacto na pesquisa ulterior, hoje percebemos melhor. Contudo, uma coisa é certa: na medida em que convidam a questionar as certezas que ele à época partilhava com os especialistas, e que são ainda aquelas de muitos dentre nós, elas teriam certamente fascinado Fernand Braudel.

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Comparação e análise histórica Reflexões a partir de uma experiência de pesquisa* Rosa Congost** Antes de tudo, quero agradecer aos organizadores deste Encontro e, em particular, aos meus amigos Andrea Reguera e Flavio Heinz, que me convidaram para participar e me deram a honra, não merecida, de fazer esta conferência de encerramento. A oportunidade de me dirigir a um conjunto de pesquisadores que trabalham em áreas muito distintas e muito distante das minhas tem sido sempre especialmente estimulante para mim. Este estímulo, que experimentei de forma inesperada, quase espontânea, em minha primeira visita a Tandil há 15 anos e que, desde então, aconselho a todos os historiadores, constitui, penso, uma manifestação da força e das vantagens da comparação na história. Esta é a ideia que quero compartilhar hoje com vocês e que justifica o tom pessoal de minha exposição, pelo qual espero que me desculpem. Se há alguns meses aceitei, com muito gosto, o convite para participar deste II Encontro Marc Bloch, não foi apenas pela amizade que me une aos organizadores, ou pela admiração que sinto pela obra dos fundadores dos Annales, mas porque compartilho, ou creio compartilhar, com uns e outros a necessidade de reivindicar a perspectiva comparada nos estudos históricos. Confesso que a expressão “história comparada” me desperta dois tipos de reações. A primeira é de relativa comodidade. Sinto-me cômoda com o qualificativo de “história comparada”. Satisfaz-me e me lison-

* Texto apresentado à sessão de encerramento do II Encontro da Rede Marc Bloch de Estudos Comparados de História – Europa/ América Latina, na PUCRS, em Porto Alegre, no dia 24/10/2008. Tradução de Mariana Flores da Cunha Thompson Flores. ** Universidade de Girona, Espanha.

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jeia que alguém diga que meus trabalhos e minhas pesquisas são exercícios de história comparada. Contudo, a segunda reação é de certo desconcerto. Porque estes trabalhos e essas pesquisas não foram concebidos com o objetivo de fazer “história comparada”. Em todo caso, não com esse objetivo como meta principal. Quero dizer que nunca, no momento de escolher ou elaborar um projeto de pesquisa, pensei: vou fazer um projeto de história comparada. Talvez porque essa “grande dama”, como chamava Febvre, inspirame ainda muito respeito... No entanto, não creio que esta seja a principal razão... Por que, então, para alguns, pertenço ao grupo de historiadores que realizam história comparada? Por que, como acabo de dizer, eu mesma me identifico com este rótulo e, portanto, situo-me neste grupo? Talvez porque cite bibliografia de outros países? Talvez porque tenda a fazer referência a espaços e tempos distintos daqueles que constituem o objeto de meu estudo? Se é assim, no meu caso, nem uma coisa nem outra constituem um mérito. O fato é que não sei fazê-lo de outra forma. Não saberia, não sei definir o espaço e o tempo do meu objeto de estudo sem fazer referências a outros espaços e outros tempos. Se chamamos a essa necessidade método comparativo, enfoque comparativo, então quase sim, posso afirmar que eu pratico este método, ou tento praticá-lo. Mais ainda, posso afirmar que não concebo outra maneira de praticar a análise histórica. E, seguramente, a chave se encontra nessa palavra, na palavra “análise”. Esta exposição teria sido bem diferente se tivesse decidido intitulá-la “Comparação e síntese histórica” ou “Comparação e narração histórica”. O método comparativo para mim tem significado na medida em que me ajuda a cumprir um objetivo que, a primeira vista, poderia parecer diametralmente oposto à história comparada: o objetivo de saber situar corretamente, precisamente, finamente, cada problema estudado, cada realidade histórica, em suas justas coordenadas de espaço e tempo. Interiorizada desta forma, a perspectiva da história comparada é para mim, e para muitos, a única forma possível de escrever a história, entendida como uma forma de colocar “problemas históricos”, de escrever “história fundamentada” ou de “pensar historicamente”. Creio que também era assim para Marc Bloch, Lucien Febvre, Ernest Labrousse, Pierre Villar... E me apresso em dizer que é muito mais meritório nestes casos do que no meu. As características de nossos Encontros de história comparada me fazem intuir que meu modo de pensar é compartilhado por muitos de vocês. 45

Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa / Rosa Congost

O interesse pela história comparada nos uniu, mas a maioria dos trabalhos que temos apresentado tem falado de uma realidade concreta. Escutandonos uns aos outros, debatendo, temos aprendido muitas coisas novas sobre realidades diferentes, mas só teremos feito justiça ao título deste Encontro se tivermos interiorizado, um pouco mais, a necessidade de comparar realidades para analisar melhor a realidade que estamos investigando. De fato faz muitos anos que isto ocorre. Quer dizer, faz muito anos que os historiadores descobriram as vantagens de lerem uns aos outros. Mas nunca é demais nos lembrarmos disto. Outros haverão de julgar os resultados, mas penso que aqui reside a autêntica potencialidade do método comparativo, aquela que atraía a Marc Bloch. Não basta incluir na bibliografia uma lista de referências estrangeiras. Não basta mostrar conhecimento erudito de outras sociedades. Tampouco basta, nem é necessário, tornar explícita no título de um livro, por exemplo, ou de um colóquio, ou de uma conferência, a intenção de comparar realidades históricas de espaços e tempos distintos... Com esta introdução quis enfatizar que a história comparada, ou ao menos um tipo de historia comparada, é, para alguns de nós, uma consequência, um resultado, um reflexo de uma atitude diante da pesquisa histórica, de um hábito, de uma forma de pensar, que alguns historiadores da minha geração aprenderam de seus professores e que consiste, basicamente, no fato de ter muito presente, quando pesquisamos, quando estudamos uma realidade, outros estudos, outras realidades... Para quê? Com que objetivo? A resposta é fácil: para analisar e compreender melhor a realidade que estamos pesquisando. E é a partir daqui que o argumento se complica. De que tipo de realidade estamos falando? A resposta agora tem que ser forçosamente geral e, aparentemente, ambígua: “depende”. Mas este “depende” não é banal. Dizer que existem muitas realidades históricas dignas de ser estudadas, além de dizer algo óbvio, é sugerir que há muitas maneiras possíveis de utilizar a comparação na história, muitas escalas de história comparada, para dizê-lo com a expressão que dá título a este colóquio, e que todas elas podem ser igualmente válidas e legítimas. Fiquei tentada, sobretudo depois de relê-los, a preparar esta intervenção a partir de dois célebres artigos de Marc Bloch, datados de 1928 e 1930, sobre o tema, tão atuais me pareceram. Desisti de fazê-lo porque Maurice Aymard havia realizado um exercício semelhante no Encontro anterior. Por essa razão, minha reflexão tenderá a estabelecer um diálo46

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go, uma continuidade com aquelas reflexões de Maurice Aymard sobre “a história comparada hoje”. Na sua exposição, Aymard relembrava que a necessidade de um programa de história comparada havia sido defendida muito antes de Bloch, em fins da década de 1870, e, portanto, também a reivindicação de uma história científica e a reivindicação de um método histórico. Maurice Aymard termina seu artigo perguntando-se a respeito do caminho seguido pela história comparada depois de Marc Bloch. E comenta aquelas mudanças que considera mais relevantes nas últimas décadas: entre outras, certa perda de peso da História no conjunto das ciências sociais e, também, certa perda de peso da Europa no cenário mundial. No texto referido, Aymard constatava certo esgotamento dos modelos e das estratégias de pesquisa que haviam dominado até os anos 80 do século XX. Por isso, dizia, faz-se necessário “inventar novos objetos de estudo, escolher novos ângulos de observação e revisar criticamente os objetos anteriormente selecionados”. Estou convencida de que apenas a perspectiva da história comparada pode nos ajudar nesta tarefa. Também estou convencida de que é uma tarefa que não pode ser realizada por um historiador de forma individual. Apenas o diálogo entre diferentes pesquisadores e a existência de equipes de trabalho – locais, nacionais e internacionais – podem ajudar a vencer “o perigo maior” da tarefa que temos nas mãos: “a incapacidade dos pesquisadores de se alimentarem de conhecimentos necessários para desenvolver a comparação na escala mundial: conhecimentos linguísticos, bibliográficos e historiográficos, e conhecimentos de diferentes campos”. Na opinião de Aymard, a necessidade de superar o eurocentrismo inicial, que marcou o nascimento e a afirmação da História, tem um resultado historiográfico: a ideia de uma história mundo: “Quer dizer, dar lugar a outras disciplinas diferentes da História, que tem privilegiado o estudo de sociedades extraeuropeias, e criar as condições de uma verdadeira cooperação entre historiadores e especialistas de outras disciplinas”. Estou de acordo com Maurice Aymard na reivindicação de um espaço mais amplo para a história comparada, “para colocá-la a serviço de uma história do mundo, que Bloch não poderia ter intuído”. A condição, claro está, é não confundir história comparada com história mundial, nem tampouco com história internacional, porque, frequentemente, por trás desses rótulos se escondem simples trabalhos de síntese histórica que, na melhor das hipóteses, servem para pôr em evidência a falta de pes47

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quisas históricas. E sob a condição de saber adotar, na análise histórica do problema estudado, a perspectiva que permita estudá-lo em uma escala adequada. Por exemplo, nos muitos estudos interessados na construção histórica de determinados fenômenos – tais como os direitos de propriedade, ou os diversos mercados – a comparação entre Estados e a perspectiva a longo prazo podem nos ajudar a formular determinadas hipóteses de trabalho, embora sua comprovação empírica vá requerer, na maioria das vezes, uma escala mais humana: no espaço, a escala local ou regional; e no tempo, a escala do “curto e médio prazo”. Disse antes que minha geração deve muito a seus professores. Durante os anos de minha formação como estudante de História, nos anos 70, havia certo consenso, entre os historiadores, que nos familiarizou com o enfoque comparativo. A maioria dos historiadores, marxistas ou não, considerava que em toda a Europa haviam dominado, na época medieval, sociedades que podiam ser consideradas feudais e, na época moderna, sociedades que estavam experimentando a transição do feudalismo ao capitalismo. Estas referências ofereciam um marco teórico compartilhado por todas as áreas europeias, e inclusive pelas não europeias, o que, sem dúvida, facilitava a comparação entre as diferentes realidades. No entanto, o peso do referencial teórico era tão forte que muito frequentemente os historiadores não se envolviam em projetos reais de pesquisa empírica. Frequentemente se davam por supostos e predeterminados os problemas históricos de uma época determinada e também se davam por supostos e predeterminados os grupos sociais de um espaço. Também poderia parecer fora da discussão a identidade dos protagonistas da história, no sentido dos protagonistas da mudança histórica. As palavras “feudalismo” e “capitalismo” encerravam, para muitos, muitas vezes, estruturas fixas e relações sociais predefinidas, grupos sociais predefinidos e também um fio condutor da história. Estas circunstâncias condicionavam os estudos das dinâmicas e as relações sociais de cada sociedade, que, muitas vezes, adquiriam mais um tom descritivo de síntese que de análise. Mas a consciência dos perigos de abusar de modelos teóricos não pode ter como consequência a rejeição da elaboração rigorosa e científica do discurso histórico. Essa elaboração, que requer tanto o trabalho nos arquivos quanto a formulação de novas hipóteses de trabalho, revela-se mais necessária do que nunca. Os novos estudos de caso podem agora ser muito mais ricos que antes, porque agora estamos mais conscientes da necessidade de acompanhar a reflexão teórica com o trabalho 48

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de arquivo... e de que o uso de determinado vocabulário não pode servir para simplificar a realidade. Para essa “combinação fundamentada” – e razoável – da “prática teórica e da descrição concreta” o método comparativo se revela muito útil e necessário. Marc Bloch escreveu sobre a perspectiva da história comparada a partir de sua experiência de pesquisa. Explicou que graças ao método comparativo soube situar e interpretar, na história de algumas regiões da França, o processo de cercamento de campos, que alguns historiadores franceses haviam ignorado. Este simples episódio, sobre o qual Marc Bloch escreveu em várias ocasiões, permite-me destacar três aspectos do método comparativo que me parecem relevantes: 1) Com este comentário, Bloch situa um problema concreto, o da transformação da propriedade da terra, como um problema cuja análise requer a perspectiva da história comparada. 2) O episódio explicado por Marc Bloch também serve para detectar outro problema: o das distintas tradições historiográficas nos diferentes países. Na Inglaterra, em fins do século XIX, os historiadores já haviam concedido muita importância ao processo de cercamento de campos. Na França, por outro lado, o grande historiador Fustel de Coulanges havia negado que este processo houvesse ocorrido. Depois do comentário de Marc Bloch, portanto, percebemos a necessidade de dialogar com historiadores de outros países. 3) Por último, o breve comentário de Marc Bloch também nos faz notar que o historiador não pode viver de costas ao mundo presente. O diálogo do historiador com o presente quase sempre se reflete na formulação de perguntas que nos permitem aprofundar uma realidade histórica determinada ou colocar novos problemas históricos. O presente é o tempo que Fustel de Coulanges desconhece porque, conta-nos Marc Bloch: “Não é, em absoluto, faltar com sua grande memória recordar que ele não era daqueles para quem o mundo exterior existe intensamente. É algo certo que nunca deve ter olhado com muita atenção para as terras de trabalho que, de maneira singular, em todo o norte e o leste da França, sugerem imperiosamente a lembrança do open-field inglês. Sem afeição particular pela agronomia, as discussões sobre a abertura de campos que, no momento mesmo em que recebia a carta de Seebohm, tinha lugar nas Câmaras haviam-no deixado indiferente”. Essas três ideias ilustram as virtudes do método comparativo para a análise histórica. A citação de Marc Bloch se refere ao tema da proprie49

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dade da terra. Minha experiência de pesquisa também, o que facilita cruzar com suas reflexões. A importância da propriedade não é um tema novo entre os historiadores. Alguns podem pensar que é um tema esgotado porque já desempenhava um papel central nos modelos e nas estruturas dominantes na história dos anos 60. Mas se reconhecemos a importância do tema da propriedade na história das sociedades, e penso que é difícil não reconhecê-lo, o desafio que se impõe é outro: abordálo de modo novo. A este desafio dediquei a maior parte de minhas pesquisas, onde a perspectiva da história comparada, a mesma que colocou em evidência os limites do enfoque dos anos 60, revelou-se inteiramente necessária para mim. Minha experiência de pesquisa, meu trabalho empírico, tem se centrado sobretudo na documentação, localizada nos arquivos dos séculos XVIII e XIX de uma região concreta, a região de Girona, situada no nordeste catalão. Mas na interpretação desses documentos aprendi muito sobre dois tipos de comparação, no tempo e no espaço: a) no tempo, tem sido fundamental o diálogo com alguns medievalistas e modernistas que trabalham sobre a mesma área, assim como algumas notícias de exasperante atualidade, algumas sobre temas de sempre, como processos de ocupação ou reocupação de terras, outras sobre problemas novos, como os problemas derivados da insegurança jurídica dos novos direitos de propriedade intelectual; b) no espaço, tem sido fundamental o diálogo e o intercâmbio intelectual com os estudos históricos sobre sociedades europeias – e nos últimos anos são muito interessantes os processos de descoletivização vividos nos países da Europa oriental – e sobre sociedades não europeias. Entre estas últimas têm exercido papel determinante as latino-americanas, como tentarei explicar, mas não unicamente: é preciso estar muito atento às reformas iniciadas na China, por exemplo. Posso ilustrar esta forma de integrar a comparação na análise histórica a partir de algumas anedotas pessoais, que têm a ver com as sociedades latino-americanas. Na primeira vez que viajei para a Argentina, o “descobrimento” da importância da enfiteuse na legislação liberal argentina ajudou nas minhas reflexões a respeito da legislação sobre a propriedade na Espanha liberal. Lembro também quando fui convidada por Marta Bonaudo para fazer uma conferência em Rosário. Escolhi como tema de reflexão as leis sobre a respiga (respigueo) na França, Inglaterra e Espanha, porque me pareceu um bom marco para reivindicar a perspectiva da história comparada. Mas, durante o colóquio, soube que tal costu50

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me não era conhecido na Argentina. Sequer me havia passado pela cabeça essa possibilidade. As referências à respiga na Bíblia tinham me convencido de que se tratava de um direito “natural”. Mas, do ponto de vista da história comparada, também era bastante ilustrativa a não exportação deste costume pelos colonizadores espanhóis aos países americanos. A terceira experiência foi para mim a mais reveladora. Há algum tempo recebi a tarefa de realizar a resenha de um livro sobre o fim das propriedades coletivas em diversos países da Europa e América Latina. O título do livro é: Les proprietés collectives face aux attaques liberales, publicado em 2003. Esta tarefa me obrigou a estabelecer comparações entre os distintos processos descritos no livro. Lendo, aprendi muito sobre cada um dos processos vividos em cada país, mas também aprendi sobre a dificuldade de compará-los. Refiro-me, sobretudo, à comparação entre o ocorrido na Espanha e na América Latina. Aparentemente, a mais fácil. O vocabulário utilizado era o mesmo e as leis da metrópole, com as quais estava familiarizada, haviam condicionado durante séculos a gestão das comunidades indígenas. As leis liberais que os novos governos latinoamericanos independentes implementaram também se inspiraram claramente nas leis liberais do Estado espanhol. Mas não era possível comparar as florestas públicas espanholas e as comunidades indígenas dos países latino-americanos. Nos trabalhos referentes aos países da Europa Ocidental, os autores costumavam estimar que o conjunto dos direitos de propriedade coletivos, quando eram vigentes, constituía um complemento aos direitos derivados da propriedade individual. Nos países da América Latina, por outro lado, os pesquisadores concebiam a propriedade coletiva como a forma habitual de gerir os recursos de uma parte da sociedade, aquela correspondente à população índia, mas organizada pelos europeus, e a partir de uma linguagem própria da legislação castelhana, em comunidades indígenas. As propriedades coletivas que ali se contemplavam não tinham nada a ver com as espanholas. Por essa razão cheguei a me perguntar se tinha sentido comparar os processos de desaparecimento da propriedade coletiva em ambas as sociedades, de caracteres tão distintos. Mas, paralelamente a essa reflexão, fui reforçando algumas ideias para a análise histórica dos processos estudados. No livro, os autores, tanto europeus como latino-americanos, haviam dado, sobretudo, informações muito úteis e muito fáceis de comparar sobre normas e leis. Mas praticamente todos os trabalhos sugeriam que as diferentes normas puderam encobrir e permitir muitos processos de usur51

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pação de terras e direitos, sobre os quais não sabíamos nada. De meu ponto de vista, é na análise histórica de cada um destes processos que a perspectiva da história comparada pode se revelar muito útil. Penso que estamos todos de acordo de que a aparição da palavra internacional, e inclusive a aparição do adjetivo comparado, e mundial nos títulos de um colóquio não garantem a perspectiva da história comparada. Esta só é assegurada pela maneira de enfocar o o tema objeto de estudo do pesquisador. Por isso, quando Marc Bloch falava de história comparada, tendia a pôr exemplos retirados de suas próprias pesquisas. E sei que, enquanto me escutam, muitos de vocês estão confrontando suas experiências com as minhas. No meu caso, todas as comparações, em pequena e em grande escala, na escala temporal e na escala espacial, têm reforçado as mesmas ideias e as mesmas necessidades em torno da análise histórica, que queria compartilhar com vocês. Talvez possam notar que são três ideias que podem ser aplicadas tanto às minhas anedotas pessoais quanto às de Marc Bloch. São estas: 1) Em primeiro lugar, nem tudo é comparável. Os mesmos discursos, as mesmas palavras, inclusive leis com o mesmo conteúdo formal, podem se referir a realidades muito diferentes. 2) Que realidades históricas sejam comparáveis não depende dos historiadores, mas os historiadores devem estar conscientes de que muitas vezes os discursos historiográficos de cada país podem condicionar a “comparabilidade” de forma negativa: sugerindo que duas realidades são muito mais comparáveis do que o são na realidade, ou o inverso, tornando invisíveis elementos comparáveis. 3) Em terceiro lugar, e como consequência do exposto anteriormente, algumas realidades dificilmente podem ser “descobertas”, “apreendidas”, sem a perspectiva da história comparada. Não se trata apenas de assumir que nos encontramos diante de realidades diferentes – isso já sabíamos antes de empreender o estudo de cada realidade –, mas de aprender a interpretar cada uma delas. O triunfo de determinadas ideias sobre a propriedade, para recuperar nosso exemplo, pode ter evitado, por exemplo, a necessidade de estudar determinadas práticas sociais que não se encaixavam no modelo finalmente triunfante. Este último “vazio” convida a refletir sobre um aspecto que encontramos presente em muitas pesquisas de história social: o possível desajuste entre o conteúdo das normas, das leis, e as práticas reais. Dedicarei a 52

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última parte dessa fala para mostrar, através de duas noções tomadas de países diferentes do meu, a influência que a visão comparada tem exercido em minha forma de enfrentar, na análise histórica, esse possível desajuste. Ambas as expressões têm sido úteis em minhas reflexões sobre a realidade catalã, que é a realidade objeto de meu estudo: uma das expressões é francesa: mauvais gré. A outra, que descobri pouco antes de ser convidada para este evento, é, justamente, brasileira: grilagem. Tentarei demonstrar de que forma estas expressões podem nos ajudar a compreender diferentes realidades históricas. Proponho esta reflexão como exemplo de algo que para Marc Bloch se achava na base de sua reivindicação da perspectiva da história comparada. Escutemo-lo: “Certos fenômenos, por razões de ordem estritamente documental, ou em função de uma relevância muito grande de alguns de seus efeitos imediatos, são, em uma sociedade dada, extremamente visíveis; em outros meios – parecidos ou muito distanciados – fenômenos de características semelhantes, sem talvez ter sido menos decisivos, puderam ter uma ação mais surda e um curso menos visível. A comparação incita a descobri-los.”

Começarei pela prática do mauvais gré. Por que me interessei por essa prática? Quero começar explicando como a descobri. Foi na tese doutoral de Pierre Villar sobre a Catalunha. Pierre Villar analisa textos das Cortes catalãs do século XV, que se referem a ameaças e violências dos camponeses servos contra os senhores e propõe interpretá-los como uma manifestação do tipo mauvais gré. Pierre Villar conhecia os trabalhos de George Lefebvre e, concretamente, sua tese sobre Les paysan du Nord pendant la Revolution Française. Neste trabalho Lefebvre falava das práticas de mauvais gré nestas zonas da França, durante o século XVIII, embora se soubesse que existiam desde a Idade Média. As práticas do mauvais gré consistiam em uma resistência individual, mas também coletiva, dos arrendatários despojados pelos proprietários. A sobrevivência dessa prática durante o século XIX, apesar do código penal francês, está refletida brilhantemente nas páginas de Balzac. No século XX, alguns juristas ainda escreveram sobre a vigência deste modo de atuar. De fato, o mauvais gré pode se aplicar a diferentes épocas e diferentes países. O romance do escritor valenciano Vicente Blasco Ibañez La barraca é inspirado em um caso flagrante de mauvais gré. O filme El prado de Sheridan também. As reflexões de E. P. Thompson sobre “economia moral”, ou as de James C. Scott sobre as armas de resistência dos fracos, também oferecem muitos pontos de comparação.

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Mas ainda era necessário dar outro passo. As práticas de mauvais gré podiam ser utilizadas por pessoas ricas, poderosas? De fato, os conflitos de interesses que as práticas de mauvais gré revelam podem ser interpretados como um conjunto de ações e reações em torno de uma lei, que não constituem necessariamente formas de resistência das classes dominadas às classes dominantes. Reforcei essa ideia ao analisar o desaparecimento dos bens comunais na Catalunha durante o século XVIII. Muitos proprietários catalães, não precisamente pobres, protagonizaram uma apropriação arbitrária de terras comunais. Antes que as leis liberais as protegessem, essas atitudes arbitrárias de homens ricos, ou de homens que enriqueciam tornando-se proprietários, também se baseavam em um desafio às leis, também eram uma espécie de mauvais gré. A visão da propriedade como algo que ia se construindo adiante das leis, revelada pelo caso catalão, ganhou peso comparativo com a utilização de uma referência, coletada por Marc Bloch no Berry de 1786, à “grande obra da propriedade”, e uma expressão tomada de empréstimo de Karl Marx, a dos “proprietários práticos”, para explicar o conteúdo do conjunto de leis e códigos liberais que, desde meados do século XIX, protegeram os direitos de propriedades particulares. Nos últimos anos, alguns problemas da atualidade são os que mais têm me convencido da necessidade de mudar a forma tradicional de analisar historicamente os direitos de propriedade. Uns, aos quais já me referi em outras ocasiões, são os problemas relacionados com os direitos de propriedade intelectual e com as novas piratarias. Mas os outros problemas atuais que mais me chamam a atenção têm a ver com os processos de ocupação de terras na América Latina. Compreendam que eu acabe fazendo referência a eles. As leituras de jornais sobre acontecimentos na América Latina me ajudaram a observar de modo mais completo e mais definitivo, e, em todo caso, mais humano, as características inerentes à “obra da propriedade”... Além disso, encontrei uma palavra no Brasil, “a” palavra, para definir as práticas dos homens ricos para burlar os códigos, quer dizer, para realizar um mauvais gré ao inverso: a “grilagem”. Um método para dar aos documentos, e aos supostos títulos de propriedade, a aparência de antiguidade. Quando conheci a existência deste método e desta palavra, quando soube que existia O Livro Branco da Grilagem de Terra no Brasil, editado pelo Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário, em 2000, consegui compreender melhor e ver com mais clareza algo que até aquele momento apenas havia vislum54

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brado de modo obscuro quando tentava explicar a “história de bens comunais” de “bens comunais sem história” de minha região catalã: tinha que pesquisar todas as armas das quais os protagonistas da história, tanto os fracos, quanto os não tão fracos, como os mais fortes se valiam. O presente não explica a evolução das coisas, quer dizer, a história. É a evolução das coisas, quer dizer, da história, que explica o presente. É a história, a velha e a nova, que explica, por exemplo, as diferentes concepções, definições e os diferentes artigos dos códigos europeus e latinoamericanos do século XIX... e seu cumprimento ou não. É também a história, a velha e a nova, que explica que os códigos de muitos países latinoamericanos se refiram hoje aos direitos dos indígenas como direitos originais e que esse simples fato transforme em revolucionários os antigos proprietários que não estão dispostos a renunciar a “seus” direitos. A história humana tem alguns atores. A análise histórica só se revela frutífera se admite como hipótese de trabalho a importância das decisões dos diferentes atores sociais, condicionadas sem dúvida por muitos elementos que se devem ter em conta, mas que podem condicionar muitos outros e podem dar lugar a resultados históricos insuspeitos por esses atores. Mas isso não nos exime de analisar estas decisões, decisões que podem ir muito além das leis, das instituições formais e dos canais de informação institucionalizados – que são os mais fáceis de investigar – a respeito da vida, da terra, dos recursos, do meio ambiente, das mudanças tecnológicas, quer dizer, em torno das mudanças históricas. E para levar a cabo essa análise é necessário partir de uma concepção complexa e dinâmica da sociedade, dos grupos sociais e das relações sociais que dificilmente se alcançará sem uma perspectiva comparada, no espaço e no tempo, em escala humana. Esta é a reflexão que quis compartilhar com vocês hoje. Muito obrigada.

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Una reflexión en torno a los mediadores políticos en la segunda mitad del siglo XIX El partido como problema Marta Bonaudo* “Una de las enseñanzas de la ciencia política, corroborada por la historia de las naciones, es que ningún pueblo organizado bajo una forma de gobierno constitucional puede marchar con buen éxito, si no cuenta en su seno con partidos serios, dignos y capaces de asumir las funciones y responsabilidad del poder y de la oposición.” A.B.C José Nicolás Matienzo-19041

El enunciado de Matienzo tocaba un centro neurálgico de la vida de una comunidad política que desde la crisis de 1890 y en los primeros años del siglo XX se enfrentaba al desafío de configurar nuevas legitimidades en el campo de la representación ante una sociedad que se masificaba paulatinamente. Uno de los tópicos centrales de las reformas de Joaquín V. González y de Indalecio Gómez entre 1902 y 1912 fue el de la construcción de partidos políticos de nuevo cuño2. La urgencia de dar respuesta a tal desafío aparecía una y otra vez tanto en la voz de los publicistas como en el debate parlamentario determinando un verdadero punto de inflexión en relación a las discusiones de la segunda mitad del siglo XIX. En dicho siglo, diversos pensadores latinoamericanos y argentinos consideraron a tales agrupaciones no inherentes al sistema republicano de gobierno e incluso, no pocos, las percibieron contradictorias al mismo por cuanto asumieron que la forma partido podía violentar las conciencias individuales e impedir la

* CONICET/ISHIR/UNR. 1 Matienzo, J. N. La política argentina. Establecimiento Gráfico: Robles y Cía, Buenos Aires, 1904. 2 Botana, Natalio. El orden conservador. Hyspamérica, Buenos Aires, 1977.

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formación de una voluntad general.3 Impelidos por los desafíos de la construcción de la República y la Nación, los liberales argentinos, por ejemplo, debatieron largamente, durante los veinte años que separaron la primera ley electoral ( 1857) de la última significativa del período(1877), sobre diversas cuestiones relativas al sufragio, su localización, la identidad ciudadana, las diferencias entre electores y elegibles pero la cuestión partido sólo tuvo referencias marginales en las Cámaras Legislativas y nunca fue objeto de una formulación explícita de carácter normativo.4 No obstante, el ensayo y la prensa recuperaron a lo largo de cinco décadas experiencias, reflexiones, críticas en torno a lo que los contemporáneos denominaban, a veces indistintamente, facciones, partidos o clubes. El objetivo central de estas páginas reside entonces en acercarse a esa compleja experiencia de conformación y práctica de tales instancias de mediación, analizando estos partidos tanto desde las perspectivas teóricas que alimentaron sus posibilidades de emergencia como desde las condiciones sociales que les dieron vida. Tal como lo planteó Raffaele Romanelli, en la construcción de un sistema representativo asentado en un discurso que enfatizó siempre un papel de unificación, de nacionalización, de socialización y de educación del ciudadano, el liberalismo decimonónico se enfrentó al problema de adaptar el principio individualista a las fuertes asimetrías sociales y a las relaciones de respeto y de paternalismo que caracterizaron a las sociedades de la época5. Fue, como diría Escalante remedando a Agnes Heller, introducir al interior de sistemas habituales de relación un nuevo conjunto de ideas acerca de la vida pública, de virtudes para la convivencia y para la organización de la vida política, en suma dotar a la moralidad pública de un modelo cívico.6 Este, en su dimensión modélica, Palti, Elías. ¿De la República posible a la República verdadera? Oscuridad y transparencia de los modelos políticos. Historiapolítica.com, pp. 5. 4 Bonaudo, Marta. Argentinos, ciudadanos, electores. Legisladores y publicistas en la búsqueda de alternativas para la construcción y representación de una comunidad política. Una mirada exploratoria. Ponencia presentada a las Jornadas Inter/Escuelas- Departamentos de Historia, UNT, 2007 5 Romanelli,Raffaele. Sistemas electorales y estructuras sociales. El siglo XIX europeo. En Forner, Salvador(coord) Democracia, elecciones y modernización en Europa. Cátedra, Madrid,1997, p. 38. 6 Escalante Gonzalbo, Fernando. Ciudadanos Imaginarios. El Colegio de México, México D.F, 1992, p. 32. 3

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se estructuró en torno a ciertos ejes: el respeto del orden jurídico, la responsabilidad de los funcionarios, la participación ciudadana, la protección de los derechos individuales. Pero además, en tanto fruto histórico del diálogo entre tres diferentes tradiciones -la republicana, la liberal y la democrática- reposó sobre una muy peculiar definición de lo público y sobre un tipo humano específico: el ciudadano7 ¿A qué refería Escalante con esta afirmación? Al hecho de que, en tal modelo, lo público aparecía como sinónimo de política y gobierno y, paralelamente, emergía una idea de espacio público concebido como una configuración de prácticas a través de las cuales se abordaban las cuestiones comunes en forma pacífica.8 Ahora bien, ¿cómo conciliar las imágenes modélicas con la dinámica efectiva de los propios actores? ¿Cómo pensar la identidad del actor básico, la del ciudadano cual individuo racional, responsable y solidario en lo público frente a actores ambiciosos, egoístas, limitados, con escasas miras hacia el interés común? ¿Cómo compatibilizar, diría Annino, a ese individuo de la norma frente a los grupos de la sociedad?9. ¿Cómo imponer, frente a otras morales, a la política imaginada como un nuevo orden de normas y valores, al Estado como institucionalización del bien común, al ciudadano capaz de afirmar su lealtad hacia las instituciones políticas y su solidaridad con sus pares? La dinámica de las construcciones republicanas y nacionales se vio atravesada por todos estos dilemas y aquéllas debieron asumir el desafío que implicaba el intento de viabilizar una moral cívica al interior de sociedades fuertemente desiguales y construidas alrededor de una multiplicidad de sujetos sociales atravesados por vínculos parentales, corporativos, comunitarios. Por ende, la configuración de un sistema representativo y de instancias de mediación entre la sociedad civil y el Estado se vio sometida a profundas tensiones que, en definitiva, resignificaron los vínculos precedentes, ubicando al mismo individuo en una nueva posición frente al poder político10 Cuando explorábamos las miradas pergeñadas en torno al proceso de construcción del sistema de representación por publicistas y políticos

Ibidem, p.35. Ibidem. 9 Annino, Antonio. “El voto y el XIX desconocido”. Universidad de Florencia-Cide en http:/ /www.foroiberoideas.com.ar, 2004. 10 Ibidem. 7 8

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de la realidad argentina en la segunda mitad del siglo XIX, surgían una y otra vez reflexiones reiterativas. Una de las más frecuentes y resistente fue, sin duda, la del rechazo al partido-parte. Frente al desafío de la República, de la Nación, la sensación era que había que dejar atrás ese debate. El imperativo era alejarse de la sombra de unitarios y federales y, bajo las lógicas de unidad en torno a los principios, consolidar la moral cívica. Mitre urgía en 1858 con su diagnóstico a avanzar en dicha consolidación: …Pugnan en estos países dos elementos opuestos, que forman la composición de dos partidos, el uno que tiende a la explotación de la sociedad, y ha menester el amparo de los gobiernos personales, el otro que aspira a la moralidad, al trabajo, a la consideración pública, y ha menester de un orden regular de cosas, que sólo puede existir bajo el imperio de las instituciones… El triunfo de uno de esos elementos que se organizó en partido político llamándose a sí propio “federal”, al cual se agregan con el notable de fusionistas todos los intereses bastardos o egoístas, importaría la elevación del gobierno personal, que de nuestro modo de ser, tiene que hacerse necesariamente brutal y sangriento. El triunfo del elemento opuesto, a quien se obligó a organizarse en partido político, en defensa propia, con el nombre de unitario, al cual se ha reunido toda la juventud honrada y generosa que venera los grandes sacrificios y las grandes virtudes, importa el mantenimiento del gobierno representativo que nos rige, bajo el cual la ley es una verdad, una realidad la justicia, un hecho el respeto a los derechos y garantías del último ciudadano…11 Pensaba que ese partido unitario- que él denominaba partido de la libertad- era el único portador de la verdad, al que habían convergido todos los otros que defendían las normas y la justicia y que, por ende, con su consolidación culminaba ese proceso, refundiéndose en el organismo del pueblo por la asimilación de sus intereses y tendencias, con los intereses y las tendencias de la universalidad de los ciudadanos…12 Ese partido- pueblo, convocante de la totalidad de los ciudadanos, fue, sin duda, uno de sus argumentos discursivos fuertes tanto en la lucha contra la Confederación como durante su presidencia. Sin embargo, el mitrismo no logró concretarlo y operó como una parte más en la disputa política. José Hernández aludía indirectamente a ello cuando en 1869

Mitre, B. Los Debates,14/2/1858 en Halperín Donghi, Tulio, Proyecto y construcción de una Nación. Biblioteca Ayacucho, Caracas, 1980, p. 168. 12 Mitre, B. Los Debates, 15/2/1857 en Halperín Donghi, Tulio, op.cit, p. 181. 11

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recuperaba la dirección que se había proyectado desde el triunfo de Pavón (1861) y continuaba sosteniendo el deber ser del nuevo orden: … Los partidos no tienen ya razón de ser. Se han disuelto al día siguiente de Pavón. No hay más que ciudadanos argentinos bajo los auspicios de la constitución nacional. La fusión moral desde entonces es un hecho, pues que ya no existe la desinteligencia de las opiniones, la separación de los partidos excluyentes…La fuerza de los principios es la que está destinada a absorber a los partidarios y a confundirlos en los propósitos comunes de la vida social y política.13 La tensión entre el ser y el deber ser se proyectaba aún en las décadas de los ochenta y noventa, oponiendo a las agrupaciones regidas por intereses personales y liderazgos fuertes ante aquéllas que hacían de los principios y de los programas su bagaje central y apelaban concomitantemente a las opiniones independientes y francas. 14 Tales condiciones debieron incidir en las dificultades para regularlas y, por ende, explicarían, en parte, la marginalidad del tópico partido en el debate institucional durante aquellas coyunturas en que se discutían las leyes electorales así como la no existencia de reglamentaciones al respecto.15 En 1873, por ejemplo, cuando un sector- evidentemente ligado a los grupos progresistas- intentó sostener el criterio del sufragio secreto, uno de sus voceros, el diputado Igarzábal, incorporó una de las escasas referencias a los partidos: …el voto secreto tiene la ventaja de no hacer depender al elegido, del partido que lo elija, porque es indudable que el representante que no lleva nombre propio, no queda jamás á la merced de ese partido, y entonces puede dedicarse con todas sus fuerzas y con la suficiente independencia, á llenar los deberes de representante del pueblo…tiene también la ventaja de no producir en cada una de las Provincias esas divisiones profundas que quedan siempre después de una elección hecha…16 Paradigmáticamente, el argumento en defensa de la no publicidad del voto- perspectiva también duramente cuestionada en el seno del Hernández, José. El Río de la Plata, 1º/12/1869 en Halperín Donghi, Tulio,op.cit., p. 278. Matienzo, op. cit, p. 21 15 Ver, entre otros, a Annino, Antonio, op. cit.,. Una excepción en este plano, por lo menos hasta lo conocido actualmente, parece ser el Estatuto que en 1857 se estableció para la clubes bonaerenses. Al respecto ver González Bernaldo, Pilar, Civilidad y política en los orígenes de la Nación Argentina, Buenos Aires, FCE, 1999, p. 287. 16 Congreso Nacional. Cámara de Diputados. Diario de Sesiones de 1873. Buenos Aires, Imprenta El Nacional, 1874, pp. 617. 13 14

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liberalismo decimonónico 17- propuso una relación entre elector y representante que reiteraba la necesidad de colocar por sobre los intereses de partes, el interés general encarnado en la figura del pueblo. Era ratificar, como lo marcaría Rosanvallon, el monismo como principio, tratando de arrinconar los fantasmas de una noción de partido ligada a un orden fracturado por rivalidades de poder u oposiciones de intereses por temor a que dicho orden atentara contra la que concebían como una todavía frágil unidad nacional. Se estaba aún lejos, de acuerdo con este autor, de una legitimación filosófica del pluralismo, relacionado con formas de organización de la vida política en una sociedad de individuos.18 La sociabilidad política, ¿una experiencia de nuevo cuño o transmutación de otras? ¿Cómo se proyectaban estas miradas macro, de publicistas o políticos involucrados en el debate constitucional del poder central y en las dimensiones de la representación, en espacios locales o regionales? Si a lo largo de los años que corrieron entre 1853 y 1890 en Santa Fe – un área de la región pampeana- el debate institucional relativo al tópico partido estuvo casi ausente, éste se desplegó, en cambio, en periódicos y entre publicistas y políticos. ¿Cuáles fueron los principales ejes del mismo? Ciertas reflexiones que el diario La Capital de Rosario realizaba altamente preocupado por la dinámica política en 1868- podrían ofrecer un primer acercamiento al debate. Este se centraría inicialmente en cómo traducir en clave de moral cívica la práctica partidaria pensada cual instancia real de mediación entre la sociedad civil y el Estado, ambos en sus tramos constitutivos. Luego de hacer un recorrido por la historia del surgimiento de los clubes políticos en Gran Bretaña, Estados Unidos y Francia, el editorialista recuperaba los objetivos que los mismos deberían haber concretado en la realidad argentina a la caída de Rosas:… educar al pueblo en las prácticas de la democracia,… uniformar la opinión pública por medio del debate leal y franco,… hacer real y efectiva la libertad de sufragio, y…encumbrar la soberanía popular, árbitra de los destinos de la Nación.19 El Ver, entre otras, las interesantes reflexiones de Elías Palti, op. cit. Rosanvallon, Pierre. Le peuple introuvable. Editions Gallimard, Paris, 1998, pp. 173 y ss. 19 La Capital, 21/1/1868. 17 18

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deber ser propuesto se enfrentaba con un diagnóstico desolador desde el espejo de Buenos Aires que, para el columnista, reflejaba el sistema electoral de toda la República:… De los Clubs de la Chupandina, de la Pandilla, de los Crudos, de los Cocidos, salieron los ciudadanos turbulentos que desenfrenados e iracundos rasgaban los registros, despedazaban las meses y convertían cada Parroquia en un campo de batalla. El Club Libertad(la pandilla y los crudos) con registros falsificados, con los peones de la aduana y del ferro-carril, acaudillados por sus respectivos capataces, con la mas decidida protección oficial en todo tiempo, y hasta con el apoyo de la soldadesca armada, triunfó primero del Club Independencia(los chupandinos) y después del Club del Pueblo(los cocidos), ambos opositores al esclusivsmo(sic) y monopolio del Libertad, quedando este hasta ahora dueño del campo electoral y contando hoy mas que nunca con los mismos poderosos pero indignos elementos! Aunque el objeto de las elecciones cambie, los manejos electorales siempre son los mismos; los votos en pro se compran, los en contra se escamotean, los registros se falsifican, la ley se viola y los ciudadanos honrados abandonan los comicios…20 La contundencia de las imágenes propuestas por e l periodista ponía en cuestión la potencial viabilidad de un modelo de moral cívica en una trama societal cuyos actores eran partícipes de otros códigos morales, de otros hábitos y prácticas en su vida cotidiana, fuertemente arraigados en la tradición y la costumbre. ¿Planteaba el caso argentino, en su ejemplo bonaerense pero también santafesino, tan profunda incompatibilidad con la idea de un interés público que estuviese más allá del juego de los intereses particulares; con la vigencia de las normas o con una participación real que pudiera encuadrarse en las formas institucionales? La respuesta a tales interrogantes sólo podría abrirse poniendo a foco la experiencia de la configuración de los partidos en tales espacios. Es indudable que luego del pacto constitutivo de 1853, las elites consolidaron sus visiones liberales y republicanas del mundo y la sociedad con la pretensión de traducirlas en una organización política de dimensiones nacionales, con miras a superar las trabas y fragmentaciones existentes en la etapa precedente. Guiados por el ideal de configurar un régimen representativo de tipo parlamentario, sus miembros intentaron dar continuidad al control del gobierno de la sociedad que venían

20

Ibidem.

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detentando desde la etapa independiente. Sin embargo, sus representaciones en torno al poder, sus imaginarios, su discursividad, sus rituales y prácticas debieron confrontar recurrentemente con las experiencias materiales y simbólicas de las morales precedentes. En consecuencia, la concepción del partido no podía escapar a tales marcas. El término se vinculó, a veces, con configuraciones mayores destinadas a pervivir a lo largo del tiempo como expresión de una opinión que se presuponía mayoritaria. El desafío de tener que uniformar tal opinión en las tramas locales y regionales, al tiempo que la proyectaban hacia una dinámica tendencialmente nacional, implicó la resolución de cuestiones de diverso tipo. En primer lugar, las organizativas, para lo cual los partidos debieron conformar clubes o centros localizados en cuarteles o parroquias urbanas o en diferentes núcleos poblacionales menores destinados a realizar los denominados trabajos electorales. No obstante, en el lenguaje periodístico y de la vida cotidiana, ambos términos-partido y club- se tornaron no pocas veces en equivalentes. Pese a ello, mientras el nucleamiento mayor pareció pervivir a lo largo de las décadas, los menores prácticamente perdían visibilidad transcurrida la coyuntura electoral. Un rasgo distintivo de las configuraciones mayores residía en sus nomenclaturas. Ellas de algún modo pretendían expresar valores o representaciones de totalidades o de unidad o bien evocar coyunturas claves de la historia transcurrida: Club de la Libertad, del Pueblo, Partido Constitucional, Club 25 de Mayo, etc. Pese a ello, la reticencia frente a tales agrupamientos- por su informalidad así como sus transmutaciones a lo largo de las contiendas electorales- provocó que, con frecuencia, ellos fueran objeto de miradas peyorativas y estigmatizantes que los identificaran como bandos, camarillas, círculos o facciones21 Tales modos de interpelarlos encerraban, sin embargo, algunos indicios valiosos. Uno de estos era que si bien las lógicas de la representación liberal pretendían alejarse de cualquier reflejo de la realidad social en su proyectada construcción de la ciudadanía política, las instancias de mediación y unificación de la opinión que se conformaron con tal finalidad- los partidos- se vieron fuertemente permeadas por dicha trama. Motorizados

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Ejemplos de ello emergen de editoriales como los de El Ferrocarril, 15/6/1884;El Independiente,8/7/1884; 13/8/1884; El Corondino, 1/12/1884.

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desde las elites, ellos desempeñaron un importante papel en la reactualización de las instituciones representativas-como lo marcó Pilar González para el caso de Buenos Aires- 22 pero no pudieron escapar a los códigos de la sociabilidad precedente y al juego de los vínculos23. A lo largo de esas décadas, la mayoría de estos agrupamientos se movieron en un espacio de fronteras lábilmente definidas que prolongó en sus interacciones y en sus pautas organizativas públicas, las lógicas de una sociabilidad privada. Durante los cincuenta y los sesenta, al apelar a quienes tenían una natural afinidad, participaban de un idéntico sentimiento, 24 se lo hacía bajo el término de amistad o utilizando el vocablo de socio: A los socios Del Club del Pueblo Se invita a todos los socios del Club del Pueblo y a los que simpaticen con sus ideas a una reunión general que tendrá lugar el Domingo 28 del corriente a las 12 y media del día en el Teatro de la Esperanza. Se recomienda la más puntual asistencia La Comisión25 La comunicación periodística no parecía diferir demasiado de la que hubiera podido editarse notificando una reunión social del Club del Orden- espacio de ocio tradicional de la elite capitalina- , de una asociación étnica o incluso de la Sociedad de Beneficencia. Lentamente el lenguaje iría conduciendo a la convivencia de los amigos con los conciudadanos:.. En los Departamentos de la Capital, Coronda y San José, nuestros compatriotas se preparan a disputar con entusiasmo el triunfo electoral y a la elevar a la primera magistratura de la Provincia, a nuestro distinguido conciudadano don Mariano Cabal…26 Ya hacia fines de la década del setenta, se integraría la noción del afiliado, a veces sin que las otras desaparecieran:…hace dos horas á, que por orden del comandante de un batallón, Pedro Larrechea y encargado de la Gefatura(sic), porque el Gefe(sic) Político Gaitán esta mañana salió para los Barrancos, han sido citados varios de González Bernardo, P., op. cit., p. 265 y ss. Hemos analizado esta experiencia en Revisitando a los ciudadanos de la República Posible Santa Fe, 1853-1890. En Anuario del IHES Nº18, Tandil,UNCPBA, 2003, pp.213-232. 24 Gian Luca Fruci. Los grupos antes de los grupos. Apuntes para el estudio de las constelaciones políticas en el Parlamente de la Italia Liberal en Zurita, R- Camurri, R.,eds Las elites en Italia y en España(1850-1922), PUV, Valencia, 2008, pp.98. 25 El Rosario, 27/8/1864;14/10/1864; El Trueno, 22/12/1864. 26 La Capital 13/12/1867. 22 23

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nuestros amigos y como no han querido presentarse a la citación han sido llevados presos don Bernardino López y Javier Maciel…esto viene a demostrar que estos hombres quieren de todo tranco prohibirnos que reunamos nuestros afiliados….27 Tal forma de interpelación a sus miembros resultaba, a su vez, congruente con una concepción partidaria que no pretendía reproducir en su interior – más allá del discurso- las lógicas de igualdad. ligadas a las nuevas identidades ciudadanas. Impelidos por la soberanía del número, aspiraron a incrementar los niveles de inclusión pero siempre en clave subordinada. Tanto su estructura como sus prácticas estuvieron marcadas por el principio de distinción. Cuando propios y extraños describían la composición de los partidos o de los clubes fijaban su mirada en cuántos miembros éstos tenían de prestigio y poder, de qué grupo o clase participaban fulano o mengano28, ya que estos indicios les permitían concluir dónde estaba lo que algunos denominaban los centenares de ciudadanos honrados o la mayoría de la opinión pública 29 Por debajo se ubicaban, entre otros, también diferenciados nominativamente, los batallones de paisanos, los infelices peones de carretas- transeúntes- cuando no la soldadesca frente a los avecindados, reconocidos como jornaleros.30 Si la vecindad aparecía como un signo de identificación positiva no lo era aquélla que se vinculaba al empleo público o dependía de las rentas del Tesoro. Durante el período analizado, ambos partidos- el de la Libertad y el del Pueblo- pudieron cruzar acusaciones al respecto, ya que si hasta el levantamiento de 1868 el primero controló coyunturalmente las instancias de gestión, en las décadas siguientes el segundo fue el partido de Gobierno. Cual partidos de la Libertad o del Pueblosiempre en la búsqueda de convertirse en partido gubernamental- rara vez se pensaron como partido- parte. Al contrario, hicieron lo posible para ser el todo y para lograrlo apelaron a estrategias legales e ilegales con miras a inhibir políticamente a sus adversarios. Los espacios del gobierno, de la sociabilidad y de la mediación política a través de los partidos aparecieron con frecuencia como meras El Independiente, 372/1878. El Ferrocarril, 13/8/1864. Comentando la candidatura de Don Mariano Amigo decía: “La oposición ha procurado darse prestigio con un nombre que los sucesos de Buenos Aires rodearon con una cierta aureola, como defensor del Gobierno Nacional y aliado de la clase mercantil y seria de la Capital…” 29 El Rosario, 4/10/1864; 22/8/1864. 30 Ibidem, El Rosario 22,/8/1864; 15/9/1864;27/9/1864;El Comercio, 5/9/1875. 27 28

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prolongaciones de una única, dinámica y dura disputa notabiliar por el poder. La trama de los vínculos atravesaba esos ámbitos compartidos dentro de los cuales, la lucha por posiciones y lugares parecía proyectarse sin solución de continuidad de unos a otros, llegando incluso a incorporar a quienes por su condición de minoridad no integraban el espacio público estricto, las mujeres: …Poco tiempo hace tuvo lugar la renovación de la Comisión directiva de la Sociedad de Beneficencia y, sin trabajos de ningún género, sin concierto ni compromiso alguno, todo el personal que salió electo pertenece al partido liberal por la sencilla razón de que allí casi todas las socias pertenecen a él…Escudados con el ridículo y falso pretexto de que esta elección había sido el resultado de trabajos hechos por los liberales, empezaron los situacionistas31 los suyos con todo sigilo, para sorprender a sus adversarios en la elección de la comisión directiva del Club del Orden, que se acercaba…32. La asociación política estaba tan impregnada de los códigos societales que ni el organigrama de las Comisiones Directivas partidarias se diferenciaba de cualquiera de tales instancias asociativas33 ni los espacios de reunión se habían configurado específicamente. Resultaba paradigmático que, recurrentemente, se apelara o bien a los ámbitos privados como la casa familiar o la estancia o bien a aquellos semipúblicos como los del club social, los hoteles o el teatro. Tampoco el lenguaje cotidiano adquirió especificidad en los modos de nominar. Esto afectó tanto a las formas organizativas como a la apelación de sus miembros. Así, por ejemplo, para referirse a los núcleos menores de una estructura partidaria, se recurría, a veces, a términos no estrictamente políticos sino fuertemente impregnados por la lógica mercantil en la que se involucraban muchos de esos hombres: El domingo 2 del corriente tuvo lugar en el distrito Ludueña una reunión general de vecinos del Departamento de San Lorenzo al objeto de formar un club sucursal del central del “Pueblo”34 Como contrapartida, los conceptos de centros políticos o clubes seccionales vinculados a la denominación de las unidades de base, sólo

Nombre con el que también se reconocía al Partido del Pueblo. La Capital,5/3/1885. 33 El Rosario, 5/10/1865. …La Comisión Directiva de ese club…Presidente Don Ramón Araya; Secretario Don Luciano Gallegos; Vice Don Casimiro Rivadeneira; Vocales Don Pedro Araya, Don Pedro La Torre, Don Juan P. Benitez/ siguen 17 nombres más/ 34 El Rosario, 5/10/1864;8/10/1864. 31 32

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se hicieron frecuentes en la década del ’80, al calor de la experiencia del llamado Partido Constitucional (1883), el cual operó a modo de espejo en el que debió reflejarse la propia reorganización del Partido del Pueblo, su adversario en la lid electoral. En dicha coyuntura, como lo hemos analizado en otro momento,35 la organización partidaria de aquél se complejizó, siguiendo las pautas establecidas por la Convención que le diera origen y el reglamento interno que lo estructuraba. Apareció en escena con el objetivo de regularizar las prácticas republicanas y poner distancia con las tramas personales y los códigos societales sobre las que éstas se asentaban. Impersonal y principista, apoyado en un programa general, intentó construir una estructura de representación en su interior que tuviera como punto de partida el club local del pueblo cabecera de cada departamento. Si su lenguaje pretendió empaparse de los códigos cívicos, con frecuencia alternó las apelaciones al ciudadano político a secas con aquellas al ciudadano territorial o vecino. Paralelamente propuso una dinámica representacional desde abajo hacia arriba, a través de la participación directa y secreta de sus afiliados por medio del voto, tanto para gestar las comisiones internas como para la proclamación de las candidaturas. Sin embargo, tensionado en su interior por una trama heterogénea de actores, se enfrentó rápidamente al dilema de representar al conjunto de los ciudadanos u operar como simple mediador de elites y, frente al mismo, terminó desestructurándose. El diálogo político y las candidaturas a través de las experiencias partidarias La preeminencia de las pautas de sociabilidad de las elites no sólo impactó en los modos de organizar o nominar sino que afectó otras dimensiones del hacer político. En cierto sentido, algunas prácticas políticas parecieron ser una mera prolongación de las conversaciones habituales sobre asuntos privados. En la correspondencia política se hizo un uso reiterado de la estrategia coloquial. Esta se expresó no sólo en la apelación hacia el interlocutor epistolar como querido o distinguido amigo, querido general, mi querido doctor, mi querido protector. También se detectaba en la

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Ver Bonaudo, Marta. De representantes y representados. Santa Fe finisecular(1883-1893) en Sábato, Hilda(coord) Ciudadanía política y formación de las naciones. México D.F, FCE, 1997, pp. 270-294.

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manera de encauzar el dialogo destinado a definir prácticas políticas, especialmente cuando estas revelaban- a veces crudamente- la visión patrimonial del Estado que las elites de uno y otro partido compartían: …Temo mucho de la prudencia ó mejor dicho de la modestia de Ud. Pida recursos pronto que se los van a dar y pague bien y con tiempo á los amigos. Colóquelos á todos, y sea Ud. el Gobernador; sino lo hace así, va Ud. á sentirlo más tarde…36 La idea de privacidad de la correspondencia, aunque esta resultara violentada, les permitía también desnudar las estrategias para lograr acuerdos o superar crisis: …vine por reiterados llamados del Gobernador y de algunos amigos por quienes supe que la cuestión Senador no andaba bien, pues los Diputados no se reunían y había peligro de división; felizmente conseguí que se reunieran y los uniformé y ya sabes que fue electo el candidato que me indicó el Presidente, nuestro amigo Gelabert… Sabes bien que nada me importa la Diputación; que me han elegido contra mi voluntad pero sí debe importarnos el que los aliados de Mitre no salgan con la suya, convirtiendo por medio de la sorpresa y la audacia en triunfo su derrota…37 Resultaba evidente aquí, como en otras realidades decimonónicas, que la cuestión de los acuerdos y las negociaciones, de las candidaturas así como la compleja articulación entre elites locales y elites situadas en el Gobierno Central no eran temas para discutir con el conjunto de los ciudadanos y, por ende, se resolvían en el juego cruzado de la legítima influencia de los poderes centrales con los notables portadores de influencia natural en sus propios distritos. La negociación de influencias apuntaba indudablemente a la capacidad de movilizar y transferir lealtades, adhesiones, alianzas desde una compleja trama clientelar que se integraba a partir de ese momento a la forma partido. Una pintura clara de esa dinámica esbozaba Gabriel Carrasco, a través de las páginas de El Mensajero en 1883: …Producida la candidatura de Tejedor, Iriondo, que sólo buscaba donde podría sacar la tajada más grande, se dirigió(según las cartas de Sarmiento)diciendo que no estaba lejos de apoyar la candidatura de Tejedor; autorizaba al cura Zaballa, actual gobernador nominal de Santa Fe, para que se la mostrara.

Colección Iriondo. Caja 2, Carpeta 12,fº. 22, Paraná,29/1/1868 de Pascual Rosas a Iriondo. Archivo Histórico Provincial.(AHP). 37 Idem, Carpeta 13, fºs 25 y 27. Carta de Derqui a Iriondo, 13/5/1876(AHP). 36

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¿Qué buscaba Iriondo, con esa carta?....Mandaba negociar su influencia; y como entonces era gobernador de Santa- Fe, ponía en un platillo de la balanza a la provincia, esperando que en la otra pusiera Tejedor su precio…(subrayados en el original)38 La figura del candidato hacía visible la relación entre el estado de la organización partidaria y la influencia de las estructuras sociales así como daba cuenta de las posibilidades o límites para un paulatino proceso de desterritorialización de la política. Desde el poder central nacional o provincial resultaba urgente modificar la concepción de la política concebida exclusivamente como asunto local para transformarla lentamente en cuestión provincial o nacional. Si bien, como lo señalaron muchos historiadores, estas sociedades estuvieron fuertemente enraizadas sobre el territorio y las candidaturas a representantes emergían de los dirigentes reconocidos y naturales de la comunidad, hubo injerencias continuas de los poderes, el provincial sobre el local, el central sobre los provinciales, a través de las cuales, y en no pocas circunstancias, los candidatos triunfantes fueron impuestos. Paralelamente cabe señalar que tal imposición fue, con frecuencia, también el resultado de un verdadero proceso de circulación de los miembros de las elites: hombres que desde el poder central bajaban al espacio provincial, interactuaban alternativamente en dos o más espacios provinciales o de la ciudad capital migraban hacia los departamentos. Dos ejemplos- a modo de mirador de los juegos de poder -nos lo ofrecen, en primer lugar, una carta de M.J Yañez a Iriondo en 1883: …He reflexionado mejor respecto al asunto Diputación y veo claro que después de haberse dignado Ud. hablar al Señor Presidente de la República con referencia a este asunto, no es posible que yo haga el papel de retroceder en sentido contrario…Una vez mas querido Doctor; querido protector desde mi niñez, mas biendicho, le seré eternamente agradecido por tanto y tan marcado bien que siempre me ha hecho, desde que siendo niño me nombró Receptor de Diligencias del Juzgado del Crimen…39 Luego un editorial de El Mensajero:… De la provincia de Santa Fe se dice lo siguiente: no presentando el Dr. Iriondo garantías seguras de su apoyo al candidato Juárez Celman/ sostenido por el presidente Roca/, el gobierno

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El Mensajero, 20/1/1883. Colección Iriondo, Carpeta 18,Fº 2, 1883. AHP.

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nacional está preparando el terreno al Dr. Pizarro, enemigo acérrimo de Rocha/ candidato adversario para la presidencia/para que le suceda al Dr. Zavalla en el gobierno de Santa Fe…40 Imágenes disímiles pero congruentes que nos muestran al mismo tiempo las reciprocidades que alimentaban los vínculos así como la capacidad de presión que podía ejercerse al momento de apoyar o rechazar un candidato pensado como garante de una sucesión. Si estas escenas del poder comienzan a recrearse desde la etapa Confederación y de secesión de Buenos Aires, adquieren paulatinamente más fuerza en las sucesivas presidencias y, claramente, terminan de consolidarse con el ascenso de Roca al gobierno. En comunidades políticas como aquellas, en las cuales durante décadas no se regularon a través de procedimientos formales ni la presentación de las candidaturas ni las campañas electorales, unas y otras irían viéndose afectadas por los cambios que sobre las relaciones de poder podía generar la aparición de nuevos actores. Si inicialmente el orden natural de las cosas se asentó en los criterios de preeminencia social, tornando innecesaria la presentación del candidato a los electores a través de un programa ya que los mismos podían reconocer con facilidad las condiciones de fortuna, prestigio, honorabilidad, ilustración o servicio de las que aquél era portador, esto se modificó con la salida a escena de otros actores o de nuevas generaciones, particularmente la de jóvenes formados ya en el Colegio de la Inmaculada, ya en el Colegio Nacional o los provenientes de las aulas universitarias. Estos comenzaron a vincularse con la política sin un capital social que los precediera, motivo por el cual si bien no utilizaron las denominadas Profesiones de Fe41 que en el mundo europeo de la segunda mitad del siglo XIX fueron significativas, si apelaron a otras estrategias de presentación ante la comunidad política. En este sentido fue paradigmática la propuesta de

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El Mensajero, 22/1/1883. Mitre hizo una Profesión de Fe como periodista al editar Los Debates. Planteada como un compromiso con el público y los ciudadanos, seguramente debió impactar en su accionar político. Halperín Donghi, Tulio, op. cit., pp160-166. Como contrapartida, Nicasio Oroño, senador de la Nación, escribía en 1876, a sus compatriotas y comprovincianos un manifiesto destinado a dar cuenta de la labor desarrollada a lo largo de nueve años. El objetivo de Oroño es crear un precedente por el cual el legislador- concluído su mandato- se someta republicanamente “al fallo de la opinión”. Ver Nicasio Oroño Obras Completas,UNLAcademia Nacional de la Historia, Santa Fe, 2004,Tomo I, pp. 467-479.

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Estanislao Zeballos, originario de Santa Fe pero tempranamente alejado de su vida social y política. Zeballos, aspirando a convertirse en candidato a la gobernación de la provincia, primero por el Partido Autonomista Nacional y luego a través del Partido Constitucional, utilizó como una de sus estrategias para el ingreso a la lid política santafesina la escritura de La región del trigo. A través de la obra, Zeballos pretendió, sin duda, mostrar su conocimiento de una realidad provincial que se había modificado profundamente desde su infancia y, paralelamente, evidenciar- desde ese diagnóstico- su capacidad de acción con miras a avanzar en el desarrollo de la misma. El Zeballos candidato se presentaba ante la sociedad como un hombre con otro tipo de capacidades para gobernar. Si bien la obra tuvo una buena recepción, más allá de ciertos detractores, resultó insuficiente para catapultarlo a la escena pública y en su disputa para ser nominado candidato debió apelar a otras vías de construcción de consenso. Indudablemente, como el estudiante de La Gran Aldea de Lucio V. López, debía hacerse hombre de opinión, lo cual no resultó tarea fácil. La crónica periodística, una vez más, ofrece pistas al respecto:…Primeramente buscó hacerse de elementos propios, que no tenía, para ver si llegaba a hacerse hombre de opinión en los elementos del finado D. Simón Iriondo, acercándose a los coroneles Córdoba, Vazquez, Barrera y hombrándose con los subalternos de éstos. Desechado por estos, que bien pronto lo exhibieron en la picota pública, dando a luz las cartitas consabidas, que dieron la medida de la falta de tino político del doctor Zeballos, de sus ciegas ambiciones por hacerse jefe de partido…. Fue entonces que puso los puntos a la juventud que ayer recién ha aparecido en excena(sic) de la vida pública; y el mismo día que el partido oficial se unía, un círculo zeballista, para levantar su candidatura, contrariando a los hombres de valer que habían figurado en política, sacrificando su fortuna, su salud, su tranquilidad; que ponían al servicio de esa candidatura su bolsillo y diarios populares, el candidato conspiraba contra ese partido, aconsejando a esos jóvenes, sin experiencia y muchos hasta sin conciencia de lo que hacían, para que se separasen de los hombres de tradición…42 La historia de la candidatura de Zeballos como la de muchos otros recién llegados por edad, por capital social y político, fue la de un fracaso pero también la de una búsqueda de alternativas. Lo viejo y lo nuevo-

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La Capital, 12/12/1885.

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tensionados en un peligroso equilibrio- terminaron socavando las posibilidades del candidato pero también evidenciaron las fisuras y los desajustes que atravesaban aquellas formas partidarias que, como el partido Constitucional, pretendían romper los moldes anteriores del hacer político e instituir las bases de una moral cívica Las imágenes precedentes dejan al descubierto que el proceso real de elección de candidatos era recurrentemente enajenado a la masa de ciudadanos. Estos operaban en realidad como el coro en el marco de la convalidación y la celebración, produciéndose en esas instancias una particular interacción entre los ámbitos de sociabilidad notabiliares y los típicos de los sectores subalternos. Ellos- totalmente alejados de la idea de un hombre, un voto- eran partícipes de la representación teatral43, de los banquetes, de las fiestas, de las movilizaciones vivando a los candidatos, de los intercambios afectivos y/o materiales y ratificaban con sus prácticas el carácter colectivo de la dinámica electoral. Esto, sin embargo, no inhibía entre ellos el despliegue de otras racionalidades así como de una capacidad de resistencia, rechazo o mutación en relación a las lógicas dominantes.44 El modelo de representación política, que se resistía a ser sustituido, se asentaba en unos partidos y unos candidatos que sólo en la discursividad representaban a la opinión pública, al pueblo, a una voluntad general. La práctica colocaba a los candidatos y a los representantes como portavoces de intereses particulares, con enormes dificultades para pensarse cual intérpretes de un interés general. En la disputa política estas cuestiones quedaban claramente evidenciadas, tanto cuando los adversarios calificaban a los partidarios del Libertad o del Pueblo como familias-gobierno como cuando en la puja por las candidaturas se demandaba un candidato afín al partido gubernista o a las intereses del grupo. Pero los condicionamientos para la emergencia de potenciales mecanismos de control- tanto en el campo de la opinión pública como en el electoral- tornaban casi imposible garantizar la presencia de partidos que asumieran la representación de la ciudadanía y no fueran meros intermediarios entre las elites y el Estado o como lo plantea para el caso mexicano Escalante, gestores de la desobediencia controlada de sus clientelas.45 Romanelli, Raffaele, op. cit., p. 38. Bonaudo, Marta, Revisitando al ciudadano…, op. cit., pp. 225 y ss. 45 Escalante Gonzalbo, F., op. cit., p. 51. 43 44

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Todo esto nos conduce finalmente a poner en la escena las mutuas, numerosas y virulentas acusaciones que unos y otros se aplicaban cuando perdían las elecciones. Apelando a conceptos como los de fraude o amoralidad consideraron siempre a los otros gestores de una anarquía moral, asumiendo como contrapartida posiciones regeneracionistas en nombre de las cuales participaron incluso en conatos revolucionarios. ¿Cómo encuadrar el fraude o la no moral en este contexto? Era indudable que el modelo de moral cívica les había proporcionado una herramienta significativa en la construcción institucional. Pero también que, imbuídos de otras lógicas relacionales que se confrontaron con el imaginario cívico, ellos terminaron afectando dicha institucionalidad. En nombre de tal imaginario pudieron señalar como fraudulenta o inmoral una táctica o una estrategia política. Era inmoral la violación recurrente del orden jurídico, era inmoral su visión patrimonial del Estado y la utilización de los recursos públicos- junto a los que aportaban privadamente-cuando se convertían en partido de Gobierno y financiaban a sus clientes; era inmoral la violencia ejercida sobre los derechos individuales; era cometer fraude, defraudar la voluntad soberana, cuando apelaban a todas aquellas tácticas de desvirtuación de un ejercicio ciudadano individual y autónomo. Ahora bien, frente a la paulatina pérdida de consenso expresada en la disminución clara del número de electores y en la búsqueda, por parte de diversos actores de formas alternativas de demanda y representación, ¿significaba que diferentes sujetos comenzaban a privilegiar la moral cívica frente a las otras? No es fácil afirmarlo, lo que resulta evidente es que 1890 colocó a las elites ante una significativa crisis de legitimidad, crisis que al estallar ubicaría en el centro de la escena y del debate parlamentario el problema del partido.

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Tradiciones militares coloniales. El Río de la Plata antes de la revolución Raúl O. Fradkin* “No se trata de asimilar por la fuerza sino, por el contrario, de distinguir; no se trata de construir, como en el juego de las fotografías superpuestas, una imagen falsamente convencional y borrosa, sino de destacar, por contraste, al mismo tiempo que los caracteres comunes, las originalidades.”1

Con sencillez M. Bloch precisaba algunos de los principales desafíos de la historia comparada, un modo de hacer historia que – como bien ha afirmado M. Aymard- estaba en el corazón de una concepción de la historia que no podía alcanzar su meta sino superando la descripción de situaciones particulares.2 Como es sabido, Bloch distinguía diferentes usos de las comparaciones pero remarcaba que el “más importante objetivo” era la “percepción de las diferencias”.3 El uso que haré aquí de estas recomendaciones será, por cierto, limitado. Mi objetivo es indagar las tradiciones militares que se forjaron en el espacio rioplatense durante la época colonial. Se trata de un acercamiento inspirado por una preocupación de mucho mayor alcance y que excede las posibilidades de esta presentación: develar la naturaleza y las

* Universidad Nacional de Luján/Universidad de Buenos Aires. [email protected] 1 BLOCH, Marc, Historia rural francesa. Caracteres originales, Barcelona, Crítica, 1978, p.28. [1931] 2 AYMARD, Maurice, “¿Qué historia comparada, hoy?”, en BONAUDO, Marta, REGUERA, Andrea y ZEBERIO, Blanca (coords.), Las escalas de la historia comparada. Dinámicas sociales, poderes políticos y sistemas jurídicos, Buenos Aires, Miño y Dávila Editores, 2008, Tomo I, 2008, pp. 13-25. También ver AYMARD, Maurice, “Historie et comparaison”, en H. ATSMA et A. BURGUIERE (eds.), Marc Bloch aujourd’hui. Historie comparée & Sciences sociales, Paris, EEHSS, 1990, pp. 279-298 y HAUPT, Heinz-Gerhard “La lente émergence d’une historie comparée”, en Passés Recomposés. Champs et chantiers de l’historie, París, Éditions Autrement, Série Mutations, Nº 150/151, 1995, pp. 196-207. 3 BLOCH, Marc, “Comparación” [1930], en Historia e historiadores, Madrid, Akal, 1999, p. 112.

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características de las fuerzas beligerantes que intervinieron en el ciclo guerrero abierto en el Río de la Plata entre las décadas de 1810 y 1870 para comprender mejor las posibilidades de intervención política de los sectores sociales subalternos y la incidencia de la guerra y de las tradiciones militares en la configuración de sus culturas políticas. Lo que sigue, por tanto, debe ser leído sólo como un punto de partida que apunta en esa dirección. Indagar estas cuestiones supone internarse en una variedad de aspectos imposibles de abordar en una sola presentación.4 Por lo tanto, aquí me centraré en identificar las características de las formaciones armadas que se conformaron en el espacio de la Intendencia de Buenos Aires y las tradiciones que en torno a ellas se forjaron. Algunas facetas han sido solventemente tratadas por la historiografía argentina que se ocupa del siglo XIX. T. Halperín Donghi precisó las relaciones entre las formaciones militares y la elite política revolucionaria así como la dimensión social y fiscal del proceso de militarización5 y G. Di Meglio indagó las relaciones entre este proceso y la configuración de la plebe urbana como actor político en Buenos Aires.6 A su vez, también se ha indagado la centralidad de las milicias en la configuración del régimen En trabajos anteriores me ocupé de otros aspectos: una evaluación de largo plazo en “¿Qué tuvo de revolucionaria la revolución de independencia?”, Nuevo Topo/revista de historia y pensamiento crítico, N° 5, 2008, pp. 15-44. Un análisis de las modalidades de la guerra en “Las formas de hacer la guerra en el litoral rioplatense y el retorno de un viejo problema: guerras de independencia y guerras civiles”, ponencia a las XXI Jornadas de la AAHE, Caseros, 23 al 26 de setiembre de 2008. Una exploración preliminar de la cultura política “plebeya” en “Cultura política y acción colectiva en Buenos Aires (1806-1829): un ejercicio de exploración”, en FRADKIN, Raúl (editor), ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular de la revolución de independencia en el Río de la Plata, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2008, pp. 2766. Junto a Silvia Ratto hemos indagado la incidencia de la guerra en las zonas fronterizas en “Conflictividades superpuestas. La frontera entre Buenos Aires y Santa Fe en la década de 1810”, en Boletín Americanista, en prensa y “Territorios en disputa. Liderazgos locales en la frontera entre Buenos Aires y Santa Fe (1815-1820)” (en colaboración con Silvia Ratto), en Raúl Fradkin y Jorge Gelman (compiladores), Desafíos al Orden. Política y sociedades rurales durante la Revolución de Independencia, Rosario, Prohistoria Ediciones, 2008, pp. 37-60. 5 HALPERÍN DONGHI, Tulio, “Gastos militares y economía regional: el Ejército del Norte (1810-1817)”, en Desarrollo Económico, Vol. 11, N° 41, 1971; Revolución y guerra. Formación de una élite dirigente en la Argentina criolla, Buenos Aires, Siglo XXI, 1972; “Militarización revolucionaria en Buenos Aires, 1806-1815”, en Tulio HALPERÍN DONGHI (comp.), El ocaso del orden colonial en Hispanoamérica, Buenos Aires, Sudamericana, 1978, pp. 121-157 y Guerra y finanzas en los orígenes del Estado argentino, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2005 (primera edición, 1982). 6 DI MEGLIO, Gabriel, ¡Viva el Bajo Pueblo! La plebe urbana de Buenos Aires y la política entre la Revolución de Mayo y el Rosismo, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2006. 4

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político poscolonial, la impronta de los servicios militares y milicianos sobre la población rural y los estrechos vínculos entre las milicias y la construcción de la ciudadanía.7 Recientemente, H. Sábato ha llamado la atención sobre una cuestión crucial: que los ejércitos de línea y las fuerzas milicianas sirvieron de apoyo al despliegue de concepciones y tradiciones políticas diferentes y competitivas hasta bien avanzado el siglo XIX.8 Apoyándome en estas contribuciones, mi perspectiva tomará rumbos diferentes, al menos, en dos direcciones. Por un lado, dado que esta producción se ha concentrado en el proceso abierto por los acontecimientos de 1806/7 intentaré rastrear la impronta de las tradiciones militares coloniales. Por otro, dado que estos estudios se concentraron en la experiencia bonaerense, intentaré compararla con otras del mismo espacio rioplatense. ¿A qué me refiero con tradiciones militares? Básicamente al conjunto de concepciones, normas, prácticas y experiencias forjadas en torno a la organización militar y miliciana colonial. Por cierto, esas tradiciones emergían de la matriz común del imperio español pero no fueron simplemente su réplica. Por una parte, porque esa matriz estaba lejos de ser exclusivamente hispana y se nutría de la densa experiencia estatal y militar desarrollada en Europa desde el siglo XVI y de las tensiones que emanaban con la portuguesa. Por otro, porque las formas que adoptó la organización militar imperial no respondían sólo a los designios o a las aspiraciones de sus mandos militares sino también a las experiencias que emergían de los espacios coloniales y que, pese a sus notas comunes, eran irreductibles. Es ello, entonces, lo que invita a adoptar una perspectiva comparada que permita precisar especificidades y variaciones regionales. Al respecto puede consultarse CANSANELLO, Carlos, De Súbditos a Ciudadanos. Ensayo sobre las libertades en los orígenes republicanos. Buenos Aires, 1810-1852, Buenos Aires, Imago Mundi, 2003; GARAVAGLIA, Juan Carlos, “Ejército y milicia: los campesinos bonaerenses y el peso de las exigencias militares, 1810-1860”, en Anuario IEHS, N° 18, 2003, pp 153-187; SÁBATO, Hilda y LETTIERI, Alberto (comps.), La vida política en la Argentina. Armas, votos y voces, Buenos Aires, FCE, 2003. 8 SÁBATO, Hilda, “El ciudadano en armas: violencia política en Buenos Aires (1852-1890)”, en Entrepasados. Revista de Historia, Año XII, Nº 23, 2002, pp. 149-171; “Milicias, ciudadanía y revolución: el ocaso de una tradición política. Argentina, 1880”, en Ayer. Revista de Historia Contemporánea, N° 70, 2008; “Cada elector es un brazo armado. Apuntes para una historia de las milicias en la Argentina decimonónica”, en BONAUDO, Marta, REGUERA, Andrea y ZEBERIO, Blanca (coords.), Las escalas…, pp. 105-124 y Buenos Aires en armas. La revolución de 1880, Buenos Aires, Siglo XXI, 2008. 7

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1. Las jurisdicciones territoriales en el espacio rioplatense Nuestra atención estará concentrada en ese espacio difuso y de fronteras abiertas y permeables que era el rioplatense.9 Principalmente atenderemos a los territorios que conformaron la Intendencia de Buenos Aires pero también a aquellos que estaban bajo la jurisdicción de los Gobiernos de Montevideo, de las Misiones y de la Capitanía de Río Grande, dada su incidencia en la experiencia militar rioplatense. Como es sabido, la reorganización borbónica asignó un lugar relevante a lo militar y la Corona privilegió a los oficiales de alta graduación para reclutar sus principales funcionarios. Como advirtió L. Campbell durante dos siglos el ejército había jugado un papel muy secundario en la estructuración del orden colonial dado que la autoridad habían residido en una burocracia reclutada en el estamento eclesiástico y la nobleza titulada; sin embargo, durante el siglo XVIII “la vida política se militarizó”.10 El Río de la Plata no fue una excepción y todos los virreyes e intendentes tuvieron este origen. Sin embargo, aquí – como en Chile – esta situación era anterior.11 Desde comienzos del siglo XVII la mayor parte de este espacio estuvo bajo la jurisdicción de las Gobernaciones de Buenos Aires y Asunción, estructuras de gobiernos por lo demás débiles para ejercer una autoridad efectiva sobre las pocas ciudades existentes y los vastos territorios asignados. Con todo, las autoridades coloniales se habían afirmado durante el siglo XVIII, sobre todo, por la formación del gobierno El lector encontrará un panorama preciso y actualizado en DJENDEREDJIAN, Julio C., Economía y sociedad en la Arcadia criolla. Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750-1820, Tesis de Doctorado, Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires, 2003; FREGA, Ana, Pueblos y soberanía en la revolución artiguista, Montevideo, Ed. Banda Oriental, 2007; GARAVAGLIA, Juan Carlos, Pastores y labradores de Buenos Aires. Una historia agraria de la campaña bonaerense, 1700-1830, Buenos Aires, Ediciones de la Flor/IEHS/Universidad Pablo de Olavide, 1999. GELMAN, Jorge, Campesinos y estancieros. Una región del Río de la Plata a fines de la época colonial, Buenos Aires, Editorial Los Libros del Riel, 1998. OSÓRIO, Helen, O imperio portugués no sul da américa: estancieiros, lavradores o comerciantes, Porto Alegre, UFRGS Editora, 2007. 10 CAMPBELL, León, “Cambios en la estructura social y administrativa en el Perú colonial a fines del siglo XVIII”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey. El Ejército Borbónico en América Colonial en vísperas de la Independencia, Castellón, Ed. Universitat Jaume I, 2005, pp. 231-252. 11 JARA, Alvaro, Guerra y Sociedad en Chile, Santiago de Chile, Editorial Universitaria, 1971; MOUTOUKIAS, Zacarías, “Gobierno y sociedad en el Tucumán y Río de la Plata, 1550-1800”, en Nueva Historia Argentina, Tomo 2, Buenos Aires, Sudamericana, 2000, pp. 355-411. 9

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político y militar de Montevideo y el que emergió en las misiones después de la expulsión de la Compañía de Jesús.12 La Intendencia de Buenos Aires fue puesta en funcionamiento en 1782 y a partir de 1788 su jefatura y la Superintendencia de Hacienda quedaron en manos del mismo Virrey. De este modo, este Virrey-Intendente no sólo era el Capitán General del Virreinato sino que ejercía su autoridad directa sobre los gobiernos político-militares dotados de un amplio margen de autonomía (como los de Montevideo o Yapeyú), sobre las zonas que quedaron bajo la autoridad de una Comandancia Militar como la de Frontera instituida en Buenos Aires en 1780, los emplazamientos costeros como Carmen de Patagones – convertida en sede de comandancia en 1785- y algunas zonas de nueva colonización en el sur de Entre Ríos desde 1783 y también en la Banda Oriental, tanto en Colonia como en Maldonado.13 El vasto espacio que sólo en parte gobernaba la Intendencia asistió en las últimas décadas coloniales a un notable crecimiento demográfico y fue escenario de una primera expansión ganadera.14 A su vez, se fue conformando una trama de poblados rurales de muy disímiles magnitudes, trayectorias y estatutos: esa trama contenía muy pocas ciudades (Buenos Aires, Montevideo, Santa Fe, Corrientes y Maldonado declarada ciudad en 1786), 22 villas que tenían derecho a contar con sus cabildos, 20 parroquias, 28 pueblos de indios y 10 fuertes fronterizos. Estas 85 aglomeraciones tenían muy distinta dimensión y en gran parte eran muy nuevos: 58 se habían formado a lo largo del siglo XVIII y 22 entre 1778 y 1800. Lo importante es que desde estas aglomeraciones debía organizarse el control de los territorios y poblaciones así como las fuerzas militares y milicianas.15 Para un análisis de las relaciones entre la elite santafesina y la gobernación de Buenos Aires véase BARRIERA, Darío, “La ciudad y las varas: justicia, justicias y jurisdicciones (Ss. XVI-XVII)”, en Revista de Historia del Derecho, Nº 31, 2003, pp. 69-98 y TARRAGÓ, Griselda y BARRIERA, Darío, “Elogio de la incertidumbre. La construcción de la confianza: entre la previsión y el desamparo (Santa Fe, Gobernación del Río de la Plata, siglo XVIII”, en Revista Historia, N° 48, 2008, pp. 183-223. 13 LYNCH, John, Administración colonial española (1782-1810). El sistema de intendencias en el Virreinato del Río de la Plata, Buenos Aires, EUDEBA, 1962 14 Un tratamiento comparativo de esta primera expansión ganadera en DJENDEREDJIAN, Julio C., “¿Un aire de familia? Producción ganadera y sociedad en perspectiva comparada: las fronteras rioplatenses a inicios del siglo XIX”, en Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas, Vol. 41, 2004, pp. 247-274. 15 Un análisis del papel de los poblados en Buenos Aires en BARRAL, María E. y FRADKIN, Raúl O., “Los pueblos y la construcción de las estructuras de poder institucional en la 12

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Por su parte, el imperio portugués había avanzado antes en mejorar su sistema de autoridades en el extremo sur del Brasil y cobraría mucho mayor solidez en la segunda mitad. A través de un itinerario sinuoso y no carente de oscilaciones, la autoridad de Río de Janeiro había crecido hasta convertirse en capital del novel Virreinato; para 1759, el régimen de capitanías hereditarias había sido desplazado y reconvertido a un sistema bajo directa autoridad de la Corona. Así, en 1713 se había establecido la capitanía de Río Grande de San Pedro, en 1720 la de Minas, en 1738 la de Santa Catarina y en 1748 las de Goiás y Mato Groso.16 Se trataba de un intento por afirmar la autoridad de la burocracia imperial y mejorar sustancialmente la defensa de la frontera que suponía dificultosas negociaciones con los grupos de poder local. Como resultado de esta situación y de la persistente beligerancia fronteriza desde 1680, se fue operando una creciente militarización a ambos lados de la frontera pero ella solo muy en parte se sostenía en recursos y capacidades estatales. Del lado hispano, las limitadas fuerzas existentes debían afrontar desafíos de muy diversa naturaleza que imponían diferentes exigencias: la defensa de los emplazamientos costeros frente a las amenazas de incursiones marítimas de otras potencias; la defensa de la extensa frontera “seca” con los portugueses; la defensa de las fronteras con los indios no sometidos del chaco y las pampas pero también con algunas tribus que se mantenían autónomas en el mismo litoral; la persecución del creciente número de cuatreros, bandidos y changadores; y también, debían contribuir a reprimir las sublevaciones, como las ocurridas en el área guaranítica en 1754 o en los

campaña bonaerense (1785-1836)” en Raúl O. Fradkin (Director) El poder y la vara. Estudios sobre la justicia y la construcción del estado en el Buenos Aires rural, 1780-1830, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2007, pp. 25-58. 16 SILVA GOUVÊA, María de Fátima, “Poder político e administracao na formacao do complexo atlântico português (1645-1808)”, en FRAGOSO, Joao, BILCALHO, María F. y GOUVÊA, María (org.), O Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (sécalos XVI-XVIII), Río de Janeiro, Civilizacâo Brasileira, 2001, pp. 285-315. CALSANZ FALCÓN, Francisco José, “La lucha por el control del Estado: administración y elites coloniales en Portugal y Brasil en el siglo XVIII. Las reformas del despotismo ilustrado y la sociedad colonial”, en Historia General de América Latina, Vol. IV: Procesos americanos hacia la redefinición colonial, París-Madrid, Ediciones UNESCO/Editorial TROTTA, 2000, pp. 265-283. MANSUY, Andrée y SILVA, Diniz, “Portugal y Brasil: la reorganización imperial, 17501808”, en Bethell, Leslie (ed.), Historia de América Latina, Tomo 2, Barcelona, Crítica, 1990, pp. 150-182.

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Andes en 1780. Las autoridades tuvieron que encontrar modos de afrontar estas contradictorias necesidades que exigían formas de organización militar muy diferentes. Conviene detenerse en analizar sus principales características y tratar de precisar sus especificidades. 2. La organización militar imperial La organización de la defensa de las colonias se había mantenido sin alteraciones sustanciales entre fines del siglo XVI y mediados del XVIII. Fue por entonces que la Corona comenzó a adoptar una nueva concepción, la “defensa total”. Esa nueva orientación incluía la construcción de fortificaciones, el desarrollo de la Armada, la dotación de regimientos regulares, una mayor atención y coordinación de la defensa de las fronteras con los indios y el “arreglo” de las milicias. No parece aventurado afirmar, por tanto, que fue por entonces que tomó forma el ejército imperial en América. Para ello, la Corona se vio forzada a desplegar un notable esfuerzo fiscal pero a partir de 1786 la necesidad de reducirlo derivó en la disminución de los contingentes, justamente cuando los requerimientos de la defensa se acrecentaban.17 A mediados del siglo XVIII, los ejércitos imperiales padecían varias de las limitaciones características de los modelos existentes pero acentuadas por las condiciones logísticas, organizativas, sociales y culturales que imponía la situación colonial. Entre ellas se han señalado las dificultades para realizar grandes movimientos de tropas, las tradiciones vigentes de contratar fuerzas mercenarias y el peso de las 17

ARCHER, Christon, El ejército en el México borbónico, 1760-1810, México, FCE, 1983 y “Militares”, en SOCOLOW, Susan y HOBERMAN, Louisa. (comps.), Ciudades y sociedad en Latinoamérica colonial, Buenos Aires, F.C.E., 2002, pp. 215-254; GÓMEZ PÉREZ, Carmen, El sistema defensivo americano, siglo XVIII, Madrid, MAPFRE, 1992; MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, Ejército y milicias en el mundo colonial americano, Madrid, MAPFRE, 1992; FRADERA, Josep M., Colonias para después de un imperio, Barcelona, Ediciones Bellaterra, 2005. KUETHE, Allan “Carlos III. Absolutismo ilustrado e imperio americano”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey…, pp. 1730 y “Decisiones estratégicas y las finanzas militares del XVIII”, en MARCHENA, Juan y CHUST, Manuel (eds.), Por la fuerza de las armas. Ejército e independencias en Iberoamérica, Castelló de la Plana, Publicaciones de la Universitat Jaume I, 2008, pp. 83-100. MARICHAL, Carlos, La bancarrota del virreinato. Nueva España y las finanzas del imperio español, 1780-1810, México, FCE, 1999. WEBER, David, “Borbones y bárbaros. Centro y periferia en la reformulación de la política de España hacia los indígenas no sometidos”, en Anuario I.E.H.S., Nº 13, 1998, pp. 147-171.

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aristocracias en las estructuras militares.18 Sólo muy limitadamente los ejércitos del imperio pudieron superarlas y su colapso durante la crisis imperial abierta en 1808 parece demostrarlo. Sin embargo, en ellos también se evidenció una tendencia a la innovación como lo puso en evidencia el mejoramiento de la cartografía, el incremento de la flota, el mejoramiento de las fortificaciones y la artillería, el recurso cada vez más frecuente a las órdenes escritas y un cierto desarrollo y sofisticación de la burocracia militar, como lo mostraba la conformación de un cuerpo específico de ingenieros a partir de 1762. Aún así, los ejércitos del Rey seguían siendo ejércitos de antiguo régimen y contenían una heterogeneidad de cuerpos y estatutos que le eran inherentes. Ello limitaba fuertemente su profesionalización y la aristocracia seguía teniendo un peso decisivo en la oficialidad que, al parecer, era todavía aún mayor en las colonias.19 A falta de una academia de formación profesional – salvo para los ingenieros- los cadetes se formaban en los mismos regimientos y para ello no lo se estipularon normas para seleccionarlos entre la nobleza sino que su admisión quedaba a decisión de los comandantes lo que favorecía el favoritismo y los lazos clientelares. Sin embargo, Además, a pesar de muchas disposiciones en contrario y de la proclamada preferencia por los reclutas voluntarios, los métodos de reclutamiento compulsivo estaban a la orden del día, tanto que fue en el siglo XVIII cuando se generalizó la célebre quinta, conocida como el “impuesto de sangre”.20

MCNEILL, William, La búsqueda del poder. Tecnología, fuerzas armadas y sociedad desde el 1000 d.c., Madrid, Siglo XXI, 1998, pp.175-180 19 En el Ejército de América el 67% de los oficiales eran considerados “nobles” pero entre los nacidos en América los “nobles” llegaban al 100%; no era la situación en la península donde hacia 1808 eran aristócratas sólo el 23%: MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, “La expresión de la guerra El poder colonial, el ejército y la crisis del régimen colonial”, en Historia de América Andina, Quito, Universidad Andina Simón Bolívar, Vol. 4., 2003, pp. 79-128; GARCÍA CÁRCEL, Ricardo, El sueño de la nación indomable. Los mitos de la guerra de la independencia, Madrid, Temas de Hoy, 2007, p. 136 20 BORREGUERO BELTRÁN, Cristina, “Antiguos y nuevos modelos de reclutamiento en el Ejército borbónico del siglo XVIII”, en MARCHENA, Juan y CHUST, Manuel (eds.), Por la fuerza de las armas…pp. 63-82. Como es sabido, la transformación en reclutas de los perseguidos por cuestiones penales ocupó un lugar relevante la satisfacción de las necesidades de mano de obra para la Armada Real: De las HERAS, José L., “Los galeotes de los Austrias: la penalidad al servicio de la Armada”, en Historia Social, N° 6, 1990, pp. 127-140. Ver al respecto LINEBAUGH, Peter y REDIKER, Marcus, La hidra de la Revolución. Marineros, esclavos y campesinos en la historia oculta del Atlántico, Barcelona, Crítica, 2005. 18

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A su modo, los ejércitos de la monarquía hispana expresaban la llamada la “revolución militar”21, ese conjunto de innovaciones operadas desde el siglo XVI y que incluyeron un uso más intensivo de la artillería y de las armas de fuego, la construcción de fortificaciones, el predominio de la infantería sobre la caballería y el incremento de los ejércitos permanentes. Ello trajo aparejado un sustancial aumento de los costos, de modo que en la capacidad gubernamental para sustentarlos se hallaba, cada vez más, un eje fundamental en torno al cual giraba el resultado de los conflictos. Ahora bien, los atributos de esa “revolución militar” no se habían implantado firmemente en América hispana cuando a fines del siglo XVIII, una nueva era militar se estaba abriendo en el mundo occidental: la revolución francesa trajo consigo una sustancial modificación de las concepciones estratégicas orientándolas hacia la obtención del máximo grado de movilidad de las fuerzas militares y un aumento nunca antes visto del personal movilizado así como de las concepciones políticas que sustentaban los esfuerzos militares y que se expresó en el lema de la “nación en armas” y la aspiración a profesionalizar el cuerpo de oficiales. Con ello, también, otras formas de hacer la guerra – la llamada “guerra irregular” – adquirieron una nueva centralidad.22 El Ejército de América estaba integrado por el Ejército de Dotación, el Ejército de Refuerzo y las milicias. Conviene resaltarlo desde un comienzo: las milicias eran concebidas como fuerzas auxiliares del ejército y como parte de él. Una segunda observación debe también ser subrayada desde un principio: la “Ordenanza de su Majestad para el regimiento, disciplina, subordinación y servicio de sus ejércitos” de 1768 – un cuerpo normativo que orientó la vida militar hispanoamericana hasta bien avanzado el siglo XIX – contemplaba la existencia de tres tipos de cuerpos armados: el ejército permanente, las “milicias PARKER, Geoffrey, La revolución militar. Innovación militar y apogeo de occidente, 1500-1800, Madrid, Alianza, 1990. 22 Desde comienzos del XIX los ensayos y tratados sobre la “petite guerre”, la “guerra irregular”, la “guerra de partidas” o “de guerrilla” tuvieron amplia difusión en el mundo occidental y el análisis de las experiencias en España, Prusia y Rusia pero también en Argelia ocuparon un lugar cada vez más relevante y fueron conocidas por los dirigentes políticos y militares hispanoamericanos. Véase, por ejemplo, GRANDMAISON, La Petite Guerre ou Traité du Service des Troupes legeres en Campagne, París, 1756, DECKER, Ch., De la Petite Guerre selon l’esprit de la Stratégie Moderne, París, J. Corréad, 1845. 21

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provinciales” y las “milicias urbanas”. En lo que sigue veremos la incidencia notable de ambas observaciones. Al comenzar el siglo XIX el Ejército de Dotación contaba con 29 regimientos y unos 35.000 efectivos que constituían el 87% de los veteranos en América, aunque no es improbable que se haya reducido a 25.000 en los años siguientes. La política oficial había pretendido que esos efectivos se reclutaran en la península, preferentemente entre hombres “honrados”, pero los resultados fueron muy diferentes y para entonces sólo habían nacido en ella el 16,4% de la tropa cuando en el siglo XVII eran el 80%. Sin embargo, el aumento de las tropas regulares había sido sustancial dado que para 1700 podía estimarse que sumaban tan solo unos 6.000 efectivos.23 Los integrantes de ese ejército no sólo habían nacido mayoritariamente en América sino que el 85% había nacido en la misma ciudad donde prestaba servicio. Por otra parte, las pretensiones de profesionalizar a la tropa estaban lejos de haberse alcanzado, al punto que un 74% practicaba otro oficio mientras estaba enrolado. Entre la oficialidad la situación no era demasiado diferente: un 18% había nacido en la península y el 70% en la misma ciudad donde prestaba servicio.24 Estos datos evidencian el “acriollamiento” de las tropas veteranas, sus estrechos vínculos con las ciudades donde tenían asiento y el fracaso del intento de reclutarlas en la península. Sin embargo, esa notable americanización del Ejército de Dotación era mucho más limitada a nivel del generalato y no llegaba al 20%, de modo que los altos mandos seguían en manos de peninsulares. Era, además, un ejército insuficiente para repeler una agresión externa sin recurrir a las milicias y carecía de capacidad para contener una insurrección generalizada.25 Los cambios sustanciales, por lo tanto, tuvieron que darse en las milicias y su transformación fue una empresa que abarcó tanto a las peninsulares como a las de Indias. En la península su reorganización MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, “El Ejército de América y la descomposición del orden colonial. La otra mirada en un conflicto de lealtades”, en Militaria. Revista de cultura militar, N° 4, 1992, pp. 63-91. MCFARLANE, Anthony, “Los ejércitos coloniales y la crisis del imperio español, 1808-1810”, en Historia Mexicana, N° 229, 2008, pp. 229-288. 24 MARCHENA F., Juan, “Sin temor de Rey ni de Dios. Violencia, corrupción y crisis de autoridad en la Cartagena colonial”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey…, pp. 31-100. (p. 41-42) 25 PIQUERAS, José M., “Revolución en ambos hemisferios: común, diversa(s), confrontada(s)”, en Historia Mexicana, Vol. 229, 2008, pp. 51-52 23

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comenzó hacia 1734 cuando la Corona dispuso formar 37 regimientos de milicias, “en proporción a los vecindarios y reglados en lo posible a la disciplina de los regimientos de infantería veterana”. En 1766, estos regimientos fueron aumentados a 42 y para entonces contaban con 35.316 plazas. Sin embargo, la instauración del nuevo sistema de “milicias disciplinadas” no las uniformó completamente y siguieron existiendo diversas formas de organización miliciana, en especial, las compañías de “milicia urbana”. Además, las modificaciones en el servicio miliciano tuvieron que ser acompañadas con algunas transformaciones de sus mecanismos de financiamiento, tornarlo un sistema más centralizado y mejor reglamentado. El esfuerzo reorganizador, entonces, se desplegó simultáneamente en la metrópoli y en las colonias donde las milicias se rigieron por sus respectivos reglamentos aunque primero tuvieron como referencia el peninsular de 1734 y luego adoptaron el dictado para Cuba aunque no dejaron de adaptarse a las circunstancias locales. Como ha señalado A. Kuethe, el régimen miliciano había evolucionado durante los siglos XVI y XVII en forma provisional, sin una planificación centralizada ni una organización estandarizada. La situación cambió durante la Guerra de los Siete Años y para 1763 estaba en marcha su decidida reforma en Cuba y en los dos años siguientes empezó a ponerse en marcha en Puerto Rico, Nueva España, Caracas, Perú y Buenos Aires, dónde expresamente se instruyó que se adoptara el modelo cubano.26 Aquí, la Real Cédula del 19 de enero de 1769 dispuso que “el pie de las milicias regladas” de la isla se compusiera de cinco batallones de “infantería de blancos”, dos de “pardos libres” y uno de “morenos libres” más un regimiento de caballería y otro de dragones; era un total de 6.700 infantes y 800 de caballería y dragones todos con goce del fuero militar.27 De esta manera, el régimen miliciano en las colonias debía combinar el respeto del patrón territorial y los atributos de la organización social segmentada. La obligación del servicio miliciano, por tanto, era parte inherente e inseparable de la condición de vecino pero excedía con creces

COLÓN DE LABRIÁTEGUI, Félix, Juzgados militares de España y sus Indias, Tomo II, Madrid, Imprenta Real, 1817, pp. 379-389. KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas en América”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey..., pp. 101126. 27 VALLECILLO, Antonio, Ordenanzas de S. M. para el régimen, disciplina, subordinación y servicio de los ejércitos, Tomo III, Madrid, Imprenta de Andrés y Díaz, 1854, pp. 48-49. 26

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a este segmento social.28 De esta situación emergerían no pocas de las tensiones posteriores. Con el nuevo régimen de milicias “regladas” o “disciplinadas” se trataba de transformar las antiguas milicias de voluntarios sostenidas y comandadas localmente, en una estructura que cobrara mayor amplitud, estuviera además mejor entrenada, prestara un servicio en espacios mucho más amplios que la defensa de la propia localidad y que quedara más subordinada a los mandos militares veteranos. Para atraer a los milicianos se dispuso que gozaran del fuero militar y recibieran remuneración durante el servicio activo; para mejor su preparación y ejercer un control mayor sobre ella se dispuso que los milicianos fueran comandados y entrenados por una plana mayor veterana. La reforma, por tanto, no sólo buscaba mayor eficacia sino también centralizar su conducción y modificar las relaciones históricas entre milicianos y veteranos. De suyo, ello implicaba también transformar las relaciones entre autoridades locales y superiores. Esta doble tensión que contenía la reforma de las milicias resulta central a la hora de evaluar tanto su eficacia como las tensiones que generó. Las ordenanzas de milicias fueron – para decirlo con las palabras de M. Chust y J. Marchena – la “piedra angular del estado borbónico”.29 Sin embargo, los resultados de la reforma miliciana fueron extremadamente dispares. En este sentido, el contraste entre Cuba y Nueva España ha sido señalado por A. Kuethe como un modelo para el imperio completo, dado que por lo general la reforma obtuvo mejores resultados en las costas y tuvo mucho menor alcance en las tierras interiores. No parece exagerado, entonces, concluir que la incapacidad imperial para mantener bajo control la expansión del sistema miliciano fue uno de los mayores fracasos de la política imperial y que en ningún caso parece haber sido más exitoso que en Cuba.30 Además de dispares, Acerca de la condición flexible y negociada de la vecindad, véase el lúcido artículo de HERZOG, Tamar, “La vecindad: entre condición formal y negociación continua. Reflexiones entorno de las categorías sociales y las redes personales”, en Anuario IEHS, Nº 15, 2000, pp. 123-132. 29 CHUST, Manuel y MARCHENA, Juan “De milicianos de la Monarquía a guardianes de la Nación”, en CHUST, Manuel y MARCHENA, Juan (eds.), Las armas de la Nación. Independencia y ciudadanía en Hispanoamérica (1750-1850), Iberoamericana, pp. 7-14. 30 KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas ¿fracaso o éxito?, en ORTÍZ ESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, El Colegio de México/El Colegio de Michoacán/Universidad Veracruzana, 2005, p.19-26. 28

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los resultados fueron desalentadores para las autoridades: se trataba, decían, “sólo listas de hombres” y “creaciones verdaderamente metafísicas, sin ninguna utilidad real”.31 A esta altura parece necesario recordar que “milicia” es un término antiguo, polisémico y que portaba una compleja historia y que se hará todavía más compleja en el siglo XIX. Para 1734, cuando la reforma de las milicias peninsulares estaba en sus comienzos, el Diccionario de la Real Academia definía a las milicias como “cuerpos formados de vecinos de algún País o Ciudad que se alistan para salir a la campaña en su defensa, quando lo pide la necesidad y no en otra ocasión.” Esta era la concepción tradicional y arraigada y con ella debieron lidiar las autoridades borbónicas puesto que las milicias eran entendidas como parte inseparable de los derechos y obligaciones de la estructura corporativa-territorial del Antiguo Régimen. Para 1803, el mismo diccionario distinguía ahora dos acepciones más, siguiendo lo establecido en las ordenanzas de 1768: las “milicias provinciales”, término al que se le asignaba el mismo significado que a milicia y las “milicias urbanas” que eran definidas como “Cierto número de compañías que residen fijas en varios pueblos a las órdenes de sus comandantes que son por lo común los Gobernadores de las plazas”. Este doble significado y denominación era un aspecto central en la historia de las milicias en el mundo iberoamericano y, a su modo, también aparecía en el imperio portugués a través de la distinción entre las milicias “de ordenanza” y las “auxiliares” Lo cierto es que mientras las fuerzas veteranas se habían hecho cada vez más americanas en su composición, en las milicias esta situación era todavía más acusada. J. Machena señaló que la conjunción de la vanidad social en las elites locales, su miedo a una convulsión racial y la necesidad de asegurar el orden las llevó a “fortalecerse tras la institución militar colonial” de modo que “los soldados del Rey terminaron por 31

De esta forma, en el virreinato peruano se produjo una notable ampliación de las milicias (unos 50.000 efectivos hacia 1763 y el doble en la década siguiente) aunque más tarde ese nivel de alistamiento no se pudo ni se quiso mantener.: CAMPBELL, León, “Cambios en la estructura…, p. 244. La situación no parece haber sido muy diferente en Nueva España donde tras veinte años de reforma las milicias, con sus 40.000 efectivos, seguían siendo “la espina dorsal” de la organización militar mientras las fuerzas veteranas no llegaban a 6.000 efectivos. Más aún, para 1794 la fuerza realmente disponible era mucho menor a la establecida y sólo sumaba unos 4.700 hombres, sumando veteranos y milicianos: ARCHER, Christon, El ejército…, pp. 39-40, 50 y 55.

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estar a su servicio”.32 Y, en el mismo sentido, A. Kuethe concluyó que tanto por el papel que los criollos tenían en el financiamiento del ejército como porque éste se había convertido en un medio de acumulación de autoridad y prestigio, se había transformado en una institución “autónoma” y “autosupervisada”.33 3. Las peculiaridades rioplatenses ¿Hasta qué punto estos rasgos dan cuenta de la experiencia rioplatense? No podemos aquí reconstruir la historia militar rioplatense pero sí apuntar algunos de sus rasgos principales.34 Pero antes conviene detenerse en un aspecto del cual no puede prescindirse: el largo ciclo de confrontación hispano-portugués y las simultáneas medidas de reorganización de la defensa desde mediados del siglo XVIII. En Brasil, el régimen de milicias fue estructurado con las ordenanzas de 1570 que estipularon el enrolamiento obligatorio de los moradores entre 18 y 60 años, con la exclusión de hidalgos y sacerdotes; ello supuso, además, la adopción de la estructura de tercios tomada de los castellanos quienes, a su vez, la habían adoptado de los suizos. Sin embargo, la experiencia militar brasileña lejos estuvo de ser una mera imitación, adquirió características específicas y generó un modo peculiar de concebir y hacer la guerra. En particular, se trató de una experiencia militar colonial construida a partir del “derecho” que tenían quiénes prestaban servicio a obtener indios cautivos y tierras en compensación. De esta manera, las estructuras milicianas tendieron a reforzar las jerarquías sociales preexistentes entre los hombres libres y a definir con mayor fuerza la rigidez de las fronteras sociales.35 Durante la segunda MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan, “Presentación. Militarismo, revueltas e independencias en América latina”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey…, pp. 7-16. 33 KUETHE, Allan, “Carlos III. Absolutismo ilustrado…,p. 28 34 El estudio más completo e imprescindible sigue siendo BEVERINA, Juan, El Virreinato de las Provincias del Río de la Plata. Su Organización Militar, Buenos Aires, Círculo Militar, Biblioteca del Oficial, 1992. Entre los trabajos más recientes: GOYRET, José Teófilo, “Huestes, milicias y ejército regular”, en TAU ANZOÁTEGUI, Víctor (dir.), Nueva Historia de la Nación Argentina, Tomo II, Planeta, Buenos Aires, 1999, pp. 351-382. 35 PUNTONI, Pedro, “A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansao da fronteira da América portuguesa (1550-1700)”, en CASTRO, Celso, IZECKSOHN, Vitor y KRAAY, Hendrick (org.,), Nova História Militar Brasileira, Río de Janeiro, Editora FGV, 2004, pp. 43-66. 32

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mitad del siglo XVIII las autoridades intentaron reorganizar la defensa trasladando unidades veteranas desde otras regiones del imperio y ampliando los cuerpos de auxiliares y de ordenanzas. En este punto, las estrategias hispanas y portuguesas eran muy semejantes. Ahora bien, ello suponía una puesta en tensión de las relaciones entre autoridades centrales y poderes locales y resultaba particularmente compleja en un sistema de administración estructurado en torno a instancias de intermediación y que dejaba un amplio margen de autonomía efectiva de las estructuras políticas periféricas.36 Las fuerzas milicianas existentes constituían “la espina dorsal” del orden colonial y, por tanto, eran también espacios de negociación de los vínculos entre la metrópoli y la colonia. De esta manera, si la temporaria pérdida de La Habana y Manila fue para el imperio español la demostración que era impostergable la reorganización militar, un lugar equivalente tuvo para el portugués la ocupación hispana de Colonia del Sacramento y la villa de Río Grande en 1762. Ello se manifestó mediante una reorganización de la defensa que implicó el establecimiento de tres regimientos de infantería de línea en la capital, el reforzamiento de la dotación de Santa Catarina y una notable ampliación del espacio de lo militar en la sociedad colonial, sobre todo, a través de la constitución del mayor número posible de cuerpos de milicias. Sin embargo, las pretensiones oficiales encontraron un límite preciso en las resistencias que ofrecieron las elites locales y ellas forzaron a entablar recurrentes negociaciones y compromisos en la medida que los gobernadores no podían prescindir de su apoyo. En tales condiciones, la supuesta universalidad del servicio miliciano se empantanó ante la densa trama de privilegios que estructuraban el orden colonial y fueron las ordenanzas localmente estructuradas y sostenidas las que tuvieron a su cargo la tarea de organizar las levas para abastecer a las fuerzas de línea limitando de este modo también la fortaleza de las fuerzas veteranas. Ello, sin duda, dificultaba la satisfacción de las necesidades gubernamentales que tan tardíamente como en 1796 decidieron transferir la administración del reclutamiento a la Intendencia General de Policía.

36

HESPANHA, António M., “A constituicao do Imperio portugués. Revisao de algunos enviasementos correntes”, en O Antigo Regimen…, pp. 163-188.

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En consecuencia, esas instancias de mediación realizaban una “traducción local” de las órdenes del gobierno imperial de modo que las instituciones militares importadas de la metrópoli adquirían en la colonia nuevos contornos: así, las milicias imaginadas inicialmente como la expresión de una “nobleza de la tierra” incorporaban a principios del siglo XIX regimientos de mulatos, pardos y libertos; en forma análoga, si el reclutamiento para las tropas de línea estaba teóricamente restringido a los blancos, en la práctica no era lo que sucedía y para entonces la totalidad de las tropas regulares de Bahía era reclutada localmente. Más aún, en 1766 fueron reorganizadas las milicias y se formaron nuevos cuerpos auxiliares que debían estar integrados “sem excecao de nobres, plebeus, brancos, mesticos, pretos, ingénuos e libertos” y mientras se disponía la formación de destacamentos forzados para el sur fueron transferidos al Brasil tres regimientos portugueses y tropas de las Azores.37 Sin embargo, todas las evidencias consultadas indican que el fortalecimiento de las milicias durante la segunda mitad del XVIII no permitió construir fuerzas que le resultaran confiables a las autoridades coloniales así como que esa desconfianza era aún acentuada respecto de las milicias de la frontera sur. Por lo tanto, en esta frontera el ejercicio de la autoridad, el reclutamiento para las tropas de línea, su abastecimiento y la movilización de las milicias dependían casi completamente de la colaboración de los núcleos locales de poder. Esa frontera sur era imprecisa, móvil y permeable y las dificultades para afirmarla se debían ante todo a que se intentaba imponer en un espacio en el cual no había diferencias marcadas en cuanto a los patrones demográficos, sociales y productivos que se intentaba bajo la jurisdicción de ambos imperios. Las tropas veteranas en la frontera, por otra parte, eran reducidas y para la década de 1780 sólo rondaban los 720 efectivos. Además, presentaban permanentes deserciones que, al parecer, eran más frecuentes entre los oriundos de la zona que entre los paulistas. No era, por cierto, una situación muy diferente a la que afrontaban las autoridades de Montevideo o de Buenos Aires aunque ellas solían 37

PAGANO DE MELO, Christiane F., “A guerra e o pacto: a política de intensa mobilizacao militar nas Minas Gerais” y FARIA MENDES, Fabio, “Encargos, privilégios e directos: o recrutamento militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX”, en CASTRO, Celso, IZECKSOHN, Vitor y KRAAY, Hendrick (org.), Nova História…, pp. 67-86 y 111-137 respectivamente.

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describir con envidia la situación de sus rivales. A estas autoridades se les hacía extremadamente difícil controlar ese espacio fronterizo habitado por una población móvil sobre la que ejercían muy limitada autoridad y que estaba atravesado por una gama de circuitos clandestinos de comercialización y transitado por desertores, esclavos fugados, partidas de bandidos, cuatreros y changadores. De cualquier modo, la militarización de la frontera hispano-portuguesa constituyó el principal acicate para la estructuración militar del área rioplatense. Y ello traía aparejado sus dilemas pues la mayoría de las fuerzas milicianas existentes se habían formado y entrenado para la defensa de las ciudades y la lucha de frontera con los indios de modo que su preparación era escasamente adecuada para afrontar este tipo de confrontación. Así, la guerra de 1801 demostró la extraordinaria debilidad defensiva de la frontera hispana. Para entonces, la dotación de tropa veterana hispana era prácticamente inexistente en los pueblos misioneros – sólo había un destacamento de doce Dragones – y se demostró que no podía ser suplida desde Buenos Aires o Montevideo. La frontera, por lo tanto, quedaba a merced de las invasiones en tiempo de guerra y, en tiempos de paz, de las partidas de ladrones que “hacen causa común con los infieles Charrúas y Minuanes”. Más aún, les preocupaba que los pobladores portugueses – que “no caben en sus terrenos fronterizos”- atravesaban la frontera y que las milicias de Río Pardo estuvieran “sobre un pie de rigorosa disciplina”, perfectamente vestidas y armadas y superaran los 3.000 hombres.38 Las fuerzas veteranas Hasta 1631 Buenos Aires basó su defensa exclusivamente en el servicio de milicia de los vecinos. Desde entonces contó además con “compañías de presidio”, tropas veteranas rentadas por la Real Hacienda y que debían – supuestamente – reclutarse en la península. La presencia del presidio era decisiva en la ciudad, tanto por su incidencia demográfica como mercantil. De este modo, su oficialidad era inseparable de la trama de poder de la ciudad.39

Informe del subinspector general Marqués de Sobremonte, 1802, en BEVERINA, Juan, El Virreinato…, Anexo 19, pp. 437-443. 39 TRUJILLO, Oscar, La rebelión de Portugal en Buenos Aires: elite, instituciones y poder político, Tesis de Maestría en preparación, Universidad Nacional de Luján, Capítulo 3. 38

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Para 1718 esas compañías fueron sustituidas por nuevas unidades veteranas que sumaban unos 450 efectivos y que, en los años siguientes llegaron al millar. De este modo, en la década de 1740 puede estimarse que había en la ciudad un soldado veterano cada 12 habitantes. Esa tropa veterana en la década de 1760 llegó a oscilar entre 3.000 y 4.600 efectivos y era, sin duda, enorme para una ciudad que rondaba los 24.000 habitantes. Algunos datos comparativos permiten advertirlo: era una dotación muy poco inferior a la novohispana, semejante a la de Cuba y superior a la de Lima-El Callao. De este modo, mientras Buenos Aires llegaba a tener un soldado cada 5,1 habitantes, La Habana contaba con uno cada 7,6 y Lima con uno cada 15,2.40 Dicho en otros términos, la impronta militar en la vida de la ciudad había sido y seguía siendo decisiva. Estas fuerzas eran casi completamente de infantería, a excepción de unos 500 Dragones y de los 144 integrantes del cuerpo de Artillería. Sin embargo, en su mayor parte eran contingentes de refuerzo, como los casi mil efectivos del Regimiento de Mallorca enviados en 1765. Sin embargo, para entonces, el estado de la tropa era dramáticamente descrito por sus mandos. Por ejemplo, el virrey Vértiz recordaría años después la impresión que le causó al hacerse cargo de su cargo de inspector general en 1768: las tropas “sólo tenían el nombre de tal” y el soldado “asistía sólo al cuartel a dormir”. Pero había algo peor: ese soldado estaba “acostumbrado a no recibir castigo por sus delitos, por no asistirse puntualmente con el prest, formaba complot y se sublevaba con cualquier pretexto”.41

Los datos de las dotaciones hacia 1771 (Buenos Aires: 4682 efectivos, Cuba: 4.731 y LimaEl Callao: con 3.404) provienen de CAMPBELL, León “Cambios en la estructura…, p. 243. Los de población de SOCOLOW, Susan y HOBERMAN, Louisa. (comps.), Ciudades…, p.10. Una idea precisa acerca de la magnitud relativa de la dotación de Buenos Aires la ofrece el siguiente dato: en 1762, antes de la reorganización militar que la tuvo por epicentro, La Habana contaba con 2330 efectivos, es decir una fuerza semejante a la que dispondría Buenos Aires en su regimiento de infantería. KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas ¿fracaso o éxito?, en ORTÍZ ESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, El Colegio de México/El Colegio de Michoacán/Universidad Veracruzana, 2005, p.20 41 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 238. Esta rebeldía e indisciplina no era, por cierto, patrimonio exclusivo de los veteranos del Río de la Plata: MARCHENA F., Juan, “Sin temor de Rey… 40

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Para 1772 las fuerzas veteranas habían sido agrupadas en tres unidades: el nuevo regimiento de infantería de Buenos Aires, el de Dragones y el del Artillería que eran considerados fijos y apenas superaban los 1.100 efectivos. El gobernador atribuía esta situación al dilatado tiempo de servicio, las continuas deserciones, la escasez de reclutas y su avanzada edad. La situación, al parecer, mejoró un poco en los años siguientes, sobre todo, después de la impresionante expedición que comandó Pedro de Cevallos en 1776 con más de 9.000 hombres – la mayor de la historia colonial rioplatense- y que habría de derivar en la formación del Virreinato del Río de la Plata: a su regreso el comandante dispuso que quedaran agregados unos 800 hombres.42 De esta manera, hacia 1781 el Virreinato contaba con 2.505 efectivos veteranos. Pero, ¿cómo estaban distribuidos en su vasto territorio? En la capital sólo había 341 (el 13,6%). A Charcas habían sido desplazados 310 (12,3%) y en la costa patagónica había 171 (6,8%). En cambio, en Montevideo había 962 (38,4%). Conviene registrar que el total de tropas veteranas acantonadas en distintos puntos del territorio oriental era mayor pues había 341 en Maldonado (es decir, los mismos efectivos que en la capital) y 198 en Colonia. Sumaban, así, 1661 (el 66,3%). En contraste, las Misiones sólo contaban con 14 efectivos, Santa Fe apenas con 7, Córdoba sólo con uno mientras no había ninguno en el Paraguay.43 Este patrón de distribución de la tropa veterana es por demás significativo y advierte ante la realización de generalizaciones abusivas. La mayor parte del Virreinato carecía de tropas veteranas, en Buenos Aires su número había decrecido sustancialmente y la mayor parte estaban en la Banda Oriental y, particularmente, en Montevideo. ¿Cuánto cambió esta situación en los años siguientes? Conviene apuntar algunas de las evidencias disponibles. En 1789 se reorganizó el regimiento Fijo de Infantería dotándolo de tres batallones y con 2.067 plazas asignadas. Para 1802 estaba establecido que debía haber 4.305 efectivos pero sólo estaban cubiertas las plazas de 2.509 y dos años después el faltante seguía superando los 2.000. Ahora, una parte importante (1.460) estaba en Buenos Aires pero esta cifra resulta engañosa. 1.049 correspondían a un cuerpo veterano muy particular, el

42 43

BEVERINA, Juan, El virreinato…,pp. 201-203. BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 418.

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de Blandengues que significaba el 41% de los veteranos realmente existentes en la jurisdicción. De esta manera, Buenos Aires, que se había convertido en una de las capitales coloniales con más rápido crecimiento demográfico, había pasado a tener un veterano cada 27 habitantes mientras que en Montevideo esa relación puede haber sido de uno cada 8. Para toda la Intendencia estaba previsto que hubiera 4.305 veteranos pero la junta de guerra de 1805 calculaba que sólo contaba con 2.18544, es decir, casi la misma dotación del Fijo de Infantería de Buenos Aires pocos años antes. Era claro, entonces, que pese a los sucesivos planes el estado de las fuerzas veteranas en el Plata no mejoraba. En buena medida, ello se debía a que el reclutamiento de estas tropas afrontaba dificultades insalvables y bien lo demostraba el recurrente faltante de efectivos para cubrir las plazas establecidas. Aquí también se pretendió que esos veteranos fueran reclutados en la península pues, como afirmaba el virrey Vértiz en 1783 “la experiencia me ha manifestado que el reclutar en este país es de ninguna utilidad […] y observé que, lejos de ser conveniente, era muy perjudicial, pues el que entraba desertaba al instante.”

Más aún, para 1800 el subinspector general debió suspender el accionar de “las partidas de recluta” ante las generalizadas deserciones que afrontaba. De esta manera, mientras las autoridades imperiales insistían en implementar un reclutamiento local, las virreinales preferían cubrir las plazas vacantes atrayendo voluntarios de las unidades de refuerzo antes de su regreso, plantar la bandera de recluta en la península y, sobre todo, el envío de contingentes de reemplazo a lo que la Corona era ahora completamente renuente. Es cierto que en 1783 se dispuso poner la bandera de reclutamiento en La Coruña y en 1802 los virreyes propusieron dejarla allí exclusivamente para reclutar infantes e instalar otras en diversos puntos de Andalucía para abastecer al regimiento de Dragones. Su argumento no podía ser soslayado: la bandera en La Coruña no sólo era insuficiente sino que no había suministrado ningún recluta durante la guerra de 1801 y por ello fue preciso intentar reclutamiento en Paraguay y Córdoba: pero, para decirlo con las palabras del subinspector general

44

GOYRET, José, “Huestes…”, pp. 372-375.

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“sólo he podido conseguir no hacer mayor la baja y el desengaño de que todo esfuerzo es en vano para promover en estos países la afición al servicio de soldado, por la abundancia de los efectos necesarios para la vida en la campaña y la libertad que ésta ofrece.”45

Esa recluta peninsular – se suponía – debía realizarse entre hombres “honorables” pero los resultados fueron bien distintos, entre otros motivos porque en 1773 se dispuso que fuera entre los incursos en primera deserción entre quienes se seleccionasen los efectivos de reemplazo. Por estos y otros motivos, la estructura militar se convirtió en uno de los canales de la inmigración peninsular y los soldados provenían de las clases bajas, la mitad eran labradores y el resto ejercía trabajos artesanales o de servicios.46 Esas dificultades en buena medida provenían de los montos de las remuneraciones y de los habituales atrasos con que eran percibidas. Según el virrey Vértiz “El soldado de Infantería goza al mes de ocho pesos de pré; el de Caballería y Dragones, nueve; unos y otros un peso de gratificación en lugar de la ración que recibían en especie, de modo que el infante junta nueve pesos y el dragón diez; hoy, por los atrasos del Real Erario, se les suministra a todos media paga y gratificación ración; con lo que el soldado de Infantería percibe cinco pesos, y cinco y medio el de Caballería o Dragones”. 47

En síntesis, el Río de la Plata tenía una experiencia militar colonial signada por una intensa presencia de tropas veteranas, pero fue una presencia inestable y de tendencia no sólo decreciente sino cada vez más concentrada en Montevideo. Por tanto, la defensa de la capital, antes de 1806, ya descansaba en buena medida en las milicias. Fuera de ambas ciudades sólo había reducidas fuerzas veteranas en Colonia y Maldonado. En el resto del territorio todo dependía de las milicias y de los Blandengues. Esas fuerzas veteranas eran mayoritariamente de infantería y no se trataba de una excepcionalidad rioplatense. Por el contrario, en los ejércitos del Rey la abrumadora mayoría de las tropas eran de infantería. BEVERINA, Juan, El virreinato…, pp. 225-231y 437. PÉREZ, Mariana, “Los soldados - inmigrantes: el ejército como vía migratoria de los peninsulares pobres al Río de la Plata durante el período tardo colonial”, ponencia presentada a las VI Jornadas de AEPA, Neuquén, 14 al 16 de noviembre de 2001. 47 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 255. 45 46

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Se trata de un fenómeno más vasto que abarcó a casi todos los ejércitos de la época y que si había comenzado bajo el influjo de Federico de Prusia alcanzó su máxima intensidad durante la experiencia napoleónica. Lo mismo sucedía en América: así, en 1806 en la Nueva España sólo 11% de las tropas veteranas eran de caballería y en Perú se reducían a la escolta del Virrey y a dos batallones asentados en Chiloé y Guayaquil. En este aspecto, el ejército de América era semejante al peninsular donde a la caballería pertenecían el 15% de los efectivos.48 En el Río de la Plata las fuerzas veteranas contaban con una reducida caballería, un regimiento de Dragones – que en rigor era una fuerza de infantería montada- y que hacia 1789 tenía una tropa de 720 plazas, cuando hasta entonces eran 516. No sólo era, por cierto, una dotación de caballería veterana extremadamente reducida para las exigencias que suponía la defensa de las fronteras indígena y portuguesa sino que además no era plenamente de caballería. En este aspecto, también, las autoridades virreinales tenían una opinión diferente de las imperiales y consideraban mucho más necesarios que a los Dragones que a las tropas de infantería y hasta llegaron a proponer en 1805 convertir el regimiento de infantería en dos de Dragones.49 Propuestas de este tipo iban se apartaban claramente de las concepciones estratégicas dominantes y aunque no fueron escuchadas por Madrid expresaban muy claramente las exigencias rioplatenses. Las soluciones tenían que ser locales y provinieron de los cuerpos de Blandengues de la Frontera. Como lo recordaría años después Lucio V. Mansilla el cuerpo “era más bien una especie de milicia rural, que una tropa de línea” y constituía “una verdadera caballería ligera”.50 Inicialmente estaban armados con una carabina pero luego adoptaron la lanza como arma preferente y un machete que no tardó en ser reemplazado por un sable común con vaina de latón. En un principio, se ARCHER, Christon, El ejército… pp 381-382; LUQUI-LAGLEYZE, Julio M., “Por el Rey…, p. 33 y 149. GARCÍA CÁRCEL, Ricardo, El sueño…pp. 125-126. Hacia 1808, el ejército imperial contaba con 138.241 efectivos de los cuales 113.424 eran de infantería, 16.623 de caballería, 6.697 de artillería y 1.223 de ingenieros: CUENCA TORIBIO, José Manuel, La Guerra de la Independencia. Un conflicto decisivo (1808-1814), Madrid, Encuentro, 2006, p. 20. 49 BEVERINA, Juan, El virreinato…, pp. 211-212. 50 MANSILLA, Lucio V. “Dos palabras sobre la caballería argentina por el capitán don…”, en La Revista de Buenos Aires. Historia Americana, Literatura y Derecho, Tomo II, Buenos Aires, Imprenta de Mayo, 1863, pp. 67-68. 48

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trató de una milicia de caballería destinada a la defensa de la frontera con los indios organizada en Santa Fe en la década de 1720 e implantada en Buenos Aires a mediados de siglo, una decisión que expresaba el fracaso de una estrategia de defensa de las fronteras asentada en milicias a ración y sin sueldo. Este cuerpo, solventado con fondos locales y reclutado entre la “gente del país”, terminó por ser convertido definitivamente en veterano en 1784 y se dispuso que contara con 600 plazas (aunque pocas veces alcanzó efectivamente esa dotación) y que su comandante oficiara al mismo tiempo de Comandante de la Frontera de Buenos Aires. Mientras tanto, la compañía de Blandengues de Santa Fe también había sido convertida en veterana, en una fuerza “de sueldo continuo, satisfecho por el ramo de arbitrios de aquella ciudad”.51 La experiencia, sino exitosa, la única posible – fue retomada por las autoridades virreinales y en 1797 se formó el cuerpo de Blandengues de la Frontera de Montevideo y aquí el objetivo era con 800 plazas. Para ello, se procedió a disponer un indulto a vagos, cuatreros y desertores salvo aquellos acusados de homicidio o de haber enfrentado con armas a las partidas celadoras e incluso – como decía Cipriano de Melo – “los mejores son los que han andado en el trajín clandestino”, aunque ellos también tendrían que presentarse al menos con seis caballos.52 Aún así, para 1802 a este cuerpo le faltaba el 50% de sus efectivos y la situación no habría de mejorar en los años siguientes. Como puede verse, entonces, todos los cuerpos veteranos independientemente de sus características, afrontaron insuperables problemas de reclutamiento. Pero, aún así, para defender esas vastas fronteras las autoridades solo podían apelar a los Blandengues. Obviamente, las unidades de caballería de lanceros no eran ni una novedad ni exclusivas del Río de la Plata53 pero aquí parecen haber adquirido una BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 217. PIVEL DEVOTO, Juan, Raíces coloniales de la revolución oriental de 1811, Montevideo, 1952, pp. 36-37. 53 Por ejemplo, había en Veracruz siete escuadras destinadas a vigilar las costas que sumaban unos 1000 hombres reclutados entre blancos, mestizos, pardos y morenos libres, en su mayor parte agricultores: DE LA SERNA, Juan Manuel, “Integración e identidad, pardos y morenos en las milicias y cuerpos de lanceros de Veracruz en el siglo XVIII”, en ORTÍZ ESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, El Colegio de México/El Colegio de Michoacán/Universidad Veracruzana, 2005, p. 61-74 y JUÁREZ MARTÍNEZ, Abel, “Las milicias de lanceros pardos en la región sotaventina durante los últimos años de la colonia”, idem, pp. 75-91. 51 52

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relevancia particular y la experiencia de los Blandengues es interesante porque ilustra con suma claridad acerca de la existencia de formas híbridas que no pueden reducirse a una dicotomía entre veteranas y milicianas. A su vez, porque esta experiencia anticipa tanto un proceso que más tarde será decisivo (la necesidad de transformar fuerzas milicianas en veteranas) como la extrema dificultad para organizar una caballería veterana con estos endebles precedentes coloniales. Para operar esa transformación no sólo debía modificarse el status legal de las tropas. También debía resolverse el espinoso problema del financiamiento de una fuerza de servicio permanente y remuneración continua. La solución implementada no podía ser más sugestiva: en Buenos Aires y Montevideo los costos fueron afrontados por la implantación del llamado ramo de guerra (un impuesto sobre las extracciones de cueros) y en Santa Fe apelando a los arbitrios de la ciudad. Se esperaba, de este modo, conformar una fuerza veterana de caballería sujeta al comando de autoridades superiores pero sostenida localmente y reclutada entre los “hijos del país”.54 Esa transformación suponía también la necesidad de modificar su distribución, armamento y entrenamiento. Durante su fase miliciana los Blandengues habían sido una fuerza de lanceros móvil y sin acantonamiento fijo. La reorganización del cuerpo a partir de la década de 1750 supuso un cambio en la forma de practicar el servicio que pasó a realizarse en y desde las nuevas guardias de frontera que comenzaron a organizarse y que se completaron a fines de la década de 1770. La pretensión de dotarlos de armas de fuego, en cambio, quedó incumplida y no es extraño pues era una dificultad permanente y característica en un territorio donde “no hay espadas ni aun para dos Regimientos, ni carabinas.”55 La utilización por parte de los gobernadores y luego de los intendentes de recursos locales para sostener fuerzas que cumplieran misiones que excedieran el plano de la defensa local no sólo creaba instancias de autoridad que quedaban en principio fuera de la influencia de los notables del lugar sino que era vista como un agravio a sus derechos y privilegios y no dejó de concitar resistencias. Lo sucedido al gobernador del Tucumán en 1767 fue, en este sentido, paradigmático y expresa la resistencia a una reforma miliciana que empleaba los milicianos para planes de defensa más general pero apropiándose de recursos locales: PAZ, Gustavo, “La hora del Cabildo: Jujuy y su defensa de los derechos del ‘pueblo’ en 1811", en Fabián HERRERO (comp.), Revolución. Política e ideas en el Río de la Plata durante la década de 1810, Buenos Aires, Ediciones Cooperativas, 2004, pp. 149-166. 55 Informe del subinspector general marqués de Sobre Monte, 1802, en BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 442. 54

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Pero además, la transformación de los blandengues en veteranos no traía consigo la disminución de las exigencias que recaían sobre las milicias para la defensa de las fronteras. Dado que los tres cuerpos de Blandengues (el de Buenos Aires, la compañía de Santa Fe y el Montevideo) debían sumar unos 1.500 hombres (a los que cabría agregar una “compañía de partidarios” de 100 plazas que estaba situada en la frontera de Córdoba 56) eran insuficientes para asegurar la defensa fronteriza, ésta seguía descansado en las milicias rurales.57 Aún así, dado que el resto de las fuerzas veteranas estaban concentradas en algunos puntos precisos, en la mayor parte de las zonas rurales los Blandengues fueron las únicas fuerzas veteranas existentes. Era preciso, por tanto, elegir entre ellos a quienes entrenaran y disciplinaran a las milicias rurales y el comandante del cuerpo en Buenos Aires era, al mismo tiempo, el Comandante de Frontera y el jefe de las milicias de campaña. Pero eran, una fuerza muy poco veterana, por cierto. Pese a todas sus peculiaridades el reclutamiento reproducía las mismas dificultades que afrontaban los otros cuerpos y por más que las disposiciones oficiales establecieron que los integrantes de las compañías debían ser gente de “honrado nacimiento y buenos procederes” en la práctica los reclutas provenían de los sectores sociales más bajos de la campaña y particularmente de los inmigrantes del interior sujetos a la leva. De este modo, si la tropa veterana de origen peninsular terminó reclutándose en los sectores bajos de la población española, los Blandengues estuvieron integrados mayoritariamente por migrantes internos y campesinos y reconocimiento sin arraigo social. Frente a unos y otros, los milicianos podían expresar otras aspiraciones aunque improbablemente fueran todos vecinos honorables. Esta escasa honorabilidad del servicio veterano sin duda debe haber influido en las dificultades de reclutamiento. Y a ellos se sumaban otros problemas: si bien la remuneración prometida era relativamente alta, el blandengue Los “partidarios” eran milicianos de origen campesino que guarnecían la extensa frontera de la antigua Gobernación del Tucumán con el Chaco. 57 MARFANY, Roberto, “El cuerpo de Blandengues de la Frontera de Buenos Aires (17521810)”. Humanidades. La Plata. Tomo XXIII, 1933, pp. 313-374 y MAYO, Carlos y Amalia LATRUBESSE, Terratenientes soldados y cautivos: la frontera 1736-1815, Mar del Plata, Universidad Nacional de Mar del Plata, 1993. NÉSPOLO, Eugenia, “La “Frontera” bonaerense en el siglo XVIII un espacio políticamente concertado: fuertes, vecinos, milicias y autoridades civiles-militares”, en Mundo Agrario, Vol. 7, N° 13, 2006. 56

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debía costearse el uniforme, alistarse con sus propios caballos y pagarse la manutención al tiempo que recibía su paga en forma irregular y con descuentos. En este aspecto, también los Blandengues eran un cuerpo veterano muy peculiar que mantenía varios de los aspectos distintivos del servicio de milicia. Dragones y Blandengues eran unidades de naturaleza diferentes. Según el Diccionario de la Real Academia de 1780 el Dragón era una “clase de soldados, que aunque van montados tienen obligación de desmontarse y pelear a pie como la infantería cuando se les mandare, por lo cual no calzan botas fuertes como los soldados de a caballo” y en 1803 lo definía como un “Soldado que hace el servicio igualmente a pie que a caballo”. En tal sentido, los Dragones eran una tropa que requería una especial preparación y un armamento acorde con esta versatilidad. En cambio, el Blandengue era definido en 1803 como “Soldado armado con lanza, que defiende los límites de la provincia de Buenos Aires”. Si los Dragones eran un cuerpo que provenía de la experiencia militar europea, los Blandengues emergían del medio local y las habilidades que requería su desempeño como su armamento lo expresaba con claridad. Había, además, otros motivos para que las autoridades locales se inclinaran a fomentar los Blandengues en lugar de ampliar los tradicionales Dragones: sus oficiales cobraban sueldos menores, iguales a los de la infantería (un capitán de Dragones cobra 80 $ mensuales y los de infantería o de Blandengues 50$) y servían “en caballos propios” (al igual que las milicias) mientras a los Dragones se los debía dar la Real Hacienda. Si bien el soldado blandengue tenía un prest superior al infante “este exceso queda compensado con que está obligado a vestirse, a comer y a montar siempre caballos propios, no debiendo tener menos de cinco”.58 En estas condiciones no sorprende que se recomendara reclutar como Blandengues a hombres casados ni la dificultad para lograrlo. Las dificultades para contar con fuerzas de caballería no eran pocas, empezando por la provisión de caballos. Entre los Dragones los caballos eran provistos por la Real Hacienda y hasta 1780 su reposición era 58

AZARA, Félix de, “Informe sobre la nueva constitución de las tropas del Río de la Plata propuesta por el virrey” en Memorias sobre el estado rural del Río de la Plata en 1801, demarcación de límites entre el Brasil y el Paraguay a últimos del siglo XVIII e informes sobre varios particulares de la América meridional española. Escritos póstumos de Don Félix de Azara, Madrid, Imprenta de Sanchos, 1847, pp. 98-103 (p. 100-101).

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resuelta por una partida que administraba el comandante de la unidad. A partir de entonces, se dispuso que la reposición debía quedar a cargo de las “estancias del Rey” aunque es dudoso que hayan podido cumplir esta misión: para 1794, por ejemplo, la que existía en la Banda Oriental sólo contaba con 583 caballos.59 En tales condiciones, la provisión de caballos siguió dependiendo de la propia tropa o de los auxilios que se imponía a los pobladores de la campaña. Por lo tanto, no es casual que los Blandengues tuvieran estipulada la obligación de comprar, mantener y renovar sus caballos y que los milicianos estuvieran obligados a acudir al servicio con caballos propios. Más aún, los aperos de montar que usaban Dragones, Blandengues y milicianos debía ser costeados por la tropa. Un informe de 1790 nos ofrece una imagen bastante precisa de los diferentes cuerpos veteranos. El Regimiento de Infantería de Buenos Aires – que en realidad prestaba servicio sobre todo en Montevideo y otras parajes orientales – estaba sostenido por la Real Hacienda y para su recluta se consideraba que “no se puede contar con la gente del país” por lo que se apelaba a la “saca” de individuos de otros cuerpos que habían estado en estas provincias y a la partida de reclutamiento establecida en La Coruña. El de Dragones, también era sostenido por la Real Hacienda, reclutado del mismo modo pues se señalaba que “es poca la gente del país que puede admitirse en las calidades que se requieren”. Y lo mismo sucedía con las asambleas de infantería y caballería encargadas de entrenar a las milicias. En cambio, los Blandengues de Buenos Aires se sostenían con el llamado ramo de guerra que provenía de un descuento de dos reales por cuero que fuera exportado mientras que la compañía de Blandengues de Santa Fe lo hacía gracias a los arbitrios de esa ciudad. En ambos casos, se reclutaban entre “gente del país”, la tropa debía costearse su vestuario y comprar y mantener sus caballos.60 Las fuerzas veteranas en el Río de la Plata, entonces, ofrecían un panorama bastante claro: habían llegado a tener una dimensión significativa en las décadas de 1760 y 1770 impactando notablemente en la vida de las ciudades de Buenos Aires y Montevideo. Pero luego la

59 60

BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 252 y 431. BEVERINA, Juan, El virreinato…, Anexo 22, pp. 450-452.

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tendencia fue francamente decreciente, sobre todo desde 1787 cuando la corona dispuso suspender el envío de unidades de reemplazo. Predominaba entre ellas la infantería pero menos de lo que se acostumbraba; esa infantería había sido reclutada mayoritariamente en la península mientras que la mayor parte de la caballería veterana provenía de los Blandengues y era reclutada localmente. A su vez, casi la totalidad de la infantería veterana estaba concentrada en Montevideo y Buenos Aires y su incidencia siguió siendo mucho mayor en la primera que en la segunda. La concentración de las fuerzas veteranas en ambas ciudades no obedecía sólo a las razones que dictaba la estrategia. Las autoridades militares locales tenían muchas quejas de los veteranos disponibles y advertían con claridad los efectos que traía dispersarlos por distintos puntos de la campaña. Por ejemplo, en 1790, Olaguer Feliú – por entonces subinspector general- la describía como una tropa estaba “sin instrucción alguna”, que estaba dedicada a “ocupaciones muy ajenas a su instituto, inutilizan en poco tiempo su vestuario, pierden la subordinación y no se puede decir con verdad que son soldados, sino unos peones de campo, separados enteramente de toda instrucción militar.”61

La situación parece haber empeorado en los años siguientes y las dramáticas experiencias de las invasiones inglesas lo pusieron de manifiesto. Por eso el Cabildo de Buenos Aires se quejaba de unos oficiales subalternos que “han hecho su carrera en el pasatiempo, el juego, el baile, el paseo” y de una escasez de tropas que había adquirido tal magnitud que tanto el regimiento Fijo de Infantería como los Dragones y los Blandengues tenían tantos oficiales como soldados.62 La defensa frente a las invasiones, en consecuencia, debía descansar en las milicias. Las milicias coloniales Pero, ¿qué sucedía con las milicias? Desde el siglo XVI el servicio miliciano había descansado primero en los encomenderos y sus clientelas y luego en el conjunto de los vecinos y sus dependientes. En Buenos 61 62

BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 238. BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 238.

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Aires, y la mayor parte del espacio que abarcó su Intendencia, la incidencia de las encomiendas fue muy limitada por lo que el servicio recayó desde un comienzo en los batallones de “Voluntarios españoles” y de “Forasteros”, en gran parte portugueses. En los primeros recaía el servicio de Dragones y en los segundos el de infantería. De este modo, la estructura miliciana tradicional reproducía la de los cuerpos veteranos. Sin embargo, dada su condición de frontera abierta, las reiteradas amenazas de incursiones extranjeras y su historia de confrontación con los portugueses, se forjó en el espacio litoral una tradición miliciana mucho más diversa que abarcaba a amplios sectores de la sociedad. Esa tradición tenía improntas precisas que habrían de perdurar: eran fuerzas destinadas a la defensa local, estaban integradas localmente, eran sostenidas por los vecinos que, además, tenían la facultad de “elegir” a sus jefes. Como en todo el virreinato peruano, en 1764 comenzó su reorganización dentro de una concepción según la cual las fuerzas veteranas debían funcionar como “cabeza” de las llamadas “milicias provinciales” y era en ellas en las cuales debía descargarse el peso de la defensa. Esas milicias pasaron a denominarse Cuerpos de Milicias Provinciales y la estrategia oficial consistió en impulsar la formación del mayor número que fuera posible y asignarles el goce del fuero a sus oficiales.63 En función de esta política se estableció que hubiera en la ciudad de Buenos Aires un “Batallón de Españoles” de infantería y un cuerpo de 168 “negros libres”; también se formaron diversas unidades milicianas de caballería: una de 400 “pardos”, otra de 300 “indios guaraníes”, otra de 300 “indios ladinos” así como un “Regimiento Provincial de Caballería” compuesto de 1.200 efectivos y para cuyo alistamiento se estipulaba que debía procurarse que “la gente de cada Compañía se aliste por calles y barrios los más cercanos entre sí”; por último, se estableció que hubiera también 100 milicianos sirviendo en la artillería y 60 en la maestranza, lo que hacía un total previsto para la defensa de la ciudad de 3.379 efectivos de milicias. Para la frontera con los indios se dispuso que existieran “compañías sueltas” de caballería (esas compañías de reserva y sin entrenamiento militar y uniforme a las que se recurría cada vez con mayor frecuencia) con 2.198 hombres (695 63

BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 239 y 263-266.

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en Conchas, 632 en Luján, 380 en Arrecifes y Pergamino, 220 en Matanza y 271 en Magdalena). De esta manera, para la década de 1760 se esperaba que hubiera en la ciudad una cantidad semejante de efectivos veteranos y milicianos, lo que indica el peso notable que los primeros seguían manteniendo en la estructura defensiva a pesar de esta primera reorganización de las milicias y la intención de multiplicar al máximo posible sus cuerpos. Además, debía haber 600 milicianos en Montevideo, 1.524 en Santa Fe, 500 en Corrientes y 300 en Soriano, Víboras y Rosario del Colla.64 La futura Intendencia, entonces, debía contar con unos 7.600 milicianos alistados. La constitución de unidades milicianas integradas por pardos, mulatos y libertos no era, por cierto, una excepcionalidad rioplatense y expresaba tanto la propia historia colonial como el modo en que se traducía en las colonias los reglamentos milicianos peninsulares. En el área caribeña se remonta a finales del siglo XVII pero fue durante la reforma militar borbónica que se constituyó en una de sus facetas más extendida y más conflictiva en la medida que abrió canales de ascenso social.65 La peculiaridad rioplatense, en todo caso, parece haber residido en otro aspecto: la importancia que durante mucho tiempo tuvieron las milicias de indios guaraníes. Su movilización para defender Buenos Aires, Colonia del Sacramento o Montevideo había sido frecuente y se apoyaba en la capacidad jesuita de organizar una extendida estructura miliciana en las misiones que llegó a movilizar en algunos momentos entre 3.000 y 7.000 hombres. Sin embargo, los jesuitas resistían estas prestaciones y desde la década de 1740 el crecimiento que tuvieron otras fuerzas milicianas hizo menos necesario recurrir a su colaboración.66 Más En 1771 las milicianos de caballería de la campaña de Buenos Aires eran 2.087: BEVERINA, p. 272-275; Reseña Histórica…, pp. 82-86 65 BELMONTE POSTIGO, José L., “El color de los fusiles. Las milicias de pardos en Santiago de Cuba en los albores de la revolución haitiana”, en CHUST, Manuel y MARCHENA, Juan (eds.), Las armas de la Nación. Independencia y ciudadanía en Hispanoamérica (1750-1850), Iberoamericana, pp. 37-52. VINSON III, Ben, “Los milicianos pardos y la construcción de la raza en el México colonial”, en Signos Históricos, N° 4, 2000, pp. 87-106. DE LA SERNA, Juan Manuel, “Integración e identidad, pardos y morenos en las milicias y cuerpos de lanceros de Veracruz en el siglo XVIII”, en ORTÍZ ESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, El Colegio de México/El Colegio de Michoacán/ Universidad Veracruzana, 2005, p. 61-74 y JUÁREZ MARTÍNEZ, Abel, “Las milicias de lanceros pardos en la región sotaventina durante los últimos años de la colonia”, idem, pp. 75-91. 66 MORNER, Magnus, Actividades políticas y económicas de los jesuitas en el Río de la Plata, Buenos Aires, Hyspamerica, 1985, p. 124. 64

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aún, después de la guerra guaranítica de 1754 – cuando para derrotar a los pueblos sublevados los españoles debieron movilizar unos 2.000 efectivos y los portugueses unos 3.00067- las autoridades prefirieron apelar lo menos posible a este tipo de milicias. Y menos pensaron en hacerlo después de la expulsión de la Compañía en 1767. Esas milicias indígenas eran la expresión de un fenómeno más amplio que excedía el accionar jesuita y había militarizado extremadamente a la población campesina del Paraguay al punto que hacia 1760 el 25% de los varones paraguayos debía cumplir con este servicio.68 La intensa experiencia miliciana de los pueblos misioneros incluía otra dimensión que no puede ser pasada por alto y que continuó después de la expulsión: el hispanizado sistema de gobierno impuesto a estos pueblos incluía no sólo la elección de los miembros de sus cabildos sino que anualmente también debían designarse “todos los empleos militares”, los de cuidadores de faenas y los maestros de oficio “de modo que en cada pueblo pasan de 80 y aun de 100 los que ocupan oficios, y si el pueblo es corto, todos se vuelven mandarines, y quedan pocos a quien mandar” e incluso “a los ejecutores de las prisiones y castigos llaman sargentos”. Más aún, el día de año nuevo se les entregaba las varas y bastones a los alcaldes y demás cabildantes “y a los oficiales militares las insignias correspondientes”.69 De este modo, desde tiempos jesuitas, el Río de la Plata forjó una tradición de formación de milicias auxiliares integradas por grupos indígenas y que eran movilizadas a larga distancia. Una década después la jurisdicción de Buenos Aires mantenía los niveles de alistamiento que ya había alcanzado y para 1774 contaba con

HENIS, Tadeo Xavier, “Diario histórico de la rebelión y guerra de los pueblos guaranís, situados en la costa oriental del río Uruguay del año 1754”, en de Angelis, Pedro, Colección de Obras y Documentos relativos a la Historia Antigua y Moderna de las Provincias del Río de la Plata, Tomo Quinto, Buenos Aires, Imprenta del Estado, 1836, p. 44. AVELLANEDA, Mercedes y QUARLERI, Lía, “Las milicias guaraníes en el Paraguay y el Río de la Plata: alcances y limitaciones (1649-1756)”, en Etudos Iberoamericanos, Vol. XXXIII, N° 1, 2007, pp. 109-132. 68 GARAVAGLIA, Juan C., “Campesinos y soldados: dos siglos en la histo-ria rural del Paraguay”, en Garavaglia, Juan C., Economía, sociedad y regiones, Buenos Aires, De la Flor, 1987, pp. 193-260. 69 DOBLAS, Gonzalo de, “Memoria histórica, geográfica, política y económica sobre la Provincia de Misiones de indios guaranis”, 1785, en Pedro de Angelis, Colección de Obras y Documentos relativos a la Historia Antigua y Moderna de las Provincias del Río de la Plata, Tomo Tercero, Buenos Aires, Imprenta del Estado, 1836, pp. 42-43. 67

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7.471 milicianos alistados, 6.122 españoles y 1.243 de las castas sin contar el aporte que pudieran ofrecer los pueblos de las misiones. Sin embargo, las autoridades virreinales que sostenían que podían suministrar un “poquísimo socorro” en caso de invasión por lo que insistían en la necesidad de contar con “tropas regladas”. De acuerdo a su descripción en 1781 “La mayor parte de esta gente aborrece el servicio, la sujeción y vida culta, porque reina en ellos la desidia y son naturalmente vagantes: rehusan concurrir a las salidas contra los enemigos, aun citados para su propia defensa, la de su casa, familia y hacienda, y en campaña no tiene límite su deserción, particularmente los solteros por la facilidad con que subsisten en los campos por la abundancia de caballos, ganado y caza. Sobre este pie han vivido en lo pasado y, a corta diferencia, en lo presente, sin que basten amonestaciones, amenazas y castigos para evitar su fuga, la falta de disciplina, la inobediencia y la relajación en todo. Cuando fuesen éstas de mejor calidad, no se puede contar con ellas en la actualidad para socorrer esta banda […se refiere a la Banda Oriental…] porque la mayor parte está avecindada en la frontera, que es dilatada y fácil a invadir por diversos caminos distantes entre sí.”70

Este diagnóstico expresa con suficiente claridad varias de las dificultades que hallaba la organización de la defensa en base a las milicias y los limitados resultados que se habían alcanzado al comenzar los años 80 con su reorganización en la década de 1760. Sin embargo, no por ello las milicias dejaban de ser un aspecto central en las estructuras de poder local.71 A ese nivel los grados milicianos eran parte inseparable de los honores que definían el status de los vecinos a pesar de la extrema dificultad que se presentaba para uniformar a las milicias. Pese a todo, las evidencias sugieren que las unidades milicianas de caballería gozaban de una cierta distinción. No era una novedad, por cierto, ya que hasta la década de 1760 a los batallones de infantería estaban destinados los forasteros mientras en la caballería servían los “vecinos españoles”, al punto que en 1772 el regimiento de caballería miliciano fue depurado “de ciertos oficiales contraídos a ocupaciones y comercios menudos, repugnantes a tal distinción”, como recordaría el virrey Arredondo en Borrador de oficio del virrey Vértiz al ministro Gálvez, Montevideo, 30 de abril de 1781, en BEVERINA, Juan, El virreinato…, Anexo 13, pp. 413-418. 71 ARECES, Nidia, “Milicias y faccionalismo en Santa Fe, 1660-1730”, en Revista de Indias, Vol. LXII, N° 226, 2002, pp. 585-614; GONZÁLEZ, Marcela, Las milicias, origen y organización durante la colonia, Centro de Estudios Históricos, Córdoba, 1995. 70

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1790. Para entonces algunos de aspectos habían cambiando poco: en 1784 todavía el cuerpo de infantería estaba integrado en gran parte por forasteros y “gente ambulante”.72 De esta manera, las evidencias sugieren que mientras las concepciones estratégicas imperantes tendían a privilegiar a la infantería frente a la caballería – y la decisión de hacer descansar las fuerzas de caballería en las milicias era una de sus expresiones – las prácticas milicianas locales seguían asignando un lugar de mayor distinción a los cuerpos de caballería. La existencia de distintos tipos de milicias traía aparejada la necesidad de su distinción y, en este sentido, la carencia de uniformes no era un problema menor. Así lo ponía en evidencia el plan que había presentado el virrey Arredondo en 1793 que limitaba a los oficiales y sargentos el uso obligatorio del uniforme mientras que preveía que los cabos y soldados pudieran prestar servicio “en su traje de paisanos”; para distinguirlos, por lo tanto, el virrey estipuló que “para que los cabos y soldados sean conocidos como milicianos reglados, deberán usar siempre de cucarda encarnada en el sombrero, a excepción de los Blandengues Provinciales, que deberían usar de una cinta de estambre o cerda encarnada y cosida en la copa del sombrero redondo que acostumbran usar.”73

A juzgar por las evidencias posteriores se trató de prácticas que arraigaron profundamente y fueron perdurables reapareciendo en las montoneras decimonónicas. Aún así, el esfuerzo de las autoridades estuvo orientado a conformar las milicias de caballería de campaña, un cuerpo que hacia 1780 comprendía 45 compañías sueltas y 2.300 efectivos “sin vestuario militar” y para cuyo alistamiento se recurría a “todas las gentes capaces de tomar armas en la campaña” y que se organizaban por partido bajo el mando de un Sargento Mayor.74 Esta organización seguía vigente para 1800 y los informes imperiales lo registraban con claridad: “En la Campiña de Buenos-Ayres estan alistados todos los hombres capaces de tomar las armas, repartidos en Cuarenta y cinco Compañías, sin vestuario militar y a cargo de un Sargento Mayor de Milicias domiciliado en el mismo Partido, y acuden a oponerse a los indios infieles

BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 277-279. BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 251. 74 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 282. 72 73

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quando intentan atacar las haciendas de la Frontera, su fuerza es mayor o menor según lo poblado del Partido, pues todos son Soldados.”75

“Todos son soldados”… la expresión no podría ser más significativa y pone de manifiesto que, a pesar de las quejas recurrentes de las autoridades, la extensión del servicio miliciano había cobrado una enorme amplitud. Lo que interesa destacar, entonces, es que el Río de la Plata había desarrollado una tradición de caballería veterana de matriz miliciana – en rigor cabría decir que ésta la era la verdadera tradición de caballería – y a la vez contaba con una extendida tradición miliciana que asignaba un también un lugar relevante a la caballería, se había desarrollado en buena medida al margen del control de las autoridades militares y era comandada y sostenida localmente. Hay algo más, a pesar de muchos criterios y valores de la época, estas circunstancias hacían difícil que el servicio de caballería supusiera un alto grado de honorabilidad. Una cuestión no ha sido evaluada suficientemente: ¿hasta qué punto avanzó el nuevo régimen de milicias disciplinadas? Las evidencias disponibles sugieren que lo hizo en forma limitada y dispar. Por lo pronto, la confianza que en ellas tenían las autoridades era mínima y no dejaban de señalar reiteradamente que los milicianos “aborrecen la sujeción, la obediencia y la disciplina, son propensos al complot y rebelión” y que “En campaña no tiene límite su deserción, llevándose a veces la caballada.”76 Virreyes como Vértiz eran conscientes que en muchos regimientos “sólo existían sus planas mayores, pues los soldados eran imaginarios, o donde mas, gente alistada en el papel” al punto que había llegado a la conclusión que “tanto número de milicianos alistados sirven sólo de confusión”. En estas condiciones, el programa que impulsó durante su gobierno (1778-83) incluyó la concentración en unos pocos regimientos disciplinados. Sin embargo, también tomó otra decisión. “el resto del vecindario le redujese a cuerpos de milicias urbanas, al modo que las hay en España, para emplearlas sólo en el último caso.”77 Estado Militar de España. Año de 1801, p. 143. Disponible en: http:// hemerotecadigital.bne.es/ 76 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 280. 77 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 284. No muy distinta era la situación en las provincias interiores del Virreinato al punto que a principios de la década de 1790 el Inspector General sostenía que en ellas no había “cuerpo alguno formal, sino una multitud de Oficiales sin tener a quien mandar”; p. 294. 75

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Esta evidencia es importante pues muestra que a mediados de la década de 1780 si bien las autoridades virreinales no renunciaban al objetivo de instaurar el sistema de milicias disciplinadas habían optado también por fomentar el régimen de milicias urbanas. Y esta situación habría de perdurar. Así, para 1790, el Inspector General seguía sosteniendo que “para proceder al establecimiento de las Milicias de esta Provincia es indispensable un dato conocido del número de sus habitantes y de las calidades de ellos”, recordaba que las instrucciones de 1764 estipulaban que se formase el mayor número de cuerpos posible y calculaba que los efectivos milicianos alistados eran 5.070.78 Pero ¿qué clase de milicias eran, entonces, las que existían hacia 1790? Las dudas al respecto no invaden sólo a los historiadores… En su informe Olaguer Feliú señalaba: “Estas milicias no tienen declaración de regladas ni de urbanas”, es decir, no tenían un estatuto claramente definido. A pesar de ello, – advertía – “parece que deben reputarse en esta última clase” puesto que “no tienen empleo ni plaza con sueldo” pero “tienen Asambleas veteranas de sueldo continuo para su instrucción, en que se ejercitan todos los domingos en que el tiempo lo permite”. Recordaba también que una Real Orden del 15 de marzo de 1781 estableció el goce del fuero militar para los oficiales, sargentos y cabos pero exceptuó a los soldados “porque estando alistado todos los que son capaces de tomar las armas, quedaría sin autoridad la jurisdicción Real ordinaria”. Por tales motivos, y frente a la “necesidad de hacer apreciables a los sujetos de más distinción y comodidad los empleos de estas Milicias” proponía una solución: que “se declaren en la clase de regladas”.79 La reforma miliciana, por tanto, seguía en ciernes para 1790. La cuestión, por supuesto, no se limitaba al virreinato platense sino que abarcaba a todos los dominios coloniales: por eso, en 1791 la Corona dispuso que los cuerpos formados sin su expresa aprobación no tendrían derecho a gozar del fuero.80 Resulta claro, entonces, que para 1790 la reforma de las milicias era una tarea pendiente, que ambos sistemas de milicias continuaban vigentes y que de alguna manera las decisiones de las autoridades acentuaron esta coexistencia y terminaron BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 296-297 y Anexo 25 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 454 80 VALLECILLO, Antonio, Ordenanzas de S. M. para el régimen, disciplina, subordinación y servicio de los ejércitos, Tomo III, Madrid, Imprenta de Andrés y Díaz, 1854, p. 52. 78 79

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por contribuir a limitar la reforma miliciana. Para 1793 la estrategia de contención del gasto fiscal comenzaba a hacerse sentir con mayor intensidad y la Corona ya había suspendido la remisión de contingentes veteranos de reemplazo lo que acentuaba la escasez de oficiales para disciplinar las milicias. Más aún, poco después suprimió los núcleos veteranos que conformaban las asambleas. A contramano de esta situación el plan de milicias que en 1793 presentó el virrey Arredondo para la jurisdicción de Buenos Aires establecía la adopción del reglamento cubano de milicias – algo que, en rigor, ya se había establecido en 1769 – pero, aclarando, “en cuanto lo permitan las circunstancias locales del país”; proponía que el número de compañías urbanas no debía ser fijo sino de acuerdo al “sobrante de mozos después de alistadas las Milicias regladas” (ratificando así la existencia de un doble régimen miliciano) y recomendaba establecer cuerpos de Blandengues Provinciales “a imitación de los que hay de frontera”, con lo que no hacía sino profundizar las dualidades pues estaba fomentando cuerpos milicianos de Blandengues en la misma época que los antiguos habían sido transformados en cuerpos veteranos. Su plan preveía alistar 6.362 milicianos distribuidos del siguiente modo: 4.162 de “milicias regladas” (1.720 de infantería y 2.442 de caballería) y 2.200 de “milicias urbanas”. Para la ciudad de Buenos Aires preveía la existencia de 1.654 milicianos “disciplinados” y 300 “urbanos” y para Montevideo de 1.308 “disciplinados” y 150 “urbanos”. En el resto de las zonas, en cambio, la pretensión de contar con milicianos disciplinados era mucho más modesta: para la campaña y frontera de Buenos Aires se quería alistar 640 disciplinados y 1.200 urbanos; en Santa Fe, 200 y 150; en Corrientes, 100 y 100; en Gualeguay, Soriano, Víboras/Espinillo, 60 y 50; en Colonia/Rosario, 30 y 50; y en Maldonado/Minas/San Carlos, 50 y 100. Cabe señalar algo más: en todos estos casos las milicias disciplinadas debían ser de caballería y corresponderían a los denominados Blandengues Provinciales.81 El plan se apartaba de las directivas metropolitanas y no fue aprobado. Aún así resulta de interés considerarlo pues pone claramente en evidencia el juego de espejos que lo inspiraba: así como las milicias debían asemejarse a los cuerpos

81

BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 301.

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veteranos que habrían de auxiliar, lo mismo sucedía entre los dos tipos de milicias y entre los Blandengues. Si este plan era ambicioso no se quedó a la saga el que sí fue aprobado en 1801 y que estableció un reglamento para las milicias disciplinadas para todo el virreinato. Se pretendía conformar una fuerza de 14.141 hombres, de los cuales 6.160 corresponderían a la Intendencia de Buenos Aires. El alistamiento debía abarcar a todos los hombres hábiles entre 16 y 45 años quedando a decisión del Virrey el tiempo de servicio. ¿Sería una fuerza de servicio continuo o sólo esporádicamente sería convocada? Tanto por razones financieras como de defensa pero también políticas, parece haberse preferido dejar la decisión en manos del Virrey. A su vez, se establecía que el comando de los regimientos y escuadrones de caballería estaría a cargo de personal miliciano, en claro reconocimiento de las dificultades para proveerlos de una plana mayor veterana. Como vemos, se esperaba contar con una fuerza miliciana para la Intendencia que era menor a lo previsto cuatro décadas antes pese al notable incremento de la población. Sin embargo, el plan era muy ambicioso pues pretendía que todas esas milicias fueran disciplinadas por lo que puede afirmarse que significaba la pretensión de llevar efectivamente adelante la incompleta reforma de las milicias. Pero es muy dudoso que pudiera llevarse a cabo. Por lo pronto, para Buenos Aires y para Montevideo preveía la misma cantidad de milicianos cuando la población de la primera era cuatro sino cinco veces mayor que en la segunda. Por otra parte, el mismo reglamento estipulaba quienes estaban exceptuados de este servicio – los comerciantes de conocido caudal, los abogados y escribanos, los mayordomos y capataces de haciendas de consideración, médicos y boticarios, maestros, el personal del culto, etc.-, aunque se establecía que no lo estarían de alistarse en los cuerpos de milicias urbanas. De esta manera, el reglamento que anunciaba su intención de “reglar” a todas las milicias no podía evitar la convalidación del doble sistema y reforzaba las distinciones sociales entre uno y otro. Tal es así que la información oficial disponible parece indicar que el esfuerzo por convertir en disciplinadas no abarcó a todas las milicias ni a todo el Virreinato. Para 1806, las autoridades de Madrid sólo tenían registradas como “milicias disciplinadas de infantería” a las disponibles en Buenos Aires y Montevideo y como “milicias disciplinadas de caballería” a las

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existentes en las Intendencias de Buenos Aires, Córdoba, Salta y Asunción y a las dependientes del Gobierno de Montevideo. En cambio, registraban “milicias urbanas” de infantería en Santa Cruz de la Sierra, La Paz y Potosí – dónde, además, persistía el cuerpo del Gremio de Azogueros – y como “milicias Provinciales de caballería” a las existentes en Cochabamba, Tarija y Cinti. Independientemente de la eficacia que haya tenido la transformación de las milicias en “disciplinadas” la diversidad de situaciones era evidente.82 El nuevo reglamento no dejó de suscitar oposiciones, entre ellas la del Cabildo de Montevideo y del gremio de Hacendados que temían que se agudizara la ya crónica escasez de mano de obra por el alistamiento general. Para ese cabildo no había dudas, la campaña era “la escuela práctica de toda especie de delitos y el refugio seguro de toda clase de delincuentes” pero depositaba la solución en una poderosa expedición que asegurada y purgara el territorio. Aún así, cuando esa expedición se puso en marcha en 1804, los hacendados resistieron las contribuciones que se les quiso imponer lo que derivó en un fuerte conflicto con el Virrey.83 Al mismo tiempo, las prácticas efectivamente imperantes tendían a diluir las distinciones precisas entre milicias disciplinadas y cuerpos veteranos pues la notoria disminución de estos efectivos hacía necesario recurrir cada vez con mayor intensidad a aquellos, extendiendo los tiempos de su servicio a sueldo. Una situación que, si no era nueva, tendió a hacerse más sistemática a partir de 1797 cuando se intentó concentrar todas las fuerzas veteranas en Montevideo. De esta forma, la junta de guerra realizada en Montevideo el 17 de julio de 1797 dispuso poner a sueldo las compañías de milicias “que se consideren precisas” para guarnecer la capital, Colonia “o cualquier otro paraje en lugar de la tropa veterana”. Incluso, para aumentarla esa tropa en Montevideo se dispuso trasladar 400 Blandengues de la frontera de Buenos Aires.84 ¿Cuál era para entonces la disponibilidad de fuerzas? En la Banda Oriental se contaba con 1.901 efectivos veteranos distribuidos 1.352 en

Estado Militar de España. Año de 1806, pp. 149-157. Disponible en: http:// hemerotecadigital.bne.es/ 83 PIVEL DEVOTO, Raíces…pp. 72-95. 84 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 391. 82

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Montevideo, 170 en la frontera y 379 en las guardias de campaña; a su vez, se contaba con 4.303 milicianos, de los cuales sólo 892 estaban en la ciudad aunque estaba en formación un cuerpo de Blandengues en Maldonado de 700 hombres. Ello hacía una fuerza movilizada de 6.204 efectivos. En la capital, en cambio, se contaba con 2.351: de ellos eran veteranos tan solo 506 y 400 estaban en la frontera; el resto eran milicianos aunque en esta cuenta no entraban los integrantes de las 45 compañías de milicias de campaña. 85 No extraña, entonces, la visión que imperaba entre las autoridades de Madrid para quienes “cuasi con nada de esto puede contarse; no solo por su efectiva nulidad militar, sino porque buena parte de tales milicias, como tal vez todas las de América, sólo existen en las listas”, un diagnóstico repetido a pesar del paso de los años y los sucesivos planes de reforma.86 En todo caso, lo importante es que la reforma miliciana sólo estaba en sus comienzos cuando todo el orden político y militar regional se vio bruscamente alterado hacia 1806. Con la invasión británica, en la capital el número de milicianos creció exponencialmente y para octubre de 1806 sumaba 7.255 (1.142 hombres en la artillería, 4.538 de infantería y 1.575 de caballería). Esa movilización, notable por su amplitud, había seguido los clivajes sociales: de este modo, la antigua distinción entre cuerpos de “forasteros” y de “vecinos españoles” aparecía reproducida y ampliada por la formación de cuerpos por lugares de origen; a su vez, la que ya se conocía y practicaba entre éstos y los de castas o indios, ahora se ponía de manifiesto en la formación de de una unidad de “negros libres” sino también de un cuerpo de “esclavos”. 87 Esa tremenda ampliación se había operado siguiendo el modelo de milicias “urbanas” y así lo reconocía claramente la junta de guerra celebrada el 12 de junio de 1807: “las tropas levantadas para la defensa de esta capital después de su reconquista no son milicias regladas, sino cuerpos voluntarios formados por la necesidad.”88 La dualidad del régimen miliciano que expresaba la vigencia de tradiciones diferentes mostraba ahora toda su vigencia. BEVERINA, Juan, El virreinato…, pp. 395-397. AZARA, Félix de, “Informe sobre la petición de las tropas hecha por el Virrey de Buenos Aires para contrarrestar a los portugueses”, en Memorias… , pp. 104-109. 87 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 340. 88 BEVERINA, Juan, El virreinato…,p. 332. 85 86

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De esta forma, la intensa movilización estaba dando renovada vitalidad al modelo tradicional de “milicias urbanas” que era, en definitiva, mucho más afín al previamente existente a la reforma militar borbónica que al régimen de milicias disciplinadas que se había intentado instaurar. Más aún, esta renovada centralidad de las milicias urbanas iba a afectar seriamente a la ya débil formación de las milicias disciplinadas: para decirlo con las palabras del subinspector general Pedro Arze en esos cuerpos se habían alistado “individuos de las milicias regladas de Infantería y Caballería de ella, quedando por este motivo deshechos los dos regimientos que con aprobación de Su Majestad se establecieron aquí”.89

En la capital al menos, la masiva movilización se había convertido en un serio golpe a los esfuerzos reformistas de las milicias. Pero, también había cambios, al menos en los sistemas de entrenamiento: así lo anotaba al menos un anónimo soldado en su diario: “Se a dado a saber a todos los nuevos cuerpos el modo de aser el ejercicio a la francesa moderna que todos los abitantes de Bs. As. estan aprendiendo el manejo del fusil, asta los colegiales y escuelas estan aprendiendolo.”90

A su vez, aunque se enfatizaba la condición de voluntarios de los milicianos, lo cierto es que no faltaron medidas para su alistamiento forzoso: de este modo, el 20 de noviembre de 1806 se ordenó la inmediata presentación de todos los individuos entre 16 y 50 años que no estuvieran alistados.91 Y, poco después, la orden volvió a repetirse incluyendo a los esclavos que no fueran imprescindibles.92 Más aún en febrero de 1807 la edad mínima de alistamiento fue rebajada a 14 años.93 El sostenimiento de esa enorme fuerza miliciana no sólo iba a consumir buena parte de los fondos de la Caja de Buenos Aires sino que habilitó la formación de relaciones clientelares. Algunos cuerpos, como los Húsares de Pueyrredón, fueron formados, uniformados y mantenidos por sus jefes y lo mismo sucedió con el batallón de Cántabros Montañeses según anotaba su jefe en su correspondiente razón de méritos.94 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 340 Diario de un Soldado, Buenos Aires, AGN, 1960, p. 51. 91 AGN, IX, 8-10-8 f. 286-287. 92 AGN, IX, 8-10-8 f. 293-294. 93 AGN, IX, 8-10-8 f. 295-298. 94 GELMAN, Jorge, Un funcionario en busca del Estado. Pedro Andrés García y la cuestión agraria bonaerense, 1810-1822, Bernal, UNQ, 1997, pp. 49-52. 89 90

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Es dudoso que los intentos del virrey Cisneros en 1809 de reconvertir estos cuerpos urbanos en disciplinados llegaran a tener éxito, tanto por el contexto político como por la dramática escasez de oficialidad veterana. Según se informaba “los principales son de edad tan avanzada que ya no pueden hacer servicio por tales desiertos y de las demás clases inferiores hay muchos inútiles.” 95

De esta manera, hacia 1810 José M. Salazar – el comandante del apostadero naval de Montevideo – no tenía dudas: “todos los males de estas provincias de seis años a esta parte dimanaban de la falta de fuerza militar veterana”.96

Este diagnóstico expresaba con claridad el acelerado debilitamiento de las fuerzas veteranas virreinales antes de la revolución, aún en la ciudad que había sido su principal emplazamiento. Allí para 1806 no eran más de 1.000 efectivos y en 1809 fue el virrey Cisneros quien dispuso el traslado a la península de los “excedentarios” de la Marina hallando no poca resistencia entre los marinos. Era, además, una clara impugnación de una de las principales orientaciones de la reforma borbónica – como era la expansión del sistema de milicias – y, sobre todo, de las decisión de reducir primero y anular después los contingentes de refuerzo. Expresa, también, sus consecuencias políticas: con un ejército veterano debilitado, la ampliación del sistema de milicias quedaba sin capacidad efectiva de controlarlo y subordinarlo y podía autonomizarse. Lo que la experiencia rioplatense estaba confirmando era que la eficacia de la reforma miliciana dependía de la solidez de las fuerzas veteranas, una relación que a su vez expresaba la que había entre poderes locales y superiores. En ambas dimensiones la reforma expresaba los límites que había alcanzado. Epílogo Estas consideraciones permitieron precisar algunas de las tradiciones militares del Río de la Plata a partir de las cuales se desarrolló

AZARA, Félix de, “Informe sobre la petición de las tropas hecha por el Virrey de Buenos Aires para contrarrestar a los portugueses”, en Memorias… , p. 109. 96 José M. Salazar a Gabriel de Ciscar, Montevideo, 16 de julio de 1810, en Mayo Documental, Tomo XII, Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, 1964, pp. 187-188. 95

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la militarización revolucionaria. La intensa presencia de fuerzas veteranas marcó la vida urbana, sobre todo la de Montevideo pero durante mucho años también a Buenos Aires. Sin embargo, también permitió la forja de un tipo peculiar de caballería veterana (los Blandengues), reclutada y desplegada en el medio rural. A su vez, aunque el “arreglo” de las milicias fue limitado, diversificó las tradiciones milicianas. Se trataba de un conjunto abigarrado que incluía la que suministraban las prácticas tradicionales y que de alguna manera pervivía en las milicias “urbanas” y en las “compañías sueltas”; la tradición de las milicias indígenas, sobre todo guaraníes; la nueva tradición que se gestó en torno a las milicias “regladas”; la existencia de una arraigada tradición de cuerpos milicianos de pardos y morenos; y, de algún modo también la tradición miliciana que perduró entre los Blandengues. El Virreinato del Río de la Plata llegaba a la crisis imperial de 1810 con fuerzas veteranas decrecidas, debilitadas y concentradas en escasos puntos. De todas ellas, la que aparecía como más consolidada y consistente –a pesar de todas las dificultades que afrontaba – era la menos veterana y la menos imperial de todas: los cuerpos de Blandengues. Por su parte, las milicias estaban en un momento de máxima expansión y portaban una heterogénea y diversa tradición. Los intentos de perfeccionarlas, uniformarlas y subordinarlas a través de su transformación en “milicias disciplinadas” habían quedado cuanto mucho a mitad de camino y ponían de manifiesto una extrema diversidad regional. Aún dentro del espacio de la Intendencia de Buenos Aires esa diversidad era notable y no puede ser soslayada. Por eso, no conviene extrapolar la situación – mucho mejor conocida, por cierto- de la capital virreinal al conjunto de la Intendencia y, menos todavía, al conjunto del Virreinato. El análisis efectuado permite situar con mayor precisión las características y la naturaleza de las fuerzas que confrontaron durante las guerras de la revolución. Y, aunque el tema merece un tratamiento pormenorizado que no podemos ensayar aquí, conviene anotar algunos de sus rasgos para dar cuenta del imperio de las tradiciones coloniales y de las posibilidades que ofrecían. La resistencia montevideana a la revolución no sólo se sustentó hasta la llegada de contingentes de refuerzo en las reducidas fuerzas veteranas que le quedaban sino también en las milicias de la ciudad y

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aún en parte de las rurales y en una porción de los Blandengues. De este modo, la resistencia “realista” que se hizo fuerte en la ciudad expresaba una coalición social mucho más amplia que aquella que podían ofrecer los europeos. Bien en claro lo ponía un bando del gobernador Vigodet de julio de 1812 cuando establecía que “Todos los habitantes y vecinos de sin distinción serán desde hoy soldados” y por ello debían “elegir” para prestar servicio alguno de siguientes cuerpos: el Fijo de Buenos Aires, el de Dragones, los Blandengues, los voluntarios de Madrid y Sevilla, las milicias provinciales de infantería, del comercio, de catalanes o de los “emigrados”.97 La elite de esta ciudad encontró en el fidelismo y en la estrecha alianza con las autoridades militares un camino para canalizar sus aspiraciones autonomistas frente a la capital. Pareciera ser que Montevideo ratifica una situación más general advertida por J. Marchena: “Dada la estructura del mando y dada también la composición de la oficialidad de las mismas y su estrecha vinculación con las elites locales, el comportamiento de las guarniciones en cuanto a una opción política, estuvo determinado por la postura que adoptara el patriciado local”.98

¿Qué puede decirnos la historia comparada de Montevideo y Buenos Aires al respecto? Existe consenso entre los historiadores en señalar que a diferencia de la aristocracia limeña la elite de Buenos Aires habría tenido escaso interés por acceder a estos cargos: aquí los militares ocupaban un segundo rango en la elite social, se hallaban en una situación de “aislamiento relativo” y ponían en evidencia fuertes tendencias endogámicas de modo que fueron sobre todo los descendientes de los oficiales quienes optaron por seguir la carrera militar conformando una “estructura de comando cerrada”.99 Sin embargo, estas consideraciones parecieran ser más válidas para los últimos años coloniales que para los anteriores pues hasta la década de 1780 tanto los jefes veteranos como los milicianos habían sido parte sustancial de las tramas de poder local. Esta situación, cambió en las últimas dos décadas de dominio colonial

Gaceta de Buenos Aires, 31 de julio de 1812. MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, “La expresión de la guerra… p. 109. 99 CAMPBELL, León, “Cambios en la estructura…, p. 245. KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas…, pp. 101-126. HALPERÍN DONGHI, Tulio: “Militarización…”, pp. 124126. JOHNSON, Lyman, “Los efectos de los gastos militares en Buenos Aires colonial”, en HISLA, N° IX, 1987, pp. 41-57. 97 98

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pero volvió a cambiar decididamente a partir de 1806 a través del nuevo equilibrio de poder que generaron las jefaturas de los cuerpos milicianos. Lo que es seguro es que estas apreciaciones no parecen válidas para todo el espacio. Si no lo son para Montevideo – donde las relaciones entre la elite urbana y las jefaturas militares y navales eran extremadamente estrechas – menos aún, parecen serlo para las campañas donde la presencia de tropas veteranas era no sólo reducida sino muchas veces inexistente. En ellas, aunque los hacendados tenían serias dificultades para controlar a la población rural, por ello mismo vieron en las jefaturas de milicias o de Blandengues instancias adecuadas para consolidar su autoridad aunque este no fuera suficiente para asegurarles un lugar frente a la elite urbana.100 De este modo, la distribución de las fuerzas dibujó una geografía que habría de tener una notable incidencia en las guerras de la revolución. La tradición militar colonial incluía otro aspecto decisivo para ambas ciudades: la importancia del gasto fiscal destinado a estos fines. Era, como vimos, una dimensión muy antigua de esta tradición pero había adquirido una enorme significación con la instauración del Virreinato. Como es sabido, fue factible a través de la transferencia de recursos desde las tesorerías altoperuanas a la Caja de Buenos Aires. En este sentido, la tradición militar había sido – y lo seguiría siendo en el siglo XIX- parte esencial del patrón de acumulación de la elite mercantil.101 De esta forma, entre 1776 y 1805 el aumento del gasto se explica, sobre todo, por los esfuerzos para mejorar las fortificaciones y la infraestructura naval pero a partir de 1806 casi completamente por los gastos destinados a sueldos militares que crecieron hasta hacerse insostenibles. Sin embargo, el sostenido incremento del gasto no resolvió las dificultades para reclutar la oficialidad y la tropa ni aseguró su vestuario, remuneración a tiempo y aprovisionamiento adecuado. En tales circunstancias, la masiva militarización miliciana posterior a 1806

MAYO, Carlos, “Landled but not Poweful: The Colonial Estancieros of Buenos Aires (17501810)” en Hispanic American Historical Review, Vol. 71, N° 4, 1991, pp. 761- 779. FRADKIN, Raúl O., “El gremio de hacendados en Buenos Aires durante la segunda mitad del siglo XVIII”, en Cuadernos de Historia Regional, N° 8, 1987, pp. 72-96. 101 Un meticuloso tratamiento de un ejemplo paradigmático en GELMAN, Jorge, De mercachifle a gran comerciante. Los caminos del ascenso en el Río de la Plata colonial, Huelva, Universidad Internacional de Andalucía/ Universidad de Buenos Aires, 1996. 100

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provocó un aumento sustancial de las remuneraciones que empujó hacia arriba el nivel general de salarios. No extraña, por tanto, que las disputas políticas entre 1806 y 1810 tuvieran como uno de los ejes claves la desmovilización de las milicias y sus niveles de su remuneración. Pero, ¿qué sucedía fuera de estas ciudades? La experiencia borbónica también legaba otro componente a esa tradición. La Ordenanza de 1782 instituyó Intendentes “de Ejército y Provincia”, una denominación que expresaba con claridad la concepción acerca del tipo de gobierno – a la vez “político y militar”- que inspiraba la decisión. Por cierto, no era completamente nueva y resumía una larga experiencia histórica pero ahora se acentuaba y se generalizaba al punto que se intentó construir un gobierno de este tipo en esas áreas de nuevo poblamiento que tuvieron decisiva intervención en la movilización política de la era revolucionaria. En este sentido conviene recordar que Félix de Azara, quién había formulado precisas recomendaciones para reorientar la política de fronteras que incluían la formación de pueblos, el reclutamiento de los Blandengues entre hombres casados y la asignación de tierras en propiedad, también sostenía que “como todo pueblo es un seminario de enredo, es preciso que a los diez años primeros no haya casa capitular, alcaldes y cabildos, ni más jefe que el militar y que éste lo sea en todo.”102

El consejo expresaba no sólo una modificación sustantiva en la estrategia de poblamiento estratégico implementada que se había impulsado desde la década de 1780 y que había dado lugar a la formación de una miríada de nuevos poblados, muchos de ellos convertidos en villas, dotados de cabildos y autorizados a organizar sus propias milicias. Se expresaba así toda una concepción del gobierno territorial que habría de perdurar notoriamente acentuada con la revolución. Esos comandantes se fueron transformando en los personajes centrales de las áreas fronterizas y, como advertía Pedro A. García hacia 1810 para la Guardia de Luján, todos los avances que se habían obtenido se debía completamente a la “eficacia de uno u otro comandante”: ellos

102

AZARA, Félix de, “Diario de un reconocimiento de las Guardias y Fortines que guarnecen la línea de frontera de Buenos Aires para ensancharla”, 1797, en DE ANGELIS, Pedro, Colección de Obras y Documentos relativos a la historia antigua y moderna de las Provincias del Río de la Plata, Buenos Aires, Plus Ultra, 1972, Tomo VIII, Vol. A, p. p. 159.

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habían sido quienes atrajeron soldados y población a su entorno lo que les permitía contar con 100 milicianos auxiliares “sin violencia ni gravamen”. El arquetipo, para García, era un “comandante tan político y militar” como Francisco Balcarce, el primer integrante de un amplio linaje militar bonaerense: auxiliaba de su peculio a los nuevos pobladores, los mantenía “distante de las parcialidades, confusión e ignorancia de un alcalde pedáneo, manejado tal vez por un charlatán que sólo se distingue de los otros en saber formar muy mal cuatro renglones”.103 En otros términos, Azara y García disponían de un diagnóstico bastante coincidente. Sin embargo, once años después el mismo García ofrecía uno bien diferente y mucho más desencatado: denunciaba, entre otros males que padecía la población rural, “unas tenebrosas habitudes de despotismo militar han aniquilado el ánimo del vecindario de campaña”. De este modo, la comisión que había inspeccionado la línea de fronteras “tuvo la desgracia de no encontrar en toda la línea mas que uno solo que llenase las intenciones del gobierno. Todos los demás eran ciertamente criminales, pero a ninguno se removió. Esta degradación de aquellos militares, propiamente de revolución, no puede mancillar el honor del cuerpo en general.” 104

Estamos, así, ante una de las dimensiones más opaca y menos conocida de la concepción de “gobierno político y militar” que había expandido la reforma borbónica y que la revolución no solo hizo suya sino que llevó a su último término: el impacto de la reforma militar en los poblados rurales. Inspirados por esa concepción las autoridades tardocoloniales habían logrado instaurar en un lugar central de la vida social de las áreas de frontera a los comandantes militares. Y, a través de ellos, habían logrado extender enormemente el servicio de milicias. En este sentido, el ejemplo del sur entrerriano resulta emblemático: a fines de la década de 1790 allí estaban alistados un 30% de los varones adultos; la inmensa mayoría de estos milicianos residían fuera de los poblados y buena parte eran indígenas provenientes de las misiones; para atraerlos al servicio, las autoridades debieron recurrir a pagar el prest en pesos de plata y al uso generalizado del fuero militar.105 Ese derecho a cobrar en GELMAN, Jorge, Un funcionario en busca del Estado. Pedro Andrés García y la cuestión agraria bonaerense, 1810-1822, Bernal, UNQ, 1997, p. 100. 104 GELMAN, Jorge, Un funcionario…, pp. 174-175. 105 DJENDEREDJIAN, Julio C., Economía…, Capítulo 8. 103

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moneda no era una conquista menor de los milicianos entrerrianos y expresa bien su capacidad de negociación puesto que el entramado de proveedores que abastecía a las fuerzas movilizadas había convertido sus actividades en un peculiar equivalente del reparto forzado de mercancías.106 La autoridad de los capitanes de milicia y del comandante militar en esta zona se había transformado en decisiva pero aquí la dotación de fuerzas veteranas era nula y la de Blandengues extremadamente escasa: de este modo, el ejemplo entrerriano sugiere que incluso allí donde se avanzó en la reforma miliciana, el resultado fue parcial, seguramente no devino en la subordinación miliciana pero forjó una arraigada tradición de movilización miliciana para la defensa local y una instancia primordial para la constitución de liderazgos locales. Estos liderazgos iban a mostrarse influyentes en el comienzo de la revolución. El cuadro de situación lo pintaba con claridad Juan Michelena en una a Salazar, comandante del apostadero de Montevideo, enviada desde Colonia del 23 de abril de 1811: “Esto esta muy próximo a la completa ruina. ¿Qué domina el legítimo Gobierno? Montevideo y la Colonia, ¿y estos puntos a qué están reducidos? al pequeño distrito de sus murallas. Tu mismo padeces equivocación pues me dices en tu apreciable que en la campaña se ha de hacer mas con la intriga, que con las armas: te engañas de medio a medio: la campaña la sujetarán las bayonetas, bien de tropas portuguesas que pidamos, o de las que de España vengan, y después de destruidos los insurgentes, que componen todos los hombres habitantes de ella”.107

No podemos aquí tratar en detalle el cuadro de situación y las razones que lo explican. Sin embargo, no puede dejar de advertirse que la geografía política que esta carta describe reproduce – fiel y puntillosamente – la geografía de la distribución de las fuerzas militares en la colonia y su distinta naturaleza: Montevideo y Colonia, sedes principales de las reducidas fuerzas veteranas se mantuvieron fieles a la Regencia y lograron sumar las milicias de ambos emplazamientos y una porción de las rurales. Fuera de ellos, la insurgencia ganó rápidamente la partida. Esa campaña era el territorio de los Blandengues y de ellos la insurgencia

GELMAN, Jorge, “Un ‘repartimiento de mercancías’ en 1788: los sueldos ‘monetarios’ de las milicias de Corrientes”, en Cuadernos de Historia Regional, N° 3, 1985, pp. 3-17. 107 Gaceta de Buenos Aires, 23 de mayo de 1811 106

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oriental extrajo sus principales oficiales de comando y el núcleo de su fuerza armada. Pero en ella concitó la adhesión de las milicias rurales, sobre todo, de esas “compañías sueltas” que venían a ser la forma que adoptaban las milicias urbanas en la campaña y que sino fueron al menos suministraron el formato organizativo a la insurgencia oriental. A partir de ambas fuerzas el artiguismo conformó las “Divisiones Orientales”, su intento de transformar las milicias en un ejército mientras recurría, y cada vez con mayor intensidad, al apoyo de las milicias auxiliares indígenas. En Buenos Aires, en cambio, la revolución se nutrió principalmente de las milicias que emergieron de las invasiones inglesas y que eran cuerpos de naturaleza híbrida construidos sobre el modelo de las milicias urbanas pero de servicio permanente, remuneración continua, goce del fuero y sin subordinación alguna las escasísimas fuerzas veteranas. A partir de ellas, la revolución intentó forjar ejércitos veteranos y para ello apeló inicialmente al modelo borbónico. En tales condiciones, los ejércitos que comandaba la revolución porteña estuvieron compuestos principalmente por fuerzas de infantería y mucho costó dotarlos de una caballería que no fuera miliciana. La insurgencia oriental, en cambio, conformó una fuerza armada en la cual la caballería era absolutamente predominante. La transformación de las milicias en cuerpos veteranos fue uno de sus principales desafíos de la revolución pero no fue el único. La dirigencia revolucionaria también se embarcó en una masiva ampliación de las milicias e intentó, con mayor intensidad aún que las autoridades borbónicas, convertirlas en milicias disciplinadas. No casualmente la revolución hizo suya el reglamento de 1801 para reglar a sus milicias pero tampoco pudo evitar tener que lidiar con la heterogeneidad de tradiciones milicianas. Es importante registrarla para evitar demasiado simples y formalistas. Aunque la concepción que regía la formación de milicias asociaba las condiciones de vecino y miliciano – y cada vez lo haría con la de ciudadano y miliciano- ello no había impedido que abarcaba también a las castas urbanas, a los pobladores de la campaña, a los indios. Por lo tanto, las milicias eran uno de los cauces que se abrían para ampliar y disputar los derechos inherentes a la vecindad y, a través suyo, los de la ciudadanía. Pero, la impronta colonial no habría de desaparecer y durante mucho tiempo la costumbre y la práctica de formar

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cuerpos milicianos separados se mantuvo, como también lo hicieron dentro de las fuerzas veteranas. La militarización revolucionaria debió operarse a partir de estas heterogéneas tradiciones. Por lo tanto, no puede ser considerada simplemente como la transformación de los cuerpos milicianos en ejércitos de veteranos. Y, sobre todo, no puede considerarse ni entenderse de este modo porque al mismo tiempo que intentaba esta transformación (que suponía en buena medida forjar un ejército veterano siguiendo el modelo borbónico), la revolución empujó la transformación de las milicias en “disciplinadas” pero no pudo evitar recurrir a la multiplicación de las antiguas milicias “urbanas”… aunque ahora se llamaran “cívicas”. Se trata de una cuestión central pues el revitalizado sistema de “milicia urbana” adoptaba ahora nuevos ropajes y denominaciones. De esta manera, para 1815 Buenos Aires no sólo contaba con milicias disciplinadas sino también con una “Brigada Cívica” organizada en tercios y bajo autoridad directa del Cabildo. A su vez, en su campaña a los Regimientos de Caballería que contaban con planas mayores veteranas – generalmente reclutada entre los Blandengues – se sumaba un número indeterminado de “compañías sueltas también de milicias” en casi todos los pueblos. Por lo tanto, mientras muchos milicianos eran convertidos en veteranos se multiplicaban también los milicianos “disciplinados” pero también de los “cívicos” y los integrantes de las “compañías sueltas”.108 La forma de milicia anterior a la reforma borbónica resurgía transformada por las condiciones y las necesidades del proceso revolucionario: ahora incluía una decidida expansión al ámbito rural y adoptaba nuevas denominaciones como “milicia patriótica”, “milicia nacional”, “brigada cívica” o “guardia nacional”. De esta forma, el Estatuto Provisional de 1815 dedicó el Capítulo II a las “Milicias Provinciales” y establecía que estarían regidas por el reglamento de 1801; en cambio, el Capítulo III estaba destinado a las “Milicias Cívicas”109 que tenían un objetivo preciso. “No deberá nunca Pocos autores han hecho hincapié en esta cuestión. Con lucidez recientemente ha llamado la atención sobre este aspecto central ARAMBURO, Mariano José, Buenos Aires ciudad en armas. Las milicias porteñas entre 1801 y 1823, Tesis de Licenciatura, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 2008; 109 Se precisaba que todos los “habitantes del Estado nacido en América”, los extranjeros con cuatro años de domicilio, los españoles europeos con carta de ciudadano y los africanos y pardos libres serían “soldados cívicos, excepto los que se hallen incorporados en las tropas 108

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la Brigada hacer servicio fuera de la Ciudad, y sus arrabales, pues de ella toma la denominación de Cívica para defenderla.” Dos años después, el Reglamento Provisorio aprobado por el Congreso pretendía darle alcance “nacional”: su capítulo II estaba dirigido a aquellas milicias que ahora eran denominadas “Nacionales” y repetía que continuaba vigente el reglamento de 1801; el capítulo III estaba destinado a reglar “las Milicias Cívicas”, disponía su creación “dentro del recinto” de las ciudades, villas y pueblos y que se integraran exclusivamente con “vecinos” que contasen con propiedades superiores a 1000 pesos, por dueños de tienda abierta o por cualquiera que ejerciera un oficio público. Estas “milicias cívicas” eran imaginadas como una fuerza de defensa local, con una composición social más elevada y se disponía que sólo tendrían goce del fuero los veteranos destinados a ellas como jefes, sargentos o cabos. Lo importante, entonces, es que se pretendía establecer claras distinciones, no sólo entre veteranos y milicianos, sino también entre diferentes tipos de milicias, fueran las “provinciales” o “nacionales” (semejantes a las disciplinadas borbónicas) o las “urbanas” o “cívicas” (que mostraban la vigencia de una tradición miliciana anterior a la reforma revitalizada y atravesada por las experiencias vividas desde 1806). La consagración de esta doble estructura miliciana, entonces, expresaba el reconocimiento de los límites que imponía la realidad así como testimoniaba la impronta de las tradiciones coloniales. Entre unos y otros tipos de milicias había diferencias sustanciales y dos nos parece necesario volver a remarcar puesto que las autoridades revolucionarias afrontaron dilemas y problemas muy semejantes a las borbónicas: por un lado, las milicias “provinciales” o “nacionales” debían estar prestas a prestar servicio en un espacio que excedía con creces la defensa de la localidad; por otro lado, las primeras debían estar mucho más sujetas y subordinadas al ejército veterano fungiendo como fuerzas auxiliares y auténtico ejército de reserva. Más aún, la misma pretensión de “disciplinar” las milicias en 1817 alude a la matriz borbónica de los ejércitos revolucionarios. Prueba de ello era la vigencia tanto del

de línea y Armada.” Para este generalizado alistamiento se fijaba como edad mínima los quince años y como máxima los sesenta.

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reglamento de 1801 para regir las milicias como de las ordenanzas de Carlos III para regir los ejércitos.110 La distinción entre diferentes tipos de milicia no era un mero tributo a la tradición. Suponía una concepción que tenía un núcleo central y que bien se expresaba en el Reglamento de 1817: los integrantes de las milicias “nacionales” eran considerados “soldados del Estado” y, por tanto, sus “comandantes natos” debían ser los gobernadores-intendentes, los tenientes de gobernador y los subdelegados designados por el gobierno superior; en tanto “soldados del Estado”, estos milicianos debían “acudir a la defensa del Estado y al auxilio y reposición de los Ejércitos de línea”. Esas “milicias nacionales”, entonces, debían fungir de ejército de reserva y sus miembros podían pasar a las fuerzas veteranas. Muy diferente era la situación de las “milicias cívicas” que quedaban bajo el comando de los cabildos y que el reglamento imaginaba sólo “dentro del recinto” de las ciudades, las villas y los pueblos. Desde este punto de vista, la “milicia cívica” recogía la experiencia de los batallones de voluntarios de “vecinos españoles” y de “forasteros” que habían existido desde el siglo XVII y, por eso mismo, se imaginó que fueran integradas por vecinos arraigados y respetables, al estilo de las llamadas “milicias honradas” de la península.111 Se trataba, por tanto, de un complejo proceso que adaptaba tradiciones mientras introducía innovaciones. En consecuencia, la revolución estaba impulsando un proceso de militarización que contenía una notable ampliación de las fuerzas veteranas, un crecimiento mayor de la infantería frente a la caballería y un aumento sin precedentes del sistema de milicias regladas mientras multiplicaba las milicias “cívicas”

Gobierno Superior Provisional de las Provincias Unidas del Río de la Plata, Instrucciones de los Comisarios de Guerra de las Provincias Unidas del Río de la Plata, Buenos Aires, Imprenta de los Niños Expósitos, 1812 y “Títulos de las Reales Ordenanzas que de orden de la Excma Junta se entresacan de ellas” [1814], en MAILLÉ, Arturo, La Revolución de Mayo a través de los impresos de la época, Buenos Aires, Tomo V, 1966, pp. 355-529. LOZA, Emilio, “Organización militar, 1811-1813”, en LEVENE, Ricardo (dir.), Historia de la Nación Argentina desde sus orígenes hasta la organización definitiva en 1862, Vol. V, Segunda sección, Buenos Aires, ANH, 1941, pp. 513-526. 111 ESDAILE, Charles, Napoleón contra España. Guerrillas, bandoleros y el mito del pueblo en armas (1808-1814), Buenos Aires, EDHASA, 2006; MOLINER PRADA, Antonio, La guerrilla en la guerra de independencia, Madrid, Adalid, 2004. THONE, John, La guerrilla española y la derrota de Napoleón, Madrid, Alianza Editorial, 1999. 110

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y las “compañías sueltas” de voluntarios. El dilema de la dirigencia revolucionaria residía en que mientras cada vez más tenía al ejército “regular” como base social de sustentación no podía sino multiplicar las fuerzas milicianas y depender de su colaboración. Las desalentadoras experiencias que emergían de una fuerza estructurada mediante la leva forzada la obligó a apelar a las milicias, pero las consecuencias de esta decisión (la influencia política local, la necesidad de “negociar” las condiciones del servicio a través de una compleja trama de mediaciones, la extensión del fuero que reforzaba el papel de los jefes, su reticencia a emprender campañas ofensivas, etc.) no tardaron en desalentarla. Visto en conjunto, este proceso muy lejos está de expresar simplemente un tránsito de la milicia a ejércitos “veteranos” y “profesionales”. Esta diversidad de tradiciones, por lo tanto, no fue anulada con la revolución al mismo tiempo que ella creaba otras nuevas. En consecuencia, parece necesario resistir tanto las dicotomías simplificadoras como las continuidades lineales y las tentaciones nominalistas. A primera vista, los ejércitos veteranos y las milicias parecen dos polos opuestos pero sólo adquieren esa imagen cuando se los piensa como tipos ideales y se los analiza exclusivamente a partir de las normativas o de los discursos políticos de legitimación. Pero las prácticas no eran simplemente la expresión de esas normas o la materialización de esos discursos. Más que dos polos opuestos conviene pensar en un continuo inestable y cambiante de situaciones, un conjunto de formas híbridas sustentado en una diversidad de tradiciones que habilitaban diferentes usos. La historia revolucionaria y posrevolucionaria lo iba de poner claramente de manifiesto. Apenas se repasan las trayectorias y los desafíos de los ejércitos revolucionarios puede advertirse que el ejército borbónico ofrecía la matriz a partir de la cual la dirigencia revolucionaria intentó forjar los suyos. El intento parece haber sido incompleto y, a fin de cuentas frustrado, pero signó el decurso de los antagonismos durante las guerras de la revolución. Y, sobre todo, impregnó la visión que de ellos tenía la oficialidad revolucionaria y la propia imagen que ella quiso forjarse de sí misma. Esa oficialidad había surgido de la convergencia de jefes de milicias, líderes locales, algunos oficiales de los ejércitos del Rey y también algunos mercenarios extranjeros, lo que traía aparejado no pocas

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tensiones. 112 Sin embargo, la experiencia guerrera y política había desarrollado su autoconciencia como núcleo dirigente de la nueva sociedad. En este aspecto también la historia comparada puede suministrar pistas y ayudar a recuperar el horizonte de los actores. Unos pocos ejemplos permiten advertirlo. Hacia 1815, Carlos M. de Alvear no dudaba en asimilar las formas de hacer la guerra de los “anarquistas” con el “el estilo de los Cosacos.”113 Al año siguiente Juan J. Viamonte calificaba a sus enemigos entrerrianos de “Tártaros Orientales”.114 En realidad, la idea no era nueva ya la había enunciado el gobernador de Montevideo Vigodet cuando dudada de la fidelidad de los Blandengues reclutados entre una población rural que vivía, según decía, “peor que tártaros”.115 De modo análogo, en 1816 era M. Belgrano quien equiparaba a los “montoneros” con los cosacos y asemejaba sus dilemas a los sufridos por el Rey de Prusia y Napoleón contra ellos.116 Esta visión de la confrontación en el litoral revolucionario en clave orientalista hacía inevitable que los jefes porteños se vieran enfrentando los desafíos de “la intemperie de los Desiertos”.117 De algún modo, entonces, a mediados de la década de 1810 se estaban configurando algunas de las claves interpretativas que serían parte sustancial de la lectura romántica de la realidad rioplatense. Esta percepción del oponente definía también la autopercepción de esta dirigencia militar que afanosamente intentaba construir un ejército de matriz borbónica cada vez más adaptado al modelo napoleónico. La perspectiva comparada de estas guerras no sólo puede ser un recurso historiográfico prometedor sino que parece que formaba parte del universo mental de sus protagonistas. Como señalaba José M Paz a propósito de Juan R. Balcarce, miembro de un destacado linaje militar bonaerense: “Era de aquellos pocos americanos que desde el tiempo de la monarquía había seguido la carrera de las armas y por consiguiente tenía la pretensión de ser considerado como un veterano”, PAZ, José M., Memorias póstumas, Buenos Aires, Editorial Trazo, 1950, Tomo I, p. 21. 113 Carlos de Alvear, Relación de las fuerzas, Río de Janeiro, 27 de junio de 1815, Archivo Artigas, Tomo XXX, pp.7-10. 114 Juan J. Viamonte al Director, 19 de marzo de 1816: Archivo Artigas, Tomo XXIX, pp.336338. 115 BENTARCUR, Arturo, El puerto colonial de Montevideo. Los años de la crisis (1807-1814), Montevideo, Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, 2006, p. 88. 116 Manuel Belgrano a Ignacio Álvarez Thomas, Rosario, 5 de abril de 1816, en Epistolario belgraniano, Buenos Aires, Taurus, 2001, p. 291. 117 Javier de Viana al Gobierno, Buenos Aires, 26 de noviembre de 1814, Archivo Artigas, Tomo XVII, pp. 149-150. 112

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La redefinición de las fronteras: cuando “argentinizar” fue la consigna Susana Bandieri* A manera de presentación “Asociar el término frontera al concepto de frontera militar o frontera administrativa sería mantenerse al margen de los progresos en las ciencias sociales, particularmente si se trata de estudiar una frontera tan permeable como la propia” (S. Villalobos y J. Pinto Rodríguez, Comp., Araucanía. Temas de historia fronteriza, Temuco, Chile, Ediciones Universidad de la Frontera, 1985: 6).

Hace ya varios años que quienes venimos estudiando la historia patagónica en perspectiva regional, planteamos la necesidad de reorientar los estudios del fenómeno fronterizo para trascender los análisis tradicionales, exclusivamente centrados en las cuestiones bélicas y en las hipótesis de conflicto derivadas de los diferendos limítrofes entre Argentina y Chile, para avanzar en la comprensión del funcionamiento de la sociedad, la economía y la cultura en las áreas de frontera. De hecho, cuando se pretende realizar una aproximación que supere la mera descripción histórica a la región más austral de América Latina, incorporada definitivamente a la soberanía de los Estados nacionales en la segunda mitad del siglo XIX, resulta imposible desconocer el hecho de que la cordillera de los Andes sirvió históricamente, y desde las primeras etapas de ocupación indígena, de eje vertebrador de un espacio socialmente integrando, que actuó y sobrevivió por encima de los límites políticos y administrativos impuestos al territorio luego de su conquista militar. No es posible estudiar entonces la historia patagónica atendiendo solamente a sus

* Unidad Ejecutora en Red ISHIR-CEHIR/CONICET, Universidad Nacional del Comahue, Neuquén, Argentina ([email protected])

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límites territoriales, sin considerar la importancia de un área de frontera con existencia propia donde se habría conformado, a lo largo del proceso histórico, un espacio social de singulares características, gran dinamismo y alta complejidad. Ya en la etapa colonial –y seguramente antes si atendemos a los registros arqueológicos-, los pueblos originarios manejaban una vasta red de caminos e intercambios que abarcaba ambas márgenes de la cordillera. Avanzado el siglo XVIII, un ancho corredor interregional, por el cual circulaban ganados y bienes diversos, atravesaba el norte de la Patagonia entre el Río de la Plata y Chile. Los grupos cordilleranos oficiaban de excelentes intermediarios entre los ganados de las pampas argentinas y la demanda chilena, que requería de importantes cantidades de sal, carnes, cueros y sebo para su propio consumo y para su exportación al centro minero potosino y a otros asentamientos hispanos sobre el Pacífico Sur. En esas condiciones, los campos de las áreas andinas resultaban excelentes para el acondicionamiento de los ganados antes de someterlos al esforzado cruce de los Andes. Aunque las situaciones de conflicto estaban siempre presente y violentos enfrentamientos se sucedían con regularidad, las relaciones entre las sociedades indígenas e hispano criollas se incrementaron a lo largo de todo el siglo XVIII, alcanzando niveles muy importantes de intercambio económico, social y cultural. Ya en el siglo XIX, los procesos independentistas de ambos países derivaron en mayores presiones territoriales y nuevos posicionamientos de los sujetos fronterizos en aras de mantener la dominación de los espacios cordilleranos hasta que, en la segunda mitad del siglo y mediante sendas campañas militares, se terminó por incorporar definitivamente el espacio indígena a la soberanía de los respectivos Estados nacionales, Argentina y Chile, resolviendo el secular conflicto a favor de los sectores dominantes. El efecto inmediato de la conquista militar fue el establecimiento de los límites administrativos de los nuevos territorios incorporados a la soberanía estatal y el fortalecimiento de la idea de que la cordillera de los Andes, en tanto límite político, constituía una barrera aislacionista. En este sentido, se afirmaba su condición de “espalda” de un país cuya orientación se pensaba exclusivamente hacia el Atlántico, desconociendo los contactos que desde antiguo caracterizaron el funcionamiento de las áreas andinas.

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Esta visión formó parte incluso de la historia nacional construida en esos años al servicio del proceso de consolidación del Estado-nación argentino y perduró hasta la actualidad en variada bibliografía, tanto histórica como geográfica.1 Las investigaciones más recientes permiten sin embargo demostrar que la débil presencia estatal en la región derivó en una marcada continuidad de tales relaciones hasta avanzado el siglo XX. Luego, posteriores etapas de consolidación de las respectivas situaciones nacionales, tanto en Chile como en la Argentina, llevaron a la aplicación de barreras económicas y políticas que, unidas a la carencia de una infraestructura moderna y adecuada en comunicaciones, cortaron de manera prácticamente definitiva el tradicional intercambio económico y sociocultural entre ambos países, en un proceso gradual iniciado en la década de 1920, profundizado en los años 30 y concluido a fines de la segunda guerra mundial. De hecho, puede decirse que recién al tomar forma concreta el régimen de industrialización sustitutivo de importaciones que reemplazó al modelo agroexportador después de la crisis de 1930, y definirse otras estrategias territoriales de corte nacionalista que derivaron en la preocupación por “argentinizar” la Patagonia, se tornó particularmente importante la consolidación de un mercado interno, y por ende, la afirmación de las fronteras en tanto límites nacionales. Más adelante, períodos de fuertes disputas ideológicas y políticas, y las siempre latentes hipótesis de conflictos armados, actuaron como obstáculos que limitaron las posibilidades reales de una integración económica y social entre ambos países, acentuando el rol de los límites territoriales en detrimento de la frontera como espacio de interacción. La periferia andina Tal y como venimos diciendo, sucesivos avances en la investigación histórica regional nos han llevado a sostener que el área andina patagónica tuvo una posición periférica y marginal respecto del modelo de inserción del país en el sistema internacional vigente, con fuerte orientación atlántica, lo cual habría derivado en la supervivencia de los contactos socioeconómicos con las ciudades y

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Romero, Luis Alberto, coord., La Argentina en la escuela. La idea de nación en los textos escolares, Buenos Aires, Siglo XXI, 2004.

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puertos del sur chileno.2 Por ese mismo motivo, mientras el ganado ovino era desplazado de la llanura pampeana a los territorios patagónicos con litoral atlántico, como consecuencia del auge cerealero y de la importancia de la carne refinada con destino al frigorífico, las áreas andinas siguieron produciendo ganados destinados a satisfacer la demanda de los centros y puertos del Pacífico, en tanto mantenían una muy débil inserción con el conjunto nacional. Un espacio común de inversiones de capital, explotaciones ganaderas, flujos de población y variados vínculos socioeconómicos y culturales caracterizaron entonces a esta región fronteriza, aprovechando la permeabilidad de los Andes en algunos sectores de la Patagonia –particularmente los ubicados en la actual provincia de Neuquén-, donde los pasos son relativamente bajos y facilitan el cruce de un lado a otro de la cordillera. Más al sur, en la zona que los historiadores regionales han llamado la “región autárquica de Magallanes”, se dio una situación similar.3 Allí también resulta evidente la expansión de los capitales y de los flujos de inmigración procedentes de Chile, principalmente de Punta Arenas y de la isla de Chiloé, hacia la zona de Santa Cruz y Tierra del Fuego, conformando una misma región que, al menos hasta la década de 1920, funcionó con una dinámica propia y relativamente desvinculada de los centros políticos de los respectivos Estados nacionales: Buenos Aires y Santiago. A la luz de estos estudios, y al menos hasta esos años, la significativa dependencia económica de los territorios más australes de Argentina con el área de Magallanes y su capital Punta Arenas parece indiscutible, al menos en lo que se refiere a la provisión de lanas y carnes ovinas con destino a los mercados europeos. La posibilidad de comunicación directa con esos mercados a través del estrecho de Magallanes, facilitada por la inexistencia de impuestos aduaneros y la débil presencia de ambos Estados en la región, favorecieron tal proceso de integración. Es variada y numerosa la producción de la autora en estos temas. A modo de síntesis, puede consultarse de S. Bandieri, Historia de la Patagonia, Buenos Aires, Sudamericana, 2005. 3 Véase Elsa Barbería, Los dueños de la tierra en la Patagonia Austral, 1880-1920, Santa Cruz, Universidad Federal de la Patagonia Austral –UFPA-, 1995, y Mateo Martinic B., “Patagonia austral: 1885-1925 Un caso singular y temprano de integración regional autárquica”, en S. Bandieri, Coord., Cruzando la cordillera… La frontera argentino-chilena como espacio social, Neuquén, CEHIR-UNCo., 2001. 2

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Se puede afirmar entonces que, en el mismo momento en que las principales regiones ganaderas argentinas destinaban sus esfuerzos a mejorar las razas carniceras con destino al frigorífico y a la exportación al mercado europeo del Atlántico, la ganadería patagónica se orientaba con doble dirección. Mientras en el sur, lanas y carnes ovinas se derivaban hacia los frigoríficos magallánicos y el puerto de Punta Arenas, en las áreas andinas del centro y norte patagónico se comercializaban vacunos en pie para satisfacer la demanda de los centros del Pacífico. Cabe destacar la manifiesta preocupación de los funcionarios de esa etapa por cortar, sin éxito, las prácticas sociales vigentes entre las poblaciones del interior rural, como aquella generalizada de casarse y anotar el nacimiento de los hijos en Chile, por ejemplo. Esto no era otra cosa que una expresión más de la integración que, de hecho, existía alrededor del área cordillerana, así como de la persistencia de una forma de organización social y territorial vigente desde muy antiguo. Asimismo, en muchas áreas andinas patagónicas la provisión de bienes de consumo desde allende los Andes era una constante hasta avanzadas las dos primeras décadas del siglo XX, así como también lo fue el uso de la moneda de ese origen como el medio circulante mas generalizado.4 No hubo durante esa etapa, como podrá verse a continuación, avances significativos en el proceso de penetración estatal en la región, más allá de la acción represiva de los ejércitos sobre los grupos indígenas, de la fuerte centralización administrativa ejercida en el marco del gobierno de los territorios nacionales5 y de los evidentes esfuerzos de la justicia federal por disciplinar a la sociedad local, pero las necesidades básicas de los habitantes de la Patagonia quedaron desatendidas por largos años permitiendo, de hecho, la continuidad de las prácticas antes descriptas.

S. Bandieri, “La Patagonia: Mitos y realidades de un espacio social heterogéneo”, en Jorge Gelman, comp., La Historia Económica Argentina en la encrucijada: Balances y perspectivas, Buenos Aires, Asociación Argentina de Historia Económica-Prometeo Libros, 2006. 5 Los Territorios Nacionales fueron entidades creadas específicamente para la administración de las superficies ganadas al indio en la década de 1880 (Chaco y Patagonia). Sin alcanzar el status jurídico de las antiguas provincias argentinas, las autoridades de los territorios se elegían desde el poder central, lugar desde donde se administraban también las rentas. Sus habitantes no pudieron elegir sus gobernadores, como tampoco participar en las elecciones de las máximas autoridades del país hasta mediados de la década de 1950. 4

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La penetración material “…la conquista del desierto por las armas, que Usted ha realizado [refiriéndose a Julio Argentino Roca y su campaña militar contra los indios], no está completa, falta agregarle la conquista por el riel, para ‘argentinizar’ la Patagonia” (Ezequiel Ramos Mexía, Mis Memorias 1853-1935, Buenos Aires, Librería y Editorial La Facultad. 1936:205)

En textos ya clásicos sobre la formación del Estado nacional argentino6 se definen cuatro formas distintivas de penetración estatal en el proceso de construcción social y ejercicio del poder político a lo largo de la segunda mitad del siglo XIX, las que se denominan: represiva, cooptativa, material e ideológica.7 Hemos hecho mención expresa en otros trabajos al accionar coercitivo del Estado sobre las sociedades indígenas y al fuerte control del poder central que implicó la perdurabilidad de la forma jurídica de los Territorios Nacionales en lo que hace a la posibilidad de ejercer los plenos derechos de la ciudadanía política a sus habitantes. 8 Nos dedicaremos en este avance a la localización de obras y servicios públicos como elemento de penetración material de fuerte carga simbólica a la hora de pensar en la profundización del proceso de “argentinización” de la Patagonia. El intento más temprano en este último sentido, aunque fracasado en su mayor parte, lo constituyó el proyecto de desarrollo patagónico elaborado por el ministro de obras públicas del presidente Figueroa Alcorta, Ezequiel Ramos Mexía, que se concretó en la “Ley de Fomento de los Territorios Nacionales” nº 5.559 del año 1908. El ministro formó parte del grupo de profesionales que, a comienzos del siglo XX, ingresó Oscar Oszlak, La formación del Estado Argentino, Buenos Aires, Ed. de Belgrano, 1982, y “Reflexiones sobre la formación del Estado y la construcción de la sociedad argentina”, en Desarrollo Económico, Nº 84, Buenos Aires, IDES, 1982:531-545. 7 Estos textos de Oszlak, de matriz weberiana, son hoy discutidos por su mirada excesivamente centrada en el rol del Estado en el proceso de construcción social. Esta mirada “desde arriba” quita sin duda protagonismo a los sujetos sociales que parecen no tener capacidad de reacción alguna frente al mismo proceso. Sin embargo, las formas de penetración que el autor menciona pueden resultar un instrumento didáctico interesante a la hora de plantear el tema propuesto. 8 Este trabajo retoma algunos temas y debe considerarse continuación del presentado en el Primer Encuentro de la Red Internacional Marc Bloch de Estudios Comparados Europa-América Latina, realizado en la UNCPBA, Tandil, en mayo de 2006 (Véase S. Bandieri, “La dimensión regional como alternativa analítica para pensar otros espacios y nuevas periodizaciones”, en S. Bandieri, G, Blanco y M. Blanco, Coord., Las escalas de la historia comparada, Tomo 2. Empresas y empresarios. La cuestión regional, Buenos Aires, Miño y Dávila, 2008). 6

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en la administración pública como una expresión más de los movimientos reformistas que sacudían por entonces al orden liberal, aún cuando se compartieran sus ideas de fondo. Los reclamos por una mayor intervención estatal en el orden económico habían logrado en ese momento un mejor posicionamiento, especialmente visible a partir del año 1906 9 y, en ese sentido, deben interpretarse sus proyectos y concreciones en la función pública nacional. Dentro del llamado grupo de los “liberales reformistas” de principios del nuevo siglo, Ramos Mexía compartió plenamente el lenguaje político en el que se expresaba el contexto ideológico de la época, en cuanto a promover cambios y renovaciones en el orden institucional a partir de las decisiones políticas que se tomasen desde el propio Estado, al cual se reservaban intervenciones diversas.10 Desde distintos lugares de la sociedad civil y del propio gobierno, miembros de la facción reformista planteaban la necesidad de incorporar nuevos rubros a la agenda de problemas que se debían resolver en la Argentina de la época. Distintos proyectos innovadores intentaban superar las limitaciones percibidas en el modelo socio-económico vigente, reclamándose al Estado algunos cambios necesarios en el sistema político y en las bases económicas y sociales del país. La formulación política de la ley de fomento apoyaba una mayor intervención estatal en aquellas zonas – como los territorios nacionales – todavía ajenas al interés de los capitales privados. La propuesta de Ramos Mexía percibía las deficiencias del modelo en cuanto hacía al desarrollo igualitario de las regiones y, sobre todo, cuestionaba la política agraria de los gobiernos conservadores. Las nuevas tierras públicas debían ser pobladas y colonizadas y, para ello, el tendido de ferrocarriles estatales de fomento resultaba una medida prioritaria. Pero el proyecto avanzaba incluso en propuestas más reñidas con la ortodoxia liberal de la época, como lo Las actitudes más decididas a favor del proteccionismo estatal que se tomaron a partir de 1906 han sido reconocidas por varios autores, entre ellos Carlos Díaz Alejandro, Ensayos sobre la Historia económica argentina, Buenos Aires, Amorrortu, 1975:275-279. Aunque los niveles reales de intervención estatal deben entenderse en términos de la época, resulta importante reconocer la percepción que de ello tenían los actores, entre ellos el propio Ramos Mexía, que se sentía formando parte de un proyecto de mayor intervencionismo estatal (E. Ramos Mexía, Mis Memorias, op. cit., 1936:254). 10 Eduardo Zimmermann, Los liberales reformistas. La cuestión social en la Argentina 1890-1916, Buenos Aires, Sudamericana, Editorial de San Andrés, 1995. 9

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demuestra la misión Bailey Willis y sus esfuerzos por estudiar el posible desarrollo industrial de la zona.11 La ley de fomento contemplaba un amplio plan de obras públicas a desarrollarse en los territorios de Chaco, Formosa y la Patagonia. En el pensamiento de Ramos Mexía, el desarrollo de estas áreas requería de una presencia muy activa del Estado nacional mediante la construcción de líneas férreas de fomento que sirvieran a la consolidación del mercado interno –por cuanto los ferrocarriles privados sólo cubrían las zonas productoras de carnes y granos que les aseguraban mayores beneficios, la realización de obras de navegación, la regulación de las crecientes y la canalización de los ríos, atendiendo también a su aprovechamiento energético, así como la división y venta de las tierras fiscales bajo una efectiva política de colonización y poblamiento. El vasto plan de obras públicas proyectado para los territorios nacionales se dividía en dos partes: aquellas que podían hacerse con el concurso financiero de las grandes compañías de ferrocarriles, que obtendrían a cambio un aumento considerable de su tráfico, y las que no podían hacerse con ese apoyo financiero por encontrarse fuera de su radio de interés. Respecto de la Patagonia, tres líneas de penetración se pensaron para los territorios del sur: los ferrocarriles estatales de San Antonio Oeste a San Carlos de Bariloche, con una extensión a Valdivia, en Chile, y los de Comodoro Rivadavia y Puerto Deseado al lago Buenos Aires y a la zona cordillerana, para unir esta última con las rutas del este. Ello se completaría con un trazado de trocha angosta de norte a sur que enlazaría los fértiles valles andinos entre sí, y a estos con la costa a través de los tendidos anteriores, asegurando una fluida comunicación con los potenciales mercados del Atlántico y del Pacífico. De esta forma se reconocía la tradicional articulación mercantil de las áreas andinas patagónicas con el sur de Chile, que perduró según vimos sin mayores variantes hasta avanzado el siglo XX. 11

El ministro contrató al Ing. Bailey Willis, reputado miembro del Departamento de Investigaciones Geológicas del gobierno de los Estados Unidos, para la realización de una serie de estudios en la Patagonia, que incluían la instalación de industrias con fuentes energéticas alternativas y renovables como el agua. Con innumerables cuestiones burocráticas se entorpeció la continuidad de la misión hasta que prácticamente concluyó con la renuncia de Ramos Mexía (S. Bandieri, “Pensar una Patagonia con dos océanos: el proyecto de desarrollo de Ezequiel Ramos Mexía”, en Quinto Sol, Revista de Historia Regional, UNLP, 2009).

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El proyecto fue desnaturalizado casi de inmediato cuando el ministerio de hacienda modificó su estructura financiera. Mientras el plan de obras públicas de Ramos Mexía se sostendría a través de la colonización de las tierras fiscales valorizadas por los ferrocarriles, el gobierno decidió solicitar a esos fines un empréstito. Si bien la construcción de la mayoría de los ferrocarriles proyectados se inició, su costo pesó sobre la deuda pública y pocas veces se llegó al destino propuesto. El fracaso del proyecto colonizador, en opinión de Ramos Mexía, incentivó la formación de latifundios muchas veces improductivos, desvirtuando la idea inicial de construir ferrocarriles que incentivaran el poblamiento de las tierras fiscales, como era el eje central de la ley de fomento. De los proyectos iniciales poco y nada se cumplió, por cuanto el tendido de rieles sólo permitió articulaciones parciales sin llegar nunca a integrar a los distintos territorios patagónicos entre sí ni a cubrir la franja cordillerana en su conjunto.12 En el norte de la región, el tendido de las vías férreas programadas alcanzó niveles algo más significativos.13 Luego de varios años sin avance alguno, el tendido finalmente concluyó en el lago Nahuel Huapi en el año 1934, coincidiendo con la puesta en marcha del proyecto nacional de explotación turística de San Carlos de Bariloche, sin que nunca se concretara la extensión transcordillerana. Varios años después, la población de Esquel, en el área andina chubutense, se convertiría en punta de rieles del ferrocarril de trocha angosta – más conocido como “la trochita” – que en Ingeniero Jacobacci se uniría con el anterior. Fue éste pequeño tramo la única expresión del La primera de estas líneas, cuya construcción se inició en 1909, debía unir la costa con la cordillera entre Puerto Deseado y el lago Buenos Aires, para entroncar allí con la línea del Nahuel Huapi. Del trazado original sólo se terminó en 1914 el tramo de 283 km entre el puerto y la Colonia Las Heras. Del ramal a Colonia Sarmiento y Comodoro Rivadavia, sólo se habilitó en 1912 el tramo inicial entre el puerto y esta última localidad, cubriéndose un recorrido adicional al servicio de una estancia de la zona. Otros tendidos de penetración del Ferrocarril Nacional Patagónico unirían mas tarde algunos puertos con áreas específicas del interior regional. Un mapa de las líneas férreas de la Patagonia con los tramos proyectados por la Ley de Fomento y aquellos efectivamente construidos, puede verse en José María Sarobe, La Patagonia y sus problemas, Buenos Aires, Editorial Centro de Estudios Unión para la Nueva Mayoría, 1999:289. 13 En 1910 se inició la construcción del ramal que debía unir el puerto de San Antonio Oeste con San Carlos de Bariloche a través de la meseta rionegrina para llegar luego a Valdivia. En 1917 los rieles llegaron a Ing. Jacobacci y en 1929 a Pilcaniyeu, en el territorio de Río Negro, y allí se detuvieron hasta 1934. 12

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proyectado ferrocarril norte-sur que debía unir los fértiles valles cordilleranos. Como parte del mismo plan, el problema del riego fue encarado decididamente por el ministro Ramos Mexía a partir de la construcción de un vasto sistema de canales y desagües. En 1910 se inició la construcción de las obras del dique sobre el río Neuquén –hoy dique Ing. Ballester- para derivar las crecientes y del canal de riego que permitiría la puesta en producción inicial del valle inferior de ese río, concluidas en 1916, con lo cual se iniciaría el cambio productivo que haría de la fruticultura, años mas tarde, el cultivo por excelencia en el alto valle del río Negro. Un rol preponderante en ello cumplió la empresa británica del Ferrocarril Sud, que financió poco más del 50% del costo inicial de las obras.14 Aun cuando los resultados, en este caso, fueron más efectivos, la concepción central del proyecto en cuanto a la integración de los territorios nacionales patagónicos, nunca se concretó. No caben dudas de que la decisión política respecto de una mayor intervención estatal en la Patagonia no estaba aún consolidada. Severos cuestionamientos debió enfrentar el ministro a la hora de discutirse sus proyectos en el Congreso. Tanto los sectores vinculados a la exportación de lana como los importadores de tejidos, así como el sistema ferroviario privado, asociados al viejo esquema de funcionamiento económico, se oponían a cualquier modificación que implicara una pérdida de beneficios. Los ferrocarriles estatales propiciados por Ramos Mexía eran sentidos como posible competencia por los transportes ferroviarios que los capitales ingleses monopolizaban en el norte de la Patagonia. A la hora de sancionarse la ley de fomento, según vimos, el Congreso cambió el proyecto inicial introduciendo importantes modificaciones. Los planes de expansión patagónica quedaron postergados por la imposibilidad de obtener fondos con destino a obras públicas nacionales, a la vez que se acusaba a Ramos Mexía de abusos y derroches presupuestarios en una interpelación parlamentaria realizada en 1912, obligándolo a renunciar.

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S. Bandieri y G. Blanco, “Pequeña explotación, cambio productivo y capital británico en el Alto Valle del río Negro”, revista Quinto Sol nº 2, Santa Rosa, UNLPam., 1998.

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La preocupación por “argentinizar” la Patagonia Años más tarde, la preocupación por una más efectiva presencia estatal en la Patagonia se volvía una realidad. En la década de 1920, la conexión con Chile era percibida todavía como una cuestión muy importante y, ahora, peligrosa, habida cuenta de los conflictos obreros producidos en las estancias santacruceñas en los años 1921/22, de los cuales se culpaba, entre otros – y muy exageradamente, por cierto –, a los trabajadores anarquistas y comunistas procedentes de Chile. La falta de un “sentimiento de argentinidad” en los territorios patagónicos empezó a ser sentida entonces como un verdadero problema que había que solucionar, tema que se incrementó durante la década de 1930 con el fortalecimiento de las posiciones nacionalistas en los ámbitos de gobierno. Los funcionarios públicos – gobernadores, jueces, inspectores de tierras y de escuelas, entre otros – argumentaban insistentemente a favor de la toma de una serie de medidas correctivas como eran la instalación de regimientos, la fundación de escuelas elementales, la formación de maestros del lugar, la obligación de denunciar los nacimientos en el país, la celebración de fiestas patrias y la ampliación y mejoramiento de las comunicaciones. Con buen criterio, no desprendían la situación vigente de una presunta ocupación territorial ni de un avance de la soberanía nacional de un país sobre el otro, sino de las consecuencias lógicas de una forma de organización social del espacio que fue incluso anterior a la fijación de límites entre las naciones y que guardaba relación directa con la formación de economías regionales complementarias, hecho atribuido, en muchos casos, a la lejanía de los centros de poder. Precisamente, esa preocupación por “argentinizar” llevó a algunos organismos a tomar medidas específicas, como fueron la creación de sucursales del Banco de la Nación Argentina en varios centros fronterizos de la región. En mayo de 1934 también concluyó, como adelantamos, la línea ferroviaria entre el puerto de San Antonio y San Carlos de Bariloche iniciada en 1910, pero no ya como parte de un proyecto integrador de la Patagonia como el que se planteara en la ley de fomento de 1908, sino al servicio de un modelo de desarrollo turístico internacional manejado por el propio Estado a través de la recientemente creada Dirección de Parques Nacionales. Exequiel Bustillo, su primer director, cambió 137

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definitivamente el perfil fronterizo de la localidad de San Carlos de Bariloche, convirtiéndola en un centro turístico de nivel internacional.15 De ese modo se pensaba actuar de manera más concreta en el fortalecimiento de la frontera y en la “argentinización” de los territorios patagónicos.16 Los cambios en la urbanización de Bariloche, bajo el diseño del arquitecto Alejandro Bustillo, hermano del anterior, se acompañaron con una dotación importante de servicios (agua corriente, pavimento, cloacas, etc.) y una amplia red de caminos dentro del área del Parque Nacional. El Automóvil Club Argentino, el hospital regional, el Banco de la Nación Argentina, la avenida costanera y la catedral, concluida en 1947, todos con idéntico estilo arquitectónico, propio de una aldea suiza, fueron parte del mismo proceso de modernización, con el acuerdo de las autoridades municipales que también se favorecieron con los cambios. Sin duda que estas importantes obras demandaron ingentes esfuerzos presupuestarios que la Nación estuvo dispuesta a hacer, en parte por las conexiones personales de Bustillo con las administraciones conservadoras de la época, pero mayormente por el interés, ahora explicitado, de consolidar la jurisdicción argentina en las áreas fronterizas de la Patagonia, cuestión que se profundizó con el golpe militar de junio de 1943, que marcó el fin de la era Bustillo al cambiar el perfil elitista de Bariloche por un turismo de carácter más popular. Pero su definitiva orientación hacia los centros argentinos ya estaba consolidada.17 La localidad de Neuquén, por su parte, adonde se había trasladado la capital del territorio de igual nombre a la llegada del Ferrocarril Sud, en el año 1904, no contó con conexión terrestre con el vecino territorio de Río Negro –con la sola excepción del puente ferroviario- hasta avanzada la década de 1930. Hasta entonces, un precario servicio de balsa sobre el caudaloso río Neuquén era el único medio para cruzar hombres y bienes y comunicar la capital con el resto del país. En el año 1937 se inauguró, finalmente, el puente carretero que unió a este territorio con el de Río Negro. Laura Méndez, “Circuitos económicos y relaciones sociales en espacios de frontera. San Carlos de Bariloche: de pueblo de frontera a centro turístico internacional (1880-1935)”. Tesis Doctoral, UNCPBA, Tandil, 2005, inédita. 16 Eduardo Bessera, Políticas de Estado en la Norpatagonia Andina. Parques Nacionales, desarrollo turístico y consolidación de la frontera. El caso de San Carlos de Bariloche (19341955), Tesis de Licenciatura, UNCo., agosto 2008, inédita. 17 Laura Méndez, Circuitos económicos y relaciones sociales…, op. cit., 2005. 15

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La creación de escuelas de frontera y la generalización de rituales escolares 18 también se intensificó en la década de 1930, cuando la necesidad de crear una “identidad nacional” en los territorios patagónicos fue declarada de interés prioritario por el Estado nacional. Estas escuelas, creadas en espacios rurales fronterizos, mayoritariamente ocupados por indígenas y pobladores de origen chileno –considerados como “población problema”-, 19 eran entendidas, en tanto divulgadoras del discurso patriótico nacional, como las herramientas más importantes en la construcción de un ideal colectivo de nación.20 La construcción de infraestructura en caminos y comunicaciones mediante el accionar de la Dirección Nacional de Vialidad, creada en 1932,21 la edificación de puentes, la conclusión de líneas férreas y la creación de organismos nacionales con intervención directa en la región, fue la respuesta a los “peligros” que para el nacionalismo de la época amenazaban no sólo a la cultura, sino también, y especialmente, al territorio nacional. En ese mismo sentido, se incrementó la explotación de los recursos petroleros, gasíferos y carboníferos bajo el control del Estado, como veremos a continuación, y se crearon dependencias militares en los espacios más estratégicos a los efectos de proteger la supuesta vulnerabilidad de la soberanía nacional que se suponía amenazada desde diversos frentes.22 Brígida Baeza, “Las prácticas sociales de conmemoración en el Departamento Tehuelches. Los actos cívicos en la época territoriana”, en Brígida Baeza y Daniel Marques (comp.), Resistir en la frontera. Memoria y desafíos de la sociedad de Gobernador Costa y el Departamento Tehuelches, Comodoro Rivadavia, Municipalidad de Gobernador Costa y Subsecretaría de Cultura de la Provincia de Chubut, 2003. 19 María C. Meccozzi, La escuela pública en una sociedad de frontera. La creación de la Escuela n º 118 ¿Necesidad vecinal o imposición estatal?, trabajo presentado para la aprobación del Seminario de Historia Regional, carrera de Historia UNCo., Sede San Carlos de Bariloche, 2006, inédito. 20 Destaca un documento del Consejo Nacional de Educación de 1930 “…la imprescindible tarea de argentinizar cada vez más a la Patagonia, de inculcar constantemente la enseñanza patriótica y nacionalista, de infundir en las escuelas y en los vecindarios el culto a nuestros héroes y símbolos, el amor a la libertad y veneración a nuestras instituciones” (El Monitor de Educación, Buenos Aires, 1930:132, cit. en Mecozzi, 2006:8). 21 La red de rutas y caminos terrestres construida por el Estado, unida al auge de la industria automotriz mundial, permitió afianzar la integración del territorio nacional. La ruta 3, que recorría la costa atlántica, y la 40, que bordeaba la cordillera sirvieron, en el caso de la Patagonia, para fortalecer la circulación regional de bienes y personas. 22 Varios regimientos se instalaron en diversas áreas de la Patagonia, en tanto que en 1938 se creaba Gendarmería Nacional como fuerza encargada de la vigilancia fronteriza. 18

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El Estado empresario Otra modalidad importante a la hora de marcar una presencia muy activa del Estado nacional en la Patagonia se vincula con la explotación de los recursos petroleros y gasíferos, especialmente importantes en la cuenca del golfo San Jorge, con centro en Comodoro Rivadavia, en el territorio del Chubut, y en Plaza Huincul, en el territorio de Neuquén. En ambos casos se desplegó, sobre comienzos de la década de 1920, un importante accionar estatal directamente vinculado a la “argentinización” de los yacimientos y a la generación de un fuerte vínculo identitario de los trabajadores con las empresas y, por ende, con el Estado-nación. La cuestión se agudizó en las décadas de 1930 y 40, acorde con los avances en este sentido que promoviera el presidente Justo en los territorios nacionales y a los intereses similares que sostuvieron los grupos militares que lideraron la revolución de 1943. En esa misma dirección se dispuso, por decreto del Poder Ejecutivo Nacional del año 1944, la creación de una zona militar en Comodoro Rivadavia con el objeto de proteger los recursos hidrocarburíferos de la región, entendida como área de seguridad frente a los cambios en el contexto internacional que implicaba el desarrollo de la Segunda Guerra Mundial, próxima a definirse. Bajo el nombre de Gobernación Militar, la nueva división jurisdiccional perduró hasta el año 1955, favoreciendo una importante política de inversiones por parte del Estado. Entre las facultades de los nuevos gobernadores militares se privilegiaba un fuerte control social con el objeto de mantener el orden y la moral pública. Para explicar este proceso debemos ubicarnos a comienzos de la década de 1920, cuando se produjo una caída coyuntural de los precios internacionales del petróleo que provocó el retiro de muchas de las empresas instaladas en el país. Pero este comportamiento de las inversiones privadas se relaciona también con un cambio de política iniciado por el radicalismo en el poder, que insistió ante el Congreso para modificar la legislación hasta entonces vigente, excesivamente permisiva, alentando la nacionalización y la explotación fiscal de los recursos del subsuelo nacional. Ello derivó en la creación de la “Dirección General de Yacimientos Petrolíferos Fiscales” –YPF- en el año 1922 y en el decreto de enero de 1924 que ampliaba la reserva fiscal en los territorios nacionales de la Pampa y Patagonia a una superficie de más de 32 millones de hectáreas. Se establecían además normas estrictas para 140

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acceder a los cateos en las zonas no reservadas, trabando así la expansión de las explotaciones privadas que para 1927 se había reducido drásticamente. Bajo la enérgica administración del Gral. Enrique Mosconi al frente de YPF se abrió en 1922 una nueva etapa, decisiva en el desarrollo del petróleo nacional. 23 La producción fiscal se duplicó y aumentó considerablemente la capacidad de almacenaje y transporte estatal con la flota petrolera argentina, a la vez que se inició la capacitación de técnicos y geólogos nacionales, consolidándose en este período la integración vertical de la industria petrolera en manos del Estado. Como forma de asegurar el control y la normal provisión de petróleo al mercado interno, se impondría desde el Estado una estructura de carácter militar a los yacimientos, lo cual daría características específicas al desarrollo de la actividad. Asimismo, se impuso una acción reguladora del mercado interno por parte de la empresa estatal, acompañada por un fuerte control de la fuerza de trabajo. Simultáneamente, la empresa puso en marcha una serie de políticas de bienestar y asistencia al trabajador –equiparables a las medidas “bismarckianas” adoptadas durante el Segundo Imperio Alemán-24 para asegurar la producción y evitar los conflictos laborales. Control y contención social fueron entonces una parte muy importante de la gestión empresarial del Estado en esta etapa, iniciándose además una explícita política para homogeneizar y promover la identificación de los trabajadores petroleros con la empresa nacional. Esto se acompañó con el reclutamiento de mano de obra en las provincias del norte argentino para reemplazar gradualmente a los inmigrantes extranjeros, a la vez que se desarticulaban las organizaciones obreras independientes que habían protagonizado algunos conflictos en la etapa anterior. Los trabajadores del petróleo fueron instalados en campamentos especiales donde se ejercía un fuerte control por parte de la empresa, a la vez que Para el desarrollo de estos temas, véase Daniel Cabral Marques y Edda Crespo, “Entre el petróleo y el carbón: Empresas estatales, trabajadores e identidades sociolaborales en la Patagonia Austral (1907-1976)”, en Susana Bandieri, Graciela Blanco y Gladys Varela (dir.), Hecho en Patagonia… La historia en perspectiva regional, Neuquén, Serie Publicaciones CEHIR, EDUCO -Editorial UNCo.-, 2006. 24 Daniel A. Cabral Marques, “Las empresas estatales extractivas y la configuración de identidades sociales ligadas al mundo del trabajo en la Patagonia Austral (1907-1955)”, tesis de Maestría en Historia, Universidad Nacional de Mar del Plata, marzo 2008, inédita. 23

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se satisfacían las necesidades básicas de las familias proveyéndoles de proveedurías para el abastecimiento de alimentos y vestimentas, viviendas, educación, salud y esparcimiento. La administración de YPF intervenía de diversas maneras en el manejo administrativo de los municipios cercanos, con una fuerte ingerencia en el caso de Comodoro Rivadavia, como parte de un mayor control de la situación regional en su conjunto. Yacimientos Petrolíferos Fiscales, en calidad de agente estatal, participaba en todo el proceso productivo como una empresa integrada que controlaba los procesos de exploración, explotación, industrialización y comercialización. Puede decirse que durante varios años, y pese a los cambios políticos, el Estado siguió ejerciendo una clara direccionalidad interventora a través de sus empresas YPF y Gas del Estado, a las cuales se agregaría, en la década de 1940, la explotación de carbón en las Minas de Río Turbio y la creación de Yacimientos Carboníferos Fiscales – YCF –, produciendo efectos socioespaciales característicos a través del asentamiento permanente de mano de obra y del arraigo de numerosos agentes de servicios en las zonas de explotación. En todos los casos se repetía el esquema del campamento o villa central donde se instalaban las viviendas –divididas en sectores según fueran para el personal jerárquico o los obreros- y todos los servicios necesarios, incluidos salud, educación, clubes y otros espacios de sociabilidad, con lo cual se aseguraba la estabilidad de la fuerza de trabajo y se promovía la formación de una identidad comunitaria y de un sentido de pertenencia que se trasmitía de generación en generación, donde los trabajadores se sentían miembros de una “gran familia” identificada con la empresa estatal y con la nación. Esto, a la vez que aseguraba al Estado una organización centralizada y bien disciplinada, promovía en los obreros una idea de pertenencia colectiva que los diferenciaba de otros trabajadores, creando sus propias tradiciones identitarias que superaban incluso los límites territoriales que pudiese eventualmente haber entre los yacimientos. Especial hincapié se hacía en que todos los trabajadores vinculados a estas empresas estuviesen convencidos de estar realizando una tarea muy importante para el desarrollo nacional. A esos mismos fines comenzó a festejarse todos los 13 de diciembre, a partir de 1947, la “Fiesta Nacional del Petróleo”. Importantes dosis de endogamia – casamientos entre miembros de las familias petroleras- se generaron por

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las mismas causas, así como fueron frecuentes variadas formas asociacionistas, muy visibles en la formación de cooperativas, clubes sociales, cuadros de fútbol, etc.25 Conclusiones No caben dudas de que el proyecto de una mayor intervención estatal en la Patagonia, propuesto por la ley de fomento de los territorios nacionales formulada por Ezequiel Ramos Mexía en la primera década del siglo XX, no alcanzó el apoyo necesario de los grupos liberales que por entonces controlaban el gobierno nacional, que seguramente compartían la visión de la marginalidad periférica que estas áreas tenían para el progreso argentino en ciernes, basado de manera casi exclusiva en el desarrollo agropastoril de la pampa húmeda. Otra fue la situación cuando, con el auge del pensamiento nacionalista de las décadas de 1930 y 40, comenzó a visualizarse a la Patagonia como un “área problema” que requería de una urgente intervención del Estado para completar el proceso de “argentinización”, extremadamente débil todavía en lo que hacía a la defensa de los intereses nacionales, especialmente reflejados en la amenaza territorial que parecía implicar la eventual expansión chilena. El territorio estatal, por la creciente influencia del pensamiento geopolítico, se convirtió entonces en un elemento central a la hora de fijar identidades nacionales, y los antiguos espacios fronterizos comenzaron a ser interpretados, y por ende incorporados por la sociedad, como verdaderos límites entre los Estados, ya sea en el sentido de una barrera de clausura del territorio o como una zona crítica de tensión y conflictos. Consecuentemente con esas imágenes, una serie de medidas “correctivas” empezaron a aplicarse en el caso patagónico. Es así que las restricciones arancelarias para cortar definitivamente el intercambio comercial espontáneo a través de la cordillera de los Andes impuestas por el Estado nacional entre los años 1930 y 1945; la construcción de rutas, puentes carreteros y ferrocarriles sobre mediados de la década

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Estas características, además de las estrictamente económicas, deben tenerse especialmente en cuenta a la hora de comprender las manifestaciones sociales producidas en la Patagonia a raíz de la privatización de las empresas del Estado en la década de 1990, especialmente en el caso de YPF donde la incidencia de la empresa en la economía y sociedad regional era mayor y generaba más valor agregado.

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de 1930; la creación de la Dirección Nacional de Parques Nacionales en 1934 bajo la gestión Bustillo, que cambió el perfil de pueblo de frontera de San Carlos de Bariloche en centro turístico internacional; la conversión de los habitantes de los territorios nacionales en ciudadanos plenos de la nación en un demorado proceso que se extendió a lo largo de la década de 1930 y se concretó recién a mediados de la década de 1950; la habilitación de sucursales del Banco de la Nación Argentina en las poblaciones fronterizas a lo largo de las décadas de 1930 y 40, la creación generalizada de escuelas de frontera en esos mismos años, la definición de áreas de control militar y la significativa presencia del Estado empresario en la explotación de los recursos petroleros, gasíferos y carburíferos, son todos elementos que coinciden en época y marcan la necesidad de avanzar en una nueva periodización para la definición de las fronteras como límites en los espacios patagónicos, en directa relación con las formas de penetración más efectivas del Estado nacional a lo largo del siglo XX que coinciden con afirmaciones territoriales y simbólicas de una presencia que, hasta entonces, y con pocas excepciones, era escasamente significativa.

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A fronteira manejada: apontamentos para uma história social da fronteira meridional do Brasil (século XIX) Mariana Flores da Cunha Thompson Flores* Luís Augusto Farinatti** Este artigo abriga uma reflexão sobre o tratamento historiográfico da questão da fronteira no estudo da sociedade dos confins meridionais do Brasil, no século XIX. Realiza-se uma análise historiográfica para, a seguir, propor um caminho ainda pouco explorado nesses estudos. Discute-se duas visões opostas: a “fronteira-barreira”, que isolaria populações; e a zona de fronteira completamente integrada, onde a existência de limites nacionais não teriam verdadeira influência nos processos sociais e econômicos. Indo em outro sentido, a proposta apresentada neste trabalho insiste na importância do estudo dos diversos grupos sociais das sociedades de fronteira, pouco visíveis nos estudos realizados até agora. Trata-se do estudo das maneiras como a situação de fronteira influenciava diferentemente atores com posições sociais diversas, como eles criavam estratégias para lidar com essa situação, como a fronteira podia assumir, assim, significados diversos e como isso mudava com o tempo. Dessa forma, propõe-se aqui a importância do estudo sistemático da produção social da fronteira.

Introdução A imagem do Rio Grande do Sul como uma terra de fronteira está enraizada na historiografia. Os significados atribuídos a esse fato, porém, não gozam da mesma unanimidade. Da “fronteira-barreira”, que separaria radicalmente os rio-grandenses de seus vizinhos platinos, passou-se à idéia de uma zona de fronteira bastante integrada. Nas versões * Doutoranda em História pela PUCRS. ** Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria; doutor em História Social pela UFRJ.

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A fronteira manejada / Mariana Flores da Cunha Thompson Flores e Luís Augusto Farinatti

mais radicais desta última abordagem, a alteridade entre populações e o limite político entre os Estados nascentes no século XIX foram esmaecidas até o apagamento. A zona de fronteira tendeu, então, a ser vista como um espaço onde as populações fronteiriças desenvolveriam uma identidade comum, mais importante até do que seus sentidos de pertencimento a um ou outro país. Neste trabalho, buscamos debater essas idéias e propor formas alternativas de abordar a história das populações que viveram na grande zona de fronteira que envolvia a área meridional do Rio Grande do Sul, o norte do Uruguai e as províncias do litoral argentino, sobretudo Corrientes. Detemo-nos principalmente ao longo do segundo e do terceiro quartéis do século XIX. Mais especificamente, analisamos aqui a fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. Em sua parte “brasileira”, a região abrangia o município de Alegrete, e os de Uruguaiana e Santana do Livramento, que se desmembraram daquele, respectivamente, nos anos de 1846 e 1857.1 Limites Instáveis A expansão luso-brasileira sobre os territórios disputados com o Império Espanhol, no oeste do atual território do Rio Grande do Sul, acelerou-se em 1801, com a incorporação da área dos “Sete Povos das Missões”, a noroeste. Aquela estava longe de ser uma “terra de ninguém”.2 Tribos de indígenas charruas e minuanos faziam daqueles campos a sua morada. Tinham se tornado destros no manejo do cavalo, arrebanhavam gado e estabeleciam relações que podiam passar do enfrentamento ao comércio com os assentamentos portugueses, a leste, guaranis, ao norte/oeste e espanhóis, ao sul.3 Da mesma forma, havia

Neste período, o município de Alegrete englobava também as áreas onde se localizam hoje os municípios de Quaraí, Rosário do Sul e Manoel Viana, os quais obtiveram suas emancipações nos anos de 1875, 1876 e 1992. SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. As Missões Orientais e seus antigos domínios, 1979. 2 Sobre as atividades de arreamento e comércio de gado envolvendo animais vindos daquela área, ao longo do século XVIII, ver: HAMEISTER, Marta Daisson. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações e suas mercadorias semoventes, 2002 e GIL, Tiago Luís, Infiéis Transgressores: os contrabandistas da fronteira (1760-1810), 2003. 3 Sobre alianças do minuanos com o líder Rio-grandense Rafael Pinto Bandeira em fins do século XVIII, ver: GIL, Tiago Luis. Infiéis Transgressores...,2003. 1

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mais de século que os guaranis missioneiros utilizavam a região para o estabelecimento de suas estâncias. Não se tratava simplesmente de arrear gado. Além disso, eles organizavam postos para amansar as reses e estabelecer o processo de criação. Era o caso, por exemplo, dos missioneiros de Japejú, o mais meridional dos 30 Povos, que já desdobravam em quatro suas estâncias na desembocadura do rio Quaraí, em 1704.4 A conformação da sociedade que se construiu naquela zona de fronteira, ao longo do século XIX, foi a resultante do choque e das relações mantidas por migrantes vindos de diferentes origens – tanto guaranis missioneiros quanto luso-brasileiros, hispano-platinos, charruas e minuanos. Ao sul dos Sete Povos, passando o rio Ibicuí, localizava-se a região de boas pastagens povoada por grandes manadas de gado não domesticado, em uma área contínua que englobava o futuro território da região da Campanha Rio-grandense e do norte da Banda Oriental. Nas primeiras décadas do Oitocentos, houve uma aceleração no movimento de ocupação daquelas terras pelos luso-brasileiros.5 Esse processo se solidificou ainda mais porque a Banda Oriental tornou-se parte do Império Português (1821) e depois brasileiro, como Província Cisplatina. Por sua vez, a independência do Uruguai, em 1828, ocorreu sem a formalização da fixação dos limites daquele país com o Brasil. Esta oficialização somente se efetivou em 1851, mas continuou sendo alvo de contestações diplomáticas mesmo depois. No mesmo sentido, ao longo de todo o século, as diplomacias de ambos os países, e também a da Argentina, seguiram pretendendo ampliar os territórios a custa de seus vizinhos. Porém, desde 1828, havia uma divisa provisória que era sustentada na prática. Embora pudessem haver controvérsias quanto a algumas áreas limítrofes, as autoridades uruguaias e brasileiras estavam estabelecidas e buscavam exercer sua jurisdição, cada uma de seu lado do limite nacional. No seu extremo ocidental, que interessa mais direta-

MORAES, María Inés. La ocupación del espacio y la formación de paisajes agrarios en Uruguay, 2006, p.p. 70-71. 5 Naturalmente, essa expansão não se deu sobre uma “terra de ninguém”. Desde muito antes de 1801 os guaranis missioneiros e também diversos bandos de arreadores, formados por súditos mais ou menos fiéis das coroas ibéricas, além de indígenas charruas e minuanos, cruzavam aquele espaço arrebanhando e comercializando gado. Ver: HAMEISTER, Marta Daisson. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações e suas mercadorias semoventes., 2002 e GIL, Tiago Luís. Infiéis Transgressores: os contrabandistas da fronteira (1760-1810), ,2002. 4

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mente a este trabalho, a linha divisória era marcada pelo rio Quaraí. Os súditos do Imperador eram os donos de muitas das terras e animais no Estado Oriental (como era designada a República do Uruguai na maioria dos documentos brasileiros), sobretudo nos territórios localizados ao norte do Rio Negro. Isso acabaria por colocar aquelas áreas em relação direta com a região da Campanha Rio-grandense, ao longo de todo o século XIX.6 Por sua vez, a divisa entre o Brasil e a província argentina de Corrientes era mais estável, consubstanciada no Rio Uruguai. Também ali havia grande troca social e econômica, especialmente com o município brasileiro de Uruguaiana, que tinha um porto sobre aquele rio. Destaque-se que, além de terem que lidar com um nascente limite nacional, as populações daquela zona fronteiriça também experimentaram, mesmo após 1828, momentos de sobreposição de soberanias, como foi o caso da área dominada pelas autoridades da República Rio-Grandense, nunca reconhecida pelo Império e que os governantes platinos reconheciam ou não, conforme sua própria conveniência. O mesmo acontecia, por exemplo, no Estado Oriental durante fins da década de 1840, quando existia um governo em Montevidéu, que dominava a cidadeporto, enquanto os opositores haviam estabelecido uma autoridade que se pretendia legítima em Cerrito, e governavam o interior. Da fronteira-barreira à comunidade plenamente integrada Desde cerca de 1925 até meados da década de 1970, os intelectuais ligados à chamada “matriz lusitana” da historiografia rio-grandense fincaram pé na imagem da fronteira como barreira, como separação entre duas realidades distintas, no caso o Brasil e as regiões de fala espanhola do sul da América.7 Para esta corrente, a linha divisória nacional assumia BARRÁN, José Pedro; NAHUM, Benyamin. História Rural Del Uruguai Moderno, vol. I, 1967. BARRIOS PINTOS, Antonio. Historia de la Ganaderia en el Uruguay, 1971. SALA DE TOURON, Luzía; DE LA TORRE, Nelson; RODRÍGUEZ, José Carlos. Evolución Económica de la Banda Oriental, 1967. SOUZA, Suzana Bleil. Os Homens da Fronteira: estancieiros e força de trabalho na fronteira norte uruguaya, 2002. 7 Ieda Gutfreind, propõe os conceitos de “matriz lusitana” e “matriz platina” como categorias de análise, onde enquadra estes historiadores preocupados em buscar origens da sociedade rio-grandense. Enquanto a primeira “matriz” defendia que esta sociedade teria se forjado sob influência portuguesa, a segunda acreditava numa influência platina na sua formação. Segundo a autora, a “matriz lusitana” foi a que “falou mais alto, impondo sua voz, calando seus 6

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uma existência quase a-histórica, como se o destino do Estado Nacional brasileiro fosse, necessariamente, o de assumir a forma territorial que tomou depois. De viés claramente nacionalista, tais obras subestimavam as trocas culturais e as relações sócio-econômicas do Brasil meridional com o Prata hispânico. Além disso, argumentavam que a posição de “ponta-de-lança” brasileira, no sul da América, teria tornado os riograndenses ainda mais identificados com o Brasil e opostos aos “castelhanos” platinos. Um bom exemplo dessa forma de pensar está na obra de Moysés Vellinho, que atribuiu ao “espírito de fronteira” um caráter eminentemente militar. O autor defendia que o constante “entrechoque com um inimigo”, ou seja, com o outro lado da fronteira-limite, possibilitara ao habitante desse espaço a formação de um sentimento de pertencimento nacional e, conseqüentemente, o estabelecimento de uma relação de alteridade frente ao estrangeiro. Nas suas palavras: “esse sentimento militante de fronteira, curtido na guerra, em muitas guerras, iria crescer, expandir-se em sentimento político de integração e solidariedade nacional. (...) Eis por que o Brasil se apresentava ao espírito do fronteiro como um só corpo.”8 Essa visão era diversa daquela sustentada por Alfredo Varella e de Manoelito de Ornellas.9 Esses e outros autores apontaram a existência de vinculações importantes entre a sociedade que se formava no sul do Brasil e seus vizinhos platinos. Porém, como observou Ieda Gutfreind, apesar de reconhecerem a influência platina no Rio Grande do Sul, esses historiadores também estavam guiados pela idéia pré-concebida de nação e de Estado, identificadas com a unidade territorial político-administrativa adversários.” São considerados autores vinculados à “matriz lusitana”: Aurélio Porto, Souza Docca, Othelo Rosa e Moysés Vellinho. Compondo a “matriz platina” a autora relaciona: Alfredo Varella, João Pinto da Silva, Rubens de Barcellos e Manoelito de Ornellas. GUTFREIND, Ieda. A Historiografia Rio-grandense, 1998. Sabemos que a análise proposta por Ieda Gutfreind já foi repensada alguns aspectos. Contudo, parece-nos que, enquanto levantamento abrangente da historiografia rio-grandense, ainda é um trabalho de extrema relevância. Uma pesquisa importante, nesse sentido de reavaliar o paradigma das matrizes, é a de Letícia Nedel que aponta para que esta cronologia aplicada à matriz platina, que se estende da década de 1920 até 1970, acaba por homogeneizar o grupo de autores, encobrindo pontos de inflexão que ocorreram nesse ínterim. NEDEL, Letícia B. Um Passado Novo para uma História em Crise: regionalismo e folcloristas no Rio Grande do Sul (1948-1965), 2005. Tese de Doutorado. 8 VELLINHO, Moysés. Fronteira, 1975, p.211. 9 VARELA, Alfredo. História da Grande Revolução, 1933 (6 volumes). ORNELLAS, Manoelito de. Gaúchos e beduínos: origem étnica e formação social do Rio Grande do Sul, 1948.

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que o país possuía no tempo em que eles escreviam suas obras.10 Aqui interessa salientar que, mesmo assim, esses trabalhos abriram espaço para a superação da idéia da fronteira meridional como uma área onde a divisa nacional pudesse isolar as populações que viviam de ambos os lados. Nesse sentido, seria mais correto considerar que havia apenas alguns aspectos de divergências entre as “matrizes”, do que oposições ideológicas veementes. Isso pode ser atribuído ao fato de que ambas “partiam da idéia de nação e de estado, identificando-os com os limites políticosadministrativos. Em relação ao estado sulino, subestimaram o mobilismo, a ação, o movimento de áreas geográficas bastante extensas(...).”11 Nesse sentido, percebemos que havia uma noção geral de fronteira onde, em primeiro plano, o que valia era exaltar a condição “original” de brasileiros dos riograndenses.12 Mais recentemente, uma série de estudos vem situando o Rio Grande do Sul dentro do “espaço platino”, “região platina” ou “espaço fronteiriço platino”.13 Além de fazer parte do processo de extensão colonial portuguesa e consolidação do Império brasileiro em terras meridionais, o Rio Grande do Sul integrou, também, um espaço de características comuns com a província de Buenos Aires, a Banda Oriental (atual UruGUTFREIND, Ieda. Op.cit. p. 145-149. Idem, p. 196. 12 Gutfreind aponta, ainda, que outros autores, como Caio Prado Júnior em Formação do Brasil Contemporâneo, Guilhermino César em Contrabando no Sul do Brasil e Alice Canabrava em Comércio Português no Rio da Prata já mostravam uma vinculação inconteste da fronteira meridional com as regiões hispano-platinas. GUTFREIND, Ieda. Op.cit. p. 145-149. 13 Entre outros: LEITMAN, Spencer. Raízes Sócio-econômicas da Guerra dos Farrapos, 1979. OSÓRIO, Helen. Apropriação da Terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço platino, 1990. REICHEL, Heloisa Jochims. Conflito e Violência na Campanha Platina: séculos XVIII e XIX, 1993. PADRÓS, Enrique Serra. Fronteira e Integração fronteiriça: elementos para uma abordagem conceitual, 1994. OSÓRIO. Helen. O espaço platino: fronteira colonial no século XVIII, 1995. _____. O Império Português no Sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes, 2007. SOUZA, Susana Bleil de. A fronteira do sul: trocas e núcleos urbanos - uma aproximação histórica, 1995. PICCOLO, Helga. “Nós e os outros”: conflitos e interesses num espaço fronteiriço (1828-1852), 1997. REICHEL, Heloisa Jochims; GUTFREIND, Ieda. As Raízes Históricas do Mercosul: a região platina colonial, 1996. GUAZZELLI, César Augusto. O Horizonte da Província: a República Rio-Grandense e os Caudilhos do Rio da Prata (1835-1845), 1998. PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução, 2001. HAMEISTER, Martha Daisson. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações e suas mercadorias semoventes, 2002. GIL, Tiago Luís. Infiéis Transgressores..., 2003. PANIAGUA, Edson Monteiro. Fronteiras, violência e criminalidade na região platina. O caso do município de Alegrete (1852-1864), 2003. SOUZA, Susana Bleil; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na Fronteira Uruguaia..., 2004. 10 11

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guai) e as províncias do litoral argentino (Corrientes, Entre Rios e Santa Fé). Apesar da heterogeneidade de abordagens dentre essas obras, elas compartilham a percepção de que havia profundas ligações sociais, econômicas, militares, culturais e políticas entre as sociedades que habitaram esse espaço, forjadas desde os tempos coloniais. Além disso, enfatizam que havia muitas características comuns entre elas, como a presença de áreas de boas pastagens naturais; o papel central, ainda que não exclusivo, desempenhado pela produção pecuária; a combinação de formas diversas de trabalho “livre”, escravo e familiar; a onipresença do contrabando; a existência de uma instabilidade institucional e de uma verdadeira endemia bélica nos séculos XVIII e XIX. Naturalmente, as relações que permeavam esse espaço não excluíam o conflito. Este, em variadas manifestações, foi também um traço estrutural da fronteira. Essas obras recentes têm apontado o importante papel das interações entre sujeitos muito diversos no processo de construção da sociedade dessa fronteira. Desde os tempos coloniais e durante as primeiras décadas do século XIX, antes que fossem praticamente dizimados, grupos indígenas charruas e minuanos adaptaram-se à presença de grandes manadas de gado e sobreviviam desempenhando sua própria política de alianças, guerra e comércio com os diversos outros blocos populacionais que os circundavam.14 Por sua vez, os guaranis missioneiros também participaram ativamente da transformação da paisagem agrária e fizeram parte dos exércitos em luta na primeira metade do século XIX: combateram nas hostes de Tomás de Rocamora, Rivera, Bento Manoel e, sobretudo, de Artigas. Infelizmente, ainda carecemos de estudos específicos sobre a forte participação que tiveram na composição da população que habitava os campos da fronteira, ao longo do Oitocentos.15 O mesmo se dá quanto aos escravos, forros e pretos e pardos livres, que começam a ter sua presença analisada, mas que ainda reclamam trabalhos mais profundos.16 No que se refere ao período colonial, uma série de autores têm reiterado o anacronismo do emprego da noção de fronteira assemelhada GOLIN, Tau. A Fronteira, vol I, 2002, p.p. 235-236, 254, 266. Para os séculos XVII e XVIII, ver: NEUMANN, Eduardo Santos. Uma fronteira tripartida: a formação do continente do Rio Grande – século XVIII, 2004. 16 Ver: FARINATTI, Luís Augusto. Escravos do Pastoreio: pecuária e escravidão na fronteira meridional do Brasil (Alegrete, 1831-1850), 2006. 14 15

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a uma linha divisória entre Estados Nacionais. Ao contrário, ganhou ênfase a visão da fronteira como uma região, uma zona de encontro de áreas extremas que não isolava as populações, mas, ao contrário, as colocava em contato.17 Por outro lado, em fins da época colonial, o termo fronteira também era empregado para designar uma realidade geográfica mais específica nos confins do Rio Grande de São Pedro. A vila de Rio Grande representava o último núcleo urbano da colonização portuguesa ao sul, e a vila de Rio Pardo tinha o mesmo papel, a oeste. As regiões logo além dessas vilas eram designadas pelos contemporâneos como “Fronteira do Rio Grande” e “Fronteira do Rio Pardo”.18 O emprego do termo fronteira para designar aqueles espaços indica que aqueles eram vistos como lugares instáveis, com a presença de “outros”, uma região de onde vinha o perigo de ataques inimigos, mas sugere, também, que tais áreas eram vistas como campos possíveis para a expansão da colonização. Sobre esses espaços controversos, o povoamento luso se estendia, estâncias eram organizadas, sesmarias doadas, posses estabelecidas, faziam-se arriadas de gado e contrabando de mercadorias. Por sua vez, o limite nacional entre Brasil e Uruguai foi uma novidade do século XIX e demorou a instalar-se. Como já foi dito, ele ainda estava em fase de construção e consolidação, ao longo de boa parte do século. Além disso, os trabalhos recentes têm ressaltado que a linha divisória era porosa. Ou seja, ela continuou permitindo um fluxo constante de pessoas, idéias e mercadorias, além de ser atravessada por espessa teia de relações sociais entre habitantes dos dois lados. No Estado Oriental, as áreas ao norte do rio Negro estavam profundamente conectadas tanto com a grande zona pecuária no Brasil, que ia até o rio Ibicuí, como também com as charqueadas de Pelotas e com o porto de Rio Grande. Em contraposição, durante o conflito farroupilha, os estancieiros da Campanha rio-grandense enviavam costumeiramente suas tropas de gado Para uma visão geral dos debates sobre fronteira nas ciências sociais, ver: ZIENTARA, Benedickt. Fronteira, 1999. Ver também o apanhado historiográfico sobre os estudos norteamericanos em relação ao tema de fronteira em: DJENDEREDJIAN, Julio. Economía y Sociedad en la Arcadia Criolla: Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750 – 1820, 2003, p.p. 12-22. O autor elabora uma importante reflexão que parte da a obra de F.J. Turner, passando pela escola dos “borderlands” até os debates atuais. Ver o clássico estudo de: TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History, 1958. 18 OSÓRIO, Helen. Apropriação da Terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço platino, 1990. GIL, Tiago Luís. Infiéis Transgressores..., 2003. 17

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para os saladeros de Montevidéu.19 Tais regiões também mantinham relações com as províncias argentinas de Entre-Rios e Corrientes, sobretudo com as áreas em que essas províncias tocavam o rio Uruguai. Parte da historiografia recente, porém, foi além de constatar a importância das relações entre sujeitos que habitavam as várias regiões dessa grande zona de fronteira ou a semelhança sócio-econômica que compartilhavam. De forma difusa em algumas obras e mais explicitamente em outras, surgiu a noção de uma região de fronteira que “constituía uma área sem limites para seus habitantes”20 e que acabava por conformar um espaço onde a população fronteiriça, de ambos os lados, estabelecia mais relações de identidade entre si do que com o restante dos países a que pertenciam. Essas idéias têm sido aplicadas, de forma bastnate incisiva, para as ligações do sul e sudoeste do Rio Grande do Sul com a região norte da República do Uruguai. Como veremos, essa interpretação não se sustenta quando se passa ao estudo do material empírico e parece estar muito distante de explicar a experiência dos sujeitos que viveram naquela fronteira, ao longo do Oitocentos. É certo que a fronteira não deve ser considerada como uma linha divisória, mas sim como um espaço. O espaço deve ser compreendido como produto da ação humana, um locus onde atividades produtivas e relações sociais ocorrem e que, ele mesmo, se constrói e vai ganhando significado pela ação dos sujeitos históricos em um contexto social específico. Nesse sentido, concordamos que “a fronteira não é uma linha, mas um espaço que se define mais por seus atributos sócio-econômicos e o limite, como conceito, é essencialmente político.”21 Da mesma forma, também é correto que a fronteira nacional era algo novo que buscava instituir-se no século XIX, e que os habitantes daquele espaço lidavam com essa novidade a partir de concepções que guardavam traços fortes de outra experiência de fronteira: a fronteira colonial, em expansão. Além disso, também parece certo afirmar que toda e qualquer fronteira carrega consigo a característica intrínseca da ambigüidade, uma vez que é “confins e limite de país, tanto separa Estados quanto os põem em

GUAZZELLI, César Augusto. O Horizonte da Província..., 1998. COLVERO, Ronaldo. Negócios na madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do Sul, 2004. p. 83. 21 PICCOLO, Helga. “Nós e os outros”: conflitos e interesses num espaço fronteiriço (1828-1852), 1997. p. 218. 19 20

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contato”22. Embora a fronteira enquanto limite seja “uma abstração que não tem existência real fora do mapa geográfico”23, levar em conta a questão da contradição da fronteira, que tanto delimita quanto relaciona duas comunidades nacionais é fundamental para compreendê-la em quanto um espaço dinâmico. Para Enrique Padrós24, com ou sem o respaldo institucional as comunidades internacionais se relacionam e, nesse sentido, é possível afirmar que inexistem “fronteiras-barreiras” onde houver um mínimo de população estabelecida. Assim, o cotidiano fronteiriço promove a integração das comunidades internacionais antes mesmo de qualquer projeto oficial de integração. Se o Estado pretende que a fronteira desempenhe o papel de controle/barreira, demonstra sua completa alienação em relação à realidade. Contudo, não é possível concordar quando se conclui a partir daí que, ao se relacionarem, as comunidades internacionais de fronteira acabam formando uma zona de transição com dinâmica própria, um “novo espaço”25, que se diferencia das características de origem dos países em contato. Ou seja, afirmar que na região estudada houve o fenômeno apontado por Benedict Zientara, quando escreve que “as populações que vivem numa zona de fronteira dão origem a uma comunidade fundada em interesses particulares”26. O mesmo ocorre quando Suzana Bleil de Souza afirma que a integração fronteiriça entre os habitantes da fronteira Brasil-Uruguai foi plena até as primeiras décadas do século XX. Nas suas palavras: “nessa fronteira não existia ainda a percepção do ‘eu’ e do ‘outro’. A fronteira era a grande comunidade do ‘nós’”27. Já é ponto pacífico que é inviável tratar uma fronteira como um limite efetivo entre duas comunidades. No entanto, acreditamos que considerá-la como um espaço de plena integração também é problemático. Não se trata de negar as diversas relações de integração possíveis de se estabelecer em uma fronteira, contudo, não se pode esquecer a existência de elementos que vão demarcando, de forma dinâmica a altePADRÓS, Enrique Serra. Fronteira e Integração fronteiriça: elementos para uma abordagem conceitual, v.17. n.1/2, jan/dez, 1994. p. 68. 23 ZIENTARA, Benedikt. Fronteira. In: Enciclopédia Einaudi, 1989. p. 307. 24 PADRÓS. Op. cit. p. 68-70. 25 Idem. p. 66. 26 ZIENTARA, Benedikt. Op. cit. p. 309. (Grifo nosso). 27 SOUZA, Susana Bleil de. A fronteira do sul : trocas e núcleos urbanos - uma aproximação histórica. In: Fronteiras no Mercosul. Porto Alegre : UFRGS, 1994. p. 78-89 p. 81. 22

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ridade dessas comunidades. O Estado, por exemplo, se faz presente nesses espaços através de um aparato burocrático específico e, justamente, por tratar-se de um território que está em constante contato com o “outro”, faz necessário que o governo busque favorecer, reiterar ou instituir ali algumas marcas de identidade ou pertencimento. Além disso, o simples fato de viver na fronteira, mesmo que o sentimento de pertencimento nacional ainda seja algo frágil, demarca a questão da “estrangeiridade”, ou melhor, do ser estrangeiro, especialmente no século XIX, onde o significado de uma fronteira vai se definindo como sendo o local de vizinhança com outro país.28 Isso é certo ainda que consideremos que, de fato, não temos limites nacionais consolidados até fins do século XIX. Podemos usar esse termo, mas sempre tendo em conta que, diferentemente de hoje, esses limites propriamente nacionais estavam em construção, como os próprios Estados Nacionais que ajudavam a compor. Naquela época, de fato, na fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina, não existiam fronteiras especificamente nacionais, havia, isso sim, fronteiras as quais, o antropólogo Alejandro Grimson, denomina de “provinciais”. Neste sentido, mesmo que não houvesse ainda uma identidade nacional, não é possível descartar a existência de outros tipos de identidade/alteridade. Por “provincial” o autor entende “a la existencia de un poder regional com dinamica propia cuya inserción ‘nacional’ definitiva no se encontraba asegurada de antemano. Esas fronteras provinciales existieron en términos economicos, de soberania, política y, crecientemente, en términos identitarios”.29

GRIMSON, Alejandro. La Nación en sus limites – contrabandistas y exilados em la frontera Argentina - Brasil, 2003, p. 24. 29 Idem. p.62-63. Essa idéia da fronteira e identidade provincial de Grimson, remete ao conceito de “regiões-provincias” de José Carlos Chiaramonte que demonstra que do momento logo após a independência do que viria a ser a Argentina (1816) até a queda de Rosas (1852), não havia a possibilidade de se constituir uma nação em função da força dos poderes regionais (provinciais) que não davam espaço para a formação de um grupo dirigente interprovincial. O fato é que esta “questão regional” é vista, em geral, como um empecilho à organização nacional. O que Chiaramonte busca mostrar é justamente que não se trata de empecilho, uma vez que a possibilidade de nação nem mesmo estava colocada, mas a organização em “província-região” foi o maior grau de coesão que a excolônia podia oferecer após a derrubada do poder colonial e, apesar da fragmentação, manteve o vínculo que possibilitou sua sobrevivência e a constituição posterior da nação. CHIARAMONTE, José Carlos. Mercaderes del litoral. Economia y sociedad en la Província de Corrientes, primera mitad del siglo XIX, 1991. 28

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Enfim, os trabalhos recentes elaboraram uma crítica correta e contundente às concepções de uma historiografia de matriz nacionalista, que havia consagrado a idéia de “fronteira-barreira”. Porém, é também necessário ter cuidado para não cair no extremo oposto. É preciso atentar para o fato de que esse limite nacional, ainda que incerto e discutido ao longo do Oitocentos, ensejava que se buscasse instituir soberanias distintas de ambos os lados, e que os sujeitos precisavam lidar com essa situação. O limite nacional, por certo, não era uma barreira intransponível e não impedia trocas e circulação de pessoas, mercadorias e idéias. Mas é imperioso reconhecer que esses movimentos que se faziam de um lado a outro eram diferentes dos que se faziam dentro de um mesmo país. Para ficar com um exemplo: para um estancieiro do município brasileiro de Alegrete, levar gado para o Estado Oriental (a República do Uruguai) implicava em cuidados com aspectos que não existiam quando se tratava de levá-lo para São Gabriel, o município vizinho, ainda que as distâncias pudesses ser as mesmas. Assim, os sujeitos que habitavam aquele espaço precisavam incluir em seus cálculos formas de manejar a fronteira. Mesmo que a oficialização dos limites tenha demorado, a situação de fronteira não era nada indefinida ou nebulosa para os sujeitos que habitavam aquele espaço, ao contrário, era algo conhecido e manejado por aqueles atores. É exatamente por terem a clareza da existência desses limites que eles eram capazes de manejar a situação de fronteira a seu favor, como acontecia quando, como veremos, lançavam mão das diferentes identidades/alteridades que dispunham. Na documentação que pesquisamos, encontramos freqüentemente a referência explícita àquele espaço como sendo a Fronteira30. Além disso, são comuns as falas que se utilizam da expressão “o outro lado” para designar o país vizinho ou “a linha de fronteira” para referir-se ao limite entre um país e outro. Essas menções são bastante comuns em Processos Crimes de Apreensão de Contrabandos, sendo que o caso a seguir se presta bem para servir como exemplo. 30

A utilização do termo Fronteira na documentação referente à Alegrete no século XIX também foi notada e apontada por Graciela Bonassa. GARCIA, Graciela B. O domínio da terra: conflitos e estrutura agrária na campanha rio-grandense oitocentista, 2005. p.13 (nota de rodapé 3).

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No dia 11 de janeiro de 1851, “na Linha devisória do Quaray”, mais precisamente no “Paço do Baptista”, Paulo Martins foi apreendido por dois Guardas Nacionais do destacamento do dito passo com uma carreta carregada de mercadorias que não haviam passado pelo controle alfandegário. O referido Paulo alegou que “não tinha a intenção de cruzar para o Estado Oriental” e nem de fazer negócio com as mercadorias. Em seu depoimento afirmou que: “tendo vindo a esta Villa [refere-se a Alegrete] com huã carga de couros a vender, alguns moradores da costa de Quarahin seus conhecidos, fizerão-lhe diversas encommendas, que depois de compradas, o supplicante fez conduzir na mesma carreta, em que trouxe os couros”.31

Conforme a explicação de Paulo Martins ocorreu que, quando retornou de Alegrete com as encomendas feitas por seus vizinhos, como morava em Quaraí “muito próximo da linha de fronteira com o Estado Oriental”, ao se dirigir a sua casa acabou sendo confundido com um contrabandista e preso pelos guardas. As relações estabelecidas de um lado e outro do instável limite nacional, portanto, podem ser chamadas de “transfronteirças” “porque atraviesan el límite material de la frontera política, y no porque las fronteras simbólicas vinculadas a la nacionalidad no sean significativas”32. Na perspectiva de Grimson, devemos considerar que é no âmbito dos vínculos interpessoais que são negociadas e disputadas as identidades existentes. Enfim, cabe então perguntar: se não era uma zona cindida em duas partes estanques, nem um espaço de plena integração, então como se deve tratar esse espaço social de fronteira? Manejar a fronteira A proposta apresentada aqui consiste, em primeiro lugar, no estudo da fronteira a partir das relações e experiências dos sujeitos e grupos sociais que ali viveram. Nesse sentido, é preciso evitar tratar a fronteira como uma entidade homogênea, que pode ser classificada com apenas uma definição. Ao contrário, parece muito mais útil considerá-la através das inúmeras relações sociais que eram possíveis de serem estabeleAPERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78. Nº2711. Ano 1851. 32 GRIMSON. Op.cit. p. 26. 31

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cidas naquele espaço. Sobretudo: há necessidade de perceber quais as implicações concretas que a situação de fronteira trazia para os habitantes daquelas paragens, tanto na busca de resolução de problemas práticos (como a viabilização da economia pecuária ou do comércio atravessando a linha divisória), quanto nas implicações simbólicas (como a questão da construção da alteridade e da identidade dos grupos sociais naquele espaço).33 É necessário interrogar como os habitantes da fronteira, de sua parte, construíram significados e estratégias para lidar com o fato de viverem em um espaço conformado por uma zona de fronteira, com um limite nacional de permeio. E mais, é preciso perceber que viver em uma fronteira era uma situação que propunha problemas e possibilidades diversos para os agentes, conforme fosse a sua posição social. Era a partir dela que esses sujeitos inventavam modos de lidar com a existência de um limite nacional, em processo de construção. Por exemplo, as famílias abastadas da Fronteira, que contavam, entre seus integrantes, com estancieiros, comerciantes e oficiais militares tinham percepções acerca dessa situação e formas de lidar com ela, que eram diferentes, por exemplo, daquelas articuladas por grupos subalternos como famílias de pequenos produtores, carreteiros, peões e escravos.34 Dessa forma, apresenta-se uma “fronteira dinâmica” capaz de, num mesmo espaço e tempo, revelar a constituição de variados significados para diferentes agentes. Não nos referimos aqui a diferentes compreensões de fronteira, ou diferentes tipos, tais como “fronteira comercial”, “fronteira cultural”, “fronteira demográfica”, etc.; mas à construção de diferentes relações sociais dentro de um mesmo espaço de fronteira. É preciso considerar todos os tipos de interações possíveis de serem estabelecidas nesse espaço percebendo a existência de diferentes grupos com interesses variados. Não se deve restringir essas relações possíveis apenas às das duas “nacionalidades” em contato ou às relações que esses grupos fronteiri-

Uma abordagem muito próxima da proposta aqui é bem desenvolvida na recente dissertação de mestrado de Márcia Volkmer. VOLKMER, Márcia Solange. Onde começa ou termina o território pátrio – Os estrategistas da fronteira: empresários uruguaios, política e a indústria do chraque no extremo oeste do Rio Grande do Sul (Quarai 1893-1928), 2007. 34 FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na fronteira meridional do Brasil (1825-1865), 2007. 33

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ços estabelecem com seus Estados centrais. Os atuais estudos sobre fronteiras – aqueles que já superaram as perspectivas mais tradicionais e percebem a fronteira como um espaço de integração – em geral não expressam a heterogeneidade social e cultural das sociedades que analisam e tomam a fronteira como um espaço que compreende estritamente relações duais (entre as comunidades nacionais de fronteiras ou entre essas comunidades e os Estados). Certamente, “as disputas [e relações estabelecidas] entre sectores sociales de la frontera son más que la forma local de los conflictos superpuestos entre estados naciones y entre estado y sociedad”35. Se aceitamos que é preciso descer no nível da ação e interação de diferentes sujeitos e grupos para compreender a produção social da fronteira no espaço e tempo estudados aqui, um segundo ponto surge a seguir: as relações e significados atribuídos à fronteira pelos sujeitos eram dinâmicas. Eram dotados de historicidade e isso, por óbvio, deve entrar nas considerações dos historiadores. De fato, as fronteiras não são espaços rígidos, pelo contrário, atualizam-se constantemente através de diversas práticas. Investigar uma fronteira demanda estudar seu processo de contínua recriação, não o restringindo aos movimentos de avanços e recuos do limite geográfico e político, mas dando ênfase a como ela foi “cotidianamente producida, recreada y repoducida por los diferentes agentes sociales que intervienen en ese espacio”36 Grimson trabalha com o conceito de “fronteirização”37, que é bastante elucidativo para a nossa perspectiva de análise. Este conceito aponta para o fato de que a fronteira nunca será um dado fixo, mas algo instável, dinâmico e sempre disputado. E sendo produto histórico da ação humana é, constantemente, re-significada, assumindo diferentes sentidos para os diversos atores sociais em diversos contextos. Dessa forma, é possível perceber, em momentos históricos específicos, como esses sujeitos se organizam e se relacionam demonstrando “que las relaciones se estructuran por la posición que cada agente ocupa(...). En especial, nos sirve para pensar los contrastes entre distintas estructuras de la coyuntura que derivan de políticas diferentes del Estado, de realidades económicas distintas y de intereses divergentes de los actores”38. GRIMSON. Op.cit. p. 25-26. Idem. p. 25. 37 Idem. p. 43-44. 38 Idem. p. 45. 35 36

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É fundamental perceber que existem diferentes grupos de interação, onde cada sujeito possui interesses particulares e situações socioculturais específicas. Se os agentes estão sempre socialmente posicionados, então essa posição certamente influencia na forma como a condição de fronteira entrava em suas experiências. Esses grupos, ou sujeitos, podem estabelecer determinadas relações em certos momentos que poderão parecer impossíveis e contraditórias em outros contextos. É o aspecto da “fronteirização”, portanto, que possibilita que as diversas relações entre os diversos grupos se refaçam constantemente, mesmo que assumindo características até mesmo incoerentes e opostas às relações que havia anteriormente. Evidente que não é nada simples trabalhar com um esquema de heterogeneidade social e de incoerência, até mesmo porque, como afirma o antropólogo norueguês Fredrik Barth: “somos treinados a suprimir os sinais de incoerência e de multiculturalismo encontrados”39. Contudo, é necessário considerar que em cada momento os sujeitos estarão ocupando um determinado lugar e adotando um determinado procedimento. O posicionamento dos atores em um dado momento nem sempre será condizente com posicionamentos anteriores, ou melhor: “cada pessoa está ‘posicionada’ em virtude de um padrão singular formado pela reunião, nessa pessoa, de partes de diversas correntes culturais, bem como em função de suas experiências particulares.”.40 Em qualquer momento, em função das “posições” ocupadas, a vivência e as trocas na fronteira podem gerar efeitos negativos e positivos para seus sujeitos ou grupos sociais. Algum efeito produzido pela fronteira que pode ser utilizado a favor de certo grupo, também pode ser elemento desestabilizador para outro. Ou nas palavras de Ricci e Medrano: “(...) al estudiar cada frontera debemos siempre hacer un balance que venga a demonstrar los efectos negativos y los constructivos por ella provocados, mismo porque, esos efectos puedem invertir-se con el pasar del tiempo”41. O que significa que, em um momento específico, a relação de um determinado grupo com a condição de fronteira pode estar sendo produtiva,

BARTH, Frederik. A análise da cultura nas sociedades complexas, 2000. p. 109. Idem. p.137. 41 RICCI. Maria Lucia de Souza Rangel e MEDRANO, Lilia Inês Zanotti de. El papel del contrabando y la interacción fronteriza del Brasil sureño com el Estado Oriental del Uruguay: 1850-1880, 1990. p.258. 39 40

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mas por tratar-se de um espaço dinâmico, sempre pode ocorrer a inversão dessa situação. Para apreender essa heterogeneidade e essa dinâmica, é preciso ultrapassar as interpretações apriorísitcas, os modelos pré-concebidos a partir de frágeis bases empíricas e mergulhar na sociedade estudada. Mantendo sempre a aspiração de se atingir, ao final do processo, uma explicação global, é necessário descer aos horizontes particulares e às interações interpessoais (relações de conflito, negociação e solidariedade) colocando a necessidade da descoberta através de procedimentos exploratórios, onde cada situação deve ser devidamente contextualizada e especificada, para que seja compreendida nos seus próprios termos.42 Uma análise desse tipo, com uma contextualização profunda de casos concretos, excederia as pretensões deste artigo. Porém, pensamos que seja útil, neste momento, apontar, ainda que superficialmente, como alguns grupos e sujeitos históricos se relacionaram, a partir de seu posicionamento social, com a situação de fronteira estudada e como essas relações assumiram um caráter dinâmico. Os exemplos dados a seguir, cremos, servem para embasar as hipóteses expostas até aqui, ao mesmo tempo em que sugerem campos para investigações mais profundas, em pesquisas futuras. Os grandes estancieiros, os líderes militares e a fronteira Ao longo do século XIX, houve a presença maciça de brasileiros, sobretudo rio-grandenses, proprietários de terras com gados no norte do Uruguai, os quais, muitas vezes, também possuíam propriedades no Rio Grande do Sul.43 Segundo Susana Bleil de Souza e Fabrício Prado, no ano de 1857 “estimava-se que os rio-grandenses possuíssem cerca de 30% do [norte do] território oriental”44. A região ao norte do Rio Negro era como uma “extensão dos campos de pastoreio do Rio Grande”45 e essa invernada de engorda dos gados era fundamental para o abastecimento das charqueadas de Pelotas. Segundo um levantamento realizado em 1850, BARTH. Frederik. Op.cit., 2000 p.177. SOUZA, Suzana Bleil de & PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no século XIX, 2004. 44 Idem. p.133. Grifo meu. 45 Idem. p. 134. 42 43

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eram, pelo menos, 1.181 os brasileiros que tinham estâncias no Uruguai46. O expediente de possuir terras nos dois países podia permitir que se diminuísse os efeitos nocivos das guerras. Quando ela acontecia em um dos lados da fronteira, os estancieiros procuravam levar seu gado para o outro.47 No entanto, se por um lado era vantajoso manter propriedades no Uruguai, por outro também havia complicações, uma vez que, freqüentemente, estas propriedades eram alvo de embargos e confiscos empreendidos por milícias de líderes uruguaios. Até o início da Guerra dos Farrapos (1835-1845), o Uruguai recebeu o afluxo de proprietários brasileiros e durante os primeiros anos do conflito, pode-se dizer que os criadores rio-grandenses salvaguardaram suas reses nos campos orientais. Quando findou a guerra no Império, a debilitada economia riograndense necessitou lançar mão de seus gados “estocados” no país vizinho, no entanto, encontrou o Uruguai afundado em uma guerra civil e abastecendo-se do gado disponível nas propriedades rurais. Em 1848, numa medida extremada na tentativa de reter o gado no Uruguai quando a campanha encontrava-se devastada, o chefe blanco Oribe proíbiu que se atravesse gado para o Rio Grande do Sul passando a ser considerado contrabando tal prática. Contudo, não eram somente as forças blancas que empreendiam tais embargos. Eram freqüentes as mesmas reclamações em função de ataques das tropas coloradas de Rivera. A partir desse momento, iniciavam-se as “califórnias”, expedições comandadas por estancieiros rio-grandenses que, alegando quererem compensar o prejuízo acarretado por tal embargo, reuniam suas milícias privadas para adentrar na Banda Oriental, aprender gados e saquear propriedades. Essas agitações iam contra a postura política de neutralidade adotada pelo Império, que não queria intrometer-se nos assuntos da jovem república uruguaia, e acabaram por gerar tensões diplomáticas. Uma lista foi composta pelos comandantes de fronteiras, indicando os prejuízos sofridos pelos proprietários brasileiros. Susana Bleil de Souza e Fabrício Prado apontaram que cerca de 9% dos declarantes estavam com seus bens embargados, enquanto outros 8% haviam aban-

SOUZA, Susana Bleil; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na Fronteira Uruguaia..., 2004, p.p. 130-131. Ver também: FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais..., 2007. 47 GUAZZELLI, César Augusto. O Horizonte da Província..., 1998. 46

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donado suas propriedades.48 Segundo essas listas, cerca de 17% dos proprietários brasileiros não estariam podendo usar suas estâncias uruguaias nos anos finais da década de 1840. Naturalmente, os números descritos acima correm sério risco de estarem superestimados, já que buscavam ressaltar as agressões que teriam sido perpetradas pelo governo “blanco” e embasar possíveis indenizações. Todavia, ainda que os índices fossem menores, eles seriam significativos, uma vez que mesmo os proprietários que estavam utilizando suas estâncias sofriam uma série de restrições quanto ao manejo e comercialização de seus rebanhos.49 Os embargos relatados nas listas tinham se dado, na maioria dos casos, porque os proprietários tentavam passar tropas, clandestinamente, para o Brasil. Contudo, essa situação não era igual para todos os estancieiros brasileiros que tinham interesses em terras uruguaias. Manoel José de Carvalho alegava que seu rebanho de 30.000 animais estava diminuído em, pelo menos, 4.000 reses, em virtude das carneações feitas por uma força militar do exército de Oribe. A maioria dos proprietários listados declarava problemas semelhantes. Porém, há também outras em que o Comandante da Fronteira apenas anotou “Ignoram-se os prejuízos que tem sofrido”. Por sua vez, ao lado do nome de Seginando Lopes, do campo e do gado que possuía, no espaço onde normalmente estavam relatados os prejuízos sofridos pelos estancieiros, está uma anotação curiosa: “tem percebido muitos lucros.”50 Essa insinuação de colaboracionismo com os “blancos”, como também aquelas situações onde não se sabem haver prejuízo apontam para o fato de que a reiteração da produção pecuária naquela zona fronteiriça era condicionada pelas relações políticas que se estabelecia. Enfim, a mesma fronteira que oferecia a esses proprietários a possibilidade de manter propriedades rurais de ambos os lados e transitar com seu gado a fim de estocá-lo onde lhes fosse mais conveniente, também poderia ser prejudicial à medida que estas propriedades e gados ficavam vulneráveis aos constantes conflitos que acometiam esse espaço. Em tal contexto, era impossível levar a cabo a produção pecuária em larga escala sem atentar para o fato de que o limite nacional impunha SOUZA, Susana Bleil; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na Fronteira Uruguaia..., 2004, p. 131. 49 Idem., 2004, p.p. 125-131. 50 FARINATTI, Luís Augusto. Op. Cit, 2007. 48

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soberanias distintas e que as conjunturas políticas variavam de lado a lado. Foi exatamente a continuação da situação de guerra século XIX adentro que permitiu a reprodução da grande importância assumida pelos comandantes militares sul-riograndenses naquele contexto. Eles não possuíam mais os poderes sobre a distribuição de terras e de grandes butins em gado, como havia acontecido até a década de 1820. Contudo, a conservação da endemia bélica até, pelo menos, o final da Guerra do Paraguai, em 1870, permitiu que seguissem gozando de poder e prestígio. Comandavam recrutamentos, indicavam oficiais de segunda linha, conseguiam suprimentos e montarias para abastecer os exércitos, teciam suas próprias políticas de aliança com líderes militares orientais, correntinos e entrerrianos.51 Um equívoco comum nas obras que se referem à Fronteira Meridional do Brasil, é associar diretamente os grandes estancieiros com os chefes militares de segunda linha ou até do exército. De fato, se não a totalidade, pelo menos a larga maioria dos altos oficiais milicianos e, depois, da Guarda Nacional, eram grandes estancieiros. Porém, o contrário não é verdadeiro. Entre as 16 maiores fortunas de uma amostra de 205 inventários post mortem de Alegrete (o principal município pecuário da Campanha Rio-Grandense), um tinha suas principais atividades centradas no comércio e 15 na criação de gado.52 Destes, apenas 4 haviam ocupado cargos de altos oficiais e 2 haviam sido tenentes sem nunca ter ocupado comando de fronteira ou mesmo de distritos militares. Os outros 9 sujeitos jamais ocuparam qualquer cargo militar de primeira ou segunda linha. Entre eles estavam as duas principais fortunas da amostra pesquisada. Isso não significa, por outro lado, que a produção pecuária estivesse desligada das atividades militares. Acontece que a ligação entre elas nem sempre se dava de forma direta. A maioria daqueles grandes estancieiros que nunca ocuparam postos de oficiais militares tinha alianças parentais, estabelecida via matrimônio, com estancieiros-militares: em geral um genro, cunhado ou o pai de alguma de suas noras.53

Idem. Especialmente o capítulo “4”. FARINATTI, Luís Augusto. Op. Cit, 2007. 53 Idem. 51 52

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Estes últimos eram minoria entre os grandes estancieiros, mas tinham uma posição privilegiada como mediadores das relações entre a guerra, a fronteira e aquela sociedade. Nesse sentido, tem sido ressaltado pela historiografia o grau de autonomia que eles conseguiam assegurar no cultivo de alianças individuais com outros líderes militares. Para ficar apenas com o exemplo mais eminente dessas alianças, citemos o caso amplamente conhecido das relações pessoais existentes entre o líder farroupilha Bento Gonçalves e o chefe uruguaio Lavalleja.54 Os subalternos e os perseguidos pela justiça Por sua vez, as populações subalternas também se movimentavam pelas áreas fronteiriças, em busca de melhores condições. Em estudo sobre a família dos líderes militares Gumercindo e Aparício Saraiva, o historiador norte-americano John-Charles Chasteen fez uma interessante retrospectiva da trajetória de um grupo de pequenos produtores através da Fronteira.55 Por volta de 1830, Francisco Saraiva e sua mulher Maria Angélica, avós de Gumercindo e Aparício, haviam decidido migrar do sul do Rio Grande e arrendar um campo em Cerro Largo, no Estado Oriental. Esse campo ficava em terras dos Correia, uma família de grandes estancieiros brasileiros. Francisco e Maria Angélica possuíam apenas alguns poucos escravos e, nas novas terras, eram vizinhos de alguns de seus parentes, o que sugere que os laços parentais podiam estar na base dessa estratégia que envolvia movimentos transfronteriços. Lá ficaram até depois de 1845 quando, tendo Francisco já falecido, Maria Angélica e alguns de seus filhos voltaram para o Rio Grande do Sul, aparecendo como proprietários de uma pequena parte de terras em Arroio Grande, no extremo-sul da província rio-grandense. Como observou Chasteen, é provável que o final do conflito Farroupilha, em combinação com o aumento das violências da Guerra Grande, tenha influenciado a decisão da família em retornar ao Brasil. Segundo o autor, os filhos do casal que permaneceram no Uruguai podem ter ficado arranchados em terras de parentes ou de outros estancieiros

PICCOLO, Helga. “Nós e os outros”: conflitos e interesses num espaço fronteiriço (18281852), 1997. p. 219. 55 CHASTEEN, John Charles. Fronteira Rebelde, 2003, p.p. 38-45. 54

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brasileiros, que parecem ter preferido seus compatriotas como agregados. Um deles, de nome Francisco, como o pai, trabalhava como posteiro em uma estância no Uruguai, durante a década de 1850. Assim, movimentar-se de um lado a outro dos imprecisos limites nacionais não parece ter sido uma exclusividade da estratégia dos mais ricos estancieiros. No mesmo sentido, entre os peões que foram se empregar na Estância da Palma, pertencente ao Brigadeiro Ortiz, em Alegrete, em 1853, estavam o “castelhano Alexandre” e o “castelhano Fernandez”.56 Sobrenomes de origem hispânica aparecem também, com freqüência, entre os peões de tropas que eram contratados por Manoel José de Carvalho para reunir o gado da sua Estância de Japejú, em Uruguaiana, e começar a conduzí-lo para as charqueadas. Em contrapartida, entre os peões que empregava na estância que possuía no Estado Oriental, existiam diversos brasileiros.57 Veja-se bem, o limite nacional não impedia esses deslocamentos, mas os condicionava. De outra parte, era comum que os perseguidos pela justiça em um dos lados da divisa nacional fugissem para o Estado vizinho. O fato de que a fronteira pode servir como fuga e esconderijo para aqueles que cometem crimes do outro lado sempre foi algo sabido pelos fronteiriços e, também, um recurso utilizado pelos que por ventura cometessem crimes, como o caso do entrerriano João Pedro “Sapato” que, em 1864 em Quaraí, roubou a casa de Manoel Justino de Oliveira e foi preso em Santana do Livramento ao tentar evadir-se para o Estado Oriental.58 Nesse sentido, freqüentemente as autoridades relacionaram a incidência da criminalidade na fronteira com a grande presença de estrangeiros. A possibilidade de cometer um crime e refugiar-se no outro país era, na verdade, utilizada dos dois lados da fronteira, como em um caso de “sedução de escravos”. O réu, o liberto “cabra Antonio”, roubou uma escrava (sua amante) e ambos fugiram para o Estado Oriental. Para tanto, Antonio matou o dono da escrava, José Gonçalves Pereira, e feriu o menor Manoel, Dona Iria e o escravo Adão para empreender o rapto.59

APERS. Inventários post mortem. Alegrete. Cartório de Órfãos e Ausentes: M. 08, N. 111, A. 1852. 57 APERS. Inventários post mortem. Alegrete. Cartório do Cível e Crime, m. 01, n. 07, a. 1853-7. 58 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Quaraí. Maço 21, nº 752, 1864. 59 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 80, nº2807, 1855. 56

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Nesse caso, a fuga para o Estado Oriental não só traria a liberdade para a escrava, mas também serviria como esconderijo para o criminoso. Casos de pessoas que cometiam crimes e tentavam refúgio no país vizinho são bastante freqüentes na documentação e, na realidade, não há como verificar se mais brasileiros cometiam crimes e fugiam para o Estado Oriental e para Argentina, ou se o inverso. No entanto, em 1856, o presidente da província Jeronymo Francisco Coelho referia-se ao aumento da criminalidade no Rio Grande do Sul apontando duas causas relacionadas à presença da fronteira e aos estrangeiros: (...) a facilidade com que esses criminosos se passam por qualquer ponto de nossa vasta fronteira para os Estados vizinhos, com um dos quais somente temos tratado para a extradição, porém está sujeita a tão morosas formalidades, que completamente inutilizam os fins do tratado; (...) criminosos dos Estados vizinhos vem clandestinamente para o nosso território aumentando o numero dos primeiros (...).60

Esta perspectiva que relacionava a criminalidade aos estrangeiros parecia estar realmente difundida. Referindo-se à conduta moral da população do Rio Grande do Sul, o viajante francês Nicolau Dreys escreve o seguinte: “injusto seria atibuir-se exclusivamente aos filhos do Rio Grande alguns excessos que ali se podem cometer, quando a verdade é que são quase sempre aqueles excessos obras de estrangeiros”.61 É notável nos processos criminais instaurados nos municípios brasileiros da fronteira, o fato de que quando há um estrangeiro envolvido a sua nacionalidade é constantemente referida. Isso não se dá apenas na qualificação do réu ou das testemunhas, mas na própria “fala” dos depoentes e autoridades quando se referem a esses sujeitos. Quando era necessário identificar a origem de sujeitos que habitam o outro lado da fronteira, a referência se faz das seguintes formas: o argentino ou o oriental “Fulano de tal”, ou correntino, quando prevalece a identidade provincial. Não se pode deixar de perceber que há a nítida referência a um tipo de alteridade nesse procedimento e, sendo assim, a idéia, já criticada, de que nessa fronteira a integração reinava a ponto de os fronteiriços constituírem uma identidade específica, que não conferia com as características de nenhum dos países em contato, fica fragilizada. 60 61

AHRGS. Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul. A-7.03. DREYS. Nicolau. Notícia descriptiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, 1961. p.153.

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Os Escravos e a Fronteira Em outro processo de “sedução de escravos”, aberto em 1856, onde o réu era estrangeiro, o advogado do autor da ação, proprietário dos escravos seduzidos, faz menção à freqüência desse tipo de crime e ao fato de que a maioria desses “sedutores” eram estrangeiros orientais. Em um trecho do documento diz o seguinte: “Como são frequentes na Província estes factos de seducção de escravos, e conducção d’elles para os Estados vizinhos, perpetrados por aventureiros extrangeiros, que esquicidos da hospitalidade com que são recebidos entre nós, com facilidade se prestão a causar grandes prejuízos aos proprietátios Brasileiros; há uma necessidade urgente de q. sejão punidos exemplarmente taes criminosos.”62

A escravidão havia sido abolida em 1842 no Estado Oriental e desgastara-se mesmo antes em Entre-Rios e Corrientes. Durante as décadas de 1840 e 1850, a escravidão ainda desempenhava um papel estrutural na pecuária sulina.63 Naqueles anos, os senhores brasileiros seguiam levando seus escravos para suas propriedades no Uruguai, e buscavam disfarçar a escravidão com contratos de trabalho, mas esse procedimento foi ficando cada vez mais difícil, tanto pela repressão das autoridades uruguaias, quanto pela ação dos próprios escravos, que começavam a usar esse fator em seu proveito.64 Ou seja, se, para os senhores, esse fato fazia com que a fronteira trouxesse um ingrediente a mais nos cuidados que precisavam desenvolver, para os escravos aquele espaço aparecia como possibilidade de liberdade. Segundo Helga Piccolo65, na “Relação dos escravos fugidos para o Estado Oriental pertencentes a diversas pessoas desta província” consta que no ano de 1850 o número de escravos fugidos do Rio Grande do Sul foi de 192. Em um levantamento feito nos Processos Crimes de Alegrete, Santana do Livramento, Quaraí e Uruguaiana, entre os anos de 1850 e 1864, encontramos diversos processos de “sedução de escravos”. Os réus des-

APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 81. Nº 2838, 1856. 63 FARINATTI, Luís Augusto. Op. Cit, 2007 64 Sobre esses contratos ver: ZABIELLA, Eliane. A Presença Brasileira no Uruguai e os Tratados de 1851 de Comércio e Navegação, de Extradição e de Limites, 2002, p.p. 82-98. BORUCKY, Alex; CHAGAS, Karla; STALLA, Natalia. Esclavitud y Trabajo – Un estudio sobre los afrodescendientes en la frontera uruguaya (1835-1855), 2004, p. 186. 65 AHRGS, Lata 531, Maço 1 – Estatísticas. Apud. PICCOLO, Helga. Op.cit. p.220. 62

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ses processos, os “sedutores”, são pessoas livres ou libertas que, a princípio, têm motivações econômicas ao abraçarem tal empreitada, uma vez que os escravos lhes pagavam pequenas quantias pelo “atravessamento”, como no caso de um pardo livre e peão, o baiano Clarimundo, que convenceu três escravos de seu patrão, Joaquim Marcelino Vasconcellos, a fugirem para o Estado Oriental.66 Em outro processo, no entanto, não consta que houvesse tido a interferência de alguém para incitar a fuga. Trata-se de uma tentativa de insurreição e fuga de treze escravos. Neste caso, percebe-se que a possibilidade da liberdade do outro lado da fronteira estava colocada para estes escravos mesmo sem a atuação de um “sedutor”.67 A fuga seguida de liberdade que a fronteira oferecia para os escravos, se por um lado era prejudicial aos proprietários de escravos, por outro, obviamente, era positivo para os cativos.68 Porém, ao levar à risca a noção de que num mesmo momento a situação de fronteira pode proporcionar efeitos negativos e positivos para seus grupos sociais, os significados da fronteira podem se inverter a qualquer momento. Dessa forma, é possível compreender o caso da parda Theodora, ocorrido em 1859.69 Nascida no Estado Oriental e, portanto, livre ou liberta, lá vivia com João Bentaberry. Tendo vindo morar com sua madrinha no Rio Grande do Sul, ocorreu que o marido de sua madrinha a vendeu como escrava. O processo se deu entre João Bentaberry, amasio de Theodora, que queria sua companheira de volta, as pessoas que compraram a suposta escrava e que não abriam mão de sua aquisição, e o juiz responsabilizado por ter permitido que a parda fosse vendida como escrava quando sabia que ela era uma oriental livre. Infelizmente, como não consta o desfecho do processo, não se sabe qual foi o destino de Theodora. No

APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78, nº2717, 1851. Além deste processo, os seguintes são semelhantes: Alegrete – Maço 77, nº 2697, 1850, Maço 189, nº 5512. Uruguaiana – Maço 60, nº2336, 1854. Santana do Livramento – Maço 38, nº1553, 1863. 67 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 85, nº2984, 1863. 68 Ver importante trabalho recente de Silmei Petiz a respeito de fugas de escravos pela fronteira. PETIZ, Silmei de Sant’Ana. Buscando a liberdade: as fugas de escravos da província de São Pedro para o além-fronteira (1815-1851), 2006. 69 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 83. nº 2901, 1859. 66

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entanto, esse momento de sua vida ao qual tive acesso demonstra o dinamismo desse espaço, ou seja, a mesma facilidade que se coloca para os escravos da fronteira rio-grandense de fugirem para o “outro lado” e conquistarem sua liberdade, no sentido inverso, teve resultado negativo para uma parda desse mesmo lugar. Outro exemplo das relações entre escravidão, liberdade e fronteira aparece em um estudo recente de Keila Grinberg. A autora analisou as ações de liberdade, todas bem sucedidas, movidas, na década de 1860, por escravos que transitaram na fronteira Brasil-Uruguai. Esses cativos, que pertenciam a senhores que tinham propriedades dos dois lados do limite nacional, promoveram suas ações judiciais tendo como base a lei de proibição do tráfico, de 1831. Os senhores da fronteira meridional faziam os escravos passarem de uma a outra propriedade, conforme a necessidade de seu trabalho. Quando retornavam do Uruguai para o Brasil, alguns escravos, começaram a impetrar ações de liberdade com base no fato de que haviam entrado no Brasil após a lei de 1831 e que eram, portanto, livres. Além disso, as decisões eram influeciadas pelo “princípio do solo livre”, ou seja, pela “idéia de que o solo livre pode conferir liberdade a um indivíduo”.70 Esse é um caso em que o manejo da fronteira se formalizou e se tornou explícito, mas estratégias menos formalizadas para lidar com aquela realidade deviam estar inscritas nas práticas correntes de muitos outros habitantes da zona de fronteira, como temos tentado apontar aqui. Comércio lícito e comércio ilícito na Fronteira Também o comércio realizado nesse vasto espaço fronteiriço precisava ter em conta a questão dos limites. Ali, a prática do contrabando estava bastante disseminada. O contrabando exigia um aparato organizacional para que pudesse se reiterar. Ele era praticado por diversos tipos de sujeitos, desde Companhias de Comércio que mantinham linhas regulares de importação de produtos e só pagavam as respectivas taxas quando eram apanhadas, até membros das camadas subalternas, que praticavam o comércio ilícito para vender pequenas quantidades

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GRINBERG, Keila. Escravidão, alforria e direito no Brasil oitocentista: reflexões sobre a lei de 1831 e o “princípio da liberdade” na fronteira sul do Império brasileiro, 2007, p. 279.

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de mercadorias ou apenas para consumo próprio. Em qualquer dos casos, os agentes sabiam que aquela era uma transação ilegal, gerada pela existência de distintos códigos jurídicos engendrados por Estados específicos e que exigia uma estratégia própria para sua realização.71 Nesse sentido, os comerciantes da fronteira também se enfrentavam com questões de demarcação de identidade/alteridade. As tensões existentes entre eles, de ambos os lados, podiam ficar aparentes nos Processos Crimes de Apreensão de Contrabando quando os contrabandistas eram estrangeiros. Em um processo de Autos Crimes de Execução de Contrabando em Alegrete no ano de 185172, os réus, Helijalde & Hermanos, aparentemente, tentaram um acerto com o Agente da Coletoria, João Chrisostomo da Fonseca, funcionário não autorizado a cobrar as taxas alfandegárias, para passar suas mercadorias. Os negociantes processados alegaram em sua defesa o fato de serem estrangeiros imigrados há poucos anos e que, portanto, ignoravam as leis do país. Na sentença, que condena os réus por crime de contrabando, o posicionamento do juiz procura enfatizar que os réus se tratavam de estrangeiros e dizendo que estes contrabandistas além de causarem “prejuízo a Fazenda Nacional” também causam “grande mal aos negociantes deste lugar”. Os réus apelam da sentença e passam a basear suas alegações também em questões de “identidade nacional” dizendo que estavam sendo vítimas de perseguição por parte de negociantes e que este tipo de procedimento da justiça afastava os estrangeiros trabalhadores deste país. Em outro processo, no ano de 185273, o acusado de crime de contrabando, o argentino Pedro Emílio Vidal, também sugere estar sofrendo perseguição, neste caso por parte do Inspetor da Alfândega Thomaz Francisco Flores, uma vez que sabia de outros comerciantes que tiveram procedimento igual ao dele e que, no entanto, não tiveram suas cargas apreendidas. Coincidência ou não, o que se pode apontar é que às outras cargas de mercadorias que vinham junto com as de Pedro E.

THOMPSON FLORES, Mariana F. da C. Contrabando e contrabandistas na fronteira oeste do Rio Grande do Sul (1851-1864), 2007. 72 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78. Nº 2720. Ano 1851. 73 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78. Nº2729. Ano 1852. 71

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Vidal pertenciam a comerciantes brasileiros e portugueses com os quais nada aconteceu. Em 12 de fevereiro de 1851, a Câmara de Vereadores de Uruguaiana elaborou uma proposta de Posturas para a participação de comerciantes estrangeiros naquele município. O que justificava a necessidade de tal código de posturas era que: “tomando em consideração que o commercio da mesma villa e seu termo he em grande parte manejado por indivíduos estrangeiros, os quais ao mesmo tempo em que desfrutão por este lado todas as vantagens e gozos privativos aos cidadãos brazileiros, estão izentos do serviço público de que estes estão onerados, e que a continuação de tal commercio he notoriamente nociva aos negociantes nacionaes, já porque a aglomeração de gêneros de negocio importados e dispostos nesse município pelo estrangeiro tem produzido o esmorecimento do comercio nacional já porque aquelle commercio em lugar de concorrer para o progresso do município contribue para seu decrescimento e ruina em razão de não ter estabilidade e permanecer só o tempo conveniente para a venda da factura, a qual se retirão os negociantes com o numerário desfalcando o município e a mesma Província de sua riqueza intriseca.”74

Os comerciantes da fronteira tinham, nesse espaço, o privilégio, se podemos assim dizer, de fazer contrabando. No entanto, se os comerciantes rio-grandenses da fronteira podiam trazer produtos contrabandeados e lucrar as taxas de alfândega, ao mesmo tempo, deviam conviver com comerciantes do “outro lado” que se utilizavam do mesmo recurso. Contudo, essa utilização da diferença de “nacionalidade” constitui um recurso aplicado em situações específicas em que se mostra profícua. Na realidade, em diversos processos fica perceptível a existência de alianças entre comerciantes “nacionais” e estrangeiros, ou seja, não havia naturalmente, ou necessariamente, uma oposição entre esses dois grupos de comerciantes. O fato de pertencer a outro país não constitui um problema a priori, a diferença pode ser abertamente reivindicada quando isto se fizer proveitoso, ou pode ser tranquilamente superada em detrimento de outros interesses. Dessa forma, sabendo que o recurso da reivindicação da identidade nacional assim como pode ser utilizado pode ser suprimido, é importante ter em conta que os sentimentos de pertencimento não podem

74

AHRGS. Câmara Municipal de Uruguaiana – Correspondência Expedida. A.MU-337. Cx.182. Ano 1851.

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ser tomados como como ponto de partida para estabelecer algum padrão de comportamento ou associação desses fronteiriços. Ou seja, não se deve explicar comportamentos das pessoas, de forma apriorística, por sua nacionalidade: por serem brasileiros, orientais, correntinos, argentinos. Mas também não se deve pensar que essas identidades não participavam daquelas interações e conflitos. Eram manejadas de acordo com a posição dos atores nas situações concretas, e era assim que se construíam, se reproduziam, se transformavam: em constante interação com as relações sociais. Insistimos: não se deve esquecer que eram múltiplas e variadas as possibilidades de identidade/alteridade e que cada uma delas era manejada pelos fronteiriços dentro da sua posição, fazendo com que a condição de fronteira se apresente de forma diferente para cada grupo em determinadas situações. Considerações Finais Em resumo, a zona de fronteira estudada era atravessada por um grande número de relações sociais de diversos matizes. As populações de ambos os lados não estavam isoladas. Moviam-se e migravam, elas mesmas, de parte a parte. Contudo, não há como considerar que esse fato pudesse retirar de todo a importância da existência de um limite político entre Estados nascentes, ao longo do século XIX. Ao contrário, a existência de um limite nacional, ainda que instável, e de conjunturas político-militares muito variáveis, tinham de ser levados em conta nas estratégias dos agentes históricos. A situação de fronteira influenciava diferentemente a vida de atores socialmente posicionados; de acordo com essa posição eles elaboravam estratégias para lidar com ela. Fazendo isso, entendiam a situação de maneira diferente e davam significados diversos a ela. Assim, a fronteira podia ser, ao mesmo tempo, espaço de integração, de demarcação de alteridade, de perigo, de oportunidade, de liberdade. A relação dos diversos sujeitos e grupos com a fronteira sugere que, como observou Fredrik Barth, “pessoas situadas em posições diferentes podem acumular experiências particulares e lançar mão de diferentes esquemas de interpretação, ou seja, podem viver juntas, mas em mundos diferentemente construídos”.75

75

BARTH, Fredrik. Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades, 2000, p. 176.

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Ao invés de tratar os moradores da fronteira como uma categoria homogênea (“os fronteiriços” ou “os brasileiros da fronteira”), que lhes emprestaria características a priori, é mais útil indagar-se sobre as formas pelas quais os atores e grupos socialmente posicionados tinham vivências, produziam significados e estratégias para viver com/na fronteira. E, de outra parte, inquirir as formas pelas quais essas vivências influenciaram nas próprias construções identitárias que eles elaboravam. Ou seja, nos parece bastante pertinente dirigir o estudo para a análise dos papéis desempenhados pela situação de fronteira nas ações e relações sociais dos sujeitos e, ao mesmo tempo, investigar a fundo a própria produção social da fronteira. Referências bibliográficas BARRÁN, José Pedro; NAHUM, Benyamin. História Rural Del Uruguai Moderno, vol. I. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1967. BARRIOS PINTOS, Antonio. Historia de la Ganaderia en el Uruguay. Montevideo: Biblioteca Nacional, 1971. BARTH, Frederik. A análise da cultura nas sociedades complexas. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. __________. Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. BORUCKY, Alex; CHAGAS, Karla; STALLA, Natalia. Esclavitud y Trabajo – Un estudio sobre los afrodescendientes en la frontera uruguaya (1835-1855). Montevidéu: Pulmón Ediciones, 2004. CHASTEEN, John Charles. Fronteira Rebelde. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 2003. CHIARAMONTE, José Carlos. Mecaderes del litoral. Economia y sociedad en la Província de Corrientes, primera mitad del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1991. COLVERO, Ronaldo. Negócios na madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2004. DJENDEREDJIAN, Julio. Economía y Sociedad en la Arcádia Criolla. Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750 – 1820. Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras, UBA, 2003, (Tese de Doutorado).

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O comerciante, o estancieiro e o militar: noções divergentes de honra entre as elites do Rio Grande do Sul no início do século XIX Karl Monsma* Em novembro de 1829, o Alferes Boaventura José de Oliveira e sua mulher, Isabel Francisca de Andrade, concordaram em vender sua Estância da Muzica ao comerciante Comendador João Francisco Vieira Braga, morador da cidade-porto de Rio Grande, por 16 contos (16.000 milréis).1 Com esta compra, Vieira Braga, que havia enriquecido, em parte, com o aprovisionamento do exército brasileiro durante a Guerra Cisplatina, esta bem posicionado geograficamente para lucrar com a paz. A estância consistia em mais ou menos seis léguas quadradas no atual município de Dom Pedrito. A localização perto da fronteira com o Uruguai era conveniente tanto para a venda de gado às charqueadas de Pelotas como para a compra e venda de gado contrabandeado. Parece que João Francisco e Boaventura nunca haviam se conhecido pessoalmente. Negociaram a venda por correspondência ao longo de um período de dois meses e meio, com a ajuda do Marechal de Campo Sebastião Barreto Pereira Pinto, Comandante Interino do Exército do Sul, que representou Vieira Braga. Na sua carta concordando com a ven-

* Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em História e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, RS, Brasil. Agradeço a ajuda do Dr. Gilberto Centeyo Cardoso, diretor da Biblioteca RioGrandense, e dos funcionários dessa instituição. Na fase inicial, esta pesquisa recebeu foi financiada pela Comissão Fulbright (American Republics Research Program). Atualmente recebe financiamento do CNPq (Bolsa Produtividade em Pesquisa e Auxílio à Pesquisa – processo 472722/2007-7). 1 Escritura, venda da Estância da Muzica a João Francisco Vieira Braga (doravante JFVB), São Gabriel, 10/04/1830, Biblioteca Rio-Grandense (BRG), Rio Grande, RS, Lata 28, Questão Boaventura José de Oliveira (QBJO). Com exceção de citações dos documentos, a ortografia dos nomes (por exemplo, Yzabel, Joze) foi transcrita com a versão predominante hoje.

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da, Boaventura reclamou das despesas adicionais ocasionadas pela demora em fechar o negócio e disse que venderia a estância: “com a Condição Só q’ hei de reçeber o pro pagamto em S. Gabriel em prata e aSim me cobro de 300000 tanto mil rs qe Gastei Sem adiantar coza alguma” (grifo no original), dizendo também que por ocasião do primeiro pagamento “façaremos Escritura o q’ agora não hé preçizo pois Basta Só a ma palavra de honra Sendo mais Segura do q’ a ma propia firma”.2 João Francisco se queixou da dificuldade de pagar em prata, mas concordou com essas condições. Alguns meses depois, efetuou o primeiro pagamento e tomou posse da estância. Vieira Braga devia dois pagamentos adicionais de 2 contos cada, a serem pagos com intervalos de um ano. As relações entre os dois homens se azedaram quando Boaventura foi a Pelotas cobrar o segundo pagamento um ano depois. Boaventura achava que o saldo seria pago em prata. Depois alegou que o Marechal Barreto havia lhe garantido oralmente que Vieira Braga pagaria todo o preço da propriedade em prata. Mas Vieira Braga insistiu que devia os 4 contos restantes em moeda de cobre, apontando a escritura assinado por Boaventura por ocasião do primeiro pagamento, que dizia que ele havia recebido 12 contos em prata, mas não especificava a natureza dos outros pagamentos. A reação ultrajada de Boaventura, porém, sugere que ele realmente esperava ser pago com moeda de prata. Com a ajuda de José Antonio Pimenta, publicou um artigo em um jornal de Porto Alegre difamando João Francisco e contando sua versão da disputa, emitindo, assim, um desafio público a Vieira Braga. O artigo apareceu no Correio da Liberdade no dia 9 de julho de 1831, assinado pelo “Amigo dos Homens de bem”, e acusava Vieira Braga de ser um tratante mentiroso, apesar de se apresentar publicamente como homem honrado.3 Quasi nunca a honra e a probidade dos homens pode regularse pelo caracter, que o seu exterior nos representa: as mais das vezes se nos figurão taes, que parecia um attentado só a suposição de que serião capazes de faltar á verdade, aquelles mesmos, em cujo coração não reside mais que o embuste, e a mentira; e commumente soppomós indigno de commetrer uma vileza o que, quando se tracta de seus interesses particula-

2 3

Boaventura José de Oliveira a JFVB, Estância da Muzica, 10/11/1829, L28, QBJO. Cópia em BRG, L28, QBJO.

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res, nenhuma duvida tem em os practicar com o maior descaramento, illudindo impunemente a fé de seus tractados e ajustes á sombra da preponderancia, e representação que entre a sociedade tem injustamente adquerido.

Para Boaventura, Vieira Braga usou a escritura da estância para burlar seu acordo: “quiz o dito Braga paga-los em cobre apegando se para isto a um ponto mal entendido da Escritura”. Depois de uma discussão, Boaventura, segundo seu relato, decidiu aceitar o cobre, mas reservou o direito de continuar exigindo o pagamento em prata. Vieira Braga pediu para ele passar numa loja no dia seguinte para receber o dinheiro, mas quando Vieira Braga apareceu no dia marcado com o esboço de um recibo para Boaventura copiar, dizendo que receberia o dinheiro depois, Boaventura se recusou a passar o recibo antes de receber. O cunhado de Vieira Braga, Domingos Rodrigues Ribas, entregou o dinheiro de cobre em pagamentos menores ao longo dos dois dias seguintes e depois apresentou o esboço de um recibo que não mencionava a natureza da moeda usada no pagamento, “por assim convir aos interesses e boas intenções do Sr. Braga: porem Boaventura que já via a forma, porque o intentavão enganhar, passou sim o recibo, mas não segundo o rascunho, que lhe foi dado: fez as declarações, que julgou convenientes”. Ribas aceitou o recibo com alguma relutância, mas reapareceu nessa noite com dois outros homens, “ordenando que se lhe passasse o recibo por um terceiro rascunho, que apresenta, ou do contrario se lhe entregasse o dinheiro, para cujo effeito trazião já aquellas mesmas horas uma ponta de negros: e não se fiando no honrado Boaventura, que era capaz de quardar milhões sem recibo, nem lhe queria confiar por uma noite uma somma, de que elle mesmo era proprietario”. Ribas só foi embora quando Boaventura entregou o dinheiro ao dono da casa onde estava hospedado. Obrigou Ribas ao Dono da casa a ficar por depositario com manifesta afronta deste honrado homem [Boaventura], que em S. Francisco de Paula recebeo por esta occasião os maiores vexames, com espanto de todos as pessoas, que conhecem seus honrados sentimentos: [Ribas] cedeo por fim á razão, e se retirou; mas o honrado Boaventura, considerando de noite que era melhor entregar o dinheiro, e receber o recibo que passara, do que expor se a ser atacado, quando se retirasse, e roubado por similhantes salteadores, que até podião attentar contra a sua vida, assim o fez.

Aparentemente Boaventura voltou para sua casa nova em São Gabriel sem o dinheiro. Sentia-se profundamente insultado não somente

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pela tentativa de lhe pagarem em cobre, mas também pela suspeita e falta de educação que Ribas demonstrara. A ameaça de mandar um grupo de escravos para forçá-lo a devolver o dinheiro era uma rejeição clara da palavra de honra de Boaventura. Parece que foi por isso que ele acusou Ribas de ser um salteador, o que Ribas, por sua vez, interpretou como um insulto grave. Voltando ao início da história, embora Boaventura tenha acusado João Francisco de tentar fraudá-lo, não está claro que este queria enganá-lo, dada a obsessão com a lisura ou, pelo menos, em manter a aparência dela, evidente no resto da sua correspondência. João Francisco entendia, ou disse que entendia, que somente o primeiro pagamento, de 12 contos, devia ser de prata. O fato de que a escritura não especificava a natureza dos 4 contos restantes sustentava sua interpretação. Por outro lado, Boaventura, baseando-se nas palavras do Marechal Barreto, representante de Vieira Braga, acreditava que todo o preço da estância seria pago em prata. Ele prestou pouca atenção ao que estava escrito no contrato porque, afinal, todos os envolvidos eram homens de honra, e o que importava para homens de honra era a palavra empenhada (oralmente). Para Boaventura, Vieira Braga era um comerciante urbano calculista e sem-vergonha que queria se aproveitar das tecnicidades da palavra escrita para fraudar um homem de honra, que ainda acreditava que a palavra de um homem importava. No seu artigo, Boaventura e Pimenta usaram as palavras “honra” ou “honrado” 12 vezes, oito das quais para descrever Boaventura. O texto só comentava a honra de João Francisco Vieira Braga ironicamente. Não se pode duvidar que o Sr. Braga desde o principio deste negocio teve sinistras intenções [...] Desmentir a todas as pessoas, que assistirão ao ajuste, pertendendo pagar em cobre, só porque na escriptura não está bem declarado, será o modo de proceder dos homens de honra!!! Ah, Sr. Redactor, se a palavra não obriga os homens, qual será a escriptura, que os obrigará!

Entretanto, se realmente acreditasse que Vieira Braga fosse um homem sem honra, Boaventura não teria se dado o trabalho de escrever o artigo. Somente atacou a honra de João Francisco porque acreditava que ele realmente tivesse honra a perder. Com efeito, dizia que João Francisco não merecia a honra que os outros lhe concediam, que lhe faltava o sentido de honra internalizado que gera sentimentos fortes de

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obrigação moral. Segundo Boaventura, João Francisco somente apresentava o aspecto honrado para esconder seu cerne interesseiro e calculista. A decisão de levar a disputa para a esfera pública e a descrição idealizada do homem honrado no artigo também sugerem que o conceito de honra ressoava entre todas as elites da época. Não era somente uma obsessão de estancieiros interioranos. Mas Vieira Braga e Ribas claramente se consideravam homens honrados e defenderam sua honra na Justiça. Depois de o Júri de Acusação decidir que o artigo realmente constituía “abuso de liberdade da imprensa”, eles processaram José Antônio Pimenta e, posteriormente, Boaventura José da Oliveira.4 Segundo a acusação formal preparada por seu advogado, “em detrimento da honra, e probidade com que em todos os tempos se tem distinguido [Vieira Braga e Ribas] acabão de ser atrosmente calumniados, e injuriados”. O artigo estava cheio de insultos e mentia a respeito da forma do pagamento devido e do tratamento sofrido por Boaventura quando foi fazer a cobrança. Depois de repassar as “insolencias, injurias, e falsidades” do artigo, a acusação concluía que “ninguem deixará de notar no impresso denunciado o aluvião de injurias, que muito de proposito se cuspirão sobre o bom conceito, honra, e caracter [de Vieira Braga e Ribas].”5 Seria um erro acreditar que o avanço do mercado e dos cálculos racionais minava a importância da honra, que era fundamental para grandes comerciantes como Vieira Braga e Ribas. Entretanto, as características mais salientes da honra mercantil eram um tanto distintas dos aspectos da honra enfatizados no mundo rural de Boaventura. O desentendimento entre eles e o conflito dela resultante se derivaram, em grande parte, de noções distintas de honra. Para compreender a evolução deste confronto, é importante indagar sobre a natureza da honra e por que ela era importante na Província de São Pedro na primeira metade do século XIX.

4 5

Sobre o funcionamento dos júris na época, cf. Flory, 1981, p. 115-27. José de Paiva Magalhães Calvet, “Libello accusatorio […] contra o R. citado José Antonio Pimenta”, 09/03/1832, BRG, L28, QBJO.

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A honra no Rio Grande do Sul imperial A honra é uma avaliação da pessoa por parte de outros integrantes da comunidade, mas também é internalizada na forma de um “sentido de honra”, que orienta o comportamento honrado (Stewart, 1994, p. 9-21). Alguns pesquisadores definem a honra hierarquicamente, como distinção e precedência (Pitt-Rivers, 1965, p. 19-77; Pitt-Rivers, 1968, p. 503-11). Outros a percebem como a respeitabilidade básica ou um tipo de consideração concedida por uma comunidade a todos os integrantes em conformidade com certas regras fundamentais (Campbell, 1964, p. 268-97; Stewart, 1994). Neste sentido, a honra é o reconhecimento, por parte de outros, de que a pessoa possui um sentido de honra internalizado. Este “direito ao respeito” é pré-requisito essencial para a honra no sentido da distinção e pode ser pensado como o “direito à honra” (Stewart, 1994). A honra hierárquica é uma forma de capital simbólico (Bourdieu, 1977, p. 171-83). Como a honra toma, tipicamente, formas bem diferentes para homens e mulheres, focaliza-se aqui somente a honra masculina. A honra hierárquica afere o valor social relativo de um homem, seu valor para sua família, para parceiros de trocas, para sua comunidade, para seu país. Dado o direito básico ao respeito, os homens acumulam o capital simbólico da honra por meio de uma conjunção de, por um lado, privilégio, riqueza e poder e, por outro, atos honrados, que demonstram a internalização do sentido de honra e, muitas vezes, são facilitados pela posse de recursos e poder. Além de ser valorizada por si só, a honra traz outros benefícios. Um homem honrado tem tanto os recursos como a fibra moral necessários para assumir e cumprir compromissos, o que significa que ele é um parceiro valioso e confiável para diversos tipos de trocas (Bourdieu, 2000; Herzfeld, 1980). Portanto, a honra suscita a colaboração dos outros. O capital simbólico da honra serve como crédito nas relações de troca que continuam ao longo do tempo (Bourdieu, 1977, p. 80-81). O capital simbólico, difícil de aferir e validado pela opinião dos outros, pode evaporar rapidamente (Bourdieu, 1977, p. 181-82). Aqueles que não defendem sua honra contra desafios a perdem (Stewart, 1994, p. 64-71). Nos grupos que valorizam a honra, os homens são bastante sensíveis a ofensas e só podem desconsiderar um desafio se provir de alguém tão inferior que não merece uma resposta (Bourdieu, 183

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2000; Campbell, 1964, p. 280-81; Pitt-Rivers, 1965, p. 31). Em geral, a honra pesa mais nos contextos onde lealdades pessoais são mais importantes para a segurança e o sucesso (Pitt-Rivers, 1965, p. 58-61; Pitt-Rivers, 1968, p. 509-10; Schneider, 1971, p. 17). As lealdades pessoais e a honra necessária para sustentá-las eram essenciais por vários motivos na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul no início do século XIX. Boa parte do campo era um mosaico de propriedades com limites vagamente definidos ou sobrepostos, e os que reivindicavam as mesmas terras frequentemente recorriam à violência física e à intimidação ou lutavam na Justiça. A vigilância constante e a capacidade de mobilizar aliados no campo, na burocracia do Estado e na Justiça eram essenciais para proteger as terras contra as pretensões de vizinhos. Defender as terras era uma questão de honra, prova de que um homem podia proteger o patrimônio familiar. Como um parente de João Francisco Vieira Braga escreveu durante uma disputa por terras, “jamais deixarei de sustemtar o meu direito, não olhando ao interece, e sim a onrra, por não acobertar a nossa regineração, pr qm estamos obrigados a dar a vida, pa flecidade de nossos vindouros.”6 Quando João Francisco Vieira Braga comprou a Estância da Muzica de Boaventura de Oliveira, uma parte das terras era contestada na Justiça.7 Boaventura havia recebido uma sesmaria de 3 léguas quadradas em 1816, mas havia ocupado mais ou menos 6 léguas, e algumas partes das terras adicionais eram disputadas por vizinhos (César, 1978, p. 25-27). Vieira Braga tinha confiança de que podia obstar qualquer ameaça à sua posse da estância. Ele era participante frequente de disputas na Justiça – tanto nas suas próprias como nas de outros –, mobilizando seus contatos no Estado para solicitar aos juízes decisões favoráveis. Informou seu capataz que a disputa sobre as terras da Estância da Muzica “he nada, porque já mais posso deixar de ser ouvido para ser esbulhado da ma propriedade”.8 Quando a Justiça era lenta, a violência e a intimidação

Francisco José Gonçalves da Silva a JFVB, Serrito (Jaguarão), 14/07/1821, BRG, L25. Cf. Bourdieu, 1977, p. 182, onde discute fenômenos análogos entre os Kabyle. 7 João Fernandes da Silva a JFVB, Estância da Muzica, 09/12/1832, BRG, L26; JFVB a João Fernandes da Silva, Rio Grande, 13/02/1833, BRG, L27, Copiador de cartas a João Fernandes da Silva. 8 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula, 25/12/1832, BRG, L27, copiador de cartas a João Fernandes da Silva. 6

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serviam para defender as terras. Em 1834, outro vizinho havia invadido uma parte da estância, e João Francisco exortou o capataz à ação vigorosa: Devo prevenillo que se elle, ou qualquer outro tentar occupar algum terreno do que está dentro das devizas desse campo, vmce deve não consentir, requerendo logo ao Juiz de Paz para fazer conter a cada hum nos seus limites, e quando o Juiz deixe de fazer justiça (o que não he de esperar) em tal cazo deve vmce obstar com força a qualqr tentativa que fação, pois a Ley me permite assim fazelo, e eu respondo por todo o mal que lhe possa sobrevir.9

Proteger as terras que reivindicavam era importante tanto para Boaventura como para João Francisco, mas os horizontes deste último eram mais amplos. A honra também era um recurso importante para manter suas relações políticas e comerciais. Na ausência das instituições modernas de avaliação de crédito, a honra permitia a confiança nas trocas comerciais, servindo como garantia simbólica. Os grandes comerciantes da província de São Pedro se envolviam em muitas trocas a longa distância e transações que se estendiam no tempo, sem correspondência imediata, mas sempre com parceiros conhecidos ou recomendados por conhecidos. João Francisco mantinha relações duradouras com agentes no Rio de Janeiro e em Rio Grande (depois de se mudar para Pelotas). Ele emprestava dinheiro a estancieiros, charqueadores e comerciantes sem mais garantia, em muitos casos, que a honra do devedor. A manipulação astuta das relações pessoais era importante para influenciar os políticos e os funcionários do Estado. Seja qual for a coesão que se possa identificar entre os bacharéis que ocupavam a maioria dos altos cargos do Estado imperial, esses homens também estavam ligados com as elites locais por laços de parentesco e troca.10 João Francisco Vieira Braga arranjava a eleição de políticos, e em troca podia indicar seus preferidos para cargos locais. Sua eficácia como intermediário dependia de sua honra, que sintetizava sua influência e confiabilidade. João Francisco Vieira Braga era um participante entusiástico desse sistema de patronagem, embora só tenha alcançado o auge de sua influência algumas décadas depois de seu conflito com Boaventura de

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20/11/1834, BRG, L27, Rio Grande, Copiador de cartas a João Fernandes da Silva. Carvalho (1996) mostra a importância da formação e socialização comuns dos bacharéis que entravam no serviço do Estado. Graham (1990) demonstra laços cruciais de dependência mútua entre as elites políticas e as elites locais, sobretudo os fazendeiros.

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Oliveira. Os Vieira Braga ilustram as estratégias familiares econômicas e políticas comuns no Brasil imperial. Além de ser estancieiro e comerciante, João Francisco ocupou vários cargos políticos. Na cidade de Rio Grande, foi juiz almotacel, tesoureiro do selo, vereador, administrador do contrato do quinto dos couros e diretor da obra da nova alfândega; na década de 1830, foi juiz de paz em Pelotas, deputado na Assembléia Provincial e vice-presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.11 Dois dos irmãos de João Francisco se formaram pela Academia de Direito de São Paulo: Antônio virou desembargador em Porto Alegre e Miguel, inspetor chefe da Alfândega de Rio Grande que João Francisco construíra (Magalhães, 1993, p. 126-7).12 Os outros quatro irmãos, Francisco, Manuel, Joaquim e Vicente, eram estancieiros na freguesia de Boqueirão (atual São Lourenço do Sul), distrito do município de Pelotas, onde ocuparam vários cargos e podiam influenciar, se não controlar, quase qualquer eleição. A relação política mais valiosa de João Francisco Vieira Braga, porém, era o genro de sua irmã, seu compadre o conselheiro Antônio Rodrigues Fernandes Braga, bacharel que foi presidente da Província de São Pedro brevemente em meados da década de 1830, até ser deposto pela Revolução Farroupilha, e depois virou desembargador na Corte. Depois da Guerra Farroupilha, João Francisco, que havia passado a maior parte da guerra na Corte, usaria suas relações com Fernandes Braga e outros contatos da Corte para se tornar intermediário chave entre o sul da província e o governo imperial. Esta posição dependia de sua honra, que servia como garantia de que ele era influente e confiável. Usar suas relações (capital social) para fazer favores lhe rendia mais honra (capital simbólico), que facilitava a ampliação de sua rede de relações. Por sua vez, tanto a honra como a rede de relações eram úteis nas suas transações comerciais.

JFVB, Exposição sucinta dos serviços prestados a S. M. o Imperador e à Nação [1840]. In: Spalding, 1969, p. 134-8. 12 Miguel, que esperava enriquecer com o cargo, morreu naufragado menos de um ano depois de tomar posse (Miguel Vieira Braga a Maria Angelica Barbosa, 01/11/1839, Rio Grande, BRG L26; Azevedo s. d., p. 84). Tanto Azevedo como Guilhermino César (1978) afirmam erroneamente que Miguel era filho natural de João Francisco Vieira Braga. As cartas da família Vieira Braga deixam claro, porém, que era irmão legítimo (Miguel Vieira Braga a Maria Angelica Barbosa, 01/11/1839, Rio Grande, BRG L26; JFVB a Vicente Manoel d’Espindula, Pelotas, 15/10/1874, BRG L29, Copiador 124). 11

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Em suma, Vieira Braga tinha bons motivos para defender sua honra contra contestações. Não era uma obsessão irracional desvinculada de preocupações “reais”; era pré-requisito básico para trocas personalizadas e, por isso, essencial para o sucesso em um mundo onde as relações pessoais eram as únicas que realmente importavam. João Francisco nasceu e cresceu nesse mundo, e a honra permeava suas disposições e esquemas cognitivos. Portanto, não temos motivo para pensar que ele tenha parado para calcular os custos e benefícios em potencial antes de responder ao desafio de Boaventura. O mesmo se aplica a Boaventura. Definições divergentes de honra A natureza do duelo – no jornal e na Justiça – entre Boaventura e Vieira Braga sugere definições divergentes de honra. Para estancieiros como Boaventura, que moravam nas suas propriedades, a grande maioria das trocas que não eram simples e imediatas envolviam a interação face a face prolongada dispensando, portanto, contratos escritos e complexos. Posteiros e alguns outros trabalhadores recebiam salários mensais, e agregados ganhavam acesso à terra em troca da proteção dos limites das propriedades e trabalho eventual. Todos os estancieiros que moravam no campo também se envolviam em redes informais de troca com outras elites rurais: colaboravam com vizinhos nos rodeios e na separação dos rebanhos; emprestavam escravos para fazer currais ou construções; ajudavam na perseguição a ladrões ou escravos fugidos; votavam em políticos indicados por conhecidos em troca de favores das autoridades locais indicadas por esses políticos.13 Todos guardavam contas mentais de favores prestados e recebidos, e classificavam aqueles com quem interagiam como “amigos” confiáveis ou como ingratos

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Esta breve descrição da vida nas estâncias se baseia principalmente nas instruções que JFVB preparou para seu capataz depois de comprar a Estância da Muzica e sua correspondência subsequente com o capataz (JFVB, Instruções dadas ao Sr. João Fernandes da Silva capataz da Estância da Muzica, 28/07/1832, BRG, L27, Estância da Muzica [publicado, com alguns erros de transcrição, em César, 1978, p. 37-48.]; João Francisco Vieira Braga, Copiador de cartas a João Fernandes da Silva, 1832-5, BRG, L27, Estância da Muzica). Também aproveitei a correspondência dos irmãos Vieira Braga que viviam nas suas estâncias, sobretudo Vicente (BRG, L27). Veja também Bell, 1998; Cardoso, 1962; Chasteen, 1995, p. 21-35; Farinatti, 2007; Freitas, 1981; Laytano, 1950; Leitman, 1975; Lobb, 1970; Maestri, 1984; Queiroz, 1977; Santos, 1984; Slade, 1971; Xavier, 1964.

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desleais e, portanto, desonrados. Mas manter contas escritas de favores teria violado o espírito dessas trocas, sugerindo que a pessoa não confiava nos outros e não queria conservar relações colaborativas duradouras (Blau, 1986, p. 88-114). A uma pessoa assim faltavam a lealdade e a capacidade de assumir compromissos que distinguiam o homem de honra. Vieira Braga também se envolvia em trocas com pessoas que conhecia pessoalmente, mantinha relações duradouras com agentes e parceiros, e misturava os diferentes campos de troca, mas estava muito mais acostumado com obrigações escritas e complexas, que estendiam as trocas no espaço e no tempo, permitindo sua continuidade sem a interação face a face. A estância era somente um dos seus investimentos diversificados. Nessa época, ele tinha armazéns na cidade de Rio Grande e se identificava principalmente como um comerciante que negociava com Rio de Janeiro. Também comprava charque dos estancieiros e charqueadores da margem da Lagoa dos Patos e lhes vendia provisões.14 A facilidade com a palavra escrita e com a contabilidade era essencial para o sucesso nesse mundo de parcerias, escrituras, fianças, títulos, juros e taxas de câmbio. Contas cuidadosas, contratos claros e atenção aos detalhes, junto com a honestidade e a lealdade, tornavam um comerciante confiável para seus parceiros de negócios e, portanto, eram constitutivos da honra mercantil. Promessas gerais e verbais sugeriam desleixo e falta de comprometimento, não honra. As elites rurais e urbanas também defendiam sua honra de maneiras distintas. John Chasteen apresenta evidências de que os homens da região da fronteira, inclusive estancieiros, geralmente defendiam sua honra com brigas de punhal (Chasteen, 1990, p. 47-64), mas as elites urbanas preferiam brigar na Justiça ou nas colunas dos jornais. Ou seja, as elites urbanas duelavam com palavras, geralmente palavras escritas. Era comum os litigantes “desperdiçarem” dinheiro em recursos com poucas chances de sucesso; desistir por motivos meramente econômicos implicava covardia vergonhosa. Ganhar na Justiça significava humilhar os inimigos. Mais de 20 anos depois, quando ganhou uma causa na Relação da Corte, João Francisco Vieira Braga escreveu: “Nada me 14

Cf. José da Costa Santos a JFVB, Fazenda de São Lourenço, 12/11/1821, 16 junho 1822, 12/ 08/1822, BRG, L25; Manoel Machado Pereira a JFVB, 31/08/1821, BRG, L25; Francisco Vieira Braga a JFVB, Rio de Janeiro, 03/08/1822, BRG, L25; Francisco Vieira Braga a JFVB, São Lourenço, 21/08/1828.

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póde ser mais agradavel do que triumfar dos meus adversarios, que tanto se empenhão em prejudicar-me.”15 Para atacar a honra de João Francisco, que morava longe, na cidade de Rio Grande, e teria desprezado um desafio físico de qualquer maneira, Boaventura precisava emitir um desafio “urbano”, na forma da calúnia que publicou, mas isso acabou favorecendo João Francisco, que tinha muito mais experiência no uso de palavras e leis como armas. O processo contra Boaventura e Pimenta por “abuso de liberdade de imprensa” e as evidências que Vieira Braga e seu advogado anexaram para provar que ele era um homem honrado enfatizam suas contas cuidadosas e seu cumprimento exato de contratos. A acusação inicial afirma que o artigo com a crítica a Vieira Braga e Ribas inclui “expressoens afrontosas com o fito de deprimir sua fama, e credito”, e uma das piores delas é a declaração de que João Francisco “com o maior discaramento ilude a fé de seus tractados, e ajustes”.16 Para provar sua honra, João Francisco e Ribas solicitaram atestados de autoridades públicas e dos comerciantes de Porto Alegre e Rio Grande. Vinte comerciantes de Porto Alegre assinaram uma declaração dizendo que Vieira Braga e Ribas “tem sempre merecido o melhor conceito, atenta a boa fé, probidade, e honra com que se hão portado em todas as suas transaçoens mercantis”.17 Quarenta comerciantes de Rio Grande atestaram que Vieira Braga “sempre gozando de muito credito, e havido por mto exacto em suas Contas, verdadeiro, e pontual no cumprimento dos seus contratos”.18 O Marechal Sebastião Barreto Pereira Pinto declarou, sobre Vieira Braga, que “tenho ouvido falar aos que com ele tem relassõens comerciáis com o maior elogio, pelo fiel, e cabál cumprimento dos seus trátos, e tranzassõens”.19 João Francisco também anexou atestados provando que havia sido eleito ou nomeado para vários cargos oficiais, que evidenciavam não somente que ele era importante, mas também que era digno da confiança da monarquia e de seus pares. JFVB a Antônio Rodrigues Fernandes Braga, Pelotas, 15/12/1857, BRG, L29. Vieira Braga também presumia que a outra parte recorresse para que o processo fosse julgado uma vez mais. 16 José de Paiva Maglhães Calvet, Libello accusatorio […] contra o R. citado José Antonio Pimenta, 09/03/1832, BRG, L28, QBJO. 17 14/03/1832, BRG, L28, QBJO. A semelhança entre essa declaração e a acusação contra Pimenta sugere que o advogado Calvet escreveu os dois documentos. 18 09/03/1832, BRG, L28, QBJO. 19 Porto Alegre, 16/03/1832, BRG, L28, QBJO. 15

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As evidências que Boaventura apresentou para se defender não estão anexadas ao processo porque, depois que Pimenta apresentou uma carta de Boaventura assumindo a responsabilidade pelo artigo, o júri absolveu Pimenta, e Vieira Braga e Ribas processaram Boaventura na comarca de Cachoeira, onde Boaventura morava.20 Foi impossível localizar o novo processo; portanto, não sabemos o resultado final deste conflito. Entretanto, Boaventura, com a ajuda de Pimenta, havia apresentado seus argumentos no artigo, construindo uma narrativa para o tribunal da opinião pública em que um comerciante velhaco usou documentos enganosos para fraudar um estancieiro honesto, que sempre honrava sua palavra. João Francisco, com a ajuda de seu advogado, apresentou uma narrativa para o juiz e o júri em que um comerciante meticuloso, que sempre cumpria seus tratos e merecia a confiança do Estado e do público, foi atacado injustamente por um rústico semialfabetizado que não queria cumprir um ajuste formal. Ambos usaram suas noções de honra para se apresentar de maneira favorável. Para a sorte de Vieira Braga e de Ribas, a primeira fase do julgamento aconteceu em Porto Alegre, onde os jurados eram homens da elite urbana como eles. Por outro lado, é possível que o júri da comarca interiorana de Cachoeira tenha se identificado com a definição de honra de Boaventura.21 Coragem e dever cumprido Poucos meses antes de encetar as negociações com Boaventura de Oliveira sobre a compra da Estância da Muzica, João Francisco Vieira Braga sofreu outra afronta, desta vez de um oficial militar e de uma maneira bem menos pública, que fornece mais evidências sobre a natureza das diferenças nas noções de honra de segmentos distintos da elite. Ao fim da Guerra Cisplatina, muitos equipamentos e provisões militares ficaram na região da fronteira, e o exército requisitou bois dos estancieiros para removê-los. O oficial militar (aparentemente Sargento Maior) Antônio Francisco Pinto de Oliveira mandou tirar nove bois da Fazenda da mãe de Vieira Braga, sem consultar a este, e deixou um recibo para posterior pagamento. Em resposta, Vieira Braga escreveu uma 20 21

Boaventura a José Antônio Pimenta, São Gabriel, 11/06/1831, BRG, L28, QBJO. Os júris geralmente eram dominados por integrantes das elites locais, que podiam influenciar os jurados mesmo quando eles mesmos não serviam nos júris (Flory, 1981, p. 123).

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carta áspera a Pinto de Oliveira e outra reclamando dele ao Marechal de Campo Sebastião Barreto Pereira Pinto, o mesmo comandante que representaria Vieira Braga nas negociações iniciais com o estancieiro Boaventura. Pinto de Oliveira respondeu a Vieira Braga com uma carta irônica, mas não abertamente insultuosa, e enviou outra mais maldosa ao Marechal Barreto Pereira Pinto, que a entregou a João Francisco. Embora Pinto de Oliveira escrevesse como militar, suas noções de honra eram parecidas em vários aspectos com as dos estancieiros da fronteira, e parece que ele também era estancieiro, porque havia doado bois próprios. Pinto de Oliveira escreveu ao Marechal Pereira Pinto que Vieira Braga merecia a “ms austéra correcção”, mas, “lutando com= os meus Estimulos”, ele havia respondido de forma moderada à provocação de Vieira Braga.22 Ele escreveu a Vieira Braga que este estava “fazendo de nada huma comprida Estoria, e de huma mosca hum Elefante” e o lembrou de que o exército fora a “Salvação dos haveres [dos moradores], e de todos os habitantes”. Ele mesmo havia contribuído com dez bois, “tanto pa exemplo dos mais, como pelo interece q’ devia tomar na percizão, apezar de ficar exposto a pagar os meus Carretos, e comtudo me não queixo”.23 Pinto de Oliveira tentava envergonhar Vieira Braga, em vez de questionar sua honra diretamente. Sua carta ao Marechal Pereira Pinto era bem mais insultuosa, mas não constituía um desafio direto a João Francisco porque não foi endereçada a ele e não era pública (Pitt-Rivers, 1965, p. 25-7). A carta de João Francisco ao oficial Pinto de Oliveira era, segundo este, “o mais atrevido e insultante”.24 Vieira Braga foi o único estancieiro a protestar, mas Pinto de Oliveira de fato havia sido generoso com ele e sua mãe aceitando os novilhos tambeiros que o capataz forneceu em vez de verdadeiros bois de trabalho. O motivo real da raiva de João Francisco era um conflito anterior: Este sugeito Exmo. Sn_r funda a sua contrariede sobre a ma inteireza por não querer annuir ao mto q’ se empenhou pr escrita q’ conservo pa qe eu obrase o ms excandalozo despotismo contra seu proprio Tio Nicolao Lo-

Antônio Francisco Pinto de Oliveira a Sebastião Barreto Pereira Pinto, Quartel do Bom Desterro, 25/05/1829, BRG, L27, Correspondência especial. 23 Antônio Francisco Pinto de Oliveira a JFVB, Quartel do Bom Desterro, 13/05/1829, BRG, L27, Correspondência especial. 24 Antônio Francisco Pinto de Oliveira a Sebastião Barreto Pereira Pinto, Quartel do Bom Desterro, 25/05/1829, BRG, L27, Correspondência especial. Infelizmente o acervo de Vieira Braga não inclui uma cópia da carta que mandou a Pinto de Oliveira. 22

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pes Soares, e fazendo=lhe ver a im=moralide da sua pertenção, sei qe ficara vechadicimo, e ao mmo tpo meu declarado Inimigo.

Além do mais, Pinto de Oliveira havia suportado grande sofrimento para cumprir sua missão, enquanto Vieira Braga vivia em conforto na cidade de Rio Grande: O q’ fis foi conduzir pesoalme a Boyada lutando com huma geral Inundação, e suportando o rigor de hum des=abrido temporal, molhado de manham athe a noite pelo interece q’ tomava de chegar a tempo de ser útil da mma forma qe arostando=me a todos os perigos, tive a honrra de entregar a V.Exa. em S. Rafael o auxilio q’ pude levar de cavalhada, entreto q’ João Braga no Ro Grde debaixo de coberta enchuta emtronizado na ms infatuada soberba, com= a penna na mão empregando os seus conhecidos talentos em sensurar dos qe andão expostos, e briozame trabalhando, e os Hiates promptos pa voar ao ms minimo anuncio de Inimigo, em lugar de rehunir-se a forsa armada [...] Eis os Eroes qe fazem Guerra em tempo de Pás.

Em contraposição a isso, os soldados desmobilizados haviam sido “afastados pr huma tropa de gado, mandando huns rolar=se dentre de surroens, outros em trages de mer”. Apesar da falta de publicidade, que seria necessária para caracterizar este conflito como uma luta de honra, Pinto de Oliveira e Vieira Braga travaram um quase duelo pelas cartas, cada um tentando convencer o Marechal Barreto Pereira Pinto – o “juiz” neste caso – de sua honradez e da falta de honra do outro. Pinto de Oliveira apresenta um conjunto de contrastes nítidos entre o mundo dele e o de Vieira Braga. Um trabalha; o outro critica. Um aguenta o vento e a chuva; o outro permanece enxuto e confortável. Um porta uma espada, mas é moderado; o outro usa uma pena, mas é descontrolado. Um enfrenta o perigo; o outro foge. Um coloca o dever e a lealdade acima de tudo; o outro sacrifica seus próprios parentes para obter vantagens. Transparecem aqui o respeito pela resistência física e o desprezo pela fraqueza e covardia que Norbert Elias (1996) identifica como típicos dos códigos de honra de grupos guerreiros. Elias contrasta a honra guerreira com o “código moral” típico da burguesia, mas o uso das palavras “honra” e “honrado” por parte de Vieira Braga e Ribas para caracterizar a si mesmos e suas práticas comerciais sugere que, para os grandes comerciantes brasileiros do século XIX, honestidade e contas cuidadosas integravam um código de honra comercial.

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Tanto Boaventura como Pinto de Oliveira afirmaram que Vieira Braga usava a palavra escrita para lesar e se aproveitar dos outros. Suas contas cuidadosas e a insistência em ser consultado sobre requisições militares evidenciavam a falta de capacidade para confiar nos outros, o que mostrava que ele mesmo não era digno de confiança. Sua riqueza, influência e habilidades com a pena o tornavam ainda mais perigoso para os homens honrados. Pinto de Oliveira também associava a confiabilidade com a coragem e o trabalho duro, em contraposição à covardia e ao luxo do comerciante urbano embusteiro. Toda a maneira de viver dos ricos urbanos era vagamente efeminada e, portanto, traiçoeira e desonrosa. Conclusões Em todos os três casos, a honra é uma avaliação pública da confiabilidade do indivíduo e, portanto, de seu valor como parceiro em vários tipos de trocas, mas a maneira de avaliar a honra difere conforme o grupo social em que cada indivíduo se insere, porque a natureza das redes de relações e das trocas varia entre grupos. Para o estancieiro Boaventura, imerso em um mundo de relações locais face a face, a honra é evidenciada sobretudo pelo cumprimento da palavra, junto com a disposição de responder a insultos pessoalmente mediante a violência física. Para o militar Pinto de Oliveira, a honra se mostra pela coragem e pela disposição de aguentar sofrimentos para cumprir o dever, justamente as qualidades que tornam um soldado confiável para seus companheiros e um oficial respeitado pelos subordinados. Para o comerciante Vieira Braga, por outro lado, empenhado em construir e manter uma ampla rede de relações a longa distância com outros comerciantes, com políticos e com altos funcionários do Estado, o que envolve necessariamente a palavra escrita, a honra se prova pela contabilidade cuidadosa e pelo cumprimento exato dos contratos. A defesa da honra, para Vieira Braga, é realizada preferencialmente pela palavra escrita, também nas colunas dos jornais ou nas peças processuais, e pode ser encomendada a outros, principalmente advogados. Para desafiar o distante Vieira Braga, o estancieiro e o militar precisavam usar a palavra escrita, a única maneira possível de atingir sua honra. Mas o comerciante gozava de grandes vantagens nos duelos de caneta que se seguiram.

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Los actores sociales de la ganadería patagónica: políticas públicas y formas asociativas en las primeras décadas del siglo XX Graciela Blanco* Introducción La Patagonia argentina comprende una extensa superficie al sur de los ríos Colorado y Barrancas, sobre la que se conformaron a partir de 1884 cinco territorios nacionales en los que es posible observar una realidad social, económica y cultural marcada por la diversidad y los contrastes. Con importantes diferencias fisiográficas entre las áreas andinas, de meseta y costeras, los territorios fueron objeto de distintas formas de poblamiento, ocupación y puesta en producción a partir de 1880, aunque orientadas centralmente por el desarrollo de la actividad ganadera extensiva. La organización político-administrativa de los nuevos territorios patagónicos dependería del Estado nacional, el que a través del Poder Ejecutivo fue estableciendo las pautas para su organización y funcionamiento. Asimismo, fue desde el centro del país y del poder que se definieron y aplicaron las políticas públicas destinadas a distribuir las tierras incorporadas al dominio soberano del Estado luego de las campañas militares que despojaron a la sociedad indígena, procediendo al traspaso de las superficies a manos privadas. Como resultado de ese proceso de distribución/apropiación de las tierras públicas, en los territorios del sur se fue definiendo un núcleo minoritario de grandes propiedades, con importante disponibilidad de capital y escasa población, que conviviría con un número muy significativo de pequeños

* Doctora en Historia, Profesora Adjunta de Historia Argentina en la Universidad Nacional del Comahue, Neuquén, Argentina. Investigadora Adjunta en el CEHIR-ISHIR-CONICET.

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y medianos propietarios, arrendatarios y ocupantes de hecho de campos fiscales, en un proceso que se fue desarrollando no sin tensiones. Las políticas de los gobiernos radicales de la década del ’20, referidas sobre todo a las tierras públicas y al régimen aduanero, provocaron asimismo situaciones muchas veces cuestionadas por amplios sectores de productores. Sumado a ello, el impacto de la posguerra y de la crisis internacional de 1930 más adelante, otorgaron mayor visibilidad al conflicto y potenciaron la conformación de organizaciones representativas de los productores, a través de las cuales se canalizaron mayoritariamente las demandas hacia el Estado nacional. Este trabajo plantea, en primer lugar, el análisis del proceso de ocupación y distribución de la tierra en Patagonia, a partir de las políticas de los gobiernos nacionales en la materia y de los resultados de la aplicación de la legislación resultante. En segundo lugar, procura caracterizar los actores sociales que fueron configurándose a partir de las distintas formas de apropiación del recurso tierra y su puesta en explotación ganadera extensiva. Finalmente, y teniendo en cuenta el funcionamiento socioeconómico regional, los cambios en las políticas de tierras y aduaneras y el impacto de la primera posguerra y de la crisis de 1930, la ponencia intenta una primera aproximación a los conflictos emergentes y al accionar de las organizaciones corporativas surgidas en esos años en la Patagonia. La Patagonia se ocupa y la tierra se privatiza Alvaro Barros, como coronel del ejército nacional en la frontera sur, expresaba en la década de 1870 lo siguiente: “Nadie pondrá en duda, esperamos, que la ganadería es la fuente de nuestra riqueza [...] y sin embargo, lejos de adelantar, en vez de enriquecer, vivimos en perpetua crisis, bajo la cruel amenaza de la ruina. ¿Por qué? Porque la propiedad rural carece absolutamente de garantías. [...] resulta esencial para la conservación de nuestra amenazada riqueza y para su futuro enriquecimiento: 1º- Seguridad y garantías para la propiedad rural; 2ºExtensión de los campos de pastoreo. Para llegar a establecer lo primero (garantías sobre la propiedad rural) es necesaria la supresión de los indios, y la reforma práctica del sistema administrativo de la campaña. Para tener lo segundo (extensión de los campos de pastoreo), es

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indispensable también la supresión de los indios, a fin de entrar en tranquila posesión de los campos de cuyo dominio ellos nos privan”.1 Este reclamo pronto sería parte del proyecto de Julio Argentino Roca y se concretaría con el avance militar sobre el espacio ocupado por la sociedad indígena y la consecuente incorporación de la Patagonia a la soberanía nacional y a la explotación productiva. La finalización de las campañas militares y la organización administrativa de los cinco territorios nacionales del sur fue acompañada por una política de tierras que terminaría beneficiando a determinados sectores socio-económicos y mostraría una clara contradicción entre un discurso que planteaba la intención de poblar y una realidad que no se correspondería con ello. La incorporación coactiva de los territorios del sur se correspondió entonces con las necesidades expansivas del modelo agroexportador, que requería de la incorporación de nuevas tierras a la producción. En ese contexto y en función de las posibilidades productivas, la organización social del espacio patagónico estuvo marcada en sus comienzos por el desarrollo de una actividad ganadera predominantemente ovina, y en menor medida bovina y caprina, así como de una agricultura bajo riego en algunas áreas. Las nuevas tierras del sur, ahora bajo el dominio soberano del Estado nacional, comenzarían a ser entregadas bajo distintas formas de tenencia a partir de un conjunto de normas que legislaron la forma de distribución del recurso.2 Con base en esas leyes liberales, en las dos últimas décadas del siglo XIX se vendieron títulos públicos sobre las tierras a conquistar para financiar las campañas militares; se “premio” a quienes las llevaron a cabo; se promovió la colonización privada otorgándose extensiones que variaron entre 40 y 80.000 ha y se remataron en Buenos Aires importantes superficies patagónicas. Como resultado de ello, los beneficiarios, en muchos casos miembros de las elites de poder económico y político del centro del país o estrechamente vinculados a ellas -Uriburu, Castells, Avellaneda, Sorondo, Alsina, BANDIERI, Susana (2006), “Del discurso poblador a la praxis latifundista: La distribución de la tierra pública en la Patagonia”, en Mundo Agrario, Vol. 11, CEHR-UNLP, 1er. Semestre 2006. 2 BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (2009), “Política de tierras en los Territorios Nacionales: entre la norma y la práctica”, en Graciela Blanco y Guillermo Banzato (comp.), La cuestión de la tierra pública en Argentina. A 90 años de la obra de Miguel Angel Cárcano, Rosario, Prehistoria Ediciones, en prensa. 1

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Zorrilla, Repetto, Seeber, entre otros-, se transformaron en propietarios de grandes extensiones y especularon con su valorización enajenándolas algunos años después. Pocos fueron los que pusieron las tierras así obtenidas en producción. De este modo gran parte de las superficies patagónicas y generalmente las que presentaban mayor aptitud para la explotación ganadera fueron enajenadas y terminaron en poder de unos pocos propietarios para fines del siglo XIX. Los intentos de democratizar el acceso a la tierra pública entregando superficies en pequeñas parcelas, para explotaciones ovinas en colonias que gozarían eventualmente del apoyo estatal, fracasaron por la desacertada elección de las tierras, la insuficiente extensión de las unidades productivas proyectadas y la falta del apoyo prometido.3 Con el cambio de siglo y en el marco del surgimiento de un grupo reformista dentro de los sectores en el gobierno, se derogaron todas las leyes de tierras anteriores y se buscó, a través de una nueva ley en 1903, terminar con las irregularidades en la distribución del recurso. Pero ya la mayor parte de la tierra, como se dijo, había sido entregada en las décadas previas, por lo que la venta de superficies en parcelas menores -2.500 ha- mostró una menor transferencia de tierras públicas en propiedad y derivó, en algunos casos, en su posterior concentración por parte de quienes ya se habían instalado en la región. Mayor significación tuvo la entrega de hasta 20.000 ha en arrendamiento, por cuanto la ley planteaba la opción de adquirir la mitad de esa superficie en propiedad al finalizar el contrato. Esta modalidad sería muy importante en el territorio santacruceño y en menor medida en el resto patagónico, transformándose en una de las formas de tenencia predominantes en las primeras décadas del siglo XX junto a la propiedad ya consolidada o en combinación con ésta.4 La propiedad y el arrendamiento fueron entonces las formas de tenencia centrales sobre las que se legisló. Los grandes propietarios/ arrendatarios se constituyeron así en los actores sociales característicos del espacio patagónico a partir del referido proceso de distribución y

BLANCO, Graciela (2001), “El Estado argentino en el desarrollo ganadero de Patagonia: la distribución de la tierra y los inversores privados en Neuquén a principios del siglo XX”, en M. Valencia y S. Regina de Mendonça (organizadoras), Brasil e Argentina. Estado, Agricultura e Empresarios, Río de Janeiro, Vicio de Leitura/Universidad nacional de La Plata. 4 BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (2009), en prensa, op.cit. 3

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apropiación de las tierras en las dos últimas décadas del siglo XIX. Entre ellos se encontraban compañías públicas y privadas con sede en Londres, como la Sheep Farming -con campos también en Tierra del Fuego-, LaiAike y Monte Dinero en Santa Cruz; la Cía. De Tierras del Sur con extensiones en Chubut, Río Negro y Neuquén, entre otras, todas ellas controlando superficies que iban desde 150.000 a 650.000 ha.5 También fueron importantes las sociedades anónimas organizadas en Chile por ciudadanos de ese país e inmigrantes de diverso origen radicados allí ingleses, alemanes, españoles, franceses, etc.-, que se constituyeron específicamente con el objeto de adquirir y explotar tierras en el sur argentino y muy especialmente en las áreas andinas y en el sur de Santa Cruz y Tierra del Fuego, áreas que reconocían una ancestral vinculación económica y social con los espacios chilenos colindantes desde Concepción a Punta Arenas. Nos referimos a la Sociedad Explotadora de Tierra del Fuego, la Sociedad Comercial y Ganadera Chile-Argentina, la Sociedad Ganadera Gente Grande, entre otras, con superficies similares a las anteriores.6 Por último, empresarios provenientes de otras regiones de Argentina, especialmente del área pampeana, con más o menos capital, también se transformaron en propietarios y/o arrendatarios en Patagonia: Jorge y Rodolfo Newbery, los hermanos Lafontaine, Luis Zuberbuller, Teodoro de Bary, Fernando Zingoni, José Menéndez, Mauricio Braun, etc. 7 Estos grandes propietarios/arrendatarios convivieron con otros medianos y pequeños que compraron y/o arrendaron en las áreas no ocupadas entre las grandes propiedades o en

MIGUEZ, Eduardo (1985), Las tierras de los ingleses en la Argentina, 1870-1914, Buenos Aires, Editorial de Belgrano. 6 BARBERÍA, Elsa M. (1995), Los dueños de la tierra en la Patagonia Austral, 1880-1920, Santa Cruz, Universidad Nacional de la Patagonia Austral; BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (1998), “Propietarios y ganaderos chilenos en Neuquén: una particular estrategia de inversión (fines del siglo XIX y comienzos del XX)”, en Estudios Trasandinos, Año 2, nº 2, Santiago de Chile; BELFIORI, Martha C. (1977), “Tierra del Fuego. Destino de la tierra pública”, en KaruKinka. Cuaderno Fueguino, nº 19-20, Buenos Aires. 7 Un análisis particularizado de algunos de estos casos en BLANCO, Graciela y BLANCO, Mónica (2008), “Expansión de la frontera productiva y oportunidades para el crecimiento empresario en el espacio pampeano-patagónico”, en S. Bandieri, G. Blanco y M. Blanco, coord., Las Escalas de la Historia Comparada. Empresas y empresarios. La historia regional, Tomo II, Buenos Aires, Miño y Dávila Edit.; BLANCO, Graciela (2009), “Un empresario ganadero en un espacio periférico: las estrategias de acumulación de la familia Zingoni en Neuquén (primera mitad del S. XX), en Naveg@mérica. Revista electrónica de la Asociación Española de Americanistas, Nº 2, Murcia, España. 5

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zonas con mayores dificultades para el desarrollo de una producción rentable. La contracara de estos propietarios/arrendatarios fueron los meros ocupantes, aquellos que no poseían título legal sobre las superficies en las que se instalaron. En muchos casos se trataba de descendientes directos de los antiguos dueños de la tierra –los indígenas-, despojados y sometidos a las nuevas relaciones de producción; en otros, de pobladores inmigrantes mayoritariamente chilenos, herederos de una situación pasada y ahora intrusos del nuevo orden social. Todos ellos convertidos a partir de entonces en crianceros con escaso ganado, muchas veces trashumantes, en serias condiciones de marginalidad social. La línea sur rionegrina, el norte neuquino y algunas áreas de la meseta chubutense y santacruceña fueron lugares en los que se asentaron estos sujetos sociales. Ello llevó a que en 1899 el gobierno nacional autorizara a los gobernadores de los Territorios a conceder el pago del derecho de talaje a quienes hicieran pastar sus ganados en los campos fiscales bajo su jurisdicción, con la declarada intención de conceder cierto respaldo legal a los ocupantes. En 1925, con argumentos similares, se estableció por Decreto que los ocupantes de tierras fiscales debían solicitar permisos precarios de ocupación a la Dirección General de Tierras, los que serían concedidos previo pago por año adelantado. Se hacía explícito que quienes no arrendaran o tuvieran estos permisos serían considerados intrusos.8 También se intentó regularizar la situación de los ocupantes de hecho de tierras fiscales a partir de la aplicación de la ley de Derechos Posesorios, que sólo tuvo alguna incidencia en el valle inferior del territorio de Río Negro, donde el 30% de los solicitantes ratificó la posesión.9 Sin embargo, la intención de conceder cierto respaldo legal a los ocupantes difícilmente tuvo los resultados esperados debido a las deficientes condiciones de funcionamiento de las administraciones locales en un territorio extenso y poco comunicado. Los ocupantes se

BLANCO, Graciela (2009), “Tierra y ganado en la Patagonia: políticas públicas y conflictividad en las primeras décadas del siglo XX”, en Anuario del Centro de Estudios Históricos “Prof. Carlos Segreti”, Córdoba, en prensa. 9 RUFFINI, Martha (2006), “Estado y propiedad de la tierra en el Territorio Nacional de Río Negro; la cuestión de los ocupantes (1884-1892)”, en E. Cruz y R. Paoloni, (comp.), La propiedad de la tierra. Pasado y presente, Anuario del CEIC/3, Córdoba, Alción Editora. 8

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vieron empujados a instalarse con sus animales en tierras marginales en cuanto a aptitud ganadera y muchas veces debían trasladarse con su ganado, de acuerdo a las estaciones, a los campos altos de veranada o los más bajos de invernada. En algunos casos estos campos eran fiscales, pero en otros debieron indefectiblemente recurrir –por la intensidad de las privatizaciones en algunas áreas- al pago de pastaje o al arrendamiento a particulares para que sus animales pudieran alimentarse y sobrevivir. En ocasiones la realidad del ocupante era mucho mas dura aún. Se veía frecuentemente sometido al abuso de arrendatarios que les subarrendaban la tierra -expresamente prohibido por ley- a precios altos, o de comerciantes, jueces de paz o policías que les cobraban talaje o arrendamiento, la mayoría de las veces sobre superficies en las que no tenían derechos legítimos. No fueron pocos, asimismo, los casos en que funcionarios menores malversaron bienes testamentarios o realizaron secuestros ilegales de hacienda de quienes eran simples ocupantes de hecho. En el caso del reclamo de derechos posesorios, los gobernadores y los jueces de paz de los territorios nacionales jugaron un papel protagónico en la asignación de estas tierras, pues estaba a su cargo compilar la información necesaria, mediante la declaración de testigos, para comprobar el tiempo de ocupación de los peticionantes y el capital invertido.10 Su actuación fue discrecional y muchas veces impugnada por los propios actores y por el Estado nacional, aunque no modificada. Los ocupantes sin título, que no alcanzaron la propiedad, fueron una constante en todo el proceso de expansión de la frontera como puede verse en otros trabajos sobre el área bonaerense.11

Diversas fuentes –informes de dependencias públicas territorianas, notas, prensa, expedientes judiciales, etc.- dan cuenta de estas situaciones conflictivas al interior de las sociedades en formación. A modo indicativo, puede verse el análisis de algunas de ellas en los trabajos de PERREN, Joaquin, “Cuando la resistencia es invisible a los ojos. Repertorios de acción campesina en el Territorio Nacional del Neuquén (1885-1920)”; de ARGERI, María E. “Hábitos masculinos, relaciones de poder y estatalidad. Río Negro, 1880-1940”, y de FINKELSTEIN, Débora y NOVELLA, María M., “Actividades económicas y procesos de construcción social en las áreas andinas de Río Negro y Chubut”, todos incluidos en S. Bandieri, G. Blanco y G. Varela, Directoras (2006), Hecho en Patagonia. La historia en perspectiva regional, Neuquén, CEHIR-EDUCO. 11 Con relación a este tema, véase particularmente el análisis de BANZATO, Guillermo (2005), La expansión de la frontera bonaerense. Posesión y propiedad de la tierra en Chascomús, Ranchos y Monte (1870-1880), Universidad Nacional de Quilmes, pp.100-110 y 175-195. 10

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Esta caracterización extremadamente sintética puede plantear una imagen errónea de los sujetos sociales vinculados a la ocupación y puesta en producción de las tierras patagónicas, caracterizada por la presencia dominante de las grandes explotaciones por un lado y de los ocupantes por otro. Nada más lejos de una realidad que, cuando se profundiza en el estudio de diferentes casos, se muestra compleja, con una estructura agraria heterogénea, con diversas formas de acceso a la tierra y a la producción según el período en el que se iniciaron las explotaciones, el tipo de tenencia de la tierra, la disponibilidad de capital o acceso al crédito, las condiciones de utilización de mano de obra y las posibilidades de llegar con mayor o menor intermediación a los mercados demandantes.12 Simultáneamente, como en todo espacio “nuevo” en el que comenzaba a organizarse la vida económica, social, política e institucional, se fue definiendo también en Patagonia, desde fines del siglo XIX, un significativo sector comercial que articuló a través de sus operaciones mercantiles y financieras a todos los actores del ámbito rural y rural-urbano. Asimismo, el Estado nacional fue lentamente consolidando su presencia en los territorios a través de las autoridades políticas y de control, como la justicia y la policía en un proceso lento y no exento de conflictos.13 La actividad ganadera en la organización social del espacio Fue la actividad ganadera, como se dijo, la que caracterizó la incorporación de la mayor parte del territorio patagónico al modelo agroexportador vigente en Argentina durante la segunda mitad del siglo XIX y primeras décadas del XX. Los territorios con litoral marítimo, cuyos puertos naturales permitían una rápida conexión con los mercados del Atlántico, fueron escenario del corrimiento del ovino desde la llanura pampeana, situación que reflejan claramente los censos ganaderos BLANCO, Graciela (2006), “Las explotaciones ganaderas en Patagonia: sujetos sociales, articulación comercial y organización socio-espacial”, en S. Bandieri, G. Varela y G. Blanco., coord., op.cit. 13 BANDIERI, Susana (2005), “Asuntos de familia. La construcción del poder en la Patagonia: el caso de Neuquén”, en Boletín del Instituto Ravignani. Buenos Aires, UBA, segundo semestre, n. 28; LLUCH, Andrea (2004), Comercio, crédito y producción en el agro pampeano a comienzos del siglo XX. Los almacenes de ramos generales en el Territorio Nacional de la Pampa a través de estudios de caso. Tesis Doctoral, Tandil, Universidad Nacional del Centro. 12

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nacionales a partir de 1895. Las tierras de la meseta y del área costera más cercanas al mercado bonaerense como el norte de Santa Cruz, Chubut y Río Negro, fueron esencialmente productoras de lana cuyo destino era satisfacer la demanda de la industria textil europea. La lana era trasladada a Buenos Aires o bien embarcada directamente a los mercados europeos desde los puertos costeros. En cuanto a la comercialización de animales en pie, los ovinos -y en menor medida bovinos- criados en la región, eran trasladados desde algunas importantes estancias del área a campos en propiedad o arrendamiento en la provincia de Buenos Aires, donde se los engordaba para su venta a los frigoríficos o en los mercados de Avellaneda o Liniers.14 Las zonas andinas en cambio –oeste de Neuquen y Río Negro y noroeste de Chubut-, alejadas de los centros costeros y con características fisiográficas que las hacían particularmente aptas para la producción de vacunos, se vincularon estrechamente con el área del Pacífico, mostrando la pervivencia de circuitos económicos utilizados por la sociedad indígena. Ello fue posible por la existencia de un mercado demandante constituido por los centros urbanos y las agroindustrias del sur chileno, que sería cubierto por el ganado bovino de la región andino-patagónica; por las facilidades que los numerosos pasos fronterizos de la región ofrecían para trasponer fácilmente la cordillera en muchas zonas; y por un régimen aduanero caracterizado como de “cordillera libre”. Esta vinculación comercial sería entonces fundamental en las primeras etapas para el desarrollo de la actividad ganadera en zonas alejadas de los centros atlánticos, que encontraba en el mercado chileno las condiciones necesarias para la colocación de sus productos. Contribuye también a explicar la importante inversión que realizaron comerciantes y hacendados chilenos en la compra de tierras en esas zonas.15 Véase BARBERIA, Elsa (1995), op.cit.; BLANCO, Graciela (2002), Tierra, ganado y empresas en Neuquén. Poder público e inversiones privadas (1880-1970). Tesis doctoral, UNLP; DUMRAUT, Clemente I. (1992), Historia de Chubut, Colecc. Historia de Provincias, Plus Ultra, Buenos Aires. 15 Véase al respecto los siguientes artículos, incluidos en Bandieri, Susana, coord. (2001), Cruzando la Cordillera…La frontera argentino-chilena como espacio social, Neuquén, CEHIREDUCO: BANDIERI, Susana, “Estado nacional, frontera y relaciones fronterizas en los Andes norpatagónicos: continuidades y rupturas”; BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela, “Invirtiendo en tierras y ganados: capitales chilenos en la frontera norpatagónica”; NOVELLA, María Marta y FINKELSTEIN, Débora, “Frontera y circuitos económicos en el área occidental de Río Negro y Chubut”. 14

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El área fueguina y el centro-sur de Santa Cruz, por su parte, fueron escenario de la llegada de algunos empresarios británicos instalados en las Islas Malvinas, así como de una importante expansión de sectores económicos provenientes del extremo sur de Chile que adquirieron y/o arrendaron tierras a ambos lados de la cordillera, instalaron más tarde casas comerciales e instituciones bancarias, abrieron caminos interiores y perfeccionaron el transporte marítimo, constituyéndose en los principales artífices del desarrollo de una ganadería ovina en esa región austral, que producía lanas y carne ovina congelada para el mercado europeo. Contribuyeron a ello la inexistencia de impuestos aduaneros hasta 1918 –excluida Tierra del Fuego-, el crecimiento de la navegación marítima y de cabotaje por el estrecho y la débil presencia de los respectivos estados nacionales en esos años.16 En cuanto a la organización del trabajo, dependiendo de la importancia de las explotaciones se incrementaba el número de trabajadores con diferentes responsabilidades –administradores, mayordomos, capataces, etc.-. Con el objeto de utilizar al máximo los recursos productivos disponibles –específicamente la tierra- y disminuir las pérdidas producidas por riesgos climáticos o robos, era muy común la práctica de establecer en la estancia uno o más “puestos” ganaderos. El puestero, según la forma de pago acordada, establecía con el estanciero contratos que podían ser al tercio, al cuarto, de invernada o mensual. Aunque a veces se pactaba la percepción de un sueldo, en general se trataba de contratos de aparcería por el cual el propietario entregaba un pedazo de tierra –el puesto- con un determinado número de animales, encargándose luego de su comercialización. El puestero se comprometía al cuidado de los mismos percibiendo una parte de los aumentos en el número de ganado (la mitad, el tercio o el cuarto según el contrato), al tiempo que la mayoría de las veces se desempeñaba como peón a sueldo para las actividades de rodeo y esquila en la estancia. Tradicionalmente el puesto ha estado ligado al ganado ovino, pero en las áreas andinas también se observa su utilización para el cuidado de vacunos. Los peones, por su parte, podían ser trabajadores permanentes o temporarios y

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BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit.; y MARTINIC BEROS, Mateo (2001), “Patagonia Austral: 1885-1925 un caso singular y temprano de integración regional autárquica”, en Bandieri Susana, coord. (2001), op.cit.

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desempeñaban diferentes tareas en el establecimiento ganadero, aunque paulatinamente fueron especializándose en algunas de ellas y definiéndose como alambrador, esquilador, enfardador de lana, etc. En función de ello, podían ser trabajadores permanentes o temporarios. La fuerza de trabajo libre era en la Patagonia mayoritariamente chilena –sobre todo en las primeras décadas- y en menor medida estaba compuesta por indígenas, inmigrantes muchas veces oriundos de los países de origen de los productores y pobladores de otras regiones del país. En lo que hace a los trabajadores chilenos, estos mostraban una alta movilidad geográfica determinada, a su vez, por las fluctuaciones del mercado laboral trasandino y por las coyunturas políticas internacionales, lo que hizo que la oferta de mano de obra no fuera uniforme a lo largo de la primera mitad del siglo XX. Así, por ejemplo, cada vez que las relaciones argentinochilenas se tensionaban, se producían importantes procesos migratorios hacia el país trasandino, o a la inversa cuando la situación económica chilena generaba desocupación.17 Si bien la ganadería ovina continuó expandiéndose en gran parte del espacio patagónico y el número de cabezas crecería a un ritmo vertiginoso, debió sin embargo enfrentar numerosos problemas vinculados a la nuevas políticas de tierras; a factores climáticos –grandes sequías o importantes nevadas que reducían las majadas y por ende la producción-; a las fluctuaciones en el precio internacional de la lana; a la falta de mano de obra en algunos períodos; o a políticas que establecían retenciones aduaneras o afectaban el tipo de cambio para la exportación, frente a lo cual comenzaron a organizarse desde la década de 1910 distintas organizaciones o sociedades rurales representativas de sus intereses a través de las cuales canalizar sus reclamos al gobierno territoriano y al nacional. Las políticas públicas y las formas asociativas en las décadas de 1920 y 1930 Con la llegada del partido radical al poder, en la figura de Hipólito Irigoyen, se modificaron algunos aspectos referidos a la política de tierras 17

BLANCO, Graciela (2002), op.cit.; BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit; LUIZ, María Teresa y SCHILLAT, Mónica (1997), La frontera austral. Tierra del Fuego, 1520-1920, Universidad de Cádiz, España.

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públicas. Por un lado, se inició una investigación administrativa y parlamentaria a fin de descubrir irregularidades cometidas por el régimen conservador en la aplicación de las leyes de tierras, que puso especial énfasis en revisar las concesiones realizadas en el territorio de Santa Cruz, donde importantes compañías de capitales chilenos habían concentrado considerables superficies. Se probó así la concentración y se decretaron las caducidades sobre numerosas concesiones de arrendamiento, opciones a compra y propiedades, pero la defensa presentada por los concesionarios fue dilatando la efectiva recuperación de las tierras y las caducidades nunca se concretaron, aunque generaron sin duda una preocupación.18 Por otro lado, el gobierno radical decidió suspender en 1917 la adjudicación de tierras en propiedad y entregarlas sólo en arrendamiento a título precario sin el derecho a compra de parte de la superficie. Esto fue ratificado en años posteriores y sostenido por veinte años hasta que los gobiernos conservadores dejaran sin efecto la medida. En cuanto a los ocupantes, en 1925 se autorizó a la Dirección General de Tierras a otorgar permisos precarios de ocupación de lotes pastoriles en territorios nacionales, para lo cual debían pagar un año adelantado. Quienes no arrendaran ni tuvieran esos permisos serían considerados intrusos, como ya se adelantara.19 Pese a ello, la importante demanda de lana y el constante aumento en los precios de los productos pecuarios durante la Primera Guerra Mundial, incentivaron la ocupación y puesta en producción de las tierras patagónicas aún no ocupadas, impulsando a muchos arrendatarios y ocupantes a tomar el financiamiento ofrecido por las casas comerciales instaladas en los territorios patagónicos con el fin de adquirir el plantel ganadero inicial y la construcción de los edificios y mejoras indispensables -alambrados, aguadas, etc.-, instalándose en terrenos más áridos y alejados de los centros de comercialización. Fue precisamente el optimismo generalizado de esos años y la disponibilidad de dinero circulante, lo que llevó a las casas comerciales o sociedades anónimas –

Cfr. GIRBAL-BLACHÁ, Noemí (1989), Política de tierras, 1916-1930: ¿Reforma, orden o “reparación agraria”?, Buenos Aires, CEAL, Serie Conflictos y Procesos de la Historia Argentina Contemporánea nº 28; BARBERIA, Elsa M. (1995), op.cit. 19 BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (2009), en prensa, op.cit. 18

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desde las muy importantes “Anónima Sociedad Importadora y Exportadora de la Patagonia” o “Lahusen y Cía.”, hasta los llamados bolicheros locales como la familia Zingoni- a conceder con liberalidad los créditos solicitados por los estancieros ya instalados o los nuevos pobladores.20 A esta política se sumaron los bancos privados existentes en los pueblos de la costa o el mismo Banco de la Nación Argentina. Las condiciones eran en general desventajosas dado que en la mayoría de los casos los ocupantes no podían garantizar el préstamo con títulos de propiedad o contratos de arrendamiento. Los propietarios de casas comerciales, por su parte, recurrieron a distintos mecanismos para la provisión de dinero a productores sin capital. En algunos casos formaron sociedades con los ocupantes, aportando lo necesario para la instalación del campo y distribuyendo las ganancias; en otros, otorgaron créditos que eran pagados con parte de la producción obtenida. También adquirió considerable importancia en esos años el llamado contrato de prenda agraria como garantía especial de préstamos en dinero, mediante el cual podían prendarse máquinas, aperos e instrumentos de labranza, animales de cualquier especie y sus productos y frutos, con activa participación del Banco Nación y de las casas comerciales. Para los años de 1930, gran parte de la hacienda de estos productores se encontraba gravada como

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La firma comercial comúnmente conocida como “La Anónima”, perteneciente a la sociedad que originalmente conformaron José Menéndez y Mauricio Braun, tuvo su sede central y punto de abastecimiento de mercaderías en Punta Arenas hasta 1919, trasladando luego su centro de operaciones a la ciudad de Buenos Aires. Contaba para esos años con sucursales en los puertos atlánticos –Río Gallegos, Santa Cruz, San Julián, Comodoro Rivadavia y Puerto Madryn- y en diversos puntos el interior patagónico, con agentes en las principales capitales europeas y con una flota propia para el traslado de los productos a importar y exportar. Lahusen y Cía., de origen alemán, fue fundada en 1881 en Buenos Aires para la comercialización de lanas, comenzando pronto a recorrer el territorio patagónico y abrir sucursales de comercios de ramos generales, a la vez que centros para la compra de lanas y cueros en Comodoro Rivadavia, Trelew, Sarmiento, Nueva Lubecka, Puerto Madryn y Esquel, surtiendo a los productores de todos los materiales que requerían y comercializando sus lanas. Zingoni y Cía. S.A. fue fundada a principios del siglo XX por Fernando Zingoni en el territorio de Neuquén, trasladando su sede central a la Capital Federal en el año 1923. Para ese entonces, contaba con casas comerciales que abastecían parte importante del interior del territorio -en Sañicó, San Ignacio, Las Coloradas, Catan Lil-, a la vez que dedicaban al acopio y comercialización de la producción ganadera de un considerable número de productores pequeños y medianos de la región. Todos ellos eran a su veza importantes ganaderos. Cfr. BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit., pp. 150-155; Graciela BLANCO (2002), op.cit., cap. V; Revista Argentina Austral, Año I, nº5, 1929, p. 17.

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garantía de los préstamos haciendo difícil la supervivencia de las explotaciones en momentos de crisis.21 La crisis de la posguerra trastocó ese estado de cosas y los pobladores se vieron imposibilitados de cumplir con sus obligaciones, situación que afectó también a las casas comerciales proveedoras de capital. De hecho, la posguerra trajo aparejado la caída en la demanda y los precios de la lana, a lo que se sumó la aplicación de leyes que reservaban el comercio a los buques de bandera nacional provocando una notoria disminución del transporte de cabotaje. Asimismo, los frigoríficos existentes estaban instalados sobre la costa lo que dificultaba y encarecía -por el notable costo de los fletes- la comercialización de la carne. Simultáneamente, el gobierno nacional realizó importantes modificaciones en la política aduanera –en consonancia con políticas similares del gobierno chileno para la misma época-, dejando sin efecto el sistema de “cordillera libre” y reimplantó en el sur el régimen aduanero para los productos importados. Modificó así las condiciones existentes para el comercio con Chile, generándose un incremento extraordinario de los artículos alimenticios y de vestir y dificultades cada vez mayores para comerciar con el país trasandino. Para 1920, los problemas se multiplicaron para productores y comerciantes, produciéndose la ruina económica de muchos de ellos. 22 En ese contexto, la constitución simultánea de un orden político en los territorios nacionales, con el paulatino asentamiento del mandato estatal sobre una población de base esencialmente rural, unida a la transformación del régimen económico en un sentido claramente capitalista, fue generando una dinámica social de particulares características donde el despliegue de la coerción provocaba distintas formas de resistencia y negociación. En la década de 1920, comenzaron a hacerse sentir con fuerza diferentes reclamos de los productores patagónicos a través de publicaciones locales, regionales y nacionales, así como de numerosos

BLANCO, Graciela (2003), op.cit., pp.244-262; BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit., pp. 155 y sgtes.; FINKELSTEIN, Débora y NOVELLA, María M., op.cit., 2006. 22 Elsa M. BARBERIA (1995), op.cit.; Susana BANDIERI (2001), op.cit., pp. 345-374; Graciela BLANCO (2002), op.cit., cap. V; Graciela CISELLI (1999), Bailando al compás de la lana. El ovino: motor del desarrollo comercial de Puerto Deseado (1881-1944), Comodoro Rivadavia, UNPSJB, pp. 60-76. 21

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petitorios dirigidos a las autoridades que eran presentados individualmente o canalizados a través de las corporaciones representativas de los intereses ganaderos que se habían organizado para entonces. Como se dijera, desde 1910 se habían comenzado a organizar sociedades Rurales en Puerto Deseado, Rio Gallegos, Esquel, Colonia San Martin, Valle del Chubut, San Julian, Santa Cruz, Neuquén, y Camarones, las que en la década de 1930 se unieron en la Federación de Sociedades Rurales de la Patagonia. Las demandas incluían la rebaja en el canon de arrendamiento, la prolongación del plazo de pago de los mismos, la realización de mensuras de los lotes, la renovación de las prendas agrarias, el otorgamiento de títulos de arrendamientos cuyas solicitudes no se habían resuelto para poder ofrecer mayores garantías en la procuración de créditos, la baja en los fletes marítimos para el transporte de la lana y la suspensión de los desalojos que sobre mediados de la década se intensificaron en la Patagonia. A estos reclamos de los productores, se sumarían los de los peones rurales de Santa Cruz, cuya situación se había agravado como consecuencia de la escasez y encarecimiento de los productos de consumo básicos, la disminución de los salarios por la abundante disponibilidad de mano de obra no calificada y los efectos del proceso inflacionario, la estacionalidad de las tareas rurales y las duras condiciones de vida y de trabajo. En el marco de un crecimiento significativo de la organización y de la lucha obrera a nivel nacional, se originó el primer reclamo de los trabajadores santacruceños en septiembre de 1920, solicitando a los empresarios mejoras en las condiciones de trabajo. El rechazo del petitorio fue seguido de una huelga reprimida por los estancieros, con el apoyo de la policía del territorio y las “guardias blancas” de la Liga Patriótica. Tras un acuerdo en el que arbitró el nuevo gobernador del territorio pero que fue incumplido por los sectores patronales, se inició en 1921 un movimiento huelgístico que se expandió por la Patagonia austral y fue duramente reprimido por tropas del ejército nacional.23

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Un minucioso tratamiento de estos conflictos puede verse en los clásicos trabajos de BORRERO, José M. (1967), La Patagonia Trágica, Buenos Aires, Ed. Americana; y de BAYER, Osvaldo (1972), Los vengadores de la Patagonia trágica, Buenos Aires, Galerna, 3 tomos. Para una buena síntesis, véase BANDIERI, Susana (2005), Historia de la Patagonia, Buenos Aires, Sudamericana, pp. 334-344.

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Al iniciarse la década de 1930 la situación se vería agravada por la crisis internacional de esos años, con sus efectos sobre la economía agroexportadora, y por la inestabilidad política que provocó el derrocamiento de Yrigoyen en su segundo gobierno, todo lo cual repercutió fuertemente en la Patagonia. Nuevamente la notoria disminución de la demanda internacional de lanas y la baja de su precio, el endeudamiento de los productores, la escasez de las mercaderías de consumo básicas y el incremento de su costo, la quiebra de firmas comerciales pequeñas y las dificultades de los productores menos capitalizados para comercializar sus animales, fueron una constante. Simultáneamente, los comerciantes y ganaderos más importantes consolidaban su posición y el Estado nacional avanzaba en el sentido de profundizar su presencia institucional y de control en los territorios nacionales, profundizando las medidas tendientes a cortar los vínculos económicos de las áreas andinas con Chile y terminar el funcionamiento espacial históricamente articulado en torno a la cordillera de los Andes. Una situación que hace eclosión por esos años es la relacionada con la tenencia precaria de la tierra que habían planteado los decretos de los gobiernos radicales. Quienes accedieron a la tierra a partir de entonces o buscaron regularizar su situación mediante un contrato de arrendamiento o un permiso de ocupación, en su mayoría con escaso o nulo capital disponible, se vieron ante la necesidad de designar gestores que realizaran los trámites ante la Dirección de Tierras y Colonias en la capital federal. Estos intermediarios contaban con información sobre la calidad de los lotes, llevaban un control de terrenos libres y ocupados, mantenían vinculaciones con sociedades anónimas regionales y tenían –probablemente- la anuencia de empleados y funcionarios del organismo encargado de la distribución de la tierra pública. Su servicio implicaba un costo para el interesado en obtener una parcela. Quien no podía pagar esos servicios carecía de la información necesaria para evitar el acceso a terrenos de menor calidad o la superposición de solicitudes sobre los mismos que, más tarde, podía obligarlo a dejar el campo ocupado. En ese contexto, los llamados palos blancos y los traficantes de tierras se hicieron conocidos personajes del territorio patagónico. Los primeros solicitaban y obtenían la concesión de tierras a partir de su círculo de relaciones y rápidamente las transferían a los interesados. Los segundos propiciaban

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el desalojo de lotes sobre los que había terceros interesados, denunciando a sus ocupantes ante las autoridades y aprovechando las mejoras introducidas por el poblador original. Algunas veces, incluso, renegociaban con éstos la recuperación del lote exigiendo un sobreprecio.24 Asimismo, la campaña emprendida por los gobiernos radicales en contra del latifundio improductivo y del acaparamiento de tierras alcanzó su máxima expresión en la presión ejercida sobre los grandes propietarios/arrendatarios cuyas concesiones fueron cuestionadas e incluso declaradas caducas y en los desalojos de aquellos pobladores que arrendaban u ocupaban sin contrato alguno. En esa década de 1920, un importante número de pobladores en tierras fiscales, con todo su capital invertido en mejoras y comprometidos con crecidas deudas, fueron desalojados o vivieron bajo la incertidumbre de que esa posibilidad se concretara, generalmente sin la sustanciación de un juicio y con la pérdida de las mejoras introducidas.25 En el contexto de la crisis económica de los años treinta, el Ministerio de Agricultura tomó algunas medidas que pretendían dar respuesta –aunque limitada y coyunturalmente- a los reclamos individuales y colectivos de los ganaderos patagónicos. En 1931 se rebajó el canon de arrendamiento y el derecho de pastaje sobre tierras fiscales en los territorios del sur para ese año, fijando el cálculo del mismo sobre la base de la capacidad de la tierra, las distancias al lugar de embarque o venta y la superficie arrendada. Al mismo tiempo, se creaba una Comisión Especial para el estudio de los problemas del sur, con el objeto de adoptar las medidas necesarias para atenuar la profunda crisis de esos años. Tales medidas, sin embargo, no resultaron todo lo benéficas que se esperaba, por cuanto en su aplicación se estimó en exceso la

Véase BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit., pp.148-149; CISELLI, Graciela (1999), op.cit., pp.44-45; Revista Argentina Austral, nº 74, agosto 1935, pp.20-21; “Memorial de la Sociedad Rural Argentina al Ministro de Agricultura de la Nación”, transcripto en Argentina Austral, Año VII, nº 31, marzo 1936, pp.29-32. 25 Las denuncias en ese sentido se observan de manera reiterada en diferentes publicaciones: Revista Argentina Austral, Año I, nº 9, marzo 1930, p. 14 y Año III, nº 34, abril 1932, pp.2025; Periódico El libre del Sur, Esquel, 25 de enero de 1930. Véase especialmente el artículo de FISCH, Ricardo, “No tomen tierras fiscales en sub-arriendo. No negocien con los concesionarios. Carta abierta a los pobladores de la Patagonia”, Revista Argentina Austral, Año III, nº 32, febrero, 1932, pp. 20-21. 24

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capacidad ganadera de los campos, se computaron mal las distancias a los puertos de embarque, etc.26 Tanto la Sociedad Rural Argentina, como las restantes sociedades rurales patagónicas y los gobernadores de los territorios, reclamaron insistentemente en esos años en relación a la política de tierras públicas, a la reformulación de las condiciones de los arrendamientos –aumento de los plazos establecidos o posibilidades de renovación por nuevos períodos, fijación de las superficies concedidas en función de la capacidad productiva y no de la extensión, reducción del canon-; a la disminución del monto a cobrar por derecho de pastaje; y al restablecimiento del derecho a compra de hasta la mitad de la tierra arrendada que fijaba la ley de 1903 y que se encontraba suspendido desde hacía varios años. Así se expresaron en la Conferencia de Sociedades Rurales celebrada en Puerto Deseado en febrero de 1932, en el Congreso de Municipalidades de los Territorios Nacionales realizado en Buenos Aires en julio de 1933, y en la Conferencia Económica Territorial realizada en Río Gallegos en marzo de 1937.27 Esos años de la década de 1930 reflejaron, asimismo, el desarrollo de un nacionalismo extremo que se ligaba a la idea de argentinización de la población, muy presente en algunos funcionarios nacionales. Es el caso del Director General de Tierras, Melitón Díaz de Vivar, quien en respuesta a los cuestionamientos de los pobladores del sur y de sus organizaciones corporativas elevó un informe al Ministerio de Agricultura en el que se expresaba en estos términos: “El Sud se llenó de compañías extranjeras en su mayor parte, y este es hoy el elemento que en toda forma se opone a que se cumpla la ley y las disposiciones en vigor, echando mano a cualquier recurso [...] Es muy conocida la influencia de personas o de compañías de los países limítrofes en las tierras fiscales: personas o compañías que no están aquí sino representadas por sus administradores o capataces y que son por lógica patriotas con su país [...]”. Y se preguntaba: “¿Conviene a nuestro país este elemento que aboga por el suyo, que gasta lo que recoge afuera y

Revista Argentina Austral, Año II, nº 20, febrero 1931, pp. 53-54. “Petición de la Sociedad Rural de Puerto Deseado al Ministerio de Agricultura”, transcripta en Argentina Austral, Año III, nº 27, sept. 1931, p. 53. 27 Revista Argentina Austral, Año VII, nº 82, abril 1936, pp. 34-42. “Memorial de la Sociedad Rural Argentina al Ministro de Agricultura”, Revista Argentina Austral, Año II, nº 19, enero 1931, pp. 27-28; “Memoria de la Gobernación de Santa Cruz al Ministerio del Interior”, 9 de agosto de 1932; Expte. nº 9628 de 1936, iniciado por la Secretaría de la Presidencia de la Nación sobre reclamos presentados por el Gobernador del Territorio de Río Negro, AJLTN. 26

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que no tiene hijos en la Argentina? ¿Por qué no van estos allá, al terruño que quieren y dejan a este país para los suyos?”.28

Para el año 1937, algunos cambios en el panorama político nacional, sobre todo la designación de Cárcano como Ministro de Agricultura, provocaron una modificación importante en la política de tierras en el sentido requerido por los pobladores del sur argentino. Ese año, como parte de una decisión más profunda de incorporar la Patagonia al desenvolvimiento económico del país, se dictó el decreto que restituyó el derecho a la compra de la mitad de la superficie arrendada. Poco después se dejó sin efecto la autorización efectuada a la Dirección de Tierras para otorgar posesiones provisorias, permisos precarios o provisionales de ocupación y se ofrecieron públicamente en arrendamiento las tierras fiscales, enviando a los gobernadores y a las sociedades rurales la nómina de los lotes disponibles. Se estableció asimismo dar preferencia a los solicitantes que tuvieran residencia efectiva y permanente en el territorio y a los que justificaran poseer haciendas propias. Simultáneamente, se establecieron los servicios agronómicos y veterinarios, las estaciones experimentales y las observaciones meteorológicas, así como el asesoramiento técnico y los estudios para la mejor comercialización de los productos. Se proyectaron también las obras públicas necesarias, a través de la Dirección Nacional de Vialidad, para una mejor y más eficiente comunicación de las distintas regiones patagónicas con los puertos y centros de consumo.29 Todas estas medidas se enmarcan precisamente en una política orientada a una mayor intervención del Estado en la economía, que incluía llevar adelante un conjunto de medidas tendientes a la definitiva integración de los espacios regionales a la economía nacional y a la conformación y consolidación de un mercado interno. Esas políticas fueron percibidas por la mayoría de los pobladores de la Patagonia de manera positiva y como síntomas de un cambio en la relación entre el Estado nacional y los territorios.30 Sin embargo, ello no Revista Argentina Austral, Año VII, nº 81, marzo 1936, p. 40. “Memorial presentado al Ministerio de Agricultura de la Nación por las Sociedades Rurales de la Patagonia”, Revista Argentina Austral, Año IX, nº 97, julio 1937, pp. 27-31; Revista Argentina Austral, Año IX, nº 99, noviembre 1937, pp. 11-12. 30 Revista Argentina Austral, Año IX, nº 103, marzo 1938, p. 64. Se dedican 31 páginas de la revista al relato pormenorizado de la visita de Cárcano y a los discursos pronunciados por los distintos responsables de las entidades representativas de los intereses de los pobladores patagónicos. 28 29

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implicaría una convivencia sin tensiones a partir de entonces. De hecho, las organizaciones representativas de los productores patagónicos continuarían reclamando insistentemente, entre otras cuestiones, la liberación del control de cambios para la exportación de lanas, aduciendo condiciones desiguales de los productores sureños con respecto a los demás ganaderos y productores del país; o el apoyo económico oficial a través de subsidios como los otorgados en esos años a los productores de otras zonas.31 Cabe recordar que, simultáneamente, en la década de 1930 la sociedad patagónica multiplicaba sus acciones orientadas a lograr la incorporación de los territorios nacionales a la vida institucional del país, a partir del reconocimiento de los derechos políticos cuya concreción venía siendo largamente postergada.32 Consideraciones finales La política estatal referida a las tierras públicas en las dos últimas décadas del siglo XIX, se limitó básicamente a brindar seguridad a los empresarios a partir de un régimen legal de características fuertemente liberales, influyendo en ello el desconocimiento de la calidad y posibilidades de los terrenos transferidos a los particulares. La abundancia, fácil acceso y bajos precios de la tierra y el escaso control estatal posterior a la entrega, en combinación con el objetivo de los empresarios de generar ganancia incrementando la producción, generó el carácter extensivo de la actividad ganadera regional y el acaparamiento de terrenos, limitado sólo por la disponibilidad de capital y las vinculaciones con miembros del aparato estatal. Las mejores tierras se vendieron a bajos precios y prácticamente sin exigencias en grandes superficies, con escasas inversiones; mientras las tierras de menor calidad y peor ubicadas en relación a los centros de consumo y transformación se ofrecieron a mayores costos, en superficies menores y con importantes exigencias en cuanto a inversiones. Este proceso no estuvo exento de conflictos, sobre todo los generados entre los ocupantes efectivos de los campos y los nuevos 31 32

Revista Argentina Austral, Año X, nºs 109, 114, 115 y 118 de 1938. Esos derechos políticos incluían la representación parlamentaria, gobiernos electivos, cambios en el régimen municipal y el nombramiento de funcionarios con arraigo en la región y conocimiento de la problemática patagónica.

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Los actores sociales de la ganadería patagónica / Graciela Blanco

propietarios, característicos por otra parte de los movimientos expansivos de la frontera interna. Los cambios introducidos a principios de siglo por un sector reformista dentro de los grupos liberal-conservadores en el poder, no tuvieron un impacto lo suficientemente importante como para revertir una estructura de la propiedad que en gran medida se había ya definido. Su consecuencia más significativa fue la conformación de un importante sector de arrendatarios en el espacio patagónico. Los gobiernos radicales en cambio, en su decidida causa contra el régimen, buscaron diferenciarse de un pasado que consideraban ominoso sancionando algunas normas referidas a las tierras públicas que poco o nada cambiaron la situación que se cuestionaba, aunque sí provocaron situaciones muchas veces injustas y ampliamente cuestionadas que perjudicaron a importantes sectores de pequeños y medianos productores, arrendatarios u ocupantes de hecho de tierras fiscales. Igual efecto negativo tuvieron sobre estos sectores otras políticas orientadas a consolidar el control estatal y la integración de un mercado interno, al desarticular definitivamente el funcionamiento socioeconómico que vinculaba las áreas andinas patagónicas con el espacio chileno colindante. Estas políticas, unidas al impacto de la posguerra y de la crisis internacional de 1930, otorgaron mayor visibilidad al conflicto y potenciaron la conformación de las organizaciones representativas de los productores que adquirieron un importante protagonismo en la canalización de las demandas hacia el Estado nacional. Sin duda, las respuestas favorables obtenidas a lo largo de los años ’30 por los productores patagónicos deben ser entendidas en el marco de las transformaciones políticas y económicas de esos años, de los cambios operados en la sociedad regional patagónica y de la relación de fuerzas puesta en juego por sus protagonistas.

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Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina. Ni “feudal” ni “comunista”: El caso de la Provincia de Jujuy Ana Teruel* María Teresa Bovi**

Luego de la desamortización: las condiciones de realización de la propiedad La historiografía agraria latinoamericana que se ocupó de las transformaciones de los derechos de propiedad territorial en el siglo XIX ha puesto énfasis en un proceso crucial, especialmente en los países de una fuerte base demográfica indígena: la denominada desamortización y desvinculación de las tierras de comunidades indígenas. Mucho se ha escrito sobre el tema poniendo en evidencia la complejidad y lo inacabado del proceso. En Argentina el interés que prestaron los historiadores a la suerte de las tierras de comunidades indígenas con derechos de propiedad durante la colonia, es relativamente reciente y se ha reducido a quienes investigan problemáticas regionales, entendidas en este caso como las extra pampeanas. Sin embargo, en las

* Dra. en Historia. Investigadora Independiente del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) en la Unidad de Investigación en Historia Regional partícipe de la Unidad de Investigaciones Socio Históricas Regionales (ISHIR). Profesora de la Universidad Nacional de Jujuy, Argentina. Autora de libros y artículos sobre problemáticas relativas a historia agraria y a fronteras indígenas. E-mail [email protected] ** Prof. en Historia y en Ciencias Jurídicas y Políticas. Investigadora en formación en la Unidad de Investigación en Historia Regional-UNJu. Profesora de la Universidad Nacional de Jujuy. Participa en proyectos de investigación sobre historia política.

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Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina / Ana Teruel e María T. Bovi

provincias del Noroeste, los estudios sobre la conformación de la propiedad moderna no pueden prescindir del conocimiento de estos cambios en los derechos de propiedad operados entre la colonia y la República. Esa preocupación guía actualmente buena parte de nuestras investigaciones.1 En esta ocasión nos preguntamos ¿cómo se reformulan los derechos de propiedad luego de consumada la expropiación de las comunidades indígenas? La provincia norteña de Jujuy resulta un excelente laboratorio para plantear la pregunta, pues su realidad socioeconómica en el siglo XIX es extraordinariamente compleja y variada, lo que permite tratar el problema no sólo de las antiguas tierras de comunidad, sino de las nuevas fronteras abiertas a la colonización y de las haciendas en vías de transformación en modernos centros agroindustriales. Nos permitimos entonces tomar prestada la propuesta que formulara Rosa Congost, de estudiar “las condiciones de realización de la propiedad”, indagando su dinamismo en el seno de la sociedad en movimiento, y recordando que el tipo de derechos de propiedad que un Estado decide proteger en un momento determinado se halla en relación con los intereses concretos de unos grupos sociales específicos, 2 que, agregamos nosotros, se encolumnan tras un proyecto determinado. Decidimos entonces centrar el problema en un momento y un actor político cruciales en el ordenamiento de la propiedad de la provincia. Crucial el momento, en tanto se intentaba sentar las bases del nuevo orden capitalista; crucial el hombre, tanto por la claridad de sus objetivos como por la resolución para lograrlos. Nos referimos a la gestión del gobernador Eugenio Tello en la década de 1880. ¿Quién era este hombre y actor político que trascendió al ámbito nacional y que en Jujuy se proyectó como promotor del ordenamiento Este artículo es producto de la articulación de dos líneas de investigación: la del orden político y las referidas a las problemáticas de la propiedad de la tierra. El estudio se enmarca en el proyecto “Jujuy en el espacio regional, de la Puna a las Yungas” de la Universidad Nacional de Jujuy. La ocasión es propicia para agradecer los comentarios y aportes de nuestros colegas, tanto del mencionado proyecto, como los recibidos en el II Encuentro de la Red Internacional “Marc Bloch” de Estudios Comparados en Historia- Europa-América Latina, realizado en la Pontificia Universidad Católica de Río Grande do Sul, Porto Alegre (Brasil), en octubre de 2008. Un especial agradecimiento a Rosa Congost por su estímulo intelectual y su lectura de la versión preliminar. 2 Congost, Rosa, Tierras, leyes e historia. Estudios sobre “la gran obra de la propiedad”, Barcelona, Crítica, 2007. 1

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territorial, jurídico, económico y social modernizador? Hijo de un comerciante español, nació en Jujuy en 1849 y continuó la actividad de su padre en medio de muchas otras: fue jefe de Telégrafos, por un período maestro en Catamarca, profesor en el flamante colegio Nacional de Jujuy y Diputado a la Legislatura Provincial por los departamentos de Humahuaca (1876-1878) y capital (1879, 1880, 1883). En 1881, siendo secretario de la Legislatura, casa con María Sánchez de Bustamante Quintana, vinculándose así con una de las familias tardo coloniales más destacadas en el ámbito de la política local. A los 34 años de edad asumía interinamente el ejecutivo provincial, cargo que ejerció a título de gobernador propietario entre 1883 y 1885. Durante su gobierno no sólo se ocupó del ordenamiento territorial, sino que promovió una política de “modernización y progreso”, reflejada en la fundación de escuelas, entre ellas la Normal Nacional de señoritas bajo la dirección de la maestra norteamericana Juana Stevens; la prolongación del ferrocarril Central Norte de Tucumán a Jujuy3; y modernas obras públicas. Al finalizar su mandato se desempeñó como ministro del gobernador José María Álvarez Prado, hasta 1886, cargo que debió dejar al ser electo senador nacional para el periodo 1886-1895. Al mismo tiempo que ejercía la senaduría nacional era presidente de la Legislatura provincial (1887-1888) y diputado por los departamentos de Cochinoca (1886, 1889) y Valle Grande (1890, 1894). Luego fue designado sucesivamente gobernador del Territorio Nacional de Chubut (1895) y del Territorio Nacional del Rio Negro (1898). Murió en Buenos Aires en 1924. Valga esta pequeña referencia para situar la amplitud del ámbito político en el que se movía nuestro personaje, cuya actuación, sin embargo, hasta el momento no fue estudiada de forma integral. Antes de entrar de lleno al estudio del ordenamiento de la propiedad, dedicaremos un párrafo a la situación previa en la provincia. 3

Los jujeños sostenían la traza de Tucumán á Cobos, como estación intermedia, para seguir después hasta Salta, teniendo por objetivo final a Jujuy y Bolivia por la quebrada de Humahuaca, mientras que los salteños sustentaban la traza por la quebrada del Pasaje y el valle de Lerma, teniendo por objetivo inmediato a Salta y desde ahí hacia Bolivia por la quebrada del Toro. Esta disputa, llevó a Tello a publicar un folleto titulado: Prolongación del Ferro-Carril C. Norte. Artículos publicados en “La Union” Demostrando la conveniencia de preferir la traza por Cobos, Jujuy, Imprenta de P. Sarapura, 1884, demostrando la conveniencia que sería, para la Nación y la provincia, la traza por Cobos.

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Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina / Ana Teruel e María T. Bovi

Caracterización de la estructura agraria de Jujuy La cuestión de la propiedad de la tierra en la provincia de Jujuy, lindante con la República de Bolivia, tiene la complejidad de la de las regiones andinas en general, con la cesura entre tierras altas y tierras bajas, diferenciadas no sólo desde el punto de vista ecológico, sino por sus características, étnicas, sociales e históricas. Es importante la compresión de este fenómeno pues las problemáticas que se plantean respecto a la propiedad de la tierra son de diferente naturaleza en uno y otro lado. Intentaremos caracterizarlas de manera sintética. Las tierras altas comprenden dos regiones de la provincia: el altiplano o Puna, que se encuentra por encima de los 3.000 mts de altura sobre el nivel del mar; y la Quebrada de Humahuaca, históricamente un corredor natural encerrado entre montañas, que comunica las tierras bajas con las altas (ver Mapa). Ambas regiones fueron las de mayor poblamiento en tiempos prehispánicos y también las dominadas por el incario. Asimismo fueron el objetivo de la conquista española, para poder asegurar el dominio del Tucumán, y sobre ellas se entregaron tempranamente mercedes de tierras y encomiendas, a la vez que se reducía a sus habitantes en pueblos de indios con tierras comunales. Sin embargo, la ciudad española cabecera de la jurisdicción, San Salvador de Jujuy, fue fundada en las tierras bajas, en un fértil valle. Más al oriente, se abría la frontera con el Chaco, en tierras selváticas (Yungas o valles subtropicales) de transición hacia la llanura chaqueña. Esta región de frontera, habitada por indígenas de economía cazadora recolectora, con un alto grado de movilidad, comenzó a ser penetrada tardíamente, en la segunda mitad del siglo XVIII, con el asentamiento de misiones, fuertes y haciendas que tuvieron, en su mayoría, origen en mercedes reales otorgadas como premio a los servicios prestados en la frontera. A diferencia de las tierras altas, e incluso de las del valle de Jujuy, la corona no reconoció nunca propiedad ni posesión de la tierra a estos indígenas. Por otra parte, durante las primeras décadas del siglo XIX, se consideraba el dominio de esta región aún incompleto y seguía denominándosela como “frontera” o desierto, aunque fuese la zona más fértil de la provincia. Las tierras más valiosas y apetecibles eran la de los valles templados cercanos a la ciudad de Jujuy, donde se practicaba la agricultura, para abastecer al mercado local, y la ganadería. Pero eran 220

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los alfalfares destinados al engorde del ganado en tránsito hacia el Alto Perú los que daban dinamismo a la región. Allí la propiedad fue paulatinamente subdividiéndose, aunque subsistían grandes fundos. En general, eran explotados directamente por sus propietarios, que empleaban mano de obra criolla (arrendatarios con obligación laboral, puesteros o simplemente jornaleros). En cambio, en la región de frontera, la tierra tuvo poco valor por considerarse aún insegura, y, desde los comienzos de los asentamientos españoles, se caracterizó por grandes dominios territoriales. Unas pocas haciendas producían rudimentariamente azúcar, mieles y aguardiente, a la vez que ensayaban el cultivo de productos tropicales, y criaban vacunos que se destinaban también al mercado altoperuano y local. Desde el siglo XVIII estas haciendas se habían servido de indígenas de origen chaqueño, fundamentalmente para el trabajo temporario de la cosecha de caña de azúcar. En la década de 1870 esta región, que había sido marginal en la provincia, adquirió relevancia con la modernización técnica de las fábricas de azúcar asentadas en los departamentos de San Pedro y Ledesma, emprendida inicialmente con capitales de la vecina provincia de Salta y de Jujuy. Así, la existencia de los modernos ingenios revalorizó la propiedad, a la vez que su producción comenzó a generar rentas para el fisco cada vez más importantes. Mucho se discutió sobre el rol de estos ingenios como enclaves capitalistas en la provincia. Lo cierto es que generaron un mercado de mano de obra que superó pronto sus límites y que fue a través de la producción azucarera que Jujuy se integró al mercado nacional. Pero este es un desenlace de la historia algo posterior al período tratado, aunque fue este el momento de su nacimiento. Lo que nos interesa destacar es que estas haciendas, en transición hacia modernos ingenios, tuvieron una organización similar a la del “central” cubano” o de las plantaciones e ingenios del litoral peruano, ejerciendo un absoluto dominio de los pueblos que se originaron en su interior, del comercio, de la administración territorial, y de todos los aspectos de la vida cotidiana de trabajadores y pobladores de la región. Tanto en los valles centrales, como en los subtropicales de frontera, las propiedades tuvieron su origen en mercedes coloniales o compras realizadas a la corona, luego trasmitidas hereditariamente o por compraventa. En general, podemos decir que el advenimiento de la

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República no implicó demasiados cambios en el status de la propiedad, dado que no hubo tierras concedidas a los indígenas ni a los pueblos, salvo las ejidales de la ciudad capital, cuyo análisis excluimos acá. Esta era la situación en términos generales, sin embargo es necesario aclarar algunas situaciones puntuales. En lo que fue el curato Rectoral, y luego departamento Capital, en tierras ubicadas en sus bordes jurisdiccionales, hubieron dos pueblos de indios: el de Ocloyas (que había sido encomendado y aparentemente había recibido tierras) y el de Yala. Más adelante veremos que sus descendientes se sumarán, en la segunda mitad del siglo XIX, a los reclamos por la propiedad que iniciaron los pobladores de la Puna y Quebrada de Humahuaca. La otra situación a destacar es que, en la frontera, las tierras de lo que había sido la misión jesuítica, y luego franciscana, de San Ignacio de los Tobas, ya en decadencia a fines de la colonia, fue en parte vendida al comandante del fuerte de Ledesma (ese fue el origen de la hacienda homónima); y, en los comienzos de la República, otra porción fue vendida a un inmigrante francés (Pablo Soria) y los sobrantes declarados fiscales en la década de 1820. En ninguna de estas transacciones se tuvo en cuenta a los indígenas, cuyo estadio de “salvajismo”, para lo cánones de la época, los mantenía en status de menores y necesitados de tutela. Diferente fue la situación en las tierras altas, donde se centraron los primeros debates republicanos en torno al carácter de la propiedad y de los dominios directo e indirecto. Habíamos anticipado que allí, durante la colonia, se había reducido a indígenas en pueblos con tierras comunales, a la vez se habían establecido haciendas españolas que contenían una buena parte de la población indígena en carácter de “arrenderos”, un régimen similar al del “colono” en Bolivia. La concentración de propiedad fue mayor en la Puna que en la Quebrada de Humahuaca, pero ambas regiones fueron apetecidas por su papel importante en el tránsito de animales y productos al Alto Perú, y por la existencia de un considerable núcleo de población que proporcionaba mano de obra por la “obligación de servicio personal” que implicaba el régimen de arrendatario, a la vez que rentas por el derecho de pastaje o por practicar la agricultura, en la zonas donde la naturaleza lo permitía. El comienzo del régimen republicano puso fin al tributo indígena y a la encomienda. Si bien ésta última ya tenía poca relevancia en el territorio argentino, una de las excepciones fue la de la Puna, donde se

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había mantenido con vigor la de los indígenas de Casabindo y Cochinoca. La legislación avanzó luego sobre los cacicazgos y comunidades, ordenando, en 1825, dividir los terrenos entre los mismos indígenas a título de propiedad privada, medida que no se hizo efectiva hasta el año 1838, cuando se dictó la ley de enfiteusis para la Quebrada de Humahuaca. Tras esta ley, las antiguas tierras comunales se consideraron fiscales por derecho de reversión, argumentando que la propiedad de las tierras indígenas durante la colonia, en última instancia, era del rey, mientras que los comuneros habían gozado de su usufructo a cambio del pago del tributo. Por lo tanto, los indígenas originarios tendrían derecho preferencial al solicitar la concesión de los terrenos que antes ocupaban, bajo el pago de un canon del 3% de su tasación. Inspirada en las leyes de Castilla, según fundamentaban los legisladores en su decreto reglamentario de 1839, subsistía aún el concepto de los dominios divididos: el “dominio útil”, que ejercían los indígenas, y el “dominio directo”, que ahora pasaba al fisco provincial. Esta situación se mantuvo hasta finales de siglo, sin embargo se dieron los primeros pasos hacia la plena propiedad en 1855, en los terrenos ejidales de los pueblos de la Quebrada, siempre que fueran “solares edificados”, que se entregaron a título de propiedad a sus ocupantes. En 1860 la ley de venta de tierras públicas fue el paso siguiente, permitiendo a los particulares (fueran o no enfiteutas), comprar al Estado el dominio directo.4 La enfiteusis afectó sólo a la Quebrada de Humahuaca, donde se evidenció una activa participación del Estado respecto al destino de las tierras de comunidad. Al contrario, en la Puna se mantuvo el status quo hasta la década de 1870. Allí, para los indígenas de Casabindo y Cochinota que habían poseído tierras en comunidad, la supresión de la encomienda les había significado que, de hecho, el antiguo tributo fuera transformado en un canon de arriendo. De esta manera, la familia Campero, heredera de los ricos marqueses de Tojo, propietaria de la

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Estudio más detallados sobre la enfiteusis en Jujuy se encuentran en Madrazo, Guillermo, “El proceso enfitéutico y las tierras de indios en la Quebrada de Humahuaca (Provincia de Jujuy, República Argentina). Período Nacional”, en Revista Andes Nº 1, Salta, CEPIHA, Universidad Nacional de Salta, 1991; Bushnell, David, “La política indígena en Jujuy en la época de Rosas”, en Revista Historia del Derecho, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones del Derecho, 1977; y Díaz Rementería, Carlos J., “Supervivencia y disolución de la comunidad de bienes indígena en la Argentina del siglo XIX”, en Revista Historia del Derecho “R. Levene”, 30, Buenos Aires, 1995.

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gran hacienda de Yavi, sumaba ahora las tierras de Casabindo y Cochinoca como si hubiese obtenido merced sobre ellas. En este caso no hubo participación estatal alguna para regularizar la propiedad, hasta el año 1872. Fue entonces cuando los indígenas de Cochinoca y Casabindo, cuestionaron los títulos legítimos de propiedad de Fernando Campero. El gobierno provincial las declaró entonces fiscales, dado que, efectivamente, el otorgamiento de la encomienda durante la colonia no implicaba derechos de propiedad territorial. El reclamo de los arrendatarios fue acompañado de levantamientos en toda la Puna, que se extendieron durante tres años. Los rebeldes fueron derrotados, en 1875, en la batalla de Quera, pero dos años después, por fallo de la Suprema Corte de Justicia de la Nación, las tierras de Casabindo y Cochinoca fueron declaradas propiedad de la provincia, bajo los mismos argumentos que había posibilitado la enfiteusis en la Quebrada de Humahuaca.5 De esta forma, los antiguos arrendatarios de Campero, en Cochinoca y Casabindo, pasaron a serlo del fisco, mientras que el resto de los pobladores puneños, de hecho la mayoría, permanecían bajo el régimen de “arrenderos” de otros grandes fundos particulares. Este breve panorama intenta reflejar la situación de la propiedad territorial hacia 1870. Por esa época, y según el primer censo nacional,6 Jujuy tenía 40.379 habitantes, de los cuales 3.072 vivían en la ciudad capital y una cifra algo superior en la aglomeración, considerada urbana, de la hacienda Ledesma. En el resto de la provincia ningún pueblo sobrepasaba las 600 personas. Esta sociedad, eminentemente rural, se caracterizaba por la concentración de la propiedad territorial. El catastro del año 1872,7 registraba 753 propiedades rurales en toda la provincia, Para estudios puntuales sobre la problemática en la Puna, ver Madrazo, Guillermo, Hacienda y encomienda en los Andes. La puna argentina bajo el marquesado de Tojo. Siglos XVII a XIX, Buenos Aires, Fondo Editorial, 1982; Rutledge, Ian, Cambio agario e integración. El desarrollo del capitalismo en Jujuy, ECIRA, 1987, Fidalgo, Andrés, ¿De quién es la Puna?, Jujuy, 1988; Paz, Gustavo, “Resistencia y rebelión campesina en la Puna de Jujuy, 1850-1875”, en Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani, III, Buenos Aires, 1991, entre muchos otros artículos del autor. 6 Primer Censo de la República Argentina. Verificado los días 15, 16 y 17 de setiembre de 1869. Buenos Aires, Imprenta El Porvenir, 1972. 7 Archivo Histórico de la Provincia de Jujuy (en adelante AHJ). Catastro de las propiedades urbanas y rurales de Jujuy, año 1872. Se trata de uno de los primeros catastros completos de la provincia, el anterior, de 1855, fue sumamente rudimentario. 5

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distribuidas muy irregularmente en las diferentes regiones, según puede observarse en el cuadro 1. En los valles centrales, cercanos a la capital, la mediana propiedad tenía una importante presencia, tanto en numero (representaban un 57% del total) como en valor fiscal (42%). La subdivisión de la propiedad se había producido sin injerencia estatal. En cambio, la parcelación en la Quebrada de Humahuaca fue fruto de la ley de ventas de las tierras enfitéuticas. Allí encontramos una gran cantidad de pequeñas parcelas (59%), probablemente en manos de pobladores nativos que habían logrado comprarlas, que coexistían con un importante número de propiedades medianas (32%) y unas pocas, pero grandes haciendas, que significaban el 9% del total de propiedades, pero representaban el 49% del valor total de la tierra en la región.8 En cambio, tanto la Puna como los valles subtropicales presentaban una gran concentración de tierras en manos de unos pocos propietarios. En el altiplano, 14 hacendados y el fisco provincial, tras la expropiación a Campero, ejercían el dominio territorial de la región y concentraban el 97% del valor fiscal de la tierra. El resto de las propiedades (sólo 15) era unas pocas casas particulares y de comercio en los pueblos. En los valles subtropicales, tres enormes haciendas azucareras dominaban tierras y pobladores: Ledesma, San Lorenzo-Campo Colorado y San Pedro. Como en el caso de la Puna, concentraban más del 90% del valor fiscal. Al oriente de la región, en la zona de Santa Bárbara, fuera del dominio azucarero, se extendían tierras dedicadas a la ganadería que la provincia consideraba fiscales y estaban en litigio. La gestión de Eugenio Tello en Jujuy “[El gobernador] Ve desde luego, que su territorio que tiene cincuenta mil quilometros cuadrados, donde la naturaleza ha depositado el germen de todas las riquezas, cuenta solo con cuarenta y tantos mil habitantes, tenemos pues desierta la mayor parte de la Provincia, y como una consecuencia de esto, el estacionarismo mas completo en todas las ramas del progreso. Ve además que la Provincia encuentra un positivo obstáculo para su desarrollo en ciertos males de orden público, que tienen viciada la atmósfera social, figuran entre ellos ese espíritu violento que se ha

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Teruel, Ana A., “La incidencia de la tenencia de la tierra en la formación del mercado de trabajo rural en la provincia de Jujuy, 1870-1910””, en Población y Sociedad, Nro 2, Tucumán, Fundación Yocavil, 1994.

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dado á las luchas políticas acarreando el consiguiente malestar; las faltas de las garantías constitucionales que protegen el derecho de propiedad, como sucede en la mayor parte de los Departamentos de la Puna y Quebrada donde se proclaman los perniciosos principios del comunismo; la capacidad de ladrones de profesión que infectan la Provincia, como una amenaza positiva para el desarrollo de la industria primaria y finalmente la vagancia que sustrae tantas fuerzas útiles al progreso del país.”9

Propiedad y trabajo, sostiene Bonaudo,10 eran los valores básicos sobre los que se construiría el nuevo orden burgués en Argentina. En la provincia de Jujuy, en el extremo Norte del país, la gestión gubernamental de Eugenio Tello (1883-1885), a quien pertenecen las palabras citadas, fue el momento de inflexión más claro entre el antiguo y el nuevo orden. Pero a diferencia de Roca, quien en el discurso inaugural de su gestión presidencial, en 1880, consideraba al país libre de conmociones internas, Tello no podía decir lo mismo en 1883 respecto de su provincia. Efectivamente, en Jujuy, la década de 1870 estuvo signada por conflictos internos entre los sectores que se aglutinaban alrededor de la vieja política provincial,11 por un lado, y aquellos que proponían llevar a cabo la modernización. Los conflictos entre el poder ejecutivo y la Legislatura llevaron al gobierno nacional a intervenir la provincia en 1870, 1877 y 1879. La elección, en marzo de 1880, de Plácido Sánchez de Bustamante, garantía del apoyo de la provincia de Jujuy a la política del presidente Roca, no superó las dificultades entre el poder ejecutivo y el legislativo, provocando la renuncia del mandatario. Su sucesor, Pablo Blas, quien respondía en el orden político nacional a la persona de Dardo Rocha, no tuvo mejor suerte con la Legislatura, elevando también él su renuncia al cargo de gobernador.12 Fue entonces cuando Julio A. Roca

Archivo Histórico de la Legislatura de Jujuy (en adelante AHLJ). Mensaje del Poder Ejecutivo a la Honorable Legislatura de la Provincia. Jujuy, Junio 22 de 1883. Caja Documentos Nº 39, Año 1883. 10 Bonaudo, Marta, “A modo de Prólogo”, en Nueva Historia Argentina. Liberalismo, Estado y orden burgués (1852-1880), Buenos Aires, Sudamericana, 1999, T. IV. p. 15. 11 El diario La Democracia los llamaba “…los apóstoles de la política vieja, de esa política de expoliación y exclusión que ha mantenido a la provincia, en un deplorable atraso [...]”.Citado en Sánchez de Bustamante, Teófilo, Biografías Históricas de Jujuy, San Salvador de Jujuy, Universidad Nacional de Jujuy, 1995, p. 342. 12 Paz, Gustavo, “El gobierno de los “conspicuos”: familia y poder en Jujuy, 1853-1875", en Sábato, Hilda y Lettieri Alberto (Comps.) La vida política en la Argentina del siglo XIX. Armas, votos y voces, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2003. 9

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actuó de artífice de un acuerdo entre las dos facciones tradicionalmente rivales en la provincia,13 por un lado la liderada por Domingo T. Pérez – presidente del “Club del Pueblo” y posterior jefe del partido autonomista provincial, y por el otro la de Eugenio Tello, quien ejerciendo la presidencia de la Legislatura, asumía interinamente el ejecutivo provincial.14 En virtud de esa alianza, Eugenio Tello fue elegido en mayo de 1883 gobernador constitucional y Domingo Pérez ministro general de gobierno, iniciándose en Jujuy un período de estabilidad política, habiéndose afianzado -mediante tal conciliación de facciones- el alineamiento de la política provincial con la del Estado nacional.15 A partir de ese momento, será también en Jujuy el Partido Autonomista quién se mantendrá en la esfera de la dirigencia política hasta 1918. Programa de Tello Los propósitos de su gobierno, así como el diagnóstico que hace de los males de la realidad provincial y de sus posibles soluciones, están plasmados en sus dos primeros mensajes a la Legislatura (en 1883 y 1884).16 Su objetivo no se diferencia mucho de lo que podría haber enunciado otro mandatario en la época: “El P. Ejecutivo preocupado como se encuentra de promover el bienestar y engrandecimiento de la Provincia se esfuerza en buscar los resortes

Alonso, Paula, “La política y sus laberintos: el Partido Autonomista Nacional entre 1880 y 1886”, en Sábato, Hilda y Lettieri, Alberto (Comps.) La política en la Argentina del siglo XIX…op.cit. 14 Un mes después Tello escribía al Presidente Roca: “Desde el 18 del corriente estoy encargado del mando gubernativo de la Provincia. Comprendo a quien merezco el honor; debe estar seguro que la situación actual es robusta y respondera decididamente a los nobles propósitos de V.E… En el “Eco de Córdoba” he visto que me clasifican de Gobernador equívoco. Es completamente desautorizado el dicho, y puedo asegurarle que nuestro amigo D. Juan Sola y yo le respondemos a V.E. de Salta y Jujuy; no por especulación, sino por simpatías y convencimientos”. Archivo General de la Nación. Carta de Eugenio Tello a Julio A. Roca, Jujuy, Abril 7 de 1883, Fondo General Julio A. Roca, Legajo 1258. 15 Paz, Gustavo, “La Provincia en la Nación, la Nación en la Provincia. 1853-1918”. En Teruel, Ana y Lagos, Marcelo (Dir.), Jujuy en la Historia. De la colonia al siglo XX, Jujuy, UNIHR – EDIUNJU, 2006. 16 AHLJ. Mensaje del Poder Ejecutivo a la Honorable Legislatura de la Provincia. Jujuy, Junio 22 de 1883. Caja Documentos Nº 39, Año 1883 y Mensaje del Gobernador de la provincia al abrir las sesiones de la Legislatura en Enero de 1884. Jujuy, Imp. De la Unión, 1884. 13

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que puedan imprimirle eficazmente una marcha progresiva por las vías de un adelanto moral y material para que así pueda ocupar el puesto que les corresponde entre las demás Provincias Argentinas.”17

Procurar el “adelanto moral y material” era casi un slogan de la época, pero lo que diferenció a Tello de otros gobernadores de la provincia es que, en la consecución de tales propósitos, superó el plano discursivo anunciando un amplio programa con reformas que rápidamente puso en práctica. Tello estaba indudablemente compenetrado de las corrientes de pensamiento que sustentaron el orden nacional que empezaba a construirse, y en el que había colaborado aunque desde puestos sin mayor notoriedad.18 Era un liberal, pero fundamentalmente un hombre práctico. Si bien sus discursos enunciaban preceptos básicos del liberalismo, el núcleo de los mismos no era la exposición teórica, sino las acciones a seguir, tal el espíritu positivista, en el aspecto que señala Hale, de que el dogma sostenía que la nueva sociedad, de carácter industrial, debía ser “administrada”, por hombres prácticos que conocieran las finanzas y supieran preparar presupuestos.19 El diagnóstico que hace Tello de la realidad provincial se basa en su experiencia política previa, pero fundamentalmente en el conocimiento puntual producto de la observación personal. A los tres meses de asumir el mando de gobernador emprendió una visita en la que recorrió todos los departamentos de la provincia. Habló con los pobladores, recogiendo sus quejas; con los propietarios, con los que ejerció una mezcla de demostración de ejercicio de poder y negociación; relevó el estado económico, la potencialidad y la producción de cada localidad. A su regreso a San Salvador solicitó a la Legislatura licencia con la finalidad de trasladarse a la capital de la República, argumentando: “[…] mi presencia en los Departamentos de la Provincia que acabo de visitar importa el compromiso de realizar obras urgentes, para cuya

AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit. Tello decía haber iniciado su carrera pública en 1871 en calidad de fundador técnico de los Telégrafos de la Nación, habiendo fundado también el telégrafo de Jujuy. Carta a Benjamín Villafañe, Buenos Aires, setiembre de 1924. Transcripta en Sierra e Iglesias, Jobino, Acerca de la fundación del pueblo de San Pedro, Ediunju, 1996, p. 23. 19 Hale, Charles, “Ideas políticas y sociales en América Latina (1870-1930)”, en Bethell, Leslie (Ed.), Historia de América Latina, Barcelona, Crítica, 1991, T. 8. 17 18

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ejecución puede contribuir generosamente la Nación, ya que a la Provincia no le es posible atender a todas sus necesidades”20

Producto de su viaje al interior de la provincia es el diagnóstico que hace de la situación, tal como describimos a continuación, centrándonos en los aspectos relativos a la estructura agraria, al sustento legal y a las finanzas: Diagnóstico de la situación provincial Poco antes de morir, en el ánimo de dejar constancia de su accionar público, y en un momento donde volvían a agitarse los reclamos sobre tierras y el fantasma del “comunismo” que el creía haber contribuido a eliminar, Tello escribió, en 1924, a Benjamín Villafañe, entonces gobernador de Jujuy, diciéndole: “Jujuy era feudal y lo reconstruí”.21 Efectivamente, aquello que Tello denominaba feudal, era una sociedad de rasgos señoriales, caracterizada, desde el punto de vista de las estructuras agrarias, por la hacienda latifundista que permitía a sus propietarios disponer de un poder que aseguraba el control de tierras y hombres. Si bien el carácter de la hacienda era diferente según la región de la provincia que se tratara, había rasgos comunes inherentes a este tipo de propiedad, que son lo que Tello expuso ante la Legislatura en 1883 y 1884. Allí decía: “Con excepción de la Capital y de los dos Perico, en los demás la propiedad se halla concentrada. Hasta el extremo de que en San Pedro, Ledesma, Rinconada, Santa Catalina, Valle Grande y Yavi, la capital de cada uno de esos departamentos pertenece a un solo propietario.

Siendo depresivo de la dignidad de un pueblo este régimen […]”22 Esto implicaba la imposibilidad de autonomía de los gobiernos municipales respecto de los propietarios de los fundos en los que se

AHLJ. Caja Documentos N°39, Año 1883. Nota del 1° de octubre de 1883. Carta a Benjamín Villafañe, 1924, en Sierra e Iglesias, Jobino, Acerca de la fundación…,op.cit 22 AHLJ. Mensaje … 1884., op.cit. Administrativamente la provincia se dividía en departamentos. Estos eran, en tiempos de Tello, cuatro en la región de la Puna (Santa Catalina, Rinconada, Yavi y Cochinoca), tres en la Quebrada de Humahuaca ( Tumbaya, Tilcara y Humahuaca); otro, el de Valle Grande, en la zona transicional entre ésta y la región de valles subtropicales o Yungas (donde estaban los de Ledesma y San Pedro); y tres más en los valles bajos y templados cercanos a San Salvador de Jujuy (Capital, Perico del Carmen y Perico de San Antonio). 20 21

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encontraban inmersos los pueblos, un límite al poder del Estado que se consideraba intolerable en una nación moderna. Pero Tello veía también germinar en el latifundio otros dos males. El más urgente y acuciante era la subversión de los arrendatarios de origen indígena que cuestionaban la legitimidad de los títulos de propiedad: “Sabéis y consta de documentos que hasta el día en que me encargué del gobierno, el derecho de propiedad era públicamente desconocido en gran parte de la Puna y Quebrada. Como sobre ese derecho reposa el orden social, y sobre el orden social el constitucional, resultaba que desaparecido aquel, esta provincia no estaba en condiciones de Estado confederado.”23

Pero no menos importante para el Gobernador era el hecho de que los latifundios inmovilizaban la tierra como factor de atracción de población. A tono con Avellaneda, cuyas propuestas y postulados seguía fielmente,24 intentaba regularizar los derechos de propiedad adquiridos durante la colonia “Las mercedes de grandes extensiones de terreno que concedían los Reyes de España, traían consigo una condición muy difícil de cumplir. Era la de poblar las tierras. No se poblaban y de ahí provenían las nuevas mercedes, las confusiones de límites, los pleitos y por fin la inseguridad de la propiedad, constantemente amenazada por la posible subversión. Una merced importaba una donación condicional, establecida en el antiguo sistema de poblar. Así lo confirma luminosamente nuestro publicista argentino, el Dr. Avellaneda.”25

Una vez regularizados los derechos de propiedad sería posible abocarse al fomento de la población, ofreciendo tierras fiscales, si fuera necesario en forma gratuita, a los inmigrantes, pero también dando la posibilidad de acceder a la propiedad a los pobladores nativos, gestionando la subdivisión y venta, “Y por mas claro que parezca, debo insistir en recordar que la tierra baldía no constituye la riqueza de un Estado. La tierra en sí, con los tesoros que la naturaleza ha depositado en su seno, de nada vale, si el genio del hombre no la cultiva y explota esos tesoros. Poblar es enriquecerse, así como gobernar es poblar.

AHLJ. Mensaje … 1884, op.cit Nos referimos al Estudio sobre las leyes de tierras públicas, de autoría de Nicolás Avellaneda, del año 1865. 25 AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit. 23 24

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Busquemos entonces población que cultive los inmensos terrenos de que se trata; traigamos hombres que al radicarse en ellas, paguen contribución, consuman efectos sujetos a impuestos y promuevan una corriente abundante de importación y exportación. Así habremos alcanzado un positivo adelanto industrial y económico. ¿Y cómo atraemos esa población industriosa? Muy fácilmente. Después de vender preferentemente por precios módicos, á los actuales ocupantes que reconocen al fisco como exclusivo propietario, fracciones de terrenos suficientes para la industria primaria, que es a la que se dedican, tenemos todavía espacio bastante para llamar á la inmigración extranjera.”26

Tello citaba a Avellaneda en su discurso y retomaba la idea básica de Adam Smith: la tierra por si sola, no constituye riqueza. Tampoco convenía al Estado la venta de grandes extensiones de tierras fiscales como recurso financiero, sino que la tierra debía ponerse al servicio de la producción, creando propietarios industriosos y responsables, que consuman, produzcan y paguen impuestos. “[…] solamente con la importación de pobladores industriosos, que se distingan por sus hábitos de trabajo, conseguiremos una doble conquista: una moral, al tener ciudadanos virtuosos y otra económica, al garantir un considerable aumento de la renta pública. Para ello busquemos un estímulo y un aliciente que los atraiga á estas regiones. El no puede ser otro que la tierra […]”27

Al promover esta política, Tello se refería especialmente al destino de tierras del oriente de la provincia, lindantes con el Chaco (Santa Bárbara), que estaban en litigio entre la provincia y unas pocas personas que alegaban poseer su propiedad. Pero esta era una parte del problema de la propiedad en Jujuy. La otra cuestión, que el gobernador veía con preocupación, era la falta de regulación de los derechos de propiedad en las regiones de población indígena andina, que había tenido reconocimiento de tierras durante la colonia. Estaba aún muy fresca la memoria del alzamiento de los indígenas puneños de 1873; es más, el mismo Tello había formado parte de las tropas gubernamentales que lo sofocaron en la batalla de Quera. El reclamo de los arrendatarios de los latifundios de la Puna, a los que se sumaban otros de la Quebrada de Humahuaca y de Valle Grande, no había disminuido; en realidad no hacía más que incrementarse desatando continuas denuncias de falsedad de los títulos de propiedad de los poseedores de latifundios. 26 27

Ibid. Ibid.

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“Parece un sueño que en la república Argentina se hable de comunismo, y sin embargo es sabido que en el año de 1873 brotó una idea de funestas consecuencias entre los indígenas de la Puna; la denuncia de los terrenos que consideraban fiscales. La idea hirió como un rayo a la raza indígena, que se conserva casi originaria, pero no ya con el carácter de simple denuncia, sino proclamando públicamente el comunismo, fundado en que “Dios había creado el mundo para todos sus hijos”, y llegó vez que desconocieran abiertamente órdenes emanadas de la Justicia Federal” 28

Era necesario, a ojos del gobernador, y en general de toda la élite dirigente jujeña, cortar de raíz estas veleidades “comunistas”. De más está decir que este comunismo agitado como fantasma no respondía a las ideas de Marx, sino que los indígenas alegaban haber poseído tierras en comunidad durante la colonia, tierras que ahora denunciaban como fiscales, en una estrategia que le permitiera terminar con la opresión de los patrones, y que había dado buenos resultados en el caso de las de Cochinoca tras el fallo de la Suprema Corte de Justicia en 1877. Pero ni “feudal” ni “comunista”, el nuevo orden debía basarse en el estricto respeto por la propiedad privada unívoca. La originalidad de Tello consistió en vislumbrar que la solución al problema no era sólo la coerción, a la que también acudió,29 sino que a la par atendió los reclamos de los arrendatarios indígenas, prestó oídos y falló en los casos de denuncias contra la legitimidad de títulos de las tierras en cuestión. Si bien en todos los casos reconoció la validez de los derechos de sus propietarios, obligó a los mismos a demostrarlos, y luego de ello ordenó reconocerlos y cumplir con el pago del respectivo canon de arrendamiento. Pero dado que en la mayoría de estos casos se trataba de propietarios ausentistas y los arrendatarios eran los productores directos, decidió convertirlos en propietarios de parcelas, intercediendo para que pudiesen comprar las fincas, en el convencimiento de que “el propietario planta, cultiva, edifica y transforma, por que le guía un interés permanente”. De esta manera los convertía en gendarmes de la propiedad privada: 28 29

AHLJ. Mensaje …1884, op.cit. En su mensaje de 1883 anunciaba haber ordenado “el recojo de las armas dispersas en toda la Provincia, para cortar el germen de frecuentes alarmas; ha intimado a los que desconocen el derecho de propiedad, que serán sometidos por la fuerza de las armas, si continúan en sus amenazadores propósitos; debe disponer una pesquisa general de los ladrones que merodean en la Provincia, cometiendo frecuentes robos de ganado” AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit.

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“Entre nosotros que aun no ha desaparecido el espíritu de socialismo, es menester criar apóstoles del trabajo que como dueños de la tierra respeten y hagan respetar el derecho de propiedad, que es el fundamento sobre que reposa el orden social.”30

Por otra parte, el firme propósito de Tello era dotar a la provincia de los instrumentos legales del nuevo orden para poder implementar los principios del Código Civil e imponer claramente la nueva propiedad. Pero ocurría que, según sus palabras: “Para la generalidad, nuestras leyes son letra muerta, porque no han circulado lo bastante, y porque están agotadas las ediciones. Desde que me encargué del gobierno, recibo de las Provincias y Departamentos frecuentes pedidos de nuestras leyes, y paso por el disgusto de no satisfacerlos, porque no tenemos ejemplares.” […] Mientras que otras provincias vienen obedeciendo a un plan de reformas, nosotros carecemos hasta de lo esencial. El enjuiciamiento civil, como lo dijo bien el ex gobernador Dr. Blas, no comprende disposiciones para juicios de litis espensas [sic, se refiere a litisexpensas], de discernimientos de tutelas, de prestación de alimentos, de división de cosas comunes, de herencia vacante; y aún el título de las testamentarias de aplicación frecuente, es deficiente.”31

Faltaban códigos de procedimiento, código rural, registro oficial de leyes, y hasta archivos gubernamentales. Su breve gestión fue activa también en ese sentido, dotando a la provincia del archivo gubernamental y del poder judicial, además de una compilación de leyes y decretos. Convencido que las disposiciones oficiales que garantizaban los intereses agrícolas y ganaderos eran insuficientes y aisladas y, siendo “la agricultura y ganadería las principales fuentes que constituyen la riqueza pública, es de nuestro deber fomentarlas, dictando leyes, ante todo proteccionistas de aquellas”; 32 para lo que nombró una comisión que estudiara el Código Rural de Salta a fin de implementarlo en Jujuy, aunque su sanción fue bastante posterior (1893).33 El otro pilar del nuevo orden lo constituía la renta estatal. Es ya sabido que a partir de 1853 las provincias cedieron los impuestos Ibid. Ibid. 32 AHLJ. Caja Documentos N° 41, Año 1885. Nota del Poder Ejecutivo Provincial a la Honorable Legislatura del 4 de marzo de 1885. 33 AHJ. Registro Oficial. Compilación de Leyes y Decretos de la Provincia de Jujuy. T III 1869-1886, Jujuy, Imprenta tipográfica de José Petruzzeli, 1887. Ley del 17 de marzo de 1885 ordenando una comisión para la redacción del Código Rural. 30 31

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aduaneros a la Nación recibiendo en compensación subsidios, a la vez que comenzaron el proceso de reemplazar los antiguos impuestos coloniales por nuevas contribuciones. El impuesto a la propiedad territorial y a la mobiliar (ganadería y agricultura) fue una de ellas, sin embargo el presupuesto de Jujuy se componía en más de un 40% de los subsidios nacionales.34 “La Provincia de Jujuy por entero produce cuarenta mil pesos de renta anual, tiene cuarenta mil habitantes. Esto es: la renta esta en relación a un peso por cada uno. Es triste decirlo, que como estado confederado, no produzca de renta ni la mitad de lo que produce la Municipalidad de la ciudad de Salta. Seguramente que la causa de esto está en la falta de población, que trae consigo la falta de producción.”35

Pero no sólo era la falta de población potencialmente contribuyente, sino aún lo imperfecto de los catastros y la evasión de propietarios y productores. Tello lo sabía, como sabía también de la resistencia que ocasionaba la regulación de los impuestos. Finalmente, fue recién durante su gestión que se ordenó que los pagos y la contabilidad se hicieran en pesos nacionales, supliendo los pesos bolivianos que corrían habitualmente. La tarea de “sentar un nuevo orden burgués”, tal como la describe Bonaudo a nivel nacional en el período transcurrido entre 1853 y 1880, es emprendida sistemáticamente en Jujuy en esa última década y Tello jugó un rol muy importante al menos en lo que se refiere a la regulación e imposición de los principios de la propiedad privada, que es lo que puntualmente nos interesa tratar acá. Tello y el ordenamiento de la propiedad en la provincia Autonomía de los pueblos Uno de los aspectos más importantes por los que es recordada la figura de Tello en la provincia es la fundación de pueblos. Ya habíamos adelantado que en su mensaje de 1884 el gobernador planteaba la Boto, María Salomé, “Política de recursos jujeña durante el proceso de conformación del estado nacional: 1853-1885”, en Campi, Daniel (coord.), Jujuy en la Historia. Avances de Investigación, Jujuy, UNJu, 1993. Vol. I 35 AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit. 34

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urgencia de dar solución a la autonomía de los pueblos, ya que tanto en los valles subtropicales como en la Puna eran propiedad de los hacendados, lo que para el gobernador era un estado “depresivo de la dignidad” y también signo de “feudalismo”. Si bien contaba con un instrumento legal para disponer expropiaciones, una ley de 1870 por la que se declaraba “expropiables por causa de utilidad pública los terrenos ocupados por los pueblos de Valle Grande, Yavi, Rinconada; Cochinoca, Casabindo, Santa Catalina, San Pedro, Ledesma, Perico del Carmen y Perico de San Antonio”,36 Tello intentó en lo posible no confrontar con los propietarios, utilizar el mecanismo de la expropiación sólo en los casos donde no hubiera otra solución, y recurrir a la fundación de nuevos pueblos en otros. Si bien la referida ley no se había puesto en práctica hasta la llegada de Tello al gobierno, ya para esa época los pueblos de Perico del Carmen y de San Antonio en los valles templados, habían alcanzado autonomía territorial. Faltaba arreglar la cuestión en la Puna y en los departamentos azucareros. En la Puna el tema se tornaba espinoso por lo sensible de la situación desde la década de 1870, dados los cuestionamientos de parte de los arrendatarios a los derechos de propiedad de los hacendados, de la negativa a pagar arriendos y los múltiples reclamos elevados al poder ejecutivo y judicial. El fallo de la Corte Suprema de Justicia de 1877 en el caso de Cochinoca y Casabindo, había sentado un importante antecedente en cuanto a la posibilidad de ilegitimidad de los títulos coloniales. Pero no era el propósito de Tello alentar ataques a la propiedad considerada “legítima”, más aún cuando la provincia misma se había convertido en propietaria de las tierras expropiadas a Campero tras ese fallo judicial y, en ese carácter, comenzaba a afrontar también la resistencia de los nativos a pagar arriendos. Dotar de autonomía territorial a los pueblos, trazar las tierras de ejido y entregar a sus habitantes títulos de propiedad era un primer paso para limitar las atribuciones de los hacendados. En el departamento de Cochinoca la medida fue de fácil resolución, ya que la fundación que dispuso Tello para la villa cabecera, en Abra Pampa, se hizo en tierras fiscales. Fundada con el nombre de Siberia Argentina, en 1883, la Legislatura autorizaba 36

Registro Oficial…, op.cit. Ley del 8 de abril de 1870.

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al poder ejecutivo a “ceder gratuitamente en propiedad a los particulares que deseen edificar, lotes de terrenos para casas y solares, debiendo los cesionados pagar el derecho territorial correspondiente”.37 En el mismo departamento Tello ordenó, en 1884, la fundación de otro pueblo, con el nombre de Patricios, en el lugar conocido como Puesto del Marqués. Al contrario, en el departamento de Yavi, la villa homónima era el centro de la hacienda de la familia Campero, la misma que había sido expropiada en Cochinoca. Aquí Tello decidió buscar otra solución, desplazando la capital del departamento a otro sitio. Luego de recorrer la región y decidir que La Quiaca, en el camino hacia Bolivia, donde se hallaba la Aduana Nacional, era el punto adecuado, obtuvo la cesión gratuita por parte del propietario de la finca, Ascencio Quispe, para fundarla capital del municipio. El proyecto fue sometido a la Legislatura,38 sin embargo dicha fundación no se concretó hasta el año 1907, cuando La Quiaca se convirtió en terminal del Ferrocarril Central Norte. Respecto a los otros dos pueblos de los departamentos de Rinconada y Santa Catalina, si bien en su mensaje de 1884 Tello dice haber dispuesto “el señalamiento, mensura, delineación y amojonamiento del área de terreno destinado para pueblo y ejidos”, estos continuaron inmersos en las haciendas. Otras dos villas más fueron fundadas en la provincia. En la Quebrada, en el departamento de Humahuaca, la de Uquía, previa indemnización a sus propietarios.39 En el departamento de Valle Grande, zona de transición entre las tierras altas y las bajas, el pueblo homónimo, tras la cesión gratuita a la provincia que hicieron los campesinos al comprar la gran finca que abarcaba casi toda la superficie departamental. Más adelante nos referiremos a ello. En los valles cálidos del oriente las tierras estaban bajo absoluto dominio de las haciendas azucareras. Pero a diferencia de las de la Puna, Decreto de la Honorable Legislatura de 14 de agosto de 1883. Ibid. Tello manifestaba que la fundación de ese pueblo se haría cuando la Honorable Legislatura le prestase aprobación, por ser de su exclusiva atribución decretar la creación de pueblos, villas y ciudades, según lo establecido en el art. 38, Inc. XIX de la Constitución provincial. AHLJ. Caja Documentos N° 40, Año 1884. Nota del Poder Ejecutivo a la Honorable Legislatura, 14 de enero de 1884. 38 AHLJ. Caja Documentos N° 40, Año 1884. Nota de Tello dando cuenta de sus gestiones para fundar el pueblo de La Quiaca, en los terrenos que le fueron cedidos por Ascencio Quispe, 14 de enero de 1884. 39 Registro Oficial…, op.cit. Creación de la villa de Uquía, Ley del 7 de marzo de1885. 37

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estas haciendas eran explotadas activamente por sus propietarios, estaban en pleno proceso de modernización tecnológica y sus ingenios azucareros empezaban ya a emerger como el sector económico más promisorio de la provincia. Los poblados de San Pedro y de Ledesma, se habían formado en el núcleo de estas haciendas, donde se encontraban las respectivas “salas” o residencia principal de los propietarios y, en su proximidad, las fábricas de azúcar, las proveedurías y las viviendas de empleados y trabajadores. Durante la visita que realizó a la provincia, a poco de asumir su mandato, Tello se trasladó a San Pedro, y tras largas negociaciones con su propietario, Miguel Francisco Aráoz, obtuvo su inicial consentimiento para efectuar la expropiación de las tierras destinadas a trazar la nueva villa. Cuando años después Tello se refería a este episodio, lo recordaba como uno de los principales triunfos de su gestión por la resistencia inicial de Aráoz, a quien le dijo “este pueblo es una toldería de indios”,40 refiriéndose efectivamente a las tiendas que los nativos del Chaco, ocupados en la zafra, asentaban en las proximidades. Pero seguramente no fue el argumento del progreso de la civilización lo que convenció al propietario, sino la determinación del gobernador y promesas de apoyo en gestiones a nivel nacional destinadas a apresurar la llegada del ferrocarril a Jujuy, indispensable para que el azúcar local pudiera acceder al mercado nacional. Así, por decreto del 30 de julio de 1883 Tello disponía la expropiación de terrenos para la fundación del pueblo de San Pedro, delegando en el hijo del propietario su mensura y delimitación de tierras para solares y ejidos. A pesar de la aparente aceptación, la resistencia de Aráoz se manifestó a través de la dilación de la tarea encomendada, por lo cual el gobernador comisionó a otra persona para que la hiciera, lo que recién finalizó en 1885. Los terrenos expropiados pasaron a poder de la provincia, que no asumió directamente la indemnización pues la ley de 1870, que autorizaba al poder ejecutivo a efectuar estas operaciones, preveía que “La expropiación se perfeccionará a medida que se presenten al PE interesados, solicitando la adjudicación de los solares delineados, abonándose entonces al propietario el precio fijado a aquellos”.41 Así se dispuso que los interesados en adquirirlos pagaran directamente al propietario, bajo cierto control del gobierno de la provincia. 40 41

Carta a Benjamín Villafañe, en Sierra e Iglesias, Jobino, Acerca de la fundación…, op.cit. Registro Oficial…, op.cit. Ley del 8 de abril de 1870.

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En el caso de Ledesma, el Gobernador procedió de manera similar, expropiando los terrenos y ordenando delinear el pueblo en 1883. Al año siguiente debió reiterar por otro decreto la orden,42 ya que su propietario, Ovejero, empleó la misma táctica de dilación que había intentado Aráoz, pero con más éxito, pues mientras que la fundación de San Pedro como pueblo autónomo se logró, no ocurrió lo mismo en Ledesma, donde recién en 1901 se efectivizó la donación de tierras por parte de la empresa para lo que se denominó “Pueblo Nuevo”, hoy Libertador General San Martín. ¿Que resortes movió el propietario de Ledesma, que no tocó Aráoz, para evadir la ley? ¿Tello mismo lo consintió o fueron los gobernadores posteriores? Hasta el momento no se ha hallado documentación que permita discernirlo, aunque es un clásico tópico en la historiografía provincial el poder que ejercieron los ingenios y los vínculos de sus propietarios a nivel provincial y nacional. Este episodio, al igual que las dificultades para la autonomía de los poblados de la Puna, ilustra sobre el peso de la estructura socioeconómica que prevalecía en la provincia y sobre los escollos y resistencias que pudo haber afrontado Tello al intentar sentar la propiedad moderna. Un aspecto interesante a destacar es que, tanto en la ley de 1870 como en los decretos para la fundación de pueblos, todavía se contemplaban tierras para dotarlos de “ejidos o pastos comunes” y, en los casos de expropiación, esas tierras, que no podrían ser vendidas a título individual, serían pagadas por la provincia. Es decir que aún se contemplaba el acceso de los vecinos de las villas a pastos comunes. Aparentemente el espíritu desamortizador no había llegado más que a la propiedad indígena y religiosa. Subdivisión y venta de latifundios a los arrendatarios Tello participaba de aquella generación de argentinos que habían concebido el nuevo orden como una república de ciudadanos propietarios, que contribuyeran al fisco y defendieran con las armas la nación. La impronta de los principios del liberalismo era muy clara en su pensamiento y acción respecto al entendimiento de la propiedad como

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Registro Oficial…, op.cit. Decreto del 18 de abril de 1884.

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principio básico del orden y del progreso: sólo al propietario le mueven las ansias de mejorar sus fundos. La consecución del progreso individual, contribuiría al de la nación, a la vez que se convertiría al ciudadano propietario en un defensor de ese orden, en la medida en que éste le demostrara ser el más propicio. Quizás la nota de mayor singularidad de Tello dentro de los hombres de su generación fue la coherencia de su acción con este principio. Esta nueva nación de propietarios incluiría no sólo a los posibles inmigrantes, que ya de por sí eran entendidos como portadores del espíritu del trabajo y el progreso, sino también a los nativos. En este sentido Tello pareciera escapar de los diagnósticos pesimistas respeto a lo que se podía esperar de la población originaria. Aún así, delineó una política diferenciada para unos y otros; mientras que postulaba que al inmigrante se le debía dar tierra en forma gratuita, nunca consideró este mecanismo para los nativos desposeídos, pero sí los alentó y propició, incluso con la ayuda financiera del Estado, para que compraran la tierra. Sin duda estas medidas no pueden ser analizadas fuera del contexto en el que se produjeron, de la amenaza del “comunismo” por parte de los indígenas arrendatarios, y de las características de las haciendas involucradas. No se trataba de las del oriente azucarero en marcha hacia el modelo capitalista, sino de aquellas que encarnaban el viejo modelo “feudal”, a decir del gobernador, “haciendas de arrenderos”, al decir de Madrazo,43 resabios del orden colonial. También resabios del orden colonial eran los argumentos con que los nativos defendían sus derechos a la tierra. En dos interesantes peticiones al Ejecutivo provincial 44, una de 1881 elevada por los “naturales y vecinos” de Rodero-Negra Muerta (departamento de Humahuaca)45, y otra por los del departamento de Valle Grande, en 1882, se denunciaban como terrenos públicos dichas tierras, en las que, decían “moramos desde nuestros antepasados”. Los fundamentos de ambos reclamos, basados en las Leyes de Indias, son idénticos, y adjudicaban

Madrazo, Guillermo, Hacienda y encomienda en los Andes…, op.cit. Fue gobernador en el periodo 01/04/80 a 15/03/82 el Dr. Plácido Sánchez de Bustamante, y desde 16/03/82 a 17/03/83 el Dr. Pablo Blas. 45 AHJ. Caja de documentos Nº 2, Año 1881. Denuncia de las tierras de Rodero, Negra Muerta ubicadas en las tierras del departamento de Humahuaca, julio de 1881. 43 44

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el despojo (se dice textualmente pérdida del dominio directo) a la situación posterior a la guerra de independencia: “Como indios y naturales de Valle Grande teníamos tierras propias y estábamos amparados por las Leyes de la Recopilación de Indias pagando tributos para vivir tranquilos según nos consta un padrón formado en el año 1806 por un Gobernador llamado Martín Flores y mas recibos que se pagaron los tributos a S.M. del Rey hasta el año 1811; pero vino la guerra de la independencia, desconociendo nuestros derechos y después de servir con nuestras personas y bienes ha resultado que se los han quitado nuestras tierras a nuestros padres […]”.46

Los petitorios fueron acompañados por la acción directa. Durante diciembre de 1882 hubo gran agitación en esas regiones. El Comisario de Humahuaca envió telegramas al Gobernador diciendo que “se habían reunido como 400 indios y que repartían la noticia de que Maidana había llegado de Buenos Aires con un Dr. para que les reparara las tierras. Que en Santa Catalina Laureano Saravia los estaba entrenando y uniformando. Que tramaban lanzarse contra la capital y que también se habían sumado los habitantes de Valle Grande”. Los dos líderes nombrados habían sido partícipes de la rebelión de la Puna de 1872, por lo que es de imaginar la alarma con que se recibió la noticia. Finalmente los cabecillas fueron detenidos.47 Estos sucesos ocurrieron unos meses antes de que Tello asumiera la gobernación de la provincia. Pero fue durante su mandato en que falló por la cuestión de la propiedad de las tierras denunciadas como fiscales en Valle Grande. Después de un estudio de los títulos de propiedad, que debieron presentar los denunciados, y de una visita al departamento, Tello dictaminó, en agosto 16 de 1883: “[…] después de haberme cerciorado de los lugares denunciados, de cerca o desde la distancia; después de haber estudiado los títulos de propiedad mencionados; después de haber meditado con el juicio que conviene a un alto magistrado de la provincia; después de haber comprendido que difícilmente vendrá a estos lugares de despeñaderos horribles otro gobernador, por lo mismo convenía un estudio detenido y dar opiniones aunque sean oficiosas, para procurar evitar tanto pleito y tantas molestias que se viene originando y complicando desde habrá más de cien años;

AHJ. Caja de documentos Nº 1, Año 1882. Nota al Gobernador de la provincia de Jujuy, 27 de abril de 1882. 47 AHJ. Caja de documentos Nº 2, Año 1882. Telégrafo Nacional, correos enviados del 10 al 15 de diciembre de 1882. 46

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después de haber observado que los indígenas están fanatizados por tener la propiedad de las tierras denunciadas y que es un mal social que se ha convertido en un atroz comunismo, difícil de combatirlo, después de haber visto que la manera fácil de traerlos al orden es inclinarles el respeto a la propiedad, pero que si quieren ser dueños de la tierra, el gobernador les ayudará para que las compren a su dueño. Fallo declarando que los lugares que se expresan denunciados por fiscales, no son fiscales, y están en el deber de abonar sus arriendos y reconocer a sus actuales propietarios o poseedores mientras que no las adquieran legalmente por compra o de otro modo. Para perpetua memoria de esta resolución dese al registro oficial y notifíquese a quienes corresponda […]”48

Tello cumplió su promesa gestionando la compra a Benita Costas de Valle, en 1884, de una de las mayores fincas de Valle Grande, recabando el dinero necesario entre sus arrendatarios. “Los indígenas han hecho los más ingentes sacrificios para reunir el dinero, dando los más pobres de ellos hasta cuatro pesos, en el interés de tener un palmo de tierra”, informaba el gobernador a la legislatura, a la vez que solicitaba se les exima del pago de la alcabala, por ser pobres y por haber demostrado patriotismo y generosidad al ceder gratuitamente a la provincia para pueblos cinco áreas de terreno en Pampichuela, Caspalá, Santa Ana, Valle Grande y Calilegua. 49 La operación se concretó bajo la figura de pro-indiviso, parcelándose en el año 1887, bajo responsabilidad del ya ex gobernador, comisionado para entregar las boletas respectivas.50 En cuanto al otro caso, el denunciado por los arrendatarios de Rodero-Negra Muerta, involucraba a un personaje muy importante en la política provincial, José María Álvarez Prado, quien administraba la finca en calidad de esposo de Filomena Padilla de Prado, viuda de Macedonio Graz. En su gestión como gobernador, entre 1874 y 1876, Álvarez Prado había comandado las tropas que derrotaron a los puneños en Quera. Durante el mandato de Tello presidió un tiempo la Legislatura y fue electo gobernador para el período 1885-1887, cuando Tello fue ministro de gobierno y luego presidente del órgano legislativo. Si bien el expediente sobre la cuestión se había cerrado en 1882, con fallo favorable a Filomena

AHJ. Caja de documentos Nº 1, Año 1882. AHLJ. Caja Documentos N°41, Año 1885. Nota del 13 de enero de 1885. 50 Registro Oficial…op.cit. Decreto del Poder Ejecutivo, 25 de noviembre de 1886. 48 49

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Padilla de Prado, 51 durante la gestión de Álvarez Prado- Tello, los arrendatarios compraron la hacienda.52 Finalmente, el tercer caso de subdivisión de una hacienda por compra de sus arrendatarios es el de Yoscaba, en la Puna (departamento de Santa Catalina) también ríspido en cuanto a sus orígenes, pues su dueña, Corina Aráoz, residente en Salta, era la viuda de Fernando Campero (propietario de la gran hacienda de Yavi y damnificado tras la expropiación de Cochinoca y Casabindo). Eugenio Tello intercedió ante la propietaria y ante el Banco de la Nación para que otorgara un crédito con garantía del Estado Provincial, de manera que, en 1886, los arrendatarios pudieron comprar la finca.53 En los tres casos se trataba de tierras poco apetecibles, salvo para los campesinos que las habitaban. También de haciendas cuya propiedad había sido largamente cuestionada, lo que nos hace suponer que la solución alentada por Tello no sólo era favorable a los nativos, sino también a los propietarios, cuya situación se volvía cada vez menos sostenible. Así, al regularizar la propiedad, Tello aseguraba el orden: “Sin que importe jactancia puedo decir que hemos salvado del naufragio, porque ahora los indígenas están sometidos, reconocen el derecho de propiedad, respetan el principio de autoridad, y algo más, están prontos a sostener mi gobierno en caso necesario.”54

Si bien José María Álvarez Prado reconocía en sus escritos de defensa de la propiedad de su esposa que no había título originario de merced, decía que constaba que en 1772 Gregorio Zegada la compró a María Isabel Murguía mediante escritura pública extendida en España y luego ratificada en Jujuy. Macedonio Graz, la había comprado a los herederos de Zegada en 1862 y a su muerte quedó en poder se su viuda, Filomena Padilla de Prado. AHJ. Caja de documentos Nº 2, Año 1881. 52 AHLJ. Caja Documentos N° 43, Año 1887. Nota al gobernador, 4 de junio de 1887, de los compradores de la finca Rodero. 53 AHLJ. Caja Documentos N° 42, Año 1886. Nota al Gob. de la provincia, 13 de octubre de 1886, de José María Maidana, a nombre propio y de sus representados en la cuestión de la compra de la finca Yoscaba, solicitando se les exima del pago de alcabala. En 1887 el gobernador, José María Álvarez Prado, exonera del pago de los derechos de transferencia a sus compradores. AHLJ. Caja Documento N° 43, Año 1887. Nota del Poder Ejecutivo a la Honorable Legislatura, enero 28 de 1887. Para un estudio con más detalles ver Paz, Gustavo, “Tierra y resistencia campesina en el Noroeste Argentino. La Puna de Jujuy, 1875-1910”, en Barragán Rosana et al, Bolivia y América Latina en el siglo XIX, La Paz, Institute Francais de Etudes Andines, Coordinadora de Historia, 1997 y Cardoso, Esteban, Historia Jujeña. Batalla de Quera. Edición del autor, Jujuy, 2000. 54 Mensaje del Gobernador de la provincia al abrir las sesiones de la Legislatura en Enero de 1884. Jujuy, Imp. De la Unión, 1884. 51

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Tierras fiscales y colonización Hacia la década de 1880 la provincia poseía una considerable cantidad de tierras, que habían sido declaradas fiscales en diferentes momentos y regiones. Las de la Quebrada de Humahuaca, en 1839 cuando se dictó la ley de enfiteusis. Las de Cochinoca y Casabindo, en la Puna, tras el fallo judicial de 1877. Las de Santa Bárbara, en los valles subtropicales hacia el Chaco, que habían sido declaradas fiscales en 1873 y, nuevamente, durante el gobierno de Tello, en 1883. Los tres casos involucraban a diferentes actores y circunstancias, por lo que los trataremos por separado. Respecto a las tierras enfitéuticas, Tello alentó la compra del dominio directo a quienes tenían su tenencia, de manera de perfeccionar la plena propiedad, posible desde la ley de 1860 ya mencionada. El cobro del canon enfitéutico no había significado un ingreso de mucha consideración para el fisco provincial, $400 bolivianos en los años 1881, 1882 y 1883, que significaban menos del 1% de los ingresos totales. En el año 1885 ingresaron $1.157 moneda nacional (equivalente a 1.606 bol.) en calidad de redenciones enfitéuticas y $173 m/n (equivalente a 240 bol.) por el canon de aquellas cuyo dominio directo conservaba el Estado.55 Esto hace suponer que fue en este período donde se puso prácticamente fin a la enfiteusis. Respecto a las de Casabindo y Cochinoca, Tello no introdujo modificaciones a lo dispuesto por la ley de 1880 que establecía: “Art. 1° Las tierras dejadas por disposiciones reales a las antiguas comunidades de los pueblos de Casabindo y Cochinoca, que se han declarado propiedad de la Provincia por sentencia de la Suprema Corte Nacional, se reservan en el dominio de la Provincia, para que sus productos por pastajes y arriendos que paguen sus actuales ocupantes y los demás que en adelante quieran establecerse en ellas, formen parte de la renta del Tesoro Público Provincial. Art. 2° El expresado arrendamiento se pagará sobre el número de ganados de toda especie que los ocupantes tuvieren, a razón de 6 reales por cada ciento de ovejas y cabras y medio real por cabeza de ganado vacuno, caballar, llamas o burros […]”56

Registro Oficial…, op.cit. Renta General de la Provincia. Hasta 1884 los presupuestos provinciales se hicieron en bolivianos, a partir de 1885 en moneda nacional, a un cambio de 0,72 pesos argentinos por cada boliviano. 56 Registro Oficial…, op.cit. Ley del 8 de abril de 1880. 55

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En estos casos se ejerció toda la coerción necesaria para imponer el reconocimiento de la propiedad del fisco, dado que la renuencia al pago de arriendos continuaba y estos significaban un ingreso nada despreciable, alrededor de $2.500 bolivianos en 1883 y 1884. En 1885, ya durante el mandato de Álvarez Prado (Tello Ministro de Gobierno), se dictó el decreto del 26 de diciembre de 1885, fundado en que: “El PE de la provincia Habiendo denunciado en nota del 2 de este mes, el Comisionado cobrador de arriendos fiscales de Casabindo y Cochinoca, Julián Benicio, que algunos locatarios resisten al pago de arriendo, causando con el mal ejemplo y sus consejos la desmoralización de los demás; lo que importa a infracción a la ley del 8 de abril de 1880, tiende a restablecer los perniciosos efectos de la comuna o sea el desconocimiento público de la propiedad Decreta Art. 1. Los Comisionados de las tierras públicas que no estuviesen dadas en enfiteusis, expulsarán de ellas en el término legal a los locatarios que resistan el pago de sus arriendos, procediendo sumariamente en la prueba, sin perjuicio del embargo y remate de bienes para cubrir la deuda, gastos y costas que se originen, conforme a la ley del 15 de marzo de 1883.”57

Pero las mayores expectativas del gobernador se depositaban en las tierras del oriente de la provincia, en pleito con quienes alegaban su propiedad, y sobre las que Tello planificaba instalar colonias de inmigrantes ultramarinos. “Esta última región es pues la mas importante de la Provincia, abarcando próximamente una extensión de mil doscientas leguas cuadradas, y sin embargo es la menos productiva y poblada, á tal extremo que en el año pasado apenas ha producido de renta al tesoro de la Provincia, la insignificante suma de doscientos sesenta pesos. Ella se presenta al cultivo del café, de la caña de azúcar y del algodón; al beneficio del kerosene y la cría de ganado, como fuentes inagotables de riqueza. Estos hermosos territorios, que prometen un gran porvenir para la industria y que se prestan a esa clase de producciones, puede decirse con fundamento, que tienen un fácil contacto con los mercados del mundo, por su proximidad al río Bermejo, cuya navegación es un problema de posible solución.”58

Registro Oficial…, op.cit. Decreto 26 de diciembre de 1885. Recién en 1891, el gobierno de la provincia decidió poner en venta estas tierras. 58 Mensaje 1883…op.cit. 57

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El pleito no involucraba a las haciendas azucareras, sino a aquellas tierras más hacia el Chaco que habían sido objeto de mercedes coloniales, cuya validez el gobierno provincial no reconocía pues no se había cumplido con la condición de poblarlas. Tello decidió avanzar sobre estas tierras reiterando la ley que las declaraba fiscales y autorizaba al poder ejecutivo a vender todos aquellos terrenos o estancias que se encontraran despoblados, como así los que hubiesen sido poblados con “posterioridad a la fecha en que fueron declarados administrativamente del dominio de la provincia, por decreto gubernativo del año 1850” y las que estuviesen pobladas con anterioridad a dicha declaratoria, sin reconocer propietario particular alguno con justo título. Se aclaraba que en la venta serán preferidos los actuales poseedores y que se reservaría hasta 50 leguas cuadradas para que fueran cedidas gratuitamente a inmigrantes agricultores.59 La cuestión de estas tierras de Santa Bárbara y Maíz Gordo generó mucho ruido en la provincia y, finalmente, los latifundistas más importantes lograron conservarlas, para poco años después venderlas, fraccionadas, entre otros, a Ovejero, propietario del ingenio Ledesma. El intento de Tello ocasionó denuncias, tanto por considerar a la ley inconstitucional, como por sospechas de negociaciones emprendidas por el gobernador para obtener la expropiación. Así lo sostenía Tomás R. Alvarado en 1890 en carta a Domingo Pérez, en la que se quejaba por la confiscación de sus terrenos y acusaba que: “U. sabe que el Gobernador Eugenio Tello hizo dictar la famosa Lei de 18 de Diciembre de 1883 confiscando las tierras de Santa Bárbara i Maíz Gordo, propiedad de los S S. Iriarte i Lozano ofreciendo lotes como en la Tablada á los Diputados que la sancionaron como ofreció al Gral Roca, Presidente entonces, i á muchos otros para que le ayudaran á consumar el despojo mas atentatorio que puede cometerse en un estado argentino.”60

Continuaba su larga carta denunciando negociaciones de Tello en las referidas tierras durante su gestión como senador nacional. Aunque no poseemos documentación que nos permita dilucidar qué elementos de veracidad pudiera contener tal la denuncia, citamos la carta por

Registro Oficial…, op.cit. Ley del 18 de diciembre de 1883. Declarando fiscales los terrenos al este de la Totorilla y los existentes en Santa Bárbara y Maíz Gordo. 60 Archivo Domingo T. Pérez. Carta de Tomás R. Alvarado a Domingo Pérez. Buenos Aires, septiembre 3 de 1890. 59

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ilustrativa de los intereses que se movilizaban en el caso y la permanencia de Tello en la política provincial finalizada su gestión como gobernador, potenciada por sus conexiones en la política nacional. Consideraciones finales Sin duda la época y el actor político analizados significaron la coronación en Jujuy de un largo camino hacia la consolidación de la propiedad privada. La primera etapa del camino ya estaba desbrozada al asumir Tello la gobernación, nos referimos a la desamortización de la propiedad y la expropiación de los terrenos comunales indígenas. La segunda etapa, cuyos inicios podemos fijar en la gestión de Tello, intentó legitimar la propiedad resultante de las primeras reformas y sentar nuevas bases para evitar los conflictos sociales peligrosos para el nuevo orden basado en la imposición de las normas capitalistas y la incorporación de la provincia al mercado nacional. Podemos resumir la política implementada por el gobernador según las soluciones que vislumbró a los considerados “males” que aquejaban a la provincia. Frente a la estructura agraria de ancien régime, “feudal” según sus palabras, propició la subdivisión de los latifundios cuyos productores directos eran campesinos subsumidos en una relación con los propietarios de la tierra, casi de servidumbre. En los casos tratados, en los que sus gestiones al respecto llegaron a término, se atuvo a un principio que consideraba basal: el respeto por la propiedad privada. Así, ante las pruebas presentadas por los indígenas en torno a los antecedentes inmemoriales de ocupación de esas tierras y posterior despojo durante la colonia o en los tempranos tiempos republicanos; y los títulos originarios de compra o mercedes presentados por quienes oficiaban de propietarios de dichos fundos, optó siempre por legitimar a éstos últimos. No obstante, y en consideración al malestar social y continuos conatos de sublevaciones, consideró que la solución era tornar a estos “arrenderos” en propietarios, pero operando siempre dentro de las leyes del nuevo orden, esto es: propiciando la compraventa, que sin la mediación del Estado y el otorgamiento de créditos, hubiese sido imposible. De esta forma terminaba con otro de los males: “las veleidades comunistas”. Tello intentaba erradicar de raíz, entre los indígenas, la memoria y las ansias de retornar a un antiguo orden de posesión de la

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tierra en común. Quiso transformarlos en campesinos propietarios y convencidos defensores de las bondades de la propiedad privada; ciudadanos productivos y activos contribuyentes del fisco. A esta altura del relato, el lector seguramente se preguntará si lo logró. La historia posterior demuestra que no completamente, en primer lugar porque sólo en algunos lugares puntuales los “arrenderos” llegaron a comprar la tierra. En partes donde esto ocurrió, como en el caso de Valle Grande, los conflictos se apaciguaron. En otras subsistieron, como en la Puna, donde hubieron casos en los que la diferenciación social dentro del campesinado posibilitó que antiguos “arrenderos”, ahora copropietarios, fueran concentrando tierras y volvieran a reproducir el esquema de servidumbre sobre sus antiguos pares. Sin embargo esta no fue la situación general, sino la pervivencia de los antiguos latifundios en las tierras altas, por lo que los reclamos y conflictos se prolongaron hasta 1949 cuando el presidente Perón decretó su expropiación.61 Pero retomemos el hilo del momento tratado. Es importante destacar la política diferencial de Tello respecto a los latifundios y a como lograr esa capa social de pequeños y medianos productores agropecuarios. En lo que veníamos describiendo, queda claro que el gobernador consideraba perjudiciales socialmente e improductivas en manos de latifundistas a estas propiedades predominantes en las tierras altas, y que la vía para crear pequeños productores libres era la compra de la tierra. Se trataba de la población nativa. En el caso de la apetecible población inmigrante, portadora del espíritu del trabajo y del progreso, el acceso a la propiedad debería ser gratuito, pues la intención era radicarla en las regiones más despobladas, de antigua frontera con el Chaco, potencialmente rica pero aún salvaje. En este caso, para revertir tales tierras a la esfera fiscal, sí se cuestionaron los títulos de propiedad de quienes decían haberlas recibido en mercedes coloniales y no las habían poblado. La resistencia de los damnificados a tales medidas fue grande y los logros gubernamentales escasos.

61

La persistencia del problema en las tierras altas de la provincia durante los gobiernos radicales, en la década de 1920, es tratada en Fleitas, M.S. y Teruel, Ana, “Política y movilización campesina en el norte argentino. La cuestión de la tierra indígena en el proceso de ampliación de la democracia” en Revista Andina, Centro Bartolomé de Las Casas, Cuzco, Perú, Nº 45, segundo semestre del 2007, pp. 41-65.

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Pero había en la provincia un tercer tipo de latifundio: el de los ingenios azucareros. A estas empresas apostaba Tello, en particular, y la dirigencia política, en general, como vía de desarrollo en la provincia. Allí la concentración de la propiedad no era percibida como negativa, sólo bastaba que las villas que habían tenido su origen en el seno de las haciendas azucareras perdieran ese carácter de feudalidad y obtuviesen su autonomía territorial. Ello implicaba tocar intereses de los propietarios azucareros, a quienes si bien se les garantizaba una indemnización, se los privaba del control directo de la población. Pero la pérdida bien se resarcía con el apoyo gubernamental para asegurar que el azúcar pudiera ser competitivo en el mercado nacional. Por último, a fin de ponderar los cambios ocurridos en la propiedad, es interesante comparar dos registros de propiedad territorial pertenecientes a momentos inmediatamente previos y al final del período tratado. En ambos casos se excluye a las propiedades de San Salvador de Jujuy, la ciudad capital de la provincia. Cuadro 1. Variación del número de propiedades privadas registradas en Jujuy entre 1872 y 1904 Región

Catastro 1872

Catastro 1904

Quebrada de Humahuaca

353

1.421

Valles centrales

322

1.115

Valles subtropicales o yungas

48

792

Puna

30

338

753

3.667

Total provincia

Fuente: Teruel, Ana A., “La incidencia de la tenencia de la tierra en la formación del mercado de trabajo rural en la provincia de Jujuy, 1870-1910”, en Población y Sociedad, Nro 2, Tucumán, Fundación Yocavil, 1994

El notorio aumento del número de propiedades se debe a diferentes factores que formaron parte de la expresa política de Tello y de algunos de los gobernadores que le sucedieron: perfeccionamiento de los mecanismos de registro catastral cuyo objetivo era la recaudación del

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impuesto territorial, transformación de los enfiteutas de la Quebrada de Humahuaca en propietarios de pleno dominio, subdivisión de latifundios (claramente perceptible en la Puna y en los valles subtropicales donde incluimos al departamento de Valle Grande), venta de terrenos fiscales y nuevas propiedades registradas en las villas cuya fundación mencionamos a lo largo de este trabajo. Si bien la brevedad del mandato gubernamental, establecido en dos años en ese entonces, puede poner en juicio cuánto es dable atribuir a Tello de estas reformas, debemos recordar que una característica del régimen político dominante a fines del siglo XIX era la continuidad, y aún la superposición, en otras funciones gubernamentales. El senado era el lugar por excelencia de la permanencia en el poder, tan es así que Botana lo denomina “invernada de gobernadores”.62 Muchas de las reformas descriptas que fueron iniciadas durante la gestión de Tello como gobernador, tuvieron su concreción años después. Ello habla también de toda una generación de políticos partícipes de las mismas ideas e intereses. En este sentido creemos que Tello, por la claridad de su pensamiento y la energía con que actuó, es la punta del iceberg que permite vislumbrar el programa modernizador en torno a la propiedad en Jujuy.

62

Botana, Natalio, El Orden Conservador. La política Argentina entre 1880 y 1916, Buenos Aires, Sudamericana, 1979.

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Anexos Mapa: Jujuy en el espacio Sudamericano.

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Mapa: Provincia de Jujuy en la actualidad. Departamentos y regionalización propuesta.

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El desierto y sus confines. Contexto y narrativa en la Descripción Amena de la República Argentina de Estanislao Zeballos Sandra Fernández* Cuando el viajero miró hacia atrás y vio que el camino estaba intacto, se dio cuenta de que sus huellas no lo seguían, sino que lo precedían. Misterios del Tiempo de Alejandro Jodorowski**

Breve introducción El epígrafe de este artículo en realidad no es un fragmento literario, es una minificción1. Mínimo en su brevedad sintetiza la percepción y concepción de la obra de Zeballos. Así poco más de veinticinco palabras dilucidaban crudamente la imagen de la forma estética y expresiva elegida por este autor y hombre político: para Estanislao no había sido importante lo pasado, (visto, oído y relatado), sino la ejemplaridad de sus relatos en lo por venir. El norte dentro de su obra de viaje nunca estuvo puesto en las expectativas del impacto de lo exótico, no retoma plenamente la experiencia y modelo Humboltiano para exponer su cuadro de sensaciones de viaje, no es tampoco sólo la perspectiva pragmática de los viajeros de la “vanguardia capitalista”: el horizonte de Zeballos era impulsar un modelo del que se sentía parte y actor

* CONICET – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas-/UNR –Universidad Nacional de Rosario – Argentina. [email protected] [email protected] ** Citado en La extrema brevedad. Microrrelatos de una y dos lìneas de David Lagmanovich (2006). 1 Los microrelatos son ejemplos de lo minúsculo, sus apenas dos líneas despiertan desconcierto pero también admiración de lectores y críticos. Reducen a un mínimo la expresión y se convierten en la mayoría de los casos en metáforas comprensivas.

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fundamental, en donde el desierto operaba como una frontera discursiva que imponía con palabras lo que materialmente era imposible aún de mensurar. Zeballos delineó sus obras como un gesto político -casi podríamos decir que fue un acto de propaganda- que tendría como principal interlocutor a la clase política del momento, encarnada en la figura central de Roca. Pero Zeballos, aún en los tempranos ochenta era un hombre público que también transitaba los caminos de la ciencia2, con múltiples contactos en el mundo editorial3. Conocedor del desarrollo creciente del público lector, que ampliaba sus espacios de lectura más allá de los matutinos y las gruesas bibliotecas de la oligarquía, Zeballos conocía que sus textos también iban a contar con un público más extenso, partícipe de un mercado editorial que se delineaba y crecía con el paso de los años y con la consecuente transformación social del ingreso a la modernidad. Esta evolución llegaría a su cenit durante las primeras décadas del siglo XX, con la exaltación de la prensa escrita, la aparición de las revistas ilustradas y culturales, y las novelas por entregas; con la consagración de los escritores y periodistas como profesionales de la palabra, y con la inevitable estructuración de un campo de lectores que superaba ampliamente los sectores ilustrados de las elites. Cabe consignar que muchas de estas alternativas editoriales recibieron estímulos oficiales, otras respondieron a mecenas privados, otras tantas fueron publicaciones de autor, pero no importa cual fuera el origen de la inyección de recursos que les permitiera salir a la luz, todas ellas se

A comienzos de 1872 ingresa a la Universidad de Buenos Aires iniciando conjuntamente las carreras de abogacía y ciencias exactas. Por esta época funda, con sólo 18 años, la Sociedad de Estímulo Científico (1872), que será más tarde la Sociedad Científica Argentina. Al volver de su viaje siguiendo la avanzada de Roca funda en 1879, un nuevo espacio en donde vuelven a anudarse las estrategias de gestión y gobierno con el discurso y la acción científicos: el Instituto Geográfico Argentino –luego Instituto Geográfico Militar-, del cual será presidente durante los primeros años. 3 Por ejemplo durante la epidemia de fiebre amarilla (1871), en la que tiene una activa participación, entabla relación con José C. Paz, en ese entonces secretario de la Comisión de Salubridad, y propietario del diario La Prensa. El vínculo con la familia Paz y su diario continuaría hasta su muerte. De esta relación Zeballos elaboraría uno de sus perfiles más definidos: el de periodista, llegando a ser jefe de redacción y director del diario de su amigo, cargo al que renuncia en 1877, manteniendo siempre la condición de redactor aún cuando realizaba las más variadas actividades políticas y profesionales. 2

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encargarían de alimentar los anaqueles de una vasta red de bibliotecas públicas y privadas, personales y colectivas4. Por lo tanto existía algo en los pasos de Zeballos alrededor de su Descripción Amena de la República Argentina que invocaba una textualidad profundamente impregnada del contexto político-ideológico de la época. La explícita estructuración de sus textos en torno de una voluntad de concebirlos como ejemplos vívidos del antes y el después de la efectiva organización del Estado le permitieron explorar tanto el relato de viaje como la descripción informativa –profusa por cierto-, científica y burocrática de esos cambios; a la par de considerarlos como reza su título como una pintura amena, capaz de seducir e informar didácticamente a un gran público. Por otro lado la extensa obra de Zeballos es una obra que habla de la frontera, desde una acepción propia de un intelectual de la segunda mitad del XIX en tanto parte, segmento de un país que divide lo civilizado, lo habitado, de lo que todavía no ha sido colonizado, del desierto: el desierto considerado como ausencia, el desierto pensado como espacio vacío5. Desde este costado la frontera es lo que separa la civilización de la barbarie, desde una clásica oposición sarmientina por cierto, oposición que también representa el enfoque de buena parte de la ilustración criolla americana. Idea de forntera que tal como afirma David Weber (1998:147-171), era mutuamente compartida tanto por los hispano-criollos como por los indígenas, y en su espacio ambos grupos Por ejemplo Noemí Girbal-Blacha y Diana Quattrocchi-Woisson (1998: 20) destacan que en el veinte aniversario de la revista Nosotros, la publicación expresaba que era la única en su género que había sobrevivido sin auxilios del gobierno o sin ayuda pecuniaria de sociedades especializadas en el cultivo de alguna disciplina o en la propaganda de alguna tendencia. Hay que resaltar además que existían figuras que funcionaron como mecenas, y que en la realidad actuaban como fuentes de financiamiento alternativo. A pesar de lo descripto no se hallaban aún extendidas plenamente las grandes editoriales, quedando aún en la figura del editor librero la salida de buena parte de la producción editorial, sin obstar para que comenzara a delinearse cada vez más la profesionalización de la figura del editor. 5 Mónica Quijada (2002:105) expresa claramente la influencia de Turner en las definiciones de frontera expresadas en los disccionarios anglosajones, influencias que no son constatadas por la autora en iguales textos españoles, pero que sin embargo son emergentes de una sensibilidad de la población americana: “Y digo sorprendentemente, porque está claro en toda la documentación hispanoamericana, tanto colonial como republicana, que ésta es la conceptualización de la frontera que más presente está en el ánimo de los pobladores de la sociedad mayoritaria, es decir, el margen del territorio poblado por occidentales y modificado por los ritmos de la ocupación. Se trata tanto de un espacio como de una suerte de línea civilizatoria, que en Hispanoamérica está a veces señalada por la presencia de lo militar”. 4

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la visualizaban, operaban sobre ella y actuaban en función de ella; y ambos grupos, en definitiva, la transgredían. Describir amenamente: la obra y sus contornos El ingreso al Colegio Nacional le permite a Zeballos atisbar en sus deseos literarios y periodísticos. Escribe en esta etapa, su primera novela – Zálide o el amor de los salvajes (1866) – totalmente influenciada por los temas relativos del “desierto” y sus habitantes autóctonos. Asimismo durante ésta experiencia funda el periódico estudiantil “El Colegial”, el cual dirige y es donde escribe buena parte de sus editoriales. Había comenzado la primera fase de su preparación. Posteriormente se lanzó de lleno a la descripción de viaje, estructurada en su mayor obra: Descripción amena de la República Argentina6, completando esta tradición con otras dos novelas: Callvucurá y la dinastía de los Piedras (1884) y Painé y la dinastía de los Zorros (1886). Su Descripción amena de la República Argentina tiene tres tomos que aparecieron secuencialmente a lo largo de la década de 1880. Viaje al país de los araucanos se publica en 1881; La rejión del trigo y A través de las cabañas se editaron respectivamente en 1883 y 1887. Cada uno de ellos transitan diferentes tópicos pero su conjunto representa la completa cosmovisión del espacio pampeano desde la óptica de Estanislao. Si pensamos en esta obra de forma integral observamos que su propósito fue mostrar la versatilidad de un espacio: “la pampa”; espacio que Zeballos conocía muy bien desde su infancia 7 y que se había Zeballos, Estanislao, Descripción amena de la República Argentina, 3 Tomos, Buenos Aires, Peuser, 1881-1883-1888. 7 Especialmente en la parte inicial de La rejión del trigo, Zeballos describe en distintos fragmentos sus recuerdos infantiles y de su primera adolescencia en los campos de Desmochados, pago cercano a Rosario, su lugar de nacimiento, y que a posteriori de la colonización se conocería como el área de La Candelaria dentro de la línea del ferrocarril del oeste-santafesino. Recordemos que su familia no provenía de la elite colonial santafesina, y su nacimiento en Rosario fue fortuito, producto de los traslados de su padre. Estanislao Zeballos padre, había sido Teniente Coronel del General López, y esta cercanía hizo que fuera nombrado capitán del puerto de Rosario en diciembre de 1848. Dos años más tarde – 1851- en tanto activo adherente a la causa urquicista se asienta de forma más o menos definitiva en la ciudad portuaria, donde va a radicar a su familia, formada a partir del matrimonio con Felisa Juárez y Correa, y desde donde además iba a ejercer como Juez de Policía. Como parte de su carrera burocrática el padre de Zeballos es enviado en 1861 a Montevideo, donde se traslada junto con su familia, para regresar en 1863 nuevamente a 6

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encargado de recorrer en sus escapadas científicas8 o acompañando la retaguardia del ejercito de Roca9. Por ello siempre la “pampa” como desierto, como frontera, como confín, o como mejor ejemplo de transformación es el teatro ideal para sus descripciones. En las tres obras, el espacio narrativo conferido al relato de viaje es importante pero muchas veces no central. Hay marcadas diferencias entre lo que Zeballos relata como sus experiencias viandantes en cada uno de los tomos de la Descripción…; en Viaje al país de los araucanos evidentemente se conforma como núcleo central de su texto; en La rejión del trigo es el prologómeno ideal con significativas alusiones a su propia memoria, con referencias muchas veces colocadas dentro de un plano sensible, para un extensísimo informe sobre la evolución de la colonización en Santa Fe; en A través de las cabañas pasa a ser simplemente un relato autojustificatorio del periplo sobre las tierras del extremo sur santafesino recientemente ganadas al “desierto”. Rosario. En el ambiente rosarino de la Confederación la familia Zeballos anuda los lazos que marcarían buena parte de la trayectoria de Estanislao. Muerto su padre en julio de 1865, la Cámara de Representantes de la provincia le acuerda una pensión, y obtiene la protección de Oroño, al momento gobernador de Santa Fe, siendo el propio Nicasio Oroño quien propone su nombre, para acceder a una banca dentro del Colegio Nacional. 8 Su activa participación en una asociación como la Sociedad Científica Argentina le permite incursionar en un área de la arena pública sumamente sensible en la sociedad moderna: el discurso y el análisis científico. Es allí en donde comienza a tener relación con el amplio espectro de jóvenes argentinos lanzados de lleno a las distintas facetas de la modernidad. Se relaciona, por ejemplo con Francisco Moreno en distintas trabajos conjuntos o auspiciando a través de la Sociedad Científica los primeros viajes de exploración de este último a las zonas de los ríos Negro y Limay, llegando hasta Nahuel Huapi. En este camino es el propio Zeballos quien continuando con estas prácticas en 1876, realiza en colaboración con Reid y Moreno “Una excursión orillando el Río Matanzas” y publicando en ese mismo año su estudio geológico de la provincia de Buenos Aires. Por estos años es designado como miembro Honorario del Círculo Científico. Culminando estas actividades en 1878 presenta el informe sobre el túmulo prehistórico de Campana, a partir de las exploraciones realizadas un año antes con el Ing. Pedro Pico, dando lugar a partir de esta excavación al inicio sistemático por parte de la Sociedad Científica, de las investigaciones arqueológicas en el país. 9 En 1879 acompañado de su hermano el teniente Federico Zeballos y un fotógrafo, con los instrumentos indispensables para levantar una carta de los territorios recorridos inicia su primer viaje importante, supuestamente a sus expensas a la norpatagonia. En su recorrido encuentra en un médano cerca de la laguna Guiñe-Malal, el archivo del gobierno de Salinas Grandes: comunicaciones de campaña entre el gobierno argentino y los caciques araucanos, las cartas de los jefes de frontera, las cuentas de comerciantes que ocultamente servían a los “vándalos”, las listas de las tribus y sus jefes, dependientes del cacicazgo de Salinas, las pruebas de la complicidad de los araucanos en las guerras civiles, diccionarios, las cuentas corrientes con los comerciantes. Recoge abundante información que sería luego sustancial al momento de escribir Viaje al país de los araucanos, dedicado al gobierno nacional.

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Sin lugar a dudas Zeballos narra la “pampa” y le otorga sentido fundamentalmente luego de haberla “vivido”10, aunque no hay que desconocer por cierto las influencias de lecturas realizadas. Dada su formación dentro del Colegio Nacional y su posterior interés científico, varios textos de los considerados de ineludible lectura debieron pasar por sus manos. Entre ellos casi con certeza se puede pensar en el Viaje a las regiones equinocciales del Nuevo Continente de Alexander von Humboldt (París, 1807). Es conocido que los escritos de Humbolt tuvieron un alto impacto en las elites criollas americanas11 y permitieron que apareciera todo una serie de escritos volcados a su evocación o mejor aún a la casi repetición de su canon descriptivo. La perspectiva científica de Humboldt sumada a su prosa poética donde la naturaleza americana cobra vida, fue también un elemento muy significativo en la difusión de su obra. Por lo tanto su valor científico, su presencia estética, hicieron de Viaje… un texto común dentro de la enseñanza y la difusión de conocimiento. Basta citar entre ellos los Viajes por Europa, Africa y América de Domingo F. Sarmiento 12, en donde el sanjuanino no sólo repasa a Humboldt recurriendo a su libro para los epígrafes, sino en la elección de las formas narrativas más allá de la interesante construcción de su texto a partir de largas cartas a sus amigos sudamericanos. Por el contrario en la Descripción amena…, realizada casi cuarenta años más tarde de la de Sarmiento, Zeballos escasamente retoma los elementos centrales de la tradición humboldtiana. Las huellas de Humboldt pueden rastrearse en él a través de su vocación científica, y el esfuerzo puesto en intentar hacer de sus textos una obra literaria, pero éstos son sus límites, las fronteras intelectuales que no rebasa, y que no intenta superar13. Así si el trasfondo científico puede evocarse en Zeballos a través de la obra Humboldt, su pragmática narrativa tiene vínculos directos Específicamente este tópico fue analizado en el texto La región del trigo de Estanislao Zeballos, de libro de viajes a catálogo de mudanzas de Fernández y Navarro (2004) 11 Es conocida su influencia estética en intelectuales tan importantes como Bello y Sarmiento. Un exquisito análisis de estos vínculos se encuentra en el ahora ya clásico texto de Mary Louise Pratt (1997) Ojos Imperiales. 12 Los Viajes por Europa, Africa y América 1847-1849 de Sarmiento fueron publicados en dos tomos, en 1849 y 1851 respectivamente. El cuerpo del trabajo consta de 11 cartas a amigos de Sarmiento, un ensayo donde relata exhaustivamente su viaje por los Estados Unidos, y más de 100 páginas de minuciosas rendiciones de cuentas. 13 Lejos está Zeballos de lo que Pratt (1997: 216) reconoce en Humboldt como “la estética de lo sublime” en directa relación a la exquisita descripción planteada por el barón en sus Viajes… 10

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con los sucesivos libros escritos por los viajeros de la “vanguardia capitalista”14, venidos a las tierras argentinas con afán pragmático y economicista15. Como bien afirma Pratt estos viajeros solían adoptar en sus escritos una postura conscientemente anti-esteticista, donde la naturaleza tenía bastante menos interés para estos aventureros económicos que el que había tenido para Humboldt y sus seguidores más refinados. La descripción negativa del paisaje donde por ejemplo la pampa era conscientemente vista y narrada como un desierto era aplicada también al mundo social americano. Así la sociedad hispanoamericana en su conjunto era imputada de atrasada, de indolente y, en especial, de incapaz para explotar los numerosos recursos naturales de que disponía. Sus formas de vida basadas en la subsistencia, los sistemas de intercambio no monetarios y las economías regionales autosuficientes representaban una humillación para el capitalismo en plena etapa expansiva. El discurso de los autores de la vanguardia capitalista estaba claro: América debía ser transformada en un escenario de trabajo y eficiencia; su población colonial debía dejar de ser una amorfa y venal masa indolente, carente de ambición, jerarquía, buen gusto y dinero, para convertirse en mano de obra asalariada y en mercado para los bienes de consumo metropolitanos. En alguna medida estos objetivos podían ser compartidos por los criollos ilustrados que pretendían organizar los gobiernos y proyectos en sus respectivos territorios, en tal sentido aunque no impugnaron este discurso tampoco lo hicieron propio, en principio porque no eran la vanguardia capitalista sino sus anfitriones, y por ello expresaron por otros medios sus aspiraciones republicanas y modernizadoras (Pratt 1997: 259/271). La interpretación sobre la vanguardia capitalista desarrollada por Pratt, entra en discusión o mejor aún se complementa con la que Adolfo Prieto16 publicaría cuatro años más adelante. Para Prieto son la lectura Ver específicamente los textos citados de Pratt (1997) y Prieto (1996). Fue común que numerosos viajeros ingleses –personal técnico, empleados de grandes compañías, diplomáticos y funcionarios de menor cuantía, aventureros y empresariosrealizaran durante la primera mitad del siglo XIX un periplo que se iniciaba en el Río de la Plata, transitaba por la pampa argentina, llegaba a Cuyo desde donde se cruzaba a Chile y posteriormente se partiera a Perú, desde donde al final se regresaba a Europa. 16 Los viajeros ingleses y la emergencia de la literatura argentina de Adolfo Prieto es editada por Sudamericana en 1996; la primera edición de Pratt en inglés es publicada por Routledge en 1992 [es la que Prieto cita], y su versión castellana es de la editora de la UNQ de 1997. 14 15

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de estos autores como John Miers, Francis Bond Head, Joseph Andrews, Edmond Temple, Samuel Haigh, las que influyen directamente sobre la organización de una literatura vernácula de la mano de figuras como Mármol, Echeverría, Alberdi y Sarmiento.17 Ambos introducen la noción de que la perspectiva de los intelectuales criollos se encontró influenciada por efecto de acción, reacción y reflejo de la producción de una literatura de viajes metropolitana, por cierto heterogénea que dejó sus rastros en las formas de escritura adoptadas por estas generaciones de autores y hombres públicos americanos. Esta visión pragmática, totalmente centrada alrededor del ingreso de América, y en especial de Argentina a la modernidad, es retransitada en todas las obras de Zeballos. Aunque Estanislao reserva siempre un lugar a lo científico, también a lo familiar -muchas veces de la mano de la anécdota- siempre su descripción de viaje sobre el espacio y las personas queda contrastada con la ferviente necesidad de que la “nación” ingrese al mundo del progreso. Así si la transformación necesaria no ha ocurrido aún, Zeballos elige lamentarse largamente por la incapacidad de “nuestro pueblo” para encontrar el rumbo de la integración con el mundo capitalista18; por el contrario si en tanto observador advierte que estos cambios considerados “fundamentales” se han concretado o están

El objetivo de Prieto tal como lo indica en su introducción es identificar algunos de los lectores de los viajeros ingleses al Río de la Plata, en esencia Alberdi, Echeverría, Gutiérrez, Mármol y Sarmiento, siguiendo el “sistema de citas reproducido o inferido de sus propios escritos posteriores…de una serie que para ellos, con más naturalidad que para nosotros, recortaba el tejido global de la literatura de viajes… Desde luego, no el enunciado de la percepción de la serie pero sí la insistencia en ese enunciado pretende convertirse en una de las categorías de análisis del presente estudio… (Prieto, 1996: 22) 17 Recordemos rápidamente que la interpretación central de Pratt sobre este tema es que la influencia estética de Humboldt sobre la intelectualidad criolla, en tanto compuesta por sujetos con ascendientes marcadamente europeizantes, es estética y científica, y que conlleva la firme convicción de una reinvención de América. Para esta autora la influencia de los viajeros de la vanguardia capitalista en este plano es ínfimo debido a su visión excesivamente pragmática del mundo americano originada en el objetivo económico de sus exploraciones. Para Prieto, por el contrario, muchos de estos viajeros resultan centrales en la conformación literaria del grupo de intelectuales argentinos que vive la transición de las guerras civiles y la organización del Estado nacional. Pero si la perspectiva de Pratt es marcadamente contextualista, con un sustrato de análisis antropológico muy fuerte, la posición de Prieto, se reconoce, desde los tiempos de El discurso criollista en la formación de la argentina moderna (1988, 2006), en una tradición de análisis literario temporalmente situado. 18 Esto puede observarse muy contundentemente en el primero de los tomos de la descripción amena: Viaje al país de los araucanos.

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en vías de serlo, se sentirá satisfecho y no escatimará palabras para hablar de las ventajas que se han conseguido19. Por otro aunque no existan certezas de la lectura de Viajes de Sarmiento, Zeballos también se refleja en la obra de sanjuanino. El esfuerzo por pensar un espacio, y constituirlo a través de la palabra se concibe como una misión civilizadora; luego estará la propaganda y la consagración de un discurso como ejemplo de la acción del gobierno; esto que en trabajos anteriores hemos significado como la particular mirada “oficial” de un viajero como Zeballos20. En este sentido Zeballos y por supuesto también Sarmiento definen su diferencia, para permitir un autoreconocimiento y fundamentalmente para ser reconocidos por los demás, en este borde expresado en el conflicto desierto/civilización, en donde la definición del otro no se plasma desde el aislamiento sino precisamente desde le contacto de ahí la importancia de los «ethnic boundaries» fijados por Barth (1969, 1991), que implican también espacios donde se produce la competencia por los recursos, y de allí la negación del otro como figura empática. Son estos recursos los que recrudecen la mirada de estos intelectuales criollos que varias décadas más tarde de la revolución se constituyen en las palabras autorizadas para relatar y configurar esa frontera entre la barbarie y la civilización21. Por otro lado tanto Zeballos como Sarmiento se constituyen como observadores sociales, que en su condición de miembros de los sectores dominantes locales, fijan lo que miran y describen desde esa condición. Por lo tanto esa mirada que construyen sella una imagen homogénea y coherente de su discurso: la idea del desierto, la fuerte percepción de la inconmensurabilidad de la pampa, la recurrente figura del espacio vacío y la negación del “otro” americano en la forma del indígena y el criollo pobre. Pero esta perspectiva no se advierte con tan meridiana claridad en la comparación de Viajes y Descripción…, sino en la paridad entre esta

Específicamente estas afirmaciones pueden encontrarse en La Rejión del Trigo y A través de las Cabañas; pero también han sido abordadas por Ernesto Bohoslavsky (2008). 20 Esta condición de “viajero oficial” que caracteriza el accionar de Estanislao Zeballos puede encontrarse desplegada en sendos textos de Fernández y Navarro (2004, 2002), y Navarro y Fernández (2001). 21 Zeballos también se consagra como un viajero que observa Europa en un texto manuscrito de comienzos del siglo XX Diario de Viaje a Europa (1903-1904), conservado en el Archivo de Luján (Buenos Aires) que lleva su nombre. Sobre este escrito se puede consultar dos excelentes trabajos de Rogelio Paredes (1997a, 1997b) 19

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última y la obra fundamental de Sarmiento: el Facundo. El lugar común en ambos es el desierto; pero si Sarmiento monta el escenario de Facundo, mejor aún del conflicto de la civilización y la barbarie, fundamentalmente sobre el espacio pampeano que no conocía sino por mentas al momento de la publicación de su obra más conocida22, Zeballos lo realiza siempre sobre un territorio que ha transitado. Volviendo a la comparación con el libro de viajes de Sarmiento, este es un sugestivo relato de la mirada de un americano europeizado sobre ciudades y países considerados los mejores espejos para reflejar y comparar la realidad latinoamericana23. En el caso de Zeballos, este autor trama un texto de viaje sobre lo “conocido”, es decir sobre un contexto que a pesar de las dramáticas transformaciones que estaba registrando presenta un sustrato anterior común y reconocible; desde una perspectiva estrictamente moderna que lo considera como tensión de búsqueda y cambio, y que plasma esta experiencia en escritura e imágenes. Entonces por un lado se encuentra esta pampa anterior, hecha desierto, y por otro la nueva pampa, rebosante de vacas, cereales y europeos trabajadores. Por ello los textos reunidos en la Descripción amena... condensan distintas líneas de acercamiento respecto de la narración de viajes. En Viaje al país de los araucanos, Zeballos se consustancia con una perspectiva que lo tiene como el observador-descriptor de la avanzada del “Sabe usted que no he cruzado la pampa desde Buenos Aires, habiendo obtenido la descripción de ella de los arrieros sanjuaninos que la atraviesan todos los años, de los poetas como Echeverría, y de los militares de la guerra civil. Quiérola, sin embargo, y la miro como cosa mía. Imagínomela yerma en invierno, calva y polvorosa en verano, interrumpida su desnudez por bandas de cardales y de viznagas” fragmento de la carta de Sarmiento a Juan María Gutiérrez, fechada en Milán el 6 de mayo de 1847, que forma parte del texto Viajes… p. 348 [SARMIENTO, Domingo Faustino (1981) Viajes, Ed. de Belgrano, Buenos Aires, pp. 621; Texto tomado de la publicación en Santiago de Chiles por la “Imprenta de Julio Belin y Cía”, en 1848, bajo el título de VIAJES EN EUROPA, AFRICA Y AMERICA. El Diario de Gastos se reproduce de la edición del “Museo Histórico Sarmiento”], citado por Adolfo Prieto (1996: 183). 23 De hecho el libro de Sarmiento es uno de los primeros grandes textos de viaje que abordan esta perspectiva realizando a través de sus largas cartas un ejercicio comparativo de las realidades europeas, norafricanas y especialmente estadounidenses con las sociedades criollas americanas de la primera mitad del siglo XIX. Quizás para este último caso un antecedente de importancia fuera el texto de Chateaubriand, Viaje a la América, de 1832; conocido en los círculos literarios de Hispanoamérica. Para Prieto (1996: 170) ese conocimiento había impregnado la obra de Alberdi no sólo a partir de la obra de Chateaubriand, sino también de Hugo y Lamartine: el romanticismo estaba allí, al alcance del “poder de plasmación poética de la naturaleza sobre todos sus hijos”. 22

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“progreso”. Allí nos presenta un desierto conquistado, pero desierto aún. La naturaleza, el paisaje son elementos básicos en su descripción, y se presentan como el continente de los que “no eran” y los que “ya no son” –por sobre todo indios y criollos pobres-. Mientras que en La rejión del trigo y A través de las cabañas Zeballos se esfuerza por revelarnos un desierto ya transformado, ya aggiornado a los cambios que la inteligencia nacional venía proponiendo. Se deleita en mostrar con detalles esta evolución, en detenerse en el montaje discursivo entre la pampa de su niñez, amenazada por las tribus indígenas y esa pampa ahora “prodiga” ejemplo de colonización y progreso (Fernández y Navarro, 2004). De este modo Descripciones… representa la cosmovisión discursiva de Zeballos en torno del modelo de estado y nación consolidado a partir de 1880 y centrado en esta oposición binaria de civilización y barbarie que por otra lado recorre buena parte de la literatura vernácula del momento, y también la del relato de viaje típico del siglo XIX. Las huellas que preceden al autor Estanislao Zeballos nace en una coyuntura muy especial de la Argentina del siglo XIX: el proceso de constitución del Estado nacional, específicamente durante los primeros años del ensayo de la Confederación Argentina, que enfrentaba la secesión de la provincia de Buenos Aires. Si su nacimiento se correspondía temporalmente con el proceso abierto por las expectativas generadas por Urquiza en el marco de hacer viable su proyecto de gobierno; su primera juventud se encontraría condicionada por los avatares de la construcción del Estado ahora unificado. En 1866 llega a Buenos Aires gracias al impulso dado por la elite santafesina, que veía en el joven Zeballos la encarnación del proceso de consenso entre facciones iniciado en la década del sesenta. Las obligaciones de Zeballos no eran institucionalmente hablando una cuestión de estado, sino que pueden ser observadas desde un plano simbólico. El rol del que es investido Estanislao es el de ser un joven representante de la elite santafesina que busca congraciarse con el gobierno nacional. La formación de jóvenes dirigentes en el clima de frágil unidad que proporcionaban los primeros años de la organización nacional era un objetivo central para superar la apenas reciente antinomia

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entre porteños y provincianos. La fortaleza de esta posición es tal que se evidencia con meridiana claridad en las propias palabras de Zeballos: “En este Colegio en 1866 se reunían un grupo de niños reclutados en la capital provisional y en todas las provincias de la República. La administración MitreCosta anhelaba la nacionalización de los ideales en aquellos tiempos de enardecidos localismos”24. Pero la instancia del Colegio Nacional era sólo un peldaño en la carrera que Estanislao pretendía. Si bien sus pasiones se inclinaban en torno de la exploración, la observación de la naturaleza, su historia y sus fenómenos, no pretendía postergar otros hitos como el periodismo, la literatura, y en especial una formación profesional que le abriera no sólo las puertas a un mejor pasar económico, sino en especial que fuera la llave para un intercambio relacional tanto en términos sociales como políticos. Zeballos cubrió las expectativas puestas en él integrándose activamente a la vida pública. Sus múltiples tareas y funciones así lo demuestran; pero la balanza de gratitudes hacia los que habían hecho posible su recorrido no se inclinó directa e inmediatamente hacia sus comprovincianos. Fundamentalmente en el juego de compensaciones Zeballos reservaría un lugar destacado para los sobresalientes hombres de ese Estado nacional que se estaba construyendo y que se sentían protagonistas de este proceso. Para ello Zeballos se concibe y se proyecta como un hombre público que debe su esfuerzo a la nación, no a su provincia natal. El excesivo apego provinciano no se vislumbra en sus acciones. La obligación sentida por Zeballos era para con la república y la correspondencia que él experimenta tendría que ver con el ritmo entrecortado y peligroso del intercambio de ayudas y servicios. Así Zeballos, aún en estos años de juventud, se constituiría personal y públicamente a través de una fuerte y creciente participación dentro de la clase dominante. Zeballos multiplica sus esfuerzos en la década de 1870. Su precoz y vertiginosa vida pública se disocia en diferentes actividades entre las cuales la narración de experiencias y relatos de viaje ocupan buena parte de su producción escrita. Como dijimos más arriba es también en esa

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Zeballos, Estanislao, En la niñez y en la muerte. 1866-1909 en Revista de Derecho, Historia y Letras, Buenos Aires, Tomo 33, Buenos Aires, 1909, pp. 447- 448.

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década iniciada en los años setenta en donde Estanislao Zeballos con poco más de veinte años inicia una carrera política y burocrática ascendente y multifacética, que resume buena parte de las aspiraciones hegemónicas del sector al cual representaba. Al volver de su viaje tras el ejército de Roca funda en 1879, un nuevo espacio en donde vuelven a anudarse la vidriera pública con las estrategias y deseos privados: el Instituto Geográfico Argentino25, del cual será presidente durante los primeros años. También comienza la escritura de los sucesivos tomos de Descripción amena… y se vuelca a una decidida y activa participación dentro de la política oligárquica. En el levantamiento contra Avellaneda es secretario de Mitre, en 1879 es elegido diputado para la Legislatura de Buenos Aires26. A comienzos de 1880 en los levantamientos por las candidaturas de Roca o Tejedor se incorpora a las fuerzas gubernamentales de Entre Ríos, Santa Fe y Córdoba al mando del coronel Racedo. En septiembre de 1880, Zeballos es elegido diputado nacional (1880-1884) por el distrito federal en una lista del Partido Republicano. Se opone decididamente a la política de Roca, por ello en 1882 trata de impugnar los diplomas de diputados roquistas por haber sido electos mediante el fraude, lo que le implica no ser reelecto en el período siguiente, su lugar en la lista lo ocupa Ataliva Roca. Entre 1884-1888 es diputado nacional por Santa Fe, aspirando en 1885 a la candidatura a la gobernación de Santa Fe sostenido por el Partido Constitucional, confrontando con las candidaturas de José Gálvez (Club del Pueblo) apoyado por el roquismo, y la de Agustín de Iriondo. Entre 1888 y 1889 es reelecto como diputado nacional. Renuncia para ser ministro de Relaciones Exteriores (1889) de Juarez Celman; después de 1890 renuncia pero Pellegrini lo confirma en el cargo, para continuar con la problemática de límites con Chile. Entre 1888 y 1894 permanece ausente del país, ya que es nombrado como delegado argentino ante la Corte permanente de arbitraje de La Haya; además en 1893 es designado como ministro plenipotenciario en Washigton por el problema de límites con Brasil, aunque en 1895 ante las duras críticas emitidas por su actuación, renuncia. La institución ha continuado su quehacer hasta el presente siendo en la actualidad el Instituto Geográfico Militar, que por otra parte conserva un importante archivo sobre Estanislao Zeballos. 26 Es elegido por el Centro Popular, una tercera fuerza que concurre a los comicios con una lista de conciliación entre mitristas y autonomistas, y otra de autonomistas puros, encabezada por él mismo y por José C. Paz. 25

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Entre 1898 y 1904 no participa en política ya que se había convertido en un opositor de Roca, criticando abiertamente abiertamente su política exterior, pero también el paternalismo presidencial llegando a presentar además un programa de reconstrucción nacional, con las siguientes bases: moralización administrativa, reorganización de la vida política de los partidos y resurrección y robustecimiento de las autonomías provinciales, y rechazando los pactos de mayo (1902) con Chile. En este tiempo intensifica su actividad dentro de la Revista de Derecho, Historia y Letras, y en sus estudios de abogado de Buenos Aires, Rosario y Bahía Blanca. En 1906 vuelve a la cartera de Relaciones Exteriores llamado por Figueroa Alcorta. Resistencias internas (los roquistas y los republicanos de Emilio Mitre y el diario La Nación) y externas: el canciller del Brasil -Rio Branco-, dada la vocación armamentista de Zeballos, lo llevan a renunciar en 1908. Entre 1912-1916, con la Ley Saenz Peña es elegido nuevamente diputado nacional por Capital Federal como candidato del Partido de la Unión Nacional, presidiendo la Cámara de Diputados por ser una personalidad “neutral”. Todas estas actividades las va desarrollando conjuntamente con la docencia en el Colegio Nacional, el Colegio Militar, el Liceo Naval y la Universidad de Buenos Aires (donde llega a ser decano de Filosofía y Letras, y de Derecho), y una multitud de cargos de gestión que van desde minúsculas evaluaciones para el gobierno de Santiago del Estero, hasta ocupar la Dirección de Correos y Telégrafos. Siempre interesado por propiciar y actuar distintas entidades asociativas de carácter científico y profesional27, y por sobretodo en ser protagonista en ellas, en el final de su vida (1919) funda la Rama Argentina de la International Law Association, que presidió desde entonces y hasta su fallecimiento en Europa (Liverpool, 1923), a donde se dirigía para presidir un congreso jurídico internacional luego de una gira académica por los Estados Unidos, invitado por el Institut of Politics de la Universidad de Harvard para participar en su ciclo “Conferencias de Williamstown”. Como se observa Zeballos se constituye en una buena síntesis del hombre moderno de fines del siglo XIX y principios de XX argentino. Esta diversidad de actividades encuentra un eje ordenador que trasciende a todas ellas e incluso al actor, y este es el grupo al que pertenece. Si por 27

Internacionalmente fue miembro de la Real Academia Española, la Junta de Historia y Numismática Americana y del Institut du Droit International.

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un lado esta heterogeneidad es un denominador común en los miembros de esta elite dirigente, por otro es necesaria para legitimar la pertenencia a la misma. Una dispersión similar a sus tareas aparece en la obra de Zeballos. Escribe artículos periodísticos, relatos de viaje, trabajos de carácter etnográficos y descriptivos, obras de derecho público y privado y textos sobre los temas más diversos. La coherencia está dada nuevamente por esa elite dentro de la cual y para la cual escribe y que necesita darse determinadas pautas culturales e ideológicas. Su madurez intelectual y política se desarrolla a la par del Estado que se estaba gestando; correspondiéndose su obra con la asceleración que el paso de la nueva nación imponía. En la vorágine de los acontecimientos de la vida pública del cambio finisecular decimonónico, Zeballos cuidó con especial esmero su perfil intelectual y científico. Para ello no sólo se vinculó activamente con los hombres del grupo dirigente participando en la arena política, disputando su espacio dentro del gobierno, procurándose su ámbito de legitimidad y gestión, sino buscando y obteniendo un reconocimiento dentro de actividades propias de un hombre de letras y de ciencia. Es que tal como afirma Halperín (2000: 56) los nuevos intelectuales buscaban deslindarse de una identidad construida a partir de su pertenencia a uno de los subsectores de la elite, reivindicando en cambio un lugar eminente como premio de su excelencia en tanto intelectuales; su formación ahora los autorizaba a elaborar ideas y conocimientos acerca de la sociedad, a partir de un esfuerzo de análisis que proclama como su único objetivo la búsqueda de la verdad. Sus textos fueron una piedra angular en este su proyecto de vida; pero no debemos descuidar tampoco su tarea como periodista y fundamentalmente la que resulta su empresa más emblemática y también más tardía: la Revista de Derecho, Historia y Letras28. Como referencia 28

Fundada y dirigida por Zeballos se edita por primera vez en 1898 y se prolonga en 76 extensos volúmenes hasta su muerte en 1923. En rigor la revista contiene ensayos de interés académico y público, redactados por el mismo Zeballos y varios de sus contemporáneos argentinos y extranjeros. En sus páginas se publicaron decenas de artículos, algunos de ellos de trascendencia para la historia intelectual argentina. Merecen destacarse el famoso ensayo crítico de José Ingenieros acerca del libro de Juan A. García “La Ciudad Indiana”, el trabajo de Ramos Mejía “Las multitudes argentinas”. Un trabajo específico sobre esta publicación es el realizado por Gisela Galassi, Julieta López y Gabriela Contreras (2004).

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cabe consignar que para Zeballos esta publicación se constituía como el escenario de los “espíritus selectos”29, aquellos capaces de interpretar y llevar adelante las metas trazadas por la organización de la nación; y estos no eran más que sus pares, formados y firmemente consolidados en las lides públicas, como él en las últimas décadas del siglo XIX. La revista cierra la parábola de Estanislao y sus huellas con el lema resaltado al comienzo de cada uno de sus tomos: scribere est agere. La rejión del trigo De las tres obras que componen la Descripción Amena, La rejión del trigo descolla por representar como ninguna el cotejo entre el antes y después de la aplicación proyecto de modernización. Las discrepancias entre el territorio de Desmochados30 de la temprana juventud de Zeballos, lábil y permeable frontera del centro-sur santafesino, zona de contacto entre criollos e indios, y la consolidada “región del trigo” de los años ochenta del siglo XIX, poblada de inmigrantes, sembrada de trigo y recorrida por el ferrocarril se convierte en el eje del discurso de Estanislao. Tal inquietud se recorre a lo largo de todo el texto; texto de poco más de 330 páginas, estructurado en base a tres líneas argumentales: la anécdota, el viaje y los informes oficiales. En el inicio Zeballos introduce la anécdota de su niñez y su primera juventud, reafirmando el canon literario que como afirma Nicolás Rosa (2001: 25) es modelo de viaje iniciático que siempre comienza en anécdota pero que no resigna en ella la real dramatización de la aventura humana. Así la breve anécdota enreda al relato de viaje, narración que se precia en describir los cambios suscitados en el paisaje de la pampa santafesina; la pampa transformada de su niñez, poblada de hombres extranjeros laboriosos, revestida de

“Consideramos un deber y un honor ofrecer estas páginas a todos los espíritus selectos que contribuyen a la civilización argentina y americana con una brillante y severa devoción a las letras” (...) en sus páginas no hallaran hospitalidad las disertaciones frías sin ideales y sin forma” Revista de Derecho, Historia y Letras, Tomo I,Buenos Aires, 1898, p. 5. 30 Desmochados es el nombre que en el siglo XIX se le daba a la región al sur/sur-oeste de la ciudad de Rosario. Esta área fue la privileðgiada como área de colonización por los proyectos de influyentes empresarios privados. Su cercanìa con el puerto fluvial de Rosario, hizo que tempranamente se la uniera con el ferrocarril y que se diagramaran sucesivas ofertas colonizadoras en las tierras antes dedicadas a la ganadería, y que en la práctica representaban un área de contacto con los grupos de pueblos originarios de la extensa “frontera” sur argentina. 29

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trigo, próspera y pródiga. Del viaje en carro de su infancia, al viaje en tren, del galope inseguro por los caminos abiertos con indios asechando, al trote cancino por la estetizada campiña segura y feliz, donde las evocaciones a la forntera están totalmente ausentes. Superado el viaje, la dos terceras partes de su libro reproducen, como piezas de su gran rompecabezas, informes oficiales de diversa índole, recorriendo desde la población, la agricultura, hasta la urbanización y el ferrocarril. Aquí se elude intencionalmente la narración de la experiencia viandante, adquiriendo relevancia la información oficial vinculada más a la propaganda de los órganos de gobierno encargados con fruición a recolectarla. Sin embargo no debemos confundirnos, estas dos últimas partes sólo adquieren relevancia en la medida de esta introducción que Zeballos monta, donde la anécdota, pero también la reconstrucción del recuerdo son las poderosas imágenes sobre la que edifica su argumento de reificación del ingreso a la modernidad. Persiguiendo el cánon humboldtiano inaugura su texto describiendo su concepción geográfica de la nueva república sudamericana, muy anclada por cierto a las divisiones configuradas durante los tiempos del rosismo y la Confederación: “La República Argentina estaba dividida en dos grandes agrupaciones geográficas: el Interior y el Litoral; y entre el Interior y el Litoral mediaba la extensión inmensa de la Pampa” (p.13)

Pero también su relato redunda en torno de una nueva cartografía sensible que imponía desde fines de los años cuarenta la calificación de la Pampa como desierto, y por consiguiente como territorio valdío, es decir sin presencia blanca y carente de “civilización”. Por ello la recurrencia justificatoria a los vívidos recuerdos del ayer, de su temprana juventud, es donde esta imagen se exalta. Su memoria está imbuida de un presente en donde ese pasado sólo puede ser evocado negativamente. El recuerdo de Zeballos no es romántico, no existe una mirada bucólica y contenida de la pampa del ayer, sino por el contrario en el contraste se refuerza la persuación en torno de las bondades de la modernidad. “En 1878, á los catorce años, volví á la Candelaria y no vagaron los ojos en aquel solitario desierto que durante mis primeros años crucé cien veces, cuando la población apenas asomaba tímidamente concentrándose en fortines, y los araucanos recorrian los campos y no era posible alejarse á cien metros de la trinchera sin peligro de la vida!”(p.27)

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El abrazo al desierto Nos ahoga el desierto! El desierto es la muerte, la barbarie, la soledad cuando menos! p. 181.

Zeballos recorre en su texto la transitada imagen del relato de viaje alrededor del desierto. Esta idea de ausencia sobre un territorio que no ha sido ocupado vehementemente por el hombre blanco es un lugar común para las descripciones del siglo XIX. Su homologación con la muerte, mejor aún con el ahogo de la muerte, e inmediatamente con la barbarie, una barbarie más cercana a la crueldad que a la incultura, le permiten llevar al lector transitivamente a la fácil antítesis sarmientina. Sin embargo Zeballos propone una pista más sugestiva y aparentemente más ingenua, la soledad también es sinónimo para el desierto. Para Zeballos como para tantos descriptores del diecinueve la otredad es un tema Hrecurrente. Sistemáticamente la constitución desde la descripción y la calificación del “otro” permite mediante una operación lógica pero también material autoreferenciarse desde un lugar de poder. En este caso no sólo la del hombre blanco europeo que recorre tierras “ignotas” del planeta, sino como el representante de un proyecto, de un modelo que debe ser impuesto en el espacio social pampeano. La soledad es síntoma y reflejo a la vez de la condición de este proyecto en las décadas de la consolidación del Estado nacional. Como síntoma se va a ver explicitado en que ahuyentado el indígena, incorporado el extranjero, aún no se ha completado la construcción del nuevo ciudadano argentino, porque lo que Zeballos señala como criollos distan bastante aún de este ideal y se constituyen muchas veces sólo como el referente metonímico de la patria. Así para Zeballos, en palabras de Halperín, el desierto en su soledad espera la nación. En tanto reflejo es más visceral, ya que es el propio narrador el que esta solo y describe sin punto de referencia para identificarse, lo que ve no es parte de su mundo real e ideal; bajo esa luz, está solo. La barbarie también recorre el tiempo. Es la barbarie de su niñez en la pampa que rodea a Rosario: “Al caer la tarde del 25 de setiembre de 1864 palpitaba una extraña agitación en las estancias de los distritos limítrofes de los Desmochados y la Candelaria, sobre ambas márgenes del rio Carcarañá. Los chasquis volaban de un establecimiento a otro y entre estos mismos y sus esparramados puestos. Los peones corrian en sus mejores caballos recojiendo las haciendas vacunas... Las pesadas tropas de carretas con sus innumerables boyadas, los árreas con sus

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tropillas de preciosas y adiestradas mulas, las caravanas de carros que corrian sobre el haz de este desierto, sirviendo al intercambio del Litoral con toas las regiones del interior, ... acampaban al pié mismo de las azoteas; y de todos lados converjian á refujiarse en ellas grupos de familias atribuladas y sollozantes.. [...] Los indios habian burlado la vigilancia de la línea y acampaban en las orillas de la zona poblada de los Desmochados y de la Candelaria. [...] Qué solemne horror el de estos dias! Los campos talados, arrebatados los ganados, cautivas las familias, horrendamente inmolados los jóvenes mas apuestos y vigorosos del lugar! La comarca estaba envuelta en el silencio de los cementerios y en los hogares y en la pampa se sentia el espanto de la muerte!” (pp. 25-26)

Y es la barbarie que secunda a las prósperas colonias cercanas a Rosario. “Hace diez años que esta comarca era constantemente perseguida y ensangrentada por los indios. El peligro ha desaparecido ya y solamente quedan como resabios entre el vulgo, los temores de nuevas irrupciones de los bárbaros.” (p. 147).

Barbarie que ya no es sólo desarticulada por el Estado, sino que es compelida a retirarse por la avanzada de los colonos. “Durante mi visita á las colonias reinaba, en las más fronterizas, cierta alarma, producida por un invasión de montaraces. Dos jóvenes colonos se habian aventurado con sus rifles á perseguir á los bárbaros hasta las guaridas selváticas, y cuando se temblaba por ellos, regresaron victoriosos, introduciendo triunfalmente hasta la plaza del Pilar una carrada de cadáveres: eran siete indios muertos por ellos! “ (p. 147).

La persecución es cacería, es victoria y es triunfo; y en su crueldad también el fiel reflejo de un desierto habitado por futuros muertos. Allí la idea de vacío, de nada es compelida por el acto de desaparición del otro. El desierto no esta vacío, sino que está lleno de “otros” que sólo son en la medida de su exterminio. En el relato de Zeballos también aparece otro ingrediente; ese desierto depositario de la barbarie no sólo es pampa, es, también en las riberas del Paraná y orillas de los bosques chaqueños, selva. En tal sentido Estanislao Zeballos retoma colateralmente en su descripción una de las manifestaciones principales de la otredad en el pensamiento europeo: la distinción entre tierras tropicales y tierras templadas. Zeballos plantea, tal como afirma David Arnold (2000), un nuevo giro a la otredad, la de comprenderla en su dimensión conceptual y no sólo física; de este modo llamarle “los trópicos” a una parte del planeta se convirtió con el paso de

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los siglos en una manera occidental de definir, con respecto a Europa algo culturalmente ajeno y ambientalmente distintivo. Las selvas existían sólo en yuxtaposición mental a la normalidad percibida en las tierras templadas. “En otro lugar había sido sorprendido en los bosques un colono italiano por una tribu viajera. No tenía armas y los bárbaros lo asaltaban, enristrando sus lanzas, en son de mortal amenaza. Pero el colono llevaba un instrumento de cobre y empezó á tocar un vals. Los indios sorprendidos al principio se dividieron en dos bandos. Pedían los unos la muerte del cautivo, mientras otros y entre ellos todas las mujeres, defendían su vida, abogaban por su libertad y escuchaban extasiados la música improvisada” (p. 147-148).

También introduce en alguno de sus párrafos la seducción de la barbarie por la cultura. Secundario en el juego de oposiciones instalada por Zeballos, el antagonismo entre barbarie y cultura se enfrenta con los condicionamientos simbólicos típicos de la literatura de viajes del s. XIX. La cultura va de la mano del varón blanco, quien en el relato de Zeballos puede interpretar música y así defenderse de los indígenas. La barbarie se fragmenta y adquiere visos de naturaleza comprensiva de la mano de las mujeres, capaces de dar cuenta del sentimiento y del cuidado; y donde finalmente, en el juego de trasposiciones, tal naturaleza identificada con las benefactoras figuras femeninas, será seducida y controlada por ese representante del mundo europeo. Estos elementos señalados además actuarán como telón de fondo del objetivo último de Zeballos: la consolidación del modelo de desarrollo agroexportador. Así describirá a los colonos inmigrantes no sólo referenciándose en el enfrentamiento con el indígena, sino además en tanto héroes y paradigmas del proyecto político encarnado por el propio Zeballos. “El alimento de nuestro organismo es la población, y apenas nos ocupamos subsidiariamente del tópico, aguardando que nos devore la anemia! Reacción! Brazos! Brazos! Brazos! Esta debe ser la bandera que nos apasione, ya que hasta ahora solo nos fascinan las luchas electorales, porque se resuelven en distribución de empleos y comodidades! Todos los grandes problemas argentinos están subordinados al problema de la población. Sin ella no hemos de ser ricos, sin ella no seremos libres, sin ella no avasallaremos la barbarie de los desiertos que forman las seis octavas partes de la Nación.” (p. 181).

Lejos de ser metafórico el lema “gobernar es poblar” transita de forma explícita las páginas escritas por Zeballos. Como nunca, su visita

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a las colonias santafesinas le sirve de excusa para machacar sobre tales afirmaciones31. “No obstante, la bondad del clima de los terrenos feraces y bosques exuberantes, esta rejión ha sido poblada con lentitud, por los peligros y desgracias que solia ocasionar la proximidad de los indios, dia á dia mas reducidos y alejados del teatro de aquella civilización progresista” (p. 145)

Al solemne horror de los días pasados, en claroscuro Zeballos contrasta el auge de la civilización, ya que no sólo se había alejado el fantasma de los malones de forma definitiva, sino casi como un efecto mágico las comarcas santafesinas habían mutado en un muy breve lapso en el paradigma del proyecto colonizador. “En Santa Fé se apoya la zona principal colonizada, que caracteriza propiamente la Rejión del Trigo. En el departamento de la capital florecen, efectivamente, las principales colonias de la República...” (p. 145)

Volviendo al problema del indio retomado consecuentemente por Zeballos a lo largo de su obra, es de resaltar que existe en la descripción trazada por este autor un abuso de procedimiento manifestado en la ausencia en torno de la consideración nostálgica por el paisaje abierto, la vida sin frontera, y aún la épica del combate con el indio. Duramente Zeballos de nuevo abunda sobre los cánones clásicos de civilización vs. barbarie en la imposibilidad de su texto y de sus ideas de combinar las articulaciones de otros discursos. “Pocos años hace que los campos del Salado eran temidos y permanecían solitarios. Hoy la estancia los domina por completo, su valor ha crecido un trescientos por ciento y la colonia de estrangeros se lanza á ellos, adivinadora audaz del porvenir” (p. 149). “Sobre estas llanuras cubiertas de pasto fuerte, con pequeños bosques á la margen del Paraná, á veces arenosas, escasamente recorridas por aguas superficiales, con lagunas dulces, que se secan enjugadas por terrenos ávidos... han levantado los colonizadores el gran monumento de la Civilización Agrícola Argentina. “ (p. 150)

El antagonismo se arrastra también hacia la figura del inmigrante. En su llegada es pobre, ignorante, corto, está sólo y desvalido, su minoridad trasciende la decisión del viaje, la ruptura con su comunidad y sus tradiciones. El exclusivo contacto con la pampa transformada lo

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Para ampliar este tópico ver el texto “Zeballos, la parábola de la narración. Un estudio de ‘La rejión del trigo’ como libro de viaje” de Sandra Fernández y Fernando Navarro (2002).

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convierte en una figura ejemplar, ahora es otro. Es que el modelo no sólo transfigura el paisaje, no sólo expulsa al indio, no sólo solapa al mundo rural de la Confederación y el rosismo, muda al sujeto social privilegiado en el esquema oficial de desarrollo: “...Mirad al colono en el muelle, pobre, desvalido, conducido hasta allí después de haber sido desembarcado á espensas del Gobierno, sin relaciones, sin capital, sin rumbos ciertos, ignorante de la geografía argentina y de la lengua castellana, lleno de zozobras... Venid ahora conmigo á ver á este mismo inmigrante en el primer grado de su transformación social. Hélo aquí! Sale á recibirme en su hogar, porque tiene ya un hogar. Su espontaneidad y la expresión de alegría sincera de su semblante tostado y percudido, dicen con verdad el bienestar de su alma. ¡Cuán hermoso es el contraste! Oídlo!... El hombre es robusto, hábil y moral. No tiene vicios, ni veleidades” (p.34)

La representación del mundo que Zeballos proyecta está en directa concordancia con el lugar que el hombre ocupa en el mismo. Para ello nada mejor que partir de una diferenciación o más aún, una contraposición como la que narra. La segunda imagen provista para el colono esta directamente relacionada con el concepto de progreso, y ratifica el desarrollo de la cosmovisión de Zeballos. Este paisaje disciplinado y domesticado del mundo colonial, donde los hombres nuevos que lo habitan se convierten en simbólicos estandartes de la propaganda de Estanislao, y justamente al convertirse en elementos emblemáticos, son epicentros y disparadores a su vez de un conjunto de representaciones tendientes a la construcción de lo real. Tal como afirma Balandier (1992) la producción de estas imágenes, su manipulación y reordenamiento no hacen más que conducirnos a la presentación de su sociedad y legitimación. “Es aquí donde el viajero puede recorrer sorprendido cuarenta leguas de tierra de Norte á Sur y cincuenta de Este a Oeste, por entre calles de plantaciones de cereales festoneadas de zanjas, álamos y sauces, deteniéndose á cada paso en las confortables moradas de los colonos, que se suceden cada quinientos metros y distraido por los grandes establecimientos industriales, dónde se prepara ó complementa la elaboración del suelo. […] “He aquí la rejión … que he recorrido dos veces con embeleso y con patriótico enternecimiento: en el invierno, cuando los rastrojos presentaban el aspecto sombrío de un país quemado que revive, en el Verano, cuando relampagueaban los trigos sazonados, como espigas de oro. “ (p. 150).

Para Zeballos además este contexto El marco oportuno y conveniente se encontraba protegido en los ejes centrales del proyecto 273

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del Estado argentino, desde la letra de la Constitución Nacional y desde la práctica política y social implementada por sus hombres públicos. “No existe país sobre la tierra dónde los estrangeros gocen de mayor amparo de estímulos mas positivos y de privilegios mas atrayentes y completos que en la República Argentina. Conservan desde luego su nacionalidad y su religión, al amparo de una constitución adelantadísima, que ofrece sus derechos y garantías á todos los hombres del mundo que quieran habitar el suelo argentino.” (p. 182). “La igualdad ante la ley es un hecho para todos los habitantes, no solamente en la distribución del impuesto, sinó en el uso y el goce de todos los derechos civiles. Así, los estrangeros son admitidos en los empleos públicos, sin mas condicion que la de idoneidad para desempeñarlos; y el pueblo argentino es en este sentido tan liberal y generoso que el Congreso, interpretando sus aspiraciones con fidelidad, rechazaba en 1882 un proyecto de ley que tendia á excluir á los estrageros de los empleos políticos y administrativos. “ (p. 182-183).

La nación y la república amparan el arraigo del extranjero pues bien como dice Zeballos éste es tanto más sólido, cuanto mayor es el bienestar moral y respeto que se le brinda al inmigrante, pero tales cualidades sólo pueden ser aprehendidas en tanto y en cuanto se le agregue la abundancia y la facilidad de bienes materiales. El inmigrantes sólo podrá aspirar a ser ciudadano si es próspero; sino seguirá siendo sólo un inmigrante más. La dicotomía no se presenta en ser argentino o extranjero, criollo o inmigrante sino en la coyuntura de una identidad basada en la propiedad y la acumulación económica. “Ver en la tierra de su hospedage el tránsito libre y honrado de la bandera que cubrió su cuna, es reunir todas las satisfacciones morales, hermanadas la dicha del hogar con las alegrías cívicas, por la conjunción en el lugar de su residencia del culto de la familia y de la propiedad con el amor de la Pátria. ¿Y cómo lograrlo? Aclimatando, por decir así, el emblema, los próceres, las ideas y las obras del estragero en nuestro suelo. “ (p. 184-185).

Zeballos asume esa sociedad colonial del sureste santafesino como un fenómeno posible de explicar la realidad de la identidad que se pretendía trazar desde el modelo de nación que lo involucra directamente, parcializándola al referir sus condiciones de producción a una determinación absoluta; sólo es posible hacer visible a esos individuos que se apropian de un “mundo” en “conversación” con los otros sólo en tanto pares, en un contexto modélico. Los colonos se “apropian” del universo de la frontera, su acción la desconfigura, la corre, la civiliza. “Los hijos de suizos, alemanes, franceses ó italianos que predominan en la colonia y generalmente de madres argentinas, hablan las lenguas de sus padres y el

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castellano; y como tipos fisonómicos ostentan los rasgos vigorosos de los bretones, con todas sus virtudes para la tarea agrícola y para la vida social. “ (p. 158-159).

El carácter de la relación individuo-sociedad propuesta por Zeballos no presupone una paridad relacional. En su relato la identidad se reafirma en relación con otras identidades, resaltando su distintividad, y necesitando como condición crear desde fuera una conciencia de comunidad o por lo pronto algún grado de ella. Esa acción para Zeballos no es más que la concreción de una conducta apropiada que lleva implícita una serie de elementos que no hacen más que delinear el perfil deseado para los pobladores de la pampa. Zeballos no solamente modifica la percepción de la cotidianeidad de la campaña sino que también en aras de esta reconstrucción, deja de lado aspectos de dicho acontecer que tiñeron buena parte de la vida decimonónica32. Este bagaje simbólico mediatizado por un tono moralizante dibuja la senda por la cual transita la modelización de las conductas individuales y colectivas, las mismas, atravesadas por la justificación científica y la racionalidad económica actúan como catalizadores de adhesiones al sistema de valores, a través del cual la interiorización de aquellos conduce directamente a una acción común (Baczko, 1991). En esta reelaboración del mundo de Eulojia Llanos, Zeballos exalta el ideal del expansionismo como empresa, en el estricto sentido de este término. El progreso se evidencia en la transformación productiva y en la racionalidad económica como referente de legitimación. “...Los talleres mecánicos, los molinos, la viabilidad escelente, las máquinas agrícolas, los buques que ensayan la navegación del Carcarañá henchidos del fruto de sus comarcas, todo esto encanta al argentino, le infunde fé en los soñados destinos de la Pátria, le revela la nueva faz de nuestra sociabilidad con un movimiento vertiginoso que subyuga unas veces y aturde las otras...” (p. 36)

En esta lógica el rol del inmigrante es el marcado por la laboriosidad, como referente de conducta apropiada: “Estos espectáculos

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La mayor parte de los escritos de época dan cuenta de un estilo de vida peculiar, de un espacio y un tiempo signados por luchas independentistas conflictos civiles, disponibilidad de hombres para la pelea, ámbitos de sociabilidad relacionados con el juego y el alcohol, que perfilan y se constituyen en elementos inherentes de una cotidianeidad marcada por la presencia de una violencia vivida como natural. (Diodati-Liñán, 1993)

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edificantes son comunes en la colonia Candelaria, cuyo sistema exige al colono mas que aptitudes y voluntad...” (p. 35); y contrariamente a las anteriores estrategias discursivas del autor aparece el desempeño de los viejos residentes del lugar. En la voz de Eulojia se traza el recorrido de los que habían sabido esperar algo de las consecuencias mediatas de la unificación nacional. Sin embargo estas narraciones marcan un nuevo punto de inflexión alrededor del discurso y modelo hegemónico. “Así la colonia Candelaria es una lección para los que se ocupan en Sur América de la colonización. Es la obra esclusiva del capital particular, que no recibió jamás subsidios oficiales, transformando una estancia de diez leguas solitaria y ensangrentada ayer, en una campiña europea, cuyo espectáculo edifica de tal suerte las vecindades que todo el Depantamento del Rosario se llena de labradores formados por su ejemplo y que tienen mas de veinte leguas cuadradas bajo arado y segadora...” (pp. 35-36)

En todo el relato de Zeballos es posible encontrar en forma explícita la sofisticación alcanzada por la ideología del colonialismo del siglo XIX en un discurso plagado de moralizaciones y ejemplos. Zeballos nunca habilita la posibilidad en este escrito de enfrentar, aún sutil o ingenuamente, el concepto mismo de civilización con el que, en última instancia, se justifican y habilitan estos proyectos. La reproducción discursiva de Zeballos es llana, por momentos hasta cándida pero efectiva a la hora de imponer la “oficialidad” de un discurso elaborado desde un texto que pretende introducir el relato de un viaje. Finalmente los atributos señalados por Zeballos se tornaban vigorosos y plenos en el escenario de la pampa regenerada. El paisaje en tanto naturaleza adquiría en términos humboldtianos su condición de protagonista, ya que no se puede separar de su contexto histórico y su búsqueda de difuminación con el todo. La fibra cívica, exaltada con los resplandecientes progresos, precipitaba las palpitaciones del corazon y la civilización agrícola, abriéndome su seno, me llenaba de patriótico orgullo. Parecíame que el grandioso espectáculo de la Pampa regenerada por el brazo del hombre, vestia su esplendor de gala para incitarme á tomar la pluma y saludar la transformación de la República; y palpitaban en mi memoria, como una vaga y misteriosa melodía que se oye en sueños, las palabras del himno: Al Gran Pueblo Argentino, Salud! “ (p. 167).

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La frontera del tiempo descripta amenamente En toda la obra de Zeballos la idea general de desarrollo y progreso contenida en la incorporación de la Argentina a la división internacional del trabajo era clara y decisiva, es en La rejión del trigo donde emerge con poderosa fuerza la carga comparativa de las transformaciones evidenciadas sensiblemente por el autor. En tal sentido Zeballos introduce el tratamiento de la sociedad tradicional de las primeras décadas independientes como una parábola, en donde la anécdota, la descripción diacrónica del paisaje y la experimentación del cambio político, y por ende la transformación social se confunden en una articulación contenida singularmente en la imagen de una mujer, Eulojia Llanos. “Era de su número Doña Eulojia Llanos, de una familia de estancieros del distrito de los Desmochados, comarca frecuentemente invadida por los araucanos, teatro de conmovedoras desgracias y de sangrientos episodios” (p. 14)

De este modo Zeballos asocia simbólicamente a la sociedad anterior a Pavón y a la naturaleza “casi bárbara”, aún no devenida en paisaje con la figura femenina de una ilustre matrona del interior, en un juego en donde sus contornos expresan no sólo la idea de un paisaje virreynal y postindependiente, sino la cruda oposición entre razón y sentimiento. “Sufragio Popular y Gobierno Libre eran para Doña Eulojia términos del Sanscrito, frases de una lengua, cuya existencia misma ignoraba” (p. 16)

Recordemos que la asociación de lo femenino con la naturaleza es un tópico sumamente transitado en los análisis de estos últimos años, aún en los estudios sobre viajeros, pero singular para el tratamiento de los textos de Zeballos. En tal sentido Eulojia, alma sensible, perspicaz administradora del hogar familiar, es incapaz de comprender el ideario de la Ilustración tamizado por la revolución de la independencia y los años de guerra civil. “El gobierno era para ella un hombre...” (p.16) “Ella ignoraba el origen y el fin de la Autoridad, y solamente había reconocido, después de los Virreyes, tres Señores, tres Potestades, tres Gobiernos: Don Estanislao López, en los tiempos heróicos de Santa Fé, Don Juan Manuel de Rosas bajo la Tiranía, y el general Don Justo José de Urquiza en la Éra de la Libertad” (p.17)

Los ecos de la representación ciudadana, la división de poderes pautadas por la Constitución de 1853, no recorren, en los ojos de la Eulojia, descripta por Zeballos, el análisis de un mundo que se transforma. Pero más aún Zeballos otorga a la figura de Eulojia la 277

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representación de una sociedad de antiguo régimen condicionando la comparación con la modernidad sobre cuatro líneas claramente delineadas: régimen de gobierno, modelo económico, relaciones sociales y transfiguración del espacio. “Aquella época [la de la juventud de Eulojia] define en Santa Fé la lucha encarnizada entre el espíritu primitivo y las nuevas ideas, entre los hábitos coloniales, modificados por el sentimiento de la Pátria y por las influencias sociales y políticas de los caudillos, y los altos designios del Progreso...” (p. 19) “Esta victoria debía transformar á Santa Fé en tierra nueva, arada por las fuerzas de una reacción europea, no completa todavía, pero siempre en progreso: y presajiaba el predominio en la población, en las industrias y en la sociabilidad, de los elementos inmigrados, que hallaban en la tierra de la Buena Esperanza su país de promisión” (p.19) “Las consecuencias se hicieron sentir con los caracteres odiosos de una calamidad. Es peculiar de los hombres primitivos y de las sociedades embrionarias huir de la luz que redime como de la llama que quema, y Doña Eulojia fue de las primeras que maldijo la victoria de los gringos y de los agentes del progreso que la habían asegurado, y que para ella eran como el granizo para los sembrados” (p.20) “La imaginación adormecida de aquella mujer, que había nacido en la Pampa y criádose á la sombra de los sonrientes sauces del rio Paraná, despertaba iluminada por la fosforescencia del dolor, y recorria el campo mutilado [por el trazado del ferrorarril] de los Desmochados, el camino solitario del Norte, la huerta sin quinoa, el horno sin pan y la Pátria de los Lopez cruzada por los porteños vencedores” (p. 21)

Estos párrafos se muestran como una secuencia histórica de legitimación de Estanislao y su mundo normalizado por la modernidad. En la confrontación se encuentran el mundo de Eulojia, a la vez su mundo de la niñez33, y su nuevo mundo levantado con el afán de los cambios progresivos que finalmente transformarán a las gentes y los espacios al compás de la innovación. Sin embargo el asunto nos mueve a preguntarnos sobre que cimientos Zeballos construye esta simple pero eficiente red de significaciones, canalizadas en dos ejes: el recuerdo y la nostalgia. El recuerdo del viaje, inscripto en el relato es, el viaje como recuerdo o más bien el recuerdo como viaje. Viaje que es inicio (como comienzo) y retorno, implica que el tiempo es memoria del espacio y posibilidad de otro tiempo que se avisora. Es en este desarrollo de la temporalización que la contigencia del pasado se borra, se anula, aunque no se olvida, por la promesa de lo nuevo que está por estallar. 33

El propio Zeballos describe en su libro su paso por la casa de Eulojia Llanos (p.22).

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Renato Rosaldo (1991:71-87) introduce el noción de nostalgia imperialista para caracterizar la peculiar paradoja de desear o recuperar desde la descripción aquello a lo que se ha alterado o destruido intencionalmente, en muchos casos empleando la fórmula del “anhelo inocente”, tanto para capturar la imaginación de la gente como para esconder su complicidad con la dominación a menudo brutal. De este modo es posible pensar las imágenes textuales de Zeballos reduciéndolas al anhelo inocente planteado por Rosaldo a simplemente anhelo, donde sólo la regeneración de lo que se ha alterado se utiliza en código de búsqueda de legitimación personal y colectiva. En tal sentido la mirada sobre lo que se perdió es solapadamente nostálgica, contenida en el progreso oportuno marcado por la transfiguración de un mundo rural regional suscitadas al calor de los cambios sostenidos por el ingreso al capitalismo. “– Bendito sea Dios, hijito! ¡Qué te habia é conocer! ¡Estás hecho un porteño! Y ¿cómo no te habiais de hacer gente entre esos hombres tan buenos?... Mi sorpresa era completa. Habia en la casa de Doña Eulojia una transformación radical y era precisamente en su espíritu. La Unificación Nacional por la incorporación de Buenos Aires, que Doña Eulojia habia anatematizado en 1862 con acento sacerdotal, era ahora para ella la causa eficiente de los grandes adelantos de la Pátria, que habian proporcionado á su familia el bienestar y la abundancia...” (p. 39)

Es que la Eulojia de Zeballos supera tal como afirma Williams (2001: 63) lo que parece ser un orden antiguo, una sociedad “tradicional”, que continúa apareciendo, como una idea, hasta cierto punto basada en la experiencia, en comparación con la cual puede medirse el cambio contemporáneo. Sin embargo, el uso de la referencia retrospectiva tiene su propia lógica; ya que el cambio es tan extendido y prolongado que resulta muy sencillo percibir una transformación fundamental de la vida rural pampeana, pero donde a su vez en muy difícil definir el punto de inflexión donde este cambio se plasma. “Ella me esplicó los sucesos de los últimos tiempos que habían sido parte á modificar sus vistas. La casa estaba alquilada á comerciantes de Buenos Aires. El campo de los Desmochados habia sido vendido por una suma fabulosa, con relacion á los precios de 1864, y el comprador era un rico hacendado de Otra Provincia34. Además sus nietos eran vecinos acaudalados y negociantes en la Colonia Candelaria.” (p. 39)

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“Así llaman los paisanos de Santa-Fé á Buenos Aires” (p.36)

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Siguiendo este argumento la estrategia de Zeballos para desmontar este “ayer” consagrado a el mundo tradicional es la resignificación de Eulojia, con la traslación de su significado hacia la “Patria” y la “Nación”. “Hé dicho que la Pátria Vieja, como ella la llamaba, se le aparecía bajo la forma de un caudillo victorioso y espléndido, López ó Urquiza. La Pátria Nueva, Buenos Aires incorporada á sus hermanas é imponiéndoles su influencia despues de la batalla de Pavon, era también un hombre para ella. Era aquel Capitan que, al frente de las huestes vencedoras en la estancia de Palacios, habia desfilado por las calles del Rosario, las banderas desplegadas y al aire los himnos militares.” (p. 40)

Concientemente Zeballos se identifica con la clásica idea de civilización transmitida en los relatos de viajeros de la primera mitad siglo XIX, relatos e idea que como enuncia Prieto (1996:11-23) contribuyen a elaborar un perfil en la literatura de argentina inmediatamente posterior35, haciendo hincapié en sus enunciados de la insistencia de esta idea. Además la naturaleza escasamente literaria de sus obras, permite que el acento sobre su trabajo sea colocado en el carácter ejemplar, didáctico, científico y propagandístico. Dicho de otro modo, lo que se evidencia en Zeballos es la escasa ingenuidad, en la casi torpeza declarativa puesta en tensión en sus relatos, alrededor del “benéfico” impacto de la modernización. “El retrato de Mitre estaba en aquel hogar antiguo, como las bayonetas porteñas en los cuarteles del Rosario: por el derecho irresistible de la Victoria” (p.17) “Al retirarse fijó los ojos en la pared al lado del nicho de la virgen, y su fisonomía, plácida y triste, se iluminó de improviso con resplandores de ira y de venganza, y precipitándose sobre el retrato del general Mitre, lo arrancó de la pared, corrió al patio y lo arrojó al pozo, gritando con rabia epiléptica: -Este es!”36 (p. 22)

La recuperación del retrato de Mitre, personificación del progreso oportuno, es el reflejo discursivo de la máxima ejemplar de Zeballos: ahora existe una identidad civilizada, que a través de la razón y también de las “mejoras” en las condiciones materiales de vida, se procrean y se

Recordemos que en su obra Prieto (1996) trabaja específicamente sobre Echeverría, Mármol, Alberdi y Sarmiento. 36 “El episodio que narro es rigurosamente exacto. Mi familia habia salido del Rosario á pasar una temporada de campo y yo vivia en casa de Doña Eulojia Llanos para no perder el colejio. Entonces tuvo lugar esta escena de que fuí testigo. Mitre habia inaugurado personalmente los trabajos del ferro-carril Central y esto era para mi noble y vieja amiga el mayor pecado del general” (p. 22). 35

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extienden en la antes refractaria sociedad del interior. Es que siguiendo a Ricoeur la identidad de una persona, de una comunidad, está hecha de estas identificaciones con valores, normas, ideales, modelos, héroes, en los que la persona y la comunidad se reconoce; de este modo el reconocerse dentro de contribuye al reconocerse en (Ricoeur, 1993:116). La frontera política también se ha alargado, los resabios urquisistas, los ecos federales, la memoria de las guerras civiles se diluyen en ese momento delineando nuevos bordes, nuevos límites y nuevos intersticios de representación La región del trigo: un discurso confinado “…quién no dijera que ese es el mérito y el objeto de un viaje, en el que el viajero es forzosamente el protagonista, por aquella solidaridad del narrador y la narración, de la visión y de los objetos, de la materia de exámenes y la percepción…” Sarmiento, Viajes

Zeballos es un tipo particular de observador, que impone una comparativa distancia con la región del trigo que nos describe en su texto de viajes. Su vuelta al pasado (su pasado en el paisaje santafesino) no abunda melancólicamente en lo que se ha perdido con el “progreso” sino que es el espejo donde mirar los sucesos contemporáneos; y su mirada presente es legítima en la medida en que se constituye en paradigmática para la Argentina Moderna. Su poderoso montaje textual es sencillo. En él no aparece la anotación científica, ni la efusión estética, ni la preocupación humanística. Su relato de confidencias y peripecias personales son simplemente excusas frágiles para introducir su pragmática línea de tratamiento. Es en el acto de exteriorización del relato donde Zeballos se reconoce, se recuerda , se reflexiona y se proyecta. Deliberadamente Zeballos se identifica con la clásica idea de civilización transmitida en los relatos de viajeros de la primera mitad siglo XIX, relatos e idea que como enuncia Prieto contribuyen a elaborar un perfil en la literatura de argentina inmediatamente posterior. “Scribere est agere”, reza en cada uno de sus escritos posteriores, a manera de “anexos” a sus relatos de viajes, escribe compulsivamente para mostrar, para convencer, para concretar en escritos aquello que en la realidad se resistía a materializarse.

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Toda la fuerza retórica desplegada por Zeballos se funda en la figura de la antítesis. La expresiva dialéctica de lo mismo y lo diferente, del desierto y la civilización, del indígena y el blanco, del criollo y el extranjero, están alertando de que urge una intervención para no perder el tren en el despliegue del progreso; en esa clave el gran relato de viajes de Zeballos es el gran relato de la administración discursiva de lo otro, del Otro. Por eso la frontera en Zeballos no está presentada desde exclusivamente la territorialidad del espacio, sino en una serie de elementos que también componen una aplicación más variada y rica del concepto. Metafóricamente la frontera funciona como una aspiración del modelo del que Estanislao formaba parte, en tanto borde que debía correrse de la mano del propio Estado pero también de los sujetos que encarnaban los ideales de ese mismo Estado; por un lado los hombres políticos y por otro también los ejecutores de base del programa los inmigrantes. En idéntico sentido la frontera además es un confín discursivo contra un pasado que tendía a sobrevivir demasiado más allá de Caseros, representado en las formas de vida, las relaciones de poder y sociales de la campaña santafesina de las décadas post-revolucionarias. Bibliografía citada ARNOLD, D. (2000) La naturaleza como problema histórico. El medio, la cultura y la expansión de Europa, FCE, México. BACZKO, B. (1991) Los imaginarios sociales, Nueva Visión, Bs. As. BALANDIER, G. (1992) El poder en las escenas, Paidos, Bs As. BARTH, Fredrick (1969) Ethnic Groups and Boundaries. The Social Organization of Cultural Difference, Bergen Oslo-London, Universitets Forlaget-George Allen & Unwin. BARTH, Fredrick (1991) «Enduring and emerging issues in the analysis of ethnicity», Hans VERMEULEN & Cora GOUERS (eds.), The Anthropology as Ethnicity: Beyond ‘Ethnic Groups and Boundaries´, Amsterdam, Het Spinhuis. BOHOSLAVSKY, Ernesto (2008) El soldado invencible de la ciencia. Estanislao Zeballos y las nuevas imágenes de la Patagonia a fines del siglo XIX en FERNANDEZ, SANDRA y NAVARRO, FERNANDO (Coord.) “Scribere est agere. Estanislao Zeballos en la vorágine de la modernidad argentina”, la quinta pata & camino ediciones, Rosario, en prensa.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones gallegas hacia la Argentina* Nadia Andrea De Cristóforis** Introducción Los estudios migratorios se presentan como un campo particularmente fértil para profundizar las reflexiones en torno a los problemas de la comparación y de la elección de la escala de análisis. En los últimos años, la historiografía sobre el tema ha demostrado la riqueza de las miradas comparativas, en sus diferentes variantes o modelos. De este modo, se han desarrollado una gran diversidad de perspectivas: desde aquellas más lineales (el seguimiento de un grupo migratorio, contrastando su situación en la sociedad de partida con la lograda en el ámbito de destino), hasta aquellas de tipo convergente (la indagación

* Este trabajo forma parte de los siguientes proyectos de investigación: UBACyT S830 (UBA); PICT 2006 Nº 1641 (Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica) y PIP 114200801-00216 (CONICET). Una versión preliminar del mismo fue aceptada para su publicación en la Revista População e Família, del Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina (CEDHAL), de la Universidade de São Paulo. Quisiera expresar mi agradecimiento a Alicia Bernasconi, Xosé Manoel Núñez Seixas y Pilar Cagiao Vila, por sus valiosas orientaciones en relación con la búsqueda documental y bibliográfica ligada a este estudio. ** Doctora en Historia por la Universidad de Buenos Aires. Investigadora del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas de la Argentina y de la Universidad de Buenos Aires, donde también ejerce la docencia. Miembro del Comité de redacción de Estudios Migratorios Latinoamericanos y del Consejo consultivo de la Revista do Corpo Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Editora, junto con Alejandro Fernández, del libro Las migraciones españolas a la Argentina. Variaciones regionales (siglos XIX y XX), Buenos Aires, Biblos, 2008. Autora de Proa al Plata: las migraciones de gallegos y asturianos a Buenos Aires (fines del siglo XVIII y comienzos del XIX), Madrid, CSIC, e/p. Publicó además diversos trabajos sobre la inmigración española en la Argentina, en medios académicos nacionales y extranjeros. [email protected]

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de distintos colectivos migratorios, en el marco de un mismo espacio de llegada) o divergente (el examen de una misma corriente migratoria, pero en diferentes áreas receptoras).1 El empleo de estos dos últimos enfoques se ha revelado como muy valioso, al favorecer la identificación de los aspectos específicos y generales de determinados flujos de población, alentando los ejercicios explicativos tendientes a clarificar las similitudes y diferencias existentes entre los mismos. En cuanto al problema de la escala de la comparación, ya en su célebre artículo de 1928 Marc Bloch introducía la noción de “medio social”, aludiendo a la posibilidad o conveniencia de utilizar un marco más flexible y dinámico que el determinado por los Estados nacionales, capaz de superar las limitaciones impuestas por estos últimos.2 Como tantos otros campos historiográficos, el de las migraciones ha ofrecido interesantes oportunidades para repensar la cuestión de la escala, ya sea en el sentido de la clásica dicotomía macro-micro, o en la diversidad de recortes (continental, nacional, regional, provincial, municipal, parroquial, entre muchos otros) desde los cuales pueden ser concebidos los procesos migratorios.3 De este modo, se ha logrado avanzar en el análisis crítico de las vías por las cuales se constituyen dichos recortes: por un lado, por la imposición burocrático-administrativa, que condiciona la producción de la documentación histórica; y por otro lado, por el reconocimiento de zonas de coherencia cultural, política y económica, a partir del tratamiento cuanti y cualitativo de la información que brindan las fuentes. Si bien esta última estrategia es más compleja y laboriosa, resulta más atractiva que la primera, en la medida en que contribuye a generar una visión más genuina y completa de los fenómenos indagados. A lo largo de este trabajo examinaremos un fenómeno histórico que nos permitirá volver a plantear los problemas que acabamos de Nancy L. Green, “L´histoire comparative et le champ des études migratoires”, en Annales ESC, Nº 6, 1990, pp. 1341-1344; Idem, “The Comparative Method and Poststructural Structuralism – New Perspectives for Migration Studies”, en Journal of American Ethnic History, Vol. 13, N° 4, 1994, pp. 13-16. 2 Marc Bloch, “Pour une histoire comparée des sociétés européennes”, en Mélanges Historiques, París, S.E.V.P.E.N., 1963, pp. 17-18. 3 V. al respecto las recientes observaciones de Fernando Devoto, en el prefacio a la obra editada por Nadia De Cristóforis y Alejandro Fernández, Las migraciones españolas a la Argentina. Variaciones regionales (siglos XIX y XX), (“Colección La Argentina Plural”), Buenos Aires, Ed. Biblos, 2008, pp. 9-11. 1

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mencionar (el de la escala y el de la comparación), desde nuevas coordenadas espacio-temporales. Trataremos de comprender cómo operaron los mecanismos de asistencia oficial, en el último ciclo de la inmigración gallega en la Argentina. Para ello, analizaremos el funcionamiento del Instituto Español de Emigración, que tuvo a su cargo la implementación de las políticas gubernamentales en materia de migración. También examinaremos el papel desempeñado por la Comisión Católica Española de Migración, que colaboró con el citado organismo, en los procesos de reagrupación familiar continental y ultramarina. El propósito será indagar hasta qué punto la acción oficial y su entramado institucional incidieron sobre la conformación y características socio-demográficas de los flujos del noroeste hispánico que se dirigieron a la Argentina. Sabido es que luego del fin de la Segunda Guerra Mundial, las corrientes españolas hacia el exterior se revitalizaron progresivamente, manteniendo como destinos predominantes los países hispanoamericanos (hasta 1960) y posteriormente, los europeos (desde 1961). Entre 1946 y 1958 las principales regiones que contribuyeron a alimentar estos flujos fueron Galicia y Canarias. La primera aportó un 46% a las corrientes con dirección a Hispanoamérica, mientras que la segunda, un 12%.4 Además, en el mencionado período Galicia presentó la tasa emigratoria más elevada (76, por cada diez mil habitantes censados en 1950), en comparación con el resto de las regiones peninsulares.5 El último ciclo de inmigración gallega en la Argentina tuvo lugar en este contexto de recuperación de la emigración española hacia América, entre 1946 y los primeros años de la década de 1960. Lamentablemente, aún no se ha podido cuantificar con exactitud el número de gallegos que arribaron a la Argentina en esta etapa, debido a algunos problemas que presentan las fuentes disponibles (por ejemplo, la no especificación de la procedencia regional, en el caso de las Estadísticas del Movimiento Migratorio de la Dirección Nacional de Migraciones), o a la falta de una sistematización completa de la información contenida en otra valiosa documentación (los libros de Salvador Palazón Ferrando, Capital humano español y desarrollo económico latinoamericano. Evolución, causas y características del flujo migratorio (1882-1990), Valencia, Institut de Cultura “Juan Gil-Albert”, 1995, p. 294. 5 Op. cit. 4

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desembarco). Por indicios indirectos,6 presumimos que los gallegos fueron el principal grupo peninsular, desde un punto de vista regional, como lo habían sido desde los inicios del largo ciclo inmigratorio europeo hacia la América austral, a partir de 1830. Además, suponemos que el ritmo de sus llegadas se habría incrementado hasta comienzos de la década de 1950 (siguiendo la pauta de los españoles en general), para decaer posteriormente de manera paulatina (ver el Gráfico 1). De cualquier modo, lo que se ha logrado comprobar es que la Argentina perdió atractivo como destino migratorio gallego a partir del inicio de los años sesenta, momento en que la mayor parte de las corrientes originadas en el noroeste hispánico comenzó a dirigirse hacia países europeos, tales como Alemania, Suiza, Francia, Holanda, Inglaterra o Bélgica, entre otros.7 De este modo, a lo largo de nuestro artículo privilegiaremos la escala regional de análisis, aunque combinándola con otras (nacional, provincial o parroquial), cuando el estudio lo requiera. Al mismo tiempo, intentaremos dejar planteados algunos ejercicios comparativos: por una parte, nuestra mirada sobre las corrientes gallegas tendrá como presupuesto el modelo divergente al que aludíamos inicialmente, siendo factible proseguir el examen en relación con otros destinos americanos donde los procesos de reagrupación familiar cobraron gran importancia, como el venezolano o brasileño. Por otra parte, nuestro argumento se desarrollará en torno a una constante confrontación entre el comportamiento de las corrientes gallegas “asistidas” (concentrándonos en las que tuvieron lugar entre 1957 y 1963) y las “espontáneas” (especialmente, las de 1924, 1949 y 1950). También contrastaremos las características y dinámica de los flujos migratorios españoles en general y gallegos en particular. En definitiva, exploraremos algunas variables que ofrece la historia comparada en el campo de los estudios migratorios, brindando resultados preliminares de investigación, que podrán profundizarse con indagaciones de más largo alcance. Nos referimos a los informes de diferentes funcionarios representantes del gobierno español en la Argentina, que se conservan en el Archivo del Ministerio de Asuntos Exteriores de Madrid, España (en adelante, AMAE). 7 Entre 1960 y 1967, Alemania recibió el 42% de los emigrantes gallegos que se salieron hacia el Viejo Continente, Suiza el 33%, Francia el 16% y Holanda, Inglaterra y Bélgica, tomados conjuntamente y junto con otros destinos minoritarios, el 9%. Cfr. Francisco Sánchez López, Emigración española a Europa, Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorros, 1969, p. 32. 6

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1. La emigración asistida: el Plan de Reagrupación Familiar A mediados de la década del cincuenta, y tras el fin de la etapa de más fuerte aislamiento internacional, el gobierno franquista logró una cierta rehabilitación y aceptación en el exterior, que favoreció, entre otras cuestiones, su ingreso en la ONU en 1955 y en el Comité Intergubernamental para las Migraciones Europeas (CIME), en 1956.8 Este reposicionamiento en la política exterior se acompañó de una nueva atención a los problemas “domésticos” (los conflictos sociales y el estancamiento económico), que amenazaban la estabilidad del régimen. Para garantizar la continuidad y supervivencia de este último, Franco impulsó la implantación de una nueva política económica, concebida por una elite tecnocrática y destinada a lograr el desarrollo económico del país, su modernización e integración en el seno del capitalismo mundial.9 Este giro de la política económica coincidió con una nueva visión acerca del papel de la emigración en general. Esta última comenzó a ser concebida como un acto esencialmente individual y radicalmente libre, pero que requería la intervención y fiscalización del Estado. Sólo este último podía garantizar la efectivización del derecho a emigrar, al brindar al potencial emigrante la información y asistencia necesarias para salir

El CIME tuvo su origen en una Conferencia reunida en Bruselas en diciembre de 1951, en la cual se resolvió crear un instrumento para restaurar el equilibrio entre las “naciones superpobladas” y las “insuficientemente pobladas” por medio de la migración organizada y asistida de los europeos. La participación de España en el CIME fue producto de largas negociaciones, que se iniciaron en 1952 y se prolongaron por varios años. Algunos aspectos que dificultaron esta incorporación fueron, entre otros: el monto de la cuota que debía aportar España al CIME, o la posibilidad de que este último terminara trasladando refugiados republicanos, a países que no fueran los latinoamericanos, de lengua castellana. Cfr.: AMAE, R 5283, Exp. 16 (1945-1957), Dirección General de Asuntos Consulares, “Participación de España en el Comité Intergubernamental provisional para los movimientos migratorios de Europa”, 21 de abril de 1952; AMAE, R 5283, Exp. 16 (19451957), Dirección General de Política Económica, “Participación de España en el Comité Intergubernamental provisional para los movimientos migratorios de Europa”, Madrid, 28 de mayo de 1952. 9 Sobre los aspectos comentados en este párrafo y en el siguiente, v. los clarificadores trabajos de María José Fernández Vicente, Émigrer sous Franco. Politiques publiques et stratégies individuelles dans l´émigration espagnole vers l´Argentine et vers la France (1945-1965), Lille, ANRT, 2005, pp. 83-93; e Idem, “En busca de la legitimidad perdida. La política de emigración del régimen franquista, 1946-1965”, en Estudios Migratorios Latinoamericanos, Año 19, Nº 56, 2005, pp. 15-22. 8

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del país natal e instalarse en el de destino.10 Además, dentro del gobierno empezó a cobrar fuerza la idea de que la emigración debía contribuir al desarrollo económico, no sólo amortiguando los efectos más negativos de los planes de estabilización (en especial, las elevadas tasas de desempleo), sino también estimulando el crecimiento, a través de la llegada de remesas, que significaban un importante aporte de divisas para la economía española. En esta coyuntura donde existía un importante consenso para fortalecer el papel del Estado en la canalización de la emigración española hacia el exterior, en función de objetivos de desarrollo más generales, algunos sectores del ala más liberal y modernizadora del régimen franquista y la Iglesia promovieron el surgimiento de un organismo estatal encargado de asumir el conjunto de competencias en materia de emigración. Por Ley de 17 de julio de 1956 fue creado el Instituto Español de Emigración (IEE), que fue adscripto al Ministerio de Trabajo a partir del 9 de mayo de 1958. Según lo establecido por la Ley de 1956, el IEE tenía la finalidad de realizar la política emigratoria del gobierno, promoviendo en cada momento las medidas necesarias y una acción tutelar en beneficio de los españoles que decidieran migrar. En este sentido, el IEE debía ocuparse de estudiar los problemas ligados a la emigración, asesorar al gobierno sobre las disposiciones a adoptarse en la materia, organizar los flujos colectivos y las repatriaciones, facilitar a los emigrantes la obtención de medios económicos e instrumentos de trabajo, intervenir en la contratación de pasajes, proporcionar gratuitamente la documentación necesaria para el traslado y asistir a los migrantes en su lugar de destino.11 El IEE contaba con dos entidades colaboradoras para el desarrollo y ejecución de planes y programas migratorios: la Organización Sindical, en lo que se vinculaba a los emigrantes temporales y fronterizos, y la Comisión Católica Española de Migración (CCEM), en lo atinente a los procesos de reagrupación familiar. Estos últimos habían concitado la Carlos Ma. R. de Valcárcel, “Conferencia”, en Ministerio de Trabajo, Instituto Español de Emigración, II Congreso de la emigración española a ultramar, Madrid, 1960, p. 59; AMAE, R 9621, Exp. 7 (1958-1967); Álvaro Rengijo Calderón, “Emigración y empresas privadas”, Conferencia pronunciada en la Cámara Oficial de la Industria de la provincia de Madrid, 18 de noviembre de 1965, p. 2. 11 Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1958, Libro IV, Instituto Español de Emigración, Madrid, 1960, p. 10. 10

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atención del gobierno desde tiempo atrás, cuando eran percibidos como el mejor mecanismo para estimular los flujos de españoles hacia el exterior. En efecto, ya desde 1948, momento en que se discutían las condiciones para la firma del Tratado de Emigración con la Argentina, surgieron dentro de las órbitas oficiales argumentos a favor de una emigración basada en el “llamado” de un emigrante establecido en ultramar, al resto de su familia o a sus paisanos. Las razones que se esgrimían en ese entonces para favorecer este tipo de corriente eran varias: el hecho de que los emigrantes trasladados en virtud de un llamado gozarían de libertad y de mejores informaciones para buscar un trabajo, dentro de la sociedad de destino (evitando caer en manos de empleadores especuladores, como los que podían actuar en el caso de la emigración contratada); la asistencia y ayuda que podían ofrecer los ya establecidos en ultramar, al recién llegado (favoreciendo una integración no traumática al ámbito de acogida); o el beneficio que supondría para el Estado español no tener que correr con los gastos de posibles repatriaciones, en la medida en que aquel que se desplazaba por el llamado de un pariente o conocido podía encontrar en estos últimos redes de contención para su inserción en la nueva sociedad.12 Hacia mediados de la década de 1950 los fenómenos de reagrupación familiar se justificaban con motivos similares, con el matiz de que la preocupación del gobierno por las repatriaciones había crecido, desde el momento en que una ley del 18 de julio de 1956 responsabilizó al Estado español de la repatriación de los emigrantes que así lo requerían, con el único requisito de que estos últimos demostraran que no poseían los medios económicos para financiarse el viaje por sí mismos.13 Los programas de reagrupación familiar puestos en marcha por el IEE tenían como finalidad declarada atender a imperativos morales ligados a la emigración, aunque, como ya aclaramos, existieron razones económicas que estimularon su organización. Dichos planes estuvieron AMAE, R 2052, Exp. 39, José María de Areilza (Embajador de España en la Argentina), “Sobre proyecto relativo a la emigración española en la Argentina”, Buenos Aires, 3 de marzo de 1948; AMAE, R 1731, Exp. 3, Informe sin fecha. 13 Ma. Emelina Martín Acosta, “Emigración canaria a Argentina: algunos ejemplos de la Comisión Católica Española de Migración, a mediados del siglo XX”, en Pilar Cagiao Vila y Eduardo Rey Tristán (eds.), De ida y vuelta. América y España: los caminos de la cultura. Simposio Internacional de la Asociación Española de Americanistas, Santiago de Compostela 2 y 3 de septiembre de 2005, Universidade de Santiago de Compostela, 2007, p. 393. 12

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encaminados a revitalizar las corrientes humanas hacia Francia y hacia distintos países americanos. El programa relacionado con estos últimos logró un amplio alcance y se institucionalizó por un acuerdo entre el CIME y el IEE, en 1956. Contó desde sus inicios con la colaboración de la Comisión Católica Española de Migración, que a través de sus Delegaciones Diocesanas, quedó a cargo de localizar a las personas reclamadas, informarlas y orientarlas hasta el momento de su embarque. El espacio de acción privilegiado por la Iglesia, para llevar adelante estas tareas, fue la parroquia: en ella reclutaba a sus asistentes (en general, mujeres que ayudaban en la búsqueda de las personas reclamadas) y difundía su pastoral sobre la emigración. 2. La doctrina eclesiástica sobre la emigración Hacia mediados del siglo XX las disposiciones pontificias en materia de emigración eran abundantes y poseían una larga data. Sin embargo, en 1952, a instancias del Papa Pío XII, la doctrina eclesiástica sobre la emigración fue sistematizada e institucionalizada en una nueva Constitución Apostólica, la Exsul Familia, que estableció la pauta de actuación pastoral con los emigrantes hasta fines de la década del sesenta. El objetivo principal de la Exsul Familia era la asistencia espiritual de los emigrantes de distintas nacionalidades, sin descartar, en un segundo plano, el socorro material. La nueva regulación fue justificada en el contexto del crecimiento de los flujos humanos, tras el fin de la Segunda Guerra Mundial, y en el imperativo de contemplar y dar solución a los problemas planteados por las migraciones.14 El cuidado espiritual de los emigrantes quedó confiado a un órgano de la Santa Sede, la Sagrada Congregación Consistorial, que se articuló con las demás instituciones que actuaban en el campo de la emigración (de carácter internacional, nacional, diocesano o parroquial) a través de un nuevo oficio, el Delegado para las obras de emigración.15 Parágrafo 78, Título segundo, “Exsul Familia”, en Comisión Católica Argentina de Migraciones, Iglesia y Migraciones. Documentos, Buenos Aires, Ediciones CCAM-CEMLA, 1988, p. 40. 15 Parágrafos 82, 83 y 84, Título segundo, “Exsul Familia”, en Comisión Católica Argentina de Migraciones, op. cit., p. 41-46. Para un interesante análisis sobre las disposiciones contenidas en la Exsul Familia, en relación con la emigración italiana, v. Alicia Bernasconi, “De Pergamino a La Boca en veinte años: los Scalabrinianos y la asistencia a los inmigrantes italianos, 1940-1961”, ponencia presentada en las Xº Jornadas Interescuelas / Departamentos de Historia, Rosario, 20 al 23 de septiembre de 2005, inédita. 14

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En la Exsul Familia la emigración fue concebida principalmente como un derecho de las personas, que tenía que ejercitarse libremente. Sin embargo, la emigración, como derecho natural del hombre, quedó subordinada en su ejercicio al bien común de los Estados involucrados en el proceso migratorio (el de partida y el de llegada).16 Incluso más, en consonancia con la tendencia que se registraba en las esferas gubernamentales de varios países europeos, la Exsul Familia reconocía y admitía el papel de los Estados en el proceso migratorio, rol que podríamos caracterizar como “facilitador” y “tutelar”. A través de la mencionada Constitución y de diversas manifestaciones discursivas, la Iglesia expresaba en todo momento su preocupación por los “problemas” derivados de la emigración y asumía la función de velar por la solución de los mismos. Según la Santa Sede, los principales inconvenientes eran los religiosos y morales, por el debilitamiento de la autoestima y la pérdida de la dignidad humana que en general involucraba el desplazamiento hacia una tierra extraña. Además, otro motivo de alarma era la influencia que otras religiones o “ideologías ateístas y materialistas” podían ejercer sobre los emigrantes, conduciéndolos a debilitar su fe en Cristo y a cuestionar el orden establecido por Dios.17 Estas consecuencias no deseadas de la emigración llamaban la atención de las autoridades eclesiásticas de distintos países y regiones europeos.18 Dentro de Galicia se destacaban los dilemas involucrados en las salidas hacia el exterior, en especial, las que tenían como destino el Viejo Continente, donde según la institución eclesiástica, los emigrados quedaban expuestos a la influencia de protestantes y comunistas y terminaban perdiendo su fe y quebrantando sus vínculos maritales.19 Parágrafo 62, Título primero, “Exsul Familia”, en Comisión Católica Argentina de Migraciones, op. cit., p. 32. 17 Secretaría de Estado de Su Santidad, “Carta dirigida al Presidente de la Junta de las Semanas Sociales de España”, en Semanas Sociales de España, XVIII Semana – Vigo-Santiago – 1958, Los problemas de la emigración española, Madrid, 1959, pp. 15 y 16. 18 Para un examen de las preocupaciones derivadas de la situación de los migrantes italianos en Argentina, en la segunda posguerra, V. Alicia Bernasconi, “Los Misioneros Scalabrinianos y la inmigración de la última posguerra en Argentina en la perspectiva de L´Emigrato Italiano (1947-1956)”, en Estudios Migratorios Latinoamericanos, Año 16, Nº 49, 2001, pp. 615 y 616. 19 Boletín Oficial del Arzobispado de Santiago de Compostela, 20 de noviembre de 1956, p. 599, citado por Xosé Luis Mínguez Goyanes, “Emigración e xerarquía eclesiástica (1952-1969). Unha aproximación á cuestión”, en Estudios Migratorios, Nº 3, 1997, p. 141. 16

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En función del diagnóstico crítico realizado, la Iglesia se propuso asumir ciertas tareas, tendientes a mitigar los problemas observados: preparar espiritualmente a los emigrantes, con el objeto de que lograran una armoniosa y rápida integración en la sociedad de destino; ayudarlos con informaciones seguras y provechosas sobre los contratos de trabajo; evitarles gastos injustificados en la tramitación de los documentos y facilitar los procesos de reunificación familiar.20 Además, la Iglesia insistía en la necesidad de lograr una mejor coordinación de las actividades desplegadas por las diferentes organizaciones católicas, encargadas de implementar la política sobre migración, a través de la acción de una entidad supranacional.21 De hecho, desde 1951 existía una Comisión Internacional Católica de Migración, que tenía como unos de sus objetivos la expansión de las organizaciones católicas nacionales a ella asociadas. En este contexto general el IEE alentó la participación de la Comisión Católica Española de Migración en la conducción de los flujos peninsulares hacia el exterior. La CCEM reflejaba y defendía los principios de la Exsul Familia sobre la emigración, entendiéndola como un derecho natural del hombre, pero supeditada al bien común del colectivo social. Como afirmaba el Director de la CCEM, Monseñor Fernando Ferris: “Algo que no puede perderse nunca de vista es que la emigración debe mirar al bien del individuo, cuya libertad hay que respetar, siempre naturalmente que el Bien Común no exija su sacrificio”.22 Monseñor Ferris también reconocía los problemas suscitados por la emigración y clarificaba el papel que la Iglesia estaba llamada a cumplir. En este sentido, mantenía que la institución eclesiástica no podía fomentar la emigración, sino que debía procurar que discurriera por cauces humanos y cristianos, evitando los riesgos, previniendo peligros y remediando males acaecidos.23 Ahora bien, más allá de estos elementos doctrinarios subrayados, la Iglesia en general y la CCEM en particular cumplieron un rol específico dentro del fenómeno emigratorio hacia el exterior, a partir de la puesta en marcha de los planes de reagrupación familiar. A continuación nos detendremos en el funcionamiento de la CCEM, en vinculación con el Secretaría de Estado de Su Santidad, art. cit., pp. 16 y 17. Ángel Orbegozo (Publicista de la Oficina de Información y Estadística de la Iglesia), “Organizaciones nacionales e internacionales para la solución de los problemas migratorios”, en Semanas Sociales de España …, cit., p. 247. 22 Ultramar, Nº 9, junio de 1960, Oficina de América, La Coruña, s./p. 23 Ibidem. 20 21

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Plan de Reagrupación Familiar con ultramar, que es el que nos interesa particularmente. 3. El papel de la CCEM dentro del Plan de Reagrupación Familiar con ultramar ¿Por qué motivos la Comisión Católica Española de Migración quedó a cargo de la implementación del Plan de Reagrupación Familiar con ultramar, dentro de España? En primer lugar, dicho programa parecía satisfacer uno de los fines planteados por la doctrina católica en materia de migración: la estabilidad moral y social de los sujetos trasladados y del resto de su familia. La reconstitución de los núcleos familiares era visualizada como un mecanismo eficiente para lograr un estilo de vida orientado por los principios éticos establecidos por la Iglesia. El IEE estaba dispuesto a asumir los costos económicos de tales reagrupamientos (entre otros, la disminución en las remesas enviadas por emigrados en ultramar), o los culturales (la progresiva desvinculación de los emigrados de su patria), en función del criterio de evitar la separación de las familias, que era percibida como una situación perjudicial y engendradora de innumerables males.24 En segundo lugar, debemos recordar que en la década de 1950 se había producido un acercamiento entre el franquismo y los sectores eclesiásticos que habían impulsado la implementación de un nuevo modelo de desarrollo económico, con lo cual existían condiciones para que los últimos fueran llamados a desempeñar un papel más importante dentro de las políticas gubernamentales sobre migraciones, a través del pedido de colaboración con el IEE. En tercer lugar, la Iglesia española poseía una importante presencia a nivel parroquial, con lo cual, estaba preparada para actuar de articuladora entre la esfera pública y la población en general. En efecto, hacia 1957 el delegado del CIME en España, el Sr. Storich, se manifestaba asombrado por la eficacia con que la CCEM llevaba a cabo la tarea de reagrupación familiar dentro de Galicia, y relacionaba estos resultados positivos con el carácter de la organización eclesiástica peninsular y el elevado grado de colaboración prestado por un gran número de sus fieles: 24

Carlos Ma. R. de Valcárcel (Director General del IEE), “Conferencia”, cit., p. 67; Instituto de Estudios Políticos, Emigración: Política Social y seguridad social, Madrid, 1960, p. 21.

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Esa red capilar de la Comisión llegando hasta las parroquias más pequeñas es en verdad admirable. En ese viaje a Vigo también me llamó la atención el ver a las señoritas de la mejor sociedad gallega preocupadas por cuidar y atender a los emigrantes, con un cariño que sólo la caridad de estas mujeres de auténtico espíritu cristiano vinculadas a las tareas de la CCEM puede explicar. Este volcarse de la sociedad por los emigrantes no lo había visto en ninguna parte. También me llamó la atención la diligencia con se efectúan las localizaciones de las familias de los emigrados. Yo, que conozco bien Galicia, sé que los pueblos son una serie de caseríos, alejados unos de otros hasta kilómetros, y sin apenas vías de comunicación; en el centro o en un extremo del valle está la iglesia. El localizar allí un apellido, que se repite hasta el infinito en la comarca, es casi imposible; pues bien, estos Delegados de la Comisión Católica lo han logrado.25

Para la puesta en marcha del Programa de Reagrupación Familiar, la CCEM dispuso de sesenta y cuatro oficinas diocesanas, tres provinciales, ocho de asistencia en puertos de embarque y una Oficina Central en Madrid, todos ellas destinadas a preparar social y moralmente al emigrante que deseaba partir.26 Además, unas 20.000 parroquias españolas prestaron su colaboración. Los curas párrocos fueron importantes en el desempeño de diversas tareas: la solución de problemas en la documentación necesaria para que el reclamado pudiera partir, la organización de la colecta anual que se llevaba a cabo en ocasión del “Día del Emigrante” o la información y asesoramiento a los potenciales migrantes, entre otras. También actuaron como intermediarios entre estos últimos y sus familiares en ultramar.27 En efecto, como afirmó María Emelina Martín Acosta, muchas veces las esposas de los emigrantes que se encontraban en situación crítica en su tierra natal, por la falta de recursos económicos, acudían al párroco, pidiéndole ayuda para localizar a su marido en ultramar. El cura escribía entonces a la oficina de la Comisión Episcopal de Madrid, informando del domicilio presuntivo del emigrado. En la Comisión consultaban las listas de los párrocos de “Entrevista con Mr. Storich, delegado del C.I.M.E. en España”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 10, Abril-Junio de 1957, Madrid, p. 4. 26 Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 11, Septiembre de 1957, Madrid, pp. 8-10. 27 Para un trabajo de gran interés, sobre la acción de los sacerdotes como mediadores en el proceso inmigratorio y en la inserción laboral de trabajadores friulanos en Villa Flandria, en la Argentina, v. Mariela Ceva, “Los mediadores religiosos en la inmigración de trabajadores friulanos a Villa Flandria en la segunda posguerra”, en Alicia Bernasconi y Carina Frid (eds.), De Europa a las Américas. Dirigentes y liderazgos (1880-1960), (Colección “La Argentina Plural”), Buenos Aires, Ed. Biblos, 2006, pp. 113-125. 25

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las Diócesis americanas y enviaban una carta a aquel religioso que supuestamente estaba próximo al emigrado, con el fin de que lo visitara y lo convenciera de la necesidad de reagruparse con los suyos.28 Sin embargo, y más allá de cómo se gestara el “llamado”, el Programa de Reagrupación Familiar suponía la sucesión de algunos pasos formales: el emigrante instalado en América reclamaba a su/s pariente/s en el Consulado español correspondiente (de manera espontánea, o impulsado por el cura de su parroquia de procedencia y/ o resto de su familia, como acabamos de señalar). El Ministerio de Asuntos Exteriores de Madrid entregaba las cartas de llamada recibidas a la Oficina Central de la CCEM. Esta última trataba de conectarse con los reclamados, a través de las Delegaciones diocesanas y de las parroquias. El IEE, la Dirección General de Seguridad y las representaciones diplomáticas de los países americanos en España debían colaborar con la tramitación de la documentación, en especial, cuando la obtención de esta última se tornaba compleja, en el caso de las mujeres solas o con menores, que se trasladaban por el llamado de sus maridos, padres u otros parientes. Una vez preparados para la partida, los reclamados debían ser conducidos al puerto, recibiendo la adecuada asistencia en lo referente al hospedaje y a los últimos trámites antes del inicio del viaje. Las listas de los embarcados eran enviadas por avión al puerto de destino, donde las Comisiones Católicas de Inmigración o los capellanes de emigrantes estaban responsabilizados de conducir a los recién llegados junto con sus familiares o conocidos, con el objeto de favorecer su adaptación dentro de la nueva sociedad.29 En el caso argentino, la organización eclesiástica destinada a acoger a estos inmigrantes enmarcados en el Plan de Reagrupación Familiar era bastante débil o presentaba un incipiente desarrollo. En primer término, la Comisión Católica Argentina de Inmigración (CCAI) fue fundada en 1953 y recién a partir de 1962 comenzó a intervenir en el traslado de españoles. Para el último año mencionado había facilitado el desplazamiento de veinte peninsulares y había contribuído con el inicio de los trámites migratorios de otros cincuenta. Como podemos apreciar,

28 29

Ma. Emelina Martín Acosta, cap. cit., p. 396. “Plan de reagrupación de familias”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 26, Diciembre de 1958, Madrid, p. 6.

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estas cifras eran muy exiguas. La CCAI se encargaba principalmente de la asistencia a refugiados que huían de los regímenes comunistas, como los húngaros o yugoslavos, o de ofrecer préstamos para viajes, con la intermediación de la Comisión Católica Internacional de Migración o del Alto Comisionado de las Naciones Unidas.30 En segundo término, en la época analizada no se han registrado misioneros españoles de emigrantes en la Argentina. Las evidencias que disponemos para el año 1963 ponen de manifiesto que mientras que otras colectividades extranjeras instaladas en nuestro país tenían una minoritaria presencia de misioneros de su propia nacionalidad (por supuesto, insuficiente en relación con el número total de emigrantes de la colectividad correspondiente), la española carecía por completo de ellos.31 Esto contrasta con el caso de otros países de destino de la emigración peninsular, donde existían sacerdotes españoles dedicados a asistir a los migrantes (en Brasil, por ejemplo, había nueve en 1968 y en Venezuela o Australia, en el mismo año, dos).32 Esta débil estructura eclesiástica destinada a acoger a los inmigrantes españoles no impidió sin embargo que los peninsulares incluídos en el Plan de Reagrupación arribaran a nuestro país y se integraran a su sociedad. Creemos que fueron principalmente las familias y conocidos ya emigrados los que orientaron y facilitaron el proceso de desplazamiento desde el ámbito de destino, si bien en el espacio de partida otras organizaciones internacionales y nacionales, laicas y religiosas, colaboraron con el mismo. La participación en el Programa de Reagrupación Familiar suponía ciertas ventajas económicas, para el emigrante. Por un lado, una reducción en el coste del pasaje, que guardaba proporción con el grado de parentesco

Pbro. Antonio Orehar (Tesorero de la CCAI y Director Nacional de la Colectividad Eslovena), “La obra de la C.C.A.I. y la Jornada de la Inmigración”, en Inmigración e Integración, Terceras Jornadas de Estudio de la Comisión Católica Argentina de Inmigración, Buenos Aires, 1964, pp. 54 y 55. Para un estudio preliminar sobre las tareas desempeñadas por la CCAI en la segunda posguerra cfr. Daniela La Pietra y Abelardo Jorge Soneira, “Iglesia y migraciones: un balance de 50 años. El caso de la Comisión Católica de Migraciones (1951-2001)”, en X Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América Latina, Buenos Aires, 2000, disponible en: http://www.ceil-piette.gov.ar/areasinv/religion/relpub/ jornadas/IIcom1/1soneira.html. 31 P. Ernesto Milan (Secretario General de la CCAI), “El Apostolado inmigratorio en la Argentina”, en Inmigración e Integración, cit., p. 52. 32 “Ultramar”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, s/Nº, 22 de marzo de 1968, Madrid, p. 8. 30

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existente entre el reclamado y el emigrado. Para ello, se establecieron tres grupos de reclamados, que se beneficiaron en distinta medida con el descuento.33 Por otro lado, la Comisión Internacional Católica de Migración ofrecía un sistema de préstamos de viaje, que era gestionado por la CCEM. El préstamo cubría alrededor del 75% del valor del billete. El resto lo ponía el emigrante, quien debía devolver la cantidad que había recibido, sin recargo ni interés, una vez instalado en el país de destino, a partir del tercer mes de su llegada, y en dieciocho mensualidades.34 Según el balance realizado por la CCEM, sobre la marcha de este sistema, desde comienzos de 1957 y hasta el 31 de marzo de 1958, la distribución por países de destino de estos préstamos arrojaba como resultado una preeminencia de Brasil (38 emigrantes que se dirigieron a este último país se beneficiaron de estos préstamos), seguido por Colombia (27), Venezuela (25), Canadá (18), Argentina (13), Uruguay (11), Santo Domingo(5), Chile(3), Perú (3) y Australia (2).35 El balance correspondiente al año 1961 dio como resultado un absoluto predominio de Brasil (1.084 préstamos), seguido por Canadá, Venezuela, Perú, Colombia, Australia, Argentina (esta última, con 59 préstamos) y demás naciones. 36 Los problemas de este sistema de financiamiento eran que, si bien como se puede apreciar por las cifras comentadas, la cantidad de préstamos otorgados tendió a aumentar con el transcurso del tiempo, los mismos resultaban de cualquier modo insuficientes, en virtud de la demanda existente. Por otra parte, la distribución de dichos fondos se restringía o favorecía a determinados países de destino y categorías de migrantes, es decir, no respondía a un criterio de repartición equitativa.37 Los del Grupo A (cónyuge del llamante, hijos menores de 18 años, hijos mayores de 18 años incapacitados para el trabajo, novias casadas por poder antes de embarcar) no debían pagar nada. Los del Grupo B (padres del llamante, padres políticos, hijos mayores de 18 años, abuelos, nietos, hermanos huérfanos menores de 18 años, pupilos sometidos a la tutela del llamante) abonaban en España 30 dólares, y los del Grupo C (otros parientes y compañeros de profesión u oficio del reclamante), 50 dólares. En todos los casos, el reclamante en ultramar debía pagar 40 dólares. Además, el CIME cobraba a todos los varones emigrantes, comprendidos entre los 18 y 50 años, unos 10 dólares, que debían abonarse en España. Cfr. “Plan de Reagrupación de Familias”, Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 22, agosto de 1958, Madrid, p. 6. 34 Ultramar, Nº 9, junio de 1960, Oficina de América, La Coruña, s./p. 35 “Préstamos de viaje”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 18, abril de 1958, Madrid, p. 7. 36 “Préstamos de viaje concedidos a través de la Comisión Católica Española de Migración en 1961”, en op. cit., Nº 64, febrero de 1962, Madrid, p. 10. 37 Ángel Orbegozo, art. cit., pp. 247 y 248. 33

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Una última ventaja para los migrantes que se trasladaban a la Argentina con intervención de la Comisión Internacional Católica de Migración (y de las organizaciones nacionales asociadas a ella) consistía en la exención del pago de derechos consulares, del mismo modo que ya se procedía con las personas que se desplazaban al mencionado país, a través del CIME.38 Tengamos en cuenta que desde 1953 la Argentina mantenía con esta última institución programas de reagrupación familiar y de atracción de mano de obra industrial y rural, cuyos principales beneficiarios eran los italianos y españoles, con peso variable según los años.39 4. Los orígenes y destinos de los migrantes de la CCEM En cuanto a las provincias de origen de los emigrantes españoles acogidos al Plan de Reagrupación Familiar, contamos con la información correspondiente a los embarques efectuados en 1959, como se puede apreciar en el Cuadro 1 del Anexo. En este último también figuran las salidas transoceánicas de españoles entre 1946 y 1958, según sus provincias de procedencia, con el objeto de contrastar las áreas de origen de los flujos más espontáneos que tuvieron lugar entre 1946 y 1958 y los asistidos, que se desarrollaron en el marco del mencionado programa. Si bien la comparación sugerida adolece de algunos problemas (en las corrientes de 1946 a 1958 se contabilizaron los embarques hacia todos los destinos y en las de 1959, sólo hacia las naciones americanas incluídas en el Plan de Reagrupación Familiar;40 en el primer caso se trata de un período y en el segundo, sólo de un año) nos permite esbozar algunas conclusiones preliminares sobre la cuestión planteada. En relación con los flujos desplegados entre 1946 y 1958, el mayor número de migrantes era oriundo de Pontevedra, La Coruña, Santa Cruz de Tenerife y Orense (en orden decreciente), mientras que en el caso del Plan de Reagrupación del año 1959, la mayor parte procedía de Santa Cruz de Tenerife, La Coruña, Pontevedra y Madrid (en orden también

Decreto Nº 14.549, 21 de noviembre de 1960. Cfr. AMAE, R 6220, Exp. 94, José María Alfaro, “Exención pago derechos consulares”, Buenos Aires, 28 de noviembre de 1960. 39 Dirección Nacional de Migraciones de la Argentina (Buenos Aires), Estadística 1953-1971; Idem, Inmigración, Año II, Nº 5, Buenos Aires, 1960. 40 Ello no modifica demasiado los parámetros de comparación, dado que entre 1946 y 1958 los principales destinos de la emigración española fueron los americanos. 38

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decreciente). La coincidencia en la preeminencia de la provincia de Canarias y las dos de Galicia resulta de gran interés. Por un lado, recordemos que estas tres unidades jurisdiccionales poseían puertos de embarque con una histórica vinculación con América. Por otro lado, la CCEM había instalado en dichas provincias importantes servicios de asistencia al emigrante y en particular, en los puertos de Vigo, La Coruña y Santa Cruz de Tenerife (los otros puertos y aeropuerto en los que tenía presencia la CCEM eran Barcelona, Cádiz, Las Palmas, Bilbao, Santander y Barajas).41 El hecho de que el componente principal de las corrientes asistidas se originara en áreas que ya tenían una larga tradición emigratoria con destino a América, confirmaría que en realidad la estructura de la CCEM se apoyó en las redes emigratorias preexistentes y que su acción fue más eficiente justamente en las provincias donde las salidas espontáneas había alcanzado una importante dimensión numérica desde las primeras décadas del siglo XIX. Dentro de Galicia, la distribución de los emigrantes del Plan de Reagrupación Familiar, por provincias de origen, fue similar a la presentada por los emigrantes de los flujos espontáneos examinados (un predominio notorio de Pontevedra y La Coruña, seguidas por Orense y Lugo, en orden decreciente –ver el Cuadro 1-). Ello estaría avalando una vez más la idea de que en lo relativo a su procedencia, las corrientes asistidas de 1959 mantuvieron grandes líneas de continuidad con las de los años precedentes. Desde 1956 y hasta 1965 la CCEM colaboró con el reagrupamiento familiar de unos 67.498 españoles, que se dirigieron a los diferentes países americanos beneficiados con el programa (Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguay, Colombia, Chile y Paraguay),42 según las cantidades consignadas en el Cuadro 2. Como queda de manifiesto en este último, los destinos que recibieron más migrantes del Plan de Reagrupación Familiar, a lo largo de casi una década, fueron Venezuela y Brasil.43 Ahora bien, resulta interesante señalar que los balances realizados en los primeros años de este programa indicaron que la Argentina fue inicialmente el principal espacio receptor de los embarcados (ver el Cuadro 3) lo que podría ser la expresión de un fenómeno de reagrupación familiar que contó en una Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 11, septiembre de 1957, Madrid, pp. 8-10. 42 Cabe aclarar que con el transcurso del tiempo, otros países quedaron incluídos de manera más informal dentro del plan (por ejemplo: Panamá, Costa Rica y Ecuador). 41

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primera etapa con un gran desarrollo en relación con nuestro país, para luego fortalecerse en naciones como Venezuela y Brasil, al compás de las variables condiciones económicas, sociales y políticas prevalecientes en cada una de ellas. 5. Los gallegos que tramitaron su traslado a la Argentina a través de la CCEM Lamentablemente, hasta el momento desconocemos el número exacto de inmigrantes gallegos que arribaron a nuestro país dentro del Plan de Reagrupación Familiar gestionado por la CCEM. La documentación que permitiría tener una idea aproximada de esta cantidad, las fichas elaboradas por los curas párrocos españoles, sobre cada individuo reclamado desde América,44 están dispersas (en distintos organismos e instituciones) o desaparecidas, y además, sólo dan cuenta de aquellos embarques programados (pero no necesariamente concretados). Asimismo, la preocupación por sistematizar la información contenida en estas fichas es relativamente reciente, en consonancia con el hasta ahora limitado interés por las vinculaciones entre emigración e Iglesia, dentro del ámbito peninsular.45 Contrariamente a lo ocurrido en otros países emigratorios, como Italia, por ejemplo, la preocupación por el papel de la Iglesia en el proceso emigratorio español aún no ha logrado un amplio desarrollo, ni desde el lado de la sociedad de partida ni desde los diferentes países de recepción. En relación con la acción particular de la CCEM en la segunda posguerra, las investigaciones también son escasas: disponemos de un trabajo que la considera en función de la relación entre Por el momento no podemos reconstruir el número anual de españoles embarcados dentro del Plan de Reagrupación Familiar, según los diferentes países de destino, por lagunas existentes en las fuentes de información disponibles. 44 En el caso de Galicia, esas fichas debían ser enviadas a la Delegación Diocesana de Santiago o a las oficinas provinciales de La Coruña o Pontevedra. V. Xosé Luís Mínguez Goyanes, art. cit., pp. 164 y 165. 45 Una importante excepción a esta última tendencia comentada está dada por los trabajos de Óscar Álvarez Gila. Cfr. de este autor: “Apuntes historiográficos para el estudio del clero rioplatense”, Separata de Qué es la Historia de la Iglesia, XVI Simposio Internacional de Teología de la Universidad de Navarra (Colección “Simposios Internacionales de Teología”, Nº 16), Pamplona, 1996, pp. 387-396; Idem, “La vinculación entre clero e inmigración vasca en Argentina: razones y formas”, en Hispania Sacra, Vol. 50, Nº 102, 1998, pp. 557-587; Idem, “La emigración de clero secular europeo a Hispanoamérica (siglos XIX-XX): causas y reacciones”, en Hispania Sacra, Vol. 53, Nº 108, 2001, pp. 559-576, entre otros. 43

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la jerarquía eclesiástica y la emigración en Galicia y otro donde se la examina en vinculación con la salida de canarios a la Argentina, a mediados del siglo XX.46 De cualquier modo, consideramos que faltarían estudios de mayor alcance, tendientes a examinar el funcionamiento de la CCEM en un contexto más extenso, tomando en consideración distintos grupos migratorios y diferentes destinos, con propósitos comparativos. Sin embargo, y a un nivel documental, resulta de interés destacar que el Arquivo da Emigración Galega (Santiago de Compostela) se ha propuesto rescatar las fichas de la CCEM, al menos en lo relativo a los emigrantes del noroeste hispánico, logrando hasta el momento recuperar una copia de las fichas que se encontraban en la Oficina Provincial de La Coruña. Esta fuente es muy valiosa, por los datos personales que aporta sobre los reclamados desde distintos destinos americanos. A partir de las fichas correspondientes a los gallegos llamados desde Argentina, entre 1957 y 1963 (inclusive), hemos tratado de indagar algunos rasgos socio-demográficos de un universo de 731 personas (muestra elegida al azar). Se trata de sujetos que pretendían partir para nuestro país, aunque no sabemos con certeza si en todos los casos lo hicieron finalmente. Algunos de ellos aprovecharon los préstamos de viaje que ofrecían los organismos católicos de emigración, mientras que otros se beneficiaron con los descuentos en los pasajes, característicos del Plan de Reagrupación Familiar, ya comentados anteriormente. De cualquier modo, se dificulta conocer con exactitud las proporciones de los comprendidos en cada una de estas dos situaciones. Si nos concentramos en el conjunto indagado, podemos afirmar que la mayoría estaba constituído por mujeres (61%) y el resto por varones (39%). Este predominio del componente femenino estaba vinculado con el mecanismo básico que sustentaba el Programa de Reagrupación Familiar (los “llamados”, como ya hemos visto). Los parientes que predominaron en la realización de estos reclamos fueron los padres, hermanos, cónyuges e hijos (en orden decreciente), en especial, los de sexo masculino (Ver el Cuadro 4). Cabe destacar que el caso gallego se diferencia del español en general, donde los llamados eran efectuados por hijos, cónyuges, hermanos y padres (en orden

46

Xosé Luís Mínguez Goyanes, art. cit., pp. 127-169; Ma. Emelina Martín Acosta, cap. cit., pp. 391-401.

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decreciente).47 Sería de interés indagar si la emigración asistida de fines de la década de 1950 se articuló principalmente con los flujos de los años posteriores a la Segunda Guerra Mundial o con los anteriores al desencadenamiento de la Guerra Civil Española. Por el momento nos inclinamos a suponer que un gran número de los padres reclamantes de los gallegos analizados podría haber arribado en la inmediata posguerra. Las proporciones de casados y solteros eran iguales, en el grupo de emigrantes gallegos de ambos sexos examinado (46% en cada caso), siendo el porcentaje de viudos mucho menor (8%). Entre los españoles de ambos sexos, reclamados desde Argentina en 1959, eran más numerosos los solteros (52%), seguidos por los casados (41%) y los viudos (7%). El elevado porcentaje de casados entre los gallegos, arriba señalado (46%), constituye la expresión de un flujo asistido que involucraba el reagrupamiento de familias, sobre la base de la existencia de una red bastante densa de familiares y conocidos ya establecidos en nuestro país. La comparación con la composición por estado civil de las corrientes gallegas de entreguerras, donde no operaban mecanismos impersonales de fomento de las reagrupaciones familiares y donde los casados de ambos sexos alcanzaban sólo al 38%, permitiría reforzar la idea anteriormente esbozada.48 En cuanto a las edades, en los flujos asistidos de 1957 a 1963 tuvo mayor peso el grupo comprendido entre los 15 y 29 años (ver el Gráfico 2). Sin embargo, si comparamos la composición por edades de estas corrientes tardías, en contraste con las más tempranas de 1924 (Cuadro 5), comprobaremos que la proporción de los jóvenes de 15 a 29 años en los flujos asistidos era mucho menor que en el caso de los espontáneos, al tiempo que en estos últimos el porcentaje de niños y ancianos era bastante más bajo que en los primeros.

Para el caso español que comentamos en este párrafo y en otros subsiguientes, nos basamos en la información disponible, correspondiente al año 1959 (Cfr. Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1959, cit., pp. 46 y 47). Si bien la comparación entre el caso gallego y el español adolece de limitaciones (se fundamentará en datos de un período para los gallegos- y de un año -para los españoles-), creemos de interés aludir a algunas conclusiones provisorias que se desprenden de la misma. 48 El dato presentado se obtuvo a partir del estudio de 973 inmigrantes gallegos que ingresaron a la Argentina en el primer trimestre de 1924, a partir de la información que contiene la “Base de Datos” del Centro de Estudios Migratorios Latinoamericanos (Buenos Aires, Argentina). En los párrafos que siguen, cuando hagamos referencia a los inmigrantes de 1924, aludiremos siempre a los datos suministrados por esta “Base de Datos”. Agradecemos a Alicia Bernasconi por facilitarnos la consulta de la misma. 47

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Más de la mitad de los gallegos reclamados entre 1957 y 1963 (63%) desempeñaban en su tierra natal actividades de tipo primario (en especial, se reconocían como “labradores”, “agricultores” o “marineros”) y un 27% podrían ser clasificados como artesanos y operarios (en este grupo predominaban las “modistas”, “costureras”, “carpinteros” y “mecánicos”). La importante proporción de migrantes dedicados a tareas de índole primaria también estuvo presente entre los gallegos de 1924 y dentro de otro conjunto de gallegos examinado por nosotros, arribado a la Argentina en los primeros trimestres de 1949 y 1950, con porcentajes que alcanzaron al 58%, en el primer caso, y 57%, en el segundo, lo que sugeriría importantes continuidades en cuanto a la inserción socioprofesional de los universos de migrantes indagados.49 En relación con los destinos hacia los cuales pensaban dirigirse los gallegos que tramitaron su traslado a través de la CCEM, prevalecieron la Capital Federal y la Provincia de Buenos Aires (de manera conjunta acapararon el 97% de los migrantes en consideración) (Cuadro 6). En general, los destinos declarados de estos gallegos coincidían con los de los reclamantes. Dentro de la Provincia de Buenos Aires, los ámbitos de mayor atracción fueron los Partidos del Conurbano Sur, en especial, Avellaneda y Lanús. Recordemos que, según los estudios de Ruy Farías, Avellaneda (que antiguamente incluía a Lanús) poseía una larga tradición como espacio de asentamiento de los inmigrantes del noroeste hispánico, que se puede remontar a fines del siglo XIX.50 Ninguno de los otros Partidos del Conurbano o del resto de la Provincia de Buenos Aires alcanzaron un peso tan importante, como Avellaneda y Lanús. El papel de la Capital Federal y la Provincia de Buenos Aires como destinos preferenciales también fue constatado en el caso de los flujos gallegos de principios de 1949 y de 1950, donde ambas jurisdicciones absorbieron conjuntamente el 96% de los 928 inmigrantes

Para el examen de los gallegos llegados a la Argentina en los primeros trimestres de 1949 y 1950 (ver también el párrafo que sigue) empleamos los libros de desembarco, que actualmente se encuentran en el Archivo General de la Nación (Argentina). 50 Entre 1890 y 1930 los gallegos constituían alrededor del 70% de los españoles establecidos en Avellaneda. V. Ruy Farías, “Peones, obreros y jornaleros: patrones de asentamiento e inserción socioprofesional de los gallegos en Avellaneda y Lanús, 1890-1930”, en Idem (comp.), Buenos Aires Gallega. Inmigración, pasado y presente, Temas de Patrimonio Cultural Nº 20, Buenos Aires, Comisión para la Preservación del Patrimonio Histórico Cultural de la Ciudad de Buenos Aires, 2007, pp. 83-90. 49

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examinados. Esta localización urbana o semi-urbana, en la ciudad de Buenos Aires o en ámbitos próximos a la misma, entraba en tensión con uno de los objetivos que había orientado la política migratoria de los gobiernos argentinos desde la Segunda Guerra Mundial (y que tenía sus raíces en ideas de la élites dirigentes del siglo XIX): la canalización y arraigo de la inmigración en el agro. En efecto, a partir de 1946, y más fuertemente a comienzos de la década del cincuenta, el peronismo se preocupó por estimular la inmigración que pudiera insertarse en tareas agropecuarias, además de aquella compuesta por técnicos y obreros especializados para la actividad industrial.51 Esta inclinación por la inmigración con destino rural perduró luego de la caída de Perón, lo que pone en evidencia que los procesos de reagrupación familiar no siempre satisficieron todos los principios o prioridades establecidos en las políticas migratorias argentinas de la época. 6. Conclusiones El último ciclo de la emigración gallega a la Argentina comenzó tras el fin de la Segunda Guerra Mundial y se cerró de manera paulatina en los primera mitad de 1960. En una etapa inicial, la recuperación de las corrientes del noroeste hispánico hacia el exterior se basó principalmente en la fuerza de los mecanismos de traslado espontáneos, en especial, la reactivación de cadenas migratorias que habían permanecido adormecidas durante los prolongados años de enfrentamientos bélicos (la Guerra Civil española y la Segunda Guerra Mundial). Pero desde mediados de la década de 1950 empezaron a cobrar fuerza los mecanismos de asistencia impersonales, sustentados formalmente en el estímulo estatal y en el accionar de instituciones internacionales y nacionales, laicas y religiosas. En efecto, a partir de 1956 el gobierno franquista delegó en el Instituto Español de Emigración (que luego fue adscripto al Ministerio de Trabajo) la tarea de estudiar y fomentar los flujos hacia el exterior, en el marco de la implementación de políticas económicas de desarrollo 51

En 1952 se llegó a establecer que a partir del 22 de febrero de ese año no se concederían permisos de ingreso a la República, a aquellos recién llegados que quisieran radicarse dentro de un radio de cien kilómetros de la Capital Federal (a excepción de los parientes en primer grado que vinieran a integrar núcleos familiares o trabajadores especializados que arribaran con un contrato y garantías de colocación). Decreto Nº 3.721, 22 de febrero de 1952.

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que atribuyeron nuevas funciones a las salidas de personas y a la movilidad humana en general. El IEE se apoyó en la CCEM para llevar a cabo los planes de reagrupación familiar acordados con el CIME, dado que existían condiciones ideológicas y políticas que favorecieron por primera vez un acercamiento formal entre una institución gubernamental y otra religiosa, con el fin de asistir y canalizar las corrientes hacia ultramar. Detrás de la declarada preocupación por los aspectos morales y espirituales involucrados en la lógica de reagrupamiento familiar se escondían motivos económicos más profundos, que condujeron al IEE a depositar en la CCEM la responsabilidad de llevar adelante el programa en cuestión. La última institución mencionada cumplió de manera eficaz con el cometido encomendado, valiéndose de la red capilar de las parroquias, que fueron el espacio privilegiado de su actuación. A partir del análisis del papel desempeñado por la CCEM en el ámbito gallego hemos comprobado que, más allá de la intervención formal de los poderes públicos y eclesiásticos en el proceso emigratorio, el mismo se siguió apoyando en gran medida en la vitalidad de los lazos establecidos entre el emigrado y sus familiares y conocidos en el noroeste hispánico. De allí que la emigración asistida adquiriera una dimensión numérica mayor en las provincias donde la espontánea ya tenía un amplio desarrollo, por condiciones geográficas (cercanía a la costa y a los puertos) o históricas (larga tradición de vinculaciones con ultramar, motivada en factores económicos, sociales y culturales). Una vez más, los flujos hacia América, esta vez canalizados por el Estado y la Iglesia, se vertebraron en función de las redes primarias transoceánicas preexistentes. Bibliografía Álvarez Gila, Óscar, “La emigración de clero secular europeo a Hispanoamérica (siglos XIX-XX): causas y reacciones”, en Hispania Sacra, Vol. 53, Nº 108, 2001, pp. 559-576. —————, “La vinculación entre clero e inmigración vasca en Argentina: razones y formas”, en Hispania Sacra, Vol. 50, Nº 102, 1998, pp. 557-587. —————, “Apuntes historiográficos para el estudio del clero rioplatense”, Separata de Qué es la Historia de la Iglesia, XVI Simposio Internacional de Teología de la Universidad de Navarra (Colección “Simposios Internacionales de Teología”, Nº 16), Pamplona, 1996, pp. 387-396.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Martín Acosta, Ma. Emelina, “Emigración canaria a Argentina: algunos ejemplos de la Comisión Católica Española de Migración, a mediados del siglo XX”, en Cagiao Vila, Pilar y Rey Tristán, Eduardo (eds.), De ida y vuelta. América y España: los caminos de la cultura. Simposio Internacional de la Asociación Española de Americanistas, Santiago de Compostela 2 y 3 de septiembre de 2005, Universidade de Santiago de Compostela, 2007, pp. 391-401. Mínguez Goyanes, Xosé Luis, “Emigración e xerarquía eclesiástica (1952-1969). Unha aproximación á cuestión”, en Estudios Migratorios, Nº 3, 1997, pp. 127-169. Palazón Ferrando, Salvador, Capital humano español y desarrollo económico latinoamericano. Evolución, causas y características del flujo migratorio (1882-1990), Valencia, Institut de Cultura “Juan Gil-Albert”, 1995. Sánchez López, Francisco, Emigración española a Europa, Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorros, 1969. Yáñez Gallardo, César, La emigración española a América (S XIX y XX). Dimensión y características cuantitativas, (Colección “Cruzar el Charco”), Colombres, Fundación Archivo de Indianos, 1994.

309

Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones... / Nadia A. De Cristóforis

ANEXO Gráfico 1: Emigración española transoceánica y hacia la Argentina (1946-1965)*

* En el período analizado, se entiende por “emigración transoceánica” la que se dirige a América. Fuente: César Yáñez Gallardo, La emigración española a América (S XIX y XX). Dimensión y características cuantitativas, (Colección “Cruzar el Charco”), Colombres, Fundación Archivo de Indianos, 1994, pp. 37, 38 y 76 (Nos basamos en las cifras de las estadísticas españolas que brinda este autor y no en las argentinas).

Cuadro 1: Distribución provincial de la emigración española, luego de la Segunda Guerra Mundial Provincias de Emigración origen de los transoceánica emigrantes (1946-1958)

Porcentajes Emigración Porcentajes Oficinas de la del total dentro del del total CCEM en puertos (Columna 2) P.R.F. (1959) (Columna 4) o aeropuertos

Santa Cruz de Tenerife

63.373

11,2%

2.016

20,1%

Puerto

Pontevedra

84.092

14,9%

1.351

13,5%

Puerto

La Coruña

83.592

14,8%

1.317

13,2%

Puerto

Madrid

27.406

4,9%

658

6,6%

Aeropuerto

Orense

55.713

9,9%

564

5,6%

—-

Barcelona

48.427

8,6%

505

5,0%

Puerto

Las Palmas

6.141

1,1%

489

4,9%

Puerto

310

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Oviedo

30.562

5,4%

326

3,3%

—-

Lugo

35.368

6,3%

317

3,2%

—-

León

10.170

1,8%

307

3,1%

—-

Granada

9.273

1,6%

267

2,7%

—-

Valencia

12.000

2,1%

163

1,6%

—-

Málaga

6.693

1,2%

154

1,5%

—-

Santander

6.508

1,2%

136

1,4%

Puerto

Almería

8.394

1,5%

130

1,3%

—-

Sevilla

3.179

0,6%

107

1,1%

—-

Salamanca

3.988

0,7%

106

1,1%

—-

Zaragoza

3.975

0,7%

88

0,9%

—-

Vizcaya

13.185

2,3%

87

0,9%

Puerto

Alicante

3.900

0,7%

85

0,8%

—-

Burgos

3.063

0,5%

70

0,7%

—-

La Rioja

3.597

0,6%

55

0,5%

—-

Albacete

536

0,1%

54

0,5%

—-

Córdoba

1.512

0,3%

52

0,5%

—-

Guipúzcoa

4.751

0,8%

51

0,5%

—-

Murcia

2.484

0,4%

50

0,5%

—-

Cádiz

2.783

0,5%

46

0,5%

Puerto

Baleares

6.614

1,2%

45

0,4%

—-

Tarragona

1.658

0,3%

45

0,4%

—-

Valladolid

1.230

0,2%

41

0,4%

—-

Zamora

4.051

0,7%

37

0,4%

—-

Navarra

4.331

0,8%

36

0,4%

—-

Lérida

1.228

0,2%

30

0,3%

—-

Jaén

1.057

0,2%

26

0,3%

—-

Cáceres

911

0,2%

25

0,2%

—-

Palencia

762

0,1%

20

0,2%

—-

Toledo

593

0,1%

19

0,2%

—-

Ciudad Real

504

0,1%

18

0,2%

—-

Ávila

743

0,1%

15

0,1%

—-

Guadalajara

326

0,1%

14

0,1%

—-

Huelva

328

0,1%

13

0,1%

—-

Huesca

440

0,1%

12

0,1%

—-

311

Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones... / Nadia A. De Cristóforis

Soria

783

0,1%

12

0,1%

—-

Gerona

1.283

0,2%

11

0,1%

—-

Badajoz

486

0,1%

9

0,1%

—-

Teruel

606

0,1%

9

0,1%

—-

Álava

835

0,1%

7

0,1%

—-

Cuenca

218

0,0%

7

0,1%

—-

Segovia

221

0,0%

4

0,0%

—-

Castellón

657

0,1%

3

0,0%

—-

564.530

100,0%

10.009

100,0%

—-

Total Fuentes:

Columna 2: Salvador Palazón Ferrando, Capital humano español y desarrollo económico latinoamericano. Evolución, causas y características del flujo migratorio (1882-1990), Valencia, Institut de Cultura “Juan Gil-Albert”, 1995, p. 295. Columna 4: Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1959, Libro IV, Instituto Español de Emigración, Madrid, 1960, p. 48.

Cuadro 2: Personas trasladadas dentro del Plan de Reagrupación Familiar, según países de destino (1956-1965) Países de destino

Nº personas reagrupadas

Venezuela

24.344

Brasil

18.588

Argentina

15.259

Uruguay

6.037

Colombia

1.630

Chile

1.331

Paraguay

171

Panamá

78

Costa Rica

55

Ecuador Total

5 67.498

Fuente: “Reagrupación familiar en ultramar”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 109, Marzo-Abril de 1966, Madrid, p. 7.

312

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Cuadro 3: Personas trasladadas dentro del Plan de Reagrupación Familiar, según países de destino (1956-1959) Países de destino

Nº personas reagrupadas

Nº familias reagrupadas

Argentina

10.626

4.938

Venezuela

9.004

4.331

Brasil

7.335

3.800

Uruguay

3.129

1.441

Colombia

677

379

Chile

559

293

Paraguay

79

33

Costa Rica

3

2

31.412

15.217

Total

Fuente: “Resumen del Plan R. F.”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 39, Enero de 1960, Madrid, p. 7.

Cuadro 4: Parentesco del reclamante en la Argentina con el reclamado en Galicia o en España en general (Plan de Reagrupación de Familias) Españoles reclamados (1959) Reclamantes

Gallegos reclamados (1957-1963)



%



%

Padres

251

16%

210

30%

Hermanos

291

19%

158

23%

Cónyuges

341

22%

119

17%

Hijos

377

24%

90

13%

Otros

303

19%

125

18%

Total

1.563

100%

702

100%

Fuentes: Columna 2: Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1959, Libro IV, Instituto Español de Emigración, Madrid, 1960, p. 46. Columna 4: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migración de La Coruña, 1957-1963.

313

Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones... / Nadia A. De Cristóforis

Gráfico 2: Distribución por edades de 704 migrantes gallegos (de ambos sexos) que tramitaron su traslado a la Argentina a través de la CCEM (1957-1963)

Fuente: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migración de La Coruña, 1957-1963.

Cuadro 5: Distribución por edades de los gallegos de ambos sexos, arribados a la Argentina de manera espontánea (1924) o que tramitaron su traslado por la CCEM (1957-1963) Gallegos “espontáneos” (1er. trimestre 1924) Grupos de edades

Gallegos “asistidos” (1957-1963)



%



%

0-14

100

9%

217

31%

15-29

585

55%

255

36%

30-44

259

24%

113

16%

45-59

104

10%

70

10%

60 y + Totales

14

1%

49

7%

1.062

100%

704

100%

Fuentes: Columna 2: Base de Datos del CEMLA. Columna 4: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migración de La Coruña, 1957-1963.

314

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Cuadro 6: Destinos declarados de 697 migrantes gallegos que tramitaron su traslado a la Argentina a través de la CCEM (1957-1963) Destinos Capital Federal y Pcia. Bs. As.

Destinos deslindados

%

4 394 21 201 41 17

0,6% 56,5% 3,0% 28,8% 5,9% 2,4%

Córdoba

1

0,1%

Rosario

11

1,6%

Entre Ríos

3

0,4%

Mendoza

2

0,3%

Santa Cruz

2

0,3%

697

100,0%

Total

Capital Federal Buenos Aires* GBA Norte** GBA Sur GBA Oeste Resto Pcia. Bs. As.

Nº emigrantes

* Resulta imposible discernir si se trataba de la Capital Federal o la Provincia de Buenos Aires. ** GBA: Gran Buenos Aires. Fuente: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migración de La Coruña, 1957-1963.

315

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo Adriano Codato* O título deste capítulo merece, antes de qualquer coisa, uma explicação preliminar. Por que o Estado Novo “de novo”? Porque acredito que seja necessário e urgente voltar ao estudo desse subperíodo da história política nacional para compreender mais e melhor um ponto capital do processo de transformação capitalista do Brasil: a reestruturação do universo das elites – políticas, econômicas, ideológicas e sociais – na primeira metade do século XX. Dados os paralelismos óbvios e as afinidades ideológicas entre as elites intelectuais do Brasil e da Argentina entre os anos 1920 e 1940 (que envolvem os diagnósticos sobre a crise, as alternativas aventadas, as representações da nação, a imagem projetada de si etc.)1, este texto deve servir também como um roteiro resumido de questões que podem ser postas à historia e à historiografia argentina a título de comparação. Essa volta ao Estado Novo sugerida aqui tem a ver com a necessidade de recuperar a dimensão histórica dos estudos políticos. Esse programa de pesquisa não é um projeto puro e simples de combate ao presentismo da Ciência Política nacional, nem um apelo contra o quantitativismo, ora dominante nas Ciências Sociais brasileiras. Na realidade, o que se pretende, neste curto ensaio, é enumerar alguns princípios interpretativos geradores de novas hipóteses de pesquisa. Trata-se, em resumo, de recombinar alguns elementos – conhecidos e desconhecidos –

* Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR); doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 1 Ver, em especial, José Luis Bendicho Beired, Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina. São Paulo: Edições Loyola, 1999; e Tulio Halperin Donghi, La Argentina y la tormenta del mundo: ideas e ideologías entre 1930 y 1945. Buenos Aires: Siglo XXI, 2004.

316

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

para recriar uma nova agenda de pesquisas orientadas empiricamente e que possa servir de base para relevar semelhanças e diferenças entre a história política brasileira e a história política argentina. Este ensaio está organizado em quatro partes. Na primeira, destaco o que me parece um ponto cego importante nas análises tradicionais sobre as transformações do capitalismo no Brasil: o papel e o lugar dos políticos profissionais. Esse tópico tem a ver não apenas com as óbvias modificações ocorridas no campo político no pós-1930, com a redefinição de mandantes e mandados, mas constitui (ou melhor: pode constituir) uma porta de entrada útil para entender as mudanças no próprio campo do poder. Daí o seu principal interesse. Na seqüência, isolo o que me parecem ser duas variáveis chave para toda essa discussão: a organização burocrática do regime ditatorial e, aí dentro, a questão, já bem discutida, da representação formal de interesses. O caso é que esses dois assuntos e principalmente a relação entre eles foram tematizados em função apenas de dois agentes sociais “fundamentais”: os trabalhadores urbanos e os empresários industriais. Elaboro uma explicação sobre por que os políticos profissionais, tão importantes no regime anterior (1889-1930), sumiram do mapa – da historiografia e da sociologia, não da História. Na terceira parte deste ensaio lembro que as soluções corporativistas e clientelistas, em oposição ao liberalismo oligárquico como o método usual de solução de conflitos políticos e agregação e expressão de interesses e sociais durante a República Velha, não resolvem, por si só, a questão mais delicada que é a de que fazer enfim com as antigas e outrora influentes classes políticas regionais. A última seção do ensaio enfatiza a existência de uma pluralidade de aparelhos político-burocráticos, construídos para fazer frente, ou viabilizar, a presença e a participação de diferentes grupos de elite. Eles estão na origem da mudança, decisiva, dos critérios de recrutamento para a constituição da nova elite estatal que deve comandar o processo de construção do Estado nacional no Brasil depois de 1930. Nas conclusões, proponho a retomada de uma agenda de pesquisa e um método mais adequado a ela e aos temas aqui discutidos.

317

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

I. Campo do poder e fundamentos do poder Ninguém ignora que entre os anos 1930 e 1945, grosso modo, houve uma redefinição da hierarquia entre os grupos dominantes (elites agrárias, industriais, comerciais), redefinição essa que repercutiu inclusive e principalmente sobre a “classe política” brasileira. É suficiente recordar aqui três acontecimentos, mais ou menos simultâneos, que tiveram uma influência direta sobre o ordenamento dos políticos de carreira e da sua carreira política. Em primeiro plano, a substituição das lideranças tradicionais, graças à ascensão dos “revolucionários” de 1930; como conseqüência dessa troca, o processo de nacionalização das forças políticas, que concluiu o ciclo dos partidos políticos regionais e pôs fim à hegemonia inconteste do Partido Republicano Paulista. Isso se deu em meio à transformação do Estado federal num Estado “forte” (isto é, com grande capacidade de intervenção na economia e na sociedade), graças à constituição de um aparelho de poder centralizado. Esses eventos, resumidos bruscamente aqui, tiveram um alcance maior do que se imagina. Houve, em grande medida, não só uma modificação da posição dos atores no campo político, mas uma metamorfose do próprio campo do poder2. Da mesma maneira, houve não só uma mudança da ideologia política dominante (do liberalismo oligárquico para o estatismo autoritário), mas dos fundamentos do poder (recursos políticos, predicados sociais, capacidades econômicas), o que terminou por alterar mesmo os princípios de legitimidade e os modos de operação do sistema político. Há, todavia, um ponto cego na literatura sobre “os anos Vargas” e em especial sobre essa fase do “período populista” (1930-1964). Poucos trabalhos acadêmicos se dedicaram a estudar as elites políticas e, especialmente, analisar de maneira mais detida o papel e o lugar dos políticos 2

O campo do poder é a fração do espaço social global composta pelas formas mais eficazes (“dominantes”) de capital. É um artifício teórico para diferenciar os tipos dominantes de capital. Os capitais que formam o campo do poder variam historicamente em função da história e o estado das relações de força entre as espécies de capital (e por derivação, entre as classes relativas a tais capitais). Por isso, qualquer definição que postule que “o campo do poder é formado pelos capitais x, y, z” é falsa. O campo do poder não passa de um artifício teórico para esclarecer melhor a estrutura do topo da pirâmide social. Já o campo político corresponde estritamente aos espaços sociais onde opera e é eficaz o capital propriamente político. Ver, entre outras referências, Pierre Bourdieu, La noblesse d’État: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989, p. 371 e segs.

318

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

profissionais no processo de transformação capitalista da sociedade brasileira. Além de tudo, o assunto mais geral que serve de moldura e viabiliza esse processo – as transformações político-institucionais do Estado e do regime depois de 1930 e durante o Estado Novo – está faz um bom tempo fora da agenda de pesquisas da Ciência Política e da Sociologia Política brasileiras. A idéia corrente é que se trata de um tema já suficientemente debatido pela Historiografia e (aparentemente) esgotado. Voltemos ainda que por um momento à história política do período. II. A historiografia, a história e os políticos de profissão Na cerimônia de instalação da Assembléia Constituinte, em 15 de novembro de 1933, Getúlio Vargas leu um volumoso relatório administrativo. Aí se incluíam os gastos dos Ministérios da Guerra e da Viação, o dispêndio anual com as compras de café, a reestruturação da ferrovia Central do Brasil, a questão dos limites de fronteira, as obras contra as secas, e por aí afora. Antes de revisar os prodígios do Governo Provisório (1930-1934), o redator julgou que seria adequado enfeitar o texto com um tratado de história política do Brasil, um balanço sobre a conjuntura pós-revolucionária e uma aula sobre “O Estado moderno”. Ao abordar o assunto do recém editado Código Eleitoral, uma antiga reivindicação dos “revolucionários” de 1930, o Presidente lembrou o seguinte: A composição do Estado, como aparelho político e administrativo, pressupõe, nos regimes democráticos, a legitimidade da representação popular. Conhece-se, sobejamente, em que consistia essa representação, antes do movimento revolucionário [de 1930]: alistamento inidôneo, eleições falsas e reconhecimentos fraudulentos. Ora, o que legitima o poder é o consentimento dos governados; logo, onde a representação do povo falha, este poder será tudo, menos órgão legal da soberania da Nação3.

Esses tópicos – a estrutura do Estado, o caráter do regime, o tipo de legitimidade –, reunidos no capítulo da reorganização política do País, serão o assunto imprescindível dos anos trinta no Brasil e as variações quanto ao modo de medir o “consentimento dos governados”, ou me-

3

Getulio Vargas, Mensagem lida perante a Assembléia Nacional Constituinte, no ato de sua instalação, em 15 de novembro de 1933. In: ______. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, vol. III: A realidade nacional em 1933; Retrospecto das realizações do governo (1934), p. 28-29; grifos meus.

319

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

lhor, de dirigir a participação dos chefiados, desde as elites até as massas, será a paixão dos protagonistas e dos cientistas da política dessa época. Tanto é assim que tanto a história política quanto a história das idéias políticas do primeiro governo Vargas (1930-1945) têm como base terapias institucionais e reformas constitucionais fundamentadas em uma série de objetivos comuns entre ideólogos e a nova classe dirigente. Era mais do que urgente organizar a Nação, orientar o Povo, fortalecer o Estado e desenvolver o País. Nesse sentido, o Estado Novo, o regime que enfim viabilizou esses propósitos, não foi certamente a realização plena de uma idéia, mas seu figurino não ficou muito distante das aspirações práticas dos teóricos do autoritarismo4. Da engenharia política que resultou desse encontro entre os novos agentes políticos e intérpretes do Brasil nos anos 1930 e 1940, dois pontos são mais relevantes e constituem o ponto de partida da minha discussão: a organização institucional do regime ditatorial e, dentro dela, a questão política e ideológica da representação de interesses em contextos “não democráticos”. As duas variáveis – instituições e interesses – estão conectadas. A estrutura do regime (mais do que suas práticas “informais”) condiciona, em sentido amplo, as formas e os mecanismos de representação. Essas variáveis, por sua vez, impõem, de maneira estrita, os parâmetros do programa – em grande parte improvisado, diga-se – de recrutamento e remanejamento de indivíduos e grupos no universo das elites políticas, alterando tanto sua hierarquia, quanto sua ecologia, isto é, suas relações com o meio ambiente político. A primeira relação causal (entre a forma do regime e o modo de representação de interesses) já foi bem estudada pela Sociologia Política e pela História Política brasileiras. Contudo, a maioria das análises dedicou-se a explicar o comportamento político e a estrutura que molda esse comportamento de dois agentes sociais, apenas: os trabalhadores urbanos, controlados pela estrutura sindical oficial e/ou pelo populismo presidencial, e os empresários industriais, submetidos a formas “corporativistas” de representação de interesses5. Como o Estado Novo já Para essa constatação, ver, entre outros, Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990, p. 46 e segs. 5 Para uma discussão abrangente desse tópico, ver Maria Antonieta P. Leopoldi, Política e interesses: as associações industriais, a política econômica e o Estado na industrialização brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 4

320

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

foi, sintomaticamente, assimilado a um regime político sem política (a opinião é de Thomas Skidmore6) e, por dedução, sem políticos (exceto aqueles que gravitavam em torno do Presidente e que faziam, por suposto, a política da Presidência), a ausência dos mecanismos liberais de representação de interesses (partidos, eleições, parlamentos etc.) dissimulou o lugar e o papel da “classe política” sem que ela tivesse, todavia, sido anulada ou houvesse simplesmente desaparecido7. Como conseqüência, os políticos profissionais tornaram-se ora invisíveis, ora secundários, ora importantes apenas porque integravam, através das Interventorias Federais nos estados, um esquema político cujo objetivo e meios os ultrapassavam intencionalmente: a nacionalização das estruturas de dominação através da centralização do poder executivo no Executivo federal. O sumiço dos políticos de carreira dos estudos políticos é um assunto em si mesmo. Por que essa percepção? Basicamente por dois motivos, arrisco. Em primeiro lugar porque a tentação mais comum é a de assimilar “política” à “política democrática”, esta definida restritivamente como “competição eleitoral”. Em segundo lugar porque se preferiu acreditar que durante esse período a “administração” de uma burocracia em vias de se profissionalizar substituiu a “política” dos grupos de interesse. Focado nas classes fundamentais, esse ponto de vista não deixa de ser curioso, já que a historiografia política do período 1930-1937 (ou mesmo do período 1937-1945) foi durante bom tempo, e em grande parte, uma crônica tradicional dos acontecimentos políticos tradicionais, reduzidos a alguns personagens políticos, ou “atores”, e a suas ações/ opções “estratégicas”. Testemunha disso são os vários estudos descritivos e os ensaios políticos sobre esse intervalo de tempo. Refiro-me aqui aos trabalhos, muitíssimo bem documentados, de Hélio Silva e Edgard Carone, mas também aos ensaios clássicos de Virginio Santa Rosa (O Ver, para a fundamentação dessa opinião, Thomas E. Skidmore, Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 61-62. 7 Em seu depoimento ao CPDOC, o ex-deputado do PSD pernambucano e ministro da Agricultura do governo Café Filho, José da Costa Porto, ressalta “uma coisa curiosa” e que freqüentemente não tem chamado a atenção dos analistas: “o golpe de 10 de Novembro acabou com a política mas não podia acabar com as lideranças políticas. As lideranças continuaram”. Valentina da Rocha Lima (coord.), Getúlio: uma história oral. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 135. 6

321

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

sentido do tenetismo), Barbosa Lima Sobrinho (A Verdade Sobre a Revolução de Outubro de 1930), José Maria Bello (História da República), Pedro Calmon e tantos outros8. III. Clientelismo, corporativismo, parlamentarismo: limites da solução antiliberal Tendo essas informações bibliográficas em mente, gostaria de insistir sobre outras razões para entender o problema de por que “os políticos” têm usualmente ficado de fora dos estudos de Sociologia Política quando se trata de explicar a configuração do espaço político entre 1937 e 1945, o que inclui suas regras escritas (suas instituições) e não escritas (sua lógica implícita), e a serventia dos seus operadores para a nacionalização da política brasileira e a “modernização” do capitalismo brasileiro. Antes de tudo em toda essa discussão há um ponto no horizonte e que valeria a pena ter sempre presente, já que ele joga, nesse contexto histórico, um papel capital: a formação e a transformação do Estado nacional brasileiro no pós-1930 Não é possível entender o processo necessariamente complexo de State building sem ter presente todos os (ou a maioria dos) agentes sociais, seus lugares e seus papéis, já que nem tudo decorre “do capitalismo” e das suas metamorfoses. Quando se retoma um assunto central para esse período – quais são os novos meios e modos da representação de interesses – é possível mostrar que a reconstituição do processo político brasileiro no pós-1930 implica com algumas interpretações da política brasileira do pós-1930. Essas lições, ao tratarem do mesmíssimo problema, não dão a devida atenção para o alcance e as conseqüências das várias soluções institucionais formuladas pelo Estado Novo ao longo de seu desenvolvimento para 8

Ver a compilação de Ana Lígia Medeiros e Mônica Hirst (orgs.), Bibliografia histórica: 193045. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. Para uma análise dos efeitos do campo político sobre a historiografia do campo político (Virginio Santa Rosa, Barbosa Lima Sobrinho, José Maria Bello, Pedro Calmon etc.), consultar Vavy Pacheco Borges, Anos trinta e política: história e historiografia. In: Freitas, Marcos Cezar de (org.), Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 159-182. Um comentário da produção sobre a história regional e sua submissão à ideologia oficial do regime pode ser lido em Sandra Jatahy Pesavento, Historiografia do Estado Novo: visões regionais. In: Silva, José Luiz Werneck da (org.), O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo. Rio de janeiro: Zahar, 1991, p. 132-140.

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fazer frente a vários tipos de interesses – sociais, econômicos, sindicais, burocráticos etc. –, insistindo quase sempre ou na vigência do clientelismo tradicional, ou na supremacia do corporativismo estatal, por oposição, ou em substituição, ao parlamentarismo liberal. Ninguém ignora que o corporativismo, tendo assumido fumos de doutrina oficial do Estado9, não se limitou, no Estado Novo, a ser uma homenagem à ideologia da moda – como testemunham aliás o sindicalismo de Estado e a Justiça do Trabalho. Entretanto, ele nunca se converteu num princípio de organização da sociedade ou num sistema completo de governo, como em outros países. Isso se deveu, possivelmente, não a dificuldades operacionais, mas à ausência de um único projeto para vincular os grupos e classes sociais, através de suas “entidades”, ao aparelho do Estado. Alvaro Barreto anota, a propósito, a existência de pelo menos quatro modelos distintos de “corporativismo”, sustentados por quatro tipos de forças distintas: os políticos profissionais, o empresariado paulista, os intelectuais e os tenentes10. Numa situação assim em geral a resultante é nenhuma. Por sua vez, o clientelismo foi muitas vezes concebido e apresentado como o custo político a ser pago às oligarquias tradicionais em troca da racionalização de algumas práticas e de algumas partes do aparelho do Estado. Mesmo Eli Diniz, que não desconhece a complexidade da “estrutura de poder” do Estado Novo (a existência de diversos níveis Cf. o artigo 140 da Constituição de 1937: “A economia da produção será organizada em corporações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob assistência e proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções delegadas de poder público”. Citado a partir de Walter Costa Porto, A Constituição de 1937. Brasília: Escopo, 1987, p. 72. 10 Ver Alvaro Augusto de Borba Barreto, Representação das associações profissionais no Brasil: o debate dos anos 1930. Revista de Sociologia e Política, n. 22, p. 119-133, 2004. “Duas questões estiveram em pauta e em torno delas formaram-se os diferentes grupos em disputa: a natureza das organizações e a função que ocupariam no aparato estatal. A defesa da organização e administração autônomas das entidades foi a bandeira de luta do empresariado, notadamente o industrial, frente ao governo de Vargas e a seus apoiadores, que queriam disciplinar e definir o processo de formação das associações de classe. [...] No que tange ao papel a ser exercido pelas entidades, havia duas opções: funções deliberativas ou consultivas, a chamada “representação parlamentar” ou em “conselhos técnicos”. No primeiro grupo, militava um amplo leque de personagens, em que se destacavam: o governo Vargas, o Clube Três de Outubro, o Bloco do Norte, mais a bancada constituinte dos empregados e a maioria da dos empregadores. A favor da segunda idéia apareciam vários intelectuais e, principalmente, o CIESP-FIESP, que atuou ao lado da Chapa Única por São Paulo Unido” (p. 129). 9

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decisórios com comandos próprios e clientes distintos), bem ao contrário, chama a atenção para ela, não vê, por exemplo, no esquema Interventorias/Departamentos Administrativos e no sistema dos conselhos econômicos “corporativos” instituições específicas submetidas a lógicas específicas. Ao que parece, elas são tão somente formas diferentes do mesmo processo de transposição do conflito político (no primeiro caso) e do conflito social (no segundo) para o aparelho do Estado como um recurso funcional, ao lado de todos os outros tentados no primeiro governo Vargas (racionalização burocrática, centralização decisória, reforço da autoridade nacional etc.), para fundamentar e ampliar sua “autonomia relativa”11. Na realidade, as disposições práticas, as fórmulas institucionais e os arranjos políticos que valem para os conselhos de política econômica e suas respectivas agendas decisórias não valem, ipso facto, para acomodar as antigas e outrora influentes classes políticas regionais. Elas não são apenas a parte menor do problema visto que a viabilidade da transformação capitalista do país depende também disso e da nova equação para recrutar e conformar, a partir da velha elite política, a futura elite estatal. IV. Por uma visão sociológica das instituições do Estado Todavia, o defeito mais grave da maior parte das análises políticas sobre o período não, penso, é desconhecer a multiplicidade de aparelhos estatais e a variedade de interesses e, por extensão, de métodos de agregação de interesses a eles conectados (clientelismo, corporativismo, parlamentarismo). Está antes em reconhecer a existência de diferentes “órgãos políticos” e derivar essa variedade a partir das funções “constitucionais”, isto é, legais, formais desses órgãos. O formalismo jurídico dessas visões, onde o exemplo nativo pode ser encontrado nas várias “teorizações” a respeito da superioridade da organização política do Estado Novo diante da Constituição de 1934, está justamente em desconsiderar que a existência de aparelhos políticos

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Eli Diniz, O Estado Novo: estrutura de poder; relações de classes. In: Fausto, Boris (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade e Política (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 107-120, especialmente.

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diferentes (interventorias, departamentos administrativos, conselhos técnicos, órgãos de assessoria, aparelhos ideológicos) decorre da presença de forças políticas diferentes, e não o contrário. Logo, quanto mais elites, mais aparelhos; e não quanto mais aparelhos, mais elites. Sobre isso, Gaetano Mosca lembra, com o perdão do sociologismo, que o equilíbrio entre os aparelhos de Estado ou a subordinação de um aparelho a outro é o resultado do equilíbrio ou da subordinação das diferentes frações da “classe dirigente” entre si12. O estudo de determinadas instituições deveria ao menos ter presente as forças sociais determinadas que animam tais instituições. A opinião de Mosca sugere que devemos ter sempre em vista três aspectos ao tratar dos problemas referidos à “classe política” e à representação de interesses: i) a profusão de elites políticas (e suas lutas internas); ii) a multiplicidade de interesses a representar (e suas discrepâncias); e iii) a quantidade de aparelhos políticos (e, em especial, seus tipos) que canalizam, e às vezes redefinem, essa elites e esses interesses. A topografia do sistema estatal e a maior ou menor complexidade das instituições políticas do regime político – bem como as formas de representação admitidas como mais legítimas, mais eficientes, mais eficazes – mudam, segundo elem conforme muda o “comportamento” dessas variáveis. Isso posto, não se julga adequadamente essa temporada da história política nacional se não se repensa quais são os direitos de entrada no universo das elites, isto é, os meios e os modos de ingresso no microcosmo político, ele próprio em plena transformação. Os meios compreendem, resumidamente, as pré-condições (os “atributos”) que um grupo de elite tem de exibir para ter acesso à arena política. Eles tanto são sociais, isto é, envolvem origem, formação, profissão etc., quanto políticos, ou seja, envolvem cargos, postos e posições na carreira pública. Os modos abrangem as instituições ou, mais propriamente, os mecanismos institucionais que servem de caminho (as “ave-

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É o que se depreende, por exemplo, da seguinte passagem: “[...] um órgão político, para ser eficaz e limitar a ação do outro, deve representar uma força política, deve ser a organização de uma autoridade e uma influência social que represente algo na sociedade, frente à outra que se encarna no órgão político que se deve controlar”. Gaetano Mosca, La clase política. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 194-195.

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nidas”, na expressão de Anthony Giddens) para que os profissionais da política se constituam como tais13. Visto que o sistema político, em especial durante o regime do Estado Novo, era muito fechado e burocratizado, é impossível referir-se ao processo de recrutamento das elites políticas sem pensar nas instituições estatais (e em sua configuração particular) que o tornaram possível. Nesse caso específico, minha suposição é que o critério de recrutamento (o “como”) deve ser bem mais importante que a fonte de recrutamento (o “quem”), sem que se possa, evidentemente, desconsiderá-lo. De toda forma, o modo de ingresso e suas exigências implícitas e explícitas contribuem decisivamente para modificar o próprio perfil da elite. A meu ver, a vantagem, ao levantar esse problema, é que se pode indicar tanto a função social quanto o significado político dos aparelhos burocráticos que dão acesso privilegiado ao universo político. Por outro lado, quando se identifica os locais de ingresso no jogo, pode-se isolar, para fins de análise, o grupo de elite eleito e apontar, o mais fielmente possível, as “qualidades” (social backgrounds) que o tornaram apto para o exercício do poder. Esse procedimento metodológico, por assim dizer, permite não só localizar e identificar esse agente social que aparentemente desapareceu durante a ditadura do Estado Novo, mas mostrar como, quando e onde a elite política pôde metamorfosear-se em elite estatal. Conclusões A Revolução de 1930 e em especial o Estado Novo (1937-1945) são momentos de redefinição das hierarquias na estrutura social e no universo das elites políticas. O regime ditatorial viabilizou, graças ao autoritarismo que bloqueou outras alternativas políticas, uma tripla conversão: i) do predomínio das elites estaduais para o predomínio das elites nacionais; ii) do arranjo político garantido por um Estado federal para um arranjo político garantido pelo Estado centralizado; e iii) a conversão de uma economia baseada exclusivamente no capitalismo comercial para uma economia baseada progressivamente no capitalismo industrial. 13

Ver Anthony Giddens, Elites in the British Class Structure. In: Stanworth, Philip e Giddens, Anthony (eds.), Elites and Power in British Society. Cambridge: Cambridge University Press, 1974, p. 4.

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O segundo e o terceiro processos foram entendidos pela literatura especializada como os processos de “construção do Estado brasileiro” e de “modernização do capitalismo nacional”, respectivamente. Já as transformações no mundo político, cuja face mais visível e mais espetacular foi o declínio dos partidos da oligarquia e das lideranças tradicionais, foram percebidos ora como conseqüência lógica dessas macro-transformações, ora como pré-requisito histórico necessário para impor um novo projeto de desenvolvimento. Sustentamos que tanto a construção da capacidade estatal de intervenção na vida social nacional, quanto as transformações propriamente econômicas no pós-30 não podem ser explicadas inteiramente sem entender o destino dos políticos profissionais na nova estrutura de dominação. Esse novo enfoque, ou mais exatamente, esse novo/velho objeto recuperado permite repensar duas questões mais amplas do que aquelas referidas exclusivamente às trocas de lugar entre grupos de elites e partidos na cena política e à comutação da ideologia política liberaloligárquica pelo autoritarismo burocrático. Há, nesse momento, tanto uma reforma do campo do poder quanto dos fundamentos do poder. Nesse sentido, seria especialmente útil conhecer o perfil da nova classe política nacional que pilota os aparelhos do Estado. Estudos prosopográficos ou biografias coletivas são, no caso, o instrumento mais adequado para avaliar a profundidade e a direção dessas mudanças sócio-políticas. Um programa de pesquisa – comparativo – bem poderia começar daqui. Referências bibliográficas Barreto, Alvaro Augusto de Borba. Representação das associações profissionais no Brasil: o debate dos anos 1930. Revista de Sociologia e Política, n. 22, p. 119-133, 2004. Beired, José Luis Bendicho. Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina. São Paulo: Edições Loyola, 1999. Borges, Vavy Pacheco. Anos trinta e política: história e historiografia. In: Freitas, Marcos Cezar de (org.), Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. Bourdieu, Pierre. La noblesse d’État: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989.

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