A FUTURA UNIDADE MUSEOLÓGICA MARÍTIMA DE SESIMBRA: Contributos para a sua programação e para as suas relações com unidades regionais afins

Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

A FUTURA UNIDADE MUSEOLÓGICA MARÍTIMA DE SESIMBRA Contributos para a sua programação e para as suas relações com unidades regionais afins

Adelina Gomes Domingues

Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Museologia e Património

Orientadores: Professora Doutora Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo Mestre Maria da Graça da Silveira Filipe

2007

À minha filha Catarina, companheira assídua nesta jornada …

Agradecimentos Agradecemos a todas as pessoas que nos facultaram as informações e documentos que tornaram possível a realização deste trabalho. Aos pescadores de Sesimbra que nos proporcionaram estimulantes momentos de conversa, o nosso reconhecimento por nos terem transmitido o seu saber e experiência adquiridos ao longo das suas vidas ligadas ao labor dependente do mar. O nosso agradecimento à Chefia da Divisão de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Sesimbra, Anabela Santos, pela disponibilidade com que respondeu às nossas questões e nos facultou os elementos que solicitámos. Agradecemos à equipa do Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada por ter colaborado connosco, através dos elementos que nos facultaram sobre a génese e actual situação daquele núcleo museológico. De igual forma, registamos o nosso reconhecimento à equipa do Museu Oceanográfico pelas informações e documentos cedidos sobre a evolução e caracterização da actual situação do Museu. À equipa do Centro de Documentação e Informação do Ecomuseu do Seixal, agradecemos o profissionalismo com que sempre nos receberam durante os últimos anos, e com que nos deram acesso quer à bibliografia de temática museológica quer à documentação incidindo sobre a evolução e as actividades associadas ao Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal. Às nossas orientadoras Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Maria da Graça da Silveira Filipe, expressamos um agradecimento especial pela laboriosa tarefa de orientação e acompanhamento da elaboração da dissertação, proporcionando-nos enriquecedoras sugestões que tentámos aplicar no nosso trabalho. A ambas agradecemos ainda a amizade, o apoio e o privilégio pela partilha dos seus saberes e experiências individuais. Destacamos ainda a mais-valia inestimável constituída pelo aparelho conceptual e teórico dos investigadores Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo (autores de muitos textos e trabalhos que nos serviram de referência), aplicável nomeadamente nas reflexões e práticas ligadas à programação e à análise comparativa e de caracterização de unidades museológicas. Adelina Gomes Domingues

ÍNDICE

1. OBJECTIVOS E FUNDAMENTOS DA DISSERTAÇÃO 1.1. Tema e objectivos da dissertação

8 8

1.2. Fundamentos conceptuais e metodológicos

13

1.3. Estrutura da dissertação

17

2. O NÚCLEO MARÍTIMO DE SESIMBRA: ANTECEDENTES E GÉNESE

21

2.1. Breve enquadramento geográfico, ambiental, histórico e social 2.1.1. Enquadramento geográfico e ambiental

21

2.1.2. Enquadramento histórico e social

26

2.2. A criação do Núcleo Arqueológico (também designado por “Museu de Arqueologia”)

34

2.3. A criação do Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra (também designado por “Museu do Mar”): situação “à partida”

49

2.3.1. A colecção da futura unidade museológica de temática marítima de Sesimbra: a incorporação da “colecção etnográfica ligada ao mar” e a criação da actual exposição permanente designada sob a expressão “Museu do Mar

50

2.3.2. Composição e descrição da “colecção etnográfica ligada ao mar”

54

2.3.3. Dos públicos actuais aos públicos potenciais: com vista ao aprofundamento do relacionamento “museu-território(s)-comunidade(s)”

63

2.3.4. Inserção institucional do Núcleo Marítimo no Museu Municipal de Sesimbra: situação actual

64

3. CONTRIBUTOS PARA A PROGRAMAÇÃO DE UMA UNIDADE MUSEOLÓGICA DE TEMATICA MARITIMA DE SESIMBRA 3.1. Os conceitos que estruturaram a presente proposta programática: o conceito de

1

programação museológica, os conceitos utilizados na caracterização de museus [campo temático, espectro (ou estrutura) funcional e disciplinar, modelo de gestão]

71

3.2. Campo temático

74

3.2.1. Temas dominantes e temas conexos

75

[a. A pesca em Sesimbra; b. A construção naval; c. Os aspectos geográficos, geológicos e ecológicos da região; d. Os aspectos históricos, sociais e culturais ligando a futura unidade e a comunidade de Sesimbra, na sua diversidade] 3.2.2. O património de Sesimbra e a “colecção ligada ao mar”: da “colecção” ao “acervo”

78

3.2.3. Público(s) e comunidades locais

81

3.3. Espectro funcional e disciplinar

85

3.3.1. Área funcional de “investigação, documentação, conservação”

89

3.3.2. Área funcional de “exposição, interpretação, educação

96

3.4. Gestão

103

3.4.1. Estrutura orgânica da unidade

103

3.4.2. Recursos humanos e financeiros adstritos à unidade marítima

108

[a. Recursos humanos: corpo técnico e colaboradores; b. Recursos financeiros] 3.5. Linhas programáticas

110

3.5.1. A Fortaleza de Santiago, edifício previsível de acolhimento da unidade marítima

111

3.5.2. Organização espacial da futura unidade marítima

112

[a. Sector público; b. Sector semi-público; c. Sector privado] 3.5.3. Itinerários de interpretação (Rota do Património Marítimo): relação da unidade museológica marítima com as envolventes naturais e humana

124

[a. Itinerário: A pesca na Vila de Sesimbra - passado e presente; b. Itinerário: A bordo de uma barca, conhecer o Mar de Sesimbra]

4. APONTAMENTOS COMPARATIVOS : VIAS DE APROFUNDAMENTO DA INVESTIGAÇÃO E DA INTERVENÇÃO NO PATRIMONIO MARITIMO 4.1. O Museu Oceanográfico do Parque Natural da Arrábida 2

4.1.1. Génese do Museu: antecedentes e envolventes

137

[a. Antecedentes da criação do Museu Oceanográfico (tempo e espaço); b. Localização: envolvente espacial, natural e humana; c. Criação do Museu Oceanográfico: sucessivas fases] 4.1.2. Campo temático

146

[a. Temas dominantes e temas complementares; b. Da “colecção” ao “acervo”: a incorporação das colecções] 4.1.3. Espectro funcional e disciplinar do Museu Oceanográfico

147

4.1.4. Modelo de gestão

150

[a. Implantação territorial e estrutura orgânica do Museu Oceanográfico; b. Inscrição do Museu Oceanográfico nas estruturas orgânicas do Parque Natural da Arrábida e do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB); c. Afectação, mobilização, circulação dos recursos e da informação] 4.1.5. Actividades marcantes do Museu Oceanográfico

152

[a. Principais actividades do Museu Oceanográfico, desde a sua criação; b. Actividades em curso: colaborações e parcerias em curso; c. Actividades em perspectiva] 4.2. O Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada 4.2.1. Génese do Núcleo: antecedentes e envolventes

156

[a. Antecedentes da criação do Núcleo (tempo e espaço); b. Localização: envolvente espacial, natural e humana; c. Criação do Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada: sucessivas fases] 4.2.2. Campo temático

166

[a. Temas dominantes e temas complementares; b. Da “colecção” ao “acervo”: a incorporação das colecções] 4.2.3. Espectro funcional e disciplinar do Núcleo Naval de Almada

167

4.2.4. Modelo de gestão

171

[a. Implantação territorial e estrutura orgânica do Núcleo Naval de Almada; b. Inscrição do Núcleo Naval nas estruturas orgânicas do Museu Municipal de Almada e da Câmara 3

Municipal de Almada; c. Afectação, mobilização, circulação dos recursos e da informação; d. Colaborações e Parcerias] 4.2.5. Actividades marcantes do Núcleo Naval de Almada

175

[a. Principais actividades do Núcleo Naval, desde a sua criação; b. Actividades em curso; c. Actividades em perspectiva] 4.3. O Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal 4.3.1. Génese do Núcleo: antecedentes e envolventes

179

[a. Antecedentes da criação do Núcleo (tempo e espaço); b. Localização: envolvente espacial, natural e humana; c. Criação do Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal: sucessivas fases] 4.3.2. Campo temático

197

[a. Colecções/Acervo; b. Sociedade local / Interlocutores / Públicos] 4.3.3. Espectro funcional e disciplinar do Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal

199

4.3.4. Modelo de Gestão

207

[a. Implantação territorial do Núcleo e estrutura orgânica do Ecomuseu; b. Inscrição do Núcleo Naval na estrutura orgânica do Ecomuseu Municipal do Seixal e da Câmara Municipal do Seixal; c. Afectação, mobilização, circulação dos recursos e da informação; d. Colaborações e parcerias] 4.3.5. Actividades marcantes do Núcleo Naval

211

[a. Principais actividades do Núcleo Naval, desde a sua criação; b. Actividades em curso; c. Actividades em perspectiva]

CONCLUSÕES FINAIS

221

FONTES E BIBLIOGRAFIA

226

ANEXOS

4

ÍNDICE DE ANEXOS

ANEXO I – “Estudo Antropológico: Levantamento sobre artes de pesca em Sesimbra”, extraído do Estudo para programação do núcleo museológico marítimo, Relatório de síntese a submeter à Câmara Municipal de Sesimbra, 2005

A-2

ANEXO II – Organograma da Unidade organizacional: Departamento de Educação, Cultura e Lazer da Câmara Municipal de Sesimbra

A-29

ANEXO III - Organograma da Macro Estrutura da Câmara Municipal de Sesimbra

A-31

ANEXO IV - Aviso nº 2519/2002, Diário da República nº 69 de 22 de Março de 2002

A-33

ANEXO V - Proposta de Desenvolvimento, Câmara Municipal de Sesimbra, 1999

A-44

ANEXO VI - Fortaleza de Santiago - Proposta de programa museológico e metodologia de implementação no âmbito do desenvolvimento do Museu Municipal de Sesimbra, Câmara Municipal de Sesimbra

A-66

ANEXO VII – “Processo do programa e do projecto para a construção de um museu”, Georges Henri Rivière (Texto datado de 13.05.1974 e publicado na revista Museum, vol. XXVI, 3/4, 1974). [Tradução literal por M.O. Lameiras-Campagnolo e H. Campagnolo]

A-75

ANEXO VIII – Mapa do Distrito de Setúbal

A-78

ANEXO IX – Elenco e Guião-base de entrevistas realizadas para a dissertação

A-80

(Guião: “grelha de inquirição e de análise” elaborada e aplicada em diferentes contextos museológicos pelos investigadores M. Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henry Campagnolo) ANEXO X - Organograma da Câmara Municipal de Almada

A-82

ANEXO XII - Fotografias das unidades museológicas estudadas: Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra, Museu Oceanográfico do Parque Natural da Arrábida, Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada e Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal

5

A-84

Índice de Mapas MAPA 1 - Localização do Concelho de Sesimbra MAPA 2 - O Concelho de Sesimbra MAPA 3 - Localização do Museu Oceanográfico MAPA 4 - Localização do Concelho de Almada MAPA 5 - Localização do Núcleo Naval de Almada em Olho de Boi Mapa 6 – Localização do Concelho do Seixal Mapa 7 – Localização do Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal em Arrentela - Seixal

Lista de Abreviaturas e Acrónimos ADPs – Associações de Defesa do Património AML – Área Metropolitana de Lisboa APOM – Associação Portuguesa de Museologia CCMAR - Centro de Ciências do Mar do Algarve CDI – Centro de Documentação e Informação CNRS – Centre National de Recherche Scientifique CSIC - Consejo Superior de Investigaciones Cientifícas DGEMN – Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais EMS – Ecomuseu Municipal do Seixal ICN – Instituto de Conservação da Natureza ICNB - Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade ICOM – International Council of Museums IMC, I.P. – Instituto de Museus e Conservação, Instituto Público IPIMAR - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Pescas IPPC - Instituto Português do Património Cultural 6

ISPA - Instituto Superior de Psicologia Aplicada MAES - Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal MFA - Movimento das Forças Armadas MFA – Movimento das Forças Armadas SPHC – Sector do Património Histórico e Cultural

7

1. OBJECTIVOS E FUNDAMENTOS DA DISSERTAÇÃO

A dissertação agora apresentada assenta em dois esteios convergentes: -- uma formação académica inicial em Antropologia -- concluída por uma dissertação de licenciatura tendo por objecto, no âmbito de uma análise da trajectória do Museu Municipal de Sesimbra, uma proposta de criação de “itinerários” associados ao tema da pesca de Sesimbra – e completada pela frequência, na mesma Faculdade (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, do Mestrado de Museologia e Património; -- uma pesquisa sobre diferentes aspectos do património sesimbrense, desenvolvida a partir de 2000, data em que fomos contactados pela Câmara Municipal de Sesimbra com vista à elaboração do inventário de uma colecção de objectos reportados à temática da pesca.

Iniciada a colaboração com o Museu Municipal de Sesimbra e beneficiando de um contacto directo com a realidade patrimonial de Sesimbra, efectuámos, entre 2001 e 2006, para além do inventário da referida colecção, uma série de estudos que abrangeram os processos técnicos inerentes às actividades de dois diferentes domínios técnicos: a pesca e a moagem. A ausência de estudos sobre a indústria moageira, a relevância do significado que esta indústria ainda conserva para as comunidades locais, as suas potencialidades de exploração em termos documentais e museológicos, bem como a importância económica e social local por ela exercida durante o século XX levaram-nos a aderir, num primeiro tempo, a uma pesquisa com essa orientação temática, tendo a nossa escolha então recaído sobre uma unidade de moagem localizada em Santana, no Concelho de Sesimbra. O propósito de apresentação pela Câmara Municipal de Sesimbra de um projecto à Rede Portuguesa de Museus, no quadro do Programa de Apoio à Qualificação de Museus, conduziu no entanto à interrupção do nosso estudo sobre a moagem e ao desenvolvimento de uma

8

pesquisa tendo por finalidade o estudo da colecção associada à pesca (a “colecção ligada ao mar”, devendo servir de base à criação de um núcleo marítimo do Museu Municipal de Sesimbra). Com o propósito de tirar benefício do esforço já consagrado a essa área do conhecimento científico e museológico, tanto no que toca à formulação teórica como ao trabalho de campo, tomámos a decisão, em consonância com as nossas orientadoras, Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Maria da Graça da Silveira Filipe, de optar pela temática marítima como objecto da dissertação de mestrado. Os estudos realizados nessa área durante a nossa colaboração com o Museu Municipal de Sesimbra, a posterior e recente oportunidade de colaboração com o Ecomuseu Municipal do Seixal, bem como o consequente contacto com essa realidade museológica desenvolvendo uma intensa actividade no âmbito do património flúvio-marítimo viriam a alargar os nossos horizontes e a contribuir para a reconfiguração da presente dissertação através da inclusão de uma componente comparativa, que adiante pormenorizaremos.

1.1. Tema e objectivos da dissertação

O tema da presente dissertação inscreve-se em quatro campos de reflexão que habitam o actual universo museológico, dotando a dissertação de quatro objectivos centrais: -- valorizar a descrição tecnológica enquanto vector de uma correcta contextualização das colecções e, após incorporação, dos acervos museológicos das diferentes categorias de museu; -- promover a indispensável articulação entre perspectivas monográfica e comparativa na análise de temáticas complexas (caso da temática marítima); -- contribuir para o necessário aprofundamento tipológico das unidades museológicas reticulares, pela tomada em consideração dos seus diferentes modelos de gestão; -- sublinhar a importância das unidades museológicas de temática

9

marítima, nas suas relações com o território e com os sectores de população com que essas unidades convivem. • Valorizar a descrição tecnológica enquanto vector de uma correcta contextualização das colecções -- Nessa óptica, julgámos pertinente evocar aqui não só os resultados mas também os processos em que se inscreveu o estudo tecnológico sobre as artes de pesca de Sesimbra 1 visando a contextualização dos objectos da “colecção ligada ao mar”. A análise da tecnologia de pesca através da descrição de alguns dos métodos inerentes às principais artes de pesca utilizadas tanto num passado recente (entre o século XIX e século XX) como na actualidade, constante desse estudo, permitiu-nos, por um lado, aferir da importância que o mar exerceu como factor de configuração identitária das comunidades de Sesimbra, que se desenvolveram e estruturaram em torno de actividades marítimas; permitiu-nos, por outro lado, dotar a colecção de uma imprescindível documentação sistematizada. Uma permanente articulação entre pesquisa bibliográfica e pesquisa de terreno, obviamente reforçada pela formação pessoal recebida nas áreas antropológica e museológica, constituiu o esteio orientador das opções metodológicas que nortearam a elaboração desse estudo e, em particular, do seu capítulo consagrado às artes de pesca em Sesimbra. No plano da pesquisa bibliográfica, a consulta de obras de fundo tendo por matéria princípios teóricos e metodológicos aplicados ao trabalho de recolha e de análise dos processos técnicos, e dos objectos a eles agregados, foi associada, no decurso do trabalho, a consultas sectoriais requeridas pela natureza dos temas abordados nos diferentes capítulos (e aí mencionadas). Entre as obras de fundo -- que nos forneceram os instrumentos conceptuais servindo de suporte à realização do estudo das diferentes artes de pesca e, em particular, à abordagem antropológica que o enquadrou – destacamos um conjunto de artigos compilados, em torno do 1

O referido estudo encontra-se em anexo à presente dissertação (Anexo I).

10

conceito de “cadeia operatória”, pela investigadora do CNRS-Museu do Homem Hélène Balfet sob o título Observer l’action technique: des chaînes opératoires, pourquoi faire? 2. Atendendo aos condicionalismos de tempo que envolveram a presente pesquisa não nos foi viável efectuar uma aplicação exaustiva das orientações metodológicas consignadas nas obras consultadas. No entanto as leituras efectuadas, remetendo elas próprias para outros títulos com elas relacionados, permitiram a constituição de uma grelha de análise suficientemente abrangente, embora porventura mais simplificada, e a sua aplicação sistemática ao universo tecnológico considerado. No plano da pesquisa de terreno, a realização de um levantamento sobre as artes de pesca, através da recolha de testemunhos de pescadores de Sesimbra, consistiu no contacto com diversos pescadores que seleccionamos em função da sua ligação às artes locais mais significativas e a outros critérios, tais como a idade dos entrevistados, as suas vivências e a sua experiência nas diversas artes de pesca. Durante os meses de Abril a Dezembro de 2004 realizámos junto dos pescadores seleccionados entrevistas livres através de conversas informais que gravámos sobre a pesca e as vivências relativas ao mar e à pesca que marcaram os itinerários dos próprios pescadores. No decurso dessas conversas recorrentes com os nossos informantes -- que tentámos colocar “em situação” (com o apoio de diferentes suportes, entre os quais o material fotográfico relativo aos objectos da colecção, por nós recolhido) – obtivemos dados estabilizados sobre esses objectos, nomeadamente sobre a designação, o contexto de utilização, a arte de pesca e a época em que foi utilizada. Foram paralelamente introduzidos neste processo de inquirição, junto da

A essa obra Observer l’action technique: des chaînes opératoires, pourquoi faire? (sous la direction d’Hélène Balfet), Paris, CNRS, 1991, associamos o artigo, em português, dos dois investigadores, que também participaram na referida obra colectiva: Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo “Dois modos de pescar na enseada da Nazaré (a “xávega” e o “candil”): devir técnico, devir turístico”, I Jornadas sobre Cultura Marítima, 175198, Nazaré, CMN-MN,1995. São de referir aqui, no plano da descrição tecnológica, as informações fornecidas, sector por sector e em particular nos sectores que se prendem com a temática marítima, pelos boletins do Ecomuseu do Seixal.

2

11

comunidade piscatória da região, os dados resultantes das entrevistas por nós realizadas em 2000 no âmbito da elaboração da Monografia da Licenciatura em Antropologia. Essas entrevistas foram seguidas pela transcrição integral em suporte informático, de que resultou um conjunto significativo de Fichas de Levantamento Oral (em que a ficha-tipo de levantamento oral servindo de matriz à ficha por nós configurada, adaptando-a, foi a Ficha de Levantamento Oral do Ecomuseu Municipal do Seixal). Na apresentação das diversas artes de pesca praticadas em Sesimbra, tivemos sempre presente a proposta de classificação oficial de artes e métodos de pesca do IPIMAR (Instituto de Investigação das Pescas e do Mar), nela nos baseando para nela incluir cada arte local. Em complemento e na busca de elementos que permitissem melhor ponderar o alcance da informação recolhida junto de pescadores, estabelecemos e concretizámos um plano de pesquisa e de consulta da bibliografia sobre a presente temática abrangendo não só as artes de pesca em termos gerais e as artes de pesca localizadas em Sesimbra, mas também outras actividades que, de uma forma ou de outra, se reportam ao mar e à pesca. Socorremo-nos ainda de elementos e de informações coligidos no âmbito do inventário da colecção etnográfica ligada às artes de pesca, por nós anteriormente desenvolvido.

• Promover a indispensável articulação entre perspectivas monográfica e comparativa – Na perspectiva atrás anunciada, tivemos inicialmente a convicção -- com base no conhecimento da colecção, do território e das comunidades de origem dessa colecção, bem como, simultaneamente, com base na abordagem de unidades museológicas de temática marítima “vizinhas” – de poder dispor à partida de condições de base satisfatórias para a elaboração de um conjunto consistente de sugestões a ter em conta na programação de uma unidade museológica marítima para o Concelho de Sesimbra (convicção que saiu gorada por um outro

12

motivo, isto é, pelo desconhecimento concreto que subsistiu, até ao fim da nossa colaboração com a Câmara Municipal de Sesimbra, relativamente aos espaços físicos susceptíveis de acolher a colecção e ao preciso “lugar” de que a futura unidade marítima iria usufruir no modelo de gestão da mesma autarquia). Em contrapartida os esforços desenvolvidos para conjugar as duas perspectivas, monográfica e comparativa, permitirão atingir, num futuro próximo, uma compreensão de síntese mais fundamentada das unidades museológicas localizadas nesta área ímpar, que reúne os estuários dos rios Sado e Tejo, compreensão de síntese devendo complementarmente reverter em benefício de cada uma dessas unidades. Desse modo, integrámos um conjunto sistematizado de apontamentos de caracterização de três unidades de temáticas marítimas, geograficamente próximas: o Museu Oceanográfico do Parque Natural da Arrábida, o Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada e o Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal. Para além das razões já apontadas, a opção pela inclusão do Museu Oceanográfico prende-se com um conjunto de factores de que salientamos o facto de o seu campo temático e disciplinar e a actividade desenvolvida no âmbito do Parque Marinho incidirem sobre o próprio território do Concelho de Sesimbra e sobre aspectos fortemente ligados a esta realidade territorial e à sua relação com o mar e a pesca (elementos complementares relativamente ao campo temático do que será o futuro Núcleo Marítimo de Sesimbra). A tomada em consideração dos casos de Almada e Seixal prendeu-se com o facto de se localizarem geograficamente próximos de Sesimbra e no Distrito de Setúbal, bem como de serem, como o Museu do Mar de Sesimbra, “núcleos” museológicos de tutela municipal e de temática marítima e de se inscreverem em contextos políticos, sociais, económicos e culturais afins, tendo os núcleos de Almada e do Seixal sido oficialmente inaugurados em 1984 e o de Sesimbra em 1987.

13

A inclusão desta abordagem comparativa teve por intenção articular a temática do mar e da pesca com o panorama museológico no distrito, através da análise da génese e da evolução de unidades museológicas de temática marítima aproximadamente contemporâneas, assim como das implicações e potencialidades do trabalho desenvolvido no âmbito da presente temática.

• Contribuir para o aprofundamento tipológico das unidades museológicas reticulares (tendo em conta os diferentes modelos de gestão) -- Da comparação entre os dados resultantes da apreciação dos parâmetros constitutivos da “grelha” utilizada para a caracterização sumária e a comparação das unidades de temática marítima seleccionadas, emergem claros indícios de uma necessária clarificação tipológica das unidades ditas reticulares, tanto no que toca às designações como aos conteúdos semânticos dessas designações. Sem pretender esgotar uma problemática que consideramos, com outros autores, de incontestável importância para a simplificação e a progressão do universo museológico português, regozijamonos por poder, através de alguns exemplos extraídos dos casos incluídos no quarto capítulo desta dissertação, de participar, embora de forma ainda incipiente, numa reflexão colectiva cuja utilidade nos aparece como evidente 3.

• Sublinhar a importância das unidades museológicas de temática marítima, na relação com o binómio “território-população” -- A opção pela elaboração de um estudo centrado na temática marítima relativa a Sesimbra esteve assim fortemente associada aos resultados do estudo referido, que procurámos aprofundar na presente dissertação, analisando, desde logo, as Lembramos aqui duas dissertações de colegas e amigos que focam, de modos distintos, esta questão: a dissertação de Ana Maria Saraiva das Neves De um estudo de caso a uma proposta de programação: o panorama museológico e patrimonial do concelho de Ourém (2006), a dissertação, em vias de conclusão de Alberto Guerreiro Estudos sobre os modelos de gestão dos museus portugueses e um artigo do mesmo autor “Tutelas e Museus”. Esta questão tem sido abordada, sob vários ângulos, por um lado, por Maria da Graça Silveira Filipe e, por outro lado, por Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo que, ainda conjuntamente com Henri Campagnolo, a incluiu na colectânea de textos de apoio ao 6º Curso do Mestrado de Museologia e Património da Universidade Nova de Lisboa [colectânea que compreende os textos das conferências apresentadas, durante o segundo semestre (ano lectivo 2005-06), por considerados profissionais de museologia]. 3

14

características naturais do território onde está localizada Sesimbra e a forma como essas características poderão ter condicionado o seu devir histórico até à actualidade. Entre as ilações decorrentes desse primeiro nível de análise pudemos apreender a relação, que se nos afigura determinante, entre as características do território de Sesimbra (incluindo a sua localização) e as actividades humanas incrementadas ao longo do tempo, entre as quais se destacam a pesca e a construção naval. Assumida a opção pela temática marítima, e encorajada pelas potencialidades dos elementos coligidos para descrever o enquadramento geográfico, histórico, ambiental e social da região, tornou-se nosso objectivo principal levar por diante uma pesquisa que conduzisse a uma proposta de programação, no Concelho de Sesimbra, de uma unidade museológica de temática marítima e de tutela municipal. Essa proposta tomaria em consideração os dados resultantes do estudo tecnológico sobre as artes de pesca (em Sesimbra), a constituição e a documentação da colecção e, para além da importância atribuída ao território/espaço de proveniência dos objectos, a constatação tanto da importância da actividade da pesca junto das comunidades de Sesimbra ao longo de séculos, como da ligação da colecção à população que a produziu/doou e que anteriormente utilizara, em contexto de trabalho (pesca, construção naval e outras actividades conexas), a maioria dos testemunhos que a constituem. Essa proposta deveria igualmente avaliar a relevância de que se reveste esta colecção para a temática marítima e averiguar – com o fim de ajuizar da pertinência da constituição de uma tal unidade museológica (de temática marítima) -- se se trata de uma colecção única no distrito de Setúbal, ou se existem outras colecções qualitativamente equivalentes da mesma natureza. A partir do conhecimento que detínhamos, e que fomos aprofundando, da colecção, do território e das comunidades de Sesimbra, no seu conjunto fortemente associados ao tema marítimo, tentámos conhecer realidades museológicas geograficamente próximas e reportadas à mesma temática, bem como o trabalho por elas desenvolvido no âmbito do património marítimo e fluvial.

15

Nesta avaliação, de amplitude mais vasta, teremos presente a apreciação de outras realidades do distrito, cujos territórios, de características distintas do de Sesimbra, também se relacionam com envolventes ribeirinhas e marítimas.

1.3. Fundamentos conceptuais e metodológicos

Entre as obras que nos forneceram os instrumentos conceptuais servindo de fundamentação à globalidade do nosso trabalho, destacamos dois contributos-chave: • intregrado na produção científica da nossa orientadora Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo, um conjunto de noções e de experiências analisadas, debatidas e facultadas, em parte sob a forma de uma colectânea, aos mestrandos do 5º Curso do Mestrado de Museologia e Património da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito da disciplina Programação e Gestão do Património Cultural (coordenada pelos dois investigadores do CNRS Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo) 4. • a dissertação de mestrado da nossa orientadora Graça Filipe, intitulada O Ecomuseu Municipal do Seixal no movimento da museologia contemporânea em Portugal (1979-1999); para além de

4 Essa

base conceptual -- que abrange, numa permanente inter-ligação “terreno” e “conceptualização museológica” (prática e teoria), campos relativos à programação e à gestão museológicas e, por inerência aos modelos de caracterização e de tipificação de museus, bem como à exploração, no plano museológico, do conceito de “meio técnico” (nas suas vertentes monográficas e micro-comparativas) – esteve presente na elaboração da nossa dissertação, desde a sua concepção. Evocando aspectos abordados no artigo dos mesmos autores “Analisar e comparar entidades museológicas e paramuseológicas”, Actas do VII Encontro de Museologia e Autarquias, Câmara Municipal do Seixal, 1998, a referida colectânea contem extractos de dois outros textos: -- do artigo “Do terreno ao Museu: o conceito de “Iconicidade relacional”, Instrumento de programação e avaliação da exposição Arquivo da Memória, CEEP/UNL (2001); -- do ensaio O Museu de História Natural e Humana da Região de Alcobaça, elaborado (com colaboração de José Manuel Natividade Sanches Coelho e de Henri Campagnolo), por Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo em 1980, no quadro do Curso de Museologia Geral e Contemporânea regido no Institut d´Art et d`Archéologie, Universidade de Paris-1 pelo museólogo francês Georges-Henri Rivière. A mencionada colectânea -- facultada aos mestrandos do 5º Curso do Mestrado de Museologia e Património(UNL) e aos mestrandos do 1º Curso do Mestrado de Museologia e Museografia (Faculdade de Belas Artes), sob a designação genérica de “Programação-Reprogramação Museológica – integra um conjunto de textos de outros autores, que não referimos no corpo do texto mas que estão referenciados na bibliografia e que consideramos importantes contributos ao nosso trabalho.

16

constituir uma base documental sobre a evolução e a complexidade de um museu de referência, a consulta deste trabalho facilitou-nos a apreensão da aplicação, de alguns dos conceitos preconizados pelos investigadores atrás referidos, a uma realidade concreta, o Ecomuseu Municipal do Seixal; a informação dela proveniente tem sido prolongada através de publicações e de comunicações em Encontros tratando, em particular, da temática flúvio-marítima. Outros contributos intervieram, com regularidade, na elaboração dos diferentes capítulos da presente dissertação. • Para a elaboração do capítulo dedicado à génese e aos antecedentes do futuro Núcleo Marítimo de Sesimbra, socorremo-nos de um conjunto bibliográfico e metodológico diversificado: -- As anotações sobre o enquadramento geográfico, ambiental, histórico e social foram com base na pesquisa e na análise de bibliografia incorporadas nos resultados de estudos por nós anteriormente elaborados para a Câmara de Sesimbra; -- A génese do Museu Municipal de Sesimbra beneficiou da convergência de diversas tarefas: da análise da bibliografia e da documentação recolhidas junto de diversas entidades; de documentos produzidos sobre esse assunto pela Câmara Municipal de Sesimbra; da análise de documentos escritos incorporados na colecção; da consulta e da análise tanto da imprensa local (arquivos dos três jornais locais) como da documentação do Arquivo Municipal de Sesimbra e da Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais; com o mesmo fim, baseámo-nos ainda nos dados recolhidos no seio do estudo e do inventário da “colecção ligada ao mar”, no quadro da nossa colaboração com o Museu Municipal de Sesimbra; recorremos também a entrevistas por nós realizadas a responsáveis de diversas instituições e a pescadores de Sesimbra, bem como a informações anteriormente recolhidas, quer para a dissertação de licenciatura, quer para os trabalhos efectuados para o Museu Municipal de Sesimbra;

17

-- O texto consagrado à abordagem da actual situação do núcleo de temática marítima resultou da pesquisa e da análise de bibliografia e de documentação, de natureza diversa abrangendo documentos oficiais e internos da Câmara de Sesimbra (Museu); de conversas mantidas com a Chefe de Divisão, responsável pelo Museu Municipal de Sesimbra e de observações directas efectuadas por ocasião da nossa colaboração com essa instituição. • Os parâmetros através dos quais são configuradas, no capítulo que integra e desenvolve as sugestões para a programação da unidade marítima sesimbrense (Contributos para a programação do Núcleo Marítimo de Sesimbra) decorrem normalmente da base conceptual consignada nas obras de fundo anunciadas no início do presente capítulo. A essa base conceptual foram associadas, no decurso da redacção do manuscrito, consultas de bibliografia relativa aos diferentes sectores da museologia, à temática marítima e à componente sesimbrense, com destaque para os resultados da pesquisa que levámos a cabo em Sesimbra, tanto no que toca à intervenção no terreno como no que se relaciona com a recolha da documentação utilizada na descrição dos diferentes enquadramentos e antecedentes da futura unidade marítima e na contextualização da “colecção ligada ao mar”. Derivadas do conhecimento da colecção e da realidade sesimbrense resultante dos estudos anteriormente realizados, as propostas de programação puderam inserir-se azadamente no corpo de sugestões apresentadas, em particular a proposta de criação de itinerários, que se baseia na nossa intenção inicial, presente na nossa monografia de licenciatura, de criação de itinerários associados à temática da pesca em Sesimbra, agora desenvolvida e reformulada, visando uma perspectiva de interpretação do património marítimo na sua diversidade (património móvel, imóvel e natural/ambiental, património imaterial). Na proposta apresentada a referência ao património cultural imaterial (e nele inserido o património gestual) assume particular relevância,

18

com base na definição adoptada pela convenção da UNESCO de 2003 5: “[…] les pratiques, représentations, expressions, connaissances et savoir-faire – ainsi que les instruments, objects, artefacts et espaces culturels qui leur sont associés – que les communautés, les groupes et, le cas échéant, les individus reconnaissent comme faisant partie de leur patrimoine culturel. Ce patrimoine culturel immatériel, transmis de génération en génération, est recreé en permanence par les communautés et groupes en fonction de leur milieu, de leur intération avec la nature et de leur histoire, et leur procure un sentiment d´identité et de continuité, contribuant ainsi à promovoir le respect de la diversité culturelle et de la créativité humaine.”6 É de referir a importância de ter sido possível tomar em consideração, neste capítulo, os recentes instrumentos jurídicos sobre a credenciação de museus e sobre os organismos de tutela que regem os museus portugueses.

• Para a estruturação do capítulo denominado “Apontamentos Comparativos” apoiámo-nos, por um lado, na matéria por nós recolhida e aplicada aos diferentes enquadramentos da unidade marítima em preparação, por outro lado, numa “grelha” de interpelação e de análise constituída com base nos parâmetros utilizados na proposta programática da futura unidade marítima de Sesimbra. Munidos de um instrumento devendo necessariamente assegurar, numa perspectiva comparativa, a continuidade com o precedente capítulo, contactámos os museus por nós seleccionados com o objectivo de obter uma informação actualizada sobre as respectivas situações e actividades museológicas.

5 No momento em que procedemos à revisão final do presente texto registámos a adesão do Governo português a esta Convenção. De referir no entanto que o património imaterial já estava consignado como componente do património cultural na Lei 107/2001 de 8 de Setembro. Posteriormente, o Decreto-lei 97/2007 de 29 de Março, que concretizou e estruturou o Instituto de Museus e da Conservação (IMC, I.P.), reconheceu este organismo como entidade de tutela do património imaterial ao integrar nas suas atribuições e competências aspectos relativos ao património imaterial. 6 UNESCO,

Convention pour la sauvegarde du patrimoine culturel immateriel, Paris, 17 octobre 2003, pp. 2.

19

-- Em resposta ao nosso propósito de consulta da bibliografia e da documentação relativa ao Museu Oceanográfico e ao Núcleo Naval de Almada, fomos aconselhados a entrevistar directamente os responsáveis por aquelas unidades. Tendo em conta o carácter sumário da documentação escrita obtida junto dessas unidades, optámos pela realização de entrevistas, com base num guião preparado de acordo com os elementos constantes da já referida “grelha”, tendo esse guião 7 sido submetido às pessoas que nos foram apresentadas como responsáveis, no primeiro caso pelo Museu Oceanográfico da Arrábida e, no segundo caso pelo Núcleo Naval de Almada. -- A metodologia aplicada à recolha de dados sobre o Ecomuseu Municipal do Seixal diferiu dos dois anteriores casos, dada a disponibilização de um leque suficientemente alargado de recursos de informação sobre o “percurso”, as características e as actividades do Ecomuseu, amplamente divulgados, quer através do respectivo Centro de Documentação e Informação (CDI), quer através de edições e do site institucional. De um conjunto diversificado de elementos de documentação acessível no CDI, destacamos os relatórios de actividades anuais do Ecomuseu e a bibliografia não publicada. Conversas pontuais com a responsável pelo Ecomuseu Municipal do Seixal visaram sobretudo a recolha de dados não constantes na bibliografia e na documentação, como foi o caso da obtenção de informação sobre as actividades em perspectiva daquela instituição. A nossa própria inserção na equipa do Ecomuseu, apesar de recente, terá naturalmente dado algum contributo ao texto sobre o Ecomuseu Municipal do Seixal.

1.4. Estrutura da dissertação • Abrindo caminho ao texto da dissertação, o primeiro capítulo [Objectivos e fundamentos da dissertação] faz uma concisa mas indispensável apresentação dos temas em que ela se 7

Vd. Anexo IX.

20

inscreve: – a importância conferida ao conceito de “meio técnico”8 na incorporação pelo museu da colecção e da informação com ela ou sobre ela recolhida; -- a importância conferida, nas unidades de temática marítima, à tríade “colecção/acervo, território comunidade(s)”; -- a importância conferida à articulação entre perspectivas monográfica e comparativa; -- a importância conferida à necessidade de clarificação tipológica das unidades museológicas de natureza reticular. Evoca ainda, antes de indicar a estrutura da dissertação, os fundamentos conceptuais e metodológicos que balizaram a elaboração dos três capítulos seguintes que, com o primeiro capítulo, partilham o corpo do presente texto.

• De importância vital no quadro da metodologia adoptada para apresentação da programação museológica --- que confere um papel decisivo ao “estudo prévio”, isto é, à pesquisa que antecede e prepara a programação, a qual condicionará, por sua vez, por um lado, a pertinência e a adequação do projecto arquitectónico e, por outro lado, a gestão futura da unidade museológica, em funcionamento -- o segundo capítulo [O Núcleo Marítimo de Sesimbra: antecedentes e génese] enuncia e analisa os factores condicionantes da criação da futura unidade museológica devendo ser por ela, desde o início, tomados em consideração. Através da referência ao enquadramento geográfico, ambiental, histórico e social da futura unidade museológica marítima, o segundo capítulo, selecciona e sintetiza, num primeiro tempo, informações detalhadas sobre o território e as suas comunidades que se revelam determinantes organizado de processos técnicos praticados e conhecidos por um dado grupo humano, o meio técnico é considerado, na presente abordagem, como um sistema dotado de memória, síntese dinâmica das memórias internas e externas dos seus protagonistas. Providos dessa fonte interpretável de indícios que constitui a envolvente material e humana, os processos técnicos associam assim ao seu papel de transformadores intencionais e palpáveis de matéria, de movimento, de comportamento, o (papel) de geradores de signos, conjugando, no seio de modos, relações de transformação técnica e relações de comunicação plurimodal: •entre o grupo e a sua envolvente material familiar, segundo códigos vernaculares de interacção e de intercomunicação dominados pelo grupo; •entre o grupo e grupos vizinhos, segundo códigos veiculares validados pelos grupos em contacto, entre o grupo e grupos distantes ou desconhecidos, no quadro de um processo exploratório. (CAMPAGNOLO, Henri e Maria Olímpia, comunicado no meio académico). 8 Conjunto

21

para a elucidação da relação local com as colecções que, após incorporação, constituirão o acervo do núcleo em gestação. Evocando, num segundo tempo, os antecedentes, já no plano museológico, de dois empreendimentos convergentes – a criação do Núcleo de Arqueologia (também denominado “Museu de Arqueologia”) e a emergência institucional do Museu Municipal de Sesimbra que com ele “concorre”, no tempo e no espaço durante o século passado – o segundo capítulo evoca paralelamente, em virtude da sua quase-contemporaneidade, os antecedentes do Núcleo Marítimo (também denominado “Museu do Mar”). À resenha histórica tendo por objecto a génese do Museu Municipal de Sesimbra, do Núcleo de Arqueologia e do próprio Núcleo Marítimo, é aqui correlado um conjunto de anotações relativas ao contexto social, político e cultural do país, ao longo do século XX, e à evolução, sobretudo nos períodos pré- e pós-25 de Abril, da generalidade dos museus municipais, particularmente os que se encontram localizados na Área Metropolitana de Lisboa e no Distrito de Setúbal. O segundo capítulo é consagrado, no seu terceiro tempo, à actual situação do núcleo de temática marítima e inclui uma informação pormenorizada sobre a incorporação e a composição da “colecção de objectos ligada ao mar” (coincidente com a criação da actual exposição permanente designada por “Museu do Mar”), assim como sobre os seus públicos actuais e potenciais, a “ancoragem institucional” do Núcleo Marítimo enquanto parte da estrutura orgânica do Museu Municipal de Sesimbra, a sua relação com os restantes núcleos e a enumeração dos recursos humanos e financeiros disponíveis (susceptíveis de serem afectados à unidade museológica marítima). • Na impossibilidade de aceder física e visualmente aos espaços físicos que deverão acolher o futuro Núcleo Marítimo de Sesimbra e, logo, na ausência de dados considerados unanimemente como imprescindíveis para a elaboração de uma proposta consistente de programação museológica, optámos por não “deixar desperdiçar” a informação reunida durante o estreito

22

contacto com a realidade sesimbrense e integrar, no terceiro capítulo [Contributos para a programação de uma unidade museológica de temática Marítima de Sesimbra], em direcção dos que mais tarde deverão delinear as linhas programáticas do futuro Núcleo Marítimo, um conjunto de reflexões, induzidas pelas pesquisas levadas a cabo, e de dados configurados, susceptíveis de azada reutilização numa perspectiva construtiva. Incorporando de modo central as linhas de força dos textos recentes de enquadramento jurídico do universo museológico português relativos à programação e à credenciação de museus – constando da proposta bibliográfica e documental figurando no capítulo 5 desta dissertação -- o presente capítulo parte de uma base conceptual estruturada durante o período de escolaridade do Mestrado, aliando à leitura pessoalizada dos conceitos analisados e debatidos nesse contexto, a assimilação de noções e de experiências praticadas em diferentes campos programáticos. A “aplicação” dessa base conceptual (v.nota 4) – que encara o “estudo prévio” como uma sequência obrigatória do processo programático -- às sugestões para a programação museológica do Núcleo Marítimo de Sesimbra integra o modelo adoptado para a caracterização de museus, e a distinção nele proposta de três níveis de análise: campo temático, espectro (ou estrutura) funcional e disciplinar, modelo de gestão (nível que não poderá oferecer um grau de concretização que consideramos desejável, em virtude do nosso actual afastamento do processo sesimbrense). Um conjunto coerente de itinerários de interpretação do património marítimo é sugerido no fim deste terceiro capítulo, enquanto expressão da relação da unidade museológica com as suas envolventes, naturais e humanas.

• O modelo de caracterização que acabámos de referir no fim do precedente capítulo foi o instrumento indutor da grelha de análise de que nos socorremos para recolher a informação e, em seguida, para estruturar os resultados da inquirição efectuada junto das três unidades de

23

temática marítima – o Museu Oceanográfico do Parque Natural da Arrábida, o Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, o Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal -- que seleccionámos nesta primeira tentativa de aprofundamento do nosso conhecimento de uma temática que gostaríamos de poder eleger, como atrás afirmámos, como área prioritária das nossas próximas e futuras investigações. Deste quarto capítulo [Apontamentos comparativos: vias de aprofundamento da investigação e da intervenção no património marítimo] constam três textos correspondentes às unidades apresentadas, incluindo cada um deles informações sobre: os antecedentes e a génese da unidade em análise; a localização incluindo envolvente espacial, natural e humana; o modo de criação da unidade: o campo temático abrangendo temas e colecções; a estrutura funcional e disciplinar; o modelo de gestão compreendendo a implantação territorial e estrutura orgânica da unidade, a inscrição da unidade na estrutura de tutela, a afectação, mobilização e circulação dos recursos (humanos, financeiros e técnico-logísticos) e da informação; e por fim as actividades marcantes de cada uma das unidades museológicas, incluindo as principais actividades desde a sua criação às actividades em curso e em perspectiva. Fica, no que nos diz respeito, o propósito de dar corpo a duas ordens de considerações decorrentes dos exemplos seleccionados: o aprofundamento das componentes tecnológicas reportadas às diferentes expressões museológicas da temática marítima; o aprofundamento da documentação referente aos casos agora privilegiados que o tempo disponível não permitiu efectuar.

24

2. O NÚCLEO MARÍTIMO DE SESIMBRA: ANTECEDENTES E GÉNESE

Tirando benefício de pesquisas efectuadas precedentemente na região de implantação do Museu Municipal de Sesimbra, pareceu-nos profícuo reunir, no início desta dissertação e deste capítulo, um conjunto de informações susceptíveis de contribuir para uma mais precisa caracterização da unidade museológica em intenção e para delinear com mais pertinência um conjunto coerente de propostas para a programação da unidade em questão. Recolhidos num terreno vivo e diverso, os dados a seguir consignados abrem campo, desde já, para uma exploração de outras unidades geograficamente próximas, enriquecedora da perspectiva monográfica agora privilegiada.

2.1. Breve enquadramento geográfico, ambiental, histórico e social

MAPA 1 - Localização do concelho de Sesimbra

Fonte: http://www.cm-sesimbra.pt

25

2.1.1. Enquadramento geográfico e ambiental

Com uma área de 194,98 Km2, o concelho de Sesimbra está situado no extremo ocidental de Portugal, na ponta sudoeste da Península de Setúbal, limitado pelos concelhos do Seixal a Norte, o do Barreiro a Nordeste e o de Setúbal a Leste, é banhado pelo oceano Atlântico a Sul e Oeste 9. Sesimbra beneficia da proximidade dos dois estuários do Tejo e Sado, utilizados por navegantes desde tempos proto-históricos. Integrada na cadeia montanhosa da Arrábida, Sesimbra constitui a única reentrância10 que permitiu o desenvolvimento de um centro urbano e porto de pesca, numa costa essencialmente de falésia que dificulta o acesso ao interior e apenas interrompida por vales e gargantas com encostas abruptas que proporcionam pequenos ancoradouros, engenhosamente aproveitados pelos pescadores ao longo dos tempos. A depressão de Sesimbra aproveita uma estrutura tectónica complexa de forma triangular, dominada e abrigada pelos rebordos levantados da plataforma do Cabo, que enquadram dois afloramentos das formações evaporítico-vulcânicas da base do Mesozóico. A depressão é essencialmente constituída por um sinclinal dissimétrico, no eixo do qual se conservam rochas do Cretácio. As características de Sesimbra resultam do “vale tifónico” de grande complexidade geológica, o qual permite a comunicação entre a enseada onde se localiza a Vila e o planalto. O troço da costa, que se prolonga desde a foz do Sado ao Cabo Espichel com orientação de ENE-WSW, constitui uma excepção à fachada marítima portuguesa que corre predominantemente no sentido N-S, orientação com implicações climáticas substanciais uma vez que dada a sua elevada estatura, a orla marítima mantém-se protegida dos ventos N e NW.

9

Ver Mapa 1.

Na cadeia da Arrábida as únicas reentrâncias que permitiram aglomerações litorais foram o Portinho da Arrábida, que se limita a uma praia turística, e Sesimbra. 10

26

O tecido do território correspondente ao concelho de Sesimbra associa duas faixas paralelas e contíguas, acentuadamente diferenciadas dos pontos de vista orográfico e geológico. A faixa meridional é formada por uma série de enrugamentos que prolongam a Arrábida para Ocidente; estão em formações jurássicas e cretácicas cujos andares se dispõem paralelamente entre si. A faixa setentrional é uma vasta e contrastante extensão onde, de sul para norte, os relevos se vão esbatendo, acabando por predominar a planura coberta por areias plio-pleistocénicas. Tal assimetria criou, para a faixa meridional, uma feição “peninsular” mais acentuada ainda por se integrar na península de Setúbal. Limitada a Oeste e Sul pelo mar e isolada por planícies arenosas dos mais próximos centros populacionais situados nas margens esquerda e direita do estuário do Tejo, Sesimbra esteve durante séculos condicionada pelas condições orográficas e geológicas que impediam a fácil circulação do homem.

Dos recursos geológicos existentes no espaço geográfico pertencente ao concelho de Sesimbra e explorados pelo Homem, alguns deles com um papel sócio – económico importante na comunidade local, destacam-se os que a seguir mencionamos. Actualmente são explorados intensivamente os Calcários de Pedreiras 11 e os Calcários de Azóia, a Sudeste de Pedreiras, na Serra da Achada e a Oeste de Sesimbra, no Vale da Ribeira do Cavalo. Ambos os calcários são utilizados na construção civil e em obras rodoviárias. Na Serra da Achada são também explorados os Dolomitos de Cabo de Ares, considerados dos melhores dolomitos jurássicos extraíveis em Portugal e actualmente utilizados na fundição e na refinação de produtos de fusão. No passado foram ainda objecto de exploração depósitos de gesso pardo intercalado nas margas do Vale Tifónico de Sesimbra.

11

Pedreiras é a designação de uma povoação localizada na Serra da Achada, próxima de Santana.

27

Antes da criação do Parque Natural da Arrábida, era também explorada a pedra ornamental designada brecha da Arrábida, cujos afloramentos se distribuem entre o Calhariz, as Terras do Risco e o Corte do Fojo. Os principais barreiros localizam-se na zona da Lagoa de Albufeira, onde as argilas surjem intercaladas nas areias sendo os sedimentos mais finos utilizados pelas unidades de cerâmica de construção locais. Na área da Lagoa da Albufeira são conhecidas ocorrências de diatomito nos vales das Ribeiras da Apostiça e Ferraria, sendo explorados em Alfarim, Coelheira e Ferraria. Os depósitos arenosos encontram-se distribuídos pelas áreas da Quinta do Conde e da Lagoa de Albufeira. Devido ao seu grau de pureza, granulometricamente homogéneas e do ponto de vista mineralógico constituídas por quartzo, as areias têm sido tradicionalmente exploradas na região de Coina e posteriormente na Quinta do Conde. Na zona da Apostiça afloram areias de tonalidades claras mais finas que as da Quinta do Conde. Também as areias eólicas, que cobrem a região da Lagoa de Albufeira, têm sido exploradas.

Em termos de hidrografia, a Lagoa de Albufeira constitui a mais importante unidade hidrográfica do Concelho, com cerca de 4 km de comprimento e 600 m de largura. Antes da formação do “gargalo do estuário”, actualmente aberto entre Lisboa e a designada “outra banda”, a Lagoa esteve ligada ao complexo da bacia fluvial do Tejo 12. Dos diversos cursos de água do Concelho, cuja extensão dos percursos é insignificante, destacam-se as ribeiras de Coina (que nasce na Arrábida e constitui um afluente do Tejo que,

Segundo refere Eduardo da Cunha Serrão na Carta Arqueológica (Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra do vilafranquiano médio até 1200 d.c., Câmara Municipal de Sesimbra, 1994, pp. 14-15), na antiguidade geológica o rio Tejo teria a sua entrada no mar mais ao sul encontrando o Sado depois de atravessar as zonas planas que ficam entre os dois rios. Tal hipótese é justificada pela existência de palhetas auríferas nos depósitos pliocénicos das imediações da Lagoa que por aí seriam transportadas através de um rio, justificando-se a existência da Lagoa e as zonas baixas e alagadiças que se estendem para nascente, como constituindo restos desse complexo hidrográfico profundamente alterado desde a fractura que abriu o canal entre Lisboa e São Julião da Barra.

12

28

num troço, serve de divisão administrativa), da Apostiça (com nascente próxima de Santana e que desagua na Lagoa de Albufeira), de Ferraria, de Aiana, do Cavalo, das Lajes e da Pateira.

Os diversos factores naturais, anteriormente referidos, proporcionam um clima diferenciado e com repercussões na flora local. Devido à sua orografia a vila de Sesimbra está protegida dos ventos, mas simultaneamente aberta às influências do mar que proporcionam um clima tépido e chuvoso de Novembro a Fevereiro e só excepcionalmente frio e seco, sendo, de Maio a finais de Setembro, quente e seco. Alguns autores classificam assim o clima local: “(...) a feição geral “mediterrânea” de um trecho de litoral atlântico, escarpado e virado a sul, que contrasta fortemente com as características já muito “continentais” das pequenas depressões do interior da cadeia, onde não são raras as frias noites invernais, com forte irradiação.” 13 Apesar das condições climáticas gerais em todo o Concelho inerentes a um dado complexo geográfico, observam-se características heterogéneas que determinam o tipo de vegetação local e a própria ocupação humana dos diferentes espaços geográficos do Concelho. Assim, na orla marítima mantêm-se muitas das características da vertente sul da Arrábida favorecendo um revestimento vegetal, associado por alguns autores ao do Algarve; nas planícies do Norte desprotegidas dos ventos, abundam solos arenosos onde prolifera o pinhal e o tojo; no vale de Albufeira, da Ribeira da Apostiça e de outros cursos de água que neles desaguam, são aproveitados para culturas hortícolas e arvenses; nas regiões planálticas de calcário, descobertos pela erosão e expostos aos ventos, predominam a esteva e o tojo, sendo alguns espaços menos pedregosos aproveitados para o cultivo do trigo, atingindo o espaço próximo do cabo Espichel a expressão máxima deste tipo de características onde imperam os ventos fortes e onde rareia a vegetação; a parte oriental do Concelho, de zonas planálticas e de MANUPPELLA, G., (Coord.), Notícia explicativa da folha 38-B Setúbal - Carta Geológica de Portugal, Departamento de Geologia, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa, 1999, pp. 13. 13

29

características semelhantes à Arrábida, proporciona condições que favorecem a azinheira, o sobreiro, o zambujeiro, as árvores de fruto e a vegetação arbustiva e subarbustiva; a nascente tomam forma os relevos, nas suas vertentes sobre o mar, onde predomina o matagal “mediterrânico”.

MAPA 2 - O concelho de Sesimbra

Fonte :http://www.cm-sesimbra.pt

O mar de Sesimbra estende-se da Fonte da Telha à Serra da Arrábida, com uma costa de praias de areal a Oeste e de serra acidentada a Sul (do cabo Espichel à Arrábida) 14. Possui condições oceanográficas excepcionais devido ao ecossistema único, favorável à concentração de diversas espécies de peixe, característica de que o Homem soube, desde há muito, tirar partido.

14 V.

Mapa 2.

30

As condições da biologia marítima da baía de Sesimbra resultam do cruzamento de um ramo de corrente do litoral português com a corrente de águas doces do rio Sado, com consequências no ambiente físico marinho. A influência destas águas verifica-se, segundo os especialistas, a nível do acréscimo do PH das águas compatível com a diminuição de salinidade. Para além deste aspecto, calcula-se que as águas do rio Sado acarretem um aumento, apesar de em quantidades ínfimas, de determinadas partículas de substância salina (fosfatos e nitratos) aproveitados por substancias vivas rudimentares que, à sua custa e em função da energia solar recebida à superfície, se revelam capazes de construir a própria substância do seu corpo. Essas gotículas de vida (diatomáceas e peridináceas) encontram-se na base de todo o edifício vital da biologia marítima e são responsáveis pela existência de plâncton mais desenvolvido e, consequentemente, pela afluência de espécies migratórias que, em busca de alimento, cruzam os mares. A distribuição da fauna migratória está também relacionada com as correntes responsáveis pela deslocação de plâncton. Os factores de ordem físico-química como a temperatura média, a salinidade e o teor em gases dissolvidos, são indispensáveis à vida dos organismos marinhos. Apresentam-se e conjugam-se esses elementos nas águas de Sesimbra em condições óptimas para o desenvolvimento do ciclo de vida dos microrganismos. Aos factores que acabámos de mencionar, deve a zona oceanográfica de Sesimbra a sua riqueza planctónica que se traduz numa infinidade de tipos de espécies animais e vegetais que normalmente existem em diversas e distintas latitudes e que abundam em quantidade no mar de Sesimbra. Esta proliferação local de vida efémera justifica a concentração de uma multiplicidade de espécies de peixe utilizadas pelo Homem na sua alimentação, tanto a que se movimenta à superfície como a que vive em profundidades. Apesar da riqueza em diversidade e quantidade de espécies existentes até há algumas décadas atrás, verifica-se na actualidade um decréscimo substancial devido a diversos factores responsáveis pela degradação do meio ecológico,

31

resultantes da acção humana, de que constituem apenas alguns exemplos, a poluição, a apanha de algas, a pesca intensa e a utilização de alguns métodos de captura ecologicamente nocivos.

2.1.2. Enquadramento histórico e social

No território do concelho de Sesimbra foram encontrados inúmeros testemunhos arqueológicos que evidenciam uma ocupação humana ao longo de centenas de milénios. Até 1973 foram descobertas 43 jazidas do Paleolítico, 20 jazidas Neolíticas, 12 jazidas da Idade do Cobre, 5 jazidas da idade do Bronze, 4 jazidas da Idade do Ferro, diversos testemunhos da época Lusitano - Romana, bem como do período de ocupação árabe. As jazidas do Paleolítico, localizadas principalmente em praias Quaternárias como é o caso da Praia da Baleeira e em cascalheiras da zona planáltica e terraços junto de ribeiras, distribuem-se ao longo da costa 15 no sentido N-S, desde a Praia de Lagosteiros 16 até à Foz da Ribeira da Pipa, no troço W-E, do cabo Espichel ao Forte do Cavalo, e a Norte e Sul da Lagoa de Albufeira e da Ribeira da Apostiça. As jazidas Neolíticas situam-se em áreas planas e arenosas e em grutas naturais junto do litoral, como é o caso da Lapa do Fumo 17. Testemunhos da Idade do Cobre localizam-se em grutas naturais e em locais de altitude do Concelho. Das jazidas da Idade do Bronze destacam-se a necrópole Roça do Casal do Meio 18, localizada a 1,5 km E.S.E. da Quinta do Calhariz, constituída por um monumento circular com muro exterior e cúpula central, onde foram A costa de Sesimbra evidencia as antigas praias a várias altitudes resultantes de fenómenos de alterações dos níveis das águas durante os diversos períodos de glaciação e inter-glaciação.

15

Devido à existência de pistas de dinossauros, a Praia de Lagosteiros está classificada como Monumento Natural dos Lagosteiros pelo Decreto nº 20/97 de 7 de Maio de 1997.

16

17 A estação arqueológica da Lapa do Fumo está classificada como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto nº 28/82 de 26 de Fevereiro de 1982, devido ao enterramento neolítico aí encontrado.

O testemunho megalítico da Roça do Casal do Meio está classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto nº 29/84 de 25 de Junho de 1984. 18

32

encontradas duas sepulturas com espólio diversificado 19. Exemplo das jazidas da Idade do Ferro é a Necrópole do Casalão situada numa pequena elevação a S.W de Santana. A época Lusitano - Romana também deixou marcas no território de Sesimbra, como é o caso da Lapa do Fumo, galeria fóssil aberta no calcário do jurássico, localizada entre Sesimbra (Vila) e o Cabo Espichel a SE de Pinheirinhos e a 200 m de altitude, onde foram encontradas algumas cerâmicas 20. Da época Romana salientamos ainda a existência da Necrópole do Vale da Palha em Calhariz, localizada a cerca de 1200 metros do Palácio de Calhariz 21. Os testemunhos arqueológicos que atestam a presença de Romanos em Sesimbra são ainda constituídos por moedas 22 encontradas no Castelo; treze cepos de âncoras de chumbo e três de pedra descobertos na área entre o Cabo Espichel e o mar de Ancão, desde os anos 60 do século XX por mergulhadores (que Gustavo Portocarrero 23 considera que seriam de âncoras de madeira provavelmente feitas por Fenícios ou Romanos que frequentavam a costa de Sesimbra); e vestígios de um acampamento, junto da Lagoa de Albufeira, que Eduardo Serrão e Vítor Serrão consideram ser possivelmente as ruínas de um hípocausto em Alfarim. Os mesmos historiadores 24 referem-se a um autor 25 do século IV D.C. que regista o mais antigo nome conhecido do Cabo Espichel – Cempsicum iugum – estando neste topónimo uma alusão aos habitantes da região, os Cempsos, populações que habitavam a região da península de Eduardo da Cunha Serrão refere, na Carta Arqueológica, que do espólio encontrado nas referidas sepulturas faziam parte entre outros, os seguintes objectos: pente de marfim, pinça e anel de bronze, ossos de animais, fíbula de bronze, fecho de cinturão e diversas cerâmicas (taça de fundo plano e vaso com ornatos brunhidos). 19

20

Entre as referidas cerâmicas encontram-se alguns bicos de ânforas.

21 Eduardo da Cunha Serrão refere, na Carta Arqueológica, que no presente cemitério foi encontrado o seguinte espólio: 4 sepulturas formadas por lajes, restos ósseos de 4 indivíduos, fragmentos de taças de barro cinzento escuro fabricadas a torno, tegulae, ímbrices e lateres.

Das moedas romanas encontradas, a mais antiga é de Marco Aurélio (161–180 A.C.) e a mais recente é de Teodósio I (379–395 D.C).

22

PORTOCARRERO, Gustavo, “Arqueologia Subaquática no Cabo Espichel”,Sesimbra Cultural, Nº 01, 2000, Câmara Municipal de Sesimbr, pp. 27– 32.

23

24 Em

SERRÃO e SERRÃO, Sesimbra Monumental e Artística (...) 1997, pp. 28-29.

25 Autor

de nome Rufio Festo Avieno.

33

Setúbal e terras a norte do estuário do Tejo. Os autores consideram que o actual topónimo Sesimbra derivará dos termos Cempsíbriga ou Censibriga, constituído pelos elementos Cempsí ou Censí e Briga (este último de origem céltica e equivalente a povoação fortificada ou burgo) que significaria Burgo dos Cempsos.

O período de ocupação muçulmana é testemunhado pela fortificação mourisca (inicial) do Castelo de Sesimbra 26, da qual já pouco resta, dadas as destruições, os restauros e as reconstruções sofridas ao longo dos séculos. Apesar de vestígios que provam a remota presença humana no espaço do Castelo de Sesimbra, apenas do período muçulmano se sabe da existência de um castelo que protegia as terras envolventes 27. Do período de ocupação árabe chegaram até nós cerâmicas encontradas no Castelo e na Lapa do Fumo, moedas (quirates) também provenientes da Lapa do Fumo e os topónimos locais como Albufeira, Azoia, Alfarim, Almoinha, Zambujal, entre outros.

A história de Sesimbra está ligada à formação histórica de Portugal. Em 1165, sob o reinado de D. Afonso Henriques é conquistado o Castelo mourisco, no qual se abrigava um pequeno núcleo populacional. Contudo, em Junho de 1189 a guarnição portuguesa abandonou o Castelo com receio de uma invasão do califado Almóada que já conquistara Alcácer do Sal e que acabou por retomar o Castelo de Sesimbra, que nessa altura foi completamente destruído. Em 1200 D. Sancho I, aproveitando o apoio de cruzados francos que viviam na área, reconquistou Sesimbra e construiu um novo castelo reerguendo as muralhas com torre de menagem, e doou “o lugar de Sesimbra” aos Francos. Em Agosto de 1201 o mesmo rei atribuiu Carta de Foral a Sesimbra, Monumento Nacional desde 16-06-1910, publicado no Diário de Governo nº 136 de 23/06/1910 e posteriores: Diário do Governo nº 236 de 9 Outubro de 1945, que fixa a zona de protecção do Castelo de Sesimbra, Diário do Governo nº 223 de 23 Setembro de 1960, que fixa a zona de protecção (o perímetro) do Castelo.

26

O Boletim da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais de 1943 referia: “Capeava ali, em alto monte de penhas, um castelo já enegrecido pela sombra dos séculos, notável obra militar dos sarracenos do tempo da colonização (...)”. (Boletim da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, Dezembro 1943 - Março 1944, pp. 7 e 8). 27

34

que seria confirmada por D. Sancho II em 1218 e, mais tarde, sucessivamente, pelos reis D. Afonso II, D. Dinis, D. Afonso IV e D. Fernando I. No primeiro foral é referida a integração de judeus e mouros na vida da povoação e a existência de um burgo acastelado e de terras senhoriais, ambos doados em 1236 à Ordem de Santiago, como recompensa pelos serviços prestados nas guerras de reconquista. Em 1323 D. Dinis criou o concelho de Sesimbra, separando o termo da vila dos de Almada e Seixal, concedendo-lhe para além disso, diversos privilégios. A partir do século XIV, a população do burgo do castelo, que até então se dedicava principalmente à agricultura, passou a dedicar-se à pesca e gradualmente foi-se fixando na zona da antiga Póvoa da Ribeira. A atestar a crescente importância que a pesca foi atingindo, estão diversas medidas tomadas que começaram a ter lugar a partir do reinado de D. Dinis, que incentivou a actividade piscatória, tendo mais tarde D. João I doado uma Carta de privilégios aos pescadores da zona ribeirinha e D. João II a Carta para os Mareantes da Ribeira. Segundo Hernâni de Barros Bernardo 28, no século XVI a pesca atingiu considerável importância sendo referida em diversos documentos da época, como é o caso do Tratado da Magestade, grandeza e abastança da cidade de Lisboa (1552), em que o seu autor João Brandão descreve as armações de Sesimbra ou de André de Rezende que, na sua Antiquitatibus Lusitanea de 1593, se refere ao “mar piscosissimo de Sesimbra” e à afluência de compradores. Em 1514 D. Manuel I deu novo foral à Vila no qual, entre outras medidas, aparecem disposições sobre a pesca em Sesimbra. Em 1536 é criada a Freguesia da Ribeira, actualmente de Santiago. As últimas vereações realizadas no Castelo datam de 1538, passando, a partir dessa data, a ter lugar na Ribeira. Para além da actividade da pesca e de outras inerentes à mesma, de Sesimbra partiram mareantes na época dos Descobrimentos, em caravelas para cuja construção terá contribuído a BERNARDO, Hernâni de Barros, Monografia de Sesimbra: Estudo Geo-Económico do Concelho, Edição Municipal, 1941, pp. 196-197.

28

35

construção naval local, de grande importância em finais do século XIV, sendo a partir de então e durante séculos também responsável pela construção e reparação das embarcações utilizadas na pesca. Segundo Hernâni de Barros Bernardo, a participação de Sesimbrenses nos Descobrimentos justifica, entre outros factores, um decréscimo populacional verificado em 1527 comparativamente com o número de habitantes registado em 1422, constituindo esta última data a primeira referência, dada por uma resenha da população no reinado de D. João I, que indicava a existência de 4.200 almas 29, enquanto que o arrolamento de 1527 referia 2.256 habitantes. No século XVII a população voltou a crescer, sendo em 1620 calculada em 3.400 pessoas 30.

Foi a partir do século XV que Sesimbra sofreu uma viragem marcada pela importância que a pesca passou a exercer enquanto principal actividade da sua população. Testemunhando as preocupações de mareantes e pescadores de Sesimbra com a sobrevivência física e espiritual, diversos documentos revelam a existência em Sesimbra a partir do século XV de um hospital 31 e de uma capela da Confraria do Espírito Santo 32, enquanto instituição assistencial.

O presente número é referido por Hernâni Bernardo, com base na obra de Rebelo da Silva, Memória sôbre a população e a agricultura de Portugal, Lisboa, 1868, pp. 46. O primeiro autor questiona o número apontado considerando-o excessivo. (BERNARDO, Monografia de Sesimbra (...), 1941, pp.111). É de referir que os dados que existem, relativos à população de Sesimbra cujos limites geográficos considerados no calculo da população foram variando ao longo dos séculos, são escassos e questionáveis até aos Censos. 29

O número de habitantes referido é indicado no Livro das Grandezas de Lisboa de Nicolau de Oliveira (BERNARDO, Monografia de Sesimbra (...), 1941, pp.113). 30

A noção de hospital reporta-se ao termo medieval que se referia a qualquer estabelecimento que facultasse hospedagem e tratamento gratuitos a pobres, doentes ou peregrinos, ou seja, a de instituição polivalente de acolhimento temporário de carenciados. 31

32 Segundo

Manuel Sílvio Alves Conde, a presente instituição teria inicialmente a designação de “Confraria do Corpo Santo”, orago habitual de irmandades de mareantes contudo, após a denominação atribuída ao edifício de “Casa do Espírito Santo” a própria confraria passaria a designar-se por “Confraria do Espírito Santo”, mantendo-se no entanto a devoção ao “Corpo Santo” entre os confrades. Segundo o mesmo autor, o culto ao “Corpo Santo” seria o mesmo do culto castelhano a S. Pedro Gonçalves, patrono de pescadores e mareantes na Galiza, cujos méritos em milagres a favor das populações marítimas se expandiram por todo o litoral peninsular, sendo durante a Idade Média adoptado, como padroeiro, por muitas comunidades marítimas portuguesas para esconjurar os perigos oceânicos.

36

Dada a posição litoral da vila, e a consequente necessidade de defesa 33, durante o século XVII no reinado de D. João IV, foram construídos diversos fortes ao longo da costa de Sesimbra, como foi o caso da Fortaleza de Santiago 34 localizada ao centro da baía de Sesimbra, integrando o conjunto da vila e do Forte de São Teodósio do Cavalo implantado na Serra da Assenta, no extremo oeste da Baía de Sesimbra. Durante o século XVII foram ainda erigidos o Forte de São Domingos da Baralha sobre as penedias agrestes da Baía da Baleeira, situada entre o Cabo Espichel e a Ponta do Cavalo, e o Forte de Nossa Senhora do Cabo Espichel sobre o Cabo Espichel, próximo da Ermida da Memória. No século XVIII, sob o poder pombalino, as terras de Sesimbra de propriedade dos Duques de Aveiro (últimos representantes da Ordem de Santiago), passaram para a tutela real. Em 1726 Sesimbra surgiu desmembrada nas freguesias de Santiago e Castelo e em 1750 foi-lhe excluída Azeitão, apresentando a partir dessa data e ainda no século XVIII, uma população de cerca de 1.800 a 2.100 habitantes, registando um decréscimo populacional relativamente a 1620, altura em que registara 3.400 pessoas 35. No início do século XIX o censo civil apontava 3.085 habitantes e em 1864 o número de 5.797, aumento populacional que se verificará até final do século XIX atingindo em 1900 o quantitativo de 9.052 habitantes.

Durante o século XIX Sesimbra sofreu diversas vicissitudes, desde a conquista napoleónica à guerra civil de 1834-1836, que levou ao desmantelar de vários pontos militares costeiros.

(CONDE, Manuel Sílvio Alves, O Hospital Medieval do Espírito Santo de Sesimbra – e a assistência caritativa portuguesa, Câmara Municipal de Sesimbra, 2004, pp. 49-51). 33 Sesimbra sofreu ao longo da sua história de diversas investidas de corsários, em 1580 e com a perda da independência, a Vila sofreu ataques e só em 1640, com a Restauração da nacionalidade, voltou a sentir alguma segurança temporariamente, dado que em 1665 e 1721 voltou a sofrer ataques marítimos.

Na construção da Fortaleza de Santiago terão sido aproveitadas as estruturas de uma fortaleza manuelina, o Forte da Marinha, que anteriormente se ergueu na baía de Sesimbra, eventualmente neste mesmo lugar. 35 O número de habitantes é apontado no Livro das Grandezas de Lisboa de Nicolau de Oliveira (BERNARDO, Monografia de Sesimbra (...), 1941, pp. 113). 34

37

A partir de finais do século XIX, a vila de Sesimbra transformou-se num importante porto pesqueiro devido, por um lado, à riqueza do mar de Sesimbra em diversas espécies de pescado economicamente rentável, e por outro, ao papel que desempenharam inicialmente e até perto das décadas de 40-50 do século XX, as empresas de pesca, sobretudo as que utilizavam como método de captura as armações. Dada a complexidade da própria arte, meios materiais, número de homens que empregava e período temporal durante o qual foi exercida, a captura com armação foi o método de pesca que mais marcas deixou tanto na própria comunidade e no seu modo de vida como na organização e configuração arquitectónicas da vila, ao contrário da maioria das restantes artes de características familiares. No entanto, também os métodos de captura localmente mais utilizados para além das armações, em especial o anzol, a sacada e a xávega desempenharam um papel importante durante o mesmo período, bem como a traineira a partir de cerca de 1945. Nos anos 60 do mesmo século, foi incrementada a pesca de anzol ascendendo ao lugar primordial na economia da vila, devido em grande parte à construção do porto de abrigo, ancoradouro que passou a permitir maior segurança na varação e no acolhimento das embarcações e, consequentemente, a possibilidade de pesca durante o Inverno. Apesar da gradual alteração das condições da actividade da pesca a partir dos anos 40-50 do século XX, no plano da tipologia das embarcações, da respectiva força motriz e do equipamento auxiliar de navegação e pesca, foi a partir dos anos 80 que se operaram as grandes transformações. Esse facto ficou a dever-se, por um lado, ao desenvolvimento tecnológico nessa área, e por outro, à concessão de apoios financeiros aos pescadores com vista à aquisição de embarcações modernas e devidamente equipadas, apoios que surgiram no âmbito da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. As novas embarcações e tecnologias passaram a permitir a pesca em locais mais distantes como Açores, Madeira, Canárias, Marrocos e

38

Mauritânia, em busca de espécies tradicionalmente capturadas na costa de Sesimbra e que entretanto quase desapareceram. Em 1991 Sesimbra era o porto responsável por cerca de 8% do volume total de pescado desembarcado no Continente, registando, dessa data até 1995, um aumento continuado.

Relativamente ao conjunto do concelho de Sesimbra, para além, por um lado, da importância da actividade da pesca ao longo do século XX, que envolvia tanto a comunidade da vila como os rurais das diversas aldeias do Concelho que recorriam à pesca em regime sazonal e como complemento às actividades ligadas à agricultura, para além, por outro lado, da afluência também sazonal de trabalhadores de fora do concelho, a agricultura 36 constituía o principal recurso económico da maioria da população não residente na vila, desempenhando um papel importante e de complementaridade com a pesca até cerca dos anos 70. A exploração dos recursos geológicos tem também desempenhado um papel económico significante nas últimas décadas. Segundo informações por nós recolhidas em 2003, junto de informantes locais 37 o calcário de Sesimbra em particular o designado Calcário de Pedreiras extraído há várias décadas, assim como “uma pedra especial” (dolomitos) foram, no passado, utilizados para diversos fins, desde a produção de cal local, a partir do calcário, à utilização de dolomitos para o vidro e para a indústria da siderurgia. A empresa responsável pela exploração (Sanchez) terá fornecido fábricas de vidro nacionais, como é o caso das localizadas na Marinha Grande, a Fábrica de Sacavém, a Siderurgia Nacional 38.

No Inquérito Agrícola e Florestal ao Concelho de Sesimbra, datado de 1951, é referida a auto-suficiência, para satisfação das principais necessidades alimentares da população do Concelho, dada a produção agrícola em termos quantitativos e qualitativos, apontando como único produto importado o sal. (VALENTE, V. Cardoso e FERREIRA, M. Alves, Inquérito Agrícola e Florestal ao Concelho de Sesimbra (Setúbal), Plano de Fomento Agrário, 1951, pp. 83). 36

37 As

informações, a que nos referimos, foram por nós obtidas no âmbito de um trabalho de recolha sobre a Moagem de Sampaio. Os dados mencionados foram-nos transmitidos por um informante durante uma entrevista no âmbito do trabalho de recolha sobre a Moagem de Santana.

38

39

A atestar o fabrico de cal local, podemos mencionar a existência de pelo menos quatro fornos de cal localizados nas imediações de Pedreiras, que funcionaram até cerca dos anos 60 do século XX, dos quais tivemos oportunidade de visitar dois ainda existentes na estrada que liga Sampaio a Pedreiras, tendo um deles já sido alterado. Incluindo os que acabámos de mencionar, na zona rural do concelho de Sesimbra terão existido cerca de sete fornos de cal que utilizavam os calcários provenientes das explorações locais. Para além da exploração dos recursos geológicos, existiram ainda diversas unidades industriais, desde meados do século XIX, ligadas umas à pesca e outras à transformação de produtos agrícolas, tendo a maioria desaparecido até perto dos anos 60-70 do século XX. A título de exemplo, mencionamos as seguintes indústrias ligadas à pesca e localizadas na vila de Sesimbra: indústrias de conservas de pescado, cordoaria, fabrico de redes e de produção de gelo. As unidades transformadoras de produtos agrícolas, que laboraram em diversos locais da área rural, foram sobretudo moagens de rama, lagares de azeite 39 e lagares de vinho.

Foi a partir da segunda metade do século XX e sobretudo após a revolução de Abril de 1974, que se verificaram melhorias consideráveis em termos da reestruturação das redes de saneamento e de vias de comunicação, assim como de melhoria de qualidade de vida da população, aspectos que, conjugados com outros factores, contribuiriam também para o aumento significativo da população do Concelho a partir dessa altura. Com uma população de 13.362 habitantes em 1930 e de 16.650 em 1970, o Concelho de Sesimbra sofreu um aumento significativo (cerca de 40%) da sua população residente até 1981, data em que se registaram 23.103 habitantes. Sesimbra registou nessa altura um crescimento médio anual de 3,2% comparativamente com a percentagem de 1,39% de crescimento médio registado no Continente. O crescimento atestado neste período deveu-se para além dos aspectos já mencionados, ao O Inquérito Agrícola refere a existência, entre 1942 e 1947, de 6 lagares, 5 antigos e 1 moderno (VALENTE e FERREIRA, Inquérito Agrícola (...), 1951, pp. 67). 39

40

processo de industrialização que teve lugar em toda a península de Setúbal e que originou expectativas de emprego e consequentemente uma atracção migratória do interior para esta região. Este factor esteve na origem de uma maior concentração populacional na área geográfica da Quinta do Conde que se tornou, em 1985, a terceira freguesia do concelho de Sesimbra. Entre 1981 e 1991 a população residente no concelho de Sesimbra continuou a aumentar, registando na última data 27.246 habitantes e atingindo em 2001 o número de 36.839 residentes. Foi igualmente após a revolução democrática de 1974 que a economia local sofreu alterações significativas embora relativamente graduais, se comparadas com outros concelhos da Margem Sul do Tejo, no mesmo período, uma vez que a estrutura económica do concelho de Sesimbra permaneceu profundamente diferenciada, relativamente à Área Metropolitana de Lisboa (AML) em que se enquadra. Enquanto no início da década de 80, a AML se caracterizava pelo domínio absoluto do sector terciário, Sesimbra continuava a registar um relativo equilíbrio entre os diferentes sectores da actividade económica (29% no sector primário, 30% no secundário e 40% no terciário). Apenas no final dessa década, o sector terciário assumiu uma clara demarcação perante os restantes sectores, passando a registar 56,7% da população activa contra 20,6% para o sector primário e 22,7% para o sector secundário 40. Analisados estes dados pelos principais sectores de actividade, verificamos no entanto que, no final da década de 80, eram as actividades de agricultura, silvicultura e pesca que concentravam maior percentagem da população activa (18,1%), seguida de actividades ligadas ao comércio e hotelaria (16,1%) e da construção e obras públicas (13,2%).

Estes dados, constantes no Inquérito às Famílias, PDM, Câmara Municipal de Sesimbra, 1989, constam do artigo de FERREIRA, Paula Isabel, “Características sociais e tendências de mudança: o caso de Sesimbra”, Pescas e Pescadores: futuros para o emprego e os recursos, (Org. António Brandão Moniz, Manuel Mira Godinho e Ilona Kovács), Celta, 2000, pp. 226-236.

40

41

Em termos gerais, Sesimbra caracteriza-se pela existência de uma estrutura produtiva com grande especialização em actividades como a pesca, a agricultura, as indústrias extractivas, o comércio, a restauração, a construção civil e simultaneamente por um grau de industrialização incipiente. Tomando em consideração a percentagem das sociedades criadas até 1990, podemos concluir que a estrutura empresarial local assenta sobre pequenas e micro-unidades distribuídas pelos sectores do comércio e da hotelaria (41%), da construção civil (13,3%) e da agricultura e pescas (9%). Nas últimas três décadas a actividade que maior impacto teve em Sesimbra foi sem dúvida o turismo, com incidência nos sectores do comércio e da restauração e, em associação com estes dois sectores, na construção civil.

2.2. A criação do Núcleo Arqueológico (também designado por “Museu de Arqueologia”)

A criação de um museu municipal em Sesimbra, originalmente designado por Museu Arqueológico de Sesimbra, está associada à constituição, com base num espólio encontrado na região, de uma colecção arqueológica. Parte desse espólio arqueológico foi encontrado no Concelho a partir de meados do século XIX, no âmbito do Estudo Geológico 41 da região de Setúbal, onde se integravam a Serra da Arrábida e Sesimbra. Os trabalhos de prospecção geológica vieram dar um grande incremento à arqueologia, uma vez que muitos dos colaboradores da Comissão Geológica efectuaram simultaneamente 41 O presente estudo enquadrava-se no estudo geológico de Portugal, proposto inicialmente pela Academia das Ciências. Em 1848 o Governo criou a Comissão Geológica que procedeu a esse estudo, sob a orientação da Academia até 1852, altura em que Carlos Ribeiro (primeiro Director dos Serviços Geológicos de Portugal) foi nomeado em conjunto com Francisco Pereira da Costa, para a Comissão de Trabalhos Geológicos do Reino. Este organismo iniciou, a partir de 1857, os seus trabalhos que desenvolveu durante onze anos. A partir de 1852, os estudos geológicos passaram a ser orientados por Carlos Ribeiro e Nery Delgado e, um ano depois, Carlos Ribeiro passou a chefiar a Direcção dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino. Assim nasceram os Serviços Geológicos de Portugal, organismo actualmente designado por Instituto Geológico e Mineiro.

42

levantamentos arqueológicos 42. De acordo com o Guia do Museu Arqueológico de Sesimbra 43, Carlos Ribeiro encontrou em 1871 materiais do paleolítico em várias áreas do Concelho e no recinto do Castelo de Sesimbra. A partir de 1930 um outro colaborador dos Serviços Geológicos de Portugal – Georges Zbyszewski -- iniciou trabalhos de levantamento em Sesimbra e acabou, também ele, por se dedicar à arqueologia. Com ele colaborou também Henry Breuil, que acreditava existirem materiais do paleolítico na zona de Sesimbra, ideia que viria a confirmar. 44 O já mencionado Guia do Museu bem como a Carta Arqueológica de Sesimbra 45 referem que no ano de 1940 estes dois geólogos franceses visitaram as jazidas do paleolítico do Concelho e procederam à recolha de materiais dessa época. Nos anos 60 a arqueóloga alemã Vera Leisner efectuou, por sua vez, prospecções ligadas à arqueologia na região de Sesimbra 46. Segundo José Brandão 47, o espólio encontrado resultante dos trabalhos efectuados pelos Serviços Geológicos, era na generalidade guardado pelos mesmos, excepto quando as entidades locais solicitavam trabalhos de investigação a este organismo ou directamente aos seus colaboradores e, nestes casos, os materiais encontrados ficavam na posse das instituições locais. De acordo com o já referido Guia do Museu (1960), também os camponeses encontravam objectos de pedra polida à superfície dos terrenos quando cultivavam as terras, tendo muitos desses materiais sido entregues à Câmara Municipal de Sesimbra e incorporado o actual espólio do Museu de Arqueologia.

Alguns geólogos da Comissão Geológica acabaram por se dedicar quase exclusivamente a levantamentos arqueológicos; foi o caso de Carlos Ribeiro que optou pela Arqueologia em detrimento da Geologia.

42

43 Guia

do Museu Arqueológico de Sesimbra, 1960, pp. 3

Estas informações foram-nos facultadas por José Brandão, Conservador do Museu do Instituto Geológico e Mineiro, à data da entrevista por nós realizada (Entrevista 04/04/2000).

44

45 SERRÃO, 46

1994, pp.104.

Cf. Brandão, 2000.

47 Cf.

Brandão, 2000.

43

No decorrer de obras de restauro e de recuperação 48 do Castelo de Sesimbra levadas a cabo pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre 1933 e 1945, foi encontrado um conjunto de testemunhos arqueológicos 49 que vieram incorporar a colecção arqueológica.

Ligada às origens da criação do Museu Municipal de Sesimbra, esteve a Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra cujos objectivos, no âmbito do património cultural, incluíam a dinamização de um futuro museu. Fundada em 2 de Outubro de 1932, com sede no Castelo de Sesimbra, apresenta, nesse ano, o Projecto de Estatutos da então designada Liga dos Defensores do Castelo de Sesimbra 50, do qual constam, entre outros objectivos, a criação de um Museu Regional.

48 Segundo

o Boletim da DGEMN (DGEMN, Boletim da, Dezembro 1943 - Março 1944, pp. 19 - 27 e página da Web: “Inventário do Património Arquitectónico”, www.monumentos.pt), esta instituição procedeu a obras de reconstrução do Castelo, intervenção que deu origem à estrutura hoje existente. (As obras da DGEMN consistiram fundamentalmente nos seguintes trabalhos: reconstrução de extensos panos de muralha, ameias e parapeitos em ruína e outros quase desaparecidos; reconstituição da torre do ângulo a noroeste do castelo e de adarves; demolição de algumas edificações aí existentes e que na altura foram consideradas desprovidas de qualquer valor; desobstrução e reparação de uma cisterna da alcáçova aí encontrada; rebaixamento do terreno exterior ao Castelo e do pavimento da praça de armas; reconstrução e coroamento das torres, das portas do castelo, baluartes, condutas de água pluvial para três cisternas existentes no recinto do Castelo e remoção de entulhos). Segundo refere Eduardo da Cunha Serrão, durante as obras levadas a cabo pela Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais “… surgiram das terras revolvidas numerosas antiguidades, na maioria em deplorável estado de conservação, muitos cacos, ferros deformados e ferrugentos, etc. mas também havia moedas, adivinhavam-se pelos seus fragmentos armas, utensílios, ferramentas e muitas outras coisas” (SERRÃO, Eduardo da Cunha, Um Pequeno Museu Arqueológico Regional, (separata do Vol. XI da “Arqueologia e História, 8ª série de Publicações), Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1964, pp.108). Este facto foi noticiado pelo jornal local O Sesimbrense: “Já há meses que alguns operários da construção civil (pedreiros) e trabalhadores, se empregam nos trabalhos de reparação de um dos torreões do Castelo de Cezimbra e reconstrução de Ameias da sua extensa muralha. Sendo necessário proceder-se a escavações para o arranque de pedra para as referidas obras, a certa altura, os trabalhadores descobriram num filão de pedra, quatro cavidades contendo umas ossadas e uma taça de barro outras uma espada antiquíssima que mede um metro de comprido e uma candeia de barro bem conservada (...) A espada e a candeia, encontram-se numa arrecadação da Câmara Municipal, restando-nos aguardar, se mais alguns objectos são descobertos”. (“Ecos e Comentários”, O Sesimbrense, 02/12/1934). Uma semana depois o mesmo jornal noticiava novamente ”De facto, na semana finda os trabalhadores descobriram mais uma cavidade contendo ossadas e um punhal, que se encontra em poder da Câmara Municipal. As escavações prosseguem, Parece-nos que este facto devia merecer a atenção dos arqueólogos”. (“Ecos e Comentários”, O Sesimbrense, 16/12/1934.)

49

50 Do Projecto de Estatutos da Liga dos Defensores do Castelo de Sesimbra constam vários objectivos, entre os quais salientamos: “(...) obter a cedência e usufruto das ruínas do Castelo de Sesimbra e terrenos adjacentes do Ministério da Guerra, para que a Liga pudesse ocupar-se da sua conservação e arranjo dos terrenos adjacentes; efectuar todos os trabalhos de limpeza, reparação e consolidação; reconstituir a topografia através da marcação dos primitivos arruamentos e locais de antigas edificações, efectuar a respectiva planta; regulamentar o acesso; manter um guarda em permanência; divulgar o Castelo e a Vila de Sesimbra (monumentos e obras de arte); organizar excursões turísticas; fazer e publicar a Monografia da Vila e do Castelo; fazer reviver indústrias locais tradicionais

44

Em 22 de Novembro de 1951 a Liga passou a designar-se Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra 51, com sede na Vila de Sesimbra. Manteve, em termos gerais, os fins constantes nos Estatutos de 1932, tendo sofrido algumas adaptações ao contexto da época 52. Os objectivos da Liga dos Amigos do Castelo de 1951, constantes dos Estatutos, mantinham o propósito da criação de um museu regional em parceria com as entidades oficiais nos seguintes termos: “tentar junto das entidades locais a criação de um museu regional e colaborar com as entidades responsáveis na organização do mesmo”. 53 Para além deste objectivo, propunha-se levar a cabo as seguintes acções relacionadas com o património cultural local: “(...) propaganda do castelo, vila, monumentos e obras de arte; colaboração com entidades responsáveis pela sua conservação, através de sugestões relativas a obras de beneficiação; organização de excursões “para dar a conhecer as belezas naturais do concelho”, monumentos e obras de arte; recolha de dados históricos para elaboração e edição da monografia histórica do concelho e Vila de Sesimbra; efectuar inventário artístico do concelho; fazer reviver antigas indústrias locais (rendas e doçarias); promover conferências educativas em especial nas escolas com o objectivo de incutir “o amor à história e tradições da terra natal”; colaborar em tarefas que levassem ao (rendas e doçarias); promover conferências públicas e educativas em especial nas escolas e finalmente criar um museu regional”. (Projecto de Estatutos da Liga dos Defensores do Castelo de Sesimbra, Lisboa, 1932, pp.1-2). A Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra era constituída por sócios ordinários (os que pagassem cotas anuais); honorários (os que contribuíssem com prestação de trabalhos arqueológicos e de arte, em especial ligados ao Castelo) e beneméritos (contribuição em donativos ou serviços), na sua maioria naturais de Sesimbra, e sócios ordinários fundadores. Pretendia ser uma associação com um papel activo na conservação do Castelo e de intervenção junto das entidades oficiais, dando o seu parecer técnico a obras ou transformações projectadas ou executadas no Castelo. Esta associação contava com receitas ordinárias e eventuais, sob a forma de: quotas anuais, donativos de visitantes do Castelo, eventuais subsídios da Câmara Municipal, do Governo ou Turismo, produto de venda de recordações e outras eventuais receitas. (Projecto de Estatutos da Liga dos Defensores do Castelo de Sesimbra, Lisboa, 1932). 51 Estatutos

da Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra, 1951.

Conforme consta do Relatório Anual da Direcção da Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra, publicado no “O Sesimbrense”, Janeiro de 1953, pp. 1 e 3, a presente Liga de 1951 foi constituída à semelhança da Liga de 1932, com sócios efectivos, beneméritos, honorários e efectivos fundadores. As fontes de receita constantes dos estatutos também se mantiveram as mesmas de 1932 . A Liga nasceu com 143 sócios fundadores e em 1952 contava com 288 sócios.

52

53

Estatutos (…), 1951, pp. 7.

45

progresso e valorização da vila e da região”. 54. Em 19 de Dezembro de 1951 a Liga adquiriu o jornal local O Sesimbrense 55, que passou a divulgar as suas actividades 56.

Ligado às origens do Museu Municipal, salientamos ainda a figura de Rafael Alves Monteiro, personalidade sesimbrense que deu um importante contributo à criação do Museu de Arqueologia de Sesimbra. Nascido em 1921, Rafael Monteiro 57 foi um autodidacta que, apesar das reduzidas habilitações escolares, se dedicou a estudos desde a história à arqueologia, filosofia e literatura, tendo promovido prospecções 58 e recolha de materiais arqueológicos por todo o Concelho, os quais viriam mais tarde a incorporar o espólio do Museu Arqueológico. Rafael Monteiro participou também na organização inicial do Museu.

Em 1955 a equipa dirigente 59 da Câmara Municipal convidou o arqueólogo Eduardo da Cunha Serrão 60 a proceder a prospecções arqueológicas e à classificação e à valorização do espólio

54

Estatutos (...), 1951, pp. 6-8.

O Sesimbrense é um jornal local que, ao longo de várias décadas, serviu de meio de comunicação e divulgação das actividades culturais, além de meio de informação sobre outros aspectos da vida económica, social e política.

55

56 Na publicação do Relatório Anual de 1953, a Liga referencia algumas actividades levadas a cabo no âmbito dos objectivos dos seus estatutos. Refere o estudo dos “monumentos regionais”, a criação de um curso de guias turísticos e a publicação de vários artigos sobre a defesa dos pescadores e da pesca e sobre a história do Concelho de Sesimbra.

Rafael Monteiro mereceu da Câmara Municipal de Sesimbra uma condecoração póstuma, atribuída em 1995, por “dedicação ao estudo, investigação e divulgação dos aspectos sócio–económicos do Concelho” (O Sesimbrense, Maio 1995).

57

A Rafael Monteiro foi atribuída a descoberta (em Outubro de 1957) da estação arqueológica “Estação Isabel”, mais tarde designada “Lapa do Bugio”. Na altura terá contactado Octávio Veiga Ferreira e Zbyzewski, que estudaram este local, sob financiamento atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian. (Jornal de Sesimbra, Outubro 1999 e SERRÃO, Eduardo da Cunha, Investigações Arqueológicas na região de Sesimbra, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, Faculdade de Ciências do Porto, 1959, pp. 191).

58

59 A Câmara Municipal de Sesimbra era dirigida nessa altura por José Brás Roquete, também membro da Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra (SERRÃO, 1959, pp. 187-188).

Eduardo da Cunha Serrão foi colaborador do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular (SERRÃO, 1959, pp. 187-188). 60

46

existente, com o objectivo de vir a criar um museu. Eduardo da Cunha Serrão foi também nomeado Delegado Concelhio em Sesimbra pela Junta Nacional de Educação 61.

Na sequência de uma proposta da Liga dos Amigos do Castelo, em 4 de Maio de 1960, a Câmara Municipal de Sesimbra nomeou aquela entidade como responsável pela direcção e conservação do Museu Arqueológico do Castelo de Sesimbra 62, instalado, nessa altura, num edifício anexo à Igreja de Santa Maria do Castelo. Ainda durante esse mês, a Liga viria a sugerir à Câmara a nomeação de Eduardo da Cunha Serrão para Director do Museu Arqueológico, proposta que a Câmara aceitou e aprovou 63. Segundo Eduardo da Cunha Serrão, a tutela do Museu Arqueológico ficou assim estabelecida: “(...) A Câmara Municipal seria a entidade detentora dos materiais que constituíam a colecção arqueológica; uma instituição cultural, a Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra, por delegação da Câmara, ficaria encarregada da sua conservação e orientação técnica, desempenhando (...) cargo de conservador” 64.

O Museu Arqueológico de Sesimbra foi inaugurado no dia 28 de Maio de 1960 65, na sala anexa à Igreja situada no Castelo 66, tendo como director Eduardo da Cunha Serrão. 61 SERRÃO,

1994, pp. 1.

A nomeação referida consta da acta de reunião ordinária da Câmara Municipal de Sesimbra de 4 Maio de 1960, Arquivo Municipal, Câmara Municipal de Sesimbra.

62

63 A

aprovação referida consta da acta de reunião ordinária da Câmara Municipal de Sesimbra de 15 Junho de 1960, Arquivo Municipal, Câmara Municipal de Sesimbra.

64

SERRÃO, 1964, pp. 110.

A inauguração do Museu Arqueológico de Sesimbra foi noticiada pelo Jornal Diário de Notícias que referia: “Em Sesimbra o Ministro do Interior inaugurou vários melhoramentos e foi calorosamente recebido pelo povo de Sesimbra (...) onde se procedeu à inauguração do Museu Arqueológico, organizado de colaboração entre o Município Sesimbrense e a Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra. O Sr. Dr. Eduardo da Cunha Serrão membro do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular, encarregado da direcção do Museu, fez uma breve explicação sobre a criação do mesmo e das espécies expostas, algumas de elevado valor e todas do Concelho de Sesimbra” (“Diário de Notícias, 29/05/1960). 65

A sala utilizada para instalação do museu servira, até à data da criação do Museu, de espaço de “guarda” do espólio recolhido no Castelo aquando das obras da DGEMN, na década de quarenta do século XX.

66

47

O director do Museu mostrava-se partidário da corrente que então defendia a instalação dos museus, cujas temáticas abordassem o passado, em edifícios considerados monumentos, ideia que Eduardo da Cunha Serrão expressou, na seguinte afirmação: “Para mim, o Museu é precisamente o conjunto: Castelo, Igreja de Santa Maria, algumas ruínas da antiga Sesimbra bem patentes, e colecção arqueológica no anexo da Igreja. (…) É, realmente, um conjunto harmónico, evocativo, cultural e de grande atracção turística.”67 Esta definição de museu tem implícito um conceito alargado da instituição museal que não se limita a um espaço entre paredes, mas antes inclui um conjunto diversificado de vestígios materiais incluindo o património imóvel e uma colecção de espólio arqueológico. Nesta afirmação poderíamos ver subjacente a ideia que, mais tarde viria a formular-se, relativa à conservação “in situ”, considerando o museu um conjunto de elementos no seu contexto de origem. A presente concepção parece-nos contudo resultar da herança de uma situação comum aos museus nacionais e regionais portugueses no período correspondente ao Estado Novo, que, à falta de meios, iam sendo instalados em edifícios históricos. Esta situação surgiu num contexto político desfavorável, marcado por carências de recursos financeiros e humanos e, simultaneamente, num ambiente político de valorização de testemunhos evocadores de símbolos da história e origem da nacionalidade portuguesa, como era o caso de castelos ou outros edifícios considerados monumentos. Este empenho historicista e ideológico na valorização do património monumental justificou campanhas de obras em diversos edifícios históricos, como foi o caso dos castelos e também de alguns museus nacionais. Conforme refere Raquel Henriques da Silva 68, a instalação de museus em edifícios históricos constituiu um desafio aos profissionais de museus e arquitectos, empenhados na salvaguarda de patrimónios monumentais e na sua adequação às funções e aos serviços de exigência técnica e 67 SERRÃO,

1964, pp. 113.

SILVA, Raquel Henriques, “Os Museus: história e prospectiva”, Panorama da cultura portuguesa no século XX, (Coord. Fernando Pernes), Afrontamento e Fundação de Serralves, 2001, pp.63-108. 68

48

comunicacional. Este facto levaria os museus a desempenhar um papel relevante nas questões de salvaguarda e de valorização de zonas históricas, ampliando o seu discurso e intervenção cultural.

Quanto ao acervo do Museu Arqueológico de Sesimbra, então localizado no Castelo de Sesimbra, era constituído genericamente por uma colecção de cerca de oitocentas moedas recolhidas no Castelo e na Lapa do Fumo, por pinturas provenientes da Capela do Espírito Santo, bem como por uma colecção de arte sacra, parte da qual estivera até então dispersa por diversos particulares de Sesimbra.

Do trabalho levado a cabo, no âmbito da investigação, estudo e documentação do acervo do Museu Arqueológico e dos achados resultantes do trabalho desenvolvido a partir de prospecções arqueológicas, destacam-se acções como a criação do Centro de Estudos do Museu Arqueológico de Sesimbra 69, cujo objectivo consistia no estudo do espólio encontrado no Concelho e na publicação dos resultados. Das publicações resultantes da acção do Centro de Estudos, destacamos um Boletim70 publicado pelo Jornal O Sesimbrense em 1967 e a divulgação dos trabalhos realizados entre 1968 e 1971, publicados em 1974/75 pela Junta Distrital de Setúbal. O jornal O Sesimbrense publicou ainda numerosos artigos da autoria do Director do Museu, sobre a interpretação do espólio arqueológico do Concelho, incluindo o incorporado naquela

No referido Centro de Estudos do Museu Arqueológico de Sesimbra participaram, além de Cunha Serrão (Director), um grupo de jovens que com ele colaboraram em trabalhos arqueológicos em Sesimbra.

69

O Boletim aqui mencionado foi publicado pela Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra, sob a forma de suplemento do jornal local “O Sesimbrense”, propriedade da mesma Liga, no qual escreveram Rafael Monteiro e Eduardo da Cunha Serrão. 70

49

instituição 71. Em 1960 a Câmara edita O Guia do Museu Arqueológico de Sesimbra, organizado por Eduardo da Cunha Serrão 72.

À semelhança dos museus locais / regionais portugueses da época, o Museu Arqueológico de Sesimbra consistia num espaço de recolha e de investigação temática cujo público-alvo era formado essencialmente por especialistas da área e não pela comunidade, nem por visitantes em geral. O director do Museu traduz claramente esta concepção quando refere: “A especialização do Museu é tendência actual (…) um Museu deve tornar-se um centro de informação e pesquisa relativamente a uma ciência, uma arte, uma região, um homem ou uma ideia. E não há dúvida que o de Sesimbra é hoje um centro em tais condições, relativamente a um assunto específico: o passado da região onde se encontra. (...) tudo aquilo que a um leigo nada diz, que lhe suscita uma rápida e indiferente vista de olhos, fala eloquentemente e em muitos sentidos (…)” 73.

Este período de vida do Museu Municipal de Sesimbra durou sensivelmente vinte e dois anos, durante os quais raramente foi visitado pela comunidade local, sendo os públicos-alvo e os visitantes efectivos, na sua maioria, turistas que visitavam o castelo e em especial profissionais da área temática ou por ela interessados. O Museu encontrava-se quase sempre encerrado, estando as chaves das instalações confiadas ao funcionário do cemitério 74, que facultava o acesso e acompanhava os visitantes sempre que

71 Alguns

dos artigos publicados no Sesimbrense, da autoria de Eduardo da Cunha Serrão, consistiam na síntese de comunicações apresentadas na secção de Arqueologia da Sociedade de Geografia de Lisboa.

72 O Sesimbrense de Julho 1962 publicava o artigo “Museu Arqueológico Municipal” de Eduardo Serrão, que informava que o ICOM publicara uma descrição sumária das principais características do Museu Arqueológico de Sesimbra. 73

SERRÃO, 1964, pp.116-117.

74 O

cemitério da freguesia do Castelo está situado no interior das muralhas do Castelo de Sesimbra.

50

estes lho solicitavam. No âmbito da consulta de publicações e de documentação por nós efectuada, encontrámos diversas referências à gradual degradação do espólio e ao desaparecimento de diversos objectos durante esse lapso de tempo, que julgamos atribuível à ausência de condições de segurança e de conservação e ao próprio funcionamento do Museu, que se limitava a uma sala de exposição permanente, sem ter recursos humanos a ele adstritos. A situação descrita manteve-se praticamente inalterada até 1978, altura em que o executivo camarário passou a exercer maior acção sobre o Museu, estabelecendo que todas as decisões da direcção do museu passariam a exigir o aval da Câmara e abrindo as portas do Museu durante o período de Verão. Em 1981 foi criada a Divisão Sócio-Cultural 75 que permitiu a integração orgânica e o enquadramento técnico do Museu Arqueológico Municipal. Em 1982 e, após a entrada em funções de um novo executivo camarário, Eduardo da Cunha Serrão foi afastado do cargo de direcção do Museu. A partir dessa data, o Museu, integrado na Divisão Sócio-Cultural, passou a contar com o técnico João Pinhal (que viria a frequentar o curso de técnicos auxiliares de museografia criado pelo IPPC em 1986) e com o apoio de voluntários.

A Divisão Sócio-Cultural enquadrava-se no Departamento Sócio-Económico e compreendida o Serviço de Educação, Cultura e Desporto (onde se integrava o Museu Municipal) e o Serviço de Acção Social. O presente quadro orgânico manteve-se inalterado até ao ano de 2002, altura em que sofreu uma reestruturação (publicada no Aviso 2519/2002, Diário da República nº 69 de 22 de Março de 2002 que analisaremos no ponto 2.3.4. da presente dissertação) com base no Decreto-Lei 116/84 de 16 de Abril e posterior Lei 44/85 de 13 de Setembro que correspondem ao novo ordenamento (pós 25 Abril de 1974) dos serviços municipais e consequente organização das estruturas funcionais autárquicas em departamentos, divisões e sectores. Considerando o caso de Sesimbra e tendo presente a dissertação sobre a “Renovação museológica e génese dos museus municipais da área metropolitana de Lisboa 1974-90” de Clara de Frayão Camacho (Dissertação de Mestrado, em Museologia e Património, Lisboa, FCSH, 1999, (ed. Fotocopiada)) e dadas as semelhanças e coincidências com o ambiente que descreve e analisa, podemos referir que a reestruturação funcional da Câmara Municipal de Sesimbra do início da década de 80 se insere num contexto de novas atribuições e acrescidas competências autárquicas, consequência das mudanças sociais e políticas verificadas em Portugal após o 25 de Abril de 1974. A partir de 1976 e mediante a Constituição da República, as autarquias passaram a ser reconhecidas como formas autónomas de Administração Local em contraponto ao Código Administrativo do anterior regime que as considerava “formas de administração indirecta do Estado”. A Câmara Municipal de Sesimbra integrada na AML reflectia o próprio contexto da altura em que a maioria das autarquias havia criado amplas estruturas em que a cultura ocupava um lugar de partilha com outros domínios de acção (como a acção social, saúde, desporto, juventude, ensino). Em 1980 a maioria havia criado pelouros da cultura, departamentos, divisões e serviços para a área cultural, neles inserindo os domínios do património, incluindo os museus, verificando-se que a autarquias com as mesmas orientações político-partidárias correspondiam estruturas muito semelhantes, resultantes de colaborações entre câmaras e de empresas de consultoria que ao propor novas estruturas, contribuíram para a normalização e generalização de determinados modelos funcionais em determinados grupos de autarquias.

75

51

O novo executivo camarário tentou reformar a organização do Museu Municipal, apostando claramente na ideia de o aproximar da comunidade local e do público em geral, tendo para o efeito e a titulo provisório, nesse mesmo ano, instalado o museu num antigo edifício 76 localizado na Vila de Sesimbra. A imprensa local noticiava assim a inauguração das novas instalações: ”Em 7 do corrente, pelas 17 horas, procedeu-se à inauguração das novas instalações que, apesar de exíguas, estão preparadas com dignidade. Não estão patentes duas importantes secções do Museu do Castelo: a de arte sacra (...) e algumas pedras de armas (...). Mas estas faltas foram, até certo ponto, preenchidas com uma colecção etnográfica constituída por alguns utensílios e apetrechos de pesca, que nos dizem ser o núcleo dum mais amplo conjunto a cuja recolha ou reconstituição se vem procedendo” 77. Como se depreende deste artigo, foram também expostos -- nestas instalações, além da exposição do espólio arqueológico -- objectos relacionados com o mar e com a pesca local, que viriam a incorporar a actual colecção ligada ao mar. A partir de 1982, o Sector da Cultura da Câmara desenvolveu uma série de actividades que indicaremos a seguir e que culminariam com a incorporação da “colecção ligada ao mar” no Museu Municipal de Sesimbra. A Câmara Municipal de Sesimbra estabeleceu, como objectivo futuro do Museu Municipal, a sua instalação num edifício histórico – a Casa do Bispo78 – que, depois de adquirido pela edilidade, seria submetido a obras de recuperação e de adaptação à actividade museológica, contemplando espaços destinados a laboratório, reservas, exposições permanentes e

76 O

referido edifício localizado na Rua Dr. Aníbal Esmeriz fora anteriormente ocupado pela Repartição de Finanças de Sesimbra. “O Museu do Castelo transferido para a Vila”, O Sesimbrense, 19/12/1982. A Casa do Bispo ou Palácio do Bispo localiza-se no centro da Vila na Rua Antero de Quental. É um edifício do século XVI e foi propriedade do Bispo de Fez, D. Belchior Belrado. Em 1675 foi adquirido por um cirurgião tesoureiro da Irmandade da Misericórdia de Sesimbra, tendo procedido a algumas alterações ao edifício. Em meados do século XVIII foi herdado por um descendente e actualmente é propriedade da Câmara Municipal de Sesimbra (SERRÃO, Eduardo da Cunha e Vitor Serrão Sesimbra Monumental e Artística, Câmara Municipal de Sesimbra, 1997, 2ª edição, pp.. 70-73). 77 78

52

exposições temporárias. Contudo e alegadamente por falta de verba para a sua aquisição, este projecto não se concretizou.

O “percurso” do Museu Municipal de Sesimbra, e em particular as alterações nas políticas museológicas que se fizeram sentir a partir de 1978 e a que acabámos de nos referir, reflectem o contexto social, político e cultural do país que marcou a evolução da generalidade dos museus municipais. Baseando-nos na dissertação de Clara Camacho 79 sobre os museus municipais da AML, em que se insere o Museu Municipal de Sesimbra, constatamos que nos anos setenta este conjunto de museus atravessou, de uma forma generalizada, uma fase de decadência face a anteriores períodos de vida, caracterizados ora por um maior investimento na investigação, ora pela promoção de exposições temporárias e de programas de acção educativa. Esses aspectos “regressivos” radicariam na “(...) ausência de (re)formulações de filosofias de revitalização destas instituições, na sequência do encerramento de longos períodos de liderança, ligados à própria génese dos museus” 80, como foi o caso da cessação de direcção de museus, que não foram de imediato substituídas ou renovadas, conduzindo a um vazio, situação que também se verificou em Sesimbra. “Não dispondo de forma geral de serviços que estruturassem as instituições, sedimentassem a gestão e contribuíssem para contrariar os danos ocasionados pelo afastamento das direcções, estes museus apresentavam não só sinais de inactividade mas também degradação física de instalações e colecções o que avulta nas apreciações e testemunhos sobre os mesmos.”81 Esta situação verificava-se de facto em Sesimbra nos anos setenta, altura em que se atesta uma alteração de atitude do poder local face ao Museu Municipal de Sesimbra (alteração de atitude que surge no contexto da sociedade portuguesa pós 25 de Abril de 1974). Este período 79

CAMACHO, Renovação museológica (...), 1999.

80 CAMACHO, 81 CAMACHO,

Renovação museológica (...) 1999, pp.240. Renovação museológica (...) 1999, pp.240-241.

53

caracteriza-se por um conjunto de transformações significativas em termos políticos, sociais e culturais, em que ocorreram movimentos de mudança nos modos de encarar e posicionar o património. Tais movimentos tiveram, por um lado, incidência no alargamento das atribuições de “valor patrimonial” a objectos imóveis e paisagens e no reconhecimento pelas comunidades de tais valorizações, por outro lado, a sua acção reflectiu-se no plano da institucionalização de museus. Esses movimentos, na sua maioria exteriores aos museus, influenciaram as instituições museológicas locais existentes e estiveram relacionados com a criação de novas entidades. Dos fenómenos sociais e culturais ocorridos na sociedade emergente de 1974, Clara Camacho destaca duas ordens de manifestações suscitando uma inter-relação entre o contexto de alguns processos de intervenção cultural e a criação de novos museus locais enraizados nesses processos: a proliferação de “acções de animação cultural” e a eclosão de movimentos associativos patrimoniais vocacionados para a defesa do património. Segundo a autora, estas manifestações tiveram prolongamentos e repercussões, através de práticas e estruturas orgânicas autárquicas, que viriam a acolher os novos museus. A ligação pessoal entre os participantes nas acções de animação cultural e patrimonial e nas experiências museológicas, bem como as afinidades entre alguns dos fundamentos básicos das acções de animação e das experiências museológicas locais, constituem também factores a ter em conta. Esta nova consciência patrimonial do período subsequente a 1974, manifestou-se através de um conjunto de movimentos institucionais por vezes designados por “campanhas”, com objectivos de “animação cultural” ou de “intervenção” no campo patrimonial, através de recolhas e pesquisas e de acções de sensibilização. Destes movimentos salientam-se as “campanhas de dinamização cultural e acção cívica” promovidas pelo MFA (Movimento das Forças Armadas) em 1974-75 e o “Plano de trabalho e cultura” orientado por Michel Giacometti no quadro do Serviço Cívico Estudantil em 1975 82. Ambas as acções, de âmbito nacional, visavam objectivos no O “Plano de trabalho e cultura” surgiu no âmbito da preparação do “serviço cívico estudantil” (que antecedeu a entrada na universidade dos estudantes de 1975) e constituiu um instrumento de animação patrimonial com

82

54

sentido de uma transformação de atitudes, inseridos no quadro da animação sócio-cultural. Dos diversos programas da altura, a campanha de dinamização cultural foi a que se assumiu como referência relativamente a um conjunto de acções levadas a cabo nesse período e que divulgaram amplamente a noção de “animação cultural” por vezes associada a domínios patrimoniais, passando os termos “dinamização cultural” a constituir uma das expressões emblemáticas do regime saído de 1974, em parte devido à “campanha de dinamização cultural e acção cívica” 83 e também como resultado da proliferação de múltiplas e dispersas iniciativas.

É no período entre 1978 e 1983 que se faz sentir um forte movimento associativo de defesa do património, expresso no número de encontros realizados e nos níveis de participação nos mesmos 84. O associativismo de defesa do património viria a ocupar um lugar de destaque em características e objectivos comuns a uma campanha (com planeamento e coordenação centralizados, duração limitada e objectivos de animação cultural com vertente guiada para o esclarecimento político), mas diferenciandose pela especificidade do objectivo cultural cuja finalidade era o “conhecimento regional” em contraponto à generalidade da dinamização cultural das campanhas. Com concepção e liderança de Michel Giacometti, as acções do plano consistiam no registo da música regional e literatura popular, no inventário e na recolha de testemunhos de trabalho e de instrumentos musicais portugueses e na promoção de campanhas de educação sanitária, animação sócio-cultural e auxilio na dinamização de centros de recreio e de cultura. Para além dos aspectos já referenciados, esta campanha tinha uma direcção científica e objectivos patrimoniais e museológicos (visava também a longo prazo a criação de um museu) que a distanciava das restantes campanhas. Clara Camacho salienta a importância do “Plano de trabalho e cultura” que viria a influenciar, a longo prazo, o percurso de alguns projectos museológicos locais, que tomaram como ponto de partida para as suas futuras acções a realização de levantamentos patrimoniais como metodologia de trabalho (optando pela inventariação de campo ancorada num conjunto de fichas documentais que constituíam instrumentos de recolha patrimonial), associados a uma valorização dos objectos enquanto documentos do quotidiano (com destaque para a etnografia) e inerente sensibilização para a necessidade da sua conservação. Clara Camacho analisa a “campanha de dinamização cultural” oriunda do espectro cultural inserida no contexto sócio-político e das correntes de animação cultural em construção desde os anos 60 e que, no pós 25 de Abril, encontraram terreno fértil. Estas correntes assumem grande preponderância no quadro de uma visão marxista em que a libertação colectiva e dos indivíduos toma foros de objectivo central da animação cultural, por meio de uma crítica institucional e de transformação das estruturas económicas e políticas. A campanha ao reunir dinamização cultural e acção cívica veicula um entendimento da dinamização enquanto meio privilegiado de alteração das mentalidades, através de uma ruptura com o anterior regime e crítica relativamente às suas instituições, ao mesmo tempo que promove a “cultura popular” por oposição à “cultura de elite”. A noção de “dinamização cultural” é ambígua, dado que conjuga objectivos culturais e políticos, considerando o esclarecimento político como parte da dinamização cultural, equivoco que originaria uma pluralidade de sentidos que estas acções comportariam. Por outro lado, “dinamização cultural” e “animação cultural” eram indiferentemente usados como noções que se sobrepunham ou se distanciavam, apresentando-se a segunda como parte da primeira, ou vice-versa, aparecendo por vezes a animação como método associada a modos de actuação. (CAMACHO, Renovação museológica (...), 1999, pp.67).

83

O referido movimento associativo encontra expressão no número de encontros de associações de defesa do património e de participantes nessas acções, que segundo Clara Camacho foram os seguintes: no “1º Encontro 84

55

virtude da potencial conjugação entre o objectivo de defesa do património e a criação de museus locais como forma de materialização parcial daquela finalidade genérica. Verificar-se-iam, ao longo do tempo, duas situações previsivelmente convergentes: a coincidência, em certas situações, dos mesmos protagonistas em ambos os casos ou, noutras situações, ao associativismo de uma primeira fase sucedia-se, numa segunda fase, a concretização museológica local. Este contexto teve repercussões nas políticas patrimoniais introduzidas no terreno pelos serviços das autarquias, visando uma intervenção concelhia e seguindo orientações “(...) impregnadas de influências advindas dos planos políticos, sociais e culturais, onde desempenham cruciais papeis a composição partidária das autarquias da AML, a dinâmica das associações de defesa do património e a promoção técnica dos novos profissionais. Sem experiências anteriormente consolidadas, uma vez que era ténue a intervenção patrimonial das autarquias até 1974 (...) tiveram os executivos de esboçar os seus próprios caminhos, onde exerceram particular influência as componentes político partidárias, a composição socio-associativa dos concelhos, a preparação académica e a experiência dos técnicos.” 85 O ambiente de movimentações em prol da defesa do património descrito por Clara Camacho encontra expressão em diversas publicações dos anos 80, como é o caso da revista Movimento Cultural editada pela Associação dos Municípios do Distrito de Setúbal. Nessa publicação, dedicada à divulgação de um leque alargado de aspectos culturais das autarquias do distrito, estão presentes, por um lado, a preocupação de defesa do património manifesta na edição de trabalhos de investigação sobre o património cultural e natural, intenções e acções desenvolvidas muitas vezes no âmbito do trabalho dos museus municipais, e por outro lado, a Nacional de Associações de Defesa do Património” de 1980, participaram 50 ADPs (Associações de Defesa do Património) e 142 participantes; no “2º Encontro Nacional de Associações de Defesa do Património Cultural e Natural” de 1981 estiveram presentes 87 ADPs e 351 participantes; no “3º Encontro Nacional de Associações de Estudo, Defesa e Divulgação do Património Cultural e Natural” realizado em 1983, as ADPs presentes foram em número de 70 e os participantes 220; em 1983 o “1º Encontro Regional do Sul das Associações de Defesa do Património” contou com 23 autarquias e 200 participantes. (CAMACHO, Renovação museológica (...), 1999, pp.79). 85 CAMACHO, Renovação museológica (...) 1999, pp 213-214.

56

democratização da cultura 86 através da participação das populações em acções de “animação cultural” 87.

Clara Camacho considera comuns à condução das políticas patrimoniais autárquicas da AML as três linhas de força que são a seguir mencionadas e que caracterizaram os processos conducentes à criação de novas entidades museológicas pelas autarquias 88. As mesmas linhas de força estão também presentes no contexto de Sesimbra, traduzindo-se nas acções levadas a cabo directamente pela autarquia, através da Divisão Sócio-Cultural, ou com o seu apoio. •levantamentos patrimoniais de abrangência territorial com particular incidência nas disciplinas da arqueologia e etnografia e no inventário do património edificado. No primeiro caso visava-se a elaboração da “Carta Arqueológica” que, em Sesimbra, seria publicada apenas em 1994 89. No segundo caso os levantamentos do património etnográfico eram efectuados com base na adopção de uma matriz semelhante ao levantamento impulsionado por Giacometti em 1975. Muitos destes levantamentos estiveram na origem da constituição de colecções que viriam a estar na origem da criação de novos museus na AML.

Nos números da revista Movimento Cultural que consultámos são intervenientes, desde técnicos de museus ou de divisões orgânicas relacionadas com o património e a cultura, investigadores, docentes, membros de associações (associações de cariz diversificado todas relacionadas com aspectos culturais, desde associações de defesa do património cultural a associações de dança, teatro) a detentores de cargos políticos. (Reportamo-nos aos seguintes números da Revista Movimento Cultural que consultámos no Centro de Documentação do Ecomuseu do Seixal: Ano II – Nº 2 – Janeiro 1986; Ano II - nº 3 – Dezembro 1986; Ano III – Nº 4 – Fevereiro 1988; Ano III – Nº 5 – Dezembro 1988; Ano IV – Nº 6 – Setembro 1989; Ano VII – Nº 7 – Junho 1991). 86

“Animação cultural” é aqui utilizada na acepção generalizada nessa época, de esclarecimento e de educação sobre os diversos aspectos do património e de participação das populações tanto como intervenientes na própria cultura como na fruição de eventos culturais (teatro, literatura, música, desporto). 88 Dos museus municipais criados na década de 80 decorrentes das acções referidas e citados por Clara Camacho destacamos, a título de exemplo, os seguintes: Ecomuseu Municipal do Seixal, criado em 1982; Museu Municipal de Almada em 1985; Museu Municipal de Vila Franca de Xira em 1985 e Museu Municipal de Alcochete em 1988. 87

A Carta Arqueológica de Sesimbra da autoria de Eduardo da Cunha Serrão, foi inicialmente publicada sob o título Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra – Desde o Paleolítico Antigo até 1200 d.c., em 1973 pela Junta Distrital de Setúbal. Em 1994 é publicada pela Câmara Municipal de Sesimbra uma versão póstuma e ainda não completada pelo autor, denominada Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra do Vilafranquismo médio até 1200 d.c.

89

57

Em 1981 foram iniciados levantamentos e estudos sobre o património etnográfico 90 do concelho de Sesimbra promovido pela autarquia, cujos técnicos da Divisão Sócio-Cultural concretizaram nesse mesmo ano a exposição “Sesimbra e o Mar” que constituiria o ponto de partida para o levantamento de objectos ligados à pesca e para a consequente constituição da colecção etnográfica ligada ao mar. É de referir que, a partir de 1982, os municípios do distrito de Setúbal (constituídos em Associação a partir de 1983) -- de que Sesimbra faz parte -- levaram a cabo uma iniciativa de âmbito distrital, visando a pesquisa e a recolha de utensílios, instrumentos e máquinas de trabalho rural, com objectivos de identificação e valorização de objectos do quotidiano. O inventário de património edificado ocorreu igualmente a partir dos anos 80, sendo levado a cabo, por um lado, à escala nacional e com intervenção do IPPC 91 e, por outro lado, pelas próprias autarquias. O inventário do património edificado do concelho de Sesimbra foi efectuado entre 1981 e 1985 dando origem à publicação Sesimbra Monumental e Artística92. •“municipalização” de património, através da selecção de propostas de classificação, aquisição e reutilização de testemunhos edificados, em muitos casos para a instalação de novos museus por parte das autarquias. Os levantamentos etnográficos efectuados sobretudo na zona rural do concelho, incidiram sobretudo sobre jogos tradicionais, cegadas (género de representação satírica (critica social) efectuada por grupos locais que se organizavam na época do Entrudo e percorriam os lugares da zona rural), alfaias e gastronomia, tendo resultado as seguintes publicações: Câmara Municipal de Sesimbra, 1ºs Jogos Florais do Concelho de Sesimbra – Sesimbra e a sua gente, 1986; Câmara Municipal de Sesimbra, Rezas, Benzeduras e algumas Lendas, Divisão Sócio - Cultural e Coordenação Concelhia da Extensão Educativa de Sesimbra, 1989 e Câmara Municipal de Sesimbra, Cegadas de Sesimbra, 1990. Conforme nos foi comunicado em entrevista pelo primeiro técnico (actualmente com a categoria de técnico profissional especialista de Museografia) a integrar a Divisão Sócio-Cultural após a sua criação, os projectos de levantamento passaram a contar com a colaboração de um Técnico Superior estagiário com formação em história que viria a integrar os quadros da Câmara em 1987. 91 IPPC/Instituto Português do Património Cultural foi um organismo público, criado em 1980, com a atribuição de funções de Inventário, Classificação e Prenuncia sobre obras em imóveis classificados e Zonas de Protecção. Em relação às autarquias locais este organismo detinha ainda a função de inspecção, apoio técnico e logístico e superintendência técnica. (Cf. CAMACHO, Renovação museológica (...) 1999). 90

A presente obra, da autoria de Eduardo da Cunha Serrão e de Vitor Serrão foi inicialmente editada em 1986 e reeditada em 1991 pela Câmara Municipal de Sesimbra. (SERRÃO, Eduardo da Cunha e SERRÃO, Vitor, Sesimbra Monumental e Artística, Câmara Municipal de Sesimbra, 1997).

92

58

• prossecução de caminhos tendentes à democratização cultural e à participação da população, tendo os primeiros serviços de acção cultural das autarquias sido criados de acordo com os princípios orientadores da “democratização sociocultural” e da “animação cultural”: a primeira tornou-se uma das bases das políticas autárquicas para os diferentes domínios de intervenção; a segunda foi considerada como um instrumento usual de comunicação com as comunidades. Tendo por objectivo a democratização cultural, a animação cultural surgia como um meio de assegurar o alargamento das formas de intervenção das populações e de participação na vida concelhia.

Como referimos anteriormente, também a autarquia de Sesimbra adoptaria políticas patrimoniais em conformidade com os processos que acabámos de referir, com implicações directas no percurso e desenvolvimento do Museu Municipal de Sesimbra, sendo uma delas a incorporação da colecção etnográfica ligada ao mar 93, assumida pela autarquia como Museu do Mar e inaugurado como tal em 1987, data que coincidiu com a transferência mais uma vez a título provisório, do Museu Municipal para as instalações pré-fabricadas de uma antiga escola (Ciclo Preparatório), localizadas no Largo Luís de Camões, local onde permaneceu até à presente data. Nestas instalações foram expostas duas colecções localizadas em salas e pavilhões distintos, que a Câmara passou a designar uma por Museu de Arqueologia constituída pelo espólio arqueológico inicial e o que foi sendo incorporado, e outra por Museu do Mar.

2.3. A criação do Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra (também designado por “Museu do Mar”): situação “à partida”

No ponto 2.3.1. abordaremos em pormenor o processo da incorporação da “colecção ligada ao mar” à criação da actual exposição designada por “Museu do Mar”. 93

59

O presente sub-capítulo compreenderá, numa primeira parte, uma breve resenha histórica sobre a constituição e a incorporação da colecção que esteve na base da criação da actual exposição permanente designada por Museu do Mar. Tirando benefício dos resultados da nossa intervenção profissional no presente processo, faremos, na segunda parte, uma breve caracterização da referida colecção socorrendo-nos das informações recolhidas no âmbito dos trabalhos de inventário 94 e de levantamento sobre as artes de pesca locais 95 realizados no âmbito da nossa colaboração com a Câmara Municipal de Sesimbra. Se, por um lado, o trabalho de inventário nos permitiu adquirir um conhecimento dos objectos existentes e das suas características, por outro lado, o trabalho de campo levado a cabo facultou a contextualização da maioria dos objectos e a obtenção de uma informação mais precisa sobre a sua funcionalidade, ou seja, sobre a sua relação com as artes de pesca (e as funções) em que foram ou estiveram integrados, bem como sobre a época aproximada em que foram criados e utilizados. Tencionamos, sempre que possível, indicar dados relativos tanto ao modo e à data (aproximada) de incorporação como à origem de uma parte significativa da colecção 96. Apresentaremos ainda algumas questões relacionadas com as condições actuais de conservação e de segurança da colecção ligada ao mar. Parece-nos no entanto pertinente elucidar aqui, desde o início, algumas questões relacionadas com a designação da colecção e da exposição permanente.

94 O

referido inventário foi por nós levado a cabo entre 2002 e 2004.

95 O levantamento a que nos referimos (ver Anexo I) foi por nós efectuado entre Março de 2004 e Março de 2005 no âmbito do Programa de Apoio à Qualificação de Museus 2003 da Rede Portuguesa de Museus, incluído no Estudo para programação do núcleo museológico marítimo e consistiu fundamentalmente num estudo tecnológico com enfoque de índole antropológica sobre as artes de pesca de Sesimbra.

Tivemos oportunidade de contactar um dos artesãos que executou e doou a maioria das miniaturas de embarcações, das maquetes e desenhos da colecção. 96

60

Atendendo a que a actual exposição engloba a maioria dos objectos da colecção e é, para além disso, apresentada ao público como Museu do Mar, a expressão “colecção designada Museu do Mar” 97 tem sido utilizada recentemente para designar a presente colecção. Mas como a citada exposição não pode ser considerada um museu (por não possuir as valências nem responder aos quesitos que a Lei determina para a instituição museal) e como não abrange a totalidade dos objectos da colecção, optámos por adoptar como designação, para esta colecção, a expressão “colecção etnográfica ligada ao mar”. Não obstante a sua peculiaridade, tal expressão sublinha a abrangência e a representatividade desta colecção relativamente à presente temática, tanto no que toca aos objectos expostos como aos que se encontram entrepostos em pelo menos dois armazéns da Câmara Municipal de Sesimbra (colecção que poderia ser eventualmente designada por colecção/acervo do futuro Núcleo Marítimo). Quanto à actual exposição permanente, adoptámos a designação de exposição do Museu do Mar, por nos parecer a mais adequada face à actual situação. Apesar da inexistência de um Museu do Mar enquanto instituição, é assim que tem sido designada oficialmente e perante o público, desde a incorporação da colecção no Museu Municipal de Sesimbra e da implementação da própria exposição. Passamos ainda a designar por núcleo marítimo a realização museológica que a instituição museal designa por “Museu do Mar” ou por “Núcleo de Etnografia”.

2.3.1. A colecção da futura unidade museológica marítima de Sesimbra: a incorporação da “colecção etnográfica ligada ao mar” e a criação da actual exposição permanente designada sob a expressão “Museu do Mar”

Esta expressão foi por nós adoptada em trabalhos anteriores, bem como pelos técnicos do Museu Municipal de Sesimbra. 97

61

A ideia da criação de um Museu do Mar ou de um museu sobre o mar, sobre a pesca e a vida dos pescadores, cedo surgiu na mente de alguns sesimbrenses, a avaliar pela consulta da imprensa local e de alguma bibliografia de autores locais. O Jornal “O Sesimbrense”98 publicou em 1962 um artigo sobre a Fortaleza de Santiago, no qual está escrito “Nos baixos desse edifício começou a sua existência em 1930, o nosso Club Naval, que ali iniciou a primeira tentativa para a criação de um Museu de Pesca”, projecto que no entanto não se concretizou. Em 1963 o mesmo jornal voltou a sugerir a criação de um “Museu de Pesca” 99, dedicado às artes da pesca, à vida voltada para o mar e às diferentes espécies marinhas; este artigo sugeria que se aproveitasse a oportunidade de dois sesimbrenses se disponibilizarem a executar miniaturas dos diversos tipos de embarcações e das diferentes modalidades de pesca em Sesimbra, com vista à sua integração no Museu de Pesca. A DGEMN 100 desencadeou em 1965 um processo para adaptação da Fortaleza 101 a pousada e posteriormente a casa de chá e museu, na sequência de propostas apresentadas pela Câmara Municipal de Sesimbra. Este projecto não teve contudo seguimento, apenas foi iniciado (e depois suspenso) pela DGEMN um ante-projecto para adaptação a pousada. O grande impulso para a criação de uma “colecção etnográfica ligada ao mar” só viria a ocorrer a partir dos anos 80 do século XX, data a partir da qual a Câmara Municipal de Sesimbra levou a cabo uma série de iniciativas culturais ligadas a essa temática e que viriam a dar origem à referida colecção.

98

Trata-se do artigo “A Fortaleza de Santiago”, O Sesimbrense, Junho 1962.

Trata-se do artigo “Museu de Pesca”, O Sesimbrense, Janeiro 1963. O processo de adaptação da Fortaleza consta da Documentação de Arquivo da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais: SR 439 de 02/06/1965; ofício 3535 de 25/06/1965; ofício 4053 de 01/07/1965; SR nº 661 de 03/07/1965 e ofício 3363 de 01/08/1968. 99

100

101 A

Fortaleza de Santiago foi classificada como Imóvel de Interesse Público -- DR Nº 226 de 29/09/1997 --Decreto nº 129/77, em página da Web: www.monumentos.pt.

62

O principal contributo ocorreu em 1981 na sequência da exposição temporária “Sesimbra e o Mar” 102 realizada por iniciativa da Câmara Municipal de Sesimbra 103, em que foram expostas fotografias alusivas à pesca, aos pescadores e a motivos já desaparecidos (tais como: algumas artes da pesca e a antiga lota na praia; vários apetrechos e utensílios utilizados nos diferentes tipos de pesca; painéis com fotografias e poemas alusivos à vida dos pescadores; a “reconstituição” de antigos trajes e de outras peças de vestuário; diferentes espécies de peixes e de aves marinhas pertencentes, por uma parte, ao Aquário Vasco da Gama e, por outra parte, ao Oceanário de Setúbal; reproduções de modelos da barca de Sesimbra e do batel das armações, provenientes do Museu de Marinha; reproduções e miniaturas de diferentes embarcações de uso local (traineiras, barcos do alto, botes) e de artes de pesca, executadas por um antigo pescador 104; desenhos e maquetes da topografia e da arquitectura de Sesimbra 105.

No âmbito dessa exposição e inserida num contexto propício de adopção de políticas patrimoniais por parte das autarquias que privilegiavam os levantamentos patrimoniais de abrangência territorial 106, a Câmara Municipal de Sesimbra procedeu a um trabalho de recolha, incentivando, para tal, a própria comunidade que nessa ocasião ofereceu ao Museu a quasetotalidade dos objectos que presentemente constituem a colecção. A iniciativa desenvolvida em torno desta exposição terá procurado sensibilizar a população para a necessidade de reavivar as tradições locais, a qual correspondeu a esse objectivo através da 102 Esta exposição

foi apresentada no Pavilhão Gimno-desportivo de Sesimbra de 1 a 5 de Maio de 1981.

Colaboraram com a Câmara, nesta iniciativa, a Junta de Freguesia de Santiago e a Associação Numismática e Filatélica de Sesimbra (“A exposição Sesimbra e o Mar”, O Sesimbrense, 17/05/1981).

103

Segundo nos informou, este pescador, Ângelo Sobral Farinha, passou a colaborar com a Câmara, a partir de 1974 e a convite do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de então, transmitindo aos artesãos dessa instituição, o seu saber na execução de miniaturas de embarcações locais. Numa primeira fase, essas reproduções serviram como ofertas oficiais; a partir de 1981 e no âmbito das exposições já referidas, foram executadas (por vários artesãos) reproduções, com vista à sua integração nas exposições e posteriormente na colecção etnográfica. 104

Esses aspectos foram sublinhados respectivamente em dois artigos “A exposição Sesimbra e o Mar”, O Sesimbrense, 17/05/1981 e “Sesimbra e o Mar”, Jornal de Sesimbra, 25/05/1981. 106 Este aspecto é referido no ponto 2.2. da presente dissertação. 105

63

doação de muitos objectos relativos à faina piscatória e de um número elevado de fotografias desta mesma actividade. “Uma Barca da antiga armação de pesca à valenciana “Varanda”, das poucas que ainda restavam, foi oferecida pelo seu proprietário à Câmara Municipal que havia manifestado interesse pela sua posse com vista a figurar num futuro Museu. A barca e o batel e mais os múltiplos apetrechos e utensílios usados nessa antiquíssima arte piscatória...” 107. Desta exposição, cujos objectos e fotografias foram em grande número doados à Câmara, acabou por nascer a colecção de etnografia do Museu. Em 1982, e no âmbito da instalação provisória 108 do Museu Municipal, foram expostos alguns objectos reportados ao mar e à pesca no então Museu Arqueológico. A partir de 1983 a Câmara Municipal de Sesimbra passou a divulgar distintamente o Museu de Arqueologia e o Museu do Mar, dando nessa altura início à actividade pedagógica com a colaboração das escolas locais, que organizaram diversas visitas guiadas dos seus alunos às instalações do Museu. Em 1986, no âmbito do “Festival do Mar” 109 entre outras actividades, a Câmara Municipal de Sesimbra organizou nova exposição “Sesimbra e o Mar” e um colóquio sobre as pescas “Sesimbra terra de pescadores e mareantes”. A exposição, segundo a imprensa local, granjeou um claro apoio como “…realização que registou maior interesse, a avaliar pelo número de visitantes que foram unânimes no agrado, no apreço pelo exposto...”110. Da exposição fizeram parte miniaturas da arte da pesca; modelos e plantas de antigas embarcações; fotografias; apetrechos de pesca. Esteve presente um carpinteiro naval que, O texto em itálico foi extraído do artigo “Defesa e valorização do património histórico-cultural”, O Sesimbrense, 22/11/1981.

107

Conforme referimos anteriormente, a exposição permanente foi transferida da sala anexa ao Castelo, onde se encontrava, para as instalações de um edifício localizado na Rua Dr. Aníbal Esmeriz.

108

Este festival constituiu a primeira edição de uma iniciativa periódica da Câmara Municipal de Sesimbra visando a divulgação turística através de iniciativas culturais.

109

110

A exposição e o festival foram objecto do artigo “O Festival do Mar”, O Sesimbrense, Outubro 1986, pp.7

64

munido das suas ferramentas, modelos e plantas, mostrou o seu saber-fazer na construção de uma aiola. Foi feita, na praia junto da Fortaleza, a “reconstituição” da antiga lota 111 associada à projecção de diaporamas sobre a vida submarina. A Câmara Municipal de Sesimbra editou uma brochura explicativa da exposição (catálogo) “Sesimbra e o Mar” referindo os diversos aspectos etnográficos e o espólio da exposição.

O designado Museu do Mar (termo então aplicado à actual exposição) foi inaugurado oficialmente no dia 27 de Setembro de 1987, durante o “Festival do Mar 1987”112, nas instalações da antiga Escola Preparatória, onde se encontra instalado até presente data. A exposição sofreu em 2004 uma pequena remodelação que consistiu essencialmente na substituição, por cópias, das fotografias originais até então expostas, na substituição de legendas e na colocação de textos introdutórios às temáticas abordadas permitindo a contextualização dos objectos expostos113. Actualmente a exposição está organizada segundo os seguintes temas: -- O Mar de Sesimbra;-Vestuário Tradicional; -- Festas e Jogos Tradicionais; -- Artes da Pesca: Arte das Armações;-Arte de Sacada; -- A Arte Xávega;-- A pesca ao marisco; -- A pesca aos chocos, lulas e polvos; -A Arte do anzol / aparelho;-- Arte das redes de emalhar e Arte do Cerco-Traineira; -- A lota

Esta reconstituição mereceu o reparo da imprensa “A reconstituição da antiga lota, sendo uma ideia válida era também à partida difícil de concretizar, em fidelidade e essência. A actividade da lota não era apenas a licitação do pescado, mas um conjunto de coisas que ia desde as barcas ancoradas na baía, donde se transportava o peixe para as aiolas que o levavam até à borda d´água, onde era depois descarregado e transportado em cestos ou caixas, conforme as espécies, para o local de venda que tinha lugar ao entardecer. A disposição no areal (...) inúmeras pessoas que nela se ocupavam até ser removido em padiolas ou em burros para os carros estacionados na marginal...” (“O Festival do Mar”, O Sesimbrense, Outubro, 1986).

111

Durante este Festival foram efectuadas, entre outras actividades, visitas guiadas à exposição do Museu do Mar (“Festival do Mar”, O Sesimbrense, Setembro 1987).

112

No decorrer das nossas funções, a que aludimos anteriormente, colaborámos com os técnicos do Museu Municipal, na mencionada remodelação, nomeadamente na elaboração de um guião da exposição que incluiu: percurso, disposição física das diversas sub- temáticas expostas e a expor, selecção dos objectos, proposta relativa a legendas e expositores. Os textos introdutórios às diversas áreas sub-temáticas abordadas na exposição foram por nós elaborados.

113

65

antiga; -- A lota actual; -- A Pesca Desportiva; -- A Apanha de Algas; -- A Indústria Conserveira;-A Construção Naval.

2.3.2. Composição e descrição da “colecção etnográfica ligada ao mar”

A totalidade dos objectos da colecção 114 encontra-se distribuída por três espaços físicos distintos: -- a maioria dos objectos (aproximadamente 72% da colecção) encontra-se exposta, como foi referido anteriormente, nas instalações de uma antiga escola de Sesimbra; -- um segundo conjunto de objectos (cerca de 28% da colecção) -- que se encontra guardado no Arquivo da Divisão de Turismo e Cultura, num espaço localizado em edifício habitacional geograficamente separado dos serviços da Câmara -- compreende vários objectos, documentos escritos e fotografias relacionados, na sua totalidade, com as artes de pesca, a construção naval e a indústria conserveira; -- o terceiro conjunto, ainda não inventariado e guardado em armazéns da Câmara, é composto principalmente por peças de antigas embarcações, para além de outros objectos relacionados com as artes de pesca.

Os diversos objectos da “colecção etnográfica ligada ao mar” aparecem sobretudo como testemunhos de vivências ligadas ao trabalho dos pescadores e inerentes aos diversos processos técnicos em que foram utilizados, em conformidade com as características da arte em que foram usadas e com as funções específicas que desempenharam. A presente colecção privilegia, em termos quantitativos e qualitativos, as artes de pesca, abrangendo contudo outras actividades ligadas directa ou indirectamente à pesca e ao mar. 114 A

colecção conta 1024 objectos por nós inventariados (incluindo objectos, fotografias, reproduções, documentos e livros).

66

A maioria dos objectos estão relacionados com diferentes técnicas de pesca, muitas caídas em desuso, uma vez que as respectivas técnicas foram sendo abandonadas e substituídas por outras. Pondo em evidência quer diferentes aspectos da sua funcionalidade, quer o contexto específico de utilização de cada objecto nas respectivas artes, quer o período em que foram usados, passamos a enumerar seguidamente alguns dos objectos da colecção, obedecendo a nossa apresentação a uma sistematização por categorias reportadas ao contexto da pesca local e fornecendo uma informação transversal sobre a interpretação que desses objectos foi dada na actual exposição.

2.3.2.a.Objectos reportados às artes de pesca:

Armação à valenciana O lugar de destaque que é atribuído, nas artes de pesca, à armação à valenciana, é visível na exposição do Museu do Mar, pelo diversificado conjunto de objectos relacionados com esta arte, presentes na exposição. Diversos outros testemunhos foram utilizados na pesca propriamente dita: cabos de cairo de diversas dimensões; bóias de cortiça115; xalavar e redes; uma embarcação-bote, que desempenhava funções auxiliares relativamente a uma das armações (a Armação Varanda 116); partes constituintes de embarcações intervenientes nesta arte, como é o caso de banco, leme, vara e mastro de barcas da armação, leme de batel e remos; testemunhos de diversas tarefas

115 Cada uma das referidas bóias, era constituída por cerca de 8 folhas de cortiça que depois de furadas, eram fixadas umas às outras através de uma pequena corda.

A identificação do nome da armação foi efectuada pelo nosso informante António Augusto Arsénio (Entrevista 23/10/04). 116

67

inerentes à preparação de materiais constitutivos dos apetrechos de pesca, tais como: forradores de cabos de aço, argolas e furadores de cortiças117. O diorama sobre a arte da armação à valenciana configura e encena a armação no mar, os desenhos ilustrativos desta arte e a localização dos diversos pesqueiros das armações transmitem uma ideia aproximada da complexidade e do dimensionamento reais do conjunto de redes, cabos, bóias, ferros, número e tipo de embarcações necessários à armação. Os desenhos sobre a localização dos pesqueiros informam paralelamente sobre os sítios em que armavam as diversas indústrias de Sesimbra, ilustrando algumas fotografias também diversos aspectos da arte no mar. O conjunto de miniaturas de embarcações, que contemplam cerca de 21 reproduções de barcas de armação dotadas de nomes de armações, reflecte a tipologia das embarcações usadas no passado e a sua contínua evolução em termos tecnológicos. O catre118, por exemplo, evoca vivências de muitos pescadores que durante meses pernoitavam nos armazéns das armações. Os aspectos administrativos relativos às armações enquanto empresas, ou indústrias como são localmente designadas, estão representados através da própria estrutura de “escritório da armação” 119 e respectivo mobiliário 120, bem como através do conjunto documental de cédulas de inscrição marítima121, livros de pagamento às companhas 122 e impressos de balancete123. 117

Trata-se de blocos de cortiça utilizados como bóias.

Trata-se do termo designando os beliches que serviam de cama aos pescadores quando pernoitavam nos armazéns de armação. 119 Esta estrutura de “escritório” da armação foi doada ao Museu Municipal pelos herdeiros da Sociedade de Pesca Caldeira & Filhos, proprietária das armações Risco, Burgau e Val do Covo. 118

120 Do

mobiliário da armação fazem parte uma secretária, um género de “escrivaninha” e um armário.

Da colecção fazem parte 19 cédulas de inscrição marítima. Em cada cédula estão registados os dados pessoais dos respectivos pescadores como: nome, características físicas (altura, cor dos olhos e cabelo, entre outras), data de nascimento, naturalidade, filiação e fotografia do pescador. Do documento constam os seguintes dados: número, data de emissão, entidade, selos de cotas de anos anteriores, transcrição de “Regulamento Geral das Capitanias” da altura.

121

Da colecção fazem parte 18 livros de pagamento às companhas. Nestes documentos consta o registo de pagamentos efectuados pelas respectivas companhias de armação às companhas e incluem dados como: data de início e fim dos registos (que oscilam entre 1910 e 1963), nome das respectivas armações, nome dos pescadores que integravam as companhas, número de dias de trabalho efectivo e valores pagos.

122

68

Pesca com anzol ou aparelho Os objectos relacionados com a arte de pesca com anzol ou aparelho ilustram épocas distintas de utilização deste método de pesca. Do início do século até aproximadamente aos anos 60 ou 70 do século XX destacam-se, entre outras: uma selha com aparelho, uma jiga utilizada para a colocação do pescado servindo de isco ao aparelho, diversas cabaças 124 utilizadas como bóias, um leme de barca e moitões das barcas à vela. De uma época mais recente: uma bóia 125 com o respectivo calamento, fio de nylon (a pita) e respectivo desenrolador, um farol de embarcação, dois aparelhos de comunicação e uma sonda electroacústica126. A arte do anzol é ainda documentada através de um diorama que representa a configuração do aparelho no mar, de várias miniaturas das diversas embarcações participando nesta pesca ao longo dos tempos, desde as tradicionais barcas à vela e remos do aparelho, a barcos de grande porte modernizados. Da pesca ao aparelho existem ainda diversas fotografias ilustrando momentos e gestos executados no mar.

A arte da traineira A arte da traineira é representada através da respectiva maqueta; de equipamentos de comunicação e de detecção de cardumes (sonda), ambos tecnologicamente ultrapassados; um fragmento de rede de traineira que inclui chumbos e pequenas bóias. É através de algumas fotografias que podemos observar gestos de alguns pescadores durante a faina que decorre de noite e durante o trabalho de desembarque do peixe no porto de abrigo.

123 Os

impressos de balancete referem-se à Sociedade de Pesca Caldeira & Filhos.

124

As cabaças estão pintadas e “marcadas” com cores e símbolos que identificavam a companha a que pertenciam.

125

A bóia a que nos referimos é feita em PVC e possui o formato das cabaças.

126 O

equipamento referido era utilizado no aparelho e eventualmente também na arte da traineira.

69

As restantes artes As restantes artes são representadas na colecção por diversos objectos das quais destacamos: a arte xávega por um exemplar da rede característica dessa arte127 e pelo respectivo diorama; a arte de sacada por moitões, fogacho, rolames de sacada 128 e diorama; a arte das redes de emalhar por uma rede de emalhar, uma diorama com reprodução desta arte e algumas fotografias; a pesca aos polvos por dois potes de barro (localmente designados por pegaços, alcatruzes ou tigelas), diversas pescas, diorama com reprodução de pesca aos polvos com método de captura com alcatruzes 129; a pesca com covos, por três tipos de covos distintos, sendo um de madeira e três de rede, de dimensões e características diferentes, sendo este método de pesca ainda exemplificado através de um diorama; a pesca com objectos de dilacerar, por diversas pescas, uma zagaia, palhaços, linha de nylon (pita) de diversas espessuras e respectivas tábuas utilizadas para enrolar o nylon. Da colecção fazem também parte diversos objectos utilizados nos trabalhos da faina e comuns a vários tipos de arte, tais como: leme de aiola à vela; baldes de madeira; pás de madeira localmente designadas por botedouros; caixa de madeira, balança decimal e balança de pratos (também relacionadas com a lota); moitões; cestos ou jigas; archotes; agulhas de coser redes; nylon ou pita, anzóis, iscos artificiais e chumbos de diversas tipologias 130, utilizados na pesca à linha 131.

A rede xávega é constituída por um conjunto de redes de diferentes malhagens perfiadas entre si, pequenas bóias – as pandas de cortiça e dois “cintos” (duas faixas de tela). Tanto as pandas como os cintos possuem a mesma marca que não conseguimos ainda apurar se apenas identifica o proprietário ou no caso das pandas, serve de sinal indicativo de localização da rede conforme nos foi relatado por um pescador da Xávega (Manuel Coelho, Entrevista 08/12/04).

127

128

Os rolames de sacada são pequenas bóias de cortiça.

129 O alcatruz é o método de pesca que utiliza vários potes ligados entre si, conforme descrito no capítulo Descrição e análise das artes de pesca em Sesimbra (V. Anexo I).

Da colecção fazem parte diversos chumbos de características diversas sendo cada um adequado ao tipo de fundo em que se aplica (exemplo: forma arredondada era utilizado junto das rochas enquanto que os triangulares eram utilizados em fundos de areia a partir da praia). 130

70

2.3.2.b. Objectos reportados à construção naval Os principais objectos da colecção relacionados com a construção naval são fundamentalmente ferramentas utilizadas na construção de embarcações: é o caso do conjunto constituído por uma serra braçal colocada num toro de madeira parcialmente serrado que se encontra colocado sobre um suporte utilizado na serração de toros de madeira; um machado; diversas plainas de diferentes tamanhos; serrotes; bitolas e brocas. Relacionadas com a construção naval existem ainda várias fotografias que documentam algumas etapas da construção de embarcações locais.

2.3.2.c. Objectos relacionados com a pesca desportiva Da presente colecção constam ainda objectos relacionados com a pesca desportiva que passou a ser praticada em Sesimbra a partir dos anos 40–50 do século XX, nomeadamente, um barco de recreio dos anos 50 e respectivos remos, uma cana de pesca e diversos carretos (de canas de pesca).

2.3.2.d. Documentação fotográfica (ilustrando a actividade da pesca) Da “colecção etnográfica ligada ao mar” faz parte, como foi atrás referido, um conjunto de fotografias 132 ilustrativas da actividade da pesca: a pesca propriamente dita; os respectivos apetrechos; as casas dos pescadores e os próprios pescadores; as lojas e os armazéns; antigas fábricas de conserva de peixe e de gelo; instalações de construção naval e respectiva actividade; antigas fábricas onde eram tingidas as cordas e redes utilizadas na pesca.

Referimo-nos à pesca à linha aplicada de diversas formas, tanto ao aparelho como por meio de linha rebocada simples ou com o auxílio de objectos de dilacerar (pescas ou toneiras), e ainda pela pesca desportiva. 132 Da colecção fazem parte 214 fotografias inventariadas e ilustrativas do mar, de actividades relacionadas com o mar, a pesca, a comunidade de pescadores e o espaço físico da Vila de Sesimbra. As 214 fotografias inventariadas encontravam-se à data do inventário (2003), 85 expostas na sala do designado Museu do Mar e as restantes 129 no arquivo da Divisão de Turismo e Cultura. 131

71

2.3.2.e. Documentação empresarial / industrial (conservas de pescado) Testemunho das fábricas de conservas de pescado que existiram em Sesimbra é a documentação da Fábrica Nero & Companhia (de 1914 a 1940), que se encontra guardada no Arquivo e que inclui correspondência com entidades relacionadas com a actividade, escrituras, memória descritiva e desenho da instalação eléctrica de 1930, diversos livros de contas e inventário, todos relacionados com a actividade da empresa de 1914 a 1927.

2.3.2.f. Peças de vestuário (de pescadores) À colecção pertencem algumas peças de vestuário de pescadores (camisa axadrezada, camisola, calças e um par de botas de borracha) que ilustram o vestuário usado aproximadamente a partir dos anos 50-60 do século XX. 133

2.3.2.g. Objectos produzidos pelo Museu Para além de testemunhos que foram efectivamente utilizados nas diversas artes, a presente colecção compreende, de acordo com o anunciado anteriormente, uma série de objectos produzidos no contexto do próprio Museu visando objectivos museológicos e museográficos (no quadro do exercício das diferentes funções), ligados uns à pesca, outros à construção naval local e incorporados na colecção aquando da criação da actual exposição. Os objectos a que nos referimos formam cinco conjuntos -- miniaturas de barcos, dioramas, desenhos, miniaturas de ferramentas, peças de representação de cenas do quotidiano -- que passamos a enunciar e a analisar: O trabalho de levantamento permitiu-nos concluir que o vestuário anteriormente usado pelos pescadores de Sesimbra, possuía características adaptadas à estação em que eram usadas e ao tipo de manobra que os pescadores efectuavam a bordo das embarcações da altura, exemplo desse tipo de adaptação eram os casacos curtos que permitiam a mobilidade do pescador que remava sentado na embarcação, de chapéus com abas para que a água caísse sobre o casaco de oleado e não entrasse no pescoço e uso de calças também de oleado. O conjunto de oleado constituído pelo casaco, calças e chapéu, eram inicialmente preparados pelos próprios pescadores, posteriormente foram sendo substituídos por casacos de oleado compridos e botas de borracha. Deste tipo de vestuário que nos foi relatado e do tradicional barrete usado pelos pescadores sesimbrenses, que podemos observar em algumas das fotografias da colecção, não existe qualquer exemplar no museu.

133

72

• Um primeiro grupo é constituído pelo conjunto de miniaturas de embarcações que ilustram a diversidade de tipos de embarcações utilizadas ao longo dos tempos nas várias artes de pesca e cujas características se adequavam às funções ou necessidades específicas de cada pesca. As diferentes tipologias acolhem e exprimem a mudança (evolução) das técnicas, tecnologias e equipamentos aplicados em diferentes momentos nos diferentes tipos de embarcações, que se foram complexificando, tanto em termos de dimensões como do equipamento incluído nas próprias embarcações. Tendo presente as recolhas que efectuámos, julgamos tratar-se de miniaturas 134, ou seja, de representações criadas ao gosto e sobretudo segundo o conhecimento resultante das próprias vivências, experiências e memórias dos seus autores e não de reproduções de embarcações executadas à escala tomando por referência planos existentes. Algumas das reproduções são representações de embarcações que existem ou existiram em Sesimbra, efectuadas pelo artesão mediante a observação “in loco” da embarcação “verdadeira” (ancorada no porto de abrigo) e a subsequente transposição para o papel e, daí, para a peça a três dimensões 135, com base na experiência e vivência do seu executante enquanto pescador. Cada representação reproduz por isso as características da embarcação “verdadeira, incluindo as respectivas cores, símbolos e apetrechos (que possuem as mesmas cores das embarcações a que pertenciam). As reproduções de embarcações representam sobretudo as barcas utilizadas nas armações à valenciana, sendo na sua maioria identificadas através da designação de diversas armações que existiram em Sesimbra; as barcas utilizadas na pesca ao anzol ou aparelho; pequenas embarcações auxiliares (aiola e bote) e barcos de grande porte utilizados na pesca ao anzol Este aspecto carece de confirmação, que não tivemos oportunidade de concretizar. As recolhas que efectuámos permitiram contudo confirmar que, na maioria dos casos, as reproduções foram executadas com base na observação do real, experiências, vivências e memórias, o que nos levou a optar pela designação de reproduções ou miniaturas.

134

135 Algumas

das reproduções foram também executadas a partir de fotografias tiradas às embarcações existentes na doca de Sesimbra.

73

durante as últimas décadas. Como já foi referido, as características (tanto a nível da constituição da embarcação, força motriz, equipamentos e objectos) das diversas reproduções reflectem a época em que foram utilizadas e o tipo de pesca a que se dedicavam 136. • O segundo grupo de objectos produzidos no contexto do museu é constituído pelo conjunto de dioramas 137 alusivos às principais artes de pesca de Sesimbra (existentes até cerca dos anos 60 a 80 do século XX), as quais, expostas em vitrinas, encenam as respectivas artes de pesca no mar, representação em que figuram todos os apetrechos necessários à arte em questão (tais como redes, cabos, bóias, ancoras), miniaturas do tipo das embarcações utilizadas em cada arte, o número de pescadores envolvidos (só em alguns casos) e algumas espécies capturadas. Os dioramas pretendem representar a realidade a partir das vivências do seu autor que considera ter executado a obra exactamente à imagem da acção desenvolvida no seu trabalho, quando refere: “Porque eu vivi a vida, vivi aquela vida toda! A minha vida foi a praia e o mar! De pequenino de 3 anos, acompanhar aquilo tudo, a ver com os meus olhos e depois a lutar muitas vezes com a morte, com a vida, lutava pela vida!” 138 Os dioramas representam, na generalidade (como já referimos), as artes da armação à valenciana, xávega, sacada, pesca de marisco com covos, pesca de polvos com alcatruzes, pesca com redes de emalhar, pesca ao anzol / aparelho ou espinhel e a pesca com traineira. • O terceiro grupo de objectos produzidos pelo mesmo autor é o conjunto de desenhos explicativos das artes de pesca, que integram a colecção e que constituem a “passagem para o 136 A título de exemplo e de acordo com informações do autor das miniaturas, podem distinguir-se as embarcações que possuíam motor dada a existência da “casa do motor”. A partir dos anos 50 (século XX) foram adaptados motores às embarcações existentes, que até essa altura eram todas à vela e remos. Outra das alterações sofridas pelas embarcações e possíveis de observar nas reproduções, é a configuração do bailéu (ou porão) que aparece fechado (e torna a embarcação mais pesada) em algumas delas, correspondendo a embarcações utilizadas depois da construção e utilização do Porto de Abrigo. Até essa altura o bailéu permanecia aberto para tornar menos pesada a embarcação e facilitar a acostagem. Outro exemplo são as reproduções dos modernos barcos do aparelho que para além do próprio tamanho muito superior relativamente às barcas tradicionais, possuem no convés os apetrechos necessários a esse tipo de pesca, como é o caso de selhas, balizas (bóias) colocadas uma em cada escote do aparelho, pau com bandeira para localização do aparelho no mar, caixa com aparelho, fateixa, balde, pexeiro, entre outros). 137 138

Os dioramas foram executados por um antigo pescador e artesão, Ângelo Sobral Farinha. Ângelo Sobral Farinha, entrevista 20/05/04.

74

papel” de “esquemas” das artes de pesca, transposição feita a partir da memória e da experiência do autor. • O quarto grupo é constituído pelo conjunto de miniaturas ligadas à temática da construção naval, estando a maioria das miniaturas identificada sob a respectiva designação; estas miniaturas são a representação em madeira de diversas ferramentas utilizadas na construção naval, de partes constituintes de embarcações e de algumas etapas do trabalho de construção naval. O conjunto é identificado por intermédio de uma placa de madeira onde consta o nome do autor e a data139 de doação das reproduções à Câmara de Sesimbra. • O quinto e último grupo de objectos é o conjunto de peças de artesanato, constituído por várias figuras que representam cenas do quotidiano, tendo sido executadas a partir de conchas de diversas espécies marinhas.

O valor patrimonial dos conjuntos que acabámos de mencionar reside na sua representação, enquanto testemunhos de memórias e de saberes–fazer, no plano tanto das diversas artes de pesca e dos respectivos processos técnicos como no da própria construção naval e da navegação. No primeiro caso, evidenciando -- pela observação das reproduções das embarcações e das características que apresentam e pela inclusão no interior de cada reprodução de apetrechos ou objectos necessários às artes em questão e ao tipo de pesca ou espécie de pescado visado -- a adaptação das embarcações ao tipo de pesca praticada. Testemunhos de memórias são ainda apresentados através da maquetização ou da representação física de cada arte no mar (configuração que apresentavam “no momento da pesca”). No segundo caso, incluindo – num conjunto de miniaturas relativas à construção naval – a reprodução em madeira de ferramentas utilizadas na construção naval, de algumas partes A data de doação do conjunto coincide com a criação da presente exposição e incorporação da colecção no Museu Municipal de Sesimbra.

139

75

constituintes das embarcações e a encenação ou figuração de algumas operações técnicas da construção naval com utilização de ferramentas e de equipamento que também fazem parte da colecção140.

Antes de concluirmos esta concisa descrição da colecção que poderá vir a constituir um elemento-chave da futura unidade Marítima do Museu Municipal de Sesimbra, não queremos deixar de assinalar a insuficiência das actuais condições de conservação e segurança em que se encontra a “colecção ligada ao mar”, que aparece, pelas suas características e pela sua génese, como dificilmente reprodutível e, logo, merecedora de medidas urgentes de preservação, em sintonia com uma inquestionada qualidade patrimonial construída em grande medida com a intervenção individual e colectiva da comunidade que a constituiu e a promoveu. As lacunas de conservação e de segurança aqui sublinhadas prendem-se, por um lado, com os espaços em que se encontram expostos e guardados os objectos da colecção (não satisfazendo aos parâmetros técnicos de conservação e de segurança previstos nos documentos legislativos que regulam o universo museológico 141); prendem-se, por outro lado, com a ausência de um sistema coerente de registo e de gestão da colecção susceptível de a precaver paralelamente contra estragos e perdas. A título de exemplo, podem ser evocadas a natureza precária e inadequada das instalações que acolhem a exposição do “Museu do Mar” ou o excesso de luz entrando com intensidade significativa na sala de exposição através de um número importante de janelas, desprovidas de qualquer protecção contra a imoderada penetração de luz natural. Diversas peças expostas -- entre as quais alguns objectos de madeira já consumidos parcialmente por parasitas (caso do catre, da maior parte da documentação, em particular É o caso da operação de serração de um toro de madeira encenada pelas miniaturas (dois homens serram com o auxílio de uma serra braçal, um toro de madeira colocado sobre um suporte usado para esse fim – a burra e o pontal). Da colecção fazem parte tanto uma serra braçal como o toro, a burra e pontal que, na actual exposição, estão colocados ao lado das miniaturas.

140

Os dois espaços onde se encontram guardados diversos objectos da colecção, anteriormente referidos, são utilizados por diversos serviços da Câmara. 141

76

cédulas de inscrição marítima e livros de companhas, a par de alguns objectos de metal) -apresentam um avançado estado de degradação, que poderá tornar-se irreversível, caso esses objectos não sejam urgente e devidamente tratados. Cuidados equivalentes deveriam ser prestamente aplicados à documentação 142 relativa aos objectos guardados no Arquivo do Sector da Cultura da Câmara. Não dispondo de dados actualizados sobre o estado de conservação dos restantes objectos, nomeadamente dos que, depois de transferidos, se encontram “em armazém”, parece-nos indispensável que uma rigorosa avaliação de todos os objectos da colecção preceda as operações de tratamento ou de restauro induzidas ou confirmadas potencialmente por essa avaliação. Duas medidas imediatas poderiam introduzir transitoriamente alguma protecção relativamente ao desaparecimento/à degradação de peças desta insubstituível colecção: -- o controlo restrito e rigoroso do acesso aos espaços que acolhem os objectos (por exemplo, pela autorização de circulação reservada exclusivamente aos funcionários); -- a implementação de um sistema de documentação contemplando o empréstimo de objectos143 (dentro e fora da instituição) e a sua posterior devolução ao núcleo museológico de origem. 2.3.3. Dos públicos actuais aos públicos potenciais: com vista ao aprofundamento do relacionamento “museu-território(s)-comunidade(s)”

A documentação a que nos referimos reporta-se a uma das fábricas de conservas de peixe que existiram em Sesimbra, e compreende um conjunto de livros de contas relacionados com a actividade da indústria e documentos administrativos de natureza diversa. Esta documentação está em mau estado de conservação devido à existência de parasitas que já consumiram parte dos documentos.

142

Esse sistema consistiria, numa primeira fase, na concepção de um formulário adaptado às operações de empréstimo, onde ficaria registada a identificação completa do objecto, do serviço responsável pelo acervo e do requisitante. Este último deveria solicitar o empréstimo pretendido, através do preenchimento do impresso, com referência ao motivo do mesmo, duração, local e condições de exposição do objecto e outras eventuais informações. Depois de formalizado, o pedido seria submetido à consideração do responsável que autorizaria ou não o solicitado. Em caso de concretização do empréstimo, deveriam os serviços responsáveis assegurar-se da sua devolução em data pré-estabelecida. Numa segunda fase, que coincidiria com a informatização do inventário e a consequente possibilidade de gestão informática das colecções, os eventuais empréstimos seriam registados e geridos informaticamente, não dispensando contudo a formalização dos pedidos em impresso.

143

77

O público que, no presente, visita usualmente a exposição do “Museu do Mar” é encaminhado para o Museu sobretudo pelas escolas do Concelho, no âmbito dos projectos de animação cultural desenvolvidos pela equipa técnica do Museu. Para além deste público específico, apenas alguns estudiosos e turistas procuram especificamente a presente exposição. É de salientar que o horário de visita não contribui para um aumento sensível da afluência, uma vez que encerra aos fins-de-semana e, durante a semana, cumpre o horário dos serviços públicos, ou seja, está encerrado durante os períodos em que a exposição poderia ser mais visitada. Caso a futura unidade marítima venha, a breve trecho, a tomar corpo e consistência, no âmbito do Museu Municipal de Sesimbra, será provavelmente no campo da relação com os seus mais frequentes interlocutores que a progressão quantitativa e qualitativa da sua intervenção pública se tornará mais rapidamente perceptível. A proposta programática da futura unidade marítima será forçosamente elaborada tendo em vista o aprofundamento do relacionamento entre o Núcleo Marítimo, os territórios marítimos e terrestres que estão implicados na exploração do seu campo temático, os diferentes interlocutores (e em particular as comunidades locais) interessados na promoção de uma real partilha de informação e de questionamento em domínios patrimoniais de excelência, marítimos e ambientais, que se encontrarão naturalmente no cerne das preocupações e dos objectivos da futura unidade marítima. A instalação da colecção num local acessível física e temporalmente, no quadro de uma programação museológica adequada e de uma estratégia de comunicação compatível com os seus públicos potenciais, deverá poder servir, de modo mais amplo e judicioso, três classes de interlocutores: -- a comunidade local, na sua diversidade (com um enfoque particular para todos os sectores populacionais relacionados com o mar, mas sem ignorar os sectores não-marítimos dessa comunidade), tanto mais que esses sectores, na sua globalidade, têm vindo a intervir

78

decisivamente, pelos seus dons e pelos seus conhecimentos, na constituição da colecção e na criação do Museu; -- os alunos das escolas de diferentes graus, do pré-básico ao universitário, não esquecendo os formandos adultos, aptos, como os mais novos, a estabelecer com o Museu uma relação interactiva regular, em termos de saberes e de fazeres ou em termos da adequação dos comportamentos, juvenis ou adultos, às grandes questões de evolução do planeta; -- os visitantes externos, quer se trate de turistas, quer se trate de estudiosos interessados pelas diversas componentes patrimoniais do Concelho, do distrito ou do universo.

2.3.4. Inserção institucional do Núcleo Marítimo no Museu Municipal de Sesimbra: situação actual

A “colecção etnográfica ligada ao mar” faz parte do acervo do Museu Municipal de Sesimbra tutelado pela Câmara Municipal e integrado organicamente no Sector de Museus da Divisão de Turismo e Cultura enquadrada no Departamento de Educação, Cultura e Lazer 144.

144 A Divisão de Turismo e Cultura compreende os seguintes serviços: Gabinete de Animação Cultural, Sector de Turismo, Sector de Cultura e Sector de Museus (ver Anexos II e III). À Divisão de Turismo e Cultura estão conferidas atribuições nas áreas do turismo, do património museológico, cultural e natural, das quais salientamos as seguintes (atribuições): (...) 2. Promover o desenvolvimento do concelho, quer através da criação e gestão de equipamentos adequados e da recuperação e valorização do património cultural e natural existentes, quer por via da dinamização de actividades especificamente vocacionadas para tal. 3. Implementar e gerir o Plano Museológico Concelhio. (...) 6. Apoiar a recuperação e valorização das actividades artesanais e das manifestações etnográficas de interesse local. (...) Promover a valorização e qualificação do património natural do concelho, participando na criação e coordenação das adequadas infra-estruturas, indispensáveis ao desenvolvimento turístico. (...) 10. Promover a defesa da recuperação, valorização e dinamização do Património Histórico e Natural do Concelho. 11. Organizar e gerir os espólios museológicos existentes, bem como os edifícios e os sítios classificados. 12. Promover e apoiar a realização de acções de manifesto interesse cultural para o concelho, criando as necessárias condições para o acesso generalizado da população a este tipo de manifestações culturais. 13. Promover a edição de publicações de interesse para o concelho. 14. Promover a investigação científica em matérias diversificadas no âmbito do concelho. 15. Assegurar, com outras entidades ou isoladamente, nos termos da lei, o levantamento, classificação, administração, manutenção, recuperação e divulgação do património natural, cultural, paisagístico e

79

O Núcleo Marítimo partilha os seus objectivos específicos com os objectivos gerais assumidos e afirmados pela autarquia em nome do Museu Municipal cuja missão é assim enunciada: “Enquanto reflexo de uma identidade regional, o Museu Municipal de Sesimbra, na sua vertente polinucleada, pretende assumir-se como uma entidade activa no processo de caracterização espacial e cultural, que remete o público para a diversidade concelhia, apelando à gestão, interpretação e valorização do potencial patrimonial nos respectivos locais e meios envolventes. (...) Como principais objectivos, pretende-se que o Museu Municipal de Sesimbra funcione com base numa estreita ligação e articulação entre os seus vários núcleos, fomentando tematicamente em cada um deles a vertente de acolhimento e orientação do visitante, a par de projectos de âmbito pedagógico com estabelecimentos de ensino e associações de índole social e comunitária, projectos de investigação cientifica, actividades e trabalhos de preservação e restauro de bens culturais, quer os móveis com base no serviço de técnicos habilitados, como imóveis em conjugação com outros serviços camarários e estatais, apostando na valorização do centro histórico e na reabilitação arquitectónica. Com estes pressupostos pretende-se uma articulação no estudo e fruição do património concelhio, seja ele artístico, edificado ou natural, com um envolvimento de instituições e associações locais numa parceria de valorização mediante a elaboração de protocolos de parceria” 145.

urbanístico do município, incluindo a construção de monumentos de interesse municipal. 16. Planear investimentos nas áreas dos equipamentos culturais e promover a posterior gestão dos mesmos. (...) 18. Assegurar a gestão dos equipamentos municipais, de natureza turística, cultural e lúdica. (Aviso 2519/2002, Diário da República nº 69 de 22 de Março de 2002 (Ver Anexo IV)). Das atribuições conferidas à Divisão responsável pelo Sector de Museus, destacam-se apenas duas referências especificamente relacionadas com este sector e com a implementação e a gestão do Plano Museológico existente, bem como a organização e a gestão dos espólios museológicos. Contudo, são referidas a investigação científica, o levantamento, a classificação, a administração, a manutenção, a recuperação e a divulgação do património natural, cultural, paisagístico e urbanístico. Não existe de facto uma clara definição de competências museológicas ao Sector de Museus, para além de em termos funcionais e práticos, conforme nos foi comunicado pela responsável da Divisão, se constatar uma ausência de “autonomia” entre os diversos sectores, e em particular entre os sectores da Cultura e o de Museus, que constituem, na prática, um único sector apesar de serem organicamente distintos. A missão e os objectivos do Museu Municipal de Sesimbra constam do Formulário de Adesão à Rede Portuguesa de Museus, Câmara Municipal de Sesimbra, Janeiro, 2002, pp. 2-3.

145

80

O Museu Municipal de Sesimbra assume-se assim como um museu de estrutura polinucleada, dotado de uma organização territorial descentralizada, reunindo diversos núcleos de temáticas distintas, na ausência de um núcleo-sede, preconizado no entanto pelo documento programático do Museu 146. Para além da “colecção ligada ao mar”, que integrará o futuro Núcleo Marítimo, o Museu Municipal de Sesimbra é actualmente constituído pelos seguintes núcleos: • Núcleo Arqueológico (designado Museu de Arqueologia): o presente núcleo limita-se a uma exposição permanente 147, de materiais arqueológicos provenientes do Concelho 148, cujo

No documento programático do Museu Municipal de Sesimbra ( “Proposta de Desenvolvimento”), (Anexo V) é referida a intenção de criação de um núcleo-sede do Museu enquanto “(...) elemento de ligação entre os vários núcleos. (...) Deve ser a sede do Museu Municipal de Sesimbra e tudo o que implica, como a Direcção do Museu, as Reservas (...). Deve ter uma exposição permanente sobre a história de Sesimbra, onde se inclui a exposição de arqueologia e uma exposição documental. Estas exposições serão a apresentação do Concelho e a referência para a visita a outras partes do Concelho”. Na Proposta de Desenvolvimento é indicado, como projecto museológico de Sesimbra, a constituição de um museu (incluindo o património edificado) com os seguintes núcleos: Casa do Bispo (edifício do século XVI): Núcleo-sede do Museu. Museu do Castelo: “Transformar o Castelo e área envolvente num museu”. Capela do Espírito Santo dos Mareantes: utilização do edifício para exposições e interpretação do antigo hospital/albergue. Fortaleza de Santiago: futuro núcleo marítimo (Ver anexo VI). Pedreira do Avelino: criação de espaços expositivos sobre as seguintes temáticas: musealização das Pegadas de Dinossauros e Geologia; núcleo sobre a memória da actividade dos canteiros da antiga pedreira; núcleo sobre a memória rural,com aproveitamento de uma casa rural. Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel: centro de interpretação do Cabo Espichel. Centro de Interpretação do Zambujal: centro de interpretação e divulgação de grutas, património geológico e arqueológico. A temática geral do Museu Municipal de Sesimbra, apresentada na Proposta de Desenvolvimento, é a seguinte: “(...) o da descoberta da História e dos quotidianos de Sesimbra”, constituindo as sub-temáticas de cada um: “A Sesimbra Medieval no Castelo, a Sesimbra Quinhentista na Capela do Espírito Santo, a Sesimbra Pré-Histórica, Proto-Histórica e Romana na Casa do Bispo, a Sesimbra no Mar na Fortaleza de Santiago, a Sesimbra Rural e dos Canteiros na Pedreira do Avelino, onde também será investigada a Geologia do concelho (através das pegadas dos dinossauros) é contada (...)”. (v. Anexo V). 146

Conforme referimos anteriormente, esta exposição está patente num dos pavilhões de uma antiga escola, cujas instalações são propriedade da Câmara Municipal de Sesimbra. Nesse local encontra-se também exposta “a colecção do mar”. Para além dos objectos expostos, outros estão acondicionados e guardados no Arquivo da Divisão de Turismo e Cultura, localizado num edifício geograficamente separado dos serviços da Câmara.

147

148 A colecção, a que nos reportamos, foi constituída a partir de um espólio arqueológico (do Paleolítico à Época Moderna), que esteve na origem da criação do Museu Municipal de Sesimbra, a que nos referimos no capítulo 2.2. da presente abordagem. O espólio arqueológico não se encontra devidamente inventariado, possuindo os serviços da Câmara alguns registos quanto à denominação, proveniência e dados de incorporação. No entanto, não existe uniformidade na forma e no conteúdo dos dados registados (alguns dos objectos possuem fichas de inventário realizadas no período da direcção do Museu a cargo de Eduardo da Cunha Serrão; o material arqueológico encontrado posteriormente tem sido registado em suporte informático, no entanto não pode ser considerado inventário uma vez que não obedece às normas inerentes ao mesmo).

81

“percurso expositivo” está organizado cronologicamente e balizado entre as épocas do Paleolítico e a Época Moderna. • Núcleo do Castelo: este núcleo tem por principal temática a História Medieval; integram este núcleo diversos espaços localizados no interior das muralhas do Castelo, com funcionalidades distintas, nomeadamente: uma sala de exposições temporárias, um espaço de investigação e de arquivo dos serviços técnicos da Câmara, um centro de documentação 149, vocacionado para a temática da Idade Média e dos Castelos, que inclui uma pequena biblioteca, um fundo documental, e áreas destinadas a equipamentos audiovisuais e multimédia. • Núcleo da Capela do Espírito Santo150: inaugurado em Dezembro de 2004, após a intervenção de reabilitação e adaptação da capela a espaço museológico 151, o presente núcleo estrutura-se em torno de duas exposições permanentes de temáticas distintas, repartidas pelos dois pisos do edifício. A primeira é apresentada no antigo espaço de culto (piso térreo) e é consagrada à arte sacra152 dos séculos XV a XVII; a segunda exposição é dedicada à interpretação do antigo Hospital da Confraria do Espírito Santo (piso –1) e inclui a apresentação de uma colecção de

O serviço, a que nos referimos, foi denominado pela Câmara de Sesimbra Centro de Documentação Rafael Monteiro.

149

A Capela e o Hospital do Espírito Santo dos Mareantes foram fundados pela Confraria do Espírito Santo dos Pescadores e Mareantes de Sesimbra no final do século XV, instituição tutelar do imóvel, que se manteve até à actualidade, designada desde 1858 por Associação de Socorros Mútuos Marítimos e Terrestres de Sesimbra. Em 1947 foi celebrada uma escritura de arrendamento da Capela (na altura em ruínas) entre a Câmara Municipal de Sesimbra e a Associação de Socorros Mútuos Marítimos e Terrestres de Sesimbra, com o objectivo de ali instalar uma biblioteca. A autarquia comprometia-se a pagar uma renda mensal e obrigava-se a custear as obras de arranjo e adaptação do imóvel. A biblioteca viria a funcionar nesse espaço de 1962 a 1973, altura em que, na sequência de obras de beneficiação, foram descobertos vestígios do antigo hospital. O contrato de arrendamento entre ambas as instituições manteve-se vigente até à actualidade. A Capela do Espírito Santo dos Mareantes está classificada como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto 129/77, DR 226 de 29 de Setembro. 150

151 A

presente intervenção realizou-se entre 1998 e 2004, mediante parceria entre a Câmara Municipal de Sesimbra e a Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais / Direcção Regional dos Monumentos de Lisboa.

A colecção de arte sacra é constituída maioritariamente por peças provenientes da própria Capela e da Igreja da Misericórdia; sendo a totalidade dos objectos da propriedade das seguintes instituições: Museu Municipal de Sesimbra, Associação de Socorros Mútuos Marítima e Terrestres de Sesimbra; Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra, Paróquias de Santiago e do Castelo. As referidas instituições assinaram com a Câmara Municipal de Sesimbra um protocolo de cedência (a título precário) das obras expostas. 152

82

objectos de uso quotidiano e de culto recolhidos no local durante as escavações arqueológicas aí realizadas 153. A gestão do Museu Municipal de Sesimbra é, em função da tutela municipal, exercida, por um lado, por intermédio de um Vereador do Pelouro da Cultura a que reporta o Director de Departamento no qual se insere a Divisão responsável pelo Sector de Museu. Por outro lado, a gestão do Museu, em termos científicos e técnicos, está a cargo da chefia da unidade orgânica, com responsabilidades nas áreas do Turismo e da Cultura e é repartida com a equipa técnica. É de referir que o cargo de chefia da Divisão de Turismo e Cultura é actualmente preenchido por um técnico superior com formação na área do Turismo. Apesar de ao Sector de Museus não estarem especificamente atribuídos recursos humanos, a unidade orgânica em que se integra o sector museológico está dotada de um conjunto de funcionários que constituem a equipa técnica, repartindo-se esta entre os sectores da Cultura, de Museus e de Turismo. A indicação que deixamos a seguir sobre a composição da equipa dinamizadora do Museu Municipal, refere as categorias profissionais, os sectores em que se integram e os núcleos em que participa cada colaborador: -- Dois técnicos superiores de cultura, ambos com formação em História, desempenham funções inerentes aos sectores da Cultura e Museus, incluindo todo o trabalho administrativo. Um dos técnicos superiores tem a seu cargo os núcleos de Arqueologia, do Castelo e do Mar; o outro técnico tem a seu cargo o núcleo da Capela. -- Um técnico profissional especialista de Museografia, com funções nos núcleos do Mar e de Arqueologia. A presente colecção situa-se cronologicamente entre os séculos XVI e XVIII e é constituída por fragmentos de louça de mesa e de cozinha, vasilhas de armazenamento e de transporte, faiança, objectos de devoção e objectos de uso quotidiano como cachimbos, moedas, medalhas, alfinetes e dedais. Esta colecção resulta da selecção do espólio exumado nas intervenções arqueológicas realizadas no local em 1973, de 1979 a 1981 e em 2002 por técnicos da Câmara e em colaboração com a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. 153

83

-- Um auxiliar técnico de Museografia que, apesar de estar oficialmente integrado nos sectores de Cultura e Museus, desempenha funções em diversos departamentos da Câmara. -- Dois auxiliares técnicos de Museografia, estando um deles integrado nos quadros da Câmara e outro a contrato, ambos com desempenho de funções exclusivamente no âmbito do Núcleo da Capela do Espírito Santo. -- Um auxiliar de serviços gerais, com funções de atendimento e limpeza no Núcleo da Capela do Espírito Santo. -- Dois técnicos profissionais de 2ª classe, integrados no Gabinete de Animação Cultural, desempenham funções no âmbito dos sectores de Turismo, Cultura e Museus. -- Um administrativo principal, também integrado no Gabinete de Animação Cultural, cujas funções se repartem igualmente pelos três sectores. -- Dois funcionários do sector de Turismo prestam serviço de atendimento ao público que visita o Castelo e o Centro de Documentação Rafael Monteiro. --- Seis guardas campestres responsáveis pela segurança do Núcleo do Castelo. À data de recolha de fontes e compilação de dados, incidindo no ano de 2005, nós próprios colaborávamos com o Museu Municipal de Sesimbra, em regime de avença, desenvolvendo o inventário e o estudo da colecção do Núcleo Marítimo bem como um conjunto de pesquisas reportadas ao mesmo, tendo cessado essa colaboração no ano 2006. Depois deste período foram contratados e inseridos nos sectores da Cultura e Museus dois técnicos superiores.

84

A equipa dinamizadora do Museu reparte-se assim, como já tínhamos afirmado, pelos diferentes núcleos desempenhando pontualmente algumas das funções inerentes às diversas áreas funcionais de incorporação, documentação, exposição, interpretação e investigação, sendo a conservação e restauro confiados a entidades externas à Câmara. O Museu Municipal de Sesimbra tem privilegiado, ao longo dos últimos anos, a animação cultural, em que a maioria dos projectos se destina às escolas do Concelho. Ainda que cada núcleo desenvolva projectos específicos, a concepção final desses projectos – na qual participam igualmente os funcionários do Gabinete de Animação Cultural -- é da responsabilidade dos dois técnicos superiores atrás mencionados (pertencentes ao Quadro de Pessoal da Câmara). Para além da actual equipa técnica do Museu Municipal de Sesimbra, cuja composição acabámos de referir nos seus traços gerais, o Museu tem à sua disposição parcial um conjunto de recursos humanos, organicamente integrados em diversos serviços, divisões e departamentos, aos quais poderá recorrer na gestão corrente de actividades, mediante a requisição interna dos mesmos, sendo os custos correspondentes (orçamentados nas Grandes Opções do Plano que analisaremos a seguir) imputados à Divisão de Cultura e Turismo. Referimo-nos concretamente a necessidades correntes ou a casos pontuais (como a montagem de exposições), requerendo, entre outros serviços, trabalhos de carpintaria, electricidade, transporte, jardinagem, arquitectura, cafetaria (catering).

Tomando como referência a data de elaboração da presente dissertação (ano de 2005), os recursos financeiros colocados à disposição do Museu Municipal de Sesimbra foram os que constaram do documento orçamental designado GOPS – Grandes Opções do Plano do ano

85

2005 154, atribuídos uns à Divisão de Cultura e Turismo e outros ao Departamento de Educação, Cultura e Lazer, sem especificação dos sectores destinatários sendo os montantes afectados directamente a projectos. De acordo com o que nos foi comunicado pela Chefe de Divisão, existe alguma flexibilidade na utilização de verbas de determinadas rubricas, dado que podem ser redireccionadas pelos respectivos responsáveis para os projectos considerados prioritários, facto que inviabiliza a concretização do projecto a que for retirado o inerente valor. Os projectos orçamentados incluem acções programa relativamente ao conjunto dos diversos núcleos museológicos, a imóveis de valor patrimonial, (alguns deles conjuntamente com as colecções que albergam constituindo, no quadro da tipologia adoptada, núcleos museológicos, outros fazem parte do conjunto de imóveis em que a Câmara pretende vir a instalar futuros núcleos), ao património natural e cultural. Os projectos-acções constantes no referido documento eram os seguintes: -- Manutenção Funcionamento Núcleos Museológicos; Exposições Temporárias; Restauro de peças dos Núcleos; Forum Intermuseus do Distrito; Encontros, folhetos, e outros; Dinamização Investigação Arqueológica. --Recuperação Valorização Património Cultural Histórico: Fortaleza de Santiago Espaço Oceano 155, Capela do Espírito Santo, Castelo de Sesimbra, Igreja Nª Senhora do Castelo156, Santuário do Cabo Espichel, Capela de São Sebastião, Casa do Bispo, Inventário Património Cultural. --Recuperação Valorização Património Cultural – Natural: protocolo N.E.C.A., Percursos Pedestres ADREPES, Musealização da Gesseira de Santana. 154

Grandes Opções do Plano do ano 2005 da Câmara Municipal de Sesimbra.

Destinados ao projecto da Fortaleza de Santiado, figuravam nas GOPs de 2005 a previsão dos seguintes montabtes : 1.000 Euros em 2005, 100.000 Euros para o ano 2006, 500.000 Euros em 2007 e 200.000 Euros para o ano 2008. Os valores previstos correspondiam à intenção de intervenção na Fortaleza com vista à sua transformação em espaço cultural, onde seria incluído o Núcleo Marítimo, sem que contudo fossem especificadas as diversas sub-rubricas correspondentes às necessidades em recursos.

155

A presente Igreja está situada no interior das muralhas do Castelo de Sesimbra e está desafectada relativamente ao culto, sendo utilizada como espaço de realização de eventos culturais.

156

86

--Valorização Património Cultural – Industrial: Moagem de Sampaio --Acções Divulgação Património Histórico Cultural: Apoio a edições de interesse p/Concelho.

87

3. CONTRIBUTOS PARA A PROGRAMAÇÃO DE UMA UNIDADE MUSEOLÓGICA DE TEMÁTICA MARÍTIMA DE SESIMBRA

3.1. Os conceitos que estruturaram a presente proposta programática: o conceito de programação museológica, os conceitos utilizados na caracterização de museus [campo temático, espectro (ou estrutura) funcional e disciplinar, modelo de gestão]

Atendendo a que o capítulo precedente abrange os factores condicionantes da presente proposta programática ou, por outras palavras, os dados, que na metodologia adoptada, resultam do denominado “estudo prévio” 157 e que permitem caracterizar a “situação à partida”, o presente sub-capítulo será consagrado, no caso em análise, à apresentação sucinta dos principais conceitos que subtendem as linhas programáticas que adiante propomos:

• O conceito de programação museológica O conceito de programação museológica, adoptado na nossa pesquisa, integra a base conceptual mencionada no capítulo 1 e estruturada, num primeiro tempo, a partir das duas obras de fundo então assinaladas, a que pertence o corpo conceptual elaborado pelos dois investigadores, Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagolo e a dissertação de Graça Filipe que não só concretiza e interpela o mencionado corpo conceptual mas faz emergir a reflexão sobre as unidades de temática marítima. Dos dois primeiros investigadores – que nos reenviam, no domínio da programação, para a obra de Georges Henri Rivière, destacando, entre outros autores, o seu magistério inovador -- destacamos aqui o seguinte “Esta metodologia compreende, no início, a identificação dos “factores condicionantes do museu ou da unidade museológica a programar ou a re-programar”, quer através de um “projecto cultural” implicando geralmente a participação de uma equipa pluri-disciplinar, quer através de um mais módico, mas não menos rigoroso “estudo prévio”, os quais precederão obrigatoriamente, podendo “acompanhar ou não segundo as circunstâncias, o desenrolar do processo de programção [v. in Bibliografia da disciplina Programação e Gestão do Património Cultural (UNL): La muséologie des sciences et ses publics (sous la direction de J. EIDELMAN et M. VAN PRAËT), Paris, PUF, 2000 (essencialmente textos sobre a programação da Grande Galeria da EvoluçãoMNHN)].

157

88

trecho que nos parece sintetizar diferentes aspectos dos seus escritos neste complexo campo de teorização e de acção: “ (…) Enquanto processo de integração progressiva e hierarquizada, no espaço e no tempo do museu, dos seus objectivos – na sequência da elaboração de um "projecto cultural" ou de um “estudo prévio” que o precede/prefigura e de acordo com a concepção dual "programa"/"projecto" insistentemente sublinhada por G. H. Rivière – a planificação museológica compreende, para além do já referido estudo preliminar: – num primeiro momento, “o programa", isto é, a inscrição, num espaço técnico-topológico, dos dados funcionais que permitem, com o concurso de ramos de saber adequados ao tratamento do campo temático do Museu (induzido total ou parcialmente pelas suas reais ou potenciais colecções), a concretização dos objectivos fixados em conformidade com as envolventes naturais e humanas do Museu, as expectativas dos seus destinatários, os recursos de que dispõe, a sua ancoragem institucional; – num segundo momento, “o projecto”, isto é, a inscrição da estrutura assim obtida num espaço arquitecturo-geométrico, num espaço tridimensional geometrizado, materializado num determinado edifício/espaço, apto a alojar a referida estrutura técnico-topológica. A programação museológica aparece assim como uma solução técnico-topológica aos imperativos parcialmente contraditórios decorrentes da presença simultânea dos dois interlocutores-chave do museu, ou seja da obrigatória convivência entre esses interlocutoreschave: os bens museológicos (colecções) e os diferentes interlocutores do museu (designados geralmente por públicos). Apresentada esquematicamente, numa perspectiva prioritariamente didáctica, enquanto solução aos conflitos entre essas duas componentes, a programação museológica é aqui entendida como um instrumento privilegiado de integração inter-funcional (partilhando com a gestão a qualidade de agente integrador do conjunto de funções caracterizando cada museu).

89

Cada museu pode pois ser considerado como uma solução específica aos "conflitos" existentes entre as "necessidades" do(s) público(s) e as "necessidades" das colecções, solução fazendo apelo conjuntamente a uma organização particular do espaço e a meios técnicos (implicando a presença de um “pessoal” qualificado com "necessidades" próprias). A resolução programática desta parcial antinomia entre colecções, públicos (e “pessoal”), pode ser analisada segundo três componentes: a sectorização do espaço museológico (+ respectivos acessos e próximas envolventes), o par "circulação/estacionamento", os meios técnicos/equipamentos adequados. (…)” 158

Pareceu-nos judicioso e oportuno transcrever, pela mesma ocasião, no âmbito deste enquadramento conceptual preliminar, a parte central de um texto de referência Processo do Programa e do Projecto para a construção de um museu cuja formulação e publicação pelo seu autor G.H. Rivière conferiu um novo equilíbrio dinâmico ao par “programa-projecto” e permitiu aos profissionais de museu “a apropriação”, com base nele, do direito de intervir nesse processo, em complementaridade com os arquitectos, responsáveis pela concepção e a execução do projecto. O acesso ao extracto que inserimos nesta introdução não nos dispensa contudo da leitura completa do texto, frequentemente evocado mas mal conhecido, que anexámos 159, na sua integralidade, e que resume, numa linguagem acessível, as linhas-gerais do processo reunindo o programa e o projecto 160. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia e CAMPAGNOLO, Henri, Programação ou Re-Programação Museológicas (Sinopses 5º Curso Mestrado de Museologia e Património, UNL, 2002-03). 159 V. Anexo VII. 158

(…) Para além desta diversidade de formas museais, há entre elas algo de comum: a existência de um processo do programa e do projecto para a realização de um museu. Tentemos resumir as suas etapas, aplicadas ao caso de um edifício novo: 1. Conscientes de uma lacuna no dispositivo dos museus de um país, uma autoridade pública ou um grupo de cidadãos constituído em associação decidem criar um museu de tal ou tal disciplina, de tal ou tal vocação, de tal ou tal tamanho, de tal ou tal estatuto, num dado sítio, em função dos meios de que dispõem para esse efeito. Na sua qualidade de dono da obra, designam um museólogo para estabelecer o programa do museu. Atribuem-lhe, com esse fim, um crédito para estudo. 2. Para estabelecer o programa, o museólogo rodeia-se, para começar, de todas as informações úteis, provenientes do mestre da obra e com o apoio de outras fontes. Munido destas informações e em ligação permanente com o dono da obra, estabelece o programa do seguinte modo: descritivo dos órgãos e dos sub-órgãos do museu agrupados por

160

90

• Os conceitos utilizados para a caracterização de museus: campo temático, espectro (ou estrutura) funcional e disciplinar, modelo de gestão A metodologia de caracterização de museus – que adoptámos por nos parecer a mais apta a fornecer-nos um conjunto coerente e sistematizado de parâmetros susceptíveis de servir de base a uma proposta concreta de programação museológica ou à elaboração de um feixe de sugestões a figurar, de modo diferido, nas linhas programáticas de uma futura unidade museológica de temática marítima – compreende, como já foi atrás mencionado, três níveis de análise: o campo temático, o espectro/a estrutura funcional e disciplinar (também designado por “agenciamento funcional e disciplinar”), o modelo de gestão. A tomada em consideração desses três níveis de análise permite-nos dar cumprimento a uma das recomendações de G.H. Rivière no texto que incluímos na nota 2: “Para estabelecer o programa, o museólogo

categorias de espaços, com avaliação sumária dos destinos e superfícies respectivas dos locais: a. espaço público (acolhimento, "galerias" de exposição); b. espaço semi-público (locais de reunião e de animação); c. espaço semi-privado (salas de documentação destinadas aos especialistas); d. espaço privado (salas de trabalho, gabinete do director, do pessoal científico, técnico e administrativo, "magasins"-reservas técnicas e das colecções). Com vista à sua concretização, o museólogo recebe o concurso de especialistas confirmados nas diversas técnicas. Este concurso e os controlos por ele implicados são mantidos até ao fim das operações, incluindo a recepção definitiva. O dono da obra adopta este programa, no âmbito da informação à data disponível. 3. Em ligação com o museólogo, o dono da obra organiza um concurso nacional ou internacional para a escolha de um arquitecto, ou designa de ofício um arquitecto, na qualidade de o "mestre-da-obra"/a "equipamestre-da-obra". 4. A partir do programa do dono da obra e em função do custo avaliado das operações, o "mestre-da-obra"/a "equipa-mestre-da-obra" estabelece o projecto. Este projecto, durante uma primeira fase, toma a forma de um descritivo sumário, completado de planos sumários, de um estudo das características físicas e da acessibilidade do sítio, de uma avaliação de custo do projecto e dos prazos de realização. Após consulta do museólogo, o dono da obra adopta o projecto, no âmbito da informação à data disponível. 5. Durante uma nova fase, o "mestre-da-obra"/a "equipa-mestre-da-obra", em ligação constante com o museólogo, estabelece um projecto detalhado, com plano de execução e indicação estimativa do custo da obra em tosco, dos acabamentos e dos equipamentos que os completam). Finalmente, após consulta do museólogo, o dono da obra adopta o projecto definitivo e as suas condições de financiamento e de calendário. 6. Dá-se início à obra, segundo os prazos acordados. Até ao fim das operações, o "mestre-da-obra"/a "equipa-mestre-da-obra" é responsável pelos trabalhos realizados pelas empresas e pelo custo das operações. O dono da obra é mantido constantemente informado da marcha das operações por intervenção conjugada do "mestre-da-obra"/da "equipa-mestre-da-obra" e do museólogo. Não se pode excluir que modificações secundárias sejam introduzidas no projecto em vias de realização, por iniciativa do museólogo ou do "mestre-da-obra"/da "equipa-mestre-da-obra", sob reserva da aprovação do dono da obra, quanto à natureza e ao custo dos suplementos trazidos ao programa e ao projecto. 7. Uma vez terminados os trabalhos, o dono da obra procede à sua recepção provisória e, em seguida, passado um certo prazo de verificação, à sua recepção definitiva. (..) G.H.Rivière, “Processo do programa e do projecto para a construção de um museu”, Museum, vol.XXVI, ¾, 1974 (13.05.74) [Tradução literal por M.O. LameirasCampagnolo e H. Campagnolo].

91

rodeia-se, para começar, de todas as informações úteis, provenientes do mestre da obra e com o apoio de outras fontes.”

3.2. Campo temático

De acordo com o corpo conceptual configurado pelos investigadores Maria Olímpia Campagnolo e Henri Campagnolo, para a análise e a comparação de entidades museológicas e paramuseológicas 161, o tema/campo temático encontra-se “delimitado pelo estatuto dos bens patrimoniais tutelados” por uma dada entidade e pelo “âmbito territorial e/ou populacional dessa entidade, ou seja, pela relação entre esses bens e o “território/a população” de acervo e/ou de proveniência desses bens” 162. O campo temático que fundamenta um determinado museu “(...) singulariza-o, relativamente a outros museus e instituições afins, conectando-o com as envolventes natural e humana de implantação do museu e /ou proveniência das suas colecções (...) e servindo de fio condutor à concretização dos objectivos gerais e sectoriais do museu, através de actividades desenvolvidas no âmbito das diferentes áreas funcionais e disciplinares”. Os mesmos investigadores consideram ainda que o campo temático do museu pode ser “faseado temporalmente ou repartido espacialmente em subtemas articulados com os objectivos do museu (...) e das suas unidades constitutivas (...). Possuindo uma “capacidade ordenadora (...) dos espaços topológicos e geométricos do(s) programa(s) museológicos e dos projectos, o campo temático traduz – para além das relações com as envolventes naturais e humanas do museu e das colecções (...) e para além do enquadramento temporal (génese e evolução da instituição e das colecções) – um

161(LAMEIRAS-CAMPAGNOLO,

Maria Olímpia Lameiras e CAMPAGNOLO, Henri, “Analisar e comparar entidades museológicas e paramuseológicas”, Actas do VII Encontro de Museologia e Autarquias, Câmara Municipal do Seixal, 1998, pp. 97-112).

162LAMEIRAS-CAMPAGNOLO

e CAMPAGNOLO, “Analisar e comparar (...)”, 1998, pp. 104.

92

enquadramento espacial particularmente relevante para a maioria dos museus de autarquias.” 163 O campo temático deveria “fundamentá-lo” e “singularizá-lo” enquanto unidade constitutiva do Museu Municipal de Sesimbra, constituindo um subtema da temática geral assim enunciada: “(...) o da descoberta da História e dos quotidianos de Sesimbra” 164; campo temático que se deveria articular com os objectivos gerais do Museu que “(...) pretende assumir-se como uma entidade activa no processo de caracterização espacial e cultural (...)”165. Pelo exposto, e constituindo o mar um dos factores preponderantes da configuração identitária da comunidade de Sesimbra, que se desenvolveu e se estruturou em torno de diversas actividades associadas a esse recurso natural (e de que a colecção etnográfica é testemunho material), consideramos da maior pertinência a programação de uma unidade museológica dedicada a esse tema que desempenharia, certamente, um papel de conexão “(...) com as envolventes natural e humana de implantação do museu e /ou proveniência das suas colecções”, dada a estreita relação entre a comunidade, a colecção e o meio natural.

3.2.1. Temas dominantes e temas conexos

Quatro temas partilhariam o campo temático da unidade marítima em intenção: dois temas dominantes, a pesca em Sesimbra, a construção naval, e dois temas conexos: os aspectos geográficos, geológicos, ecológicos da região, relacionados com os dois temas dominantes, os aspectos históricos, sociais e culturais ligando a futura unidade e a comunidade de Sesimbra, na sua diversidade. 163

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, “Analisar e comparar (...)”, 1998, pp. 107.

Temática geral do Museu Municipal de Sesimbra apresentada no documento Proposta de Desenvolvimento, pp. 18 (Anexo V). 164

Excerto da missão do Museu Municipal de Sesimbra constante no Formulário de Adesão à Rede Portuguesa de Museus, Câmara Municipal de Sesimbra, Janeiro, 2002, pp. 2.

165

93

a. A pesca em Sesimbra Os aspectos a destacar na temática da pesca em Sesimbra poderiam ser os seguintes: -- As artes de pesca de Sesimbra: a) Pesca à linha: -- Pesca à linha com anzóis: pesca com aparelho ou espinhel; -- Linha com anzóis rebocada (corrico): anzol simples e amostra; -Utensílios de dilacerar; b) Pesca por armadilhas:-- Armadilha de abrigo: pegaço ou alcatruz; -Armadilha de barragem: a arte das armações; -- Armadilha tipo gaiola: os covos; c) Pesca por arte envolvente; --Pesca por arte envolvente – arrastante: a arte xávega; --Pesca por arte envolvente: cerco americano - a traineira e as rapas; d) Pesca por sacada: sacada para embarcação; e) Pesca por arte de emalhar; f) Pesca por ferimento: arpão; -- Os processos técnicos inerentes às diferentes artes de pesca locais, com particular ênfase na importância das respectivas cadeias operatórias, enquanto conceito de delimitação das sucessivas sequências dos processos técnicos caracterizando especificamente cada arte de pesca, abarcando: -- a manufactura de alguns objectos utilizados nas respectivas artes (como por exemplo os covos, utilizados na captura de crustáceos); -- a preparação e o arranjo de redes / apetrechos /embarcações; -- o carácter sequencial de actos técnicos inerentes aos processos de captura das diversas espécies praticados no mar e das operações realizadas após a captura (como o encaminhamento para terra e o tratamento do pescado até à sua comercialização e consumo); -- As artes de pesca de Sesimbra, no contexto das actividades económicas e humanas do Concelho: a pesca, a construção naval, as actividades correladas com a pesca, a agricultura e as actividades a ela associadas; -- As artes de pesca de Sesimbra, no contexto regional (Setúbal / Lisboa) / e nacional, incluindo diferentes aspectos tais como: influências recebidas e exercidas, artes comuns, artes “trazidas” por pescadores de outras regiões e adaptadas localmente (como é o caso da arte

94

sacada original de Setúbal ou o magistério de pescadores oriundos de diversas regiões do país que afluíram a Sesimbra durante a época de pesca com armações), mercados de “escoamento”; -- A pesca e o desenvolvimento tecnológico (no terceiro terço do século XX); -- As diversas formas de comercialização do pescado em Sesimbra e outras actividades conexas com a pesca, tais como: fábricas de conserva de peixe, cordoaria e redes, fábricas de gelo, apanha de algas.

b. A construção naval A construção naval poderia constituir o segundo tema da futura unidade museológica marítima atendendo aos aspectos já referidos, ou seja, ao significativo peso histórico que a construção naval detém em Sesimbra (associada à Época dos Descobrimentos Portugueses), à relação directa que manteve durante séculos com a pesca e ao facto de constituir a segunda temática com maior percentagem (11%) de objectos da colecção ligada ao mar. No entanto, e perante a ausência de estudos sobre um passado recente, tanto em termos históricos como em termos técnicos, é fundamental a realização de uma pesquisa complementar tratando desta temática. As matérias a abordar no âmbito da presente temática poderiam ser os seguintes: -- A história da construção naval de Sesimbra (sua importância no contexto nacional, em particular na época dos Descobrimentos); -- A construção de embarcações de pesca, os tipos de embarcações (de navegação, de pesca e de recreio), os estaleiros navais; -- As diversas técnicas de construção naval [processos técnicos relativos às embarcações da pesca local: operadores, matérias-primas (madeira, ferro), operações, gestos].

c. Os aspectos geográficos, geológicos e ecológicos da região

95

Atendendo a que estes aspectos têm vindo a condicionar estreitamente a actividade local, técnica e humana, com destaque para o mar (enquanto recurso natural e espaço de comunicação marítima), parece-nos pertinente encará-los aqui como um tema conexo dos designados temas dominantes. Através da biologia marítima conjugada com outras abordagens incidindo sobre as características e a evolução do mar de Sesimbra, o estudo da baía de Sesimbra, situada na confluência dos rios Tejo e Sado e caracterizada por uma elevada biodiversidade, deveria constar como temática conexa. À análise da situação actual associar-se-ia a informação sobre a degradação do meio ecológico resultante da acção humana, desde as ocupações de lazer a uma série de actividades económicas com repercussões directas no desaparecimento das espécies marinhas (envolvendo nomeadamente a pesca intensiva, os métodos de pesca nocivos à flora marítima, as redes e outros componentes das artes de pesca, perdidos e abandonados nos fundos marinhos, as explorações industriais provocando a poluição das águas e os consequentes efeitos nocivos sobre a fauna e a flora marinhas). Em contrapartida, poder-se-ia considerar pertinente a apresentação, nesse contexto, de informação sobre as medidas de protecção dos recursos naturais do território, sobre o Parque Natural da Arrábida, o Parque Marinho Luís Saldanha na sua relação directa com a pesca local, a médio e a longo prazo, sobre a integração deste Parque na Rede Natura 2000 – sítio Arrábida – Espichel), bem como sobre a importância da preservação dos recursos naturais no desenvolvimento sustentável do território, perspectivando, pela mesma ocasião, outras formas de exploração dos recursos naturais do território.

d. Os aspectos históricos, sociais e culturais ligando a futura unidade e a comunidade de Sesimbra, na sua diversidade

96

Matérias de natureza histórica, como a identidade do território do município associada à pesca (autonomia municipal a partir do século XV) ou como a relação entre o mar e a defesa da vila, ou ainda certos aspectos culturais e sociais relativos ao passado e ao presente das comunidades locais (em particular as relações hierárquicas, as profissões, o desenrolar do quotidiano, a família, as cerimónias religiosas, as festas) revelarão, após a realização das pesquisas necessárias ao seu tratamento, a importância, no plano económico e social, da relação entre as técnicas e as comunidades que as praticaram e as praticam. As actividades económicas actuais decorrentes da pesca (tais como: restauração, pequenas indústrias de conservação e transformação de peixe) relacionarão o museu/a unidade museológica com a realidade económica actual associada ao turismo e às suas implicações. Estas matérias poderiam constituir temáticas a incluir na exposição permanente ou ser objecto de exposições temporárias específicas sobre cada actividade. Uma questão que não poderá ser aqui esquecida reside no laço que liga as actividades de pesca e o espaço que deverá em princípio acolher a unidade museológica de temática marítima, o edifício da Fortaleza de Santiago. Para além do papel de defesa da costa de Sesimbra, este espaço está associado à própria evolução histórica da Vila de Sesimbra 166, associando ele próprio o mar (enquanto espaço de acesso e circulação) e a pesca (numa perspectiva histórica). Objectos da colecção, outrora utilizados na lota, que se realizava na praia junto à Fortaleza são susceptíveis de materializar esse laço, de que são exemplo as jigas, cesto utilizado para transportar o peixe das embarcações para o espaço de venda (e as fotografias que retratam a lota na praia junto do Forte).

Em 1712 a Fortaleza de Santiago servia de instalação ao governo militar da região que superintendia os fortes localizados desde Outão ao Cabo Espichel. O forte foi por diversas vezes cidadela real e a partir de 1879 passou a constituir o quartel da Guarda Fiscal local. (Serrão, Eduardo da Cunha e Vítor, Sesimbra Monumental e Artística, (...), 1997, pp. 48-49.

166

97

3.2.2. O património de Sesimbra e a “colecção ligada ao mar”: da “colecção” ao “acervo”

Com excepção dos constituintes móveis da “colecção ligada ao mar”, os testemunhos do Património Imóvel, classificados ou não, associados ou não aos Património Marítimo e Natural e o Património Imaterial enumerados a seguir serão identificados no âmbito dos Itinerários em que estão integrados enquanto expressões da relação com a futura unidade marítima.

•Património Móvel associado ao património marítimo: a “colecção ligada ao mar” A delimitação do campo temático da presente unidade museológica tomaria como fundamento a “colecção etnográfica ligada ao mar” (constituída por “bens patrimoniais tutelados” pela Câmara Municipal de Sesimbra) e “a relação entre esses bens e o “território/a população” de acervo e/ou de proveniência desses bens”, tendo em consideração as circunstâncias da génese e da evolução tanto da instituição a que pertence a referida colecção como da própria colecção. Conforme referimos anteriormente, a “colecção ligada ao mar” resultou, por um lado, da doação da maioria dos testemunhos por parte da própria comunidade de pescadores, e por outro lado, pela produção de objectos, uns no âmbito do trabalho do museu mas executados quer por indivíduos da comunidade (pescadores e artificies) mediante “protocolo”, quer apenas pela iniciativa dos doadores. A “colecção etnográfica ligada ao mar” possui um forte vínculo com a população que doou/executou e que anteriormente utilizou em contexto de trabalho (pesca, construção naval e outras actividades conexas), a maioria dos testemunhos que a constituem, para além da relação com o território/espaço de proveniência dos objectos.

A colecção ligada ao mar é constituída por um conjunto de testemunhos associados principalmente à pesca local (63% do total da colecção) e à construção naval (11%),

98

incorporando ainda objectos ligados a indústrias de conservação de pescado e de manufactura de apetrechos utilizados na pesca (4%) e objectos de natureza diversa (22%) mais ou menos relacionados com os temas anteriores (artesanato, culto, festa, bibliografia de diversas temáticas ligadas ao mar). A pesca e a construção naval constituíram as duas actividades com maior importância em termos sociais, económicos e culturais da vila de Sesimbra ao longo de séculos, traduzindo-se simultaneamente em formas de adaptação e de aproveitamento dos recursos às características naturais do território. Embora a maioria dos objectos da colecção se reportem a datas balizadas entre o início do século XX e os anos 80 do mesmo século, estes representam o culminar de uma trajectória tecnológica que se desenvolveu ao longo de séculos, possuindo por isso, um sólido enraizamento no desenvolvimento histórico e actual do território de Sesimbra. A importância da relação da colecção etnográfica com a trajectória histórica e a realidade actual de Sesimbra, justifica, do nosso ponto de vista, a programação de um núcleo ou de uma unidade museológica específica que assegure o trabalho e o aproveitamento museológico desta colecção, no contexto territorial do museu municipal. Associado ao património móvel e relacionado com o património marítimo, consideramos ainda o património imaterial e nele incluído o património gestual, considerado na proposta de itinerários apresentados.

Considerando os pressupostos enunciados, tomamos por ponto de partida da delimitação do tema da futura unidade museológica a instalar na Fortaleza de Santiago, a actual “colecção etnográfica ligada ao mar” tendo em mente os resultados do estudo tecnológico sobre as artes

99

de pesca de Sesimbra 167. O tema genérico poderia ser o Mar e a Pesca, abarcando as temáticas que enumeramos a seguir por ordem de importância, representadas na colecção através dos testemunhos materiais a elas associados. Os conteúdos das temáticas que acabámos de enunciar poderiam corresponder aos sucessivos segmentos do guião da exposição de longa duração, cuja proposta desenvolveremos no ponto 3.5.1. da presente dissertação.

• Património imóvel associado ao património marítimo -- Faróis -- Calhaus (edifícios/armazéns localizados ao longo da costa de Sesimbra) -- Armazéns de armações e lojas de companha -- Antigos edifícios de fábricas de conserva, de cordas e de gelo --Largo da Marinha -- Lota ou porto de abrigo

• Património ambiental/natural --Património natural classificado: abrangido pelo Parque Natural da Arrábida (Decreto-Lei 622/76 de 28 de Julho) --Património natural (sem classificação oficial): fauna e flora marinhas e terrestres

• Património imóvel classificado --Forte (Fortaleza) de Santiago (Imóvel de Interesse Público pelo Decreto 129/77 de 29 de Setembro de 1977) O estudo a que nos referimos integra o Estudo para programação do núcleo museológico marítimo, por nós efectuado entre Março de 2004 e Março de 2005 no âmbito do Programa de Apoio à Qualificação de Museus 2003 da Rede Portuguesa de Museus. O referido estudo tecnológico, que anexamos à presente dissertação (V. Anexo I), consistiu num levantamento sobre as artes de pesca de Sesimbra com o objectivo de contextualizar os objectos da colecção ligada ao mar.

167

100

--Forte de São Teodósio do Cavalo (Imóvel de Interesse Público pelo Decreto 95/78, D.R.210 de 12 de Setembro de 1978) -- Capela do Espírito Santo dos Mareantes (Imóvel de Interesse Público pelo Decreto 129/77 de 29 de Setembro de 1977

• Património imóvel (sem classificação oficial) -- Capela de S. Sebastião (edificada em finais do século XV) -- Igreja Matriz de São Tiago (edificada no século XVI) -- Igreja da Santa Casa da Misericórdia (edificada entre finais do século XVI e o início do século XVII) -- Palácio do Bispo (construído no século XVI) --Paços do Concelho (edificado no século XVI)

3.2.3. Público(s) e comunidades locais

A unidade marítima preconizada poderia relacionar-se com duas classes distintas de interlocutores: os públicos e as comunidades locais, participando regular ou frequentemente no desempenho da unidade em criação. Por “públicos” designamos o conjunto constituído pelos visitantes efectivos das exposições, os potenciais visitantes, os potenciais utentes dos serviços propostos no âmbito da presente unidade (como é o caso do centro de documentação/informação). As comunidades participantes da unidade marítima (que caracterizaremos a seguir), são aquelas que mantém uma relação privilegiada com a temática marítima, os sectores da população local que se identificam e se revêem na interpretação das suas colecções.

101

Apesar de actualmente não existir uma dinâmica instalada entre esta unidade museológica e a comunidade local, foi esta última que participou activa e entusiasticamente na constituição da colecção ligada ao mar e em acções a ela associadas. Consideramos por isso que uma unidade marítima em Sesimbra deveria estruturar-se integrando nela a participação das suas comunidades de referência. No ponto 3.5.2 sugerimos algumas das formas possíveis de envolvimento ou interacção entre as comunidades e a unidade marítima. As comunidades participantes constituem alguns dos grupos que fazem parte das comunidades 168 locais, correspondentes aos habitantes do território169 do Concelho de Sesimbra. Referimo-nos à população local, constituída em comunidades inseridas numa categorização geral com base em critérios geográficos, mas diversificada por reunir nela grupos humanos distintos tendo em conta aspectos históricos e identitários associados a distintas relações desses grupos com a temática da unidade marítima (o mar), nomeadamente com as actividades sócio-económicas, com as suas origens. A programação de uma unidade marítima em Sesimbra deveria, do nosso ponto de vista, estabelecer uma relação privilegiada com as suas comunidades locais encaradas como comunidades de referência 170 e, em simultâneo, de visitante / utente-alvo sendo para tal necessário possuir delas um conhecimento profundo.

Uma comunidade pode ser constituída por grupos de pessoas que possuem, ou julgam possuir, algo em comum que as interliga; pode ser constituída por todas as pessoas vivendo em determinado território ou área geográfica e administrativa; estas pessoas podem possuir homogeneidade cultural ou possuir culturas e linguagens distintas, sobrepondo-se, neste caso, a categorização baseada no aspecto geográfico.

168

Na presente dissertação optámos pela definição de comunidades locais consentânea com a actual delimitação administrativa do território de Sesimbra. Uma análise mais aprofundada poderá revelar outros “limites” (relativamente aos concelhios) decorrentes de factores históricos, sócio-económicos e culturais.

169

Designamos estes sectores da população por comunidade de referência dadas as relações da mesma com a temática e as colecções da unidade marítima, que constituem testemunhos memoriais por parte dos grupos que integram a comunidade (e que a seguir caracterizamos). Referimo-nos aqui ao papel dos diversos grupos da comunidade enquanto actores; uns revendo-se nas temáticas e nos testemunhos materiais, outros participando quer através do seu contributo na constituição da colecção, quer através das suas vivências e saber-fazer.

170

102

Para além das comunidades, deveriam constar, os visitantes externos, enquanto recurso do desenvolvimento local e consentâneo com um contexto sócio-económico actual, assente na exploração turística, a qual crê poder tirar um judicioso benefício dos recursos naturais e da potencial oferta patrimonial. Nessa perspectiva, e em síntese, julgamos que uma coerente estratégia de comunicação, a adoptar no âmbito da futura unidade museológica dedicada ao mar, deveria poder servir duas classes de interlocutores: as comunidades locais na sua diversidade (que inclui todos os sectores da população, constituída por públicos escolares e não-escolares) e os visitantes externos.

• As comunidades locais, na sua diversidade Na perspectiva de comunicação com os públicos, seria pertinente conceder especial importância à diversidade das suas comunidades e de acordo com as mesmas, desenvolver programas de captação de públicos adaptados a cada realidade, relacionando as temáticas da unidade museológica com temas com os quais cada grupo se identificaria. A diversidade, a que nos referimos, traduz-se em diversos aspectos que poderiam ser clarificados através de um estudo pormenorizado sobre os diversos grupos que formam a população de Sesimbra. Não sendo nosso objectivo, na presente dissertação, apresentar um estudo finalizado sobre os potenciais públicos pertencentes à comunidade local, colocamos contudo, desde já, algumas questões gerais sobre a identificação da comunidade, na sua diversidade. --A maioria dos residentes da vila de Sesimbra possui uma ligação muito próxima com as temáticas da futura unidade museológica dando realce à pesca, à construção naval e a outras actividades associadas à pesca e ao mar, como é o caso do comércio e da restauração a que se dedica grande parte da comunidade residente. Essa proximidade é não só de índole

103

geográfica mas também emocional, uma vez que, directa ou indirectamente, convive/conviveu com realidades associadas à unidade marítima. Neste grupo incluímos actuais e antigos pescadores, profissionais de comércio e de transformação do pescado, da restauração e do comércio (a que se dedicam antigos pescadores que abandonaram a pesca, familiares e descendentes de pescadores), os profissionais ligados à construção naval e a um conjunto diversificado de actividades e serviços. Apesar da sua diversidade, entre todos existe um “elo de ligação” que os identifica com essa realidade, exercendo uns efectivamente actividades directa ou indirectamente “marítimas”, outros por apelo ao passado ou por via de ligação familiar. Pelo exposto e considerando ainda que neste grupo estão incluídos indivíduos que intervieram na constituição da colecção e na criação da actual unidade marítima, deveria ser delineada uma estratégia de envolvimento desses sectores, proporcionando-lhes um vínculo privilegiado e contínuo com a presente unidade museológica. Situação completamente diferente é a da maioria dos residentes da Freguesia da Quinta do Conde, cuja origem e realidade difere da dos habitantes da Vila de Sesimbra. Conforme referimos no capítulo 2.1.2. da presente dissertação, a concentração populacional na área geográfica da Quinta do Conde elevada a freguesia em 1985, deveu-se a uma atracção migratória do interior, face ao processo de industrialização da Península de Setúbal em particular a partir de 1974. Na perspectiva de captação de públicos junto destas comunidades, consideramos imprescindível a realização de estudos preliminares sobre as mesmas, com o objectivo de conhecer as origens e os perfis desses grupos. O conhecimento progressivo dessas comunidades, tornaria possível desenvolver programas de acção, por forma a aproximar as temáticas da unidade marítima dos interesses e dos objectivos desses grupos, levando assim esses potenciais públicos ao museu. Uma das vias de captação e de envolvimento desses grupos relativamente à unidade museológica, poderia ser o

104

estabelecimento de acordos de colaboração com as associações locais de carácter social e cultural, enquanto meio agregador e porta-voz das respectivas comunidades. Também os habitantes da zona rural de Sesimbra se distinguem dos dois anteriores grupos, apesar da proximidade geográfica e relacional relativamente à vila. Tradicionalmente ligado à actividade agrícola e a actividades conexas, este grupo populacional demarca-se dos residentes da vila, inscrevendo-se numa atitude “herdada” de confronto entre os dois grupos que se exprime através da oposição lexical “pexitos”/“camponeses” 171. Esta dicotomia poderá revelar uma forma de afirmação identitária de um grupo face a outro grupo, através de atitudes de rivalidade derivadas do tipo de actividade que cada um desempenha em determinado espaço (terra / mar). Contudo, verifica-se na actualidade que esta separação tradicional entre os dois grupos se vai dissipando devido a um conjunto de transformações sociais e económicas ocorridas nas últimas décadas, responsáveis pela deslocação dos pescadores e dos seus descendentes para fora do espaço físico da vila, optando pela habitação na área rural. Contrariando ainda, de certa forma, a dicotomia entre os dois grupos, salientamos a relação de complementaridade entre ambas as actividades (agricultura e pesca), ao longo da história de Sesimbra. Referimo-nos ao considerável número de agricultores que sazonalmente recorriam à pesca, dedicando-se a diversas artes, com destaque para a arte da armação à valenciana, cuja concretização exigia grande número de homens. São de referir ainda os pescadores residentes no Meco que praticam em particular a arte xávega (diferente da que é praticada em Sesimbra), introduzida nesta área por volta dos anos 40 do século XX. Estes três sectores do grupo da área rural, que caracterizámos sucintamente, poderiam constituir públicos-alvo da unidade marítima dada a sua diversa relação com o mar e com a 171 Estas expressões são usadas em linguagem corrente pelos habitantes do Concelho de Sesimbra para marcar a diferença entre habitantes da vila, junto do mar (geralmente pescadores), e os que se dedicam à agricultura e vivem na zona rural.

105

pesca. Uma forma possível de atrair estes sectores poderia ser a realização de exposições temporárias temáticas e actividades educativas com elas relacionadas sobre os próprios grupos. Existem no entanto sectores deste grupo (residentes na área rural) sem relação directa com actividades associadas ao mar, que à partida apenas se constituiriam em público efectivo da unidade museológica de temática marítima, se atraídos por temas ou questões com as quais de alguma forma se pudessem identificar. A heterogeneidade dos membros da comunidade, que caracterizámos sucintamente, deveria ser o ponto de partida para a adopção de programas de captação de públicos adultos, que poderiam eventualmente aplicar-se aos públicos escolares pertencentes aos grupos atrás sucintamente descritos. Relativamente aos públicos escolares seria conveniente o estabelecimento de acordos de colaboração com as diversas escolas do Concelho, com o fim de conceber e levar a cabo programas específicos conjuntos (entre a unidade marítima e as escolas), que se adaptassem aos programas escolares, à realidade das comunidades em que se insere cada escola e à potencial oferta da unidade marítima.

Os visitantes externos Quanto aos visitantes externos referimo-nos, por um lado, aos turistas, e por outro lado, a estudiosos de diferentes graus académicos, interessados pelas diversas componentes patrimoniais do Concelho ou do Distrito. Tomando em consideração a realidade natural de Sesimbra, a actual oferta turística e a consequente afluência de visitantes, poderia ser valorizado o potencial turístico da unidade museológica através de parcerias a delinear com unidades ou organismos ligados ao turismo, com o objectivo de fomentar acções conjuntas conducentes por um lado, à canalização do

106

turismo já existente para a presente unidade e, por outro lado, à captação de novos públicos interessados particularmente na oferta cultural, de que poderiam tirar partido em simultâneo outros sectores da economia local. Parece no entanto imprescindível que as parecerias que venham a ser estabelecidas com os diferentes agentes turísticos encerrem e sublinhem, a par das vantagens materiais e dos objectivos precisos a prosseguir, cláusulas relativas à gestão dos fluxos turísticos destinadas a equilibrar os impactos positivos e negativos que a própria intervenção turística provoca nos patrimónios cultural e natural/ambiental que entende promover.

3.3. Espectro funcional e disciplinar

• No que toca ao espectro disciplinar, considerando a natureza da colecção e o campo temático anteriormente referido, a futura unidade museológica deveria conjugar, no seio de uma abordagem multidisciplinar, domínios do saber capazes de facultar a exploração do campo temático atrás descrito: as ciências do mar e das pescas (entre as quais, a biologia marinha, a oceanografia), a ecologia, a história, a arqueologia marítima e a antropologia. Para além do espectro disciplinar seleccionado, indispensável ao tratamento do presente campo temático, reveste-se da maior relevância o contributo -- ao aprofundamento dos temas que partilham o campo temático da unidade museológica emergente -- que constitui o saber técnico fornecido pelos diferentes sectores da comunidade local e pelos profissionais de museu que registarão e valorizarão esse saber técnico.

• No que toca ao espectro funcional, parece-nos oportuno -- antes de formularmos a proposta de espectro funcional que consideramos a mais adequada ao funcionamento da futura unidade museológica dedicada à temática marítima -- evocar aqui a relativa diversidade de concepções

107

relativamente às modalidades de agenciamento funcional atestadas nos diferentes empreendimentos museológicos. O investigador Peter Van Mensch distingue dois modelos de sistematização das funções museológicas: -- um modelo em que a estrutura organizacional assenta na distinção de três áreas

funcionais:

preservação,

pesquisa e comunicação (presentation,

research,

communication); -- um outro modelo baseado em duas áreas funcionais: gestão de colecções e comunicação (collection management, communication). O primeiro modelo foi defendido pela UNESCO (1956), na sequência da renovação conceptual introduzida por Georges Henri Rivière (recherche, conservation, présentation) no ”Cours de Muséologie Génerale et Contemporaine” (1971-1981). Em continuidade com essa óptica, na ”Trilogie indissociable”, André Desvallées (1989) inclui na função preservação a incorporação, conservação, restauro, reserva e documentação; na função investigação inclui interpretação científica da informação sobre valores de heranças cultural e natural; por fim, na função comunicação inclui todos os meios possíveis de comunicar com o público, como publicações, exposições e outras actividades educativas. O segundo modelo, apresentado no Manual of Curatorship adoptado pela Museums Association (Reino Unido), inclui na “gestão das colecções” os recursos do museu como os edifícios, serviços para o público, recursos financeiros e humanos, sendo o termo “Curation” aplicado às áreas funcionais de aquisição, guarda, conservação, documentação e armazenamento de colecções, pesquisa e educação sobre as colecções e sobre o papel do museu, e sendo o termo “comunicação” aplicado à apresentação das colecções ao público através da educação, exposição, informação e publicação 172.

MENSCH, Peter Van, Towards a Methodology of Museology, Doctor´s Thesis, University of Zagreb, 1992 (documentação recolhida via internet: http:www.xs4all~rwa/mdpres01.htm (geral) e http:www.xs4all~rwa/boek17htm (sobre funções museológicas), pp.1-3.

172

108

Os investigadores Maria Olímpia Campagnolo e Henri Campagnolo destacam dois pólos funcionais que, com a linguagem específica do museu 173, distinguem o museu das instituições não-museológicas: -- um pólo “preservação” [conjugando “conservação” (preservação física) e “documentação” (preservação cultural)], -- um pólo “difusão” (ou divulgação, ou comunicação) [privilegiando a valência “apresentação-encenação” (conjugando “exposição”, “interpretação”, “educação” e outras funções opcionais singularizando cada museu, tais como o ensino, a edição)]. A esses dois pólos estão associadas dosagens variáveis de duas funções de interligação: a “investigação” e a “gestão” (incluindo esta uma componente de “intendência). Não sendo uma função exclusivamente museológica, a “investigação” surge em articulação com as restantes funções, quer como “cimento inter-funcional” relativamente às outras funções, constituindo, enquanto “produtora de teoria”, um factor “valorizante de todas as outras funções “polares” e “opcionais”, acrescentando-lhes uma evidente mais-valia, que se repercute sobre a qualidade das prestações de serviço do museu, no seu conjunto”, quer como uma “função plena” cujos parâmetros se encontram condicionados pelos objectivos e pelos recursos do museu. De par com a investigação, a “gestão” é uma função de interligação das funções propriamente museológicas. “O modelo de gestão informa (...) sobre o modo de circulação de recursos (humanos, financeiros, técnicos) e de informações entre os órgãos encarregados de assegurar o desempenho do museu, bem como sobre o modo de funcionamento e de relacionamento desses órgãos, tanto no plano interno como no plano externo (...)” 174. No plano interno, é sublinhada a importância da equipa técnica e cientifica do museu; no plano externo, é sublinhada, para além da relação com as tutelas, a articulação

Para além das “áreas funcionais obrigatórias” (também designadas por “áreas polares”, por confronto com “áreas opcionais”) que distinguem as entidades museológicas de outras entidades não-museológicas, os autores consideram como critério distintivo “o uso de uma linguagem específica, a linguagem museológica”(linguagem “mista”, “artificial” tomando bens tridimensionais como suporte privilegiado das mensagens por ela /nela produzidas)”. (LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, “Analisar e comparar (...)”, 1998, pp.105 e 108). 173

174

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, “Analisar e comparar (...)”, 1998, pp. 110.

109

com outras entidades museológicas e não-museológicas inseridas na mesma área geográfica e cultural. No campo da gestão, Graça Filipe distingue e precisa três níveis de análise: “o da própria tutela, que define políticas, planos e financiamentos, o da chefia orgânica e de responsabilidade científica/técnica e o da equipa técnica” 175, salientando o papel estratégico da chefia orgânica.

Da Lei nº 47/2004, artº3 destacamos não só a definição de museu mas também a enumeração das funções julgadas indispensáveis ao seu desempenho “Museu é uma instituição de carácter permanente, com ou sem personalidade jurídica, sem fins lucrativos, dotada de uma estrutura organizacional que lhe permite: garantir um destino unitário a um conjunto de bens culturais e valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário, documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação, com objectivos científicos, educativos e lúdicos; (...). Consideram-se museus as instituições, com diferentes designações, que apresentem as características e cumpram as funções museológicas previstas na presente lei para o museu (...)”. O cumprimento das funções museológicas citadas é um dos requisitos que -- conjuntamente com a existência de recursos humanos, financeiros, instalações, aprovação de um regulamento e a garantia de acesso público, contemplados na mesma Lei (art.º113) -condicionam a viabilidade da credenciação da futura unidade museológica. Na perspectiva de uma próxima integração do Museu Municipal de Sesimbra na Rede Portuguesa de Museus, intenção já manifestada em 2002 aquando da constituição (e entrega) de um processo de candidatura de adesão à mesma instância, torna-se indispensável FILIPE, Graça, “Ecomuseu Municipal do Seixal: das realizações aos problemas actuais, na perspectiva do desenvolvimento local”, Actas do VII Encontro Nacional Museologia e Autarquias, Câmara Municipal do SeixalEcomuseu Municipal do Seixal, 1998, pp.74-80 [2. Organização territorial e funcional].

175

110

programar a nova unidade museológica marítima em conformidade com os requisitos de credenciação consignados na Lei-Quadro dos Museus Portugueses e conjugados com as exigências previstas no Regulamento de Adesão à Rede Portuguesa de Museus. Partindo dos pressupostos teóricos que acabámos de referir, consideramos que a unidade museológica sobre a temática marítima poderia comportar uma estrutura funcional associando, em estreita articulação, duas áreas funcionais distintas: -- uma área funcional agrupando investigação, documentação (enquanto vertente da preservação cultural) e conservação (enquanto vertente da preservação física); -- uma área funcional agrupando exposição, interpretação, educação. Passaremos seguidamente a uma concisa enunciação dos traços fundamentais cabendo no âmbito de cada função pertencendo a cada uma das duas áreas funcionais destacadas.

3.3.1. Área funcional de “investigação, documentação, conservação”

Nesta área funcional convivem as funções de investigação, documentação e conservação as que, no seio do binómio “colecção/acervo-público”, privilegiam as colecções e, após incorporação, o acervo do museu:

• Investigação Atendendo a que é através da investigação que o museu documenta e conhece o conjunto dos bens culturais nele incorporados, as sociedades de origem/produtoras/ou de qualquer forma a eles associadas, as envolventes territorial, temporal, ambiental e humana, as actuais técnicas de preservação, para além de outros aspectos com incidências sobre o trabalho do museu, é com base nos resultados da investigação que qualquer museu deveria poder estabelecer o respectivo sistema de documentação, definir as medidas a adoptar em termos da conservação

111

das suas colecções, a programação de exposições de longa ou curta duração e de acções dos serviços educativos. Como já foi referido, a função investigação poderá intervir quer como uma função “plena”, quer, mais frequentemente, como um elemento de ligação entre as várias funções museológicas, introduzindo nelas um acréscimo de exigência e de informação. Reportando-nos à estruturação da unidade marítima, e tendo presente que a mesma não poderia comportar a realização de projectos de investigação coerentes, função cujo exercício requer, “em pleno”, um corpo de investigadores em áreas multidisciplinares e consequente enquadramento científico e legal, consideramos que esta função se poderia concretizar parcialmente, através da realização de pesquisas pontuais ou contributos de estudos sectoriais relacionados com as temáticas da unidade marítima [pesquisas sobre aspectos relacionados com o campo temático da unidade marítima, com destaque para as artes de pesca, para as comunidades locais e de pescadores, para os aspectos técnicos, ambientais, sociais e culturais, para a construção naval, para as actividades conexas com a pesca (conservas de pescado, fábricas de cordoaria e de gelo)]. Embora fazendo corresponder a distinção de designação à distinção entre os dois conceitos (investigação e estudo), tais estudos poderiam ser desenvolvidos em articulação estreita com as funções de documentação, salvaguardando o âmbito e a aplicabilidade de ambas as funções. Parece-nos oportuno relembrar aqui o teor geral do estabelecido no Artigo 8º da Lei nº 47/204, de 19 de Agosto, relativamente ao estudo e à investigação “O estudo e a investigação fundamentam as acções desenvolvidas no âmbito das restantes funções do museu, designadamente para estabelecer a política de incorporações, identificar e caracterizar os bens culturais incorporados ou incorporáveis e para fins de documentação, de conservação, de interpretação e exposição e de educação.”

112

Nesta perspectiva, uma permanente atenção deveria ser prestada à colaboração de investigadores externos ou de estudiosos externos, aptos a colmatar as lacunas que, nos diversos domínios, viessem a ser atestadas.

• Documentação* Decorrente da análise bibliográfica, verificamos que o sentido e a abrangência atribuídos ao termo documentação divergem consoante o universo internacional em que é aplicada a correspondente função. Essa distinção afigura-se-nos corresponder de algum modo aos dois modelos de sistematização das funções museológicas, a que nos referimos precedentemente, apontados pelo investigador Peter Van Mensh. O primeiro, desenvolvido em contexto de influência francesa, foi defendido pela UNESCO (1956) na sequência da renovação conceptual introduzida por Georges Henri Rivière; o segundo, desenvolvido em contexto britânico e americano, é apresentado no Manual of Curatorship e foi adoptado pela Museum Association (Reino Unido). Nas abordagens resultantes de contextos de influência francesa, a documentação abrange um leque diversificado de realidades e acções aliando a documentação à investigação e à comunicação, perspetiva defendida por Odile Tarrête : “Deux actions indissociables constituent l´essence du travail documentaire: recherche et communication ou plus exactement rechercher pour communiquer” 176. A função documentação reporta-se, por um lado, às acções desenvolvidas em torno da informação produzida e disponibilizada pelo museu aos seus técnicos e a um leque diversificado de públicos e, por outro lado, às acções promovidas em torno do estudo e documentação dos objectos ou colecções (incluindo a incorporação e o inventário) mantendo uma relação privilegiada e de complementaridade com a investigação. No primeiro caso, as acções são geralmente desenvolvidas por “centros de documentação” 176

TARRÊTE, Odile, “Musées documentation”, Musées & Collections Publiques de France, nº 212, 1996, pp. 4.

* Conteúdo enriquecido com algumas referências bibliográficas após a defesa da dissertação (2008).

113

que integram os museus. Contudo, podem apresentar características muito diversificadas, centrando-se uns, no tratamento de documentos e da informação relativos ao conjunto das temáticas do museu, e outros, com maior enfoque em projectos de investigação. Os técnicos dos centros de documentação são frequentemente documentalistas que asseguram uma multiplicidade de acções associadas à gestão e conservação da documentação bibliográfica dos museus e fundos documentais, de natureza diversa, e ao tratamento e divulgação da informação produzida por outros técnicos do museu que procedem ao estudo/documentação dos objectos e da investigação. Nas abordagens de contextos de influência inglesa, e particularmente da americana, o sentido atribuído à noção de documentação é aplicado a estudos e à investigação desenvolvidos em torno do objecto e da colecção. O termo registration 177 (registo) reporta-se a toda a informação resultante dos processos de incorporação e catalogação, abarcando as acções de documentação, conservação e gestão dos objectos (incluindo a incorporação, o inventário, a conservação física e ambiental dos objectos, os procedimentos relativos à movimentação, transporte e embalagem de objectos, a gestão de colecções, etc.). Daniel Reibel integra a noção “documentação” no processo de registo, definindo-a do seguinte modo: “(…) is the factual information gleaned about each object in the collection. Some of this information is developed by examination of the object and some is acquired by research 178. (…) You may acquire information on the object in two ways. Some information comes with the object. The rest is found by research” 179

177 “Registration is the whole process of creating, acquiring, and keeping the records on a museum collection (…)”. (REIBEL, B. Daniel, Registration Methods for the Small Museum, (third edition), Altamira Press, Walnut Creek, London, New Delhi, 1997, pp.15). 178

REIBEL, B. Daniel, 1997, pp. 14.

179

REIBEL, B. Daniel, 1997, pp. 79.

114

Segundo John Perkins a função documentação consiste na prática de recolher, organizar e gerir informação sobre os objectos incorporados, com o objectivo de preservar a informação sobre a herança cultural e manter o controlo sobre as colecções, constituindo essa a finalidade dos sistemas de documentação 180. O sistema de documentação é por seu lado, um conjunto de instrumentos estruturados utilizados na prática da documentação e constitui a “memória do museu” nas palavras de Porta 181. Quando nos referimos à função de documentação reportamo-nos ao exercício de recolha, registo e gestão da informação sobre o conjunto dos testemunhos incorporados por uma dada unidade museológica, através da aplicação de um sistema de documentação 182, previamente estabelecido, que inclui a incorporação 183, o inventário 184 (incluindo a numeração, a marcação, PERKINS, John, “Planning for Information Management”, em LORD, Gail Dexter and LORD, Barry, The Manual of Museum Planning, HMSO, London, 1991, pp. 177-185.

180

PORTA, Eduardo, (Resp.) Sistema de Documentacion para Museos, ICOM e Departament de Cultura de la Generalitat de Catalunya, Barcelona, 1982, pp. 18. 181

182 Um sistema de documentação adequado implica que toda a informação associada aos objectos deve ser guardada, nela se incluindo os dados resultantes dos processos de incorporação, documentação, investigação e difusão, tanto os produzidos pelo museu como os que têm origem noutras instituições / indivíduos. Essa informação será fundamental como suporte do inventário e documentação de dado objecto proporcionando uma visão interdisciplinar sobre o acervo incorporado. (CAMARGO-MORO, Fernanda, 1986).

183

A incorporação corresponde às diversas formas de ingresso de objectos no museu (compra, permuta, doação, recolha e legado), tendo implícita a sua aceitação por parte da instituição. É através da incorporação que o museu constitui o seu acervo, formado pelo conjunto de objectos e/ou espécimens que integram as suas colecções e/ou bens patrimoniais. A constituição de colecções está por vezes associada à forma de incorporação dos objectos no museu, questão que nos remete para a definição do próprio conceito de colecção e para os critérios inerentes à associação de um conjunto de objectos em colecção. Fernanda Camargo-Moro define colecção como o “conjunto de objectos da mesma natureza ou que têm qualquer relação entre si; reunião de objectos, de espécimens; agrupamento de objectos”. (CAMARGO-MORO, Fernanda, 1986, pp.237). Na análise do mesmo conceito, Maria Manuela Cantinho reforça a associação intrínseca da colecção à incorporação dos objectos, considerando três vertentes: --a genérica, na qual as colecções são vistas tendo por base, exclusivamente, a ideia de constituição de um acervo museológico; --os contextos de recolha parcelares, que se conseguiram documentar, considerando colecção todo o conjunto de objectos recolhidos num determinado contexto, por um colector, sujeitos a critérios e intenções idênticas de recolha durante um determinado período; -a tradicional, dentro de uma política de aquisições do museu baseada numa intenção de recolha mais abrangente. (PEREIRA, Maria Manuela Cantinho, O Museu Etnográfico da Sociedade de Geografia de Lisboa – Modernidade, Colonização e Alteridade, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2005, pp. 313-316). Na análise e selecção dos objectos a incorporar, Fernanda Camargo-Moro sublinha a relevância dos seguintes factores: a participação da equipa do museu e de membros das comunidades relacionadas com os objectos; a política de aquisições que deve ser previamente estabelecida; os critérios de aquisição de acervo: -- potencial dos objectos para a pesquisa e estudo; -- interesse para futuras exposições dentro da filosofia e missão do museu; -- a representatividade do objecto na sua classe ou como elemento complementar; -- as perspectivas estética e/ou histórica, e/ou arqueológica, e/ou etnográfica, e/ou científica, da sua importância social, simbolismo,

115

a medição, o registo dos testemunhos), o estudo e a documentação, os procedimentos adequados ao empréstimo e à circulação de objectos, informatização do inventário e gestão das colecções em suporte informático adequado e divulgação (em diversos suportes) da informação sobre as colecções (tais como, catálogos, publicações, panfletos). É através da função documentação (preservação cultural) que o museu estuda, valoriza e faculta a interpretação das suas colecções, posicionando-se como um sistema gestor de informação associada às colecções, que cria novos dados e utiliza os existentes de forma interrelacionada, permitindo: satisfazer necessidades internas do museu através da aplicação da informação gerada no âmbito da função documentação, às restantes funções do museu; ampliar o acesso e o uso do museu aos públicos; estabelecer sistemas integrados de informação com outros museus e outras entidades. A função documentação abrange a gestão de um leque diversificado de informação, nela se incluindo tanto os dados associados aos bens culturais, como toda a informação necessária e resultante do trabalho de incorporação, inventário e documentação de acervo/património de natureza diversificada (património móvel, imóvel, material e imaterial), investigação, conservação e divulgação.

raridade e potencialidades; -- a análise individual do objecto para equacionar a sua prioridade mesmo quando incluído num conjunto; -- estudo e análise do objecto no seio do conjunto do acervo. No âmbito da incorporação dos objectos, a mesma autora salienta a importância da organização e sistematização da aquisição que deve ser comprovada através de provas de posse que diferem do modo de incorporação. (CAMARGO-MORO, Fernanda, 1986). “Por inventário museológico entende-se a relação mais ou menos exaustiva de todos os objectos que constituem o acervo próprio da instituição, independentemente do seu modo de incorporação, e que são passíveis de registo no Livro de Inventário Geral do Museu (Instituto Português de Museus, Normas geraisNormas de Inventário, Janeiro de 2000, pp. 15.) A “relação mais ou menos exaustiva” dos objectos implica a realização de acções de: numeração, marcação, medição e registo (utilizando diversos suportes: escrito, fotográfico, outros) dos testemunhos. Fernanda Camargo-Moro divide o inventário, enquanto levantamento individualizado e completo de todos os bens de um museu, em três principais categorias: o registo, a identificação e a catalogação ou classificação. A mesma autora sublinha a importância do estabelecimento de um sistema de documentação uniformizado para o acervo alvo, ou para o conjunto de museus, com base em estruturas técnicas gerais e especializadas, e a definição de uma série de convenções, normas e metodologias de inventário e documentação.

184

116

Inscrevendo-se no campo de aplicação da função documentação destacamos pois as operações do sistema de registo e documentação já iniciado 185: -- incorporação de testemunhos (em particular por doação, compra, recolha); -- inventário de acervos: numeração, marcação, medição, descrição e registo, fotografia, registo de entrada em livro e fichas de inventário, catalogação; -- criação e implementação de procedimentos de registo adequados ao empréstimo e à circulação de objectos, de forma a garantir a conservação, salvaguarda e gestão da colecção etnográfica; -- informatização do inventário em suporte informático adequado à gestão de colecções 186; -- estudo e documentação das colecções existentes e a incorporar, com recurso ao contributo de estudos ou pesquisas pontuais levadas a cabo pelos técnicos da unidade ou pontualmente por investigadores externos (apelando à participação e ao contributo de saberes e de fazeres da comunidade local relacionada com a

No âmbito do trabalho de inventário da colecção etnográfica ligada ao mar (Museu Municipal de Sesimbra) por nós realizado, adoptámos (com as adaptações que considerámos pertinentes) os procedimentos metodológicos recomendados pelo Instituto Português de Museus constantes nos Cadernos de Normas de Inventário, em particular as sugestões apresentadas no Caderno dedicado à Etnologia por considerarmos ser o que melhor se adapta à colecção em questão; baseamo-nos ainda em bibliografia do ICOM sobre documentação de museus (referências constantes na bibliografia de referência do presente trabalho). Os procedimentos/as normas em que nos baseámos para a realização do inventário (ainda não concluído) da colecção etnográfica ligada ao mar foram os seguintes: -- adopção de um sistema de numeração alfa numérico (numeração sequencial e única precedida de duas siglas (maiúsculas), uma que identifica a colecção de etnografia do Museu do Mar (ETM) e outra identificativa da instituição Museu Municipal de Sesimbra (MMS). A título de exemplo, cada objecto é assim identificado: ETM33 / MMS33); -- concepção e aquisição de um livro de registo de entrada de objectos; -concepção de fichas tipo de “terreno” e de “inventário” ou registo informático; -- acções de inventário: numeração, marcação, medição, registo escrito e fotográfico de objectos.

185

A informatização da documentação, quando dotada de um suporte digital adaptado a esse fim, constitui uma ferramenta de gestão do acervo de museus. Através de bases de dados adequadas à gestão da documentação é possível a integração de acervo ou colecções de natureza e temática diversificadas; possibilita o interrelacionamento de bases adaptadas a distintos fundos como o inventário de bens culturais, o arquivo de imagens, fundos documentais e bibliográficos e outros decorrentes do trabalho do museu; facilita a intercomunicabilidade através da importação e exportação de dados; e garante níveis de segurança adequados e ambiente amigável para o utilizador.( Cf. elementos apresentados por Graça Filipe e Fernanda Ferreira sobre O Sistema de documentação do EMS, comuseu Municipal do Seixal, no Mestrado de Museologia da Faculdade de Belas Artes, Universidade de Lisboa, em 26 de Maio de 2007). A gestão electrónica da documentação constitui uma mais valia ao facultar: uma melhoria de prestação de serviços ao utilizador; maior rapidez de acesso à informação; simultaneidade de acesso de diversos utilizadores a um mesmo documento sem necessidade do seu manuseio físico beneficiando desse modo a preservação desses bens; acesso à distância do documento qualquer que seja a sua localização física; acesso facilitado através de inúmeros critérios de pesquisa; segurança acrescida por impedir a perda do documento e o acesso controlado dos utilizadores, possibilitando ainda o acesso de utilizadores que de outra forma não poderiam aceder a determinados bens culturais. 186

117

origem dos testemunhos); -- prosseguimento do estudo e da documentação 187 da actual colecção, com o objectivo de completar a actual documentação e aprofundar aspectos reportados tanto às artes de pesca como a outras actividades locais (ligadas ao mar e à pesca). A documentação do acervo foi por nós iniciada através dos trabalhos que desenvolvemos no quadro do inventário e do estudo tecnológico sobre as artes de pesca de Sesimbra a que nos referimos anteriormente [estudo que teve por objectivo a contextualização dos objectos da colecção utilizados nas diversas artes de pesca, dada a total ausência de elementos que documentassem e contextualizassem esses testemunhos, elementos que não foram recolhidos aquando da incorporação no museu]. Pelo exposto, a colecção carece de um estudo mais pormenorizado tanto sobre aspectos associados à pesca como a temáticas não contempladas nesse estudo mas representadas na colecção através de diversos testemunhos, como é o caso das técnicas da construção naval, conservas de pescado e apanha de algas. As actividades realizadas no âmbito da função documentação deverão encontrar o indispensável suporte na criação ou na partilha de um centro de documentação, que será mencionado no capítulo dedicado à estrutura orgânica devendo acolher a futura unidade de temática marítima.

• Conservação Por função conservação (preservação cultural) entendemos o conjunto de actividades levadas a cabo por uma dada unidade museológica com o objectivo de preservar os testemunhos materiais que constituem as colecções. A preservação física dos objectos, através da intervenção museológica, pode ser conseguida através de três formas distintas de acção sobre os objectos: a conservação preventiva, a conservação curativa e o restauro. “A conservação A documentação das colecções é entendida aqui como o resultado do trabalho desenvolvido no âmbito da incorporação, do inventário e da investigação.

187

118

preventiva define-se como o conjunto das medidas a adoptar para prolongar a vida de uma obra, evitando na medida do possível a sua degradação natural ou acidental” 188. Esta forma de conservação considera essencial a manutenção das características físico-químicas dos objectos e utiliza procedimentos técnicos adequados que, não implicando o contacto directo com determinado objecto ou com uma colecção, permite o controlo e a estabilização das referidas características ao eliminar ou diminuir os factores responsáveis pela degradação, criando desse modo um microclima estável, favorável à conservação dos objectos. A conservação curativa pressupõe uma intervenção directa sobre o objecto visando a estabilização e, eventualmente, a eliminação das causas de alteração dos materiais que o compõem. O restauro pressupõe uma intervenção profunda sobre um objecto, alterando-lhe, na maior parte dos casos, as suas características físico-químicas, causando assim alterações do sentido formal do objecto. É de salientar que a política de conservação nos museus portugueses tem vindo a alterar-se nos últimos anos. Inicialmente mais ligada à conservação curativa, constitui actualmente uma prática de prevenção e controlo das principais causas de deterioração. Esta mudança de atitude está associada ao reconhecimento das vantagens da conservação preventiva em termos de economia de recursos, de natureza diversa, bem como na eficácia da conservação dos próprios bens culturais. A lei-Quadro dos Museus Portugueses (Lei nº 47/2004 de 19 de Agosto) põe em evidência a actual política de conservação, ao estabelecer a conservação como função museológica obrigatória, definindo nos artigos 27º a 31º, as principais regras que os museus devem seguir para garantir as adequadas condições de conservação dos objectos incorporados 189.

Essa definição é citada por CASANOVAS, Luís Elias, Introdução às práticas de conservação preventiva, 2001, pp.5, texto de apoio (Módulo I) incluído no Manual de formação da Rede Portuguesa de Museus, Introdução às Práticas de Conservação Preventiva. 188

Em consonância com o estabelecido na referida Lei, o Instituto Português de Museus e o Instituto Português de Conservação e Restauro publicaram em 2006 a edição Normas e Procedimentos de Conservação Preventiva

189

119

A intervenção sobre as causas de alteração e de degradação pressupõe a aplicação de recursos tecnológicos ou medidas de diversa natureza, para o controlo dos factores de degradação que Luís Elias Casanovas 190 agrupa nas seguintes categorias: factores fundamentais (luz, poluição, humidade e temperatura); factores secundários (manuseamento e transporte) e acidentais (fogo, catástrofes naturais e vandalismo). A conservação das colecções de uma dada unidade museológica depende assim da composição atmosférica, do grau de humidade, da temperatura, da iluminação e da poluição, factores que é possível controlar através da monitorização e do controlo ambiental e biológico 191 aplicáveis a todas as áreas que acolhem objectos (áreas expositivas, reservas e outros espaços onde se localizem objectos das colecções).

– Bases Orientadoras. Este documento pretende constituir uma base orientadora do trabalho a efectuar pelos museus portugueses, propondo um conjunto de normas conducentes à elaboração de planos de conservação preventiva a serem realizados e implementados por cada museu. Dos aspectos a considerar na concepção de um plano de conservação preventiva, são apontados os seguintes: --A caracterização que permite identificar os principais factores intervenientes numa instituição museológica, nas vertentes: . O edifício e a sua envolvência, cuja caracterização implica o conhecimento de um conjunto de factores de que destacamos os seguintes: comportamento e estado de conservação do edifício e sua adequação às diversas actividades e às colecções; situação geográfica e o clima (por exemplo, a proximidade e influência do mar em termos de humidade); entre outros. .O acervo, incluindo critérios de incorporação, classificação e estado de conservação atendendo à diversidade material e tipológica dos objectos; localização e segurança das colecções em exposição e em reserva e sua articulação com restantes espaços. .Os recursos humanos através do conhecimento do pessoal (interno e externo e respectiva formação e responsabilidades) quanto à conservação preventiva, e o recurso a profissionais especializados em conservação. .As áreas, cuja caracterização requer o conhecimento dos espaços existentes e a forma como se articulam entre si, com avaliação das condições de segurança, ambientais e de controlo das mesmas, equacionando as suas implicações nos objectos a figurar em cada espaço. .A circulação de bens culturais realizada internamente (no âmbito do trabalho de museu) ou externamente (por motivos de empréstimos, por exemplo), implica riscos com a segurança e conservação. .O público, é com base no conhecimento do respectivo público, que o museu poderá tomar medidas específicas de protecção em termos de segurança e de conservação. --A avaliação de riscos constitui a identificação dos factores presentes num museu que podem influenciar ou contribuir para a degradação activa dos bens culturais. --As Normas e Procedimentos integram o conjunto das orientações e boas práticas destinadas a garantir a preservação e protecção dos bens culturais, aplicáveis no âmbito da: segurança; monitorização e controlo ambiental e biológico (luz, humidade relativa e temperatura, poluentes, controlo biológico); manutenção de equipamento; materiais, equipamentos, sistemas de exposição e reserva e organização dos espaços; limpeza de espaços, equipamento e acervo; circulação de bens culturais e formação de recursos humanos. 190 O autor aponta os seguintes factores de degradação: forças físicas directas (choques, vibrações, fricção, queda); roubo, vandalismo e movimentação descontrolada; fogo; água; infestações; poluição; radiações (ultravioletas e luz); temperaturas incorrectas; humidade relativa incorrecta. Dada a importância do controlo dos factores ditos fundamentais na conservação das colecções, detemo-nos brevemente na análise dos factores que a seguir mencionamos e nos possíveis recursos aplicáveis a cada um

191

120

Para além da monitorização e do controlo ambiental e biológico e, na perspectiva da preservação física das colecções, qualquer museu deve dispor de condições de segurança que garantam a protecção e a integridade dos testemunhos incorporados, contemplando medidas preventivas relativamente a crimes contra a propriedade, vandalismo, negligência e acidentes relacionados com as instalações, os equipamentos, os incêndios. Nesse sentido tornam-se necessários diversos meios de prevenção anti-roubo, anti-incêndio e de vigilância, bem como a tomada de um conjunto de medidas preventivas relativamente à correcta conservação dos locais e à manutenção das instalações e dos equipamentos existentes no edifício que alberga as colecções. Uma adequada organização dos diversos espaços funcionais, o estabelecimento e a adopção de regras de manuseamento decorrente da circulação (interna e externa) 192 dos testemunhos dos factores, destinados a garantir a preservação e a protecção das colecções: -- a luz: toda a luz degrada irreversível e cumulativamente, devendo por isso reduzir-se a sua acção ao mínimo (luz eléctrica e solar) e adoptando-se a monitorização através de luxímetros e medidores de ultra-violetas, controlando doses de iluminação anuais a que cada objecto pode estar sujeito, em conformidade com os seus materiais constituintes e com o seu estado de conservação. Das diversas acções e meios de controlo a observar nas reservas e nas exposições, destacam-se os seguintes: -- iluminação exterior às vitrinas; -- utilização de sistemas que accionam a iluminação; -- colocação nas janelas/aberturas de filtros ultravioleta, persianas, telas ou cortinas em pano-cru, garantindo que nenhum objecto esteja sujeito à iluminação directa pelo sol; -- as reservas não podem ser iluminadas com luz natural e devem ser mantidas na escuridão. -- a poluição: a acção das substâncias poluentes sendo, na maioria dos casos, irreversível, confere uma enorme importância à conservação preventiva. Das medidas preventivas a adoptar destacam-se as seguintes: -- acautelar a qualidade estanque do edifício; -utilização de sistemas de ventilação adequados à filtragem dos agentes poluentes; -- dar uma protecção adequada às matérias constituintes dos objectos (como a colocação dos objectos em caixas, armários ou expositores, uso de tecidos em algodão e películas em polietileno); -- calafetagem de portas e janelas que devem permanecer fechadas; -- utilização de filtros em sistemas de ar condicionado e tratamento de ar; -- utilização de materiais de construção, exposição, armazenamento e acondicionamento, tendo em conta a sua durabilidade, inalteridade e compatibilidade. -- a humidade: degrada em excesso, quando o ambiente é demasiado seco. Através da monitorização da temperatura e da humidade relativa (com termohidrógrafos), é possível avaliar e controlar as condições dos espaços, adaptando-as aos objectos. O controlo pode ser efectuado através de diversos meios e acções eliminando as fontes de humidade e temperatura, como a calafetagem de portas e janelas, a ventilação com tratamento de ar, a utilização de humidificadores ou desumidificadores, de aquecedores ou ainda o controlo de pequenos volumes de ar através de absorventes como sílica gel ou Art-sorb. -- as infestações: é necessária a avaliação da evolução do estado dos objectos para se escolherem os métodos a aplicar em termos de intervenção sobre cada objecto e se tomarem medidas indirectas, tendentes a evitar a proliferação de parasitas. A presença de fungos, bactérias e outros microorganismos não pode ser evitada, embora devam ser mantidas condições de temperatura e humidade relativa que inibam o desenvolvimento de tais organismos. 192 Num museu várias acções implicam a circulação interna como é o caso da rotação de objectos na exposição permanente ou na exposição temporária, a reorganização das reservas, o estudo e a investigação. A circulação externa pode estar associada ao empréstimo de objectos a outras instituições ou à saída do museu por motivos de conservação curativa. Ambas as situações devem obedecer a um conjunto de procedimentos em conformidade com os requisitos relativos às condições de segurança e de ambiente, de acordo com as normas específicas de protecção dos bens culturais definidos pela instituição proprietária.

121

culturais, e a correcta limpeza193 de espaços, equipamentos e acervo, constituem também factores de conservação preventiva. A conservação preventiva de testemunhos culturais implica ainda um conjunto de medidas a tomar nas reservas e exposições, associadas à utilização de adequados materiais, equipamentos 194 e sistemas de exposição e reserva que devem ser inertes, funcionais e compatíveis com a natureza dos objectos a que se destinam. No plano da conservação, a exposição, “zona de tensão máxima entre as necessidades do público e as dos objectos”, deve beneficiar de diversos meios técnicos e equipamentos 195: meios relativos ao clima óptico, meios relativos ao clima higrotérmico, meios relativos à segurança (roubo, incêndio, vandalismo), outros meios de inspecção regular e de rotação das colecções expostas permitindo detectar e remediar degradações ocorridas no decurso da exposição.

Dado o carácter de abrangência transversal que a função conservação deve apresentar na instituição museológica (com particular conexão com as funções de documentação e exposição), e estando na base de todas as actividades relacionadas com os testemunhos culturais, a função conservação constitui um trabalho multidisciplinar envolvendo os técnicos do museu que quotidianamente lidam com os objectos incorporados, devendo estes proceder a uma observação contínua por forma a diagnosticar os perigos inerentes ao meio e a tomarem medidas preventivas no sentido de controlarem os factores de degradação, e os

193 Uma correcta limpeza dos espaços, equipamentos e acervo, implica a adopção de um conjunto de regras a seguir pela equipa de limpeza que deve receber previamente formação específica para um bom entendimento das funções e dos requisitos necessários, de acordo com os espaços museológicos e a condição das colecções que albergam. 194

Referimo-nos a equipamentos como vitrinas, suportes ou estantes de reserva.

Esses elementos são desenvolvidos no texto de LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, “Programação ou re-programação museológica (museu)”, pp. 4.

195

122

profissionais de conservação preventiva / curativa / restauro, cujo contributo é fundamental no aconselhamento sobre medidas a tomar no sentido de serem criadas as condições de conservação dos bens culturais de dada entidade museológica, e por fim, os arquitectos e engenheiros por forma a conceberem e adequarem as instalações às colecções a albergar.

3.3.2. Área funcional de “exposição, interpretação, educação”

Nesta área funcional convivem as funções de exposição, interpretação e educação, as que, no seio do binómio “colecção/acervo-público”, privilegiam as relações com os interlocutores habitualmente designados por público(s).

• Exposição e interpretação* A exposição e a interpretação constituem os meios pelos quais um dado museu dá a conhecer os bens culturais nele incorporados, tornando-os dessa forma acessíveis ao público. Na perspetiva dos investigadores Maria Olímpia e Henry Campagnolo a função exposição, a par com a conservação, constitui um dos factores que conferem especificidade à entidade museal: “(…) - a função de mostra-encenação, ou seja de restituição sob a forma de apresentação permanente ou temporária de bens identificados ou documentados à população a que estes pertencem directa ou indirectamente” 196. A exposição apresenta aos públicos determinados pontos de vista sobre as temáticas abordadas, através da “acção de manipular ou transformar um espaço, exterior ou interior, por 196

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia e CAMPAGNOLO, Henry, Uma forma renovada de entidade museal: uma rede de núcleos na área dos Coutos Cistercienses de Alcobaça, pp, 13. * Conteúdo enriquecido com algumas referências bibliográficas após a defesa da dissertação (2008).

123

forma a organizá-lo com coerência, tendo em vista não só o fluxo de comunicação que através dele se estabelece com o público (...)”197. A apresentação de objectos que abordam as temáticas da instituição, constitui o principal recurso de comunicação 198 do museu com o público. De acordo com a perspectiva desenvolvida pela museóloga Francisca Hernández intervêm, neste processo, os seguintes factores 199: -- o efeito produzido pelos objectos expostos, que por serem portadores de signos contribuem para a explicação do conteúdo da exposição: -- o tratamento da temática da exposição, na sua totalidade e em cada um dos seus elementos constituintes, representa a forma ou técnica aplicada e depende do número e da selecção de objectos (considerando o seu grau de representatividade ou significação relativamente ao tema), e do modo de inserção dos mesmos no conjunto temático (que deriva da localização dos objectos no espaço e da conexão que se estabeleça entre eles, e dos meios e equipamentos técnicos utilizados); --o discurso expositivo resultante da configuração da exposição (derivado de operações museológicas e museográficas). Da conjugação destas três componentes resultam consequências quantitativas e qualitativas, associadas à diversidade das técnicas de exposição aplicadas, permanecendo o objectivo GUEDES, Maria Natália Brito da Silva Correia Guedes, Museologia e Comunicação, Dissertação de Doutoramento em Antropologia (especialização em Museologia), apresentada à Faculdade de Ciências sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Volume I, Lisboa, 1994, pp. 60.

197

Segundo Francisca Hernández, a Semiótica entende qualquer fenómeno cultural como um elemento de comunicação, no qual tem lugar um processo de significação. Todo o processo de comunicação implica a existência de um objecto ou sinal que, através de um emissor, transmite a um receptor. O objecto ou sinal produz uma reacção no destinatário porque responde a um estímulo que o destinatário vai interpretar. O museu, através da sua estrutura, converte-se em meio ou emissor de mensagens ou signos e oferece uma série de conteúdos que, bem organizados, constituem a sua base discursiva e semiótica. Para comunicar o museu serve-se da semântica onde têm lugar relações entre signos e objectos. Por outro lado, o receptor, constituído pelo público dá sentido ao objecto, interpretando o seu significado e aplicando-o à situação cultural em questão, ocorrendo deste modo, uma relação entre signos apresentados e o público. Como qualquer sistema de comunicação, o museu tem as suas próprias formas discursivas, ou seja, possui um centro emissor materializado no próprio museu, um canal de comunicação sob a forma de exposição de objectos, e um receptor a quem destina a mensagem, o visitante. (HERNÁNDEZ, El museo como espacio de comunicación, pp.19-23).

198

199

HERNÁNDEZ, Manual de Museologia, pp. 202-203

124

principal de qualquer exposição criar condições para que se produza o diálogo visitanteobjecto. Nessa perspectiva, salientamos alguns dos elementos aplicáveis à exposição, fundamentais para a estruturação do discurso expositivo. Este depende da temática escolhida, dos seus objectivos, da associação dos objectos seleccionados (incorporados ou a incorporar) já documentados ou a documentar, do espaço escolhido, do percurso, dos materiais de suporte e das técnicas de comunicação adoptadas. A conjugação diferenciada dos diversos elementos dá lugar a diferentes discursos expositivos. Cada maneira de apresentar um objecto propõe vias e conceitos diferentes, advindo a significação de cada um das relações que mantém com os restantes, resultando dessa ligação o discurso cultural. A contextualização dos objectos constitui uma forma de apresentação que implica a transposição de pequenos universos para o espaço fechado do museu, ou a ida dos visitantes ao local onde aquele permanece, estabelecendo assim, a relação dos objectos com o meio original. A contextualização 200 implica envolver cada objecto num contexto documental que inclua referências às técnicas utilizadas na sua construção, simbologia, contextos económicos, políticos e religiosos que o motivaram, antecedentes e, se for o caso, a inserção artística do autor e da sua época. Através da contextualização dos objectos, o público é “iniciado” na temática através da recepção de um conjunto de informações sobre os testemunhos materiais expostos, aproximando-se dos objectos a que é sensível. Essa aproximação proporciona ao visitante a descoberta e a interpretação das mensagens através das diversas leituras de significado em particular simbólico, histórico, sociológico.

Considerando a apresentação da relação do objecto com o seu contexto original, Benes distingue várias formas de exposição: a) quando o conjunto exposto é valorizado no seu meio original, conservando-se as relações entre os diversos elementos expostos e respeitando-se todo o meio envolvente (exemplo desta forma de exposição é a exposição no-sítio); b) a exposição como representação artificial da realidade, onde a relação com o meio original é expressa através de vários meios visuais de forma a ser entendida pelo público; c) a exposição em que a relação com o meio original e a função dos objectos não são expressas, optando-se, nestes casos, por seguir a ordem cronológica, temática, estilística ou puramente estética. (mencionado por HERNÁNDEZ, Manual de Museologia, pp. 215).

200

125

Entre os elementos técnicos, destacam-se os seguintes: -- a iluminação que constitui um meio de comunicação e valorização da exposição, criando um ambiente geral na sala ou vitrina e realçando o valor de determinados objectos 201, contribuindo para a criação de um ambiente adequado dentro do seu contexto; a utilização de instrumentos de suporte ou de protecção, como é o caso das vitrinas e/ou de outro tipo de suportes 202; a sonorização; o design 203; o tratamento museográfico, como a circulação e o estacionamento 204, a sinalização interior e exterior à exposição; a climatização da sala de exposição 205. O processo de concepção e de divulgação 206 de uma exposição implica, para além dos aspectos que acabámos de referir, o conhecimento dos públicos aos quais são destinadas as mensagens da exposição. A partir desse conhecimento devem ser apuradas e eliminadas as barreiras físicas, psicológicas e pedagógicas susceptíveis de separar os públicos-alvo do museu207. Quanto à sua natureza artística, científica ou etnográfica, a exposição pode apresentar características muito distintas no que concerne à sua função e públicos a quem é dirigida. A luz pode evidenciar aspectos e facetas novos, valores artísticos, cromáticos e formais sobre determinado objecto.

201

A título de exemplo, mencionamos a utilização de suportes transparentes ou fios de suspensão que dão aos objectos a “impressão” da sua vida anterior, resultante do jogo “realismo / exposição”.

202

Referimo-nos, por exemplo, à altura dos tectos ou à cor do chão e das paredes cujas alterações podem induzir ao sentimento de que houve uma mudança de tema e uma alteração de percurso. 203

O percurso sugerido ao visitante tem por objectivo encaminhar o visitante através da sala de exposições, proporcionando-lhe a apreensão global da exposição e transmitindo-lhe uma imagem do discurso apresentado. O percurso deve ser claro e deve estar sinalizado em todas as unidades da exposição.

204

A climatização pode afectar o processo de comunicação, devendo por isso proporcionar um ambiente agradável que convide o visitante a entrar com conforto e com satisfação nesse processo.

205

A divulgação de uma dada exposição deve ser efectuada após estudos dos diferentes públicos e em colaboração com um conjunto de entidades públicas e privadas: educação (escolas), turismo (incluindo os museus em percursos turísticos sugeridos), comércio, determinados serviços de autarquias (para providenciar acessibilidade e estacionamento junto de museus, por exemplo), implementação de processos de marketing (publicações, meios de comunicação social) para despertar o interesse e a motivação cultural.

206

As barreiras a que nos referimos podem ser eliminadas nomeadamente através: -- de medidas facilitando o estacionamento no exterior do museu; -- da promoção e da divulgação de meios acessíveis aos diversos públicos; -- da suficiente e clara legendagem na exposição completada por textos pedagógicos disponíveis. 207

126

Merleau-Ponty e Ezrati 208 definem a exposição como manifestação cultural desempenhando um conjunto de funções sociais e culturais: -- enquanto suporte de comunicação constitui uma forma de expressão de identidades culturais, testemunha determinadas épocas e meios sociais, tendências culturais e artísticas. Desempenha uma função de identificação, posicionando o museu como representante da imagem de dada comunidade e pode contribuir para a valorização de identidades; -- constitui um meio eficaz de divulgação do património e das colecções dos museus convertendo-os em lugares de trocas culturais; -- assume e desenvolve objectivos associados à educação.

Os mesmos autores classificam a exposição em quatro categorias (atribuindo três delas a Jean Davallon), correspondentes a diferentes correntes da museologia, assim enunciadas: •• A exposição de/o “objecto(s)”, de carácter predominantemente estético, corresponde ao domínio da arte em que é proposto ao visitante um contacto visual com o objecto. A aquisição de conhecimentos, apesar de presente, assume um lugar secundário materializado na apresentação e cronologia geralmente constantes em painéis localizados no início da exposição. A obra de arte é a presença quase exclusiva. É apresentada em vitrines e suportes, tradicionalmente utilizados em belas artes, onde a disposição e as cores dos elementos de suporte procuram facilitar o “encontro” entre a obra e o visitante. •• A exposição do “saber”, propõe a aquisição de conhecimentos tendo por principal objectivo a transmissão de determinada mensagem aos seus destinatários, utilizando técnicas de comunicação e suportes multimédia. Constitui uma exposição de carácter pedagógico, científico ou cultural e é normalmente concebida no âmbito das ciências exactas e humanas. O objecto é assumido como instrumento de comunicação, sendo facultados os instrumentos adequados à sua interpretação através da apresentação/disposição dos objectos e da relação estabelecida entre os mesmos, auxiliada por painéis explicativos e ilustrativos e por elementos/suportes interactivos. Esta categoria de exposição está frequentemente associada a um sítio ou a um objecto e é aplicada por centros de interpretação e unidades museológicas que se propõem explicar sítios naturais (como as paisagens) ou culturais (como monumentos, aldeias histórias ou sítios arqueológicos).

208

MERLEAU-PONTY, Claire e EZRATI, Jean-Jacques, L´Exposition, Théorie et Pratique, L´Hartmattan, 2005.

127

••A exposição de “determinado ponto de vista” remete a aquisição de conhecimentos para segundo plano e privilegia a interpretação cenográfica. O visitante é colocado no centro do espaço museal num ambiente onde são encenados objectos e informações. As técnicas expositivas mais utilizadas são reconstituições, dioramas e encenações de tipo espectáculo, complementadas por técnicas de mediação como vídeos, filmes e animações teatrais. ••A exposição “de ruptura” insere-se numa corrente da museologia que visa suscitar o espírito crítico do visitante. Defensor da museologia de ruptura, Jacques Hainard, define assim as exposições: “Les expositions ne sont pás dês lieux où on montre du savoir mais où on montre comment le savoir se construit. (...). Exposer c´est troubler l´harmonie. Exposer c´est susciter dês emotions, dês colères, dês envies d´én savoir plus. Exposer c´est construire un discours spécifique au musée fait d´objects, de textes et d´iconographie.(...). Exposer c´est lutter contre les idées reçues, les stéréotypes et la bêtise. Exposer c´est vivre intensément une expérience collective“209. No que toca ao seu carácter temporal e em função da finalidade pretendida, a exposição pode ser permanente ou de longa duração, temporária ou itinerante, devendo qualquer uma das formas obedecer a uma programação baseada no acervo e com o contributo das funções de investigação, documentação, conservação, educação e edição e com as disciplinas implicadas pelo tema da exposição 210. Nos últimos anos a exposição de longa duração foi gradualmente ganhando terreno face à designada exposição permanente, dada a necessidade de assumir uma actualização regular que, para além de conferir alguma dinâmica da comunicação com os públicos, constitui um factor de conservação dos próprios objectos. A exposição de longa duração resulta e apresenta o acervo mais importante e representativo de um dado museu, ou das colecções em que a instituição centra a sua programação, estando por isso associada à maioria das acções educativas e constituindo ela própria uma das principais vias de comunicação com os públicos. As exposições temporárias, que poderão durar alguns meses, têm diversas vantagens comparativamente com as exposições permanentes. Constituem formas de captação de novos públicos interessados em particular nas temáticas abordadas e fidelizam os públicos habituais, 209

HAINARD, Jacques, citado por MERLEAU-PONTY e EZRATI, 2005, pp. 31.

210 A programação de exposições constitui a oportunidade de levar a cabo estudos e projectos de investigação com o objectivo de produzir conteúdos a veicular nos discursos expositivos, resultando também na produção de edições como é o caso de catálogos.

128

pelo seu dinamismo e inovação, encorajando a visita regular ao museu. Para além deste aspecto, proporcionam oportunidades de comunicação junto dos públicos sobre os resultados da actividade de investigação e de documentação e transmitem uma imagem dinâmica do trabalho desenvolvido pelo museu. As exposições temporárias constituem a oportunidade de expor objectos guardados em reserva ou provenientes de novas incorporações, orientam a atenção para determinadas temáticas e para testemunhos cedidos por empréstimo para o efeito por parte de outros museus ou da própria comunidade, quando considerados consentâneos com o tema do museu, estabelecendo-se dessa forma uma relação entre museus ou com as comunidades de origem dos objectos. A programação de exposições temporárias pode ser realizada em conjunto com um leque de eventos e de acções relacionados com as temáticas abordadas, em articulação com os serviços educativos do museu e com a participação das respectivas comunidades. As exposições itinerantes têm frequentemente uma finalidade educativa; são muitas vezes dirigidas a escolas e a populações que não têm fácil acesso aos museus, representam por isso uma forma de projecção social do museu.

Completando e concluindo a abordagem que acabámos de descrever, apontamos resumidamente os elementos que devem ser considerados no âmbito da programação de uma dada exposição. Os princípios que a seguir apresentamos serviram de base à proposta de exposição de longa duração que incluímos no capítulo 3.5.1 da presente dissertação: -escolha do tema e do título 211 e, em consonância com o primeiro, a selecção de objectos ou de séries de objectos a expor e do estudo ou da documentação relativamente à selecção dos

Lameiras-Campagnolo e Campagnolo realçam nesta etapa a importância da pesquisa documental e de terreno que devem ser fundamentais. (LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, ProgramaçãoReprogramação Museológica (….).

211

129

conteúdos a tomar em consideração 212; -- especificação dos públicos-alvo fidelizados ou a fidelizar; -- a escolha de um espaço de exposição articulado com os diferentes espaços funcionais, públicos e privados, tendo em conta aspectos como a circulação, a acessibilidade (em todas as suas vertentes), a conservação, a segurança; -- elaboração do guião conduzindo a planificação da exposição, as operações museológicas e museográficas 213, com vista à estruturação do discurso expositivo 214, implicando a sua tradução espacial e a aplicação de instrumentos auxiliares de leitura 215; -- previsão dos recursos humanos 216, financeiros 217, técnicos 218 e dos apoios logísticos disponíveis ou a disponibilizar; --divulgação e apoio 212

A definição destes elementos faz parte dos programas científico e museológico da exposição.

213O

conjunto de operações museológicas e museográficas, compreende os seguintes elementos a considerar na exposição:-- a concepção museográfica diz respeito à apresentação dos objectos e à sua contextualização, suportes e protecção, iluminação, sonorização, design, circulação/estacionamento (percurso), sinalização, circuito interno (administrativo e técnico), segurança; -- acções de enquadramento educativo, no âmbito da exposição, de diferentes categorias de público (pontuais, adultos, juvenis, infantis, escolares, não-letrados, deficientes, especializados (ramo profissional), com instrumentação diferenciada e de relação interactiva com públicos diferenciados [material de apoio audiovisual (filmes, registos sonoros, diapositivos); materiais complementares (cartas geográficas, diagramas, desenhos, fotografias); material para o serviço educativo e para utilização nas oficinas ou laboratórios anexos à exposição].

214

Seleccionado o tema importa definir a mensagem a veicular na exposição e o conteúdo que se pretende que o público interprete. Merleau-Ponty e Ezrati caracterizam as mensagens de âmbito estético, informativo, político ou ideológico, de acordo com as seguintes categorias de abordagem expositiva: -- a artística em que predomina a contemplação estética (obras de arte); -- a científica que caracteriza as exposições temáticas, cientificas e do conhecimento, frequentemente do domínio das ciências exactas, do meio ambiente e das ciências humanas, que tentam conjugar a vocação de lazer cultural com a procura de conhecimentos por parte dos visitantes; -- a plural na qual predomina a estética mas que inclui elementos característicos das abordagens cientifica e/ou técnica e vice-versa; --a teatral que se define pela utilização de técnicas de encenação teatral, com recurso a actores, em que os visitantes são espectadores e a mensagem corresponde ao cenário e à cenografia da decoração. (MERLEAU-PONTY e EZRATI, 2005). Constituem instrumentos auxiliares de leitura aplicáveis à exposição: a legendagem dos objectos; os documentos a eles associados como desenhos, fotografias ou cartas; os textos informativos; os documentos audiovisuais e informáticos; as acções de animação enquanto estímulo da apresentação e como forma de induzir o visitante à sua participação. Os diversos níveis de informação (linguagem visual, audiovisual e escrita) deverão ser concebidos em articulação com os serviços educativos, de forma a permitir ao visitante assimilar os conteúdos que a exposição pretende transmitir.

215

Referimo-nos à composição da equipa responsável pela exposição, bem como à participação de especialistas e de conhecedores externos do tema, e à intervenção, na concepção do guião, de instrumentos auxiliares de leitura incluindo a concepção e a realização do catálogo.

216

Os recursos financeiros podem provir da própria instituição, de financiamentos públicos como os apoios comunitários, privados, de parcerias ou resultantes de acções publicitárias ou de angariação de fundos.

217

A preparação e montagem de uma dada exposição implica a intervenção de profissionais da área técnica, pelo que é necessária a articulação com os recursos técnicos da instituição.

218

130

pedagógico 219; -- relação da exposição com outras iniciativas do museu e acontecimentos culturais exteriores ao museu; -- avaliação da eficácia da exposição através de metodologias 220 adequadas junto dos públicos e introdução no discurso expositivo dos resultados dessas avaliações. Muitos dos aspectos que têm vindo a ser focados a propósito da exposição podem ser aplicados à função interpretação que, no caso da unidade em análise, intervém sobretudo no modo como foram concebidos e delineados os “itinerários de observação e de interpretação” que apresentaremos no capítulo 3.5.3. Retivemos, para a definição desse conceito, a síntese apreendida durante o período de escolaridade académica: “Utilizado primeiramente na leitura dos parques naturais do Canadá e apresentado como um instrumento eficaz de divulgação e de conservação de "bens naturais" (espécimes e paisagens naturais) por Freeman Tilden no seu artigo pioneiro "Como interpretar o nosso património" (1957), o conceito de interpretação adquiriu ao longo dos anos uma extensão mais alargada, passando a ser aplicado também a "bens culturais" (objectos ou conjuntos de objectos, ou melhor, artefactos ou conjuntos de artefactos). A par, por um lado, de investigadores dos parques canadianos (como Annette Viel), promotores de uma perspectiva eco-sistémica da interpretação revelando "o espírito do(s) lugar(es)" e inscrevendo-se na senda aberta por Freeman Tilden, a par, por outro lado, de museólogos respeitados (como Ambrose e Paine), que dele se distanciam para valorizar, no âmbito do "trabalho de museu", a interpretação de bens não só inseridos no seu meio original (musealização no-sítio) mas também deslocados do seu meio original, a generalidade

Referimo-nos a acções de publicidade (como é o caso da elaboração de elementos destinados à divulgação através de meios de comunicação como a televisão (filme) ou a Internet (site)) e à elaboração de um conjunto de instrumentos auxiliares de leitura da exposição, que também constituem formas de divulgação, como é o caso das publicações (catálogo, roteiro, desdobrável, cartaz). Os elementos de divulgação e de apoio pedagógico deverão ser elaborados em consonância com as características específicas da diversidade de públicos (jovens, adultos e deficientes).

219

A avaliação poderá ser obtida através da realização de inquéritos ou entrevistas aos visitantes, de relatórios de frequência e de análise da imprensa.

220

131

dos autores consultados (como Duncan Cameron) admitem a dificuldade de transmissão, aos públicos/interlocutores do museu, do sentido de que são suportes os bens, assim como o papel construtivo e correctivo de uma interpretação clarividente no que toca ao aprofundamento e à acessibilidade da comunicação entre o museu e os seus públicos/ interlocutores” 221.

• Educação e divulgação Uma das formas de acesso ao museu e aos bens culturais nele incorporados é realizada através da função educação que contribui para a participação e a valorização cívica e cultural das comunidades, bem como para o aumento e a diversificação dos públicos. Este vastíssimo e importantíssimo domínio tem sido sem dúvida um dos que mais tem beneficiado de um nítido aprofundamento de conteúdos e da afectação de meios à medida da crescente implantação, na generalidade dos museus, de Serviços Educativos animados por um pessoal formado, nos planos conceptual e técnico, que tomam em crescente consideração os resultados dos estudos de públicos e, através deles, a renovação dos critérios de avaliação do desempenho dos museus 222. Referindo-se ao importante papel dos museus na educação dos públicos e dos cidadãos, Graça Filipe considera que “deverá ser assumido global e transversalmente por todos os profissionais intervenientes no trabalho de museu”. Para a mesma autora, “[a] função educativa e cultural dos museus, baseada nas respectivas colecções e acervos, deverá estar claramente inscrita na sua programação, determinando, por parte da tutela (...) os recursos e o modelo de gestão adequados à aplicação concreta dessa função, posta ao serviço da

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, Programação-Reprogramação Museológica (….). FARIA, Margarida Lima de, “Avaliação dos Museus na perspectiva dos Públicos”, Arquivos da MemóriaMuseologia e Património, 10/11, UNL, 2001, pp. 53-70. 221 222

132

sociedade e do seu desenvolvimento; a vertente educativa da missão do museu deverá constituir uma linha de articulação entre as várias funções museológicas activadas (...)”. Defendendo que à função educação devem corresponder os designados Serviços Educativos (ou de públicos) e a adequação dos profissionais de património incumbidos dos Serviços Educativos, Graça Filipe considera ainda que “(...) apreendendo o museu como fenómeno social, que lida e vive com a realidade, aqueles profissionais / mediadores devem aprofundar uma abordagem holística dessa realidade e dos patrimónios, acompanhar as mudanças e intervir na sociedade e contribuir para o seu desenvolvimento” 223. A função educação realiza-se através da concretização de diversas acções levadas a cabo pelo museu e no âmbito das atribuições funcionais e a acções educativas / actividades culturais desenvolvidas com o objectivo de envolver públicos específicos. Através da função educação – levada à prática por intermédio de acções diversificadas no âmbito das atribuições funcionais, com particular incidência nas funções associadas à comunicação com os públicos (interpretação/exposição e divulgação/edição) -- o museu constitui-se em recurso e instrumento de aprendizagem para indivíduos de todas as idades, utilizando as colecções e a informação a elas associada. A Lei Quadro dos Museus Portugueses inscreve a educação entre as funções museológicas, prevendo por um lado que o museu desenvolva “de forma sistemática programas de mediação cultural e actividades educativas que contribuam para o acesso ao património cultural e às manifestações culturais” e por outro lado que o museu promova a função educativa “no respeito pela diversidade cultural tendo em vista a educação permanente, a participação da comunidade, o aumento e a diversificação dos públicos”. 224

FILIPE, Graça, “Educação em Museus – alguns tópicos sobre a programação dos serviços e formação dos profissionais”, Encontro Ver, Rever. Museus Educação: Comunicações, Instituto Português de Museus, 2004, pp. 16-17. 224 Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto, Artigo 42º, nºs 1 e 2, in Diário da República – I Série-A, nº 195. 223

133

3.4. Gestão

Em conformidade com o estatuto específico atribuído aqui à função gestão, em particular pela heterogeneidade do seu campo de aplicação participando -- em associação com as suas componentes, administração e manutenção técnica -- do campo de aplicação das outras funções, o modelo de gestão pode ser encarado como a expressão sistémica das relações hierárquicas e não-hierárquicas que ligam as “áreas” constitutivas de uma dada unidade museológica, informando assim sobre o modo de circulação de recursos e de informações entre os órgãos encarregados de assegurar o desempenho do museu, bem como sobre o modo de funcionamento e de relacionamento desses órgãos, tanto no plano interno como no plano externo. Conjugando uma dada “organização funcional” e uma dada “organização territorial”, o modelo de gestão deverá poder adequar-se, no plano das decisões e no plano do controlo dessas decisões, aos reajustamentos impostos por cada fase do desempenho do museu, designadamente no caso das estruturas museológicas reticulares, em que o binómio “território/população” intervém directamente tanto a jusante como a montante da cadeia de transformação de informação que cada unidade museológica constitui e que o modelo de gestão sintetiza. 225

3.4.1. Estrutura orgânica da unidade

Em consonância com o espírito e a letra do regulamento da Câmara Municipal de Sesimbra, a futura unidade museológica de temática marítima faria parte da estrutura orgânica do Museu Municipal de Sesimbra, cujo organograma actual apresentamos a seguir (v. Organograma 1). 225

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, “Analisar e comparar (...)”, 1998.

134

Face a esta “Opção 1” correspondendo a uma “situação orgânica em continuidade”, julgamos oportuno evocar aqui a eventualidade de uma “Opção 2” correspondendo fundamentalmente a uma reformulação restrita da situação orgânica e da designação da Divisão, que passaria a intitular-se Turismo, Cultura e Museus (v. Organogramas 2 e 3). Associada, por um lado, à emergência de uma instância de coordenação interna à unidade marítima respondendo pelo seu desempenho e, por outro lado, ao reconhecimento da capacidade desta última para estabelecer adequadas formas de colaboração e de parceria com interlocutores municipais e externos, uma tal reformulação permitiria conciliar o funcionamento em rede com os demais núcleos (partilhando com eles recursos e informação) e a angariação, em total transparência, de uma parcela complementar de recursos próprios, susceptíveis de criar condições favoráveis ao exercício do leque funcional atrás descrito. De tutela municipal mas gozando de alguma autonomia funcional, a unidade marítima poderia beneficiar, com pleno conhecimento dessa tutela, do contributo de um conjunto diversificado de apoios, quer através de protocolos de cooperação científica com museus marítimos ou de temáticas afins, com universidades ou outros organismos especializados, quer através da cooperação com entidades locais, com vista a reunir esforços e a usufruir de contrapartidas mútuas concorrendo para a prossecução de objectivos comuns de desenvolvimento local. As entidades locais que consideramos parceiras potenciais da unidade museológica marítima encontram-se de alguma maneira relacionadas com a pesca, com actividades a ela correladas ou com o turismo local (como é o caso do Porto de Pesca de Sesimbra, do Clube Naval, da Escola de Pesca, empresas privadas e associações locais). Um conjunto de objectivos claramente relacionados com o trabalho de museu e destinado a ser levado à prática no quadro da actual Divisão de Turismo e Cultura encontra-se desde já consignado em dois documentos: (...) Implementar e gerir o Plano Museológico Concelhio (...) e Organizar e gerir os espólios museológicos existentes, bem como os edifícios e os sítios

135

classificados). Da publicação recente da Lei-quadro de Museus e das Normas de Credenciação decorrerá certamente o propósito: -- por um lado, de enquadramento conceptual, pela Divisão responsável das unidades museológicas, no que toca ao concreto exercício das principais funções museológicas -incorporação, inventário, documentação, conservação, exposição-interpretação, educação, divulgação – bem como das disciplinas necessárias ao tratamento do campo temático; -- por outro lado, a sua aplicação ao conjunto das unidades constitutivas do Museu Municipal de Sesimbra (incluindo colecções e patrimónios sob tutela autárquica, entre os quais se conta a unidade de temática marítima).

Organograma 1 - Actual inserção institucional do Museu Municipal de Sesimbra

Executivo Municipal

Departamento de Educação, Cultura e Lazer

Divisão de Cultura e Turismo

Gabinete de Animação Cultural

Sector de Cultura

Sector do Turismo





Sector de Mus eus



Gestão de recursos concelhios de turismo e de património museológico, natural e cultural.

136

Organograma 2 – Proposta de inserção institucional da unidade marítima

Protocolos ---------

Executivo Municipal

Departamento de Educação, Cultura e Lazer

Divisão de Cultura e Turismo

Sector do Turismo

Sector de Cultura

Unidade Marítima “Museu do Mar”

Sector de Museus

Núcleo de Arqueologia

Núcleo Museológico Capela do Espírito Santo dos Mareantes

Cooperação c/entidades locais Cooperação científica Organograma 3 – Proposta de estrutura funcional da unidade marítima Unidade Marítima “Museu do Mar”

Serviço Documentação e Conservação

Centro de Informação e Documentação

Funções: estudo, documentação, conservação, estudos sectoriais (investigação)

Serviço Exposição / Interpretação e Educação

Serviços Educativos

137

Funções: Exposição / Interpretação

Núcleo do Castelo (História Medieval)

a. Ao pólo “Documentação e Conservação” integrado na estrutura orgânica (sob a designação eventual de “serviço”), incumbiriam -- em conformidade as indicações fornecidas nos sub-capítulos dedicados à investigação, documentação, conservação no capítulo 3.3.Espectro funcional e disciplinar -- entre outros encargos, as seguintes tarefas: • Coordenação de pesquisas pontuais (estudos sectoriais no âmbito da investigação a realizar por técnicos de museu ou investigadores externos); • Acções de conservação de acervos em exibição e em reserva (recurso a apoios de técnicos especializados em conservação); gestão das reservas; • Desenvolvimento do sistema de registo e documentação já iniciado; • Articulação entre as funções de documentação, conservação, exposição-interpretação, educação, divulgação e com o centro de documentação/informação; • Criação de condições para o acesso às colecções por investigadores interessados na elaboração de trabalhos de índole académica, fixando como contrapartida a entrega desses estudos ao centro de documentação.

Associado a este pólo, deveria ser criado um centro de documentação/informação, o qual -articulando as funções de investigação/estudo, documentação, conservação e constituindo um instrumento privilegiado de comunicação com os diversos tipos de públicos -- visaria, entre outros, os seguintes objectivos: -- aprofundar a temática marítima em diversas áreas disciplinares (ciências do mar e pesca, história, antropologia, museologia, biologia/ecologia) reportadas a diferentes aspectos dos temas tratados pela unidade museológica (temáticas expostas ou não) e com o mar em geral; -- constituir uma base de dados de âmbito nacional, regional e local sobre artes de pesca e sobre questões colocadas no âmbito das exposições e em conjunção com elas; -- apresentar um conjunto de informações relacionadas com o mar e

138

a pesca, quer as resultantes do trabalho de investigação que viesse a ser realizado no âmbito do Museu Municipal, quer de estudos já existentes realizados por diversos investigadores de vários organismos públicos; -- elaborar uma cuidada oferta informativa ao público, em diversos suportes: escrito, fotográfico, informático e audiovisual; -- realizar protocolos ou parcerias com diversos organismos relacionados com o mar e a pesca, museus municipais de temática marítima (nacionais ou estrangeiros), universidades e outros organismos, com vista à aquisição, partilha e troca de informação sobre temáticas comuns; -- proceder à edição (em articulação com os actuais serviços de edição da câmara) de produtos acessíveis de divulgação sobre a acção do museu.

b. Ao pólo “Exposição-Educação” integrado na estrutura orgânica (sob a designação eventual de “serviço”), incumbiriam -- em conformidade as indicações fornecidas nos subcapítulos dedicados à exposição-interpretação, educação, divulgação no capítulo 3.3.Espectro funcional e disciplinar -- entre outros encargos, as seguintes tarefas: • Programação, encenação, avaliação da exposição de longa duração, de acordo com o tema previamente determinado; • Programação, encenação, avaliação de exposições temporárias; • Implementação, no território do Concelho, de itinerários de interpretação, em articulação com as exposições, com vista ao aprofundamento das temáticas abordadas nas exposições; • Estabelecimento de parcerias com diversos organismos, nacionais e internacionais, relacionados com o mar e com a pesca, quer, em particular, sob a forma de integração em redes de museus marítimos, quer sob a forma de integração em circuitos, nacionais e internacionais, de exposições/eventos temáticos ou de inclusão em itinerários culturais e turísticos;

139

• Articulação com as áreas funcionais de investigação, documentação, conservação, em acções a desenvolver, implicando as competências dessas áreas; • Articulação com as actividades programadas e realizadas no quadro dos Serviços Educativos: -- parcerias com escolas do Concelho; -- ateliers vocacionados para o público, em geral, e, em particular, para os públicos sectoriais (crianças, deficientes), em ligação com os organismos com competência nessas áreas e em articulação com as temáticas das exposições e os itinerários de interpretação; -- concepção de materiais lúdico-didácticos (crianças e deficientes), encorajando a percepção e o questionamento das diferentes iniciativas levadas a cabo pela unidade marítima; -- planificação de actividades e de eventos envolvendo os diversos sectores da comunidade local; -- organização de conferências sobre as temáticas da unidade ligada ao mar.

3.4.2. Recursos humanos e financeiros adstritos à unidade marítima

Não nos parece possível delimitar, em função da parca informação disponível, os níveis concretos de complementaridade entre a autarquia e a unidade marítima, embora possamos antever que a emergência, com o assentimento da autarquia, de uma instância coordenadora da unidade eventualmente corporizado na figura de um responsável, implicaria que a comunicação entre a Divisão correspondente e a unidade se efectuaria através desse novo interlocutor. O que nos parece poder caber, no presente corpo de sugestões, é a enunciação ou a enumeração estimativas dos meios humanos e financeiros que apareceram -- durante o período da nossa convivência com a colecção e com as comunidades sesimbrenses que a doaram e que contribuíram para a sua contextualização -- como indispensáveis à conservação, ao estudo e à promoção da colecção. 140

Dois campos da gestão ficam por enquanto fora do alcance de uma estimativa fundamentada: os recursos tecnico-logísticos (relacionados nomeadamente com as questões de conservação do património imóvel presentes nos itinerários de interpretação), bem como, noutro plano, as modalidades de circulação da informação e da decisão entre a futura unidade marítima e a instância autárquica de que dependería, em concreto, essa futura unidade.

a. Recursos humanos: corpo técnico e colaboradores Para além das observações que acabamos de formular, cumpre-nos sublinhar um aspecto relativo às condições de constituição e à composição do que poderia vir a ser a equipa da futura unidade marítima e que se prende com a formação desse corpo técnico e dos seus colaboradores. Revelando-se fundamental para a afirmação, nos planos qualitativo e quantitativo, do trabalho de museu e para o cumprimento das responsabilidades e dos objectivos da futura equipa, a adequação ao posto de trabalho da formação e da qualificação iniciais de cada agente necessitaria, em complemento, do aperfeiçoamento e da actualização provenientes da formação contínua, a qual deveria ocupar um merecido lugar na carreira de cada profissional, em conformidade com as disposições legais vigentes

Pessoas

Internos adstritos à Unidade Marítima

Formação

Funções /Serviços

1 Responsável Técnico-

Licenciatura adequada ao

Gestão, documentação e

Científico

campo temático e

conservação, exposição e

(Técnico Superior)

Mestrado em Museologia

interpretação e estudos associados a estas funções.

1 Técnico Superior

Licenciatura e formação

Serviços educativos,

em Museologia

documentação/informação e estudos associados a estas áreas.

141

1 Técnico profissional

Museografia

Documentação e exposição/interpretação

1 Técnico profissional

Adequada ao serviço

Serviços educativos e exposição

educativo

(acompanhamento visitantes)

1 Administrativo

Administrativa

Apoio à gestão

Investigadores

Licenciatura/Pós-

Documentação (acervo), exposição,

graduação adequadas às educação áreas

temáticas

e

e documentação/informação.

disciplinares a investigar Externos

Amigos e voluntários do

Concretização de tarefas

museu

desenvolvidas pelos diversos serviços sob orientação e supervisão dos técnicos responsáveis pelas respectivas áreas funcionais.

Internos: serviços camarários

Carpintaria, electricidade,

Adequada

Resposta a necessidades correntes ou

(a requisitar internamente)

arquitectura/design ,

pontuais dos diversos serviços da

transporte, jardinagem,

unidade marítima.

cafetaria, outros.

b. Recursos financeiros Os recursos financeiros da unidade museológica marítima poderiam provir de duas vias: • A principal via seria a via municipal, em continuidade com a situação actual, em que as verbas são atribuídas essencialmente através das GOPs. De modo a gerir e a garantir a sustentabilidade da unidade marítima, deveriam ser inseridos, nas GOPs, os projectos ou as acções museológicos programados, com a indicação das verbas a atribuir respectivamente a cada uma das categorias. Hipótese de modelo de orçamento e de projectos ou acções a inserir nas GOPs

142

Exposição de

Exposições

Educação /

Documentação e Estudos

Acções

Centro

longa duração

temporárias

divulgação

associados a temáticas e

conservação

documentação

acervo

(reservas /

/Informação

exposições) Equipamentos de exposição

Materiais didácticos Aquisição (pontual) de

Aquisição de

Aquisição de

(suportes) e conservação

de apoio (às

serviços de investigadores

serviços de

bibliografia

exposições e

(exemplo: estudos para

conservação

serviços

suporte da exposição de

educativos)

longa duração e temporárias)

Elementos auxiliares de leitura

Concepção /edição Equipamento e materiais

Materiais e

Equipamento e

(legendagem, painéis para textos, de produtos de

equipamento de

materiais

guias, outros)

divulgação (guias,

conservação e sua

catálogos, estudos,

manutenção

outros) Manutenção de equipamentos

Materiais diversos

• A segunda via (via alternativa), que dependeria das opções e das iniciativas delineadas pela eventual instância coordenadora da unidade, em complemento e com o assentimento da autarquia, poderia provir de diversas fontes, entre as quais destacamos: -- parcerias ou protocolos a estabelecer com diversas entidades locais (tais como: Clube Naval, Escola de Pesca, Porto de Sesimbra) ou externas, de que resultariam financiamentos propriamente ditos ou outro tipo de recursos; -- candidaturas a programas de financiamento específicos da Rede Portuguesa de Museus, bem como o recurso ao apoio técnico da RPM (como é o caso da conservação preventiva); --- outros programas públicos de financiamento em vigor; -- acções comuns a programar com outros serviços da Câmara, com o Turismo, com proprietários

143

privados e com associações de comerciantes -- receitas obtidas através de ingressos e vendas da livraria e de artesanato (reproduções ou não de objectos da colecção alusivos às artes de pesca).

3.5. Linhas programáticas

A apresentação, no início do capítulo, do corpo conceptual que utilizámos como base dos presentes contributos à programação da futura unidade marítima de Sesimbra, prende-se com o princípio assumido, desde o início da dissertação, segundo o qual a programação museológica assenta forçosamente, para além do conhecimento dos antecedentes da entidade a programar, na caracterização precisa do seu agenciamento temático, funcional, disciplinar e do seu modelo de gestão226. Antes de nos pronunciarmos sobre o modo como os diferentes sectores gerados pelo processo programático se poderão relacionar com os dados resultantes da mencionada caracterização – sob a forma de uma síntese que os autores mencionados designam por “propósito indutor da programação museológica” – vamos descrever sucintamente o edifício que irá previsivelmente acolher a futura unidade marítima:

3.5.1. A Fortaleza de Santiago, edifício previsível de acolhimento da unidade marítima

Conforme referimos em nota de rodapé no ponto 2.3.4. da presente dissertação a Câmara Municipal de Sesimbra aprovou em 1999 uma “Proposta de Desenvolvimento”227 que tinha subjacente uma “filosofia de intervenção” relativamente ao conjunto dos bens patrimoniais 228

226

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, Programação-Reprogramação Museológica (….).

227

V. Proposta de Desenvolvimento (Anexo V).

228

Considerando bens patrimoniais o património natural e cultural.

144

do Concelho, que tinha como objectivo a reestruturação do Museu Municipal em diversos núcleos de temáticas diversas tomado em consideração as características desses diferentes bens. Nessa perspectiva, o referido documento apresenta um Projecto de Museu que estipula a conversão de uma parte da Fortaleza de Santiago (depois da transferência da tutela para a Câmara) em espaço cultural destinado a acolher a unidade ligada ao mar e à pesca sob a forma de um centro de interpretação do mar que comportaria a colecção de artes de pesca, um centro multimédia sobre o mar de Sesimbra, ateliers para crianças, uma loja de venda de artesanato ligado ao mar, uma sala de exposições temporárias, uma sala para conferências, um posto de turismo, um serviço de restaurante, um café e uma área para quartos destinada a convidados da Câmara229. Com base nesta “Proposta de Desenvolvimento” e após análise pública da mesma em 2001, foi elaborada uma “Proposta de programa museológico para a Fortaleza de Santiago – definição de blocos e respectiva ocupação e temática” 230, cuja responsabilidade de definição de objectivos e da repartição funcional coube à autarquia em parceria com a Direcção Geral de Edifícios e com os Monumentos Nacionais, no que concerne à execução do projecto de remodelação do edifício. Na presente dissertação pretendemos apresentar um conjunto de sugestões em consonância e em complemento com os objectivos do Museu Municipal expressos no referido documento 231, o que propõe uma repartição funcional e temática dos espaços da Fortaleza na óptica conjuntamente museológica, sócio-cultural, comercial e turística a ser implementada nos diversos blocos que constituem o edifício. A organização funcional da futura unidade museológica, prevista no citado documento, é a seguinte: -- espaços destinados à exposição 229

V. Proposta de Desenvolvimento (Anexo V).

Câmara Municipal de Sesimbra, Proposta de programa museológico e metodologia de implementação no âmbito do desenvolvimento do Museu Municipal de Sesimbra, Câmara Municipal de Sesimbra, s/ data (V. Anexo VI). 231 V. Proposta de programa (…) (Anexo VI). 230

145

permanente do Museu do Mar de Sesimbra, sendo um (1º piso, Bloco D) dedicado à exposição etnográfica relacionada com as artes de pesca e outro (rés-do-chão, Bloco D) a espaço expositivo relacionado com a investigação oceanográfica; -- serviços de apoio e administrativos do Museu (1º piso, Bloco B); espaço expositivo destinado ao enquadramento histórico e estratégico da fortaleza de Santiago (rés-do-chão, Bloco E); -- reserva do museu (sótão do edifício). São ainda previstos espaços para a realização de exposições temporárias, espaços para a formação e a realização de eventos diversos, espaços para restauração e cafetaria, posto de turismo, lojas de venda de produtos regionais, salão nobre da autarquia e área comercial. Não pretendendo questionar aqui a atribuição funcional, inscrita nesse documento, de cada fracção do espaço físico do edifício da Fortaleza mas admitindo a opção “Fortaleza” como local de acolhimento da unidade, passamos a enunciar seguidamente um conjunto de sugestões decorrentes da nossa convivência com a colecção ligada ao mar, com os seus territórios de inserção, com os interlocutores locais e externos susceptíveis de intervir proficuamente no exercício e na irradiação da futura unidade.

3.5.2. Organização espacial da futura unidade marítima [Fortaleza]

Um dos eixos motores da futura organização espacial e funcional deveria ser a sua conformidade com as já mencionadas funções museológicas que requerem espaços específicos, de acordo com a temática e os objectivos do Museu. O espaço museológico deveria ser dividido, à partida, em dois sectores autónomos possuindo, cada um deles, acessos próprios e comunicando entre si através de passagens controladas: -um sector público afectado às áreas funcionais privilegiando, no binómio colecções/acervopúblico, o trabalho de museu ligado à exposição, interpretação, educação, divulgação não-

146

expositiva e, logo, aberto ao público e ao pessoal do museu e um sector privado, reservado às áreas funcionais privilegiando, no binómio colecções/acervo-público, o trabalho de museu ligado à conservação e à documentação dos acervos e, logo, aberto exclusivamente ao pessoal por um acesso controlado. A existência de serviços ocasionalmente acessíveis ao público (como é o caso de unidades relativas à função educação) ou de serviços acessíveis a um público especializado (como é o caso das unidades relativas à documentação científica ou à consulta dos acervos), torna respectivamente pertinente a sectorização em dois outros sectores autónomos: um semi-público e outro semi-privado, com acessos específicos controlados ou conectados com os dois primeiros sectores por passagens controladas. 232 Ao sector público corresponderiam espaços públicos (com acesso do público) incluindo “áreas públicas sem a presença de colecções e áreas públicas com a presença de colecções; ao sector privado corresponderiam espaços privados (sem acesso do público) ou de acesso altamente reservado, que constituem espaços dedicados à gestão administrativa das colecções e espaços de serviço (sem acesso do público) 233 ou, a partir do ponto de vista da presença/ausência de colecções e público, em áreas para colecções sem acesso do público, também designadas áreas de acesso altamente reservado e áreas não públicas sem a presença de colecções, que constituem fundamentalmente, espaços técnicos e de serviços internos do museu“ 234. Cada sector deveria idealmente possuir uma ou várias redes autónomas de circulação, eventualmente dotadas de acessos específicos e de saídas de emergência, por motivo de segurança e de prevenção anti-incêndio, que deveriam ser coordenadas, por questões de segurança, com uma coordenação-centralizada (coordenação que, nalguns caso, poderia ser 232 233

LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, Programação-Reprogramação Museológica (….). HERNÁNDEZ, Manual de Museología (...) 1998.

LORD, Gail Dexter and LORD, Barry, The Manual of Museum Planning 1991, pp. 241-245, no original, respectivamente,“Public collection areas”, “Non-public collection areas”, “Public non collection areas”, “Non-public non collection areas”.

234

147

descentralizada). As unidades espacio-funcionais deveriam estar em contacto umas com as outras, tanto no interior do mesmo sector como entre sectores distintos, de acordo em particular com graus de proximidade proporcionais à frequência das idas e vindas dos indivíduos, dos objectos ou dos documentos circulantes. As comunicações entre sectores distintos deveriam ser controladas espacial ou temporalmente (períodos de ausência do público, como por exemplo no caso de preparação de exposições). Identificando e quantificando directa ou indirectamente os espaços necessários ao cumprimento das diversas funções (os quais obedecem a normas de arquitectura e de controlo dos ambientes), a “sectorização dos espaços (e dos respectivos acessos)” convive com duas outras componentes da programação museológica, o binómio “circulação/estacionamento”, “os meios técnicos e os equipamentos adequados a cada sector e a cada situação 235. Esses meios e esses equipamentos são parte integrante da procura, pelo museu, de soluções visando assegurar a conservação dos bens que detém, conjugando essa conservação com a comodidade do público e do pessoal.

a. Sector público 236

a.1. Recepção O espaço dedicado à recepção e à informação do visitante deveria localizar-se num espaço a partir do qual o visitante poderia ter acesso aos diversos espaços públicos (exposições, salas de conferência, centro de documentação, livraria, áreas de descanso, cafetaria, sanitários e outros espaços acessíveis ao público). Dadas as características da Fortaleza (com diversos O cálculo sobre a dotação em áreas dos locais acolhendo as diversas unidades funcionais, o qual tem incidências sobre a circulação e o estacionamento, terá que ser ponderado também em função do progresso tecnológico de que têm beneficiado os equipamentos afectados às diversas áreas funcionais (Conforme texto de LAMEIRAS-CAMPAGNOLO e CAMPAGNOLO, Programação ou re-programação (...).

235

No sector público consideramos todos os espaços com acesso do público, com ou sem a presença de colecções.

236

148

acessos a partir do recinto exterior), o espaço de recepção mais adequado deveria ser escolhido pela sua acessibilidade e visibilidade para o visitante acabado de entrar no recinto do edifício. A área de recepção do público deveria ser espaçosa e confortável, permitindo-lhe, se fosse o caso, esperar pela sua vez num ambiente agradável, dispondo para o efeito, de zonas de descanso e de desaceleração, propiciando ao mesmo tempo repouso e regularização do fluxo do público. Neste espaço o público deveria poder ser informado sobre as áreas visitáveis, dando-lhe a possibilidade de optar pelos espaços do seu interesse. A área dedicada à recepção poderia ainda incluir o café-bar, a livraria, a loja, locais onde o visitante poderia adquirir publicações ligadas ao mar e ao património do Concelho, bem como réplicas ou outras categorias de objectos alusivos às colecções e às temáticas abordadas na futura unidade museológica de temática marítima.

a.2. Espaços expositivos Os espaços expositivos deveriam ser adequados à permanência dos objectos da colecção, em condições suficientes de conservação, assim como às expectativas do pessoal e do visitante, de forma a proporcionar, durante a visita, um ambiente favorável à compreensão dos conteúdos e à fruição da dimensão plástica transmitida a partir do discurso expositivo. Conforme referimos anteriormente, pensamos que a unidade museológica dedicada ao mar deveria comportar uma exposição, de duração mais ou menos longa, e espaços complementares para a realização de exposições temporárias desenvolvendo aspectos do seu campo temático, precedidos de estudos ou de pesquisas sobre os temas a tratar. Relativamente à exposição de longa duração, poderia optar-se pela rotação periódica dos objectos, medida que constituiria uma forma de renovação da exposição e, simultaneamente, de conservação dos objectos. Uma correcta circulação dos objectos implicaria itinerários preferencialmente directos e curtos e ao abrigo de variações climatéricas bruscas, pelo que, 149

entre as reservas e os espaços expositivos, deveriam ser previstos acessos adequados. A acessibilidade a estes espaços seria planeada com ligação ao espaço de recepção, incluindo o acesso facilitado às reservas e a espaços de preparação das exposições.

a.2.1. Exposição de longa duração •Tema principal: o Mar e a Pesca em Sesimbra (que integraria o tema-conexo “Aspectos geográficos, geológicos, ecológicos da região”) A exposição de longa duração aqui proposta constituiria um meio de comunicação da unidade marítima com a comunidade e os públicos-alvo237, dando-lhes a conhecer os testemunhos culturais incorporados – a colecção etnográfica ligada ao mar e as respectivas temáticas -intrinsecamente associadas ao percurso histórico e à realidade actual de Sesimbra. Nessa perspectiva, o objectivo da exposição seria o de proporcionar à comunidade e ao visitante externo, a descoberta da História e dos quotidianos de Sesimbra 238 em profunda ligação com o mar e com o património marítimo. A exposição levaria o visitante a conhecer o património marítimo material (através dos objectos expostos) e imaterial (modos de “saber-fazer” expressos nas cadeias operatórias), através de um percurso didáctico sobre as principais actividades humanas locais reportadas ao mar, delas se destacando a pesca, a sua relação com a identidade das comunidades que a praticaram/praticam e a forma como se projectam na actualidade. Os itinerários de interpretação ou Rota de Património Marítimo (v.3.5.3) prolongariam no território do Concelho a informação facultada pela exposição. Os conteúdos do discurso expositivo basear-se-iam nas linhas de força do campo temático da unidade marítima, precisado nos pontos 3.2. e 3.2.1. Em conformidade com essas linhas de força, seriam seleccionados objectos relativos aos diversos temas e sub-temas que A definição dos públicos alvo da exposição de longa duração, coincidiria com os enunciados para a unidade marítima, conforme definido no ponto 3.2.3.

237

238

Excerto da temática geral do Museu Municipal de Sesimbra, anteriormente mencionada.

150

integrariam o discurso expositivo, estruturado segundo uma ordem temática e/ou cronológica traduzida espacialmente da seguinte forma: •• Inicio da exposição/visita: Introdução, antecedentes, enquadramentos Apresentação do tema: Introdução, com indicação do tema da exposição, da localização geográfica, caracterização do território, terrestre e marítimo, como factor condicionante das espécies marinhas e da actividade humana (associada ao mar, enquanto recurso natural); enquadramento historico-económico da vila de Sesimbra: relação do mar, meio de acesso e de circulação, e da pesca com o edifício “Fortaleza”; -- Documentação/Estudos: inclusão de dados provenientes de estudos tendo por objecto a matéria abordada; -- Instrumentos auxiliares de leitura: título e textos informativos; carta geográfica com localização e delimitação administrativa do território; fotografia e cartografia inserida em suporte audiovisual ou multimédia, permitindo a interacção ou a intervenção do visitante, incluindo dados geográficos, geológicos e ecológicos sobre o território. •• Início do tema principal: A pesca em Sesimbra Apresentação do tema: A pesca em Sesimbra, no contexto regional e nacional (e no seio das diversas actividades económicas e humanas do Concelho); -- Documentação/Estudos: inclusão de dados provenientes de estudos requeridos pelo tratamento e pelo aprofundamento da matéria abordada; -- Instrumentos auxiliares de leitura: carta geográfica com indicação de portos de pesca nacionais, associada a um pequeno quadro ou diagrama informando sobre as respectivas percentagens de capturas relativamente ao total nacional; breve texto referindo as diversas actividades piscatórias, completado com um gráfico/diagrama mostrando a evolução da importância de cada uma delas ao longo do tempo. •• Desenvolvimento do tema principal: As artes de pesca de Sesimbra

151

Apresentação do tema: Apresentação cronológica das artes de pesca em Sesimbra e dos respectivos processos técnicos (desde a manufactura de apetrechos, à preparação das redes, à sequência de actos técnicos inerentes aos processos de captura operados no mar, às operações realizadas após a captura). O conceito de cadeia operatória de cada arte seria o fio condutor da exposição, relacionando o conjunto de objectos com os processos técnicos a que se reportam. Este segmento do discurso expositivo teria início nas artes mais antigas chegadas ao nosso conhecimento, algumas já desaparecidas (como é o caso das armações), e desenrolar-se-ia até aos métodos de pesca da actualidade, mostrando também as mudanças e as continuidades de artes com “história” em Sesimbra, que sobreviveram até ao presente. Nesta abordagem inserir-se-ia uma breve referência às artes de pesca do Meco (ainda praticadas), destacando as características que as distinguem dos métodos praticados na vila. De modo a estabelecer a relação entre a pesca e as comunidades que a praticam/praticaram, poderia associar-se a cada arte informação sobre a constituição de cada companha e sobre as relações hierárquicas e funcionais atestadas no seu seio. As diferentes formas de comercialização do pescado em Sesimbra precederiam as actividades conexas com a pesca, tais como as fábricas de conservas de peixe, de cordoaria e redes e as fábricas de gelo; -- Documentação/Estudos: um discurso expositivo tendo como fio condutor as cadeias operatórias das diversas artes de pesca implicaria a realização de estudos focalizados em cada arte. Os diversos objectos da colecção associados às artes de pesca necessitariam de uma documentação que tornasse possível explorar todas as potencialidades de contextualização e da sua consequente comunicação; -- Selecção de objectos: associadas a cada arte de pesca, seriam expostas as respectivas miniaturas de embarcações, contextualizadas com informação sobre as técnicas utilizadas. Poder-se-ia tirar partido de alguns dioramas pertencentes à colecção, representando cada arte no mar; -- de objectos emblemáticos ou fortemente associados às respectivas artes, os mais aptos a transmitir as

152

diversas etapas da cadeia operatória de cada arte, singularizando-a relativamente às restantes; de uma selecção de fotografias ilustrando panorâmicas do trabalho inerente a cada arte, de gestos e expressões, de paisagens (no mar, em terra ou nas lojas de companha) em que decorriam. A título de exemplo, e não nos reportando à totalidade das artes tomadas em linha de conta, são mencionados a seguir, em nota de rodapé, apenas alguns objectos que, por uma parte já referidos, consideramos representativos e que, associados, a outros a seleccionar, poderiam ser utilmente integrados no discurso expositivo 239; -- Instrumentos auxiliares de leitura: dioramas, a conceber, descrevendo as cadeias operatórias das artes de pesca, textos curtos de contextualização de cada arte ou actividade (completados com esquemas explicativos), registos sonoros de fundo (do mar), filmes sobre a faina actual das diferentes artes, a seleccionar.

•Tema complementar: A Construção Naval Caso o espaço da exposição de longa duração viesse a comportar mais do que uma sala, esta temática poderia ocupar uma segunda sala, de menores dimensões, e estar conectada com a primeira por um acesso desprovido de qualquer barreira (portas). No caso de uma sala única,

Entre os objectos que consideramos dotados de representatividade relativamente ao tema central da exposição, evocamos aqui uma pequena selecção de objectos que poderiam enriquecer, pela sua presença, o discurso expositivo: --.Arte da armação: objectos como os forradores de cabos de aço, as argolas e os furadores de cortiça testemunham das diversas tarefas inerentes à preparação de materiais constitutivos dos apetrechos desta arte, ou como a embarcação-bote que desempenhava funções auxiliares no seio de uma das armações, numa dada etapa da cadeia operatória; também algumas das miniaturas de embarcações (reproduções de barcas de armação), dotadas de nomes de armações, reflectem a tipologia das embarcações usadas no passado e a sua contínua evolução em termos tecnológicos; --.Arte de pesca com anzol ou aparelho: salientamos, no seu seio, objectos como a selha com aparelho, a jiga para colocação do pescado que servia de isco ao aparelho e as diversas cabaças utilizadas como bóias; --.Arte xávega: exemplar da rede utilizada nessa arte; -- Arte de sacada: objectos como moitões, fogacho ou rolames de sacada; -- Arte das redes de emalhar: por uma rede de emalhar; - A pesca aos polvos: pegaços (potes de barro também designados por alcatruzes ou tigelas) e as diversas pescas; --.A pesca com covos: por covos distintos, sendo um de madeira e três de rede de dimensões e características diferentes; -- A arte de pesca com objectos de dilacerar: por diversas pescas, uma zagaia, palhaços, linha de nylon (pita) de diversas espessuras e respectivas tábuas utilizadas para enrolar o nylon; --.As formas de comercialização do pescado: jigas, tipo de cesto utilizado para transportar o peixe das embarcações para o espaço de venda e de fotografias que retratam a lota na praia junto da Fortaleza; --.Actividades conexas com a pesca: documentação administrativa de antigas indústrias de conservas de pescado, caixas de conserva e fotografias. 239

153

deveria ser nela materializada alguma ruptura que evocasse visualmente a introdução, no discurso expositivo, de uma alteração temática. Apresentação do tema: Estruturação deste fragmento do discurso expositivo, segundo uma ordem cronológica, ao compasso da narração da história da construção naval de Sesimbra, desde a origem até à actualidade, privilegiando sempre a sua relação com a pesca, através de uma abordagem da construção de embarcações locais de pesca e dos respectivos processos técnicos. Deveria contudo focar aspectos específicos desta actividade (que não se confina a este tipo de embarcações), tais como a própria evolução dos estaleiros navais e os diversos tipos de embarcações construídas (de navegação e de recreio). Este segmento terminaria na actualidade em que a principal actividade construtiva tem como objecto as embarcações de recreio; -- Documentação/Estudos: a abordagem deste tema, nos moldes apresentados, só seria possível com o apoio de estudos, realizados ou a realizar, sobre esta actividade em Sesimbra, como de documentação dos objectos que integram a colecção; -- Selecção de objectos: entre os objectos da colecção salientam-se os associados à construção de embarcações de pesca (ferramentas) e miniaturas, que poderiam ser expostos de modo a elucidar os processos técnicos associados, que seriam completados com fotografias (da colecção). No final da cadeia apresentada, surgiriam as miniaturas de embarcações, na sua maioria de pesca, seguindo uma ordem cronológica relativa a tecnologias distintas inscritas nos respectivos contextos históricos. Seria interessante proceder à recolha e à incorporação na colecção, de documentos escritos (reproduções) que testemunhassem a presença e o papel histórico desta actividade em contexto nacional (época dos Descobrimentos Portugueses). Tais documentos poderiam encetar a abordagem da construção naval; -Instrumentos auxiliares de leitura: textos curtos de contextualização e de evolução histórica da actividade, acompanhado de um diagrama cronológico no qual a cada época corresponderia a imagem ou o desenho do tipo de embarcação então construída; -- diorama representando os

154

estaleiros navais (em determinada época); -- diorama explicativo das cadeias operatórias intervindo na construção de uma embarcação de pesca, completado com um diagrama e com desenhos explicativos.

•Tema complementar: A vida das comunidades locais [aspectos económicos, sociais, culturais] Apresentação do tema: Informação sobre as características sócio-económicos e culturais das comunidades ligadas à pesca e à construção naval, abordando questões como a organização familiar, a religiosidade, as festas, as profissões, a origem e a participação dos pescadores (nomeadamente pescadores locais, da vila, agricultores da zona rural do Concelho, pescadores vindos de diversas regiões do litoral). Esta abordagem procuraria demonstrar a relação entre a identidade das comunidades locais e as actividades marítimas, que foi uma constante ao longo da história de Sesimbra; -- Documentação/Estudos: a abordagem deste tema implicaria a realização de estudos, prévios ou simultâneos, sobre cada uma das questões tratadas na exposição; -- Selecção de objectos: poderiam ser expostos objectos reportados a estas questões, como é o caso de algumas fotografias alusivas à religiosidade e, a ela associadas, às festas, ou objectos participando de jogos tradicionalmente praticados na praia (objectos inicialmente de trabalho mas adaptados para fins de diversão) e algumas peças de vestuário; -- Instrumentos auxiliares de leitura: breves textos e fotografias.

• Fim da visita: A actualidade de Sesimbra Apresentação do tema: Conclusão da visita susceptível de poder vir a ser associada a uma panorâmica geral sobre a realidade actual de Sesimbra, pondo em evidência continuidades e rupturas, por um lado, a decrescente importância da actividade pesqueira e, por outro lado, a emergência de actividades económicas actuais decorrentes da pesca: restauração, pequenas

155

indústrias de conservação e transformação de peixe. A abordagem teria por objectivo relacionar a unidade marítima com a realidade económica actual, também associada ao turismo, ao lazer e às suas implicações; procuraria ainda mostrar as potencialidades da futura unidade relativamente à salvaguarda e à promoção do património natural e cultural; -Instrumentos auxiliares de leitura: fotografias e multimédia informativo sobre património natural e cultural.

a.2.2. Medidas técnicas aplicáveis à exposição No que se refere ao programa museográfico, não parece viável, excepto no que toca à enunciação de aspectos genéricos de conservação e de segurança (abordados parcialmente no capítulo dedicado ao espectro funcional e disciplinar da futura unidade), avançar desde já com sugestões sobre os equipamentos e o tratamento museográfico dos hipotéticos espaços expositivos, mesmo a partir do conhecimento da “colecção ligada ao mar” e dos potenciais instrumentos auxiliares de leitura que foram atrás indicados. Podemos no entanto evocar a necessidade de dispor, nas salas de exposição, de meios de protecção relativamente ao clima óptico, ao clima higrotérmico, à segurança das colecções e dos visitantes mencionados no sub-capítulo “Conservação”, meios de protecção que têm uma natural ligação com o necessário controlo dos fluxos de públicos 240. Podemos igualmente lembrar que o circuito expositivo necessitaria de uma sinalização adequada, propondo mas

(v. capítulo 3.3. da presente dissertação): A organização espacial da exposição deveria garantir a fluidez dos públicos, factor determinante de segurança para as colecções e para o visitante. A fluidez dos visitantes contribuiria ainda para o bem-estar do público e, em simultâneo, para a estabilidade do clima higrométrico necessário à conservação dos objectos expostos. A inevitável distância público–objecto poderia ainda ser mantida através da fluidez obtida pelo controlo eventual do número de visitantes (entradas e saídas) e pela reserva de “zonas de estacionamento e de contemplação” demarcando-se de “zonas de circulação” do percurso. As dimensões das referidas zonas deveriam adequar-se a um fluxo máximo de visitantes e a possibilidade de estes desfrutarem da visita sem serem incomodados (por ruídos). Em determinados pontos das zonas de estacionamento, poderiam ser contemplados pequenos e “discretos espaços de repouso” através da colocação de uma cadeira / banco.

240

156

não impondo, ao visitante uma visão elucidada e elucidativa dos caminhos sugeridos, e pondo à sua disposição apoios pontuais favorecendo a sua fruição da proposta expositiva.

a.3. Espaços destinados à educação e à divulgação não-expositiva Em articulação com a proposta expositiva, a futura unidade marítima deveria poder inscrever a sua acção no campo dedicado, pela autarquia, à educação e à divulgação não-expositiva (com destaque para a edição) e usufruir, na proximidade da exposição, de espaços permitindo envolver os públicos, em geral, e as comunidades locais, em particular, no trabalho da unidade. Para além da participação, no quadro autárquico, em actividades colectivas, deveriam ser implementados programas coerentes de acções aprofundando a informação sobre a colecção e os seus diversos enquadramentos, convertendo esses locais próprios -enquanto extensões das exposições ou sob a forma de conferências ou encontros -- em espaços de comunicação interactiva tendo por objecto a temática marítima, nas suas diferenciadas componentes. Esses locais deveriam ser concebidos sem naturalmente esquecer os comportamentos específicos dos públicos escolares que fazem geralmente parte integrante, mas diferenciada, das comunidades locais e dos visitantes afectados nas suas capacidades motoras. Para além dos já mencionados instrumentos auxiliares de leitura da exposição [tais como: guia folheto, catálogo] que poderiam ser eventualmente utilizados como material didáctico de apoio, com alguma autonomia relativamente à exposição – caso a sua qualidade documental, fotográfica e cartográfica o viesse a permitir – a divulgação da produção da unidade marítima por uma via editorial alternativa deveria visar duas finalidades específicas: -- servir de suporte aos itinerários de interpretação do património marítimo, o que implicaria, por um lado, o aprofundamento das pesquisas sobre os sítios e os edifícios que constituem

157

esses itinerários e, por outro lado, a restituição gráfica dos resultados desses estudos através de textos acessíveis (e motivantes visualmente: inclusão de gráficos, mapas, fotografias); -- instituir um modelo de suporte editorial permitindo a recolha e a divulgação periódica (sob a forma de um pequena colecção) dos testemunhos dos membros da comunidade local, nomeadamente dos que participaram, como informadores ou como fabricantes de testemunhos, da contextualização da colecção “ligada ao mar”. Enquadrados por Serviços Educativos -- aptos a acompanhar esta última difícil mas profícua tarefa, bem como a elaboração dos instrumentos documentais secundando as iniciativas associadas aos itinerários de interpretação – os dados consignados nos fascículos da referida colecção poderiam servir ulteriormente de estímulo e de fundamento a outros empreendimentos de difusão, mais amplos e ambiciosos tirando partido, no plano colectivo, de novas tecnologias (pesquisas, conferências, publicações).

a.4. Espaços de higiene e conforto Espaços públicos de repouso, ao longo do circuito expositivo e nas zonas adjacentes, locais para sanitários adequados a todas as categorias de visitantes (incluindo condições particulares para crianças e deficientes) prolongariam as áreas dedicadas a cafetaria e a restauração. Os serviços de restauração – ligando as preocupações gastronómicas locais às temáticas relativas ao mar e à pesca -- poderiam ser explorados, mediante um protocolo com a Câmara, por empresas de restauração locais que, respeitando algumas condições de exploração e de divulgação, conjugariam esses serviços com os objectivos da unidade marítima. Na proximidade dessa área, estaria situada a loja e a livraria, atrás mencionadas.

158

b. Sector semi-público Constituiria um espaço semi-público o centro de documentação tendo o mar como eixo estruturante e abrangendo as temáticas a ele reportadas (ligadas à pesca, à biologia e à ecologia marinhas). Equipado de terminais, que adultos e jovens pudessem facilmente utilizar, este espaço deveria ser acessível a partir da recepção e com alguma articulação às exposições, uma vez que proporcionaria ao visitante a eventual oportunidade de aprofundar questões do seu interesse abordadas nas exposições.

c. Sector privado O sector privado comportaria necessariamente os espaços dedicados às reservas e aos serviços da unidade (gabinetes, ateliers, oficinas).

c1. Espaços de reservas Não tendo tomado conhecimento, durante o período em que decorreu a nossa pesquisa sobre as artes de pesca de Sesimbra, do modo como a autarquia encarava o seu futuro relacionamento, em termos concretos, com o “núcleo marítimo” em intenção, não nos parece possível formular aqui sugestões precisas sobre essa área funcional, de importância capital para o bom funcionamento de qualquer museu. A materialização das soluções aventadas dependerá à partida da maior ou menor autonomia, de programa e de recursos, que a autarquia vier a conferir às unidades museológicas por ela geridas. Se a opção “reservas” se fizer a favor de um espaço comum, relativamente centralizado, poder-se-á eventualmente encarar, em complementaridade, a instalação, nos locais da unidade marítima, de uma reserva de apoio à exposição, susceptível de facilitar, por exemplo, a rotação das peças nela figurando. Em termos genéricos, podemos evocar a necessidade de adequar esses espaços, que deveriam gozar de isolamento, a algumas contingências que se prendem com a

159

conservação e a segurança dos objectos do acervo: -- dimensões das peças, -- o seu manuseamento nas reservas; -- acessibilidade dos objectos aos espaços expositivos (tanto à exposição de longa duração como às exposições temporárias); -- condições de tratamento ou de eventual restauro. Em termos genéricos, podemos evocar igualmente algumas condicionantes técnicas que os espaços de reserva deveriam respeitar (em consonância com os princípios enunciados no âmbito da função “Conservação”): -- estabilização dos parâmetros dos microclimas ópticos e higrométricos; -- agrupamento dos objectos consoante a natureza dos materiais que os constituem; -- arrumação dos objectos em cada reserva, quer por tamanho e forma, quer por tema e ordenamento adaptado em particular à consulta e à visita por um público restrito (investigadores e estudantes) ou à rotação das exposições.

c.2. Espaços de serviço (gabinetes, ateliers, oficinas) Os espaços de trabalho deveriam ter em conta, relativamente aos membros do pessoal da unidade, as regras vigentes de segurança e de ergonomia no trabalho, facilitando, por um lado, o conforto, a concentração e a aplicação nas tarefas quotidianas em correspondência com as condições específicas dos locais em que essas tarefas são exercidas (gabinetes, ateliers, oficinas) e, por outro lado, uma correcta acessibilidade aos bens, documentos e instrumentos permitindo precisão e rendibilização dos esforços físicos e mentais inerentes ao desempenho das suas funções que visam em permanência não só a conservação e a segurança dos acervos mas também uma profícua comunicação com os públicos. Os espaços de trabalho (dentro e fora das reservas e das salas de exposição), as suas ligações e os seus acessos, seriam dotados de meios e de equipamentos adequados às condições físicas e técnicas requeridas por cada função ou tarefa, bem como às características dos circuitos, permanentes ou temporários, em que cada função ou tarefa estaria integrada, dentro e fora da unidade. Um cuidadoso planeamento das já referidas 160

operações museológicas (tais como: desembalagem, embalagem, limpeza, tratamento, registo, análise, estudo, preparação de exposições e deslocações), decorrendo em diferentes espaços da unidade, reduziria os riscos decorrentes dos necessários manuseamentos.

A eventual complementaridade ou a relativa autonomia face aos serviços comuns da autarquia deveriam presidir à fixação, no tempo e no espaço, das opções de ordem programática, no âmbito do processo de recuperação e de adaptação da Fortaleza, caso a Fortaleza venha a permanecer o local de acolhimento da unidade de temática marítima. Serão então tomados naturalmente em consideração os importantes aspectos da sinalética e das acessibilidades dos públicos à unidade marítima, tanto no plano físico (englobando nomeadamente as questões de estacionamento e de acesso de pessoas com limitações físicas), como no plano comunicacional (conjugando diferenciados suportes de divulgação e de promoção das iniciativas da unidade).

3.5.3. Itinerários de Interpretação (rota do património marítimo): relação da unidade museológica marítima com as suas envolventes naturais e humanas

A relação da unidade museológica marítima com as envolventes natural, edificada e humana, poderia estabelecer-se através da implementação de itinerários de interpretação do património marítimo conectando exposições e envolventes, e adoptando uma estratégia de envolvimento da comunidade local na sua diversidade, aliada à transmissão do património gestual. A relação do museu marítimo com alguns sectores da comunidade local poderia verificar-se mediante a participação destes em diversas acções a realizar no âmbito do trabalho dos serviços educativos da unidade marítima, e em correlação e complementaridade com as

161

temáticas das exposições. Referimo-nos, por exemplo, à eventual participação de alguns pescadores mais velhos que, num espaço programado para esse fim e localizado próximo das exposições sobre a pesca e o mar, pudessem ensinar o seu saber fazer sobre as artes de pesca a que se dedicaram ao longo da sua vida, sobre a preparação dos respectivos apetrechos (execução e arranjo de redes, manufactura de diversos objectos utilizados nas inerentes artes, como é o caso dos covos) e sobre diversos aspectos e perspectivas que a vida no mar lhes proporcionou ao longo das suas experiências de vida. Dada a especificidade de cada arte de pesca e atendendo à diversidade de funções inerentes que cada pescador desempenhou enquanto membro de dada companha, no caso de métodos de pesca que implicavam o trabalho conjunto de um grupo de pescadores (companha), consideramos que seria pertinente contar com a participação de antigos pescadores envolvidos nas diferentes artes de pesca. Poderia optar-se por uma participação selectiva e rotativa de pescadores em consonância e complementaridade com as temáticas expostas em dado momento, como seria o caso da realização de exposições temporárias sobre a arte xávega que implicaria a participação de pescadores que a praticaram ou que ainda exercem esse tipo de pesca, do mesmo modo, a abordagem sobre a armação à valenciana tornaria pertinente a participação de pescadores que se dedicaram à mesma.

O envolvimento de elementos das comunidades piscatórias poderia ainda materializar-se através de acções de comunicação e divulgação das técnicas, da pesca e da navegação, a bordo de uma embarcação de pesca local que poderia integrar um dos itinerários que apresentamos no presente sub-capítulo. A integração de uma embarcação constituiria um recurso da unidade museológica, susceptível de propiciar um conjunto de actividades educativas a programar e desenvolver. Esta forma de participação da população local na unidade museológica marítima, poderia estender-se aos restantes sectores da comunidade no

162

âmbito da realização de exposições temporárias ou outras actividades relacionadas com esses grupos, seria o caso de antigos construtores navais que actualmente se dedicam à execução de modelos ou miniaturas de embarcações, cuja participação se traduziria na comunicação das técnicas artesanais de construção de miniaturas, proporcionando em simultâneo o contacto e o conhecimento sobre as diversas tipologias e funções das embarcações utilizadas nas artes de pesca de Sesimbra. Do mesmo modo poderia ser incrementada a participação de indivíduos que estiveram ligados à cordoaria e à produção de redes, que poderiam transmitir o seu saber-fazer e inerente património gestual. A divulgação directa das técnicas e saberes-fazer poderia ser complementada por materiais didácticos associados à exploração dos diversos temas e integradas nas abordagens de interpretação do património propostas aos visitantes, como por exemplo, desenhos explicativos ou pequenas maquetas sobre determinada arte, execução de apetrechos de pesca ou relacionados com a construção naval e outras actividades locais, que ilustrariam os conteúdos transmitidos. O espaço a que nos referimos poderia ainda constituir-se em atelier de actividades quer vocacionado para os públicos escolares infantis e juvenis, associado aos serviços educativos e conjugando a presença de membros das comunidades locais ligados aos temas das exposições, quer vocacionado a públicos originados pelo turismo. Associada à transmissão de saberes, a participação de outros sectores da comunidade poderia verificar-se pelo envolvimento de profissionais e empresas de diversas actividades locais relacionadas com as temáticas do museu marítimo, estabelecendo-se em simultâneo a relação da unidade museológica com o desenvolvimento do território e a realidade actual. As acções desenvolvidas em parceria poderiam resultar na realização de exposições temporárias temáticas relacionadas com as respectivas actividades, por exemplo, a temática da construção naval, a gastronomia local, as actuais empresas de conservação e transformação de pescado (exemplo: empresas de filetes de peixe espada) envolveria profissionais destas actividades e

163

poderia contar com a colaboração das respectivas empresas, traduzindo-se este tipo de acções em formas de promoção das mesmas actividades. A inclusão de uma embarcação enquanto recurso da unidade museológica marítima proporcionaria a cooperação entre diversas entidades locais e exteriores (como o Clube Naval de Sesimbra, entidades associativas ligadas ao património marítimo, os estaleiros navais, clubes navais, museus marítimos ou entidades de recreio ligadas ao turismo) e o incremento de acções conjuntas. O leque de acções a que nos referimos visaria objectivos de índole diversa abarcando aspectos inerentes à conservação e manutenção das embarcações, envolvendo as comunidades locais. As acções conjuntas a realizar com os diversos sectores da comunidade local na sua diversidade (tanto com a participação de pescadores como de outros sectores económicos locais decorrentes da pesca, actuais ou não), para além de relação que estabeleceriam entre museu marítimo e envolventes natural, edificada e em particular humana, constituiriam uma forma de valorização dos aspectos culturais da própria comunidade.

A implementação de itinerários constituiria o estabelecimento de “pontes” entre a unidade museológica e os diferentes sectores da comunidade que se posicionariam simultaneamente na dualidade de papéis de “actores” / “espectadores” (enquanto público potencial). Os itinerários incluiriam espaços de memória ligados ao mar, à pesca, à navegação e a actividades conexas, à construção naval, a actuais actividades e às respectivas comunidades locais. Designamos por espaços de memória porque nos remetem para um tempo passado cuja actual configuração expressa em simultâneo, uma situação de mudança social, económica e tecnológica inerente à evolução do território. O critério-base da escolha dos itinerários seria a selecção de espaços que se por um lado, expressam um modo de vida e consequente identidade, por outro lado, têm um significado

164

muito especial para a respectiva comunidade constituindo lugares de memória. Referimo-nos a espaços e edifícios associados a actividades relacionadas com a pesca como os “calhaus” 241, locais de antigos armazéns de armação 242, lojas de companha 243 algumas ainda utilizadas, espaços onde funcionaram algumas das fábricas de cordoaria, de conservas e de gelo, e a dois faróis. A criação de itinerários desta natureza poderia desempenhar simultaneamente um papel didáctico para os mais jovens da comunidade local na sua diversidade, porque ao visitarem as lojas de companha por exemplo, poderiam conhecer e compreender alguns aspectos sobre as artes de pesca através da observação e contacto directos com os pescadores, e em simultâneo, de valorização identitária para os mais velhos pela abordagem e relevância dadas aos aspectos do seu quotidiano. A implementação de itinerários em articulação com a unidade museológica dedicada ao mar e à pesca, ao salvaguardar e valorizar o património cultural associado à pesca (incluindo objectos, espaços de uso quotidiano, técnicas e saberes - fazer, oralidade e a própria paisagem), poderiam contribuir para o “enraizamento” e desenvolvimento das comunidades locais, numa época de transformações sociais e económicas, em que a população local abandona a pesca e a própria vila de Sesimbra a par da descaracterização arquitectónica. Na perspectiva do visitante, os itinerários poderiam facultar uma apreensão mais ampla da realidade da comunidade marítima, abrangendo as dimensões técnica, social, económica e também da própria experiência dos indivíduos com quem contactaria, ao proporcionar uma observação directa e presencial de alguns aspectos dessa realidade inseridos no respectivo contexto. Os itinerários seriam a expressão viva e real de determinados elementos abordados

241

Os calhaus são edificações feitas pelos pescadores ao longo da costa de Sesimbra.

Os armazéns das armações consistiam em locais onde se guardavam e preparavam os apetrechos da arte armação à valenciana. 242

243

As lojas são armazéns e locais de trabalho.

165

na unidade museológica marítima, levando o visitante a descobrir e interpretar o património cultural e natural que de outra forma não lhe seria acessível.

A selecção dos sítios a incluir em dois possíveis itinerários ou rota de património marítimo que apresentamos, baseou-se num estudo prévio por nós realizado no âmbito da dissertação de licenciatura e cuja implementação tivemos oportunidade de sugerir ao Museu Municipal de Sesimbra 244, beneficiando agora de alguns elementos resultantes das reflexões proporcionadas pela realização da presente dissertação. Pretendemos com os itinerários apresentados sublinhar a relevância da natureza dos espaços seleccionados na perspectiva da interpretação dos patrimónios imóvel e ambiental/natural associados à temática marítima, não sendo nosso objectivo efectuar um estudo exaustivo, mas apenas sugerir uma amostragem de sítios que consideramos seria pertinente visitar. Os percursos que a seguir mencionamos são por isso, meramente indicativos, carecendo de um estudo actualizado245 e mais aprofundado. A sinalização e informação dos itinerários deveria revestir formas adequadas, conforme os objectivos interpretativos dos mesmos. Os itinerários de interpretação poderiam ser apresentados num guia ou desdobrável que incluiria informação sobre cada espaço a visitar e um mapa de Sesimbra com indicação do percurso. Esta informação seria oferecida aos visitantes aquando da visita à unidade marítima e estaria disponível nas restantes unidades museológicas do Museu Municipal de Sesimbra, bem como nos serviços do turismo,

244 A proposta de criação de itinerários a que nos referimos, foi por nós apresentada em anexo ao Estudo para programação do núcleo museológico marítimo realizado no âmbito do Programa de Apoio à Qualificação de Museus 2003 da Rede Portuguesa de Museus.

O estudo que antecedeu a proposta de itinerários por nós desenvolvida, foi efectuado entre 1999 e 2000, revelando nessa altura espaços cuja integração no itinerário consideramos pertinente, como foi o caso de lojas de companha, armazéns de armações, cafés e restaurantes que nessa altura incluímos num dos itinerários. Contudo, a especulação imobiliária local tem-se manifestado através de uma acelerada reconfiguração arquitectónica da vila que, de ano para ano, faz desaparecer os edifícios associados ao trabalho da pesca. Como consequência deste processo, nos últimos sete anos desapareceram diversas lojas de companha e alguns dos estabelecimentos comerciais de configuração “tradicional” que em 2000 integrámos no itinerário.

245

166

estabelecimentos de restauração e em alguns dos pontos que integrariam cada um dos itinerários. Poderiam também ser colocados placares locais informativos nos acessos aos respectivos percursos e nos próprios sítios.

A nossa proposta inclui dois itinerários marítimos ou rotas ligados à temática o mar e a pesca. O primeiro itinerário, intitulado A pesca na Vila de Sesimbra – passado e presente, seria percorrido na Vila de Sesimbra. O segundo itinerário denominado conhecer o Mar de Sesimbra, integraria uma embarcação de pesca, a bordo da qual seria feito um passeio marítimo, visitando espaços tradicionalmente utilizados pelos pescadores, como era o caso dos “calhaus” na costa de Sesimbra. Ambos os itinerários poderiam ser percorridos em conexão com a visita ao Museu do Mar e da Pesca, constituindo esse o local de ponto de partida de ambas as rotas a seguir propostas.

a. Itinerário: A pesca na Vila de Sesimbra - passado e presente • Fortaleza de Santiago Inicio do percurso após a visita à unidade museológica marítima. • Largo da Marinha Espaço localizado frente à praia e ao lado da Fortaleza, onde decorriam todas as actividades ligadas à pesca e à comercialização do pescado. O Largo da Marinha é um espaço de memória por no passado, ter constituído um local de partida e chegada das embarcações e de realização da lota 246 na praia, com todas as implicações económicas e sociais que daí decorriam.

Até à data da construção do porto de abrigo e respectivas infra-estruturas que incluem espaços para comercialização do peixe, a lota realizava-se sobre a areia da praia junto à Fortaleza.

246

167

A partir deste local o visitante seguiria pelas ruas onde se situam as casas de pescadores e um conjunto de edifícios históricos (de utilização inicial religiosa, comercial e piscatória), situados no centro urbano original da vila e visitaria os espaços a seguir mencionados. • Lojas de companha 247 e armazéns de armações 248 Após acordo e autorização prévia dos respectivos pescadores e proprietários, poderia ser incluída no itinerário a visita a algumas lojas de companha e a locais de preparação das redes e outros apetrechos de pesca. A visita às lojas e armazéns proporcionariam ao visitante a interpretação e percepção de dada realidade nas dimensões técnica, económica e social que a pesca envolve e determina, inserida no contexto espacial e social em que se desenvolve. A incluir no itinerário poderiam constar espaços onde anteriormente funcionaram armazéns de armações, actualmente já desaparecidos, mas cuja informação poderia ser dada ao visitante através de placares indicativos da sua anterior funcionalidade. O objectivo da inclusão destes espaços seria proporcionar ao visitante uma imagem da dimensão que teve a actividade da pesca, expressa nas áreas físicas que ocupava. A percepção da dimensão das áreas de trabalho utilizadas pelos pescadores, poderia traduzir de certa forma, a importância do papel da pesca e a forma como condicionou a própria organização espacial da vila. • Património imóvel associado ao culto e ao poder Implantados, na sua maioria, na zona antiga da Vila de Sesimbra, destacam-se diversos elementos do património arquitectónico associado ao culto e ao poder, que poderiam integrar

Companha é a designação dada a determinado grupo de homens que trabalham em conjunto numa dada embarcação.

247

As lojas são pequenos armazéns onde os pescadores que se dedicam ainda hoje à pesca artesanal, preparam os apetrechos de pesca. As empresas de pesca com armação possuíam armazéns de maior dimensão, normalmente constituídos por um edifício de dois pisos servindo o de baixo para guardar apetrechos de grande dimensão como os cabos, “barricas” e ferros, e o piso superior para as redes, local onde se situava normalmente o escritório da empresa. No passado, nestes edifícios eram ainda contemplados espaços para refeitório onde os pescadores confeccionavam e tomavam as refeições e dormitório normalmente utilizado pelos pescadores que vinham da área rural e pelos jovens solteiros. 248

168

o itinerário de interpretação ou rota de património marítimo dada a estreita relação que possuem com a temática e a comunidade marítima. Os edifícios associados ao culto estão relacionados, por um lado, com as origens históricas da vila ribeirinha que em dado momento se desenvolveu em detrimento do núcleo original no castelo, e por outro lado, testemunham aspectos da identidade da comunidade piscatória de Sesimbra manifestos através da religiosidade 249 de mareantes e pescadores ao longo dos séculos. ••Dos templos que poderiam integrar o itinerário mencionamos os seguintes: •••a Capela de S. Sebastião 250 edificada em finais do século XV. •••a Capela do Espírito Santo dos Mareantes está associada aos santos protectores dos pescadores e mareantes de Sesimbra nos séculos XVI e XVII e à origem da comunidade ribeirinha. Conforme referimos no sub-capítulo 2.3.4, a Capela do Espírito Santo dos Mareantes foi convertida em unidade museológica dedicada à arte sacra e à interpretação do antigo Hospital da Confraria do Espírito Santo 251 cujas paredes interiores ostentam grafitos representando embarcações dos séculos XVI e XVII.

As manifestações de religiosidade e crença e devoção em determinados santos associados a dada actividade, como é o caso de santos protectores de pescadores, reflectem símbolos de identidades sociais e formas de pertença. (CHRISTIAN (JR.), William A., Religiosidad Popular - estudio antropológico en un valle español, Editorial Tecnos, Madrid, 1978).

249

A Capela de S. Sebastião (localiza-se junto ao cemitério) foi edificada em finais do século XV e restaurada no século XVIII. De arquitectura religiosa gótica, constitui o templo (ainda existente) mais antigo da Vila Ribeirinha, já estaria construído em 1516, ano da “visitação” a Sesimbra por D. Jorge de Lencastre, o Mestre da ordem de São Tiago. Consta dessa “visitação” que o templo estava forrado a azulejos e possuía uma imagem de pedra (incorporada no Museu de Arqueologia nos anos 50 do século XX). A inclusão deste templo no itinerário condicionar-se-ia às condições de segurança que ofereceria ao visitante, implicando uma análise prévia, dado que não tem sido alvo de qualquer intervenção de manutenção ou salvaguarda, tendo por essa razão ocorrido em 2002 a derrocada da cobertura. Consideramos que em termos patrimoniais seria pertinente a realização de estudos sobre este templo, bem como sobre o culto associado ao mesmo ou ao sítio onde está implantado (No âmbito de levantamento oral por nós realizado junto da comunidade local, foram-nos relatados alguns aspectos sobre antigas práticas festivas e símbolos (já desaparecidos) então associados a este templo, que julgamos que estariam, eventualmente, associados a cultos não cristãos, ou heranças de anteriores cultos incorporadas em festividades cristãs).

250

A fundação do hospital que remonta a finais do século XV, deve-se a uma primitiva Confraria do Corpo Santo, uma corporação de pescadores e mareantes que viria a designar-se por Confraria do Espírito Santo dos Pescadores e Mareantes de Sesimbra.

251

169

Dada a estreita conexão desta unidade museológica à temática marítima, tanto pela própria ligação institucional fundacional (corporação de pescadores e mareantes) como social e religiosa, consideramos que especial relevância poderia ser dada à ligação entre ambas as unidades museológicas. •••a Igreja Matriz de São Tiago representa um período de importância histórica da Vila Ribeirinha 252, e corresponde à necessidade de criação de uma nova freguesia com o objectivo de conceder autonomia cultual e administrativa a uma crescente população, essencialmente constituída por mareantes e pescadores. Em 1533, o Mestre da ordem de São Tiago lavrou o alvará para construção de uma igreja nova na Ribeira de Sesimbra, em 1536 estava já aberta ao culto e em 1538 a Freguesia obtinha autonomia pela bula apostólica de confirmação. Desde o século XVII sofreu diversas remodelações que alteraram o aspecto exterior primitivo. No interior mantêm-se diversos elementos de arquitectura e decoração originais e imagens de valor patrimonial. •••a Igreja da Santa Casa da Misericórdia 253 está associada à devoção ao Senhor Jesus das Chagas, considerado o santo protector dos pescadores, cujo culto terá ganho maior relevância a partir do século XIX a XX mantendo-se na actualidade. A Igreja terá sido construída entre o

O culto do Corpo Santo correspondia à crença em São Pedro Gonçalves, o patrono de pescadores e mareantes, que no final da Idade Média era invocado pelos mareantes de todo o litoral peninsular, desde o país Basco ao Mediterrâneo. À semelhança de diversas comunidades marítimas do país, que tomaram S. Pedro Gonçalves por padroeiro e protector contra os perigos que enfrentavam no mar, consagrando-lhe templos e irmandades, também os pescadores e mareantes de Sesimbra lhe prestaram culto em demanda da sua protecção. A confraria dos pescadores e mareantes visava reforçar os mecanismos de integração e de entreajuda da comunidade marítima através do duplo patronato do “Corpo Santo” ou S. Pedro e do “Espírito Santo” (cujo culto se acentuou em toda a sociedade no período entre a Idade Média e primeira metade de Quinhentos). (CONDE, Manuel Sílvio Alves, O hospital medieval do Espírito Santo de Sesimbra, (…), 2004, pp. 49-56). A este período correspondeu um aumento de mareantes e pescadores atraídos pelo mar, durante o século XVI. Este êxodo provocou a decadência demográfica da Freguesia do Castelo e a consequente concentração da população junto ao mar. Contudo, até à construção da Igreja Matriz, a população ribeirinha continuava a frequentar a Igreja de Santa Maria do Castelo, localizada dentro das muralhas do Castelo.

252

A Igreja está relacionada com a Santa Casa da Misericórdia, instituição fundada em Sesimbra no princípio do Século XVI.

253

170

final do século XVI e princípio do Século XVII, tendo sofrido sucessivas reformas 254. Actualmente, a imagem do Senhor Jesus das Chagas ocupa o lugar central na Capela-mor, destaque que corresponde ao actual culto predominante dos pescadores. •• Dos edifícios históricos associados ao poder político, militar e eclesiástico, implantados no núcleo urbano primitivo, consideramos que poderiam integrar o itinerário de interpretação, os seguintes: •••a Fortaleza de Santiago (que acolheria a unidade marítima) •••o Palácio do Bispo foi construído no século XVI e foi propriedade do Bispo de Fez. Em 1675 foi adquirido por um cirurgião tesoureiro da Irmandade da Misericórdia de Sesimbra, tendo procedido a algumas alterações ao edifício. Actualmente é propriedade da Câmara Municipal de Sesimbra. •••os Paços do Concelho. Este edifício foi erigido cerca de 1540, tendo sofrido diversas alterações no âmbito das obras efectuadas na sequência de danos causados pelo terramoto de 1755. Passou a servir de local de reunião da vereação que até 1540 reunia na casa da cisterna localizada no perímetro do castelo. • Lota ou Porto de Abrigo A visita a este espaço poderia ser programada em parceria com a Administração do Porto de Sesimbra, por forma a não prejudicar o normal funcionamento do porto e da lota, estabelecendo quais os espaços visitáveis para que o visitante pudesse observar o desenrolar quotidiano da vida no porto e na lota. A interpretação proporcionada pela visita a este espaço incidiria sobre a actual actividade da pesca dado constituir um local de trabalho por excelência, onde se desenvolvem diversas 254 O corpo da Igreja da Misericórdia possui dois altares em talha dourada de meados do século XVIII, no da direita encontra-se a imagem de Nossa Senhora da Piedade do século XVII. Das reformas resultaram acrescentos de capelas ao primitivo templo cujo único vestígio é a capela-mor com tecto de madeira pintado sobre a “visitação da Virgem a Santa Isabel”, e paredes com pinturas barrocas de meados do século XVII sobre o culto mariano. Possui junto à Igreja a capela de invocação de Nossa Senhora do Rosário e ainda outra Capela onde se venerava a imagem do Senhor das Chagas. Em 1907 esta Capela foi reformada e a imagem do Senhor das Chagas foi incorporada no altar-mor da Igreja da Misericórdia, substituindo a anterior imagem de Cristo Crucificado.

171

etapas da pesca: saída e entrada das embarcações para e do mar, realização da lota, preparação dos apetrechos e dos barcos de pesca. Após a visita a lojas de companha e armazéns, este local traduzir-se-ia no “culminar” desta actividade e daria ao visitante uma ideia aproximada do quotidiano dos pescadores. • Faróis “Guias dos pescadores”, os faróis constituem símbolos que nos remetem obrigatoriamente para mar e para quem faz vida no mar, razão pela qual julgamos pertinente a sua inclusão no itinerário. Sugerimos o Farol do Forte do Cavalo, situado sobre o Forte de São Teodósio do Cavalo 255 implantado no Cerro da Assenta no extremo oeste da baía de Sesimbra 256. Outro farol a visitar seria o que se encontra localizado no extremo de um dos molhes, local onde o visitante poderia apreciar a panorâmica da vila de Sesimbra a partir do mar. A escolha destes espaços prende-se como o facto de se localizarem em sítios que proporcionam uma observação privilegiada da paisagem onde se desenrola a vida no mar, na vila e no porto de abrigo. A partir destes sítios o visitante poderia desfrutar duma paisagem muito agradável compreendendo o conjunto mar e Vila de Sesimbra. • Edifícios de fábricas de conserva, de cordas e de gelo257.

255 Esta edificação é considerada Imóvel de Interesse Público pelo Dec. 95/78, D.R.210 de 12 de Setembro de 1978. O Forte de São Teodósio do Cavalo é uma fortaleza defensiva da orla marítima, construído entre 16481652 e restaurado após as danificações que sofreu em 1755 devido ao terramoto, é de novo restaurado em 1895 e ai instalado um farol. A partir dessa data passou a estar sob a jurisdição da Marinha Portuguesa. Da estrutura original resta a cinta muralhada com um portão de acesso e a guarita defensiva. Existiu uma capela (já desaparecida) privada da forte dedicada a Nossa Senhora da Conceição; a imagem de madeira policromada desta Santa ainda existe tendo sido transferida em finais do século XIX para a Igreja de Santa Maria do Castelo (SERRÃO, Eduardo da Cunha e Vitor Serrão Sesimbra Monumental (...), 1997, pp. 51-52). 256

SERRÃO e Serrão Sesimbra Monumental (...), 1997, pp. 51.

Nestas actividades trabalharam sobretudo as mulheres uma vez que a maioria dos homens se dedicavam à pesca, sendo esta última actividade (tanto a pesca como a comercialização) tarefa exclusiva dos homens, conforme refere um antigo pescador, “As mulheres eram domésticas e algumas trabalhavam nas fábricas de conserva e quando as armações precisavam de redes as mulheres faziam as redes (...) as fábricas empregavam muita gente, muitas mulheres (...) As mulheres não tinham nada a ver com a vida do peixe”. Aníbal (antigo pescador), entrevista 22-06-2000.

257

172

Poderiam integrar o itinerário de interpretação espaços associados a antigas industrias conexas com a pesca nomeadamente, fábricas de conservas de pescado, de cordoaria e de gelo (o gelo depois de fabricado era transportado para as lojas de gelo) incluindo uma loja de venda de gelo 258. A inclusão destes espaços no itinerário teria por objectivo informar sobre actividades que apesar de terem já desaparecido, surgiram em Sesimbra a partir de finais do século XIX e como resposta à necessidade de redes e cordoaria utilizadas na pesca (em particular a armação à valenciana, arte que implicava a utilização de grande quantidade de redes e cabos), e como solução para a conservação e escoamento do produto da pesca. Estas actividades constituíram aspectos sócio - económicos importantes para a população local traduzindo-se durante um período da história de Sesimbra, num complemento económico para as famílias de pescadores, uma vez que eram principalmente as mulheres que trabalhavam nestas fábricas. A maioria dos edifícios onde funcionaram estas unidades industriais ou foram demolidos e substituídos por outros, ou foram completamente alterados detendo actualmente diversas funcionalidades. Consideramos que, pelo menos em alguns casos, poderia ser afixada informação na fachada dos edifícios (em suporte adequado) ou a colocação de placares junto destes espaços, referindo e ilustrando as suas antigas utilizações. Esta informação seria complementada com um breve texto sobre a história e importância dessas fábricas em Sesimbra, incluído no guia/desdobrável informativo que sintetizaria todo o itinerário.

Ao longo do percurso do itinerário, e integrando-se de alguma forma no mesmo, poderiam ser seleccionados alguns estabelecimentos de restauração (cafés e restaurantes) alvo de uma Uma das lojas de venda de gelo situava-se na Av. dos Náufragos em frente à praia, num edifício ainda existente que não sofreu alterações significativas em termos de fachada. Este espaço é actualmente utilizado como café (Bote d´Ouro).

258

173

possível articulação com os serviços do turismo, no sentido de constituírem pontos de divulgação dos itinerários e de apoio aos visitantes. No âmbito da articulação a estabelecer entre a unidade museológica marítima, os serviços de turismo e os estabelecimentos de restauração, poderia ainda ser incentivada a gastronomia local constituindo um factor valorizante do itinerário.

b. Itinerário: A bordo de uma barca, conhecer o Mar de Sesimbra Um segundo itinerário alternativo poderia revestir a forma de passeio marítimo pela costa de Sesimbra a bordo de uma embarcação de pesca local. Como já anteriormente referimos e à semelhança de outras unidades museológicas de temática marítima que preservam e reutilizam embarcações tradicionais, de que constitui exemplo o Ecomuseu Municipal do Seixal, um museu do mar e da pesca em Sesimbra poderia integrar um exemplar da tipologia das embarcações utilizadas na pesca local. Para tal escolheríamos uma barca de Sesimbra 259. A nossa selecção baseia-se no facto de esta embarcação ter sido utilizada em diversas artes de pesca praticadas em Sesimbra entre o século XIX e finais do século XX. Ao longo desse período de tempo e até cerca dos anos 60 do século XX, a barca de Sesimbra constituiu a principal embarcação utilizada nas artes de pesca do aparelho ou espinhel, da armação de copo à valenciana, da xávega (em Sesimbra) e no cerco americano (antes da introdução da traineira), tomando por vezes distintas designações consoante a arte em que era utilizada (como por exemplo barca do espinhel ou barca do alto por pescar no alto mar). Até aos anos 30 / 40 do século XX, a barca de Sesimbra à vela (dois mastros), podendo armar remos, caracterizava-se por possuir cerca de 10 metros de comprimento, com pouca quilha, um casco corrido e alongado, proa levemente arredondada terminando em capelo, não possuía coberta mas uma correnteza de bancos e duas pequenas pavimentações, uma à proa e outra à popa, sendo nesta que se sentava o arrais, junto ao leme. A partir dos anos 30/40 do século XX a barca foi adaptada à motorização o que implicou alterações no seu traçado, passando a dispor de convés, porão e casa do motor à popa, obrigando à modificação do cadaste, permitindo a fixação da hélice propulsora. Apesar das alterações permaneceu a pintura de um olho estilizado em cada face da proa.

259

174

Para além da utilização alargada da barca de Sesimbra no passado, aspecto que nos foi sobejamente referenciado por diversos informantes e que é testemunhado por alguns dos objectos da colecção ligada ao mar do Museu Municipal de Sesimbra, alguns autores de estudos locais consideram que a barca de Sesimbra possui características específicas que a distinguem de qualquer embarcação da costa portuguesa 260. A inclusão de um exemplar desta embarcação num itinerário, constituindo um recurso da unidade museológica marítima, poderia efectivar-se através de dois modos possíveis: a celebração de uma eventual parceria com um proprietário interessado ou a aquisição por parte da tutela do Museu Municipal. A primeira possibilidade poderia materializar-se através de acordo entre o Museu Municipal e o Clube Naval de Sesimbra 261 que possui actualmente a barca de Sesimbra Santiago 262 a navegar sendo utilizada para fins turísticos, destinada a passeios na Costa de Sesimbra. Uma parceria entre ambas as entidades (Museu Municipal e Clube Naval) permitiria o estabelecimento de programações partilhadas com vista à reutilização da Barca Santiago, que actualmente já detém uma função exclusiva de recreio (dado que antes da sua recuperação fora abatida à frota de pesca), quer no âmbito das acções do Museu do Mar e da Pesca quer do Clube Náutico. Parece-nos que esta opção seria vantajosa dado que por um lado, proporcionaria ao museu um recurso patrimonial com potencial turístico e, por outro lado, confiaria a sustentabilidade de um projecto envolvendo uma embarcação já recuperada e adaptada ao transporte de pessoas. 260

Sobre este assunto não encontrámos estudos detalhados apenas breves referências.

O Clube Naval de Sesimbra foi fundado em 1930 e divulga como sua finalidade, para além de aspectos ligados à prática desportiva e recreativa das actividades náuticas, o incentivo ao conhecimento e preservação do património histórico-marítimo de Sesimbra. Este clube desenvolveu/desenvolve entre outras actividades, as que destacamos: “Salvaguarda e manutenção da Barca Santiago, antiga barca de pesca do alto, que foi abatida à frota de pesca e iria ser destruída, que agora se destina a passeios na Costa de Sesimbra; Promoção da construção da antiquíssima barca de pesca do alto de Sesimbra à vela por construtores navais de Sesimbra” (Brochura do Clube Naval de Sesimbra).

261

A salvaguarda e recuperação da barca Santiago foi da responsabilidade do Clube Naval de Sesimbra e beneficiou do apoio de diversas entidades: entre as quais a Câmara Municipal de Sesimbra.

262

175

No entanto, caso a referida embarcação não reunisse condições susceptíveis da sua reutilização por parte do museu marítimo, poderia optar-se pela selecção de uma outra embarcação que dependeria de um levantamento prévio sobre as embarcações actualmente existentes, ponderando e avaliando outras possibilidades. A integração no presente itinerário de uma embarcação de pesca de Sesimbra a navegar poderia constituir uma extensão da unidade museológica, proporcionando aos visitantes a transmissão de técnicas de navegação no mar de Sesimbra e de aspectos relacionados com as diversas artes de pesca praticadas no passado a bordo das barcas de Sesimbra. Os agentes transmissores desse património gestual poderiam ser antigos pescadores detentores de conhecimentos de navegação (arrais) participando dessa forma no museu do mar e da pesca de Sesimbra. Através deste itinerário o visitante teria oportunidade de conhecer a paisagem da costa de Sesimbra e o enquadramento ambiental onde decorrem/decorriam as diversas artes de pesca. Este percurso proporcionaria ainda a visita aos calhaus, edifícios localizados ao longo da costa que constituíam abrigos utilizados pelos pescadores quando impedidos de regressar a terra devido ao mau tempo ou quando pescavam com a arte da armação à Valenciana. O itinerário de interpretação conhecer o Mar de Sesimbra a bordo de uma embarcação, poderia ser sugerido ao visitante como prolongamento da visita ao museu do mar e da pesca. Considerando que a unidade marítima se localizaria na Fortaleza de Santiago, este constituiria o ponto de partida para o passeio de embarcação, com embarque no cais junto ao porto de abrigo no local actualmente utilizado pelo Clube Naval de Sesimbra. O percurso do itinerário seria o seguinte: • Ponto de partida: Fortaleza de Santiago • Embarque a bordo da barca de Sesimbra Santiago: porto de abrigo

176

• Passeio pela costa de Sesimbra que incluiria a visita a um dos “calhaus” que oferecesse melhores condições de acostagem e acessibilidade. Destes edifícios referimos o nome de alguns: Calhau da Restauradora; Calhau Cozinha D´Ouro; Calhau da Cova; Calhau da Mijona; Calhau da Balieira.

177

4.

APONTAMENTOS

COMPARATIVOS :

VIAS

DE

APROFUNDAMENTO

DA

INVESTIGAÇÃO E DA INTERVENÇÃO NO PATRIMONIO MARITIMO

4.1. O Museu Oceanográfico do Parque Natural da Arrábida

4.1.1. Génese do Museu: antecedentes e envolventes

a. Antecedentes da criação do Museu Oceanográfico (tempo e espaço) A criação do Museu Oceanográfico está fortemente associada ao trabalho desenvolvido pelo seu fundador naturalista, Gonzaga do Nascimento, no despertar da Oceanografia em Portugal, no começo do século XX. Ocorrido na viragem do século XIX para o século XX, o início da Oceanografia em Portugal está ligado às áreas marinhas da costa abrangendo as regiões de Setúbal, Arrábida, Sesimbra e Espichel, através do contributo de alguns naturalistas que se interessaram por esta região. Foi o caso do Rei D. Carlos que -- com o objectivo de conhecer os fundos, as correntes marinhas desta costa e as espécies marinhas, aliando assim os seus interesses a questões de natureza económica relacionadas com a pesca -- efectuou diversas campanhas oceanográficas ao largo da Lagoa de Albufeira, do Cabo Espichel, da embocadura do Sado, da Arrábida e em particular da costa de Sesimbra. É neste contexto que Luiz Gonzaga do Nascimento (1882-1970), filho de um armador de pesca de Setúbal se interessou, desde jovem, pela natureza da região e por espécies marinhas desconhecidas quando capturadas pelos pescadores. A sua ligação familiar permitiu-lhe esse contacto directo com a actividade da pesca, tendo acabado por se tornar, como autodidacta, num naturalista entendido nas questões do mar.

178

Como era corrente na altura, os naturalistas faziam recolhas no litoral ou recorriam aos meios da pesca com o fim de obterem espécies para estudo. No início do século XX, Luiz Gonzaga do Nascimento começou por seleccionar alguns exemplares de espécies “estranhas” e sem valor comercial, que foi coleccionando e, mediante consulta de bibliografia sobre zoologia e troca de informações com investigadores da época, foi procedendo à sua identificação e classificação no quadro das diferentes tipologias animais. Acabou por constituir uma colecção de espécies animais das regiões de Setúbal, Estuário do Sado, Costa da Galé, Arrábida, Sesimbra e dos mares profundos da zona do Cabo Espichel, chegando a possuir uma das maiores colecções de esponjas e de invertebrados marinhos (em particular crustáceos e moluscos). Os peixes foram o grupo mais trabalhado, tendo contribuído muitas das suas descobertas para o desenvolvimento do conhecimento da Ictiologia em Portugal. A par de estudos sobre essas espécies, escreveu artigos em prol de métodos de pesca não nocivos à fauna e flora marinhas. Do trabalho desenvolvido por Gonzaga do Nascimento 263 resultou um espólio constituído pela colecção de espécies animais marinhas conservadas em frascos, uma colecção de livros de temáticas diversificadas, na sua maioria de Zoologia e Biologia Geral, e um conjunto de apetrechos de pesca. Em 1955 Luiz Gonzaga ofereceu o seu espólio à cidade de Setúbal ficando na dependência da Junta da Estremadura, com o fim da criação de um museu aberto ao público, permanecendo ele próprio como responsável pelo mesmo até cerca do início dos anos 70.

b. Localização: envolvente espacial, natural e humana

Luiz Gonzaga do Nascimento foi alvo de um reconhecimento internacional, tendo sido nomeado sócio correspondente do Museu Britânico de História Natural e do Museu de Madrid; colaborou no Boletim da Sociedade de Oceanografia Nipónica a convite da Universidade Imperial do Japão; participou na edição do Catálogo das Espécies Ibéricas publicado no Boletim do Instituto Espanhol de Oceanografia; o seu nome foi atribuído a uma espécie e a uma variedade novas, num artigo realizado sobre os invertebrados marinhos das colónias de Portugal. Durante a primeira metade do século XX, numerosos são os investigadores portugueses pertencentes às principais universidades que se referem às contribuições de Luís Gonzaga do Nascimento.

263

179

O Museu Oceanográfico está localizado actualmente no Portinho da Arrábida e instalado na Fortaleza de Santa Maria 264 situada sobre a falésia sobranceira ao mar. Construída em 1670, a Fortaleza de Santa Maria fazia parte integrante de uma estratégia de construção de linhas de defesa nas barras dos rios Tejo e Sado incluindo a Vila de Setúbal. Esta Fortaleza e a Fortaleza de Sesimbra (com jurisdição da respectiva Vila), abarcando a costa do Cabo Espichel ao Forte de São Pedro da Foz, constituíam as duas praças de guerra do sul do Tejo. A Fortaleza insere-se na área circunscrita pelo Parque Natural da Arrábida (criado em 1976) que abrange uma área aproximada de 10.820 ha., entre os Concelhos de Setúbal, Palmela, Sesimbra e o mar. Em 1998, por reclassificação do Parque Natural da Arrábida, foi criado o Parque Marinho Professor Luiz Saldanha 265 que compreende a área marinha do Parque Natural da Arrábida. O Parque Marinho tem cerca de 53 Km2. de superfície correspondendo aos 38 Km. de costa rochosa entre a praia da Figueirinha, à saída do estuário do Sado, e a praia da Foz a norte do Cabo Espichel. Apresenta uma grande variedade de fundos de natureza rochosa e arenosa com profundidades até aos 100 metros. Inclui zonas muito abrigadas da agitação marítima,

264 A

Fortaleza de Santa Maria é mandada construir em 1670 por D. Pedro a pedido dos monges do Convento da Arrábida para defesa da costa contra os ataques dos corsários. Dependia do Governador de armas da Praça de Setúbal e esteve activa na defesa e observação da costa até finais do século XIX. Em 1932 Sebastião da Gama adaptou o forte a Pousada que funcionou como tal até 1976. Durante este período é entregue através de Auto de Entrega pelo Ministro da Guerra ao Ministério das Finanças em 1939, e em 1948 é transferida para a Câmara Municipal de Setúbal por Auto de Cessão. A 29 de Setembro de 1977 “toda a zona que rodeia o Portinho da Arrábida incluindo o Conventinho e a mata dos Carvalhos” é classificada como Imóvel de Interesse Público (Diário da República, 1ª Série, nº 226). Após a criação do Parque Natural da Arrábida em 1976 (Decreto-Lei 622/76 de 28 de Julho) foi pedida a “cedência do Forte para servir de ponto de apoio da Administração”. A 17 de Outubro de 1978 a Fortaleza de Santa Maria foi entregue Pela Câmara Municipal de Setúbal ao Parque Natural da Arrábida, através de Auto de Cessão, com o parecer favorável da Comissão Organizadora do Instituto de Salvaguarda do Património Cultural e Natural, da Secretaria de Estado do Ambiente. (Callixto, Carlos Pereira, “O Forte de Nossa Senhora da Arrábida”, Natureza e Paisagem, Nº 7, Setembro 1979, Edição do Serv. Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente, Lisboa). 265 A reclassificação do Parque Natural da Arrábida e a criação do Parque Marinho Professor Luiz Saldanha constam do Decreto Regulamentar nº 23/98 de 14 de Outubro, com alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar nº 11/2003 de 8 de Maio.

180

como é o caso das numerosas enseadas existentes na base das escarpas costeiras, até zonas de forte ondulação como ocorre no Cabo Espichel.

A localização e as características naturais do Parque Marinho são responsáveis por uma elevada biodiversidade. Essa grande diversidade animal --1000 espécies de fauna e de flora marinhas -- é ilustrada pelo número de espécies conhecidas dos grupos mais representados: esponjas, anémonas, crustáceos, moluscos, peixes e outros. Constitui uma área muito importante de reprodução de espécies que têm alimentado a pesca ao longo do tempo. Associados à importância que têm na pesca, os recursos desta zona marinha passaram a ser estudados a partir de finais do século XIX na sequência dos trabalhos de naturalistas como os referidos anteriormente. Esses recursos são no entanto, desde há muito, economicamente explorados pelo Homem, como testemunham as estruturas de salga de peixe da estação arqueológica romana do Creiro, localizadas sobre a falésia, num espaço contíguo ao Portinho da Arrábida, as quais comprovam, pela mesma ocasião, a importância da actividade piscatória exercida ao longo da costa e que constituiu uma das principais actividades das populações locais de Sesimbra a Setúbal. Para além da pesca, outras actividades humanas têm sido desenvolvidas no território do Parque Natural, tais como a agricultura, a pastorícia (e, consequentemente, a queijaria), a apicultura, a extracção de inertes e fórmulas de recreio. Para além dos vestígios arqueológicos da ocupação romana e da presença árabe, nesta área localizam-se diversos elementos de património arquitectónico religioso (como o Convento da Arrábida ou certos palácios senhoriais) 266 .

Uma parte significativa da área abrangida pelo Parque Natural da Arrábida coincide com o Concelho de Sesimbra, tendo sido abordados, no capítulo 2 da presente dissertação, alguns dos elementos comuns do seu enquadramento espacial, natural e humano.

266

181

A riqueza da biodiversidade que caracteriza o Parque Natural da Arrábida resulta de um conjunto de factores que aí se conjugam. Assim, a costa da Arrábida – Cabo Espichel apresenta em geral fundos de baixa profundidade e que se encontram bem delimitados pela linha de costa escarpada e pelas grandes profundidades dos canhões de Setúbal e Lisboa. Coexistindo, na costa portuguesa, com os fundos arenosos da zona centro e norte de Portugal, os fundos rochosos da costa da Arrábida são uma excepção de natureza muito particular já que resultaram essencialmente da fragmentação da própria arriba. O clima desta área é temperado quente, concorrendo com fenómenos de afloramento costeiro que se fazem sentir com forte intensidade durante o Verão. O regime de ventos, nesse período, favorece o afastamento das águas costeiras que são substituídas por águas mais frias que vêm do fundo. Por este motivo, a temperatura média do Verão apresenta-se frequentemente muito abaixo dos 20º C característicos da latitude em que se integra esta zona marinha. A orientação voltada a sul deste litoral é única na costa ocidental portuguesa, oferecendo pois, conjuntamente com a existência de um sistema de serra junto da costa, uma protecção muito eficaz contra os ventos dominantes de norte. Estes aspectos são responsáveis pela reduzida ondulação, carácter único na costa portuguesa, que favorece o desenvolvimento e reprodução de muitas espécies marinhas e que contribui para a existência, na Arrábida, de um número considerável de espécies raras em Portugal. As fortes correntes de marés paralelas à costa – decorrentes da proximidade do Estuário do Sado – proporcionam aos organismos que vivem fixados nos fundos um fluxo intenso e contínuo de água transportando alimento, sob a forma de partículas em suspensão, e promovendo a abundância muito marcada de espécies filtradoras nesta região. Os fundos junto da linha de costa são de profundidade muito reduzida, aumentado no sentido Este–Oeste, com maior expressão próximo da costa na zona do Cabo Espichel. Embora toda esta área seja dominada por fundos arenosos, nas primeiras dezenas de metros os fundos são 182

rochosos, facto em si mesmo significante atendendo a que a maior parte do litoral português é, como já foi atrás referido, exclusivamente arenoso e que os ambientes marinhos de substrato rochoso são incomparavelmente mais ricos e diversificados devido à possibilidade de fixação à rocha dos organismos vivos (como algas e animais) a base de muitas das redes alimentares dos oceanos. O fundo rochoso é de dois tipos, um relativamente homogéneo de tipo afloramento rochoso e o outro, de aglomerações de blocos rochosos com origem no desmoronamento da arriba. Os blocos rochosos são consideravelmente mais variados criando condições para uma elevada diversidade de micro-habitats. Os fundos de blocos rochosos surgem com maior expressão no troço entre Alpertuche e Sesimbra, enquanto que de Sesimbra ao Cabo Espichel e deste até à foz, os fundos são mais homogéneos (de tipo afloramento rochoso), atingindo em alguns pontos profundidades superiores. Destacam-se ainda numerosas baías ou pequenas enseadas. Na zona Figueirinha-Portinho é de assinalar a existência de diversos baixios de areia que têm um papel importante na hidrografia da região, nomeadamente no que diz respeito ao fluxo central e saída das águas do Estuário do Sado que se faz preferencialmente para sudoeste.

183

MAPA 3 - Localização do Museu Oceanográfico (A)

Fonte: http://www.icn.pt

c. Criação do Museu Oceanográfico: sucessivas fases Várias fases caracterizaram a evolução deste Museu desde a sua criação em 1955, como Museu Oceanográfico e de Pesca, até à actualidade:

• Criação do Museu Oceanográfico e de Pesca [1955] O actual Museu Oceanográfico resultou do Museu Oceanográfico e de Pesca fundado em 23 de Janeiro de 1955 por Luiz Gonzaga do Nascimento a partir da colecção por si constituída e doada à cidade de Setúbal, tendo ficado na dependência da Junta da Província de Estremadura. Luiz Gongaza do Nascimento ficou como conservador do Museu até cerca de 1959. A designação inicial de Museu Oceanográfico e de Pesca ficou a dever-se à natureza do espólio que integrava colecções biológicas conservadas e recolhidas por Luiz Gonzaga, uma colecção bibliográfica da sua biblioteca pessoal e um conjunto de apetrechos de pesca. A este espólio foram mais tarde adicionadas espécies de fauna e flora. 184

Apesar da ausência de documentação sobre os objectivos que estiveram na origem da criação do Museu Oceanográfico por parte de Luiz Gonzaga do Nascimento, a bibliografia consultada permitiu-nos constatar que as principais preocupações deste naturalista poderão ter impulsionado a criação do Museu susceptível de constituir um instrumento de estudo e de divulgação do conhecimento sobre as espécies marinhas e das preocupações do seu criador com a extinção de espécies de valor económico. Luiz Gonzaga procurou, através de diversos meios (incluindo a publicação de artigos), sensibilizar a opinião pública para a preservação dos recursos, defendendo a adopção de métodos de pesca menos devastadores, numa fase em que se utilizavam artes de pesca fortemente destrutivas da fauna dos fundos marinhos (tal como a pesca de arrasto pelo fundo).

• Museu Oceanográfico e de Pesca de Setúbal [1960-1991] O Museu Oceanográfico viria a sofrer, ao longo da sua existência, das contingências inerentes a um contexto nacional caracterizado por sucessivas alterações/extinções de organismos públicos e de consequentes reformulações metodológicas. Até 1974 o Museu Oceanográfido foi tutelado pela Junta Distrital de Setúbal, transitando para a tutela da Assembleia Distrital de Setúbal após o 25 de Abril desse mesmo ano. No âmbito do clima de mudanças ocorridas em Portugal durante este período, emergiu uma consciência patrimonial manifesta através de iniciativas que estiveram na origem da génese de um conjunto de museus no Distrito de Setúbal 267. Foi nesse contexto que foi fundado o Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal (MAES) em 1974, por iniciativa da Junta Distrital de Setúbal. Tal como ocorreu com o Museu Oceanográfico, o MAES transitou no mesmo ano para a Assembleia Distrital de Setúbal.

A questão relativa ao contexto nacional do Pós 25 de Abril e a sua ligação à renovação museológica e génese de um conjunto de museus, foi analisada no primeiro capítulo da presente dissertação com base na dissertação de mestrado de Clara Camacho (CAMACHO, Frayão, Renovação museológica(…), 1999.

267

185

O MAES incorporava uma colecção de etnografia pertencente ao antigo Museu Regional da Junta Distrital de Setúbal (a qual incluía utensílios de trabalho relacionados com a pesca e a construção naval), e colecções de arqueologia depositadas por um arqueólogo que integrava a Junta Distrital 268. Os objectivos de criação deste museu estiveram associados à intenção de criação de um museu regional que reunisse elementos sobre a memória colectiva da comunidade distrital. Considerando o Distrito de Setúbal como sua área de intervenção, o MAES esteve estreitamente ligado à génese do associativismo de defesa do património setubalense, colaborou com associações ligadas ao património do Distrito de Setúbal, como o Centro de Arqueologia de Almada, e manteve ligações com instituições como foi o caso do Parque Natural da Arrábida.

Decorrente do Decreto-Lei 288/85 que desactivou as Assembleias Distritais, o Museu Oceanográfico deparou-se durante vários anos, com uma série de dificuldades resultantes da indefinição da situação de tutela. Durante esse período surgiram hipóteses, não concretizadas, de passagem de ambos os museus (Museu Oceanográfico e MAES) para a tutela do IPPC. Em (1987) surge a possibilidade do Museu Oceanográfico e de Pesca integrar a Reserva do Estuário do Sado, com objectivos de divulgação sobre as espécies da fauna e de informação sobre a poluição industrial local. Ana Maria Xavier Gonçalves 269 refere ainda a existência de um projecto conjunto do Museu e da Junta do Porto de Setúbal, visando a construção de novas instalações em terreno que seria cedido por esta última entidade. A organização do MAES esteve a cargo desse arqueólogo (Carlos Tavares da Silva) que ocupou o lugar de consultor técnico do museu, e Joaquina Soares então nomeada directora.

268

GONÇALVES, Ana Maria Xavier Cavaco, Os Museus do Distrito de Setúbal – Contributo para o estudo da Museologia Regional Portuguesa numa perspectiva Museológica/Antropológica, Dissertação com vista á 269

186

Segundo a mesma autora, em 1987 o Museu Oceanográfico e de Pesca encontrava-se instalado no edifício da Biblioteca Municipal de Setúbal, que pertencia à Câmara Municipal, não sendo o Museu tutelado por essa entidade. O Museu dispunha, nessa altura, do piso de entrada, e constava de uma sala de exposição permanente, de um pequeno armazém que anteriormente funcionara como oficina do Museu e de um laboratório no 1º piso. Segundo Ana Xavier Gonçalves, o Museu estivera fechado para obras de 1983 a Fevereiro de 1986, data em que nele foram incorporados três aquários com espécies vivas (doadas voluntariamente por pescadores), criado um laboratório e renovada a electrificação da sala de exposições. O responsável da altura apontava como objectivo do museu “dar a conhecer as espécies menos comuns” e manifestava intenções de virem a realizar estudos de campo. Pelo exposto no trabalho de Ana Maria Xavier Gonçalves, pode deduzir-se que este seria o edifício que acolheu o Museu oceanográfico e de Pesca aquando da sua criação em 1955. A mesma autora refere a existência de um pequeno escritório (no 1º piso) que passara a comunicar com a sala de exposição após a realização de obras na década de 60, sendo nessa altura seu conservador Fernando P. Mendes. Em 1987 eram mencionados, no quadro de pessoal do Museu, uma responsável técnica de museografia, um técnico de museografia e um servente (actualmente em situação de reforma). No mesmo ano, eram apontados como fonte de recursos financeiros o encaixe dos montantes dos bilhetes de visita e era referida a extinção da Assembleia Distrital, que tinha continuado a pagar apenas os salários do pessoal do Museu. Na exposição permanente dessa fase, dirigida ao público geral, eram expostos os frascos com espécies em prateleiras, diaporamas e moldes criados pelo próprio Museu e os aquários com espécies vivas.

obtenção do Grau de Licenciatura, orientada pelo Professor Henrique Coutinho Gouveia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1986/87, pp.166-171.

187

É de salientar que a colecção beneficiou, no decorrer da sua existência, da incorporação de novos especímenes conservados tanto por via húmida (em frascos de formol e álcool) como por via seca (taxidermia). A única informação fornecida ao visitante, referida pela mesma autora, consistia em legendagem com o nome da espécie, a indicação do local e da data de recolha.

• Reabertura ao público do Museu Oceanográfico (Parque Natural da Arrábida) [1991] Entre os finais dos anos 80 e o início da década de 90, os objectos que formavam o espólio da colecção do Museu Oceanográfico e de Pesca foram repartidos em três grupos: um grupo incluía espécies marinhas conservadas em frascos, e através da taxidermia, bem como a bibliografia relacionada com a Zoologia; outro grupo reunia os apetrechos de pesca; do restante espólio bibliográfico foi feito um terceiro grupo. Em 1991 o primeiro grupo de objectos (espécies marinhas conservadas em frascos e através da taxidermia e bibliografia relacionada com a Zoologia) foi entregue ao Parque Natural da Arrábida, vindo a constituir-se como colecção do Museu Oceanográfico, cuja denominação deixou de se reportar à Pesca, afirmando-se exclusivamente de temática relacionada com a Biologia marinha. De acordo com as informações prestadas pelo técnico do Parque Natural da Arrábida que entrevistámos, o segundo grupo de objectos (apetrechos de pesca) foi incorporado nas colecções do Museu de Etnologia de Setúbal, enquanto o terceiro grupo (bibliografia não se relacionando directamente com a Zoologia e Biologia) permaneceu na Biblioteca Municipal de Setúbal. Na ausência de qualquer referência a essa transferência de objectos na bibliografia consultada, obtivemos junto da directora do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, a informação de que o MAES herdou os objectos reportados à pesca que incorpora,

188

do antigo Museu Regional, refutando a hipótese por nós questionada da incorporação de objectos do Museu Oceanográfico e de Pesca.

Em 1991 o Museu Oceanográfico, tutelado e gerido pelo Parque Natural da Arrábida, por sua vez integrado no Instituto de Conservação da Natureza (ICN), reabre ao público através da apresentação de uma exposição na Fortaleza de Santa Maria do Portinho da Arrábida. Desde essa data veio a constituir um “recurso” do ICN servindo principalmente como meio de divulgação da fauna e da flora marinhas locais e com fins ligados à investigação, participando na prossecução dos objectivos definidos no âmbito dos projectos do Parque Natural da Arrábida. Um desses objectivos/projectos mais significativos foi a criação do Parque Marinho que ocorreu em 1998, e para o qual contribuiu significativamente o Museu Oceanográfico enquanto suporte e instrumento de divulgação da importância da biodiversidade da área marinha e de sensibilização à necessidade de conservação dos valores marinhos assegurando o futuro dos recursos pesqueiros.

• Criação do Parque Marinho e re-denominação do Museu Oceanográfico [Museu Oceanográfico Professor Luís Saldanha] [1998–2007] Em 1998 é criado o Parque Marinho na Costa da Arrábida em homenagem ao oceanógrafo Luiz Saldanha 270, tendo o Museu Oceanográfico sido então re-denominado Museu Oceanográfico Professor Luís Saldanha. Luiz de Saldanha (1937-1997) foi um naturalista e oceanógrafo que iniciou a sua carreira no Museu Nacional de História Natural e que acabou por estender as suas pesquisas a um leque diversificado de domínios: a conservação da natureza, o mergulho com escafandro, a oceanografia com missões em todo o mundo, as profundidades abissais de fontes hidrotermais. Publicou trabalhos científicos; foi responsável por diversos organismos nacionais e internacionais comprometidos com a conservação da natureza, a investigação e a gestão dos recursos marinhos; teve um papel preponderante no ensino da Biologia Marinha na Universidade de Lisboa. O seu interesse pela Arrábida iniciou-se com a elaboração do seu doutoramento que teve por objecto a costa da Arrábida. Em 1965 iniciou os seus apelos para a necessidade de protecção da costa da Arrábida, mediante uma proposta ao Ministério da Marinha para a criação de uma Reserva Marinha, mas só em 1998 este longínquo esforço foi concretizado com a inclusão de um Parque Marinho no Parque Natural da Arrábida. 270

189

Em 2005 foi aprovado o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida 271, regulando as actividades humanas que se podem desenvolver nas diferentes zonas do Parque Marinho, por forma a garantir a conservação dos valores naturais e o futuro dos recursos pesqueiros. A criação do Parque Marinho e a aprovação do referido plano terão implicações substanciais no âmbito do trabalho a desenvolver pelo Museu.

4.1.2. Campo temático

a. Temas dominantes e temas complementares O campo temático do Museu Oceanográfico compreende, por um lado, dois temas dominantes: -- o estudo, conservação, divulgação da fauna marinha (da costa da Arrábida, abrangida pelo Parque Natural da Arrábida), nas suas relações com as suas diferentes e específicas envolventes; -- a Conservação da Natureza (Parque Natural da Arrábida / Parque Marinho). O campo temático compreende, por outro lado, dois temas complementares: -- a Oceanografia em Portugal: dos contributos de D. Carlos de Bragança, de Luiz Gonzaga do Nascimento e de Luiz Saldanha às actuais pesquisas oceanográficas (sistematização dos dados oceanográficos contextualizando a colecção); -- o conhecimento dos fundos marinhos (entre a dinâmica da degradação e a dinâmica da prevenção), tema prolongando e aprofundando, em directa interligação, as pesquisas sobre a fauna marinha mas susceptível de ser integrado, através de outros prismas, em temas mais vastos (tais como “A conservação da natureza” ou “A Oceanografia em Portugal”).

b. Da “colecção” ao “acervo”: a incorporação das colecções

O plano de ordenamento do Parque Natural da Arrábida foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 141/2005 de 23 de Agosto.

271

190

Os critérios de incorporação de objectos nas colecções não têm diferido muito ao longo da existência da colecção. Servindo inicialmente objectivos de coleccionismo e de estudo das espécies marinhas (por Luiz Gonzaga do Nascimento), os critérios de incorporação têm-se mantido actualmente em torno de uma perspectiva que privilegia o estudo, para fins de conhecimento científico, das colecções recolhidas. De acordo com as palavras de Miguel Henriques, técnico do Parque Natural da Arrábida, tratar-se-ia em prioridade da manutenção de colecções de referência sobre a diversidade biológica do parque e não da montagem de exposições para serem mostradas ao público. Não tendo como destino principal a exposição, essas colecções são guardados da forma que melhor garantam a sua preservação, utilizando tão-somente a conservação em álcool. Tendo o álcool a capacidade de retirar a cor do organismo em questão, a perspectiva conservatória sobrepõe-se a um resultado expositivo menos satisfatório, porquanto o todo permanece bem conservado, podendo ser futuramente reutilizado. As colecções incorporadas têm a seguinte composição: -- Colecção de espécies marinhas: espécies recolhidas e conservadas em frascos por Luís Gonzaga do Nascimento; exemplares e espécies, recolhidos e conservados uns por via húmida (em frascos de formol e álcool) e outros por via seca (taxidermia), ambos apensos, pelo Museu, à colecção inicial ao longo da sua permanência em Setúbal; exemplares de espécies incorporadas já no âmbito de projectos de estudo do Parque Natural da Arrábida. -- Colecção de livros de Luiz Gonzaga do Nascimento, de temáticas relacionadas com a Zoologia e Biologia. Os livros pertencendo ao espólio inicial, deixados na Biblioteca Municipal de Setúbal no inicio da década de 90, de temáticas não exclusivamente relacionadas com a Zoologia e a Biologia, poderão constituir ulteriormente contributos válidos para a exploração museológica dos temas dominantes e complementares do Museu.

191

4.1.3. Espectro funcional e disciplinar do Museu Oceanográfico

Tal como os objectivos do Museu Oceanográfico são definidos no âmbito dos projectos do Parque Natural da Arrábida, a estrutura funcional e disciplinar do Museu não foi delineada em autonomia no seio da estrutura funcional e disciplinar do Parque. A acção desenvolvida pelo Museu Oceanográfico inscreve-se, por sua vez, no quadro das atribuições do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) 272. Em conformidade com as afirmações de Miguel Henriques 273, a evolução do Museu Oceanográfico inscreve-se numa “linha dupla” mostrando os valores marinhos da região e a necessidade da sua protecção, assente numa adequada base logística de trabalho. Associadas, desde o início, essas duas prioridades “continuam ganhando novas dinâmicas, novas vertentes” que se manterão previsivelmente durante os próximos anos em virtude da sua consonância com a componente marinha do Parque Natural, a qual deverá ser aliás dotada de uma maior visibilidade.

272 As

atribuições funcionais do (ICNB) são assim enunciadas: “a) Exercer as funções de autoridade nacional para a conservação da natureza e biodiversidade; b) Assegurar a preservação da conservação da natureza e da biodiversidade e a gestão sustentável de espécies e habitats naturais da flora e da fauna selvagens, promovendo a elaboração e implementação de planos, programas e acções, nomeadamente nos domínios da inventariação, da monitorização, da fiscalização e dos sistemas de informação; c) Propor a criação de áreas classificadas, terrestres e marinhas, e assegurar a gestão das que são de interesse nacional e colaborar na gestão das que são de âmbito regional ou local, nomeadamente através da elaboração, avaliação e revisão de planos de ordenamento e de gestão das áreas protegidas e da orla costeira; d) Promover a articulação e a integração de objectivos de conservação e de utilização sustentável dos recursos naturais na política de ordenamento do território e nas diferentes políticas sectoriais, visando a valorização económica e social do património natural como factor estruturante de diferentes sectores da actividade económica, designadamente através de parcerias, com especial incidência no turismo de natureza; e) Promover a aplicação da Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ENCNB) e a concepção e gestão do Programa Nacional de Conservação da Natureza; f) Promover e desenvolver a informação, visitação, educação e sensibilização das populações, dos agentes e das organizações na área da conservação da natureza e da biodiversidade, com vista a criar uma consciência colectiva da importância dos valores naturais; g) Assegurar, em cooperação com as entidades competentes, o acompanhamento das questões, a transposição e o cumprimento do direito internacional e comunitário em matéria de conservação da natureza e da biodiversidade”. (Artº 3º do Decreto-Lei n.º 136/2007, D.R. n.º 82, Série I de 2007-04-27). 273Miguel Henriques,

técnico do Parque Natural da Arrábida, entrevista efectuada a 12/06/2007.

192

• Investigação: são desenvolvidos, no âmbito das atribuições do ICNB, estudos visando o conhecimento e a protecção da costa da Arrábida; esses projectos de investigação têm por quadro o Centro de Biologia Marinha do Parque Natural, com o seu laboratório instalado na Fortaleza de Santa Maria. As colecções de espécies em reserva são disponibilizadas a estudantes e a investigadores para fins de investigação. Como é visível, através da enumeração das suas actividades constando do sub-capítulo 4.1.5, o Museu Oceanográfico está associado a projectos de investigação centrados no território em que se inscreve a sua principal temática – a fauna marinha – e desenvolvidos no âmbito da actividade científica do Parque Natural da Arrábida –ICNB. Desses estudos e desses projectos resultam, como já foi mencionado, dados que vão sendo incorporados na documentação do acervo.

• Documentação: o Museu não tem um centro de documentação próprio. O ICN possui um Centro de Documentação na sede das suas instalações em Setúbal, onde é incorporada toda a documentação produzida pelo Parque Natural, incluindo os resultados de pesquisas levadas a cabo por investigadores no Portinho da Arrábida. O Museu possui o inventário informatizado e organizado, de forma a distinguir os diferentes períodos e os dados obtidos sobre cada objecto. O inventário e a documentação da colecção foram efectuados a partir de informações registadas pelo criador/autor da colecção, a partir de fichas existentes em papel, e têm vindo a ser actualizadas à medida que surgem novos dados no âmbito dos estudos realizados. Apesar de o estudo do acervo não constituir um dos objectivos prioritários do Museu, é com efeito regularmente acrescentada alguma informação à documentação do acervo, resultante de projectos de estudo sobre o património natural.

• Conservação: o Museu não possui equipamento de conservação/manutenção das colecções nem espaços destinados especificamente a reservas. Os objectos que não se encontram expostos são guardados numa pequena “reserva” não climatizada, criada para o 193

efeito, numa sala destinada a arrumações. Neste espaço de apoio são guardados alguns exemplares de espécies, conservadas em frascos sobre prateleiras, protegidas da luz e identificadas. Pode afirmar-se, em síntese, que são asseguradas ao acervo condições mínimas de conservação. O Museu Oceanográfico não participa na preservação de património flutuante. Os livros que integram a colecção são guardados no gabinete do técnico do Museu anteriormente referido, que entrevistámos.

• Exposição: o Museu possui uma exposição permanente repartida por três salas contíguas: a designada sala Luís Gonzaga do Nascimento onde é exposta a colecção de espécies marinhas, conservadas quer em frascos quer por via seca, e duas salas com espécies vivas em aquários. Num piso superior existe uma outra sala de utilização polivalente dedicada em particular a exposições temporárias, colóquios, reuniões, mostra de filmes vídeo, apresentando actualmente uma exposição temporária sobre a “pesca fantasma”. Foi reconhecido pelo técnico responsável do Museu274 que, na ausência de um programa e de “uma dedicação em manter (nessa sala) uma rotatividade de exposições temporárias muito significativa”, o espaço em questão fica aquém das suas potencialidades de acolhimento consistente e estruturado de exposições temporárias [v., em complemento, 4.1.5. Actividades em curso]. Acções de interpretação e de comunicação são efectuadas através de formas de divulgação regular e permanente do acervo (em particular reportado ao património marinho), associadas à(s) exposição(ções), centradas elas próprias no património natural marítimo incorporado pelo Museu.

• Educação: não existem espaços ou equipamentos especificamente destinados a acções de educação; esta função é exercida através da visita livre ou guiada das exposições, bem como 274

M. Henriques, 2007.

194

através da mostra de filmes (em suporte vídeo) sobre a Biologia marinha e sobre a Arrábida, apresentados na sala de exposições temporárias. É também nesta sala que são proporcionadas algumas actividades a grupos de visitantes (público infantil e juvenil).

• Divulgação (não expositiva)/Edição: o Museu possui uma pequena sala de recepção e venda de publicações do ICN abrangendo edições dos Parques Naturais que integram aquele organismo, incluindo as relativas ao Parque Natural da Arrábida sobre a fauna e a flora locais, tanto terrestres como marinhas. O referido material de edição é proveniente dos resultados dos projectos de investigação desenvolvidos pelos Parques Naturais, cabendo a sua edição à Divisão de Informação e Divulgação do ICN. Neste espaço são fornecidas informações sobre o Parque Natural da Arrábida, o Parque Marinho e o Museu Oceanográfico. A sala de exposições temporárias serve também de “auditório” para palestras, apresentações temáticas e mostra de filmes (quando solicitado). Enquanto “recurso” do Parque Natural da Arrábida e no âmbito das atribuições do ICNB, o Museu Oceanográfico relaciona programaticamente acções com a promoção de uma consciência ambiental e de uma cidadania activa da sociedade relativamente à preservação dos recursos naturais marinhos.

• Coordenação: Para além das salas de recepção, das salas de exposição permanente e temporária (esta polivalente), de um laboratório (Centro de Biologia Marinha) e de sanitários, o Museu dispõe ainda do gabinete do coordenador.

4.1.4. Modelo de gestão

a. Implantação territorial e estrutura orgânica do Museu Oceanográfico 195

O Museu Oceanográfico tem uma implantação territorial independente, mantendo contudo uma forte relação com a envolvente natural, terrestre e marinha, à qual se reporta tematicamente e em torno da qual desenvolve a sua acção.

b. Inscrição do Museu Oceanográfico nas estruturas orgânicas do Parque Natural da Arrábida e do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB)

Não se encontrando formalmente criado como unidade autónoma, o Museu Oceanográfico inscreve-se na estrutura orgânica do Parque Natural da Arrábida que, por sua vez, se insere no Departamento de Gestão de Áreas Classificadas Litoral de Lisboa e Oeste integrado na estrutura orgânica do ICNB que os tutela.

O Museu Oceanográfico depende da Direcção do referido departamento, estando a sua gestão quotidiana a cargo de um técnico superior que estabelece a ponte entre o museu e a directora do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas Litoral de Lisboa e Oeste. As funções deste técnico reportam-se particularmente aos projectos desenvolvidos no âmbito do Parque Marinho, gerindo ambos (o Museu e o Parque) como um todo, constituindo o Museu um “recurso” do Parque. O peso relativo e os campos de aplicação das diferentes funções do Museu Oceanográfico são coordenados e geridos por esse mesmo responsável, que reparte, por essas funções, a restante equipa do Museu, com excepção da investigação que detém autonomia em relação ao Museu. Através das palavras de Miguel Henriques, técnico do Parque Natural da Arrábida, proferidas no decurso da entrevista atrás referida (efectuada a 12/06/07), o Parque Natural da Arrábida aparece como uma estrutura que engloba o Museu Oceanográfico e que, segundo as ocasiões, as necessidades e as solicitações, tem vindo a dotar o Museu Oceanográfico em 196

meios (em particular humanos), de acordo com a natureza e a importância das questões colocadas ao nível do Museu. Não existindo como unidade autónoma com um quadro próprio mas sim como parte de uma estrutura mais abrangente, o Museu Oceanográfico aparece, nas referidas observações, mais como um departamento do Parque, gerido segundo as ocorrências, com oscilações entre momentos de menor investimento e momentos-chave em que o Museu pode beneficiar de uma grande concentração de meios 275. Não se tratando no entanto formalmente de um departamento e não funcionando como um museu “tradicional”, o Museu Oceanográfico Professor Luiz Sadanha (a Fortaleza e o seu património) poderá ser encarado mais correctamente -- numa fase em que os aspectos orgânicos das áreas protegidas estão ainda em curso de definição -- como um centro de interpretação e de divulgação dos meios, dos valores marinhos e das necessidades de conservação e de apresentação, adstrito ao Parque 276.

b. Afectação, mobilização, circulação dos recursos e da informação

b.1. Afectação e mobilização de recursos humanos: a equipa do Museu Com carácter de maior permanência, a equipa do Museu é constituída por três funcionários que pertencem ao quadro do ICNB: -- o técnico responsável do Parque Natural da Arrábida, que possui formação em Biologia, e que -- fazendo “a ponte” com o Departamento de Gestão de Áreas Classificadas Litoral de Lisboa e Oeste do ICNB -- assegura a coordenação e a gestão do Museu e da Fortaleza. -- um funcionário administrativo, com alguma formação interna no âmbito do Parque Natural, nomeadamente em Biologia Marinha, que desempenha funções de atendimento ao público na recepção e na loja, efectuando visitas guiadas quando solicitado, participando na 275

Cf. M. Henriques, 2007.

276

Cf. M. Henriques, 2007.

197

vigilância/manutenção (complementar) dos aquários com espécies vivas e desenvolvendo algumas actividades com grupos de visitantes (público infantil e juvenil), a partir de materiais por si criados em articulação com o responsável; -- um funcionário da carreira de vigilante da natureza, com uma componente auxiliar técnica, que faz a manutenção das colecções em particular das espécies vivas e da Fortaleza; . b.2. Afectação e mobilização dos recursos financeiros e tecnico-logísticos A exemplo do que acontece com os recursos humanos, a atribuição de recursos financeiros e tecnico-logísticos ao Museu Oceanográfico obedece às directrizes e integra-se nos objectivos definidos pelo ICNB. O Parque Natural da Arrábida é dotado de um orçamento para cada ano que deve cobrir a totalidade das acções levadas a cabo no âmbito do Parque, tanto no que toca ao plano de actividades como às intervenções na sede dos serviços técnicos e, mais geralmente, na totalidade das instalações 277.

b.3. Circulação da informação e das decisões O modo de circulação, atribuição e mobilização da informação faz-se em conformidade com as características da gestão e da dimensão da equipa do museu; está dependente da coordenação do técnico superior que estabelece a ligação entre a equipa do Museu, as atribuições e os objectivos delineados pelo Departamento de Gestão de Áreas Classificadas Litoral de Lisboa e Oeste do ICNB e a própria tutela.

4.1.5. Actividades marcantes do Museu Oceanográfico

a. Principais actividades do Museu Oceanográfico desde a sua criação

277 Cf.

M. Henriques, 2007.

198

• Divulgação da fauna e da flora do Parque Natural da Arrábida, através da exposição permanente do património natural (espécies). • Divulgação sobre a importância da biodiversidade da área marinha e sensibilização para a necessidade de conservação dos valores marinhos, na sua relação com o futuro dos recursos pesqueiros [associada a projectos de investigação e à criação do Parque Marinho e desenvolvida através de diversificados meios/suportes: exposição permanente; informação escrita distribuída “porta-a-porta” (e entregue aos visitantes do Museu) e mostra de filmes a grupos de visitantes]. • Apoio – em parceria com uma Associação de Actividades Subaquáticas com sede em Sesimbra, designada TRIDACNA -- a um projecto de recolhas de objectos (apetrechos de pesca) e de fotografia dos fundos marinhos, que serviram de suporte a uma exposição itinerante e a acções de divulgação junto das escolas (apresentações e entregas de folhetos), sobre a “pesca fantasma”, alertando para as incidências, na flora e na fauna marinhas, do abandono de objectos de pesca nos fundos marinhos e para a necessidade de conservação dos recursos naturais. Um dos locais por onde passou a exposição itinerante foi Sesimbra (auditório Conde Ferreira).

b. Actividades em curso: colaborações e parcerias em curso 278 Parcerias (recapitulativo): Das parcerias (recentes) concretizadas entre entidades exteriores e o Museu ou Parque Natural da Arrábida de que resultaram recursos complementares, destacam-se as seguintes: • o Parque Natural, em parceria conjunta com uma associação ambientalista de Sesimbra ligada a actividades subaquáticas, designada TRIDACNA, e com a Câmara Municipal de Sesimbra, apoiou um projecto apresentado por essa associação, de que resultaram recolhas e uma exposição itinerante, actualmente apresentada no Museu Oceanográfico como exposição temporária. No âmbito do mesmo projecto foi ainda realizado um conjunto de acções de divulgação junto das escolas. O apoio do Parque Natural traduziu-se na orientação do projecto e no apoio logístico. • Durante os últimos anos o Parque Natural da Arrábida manteve parcerias com Universidades no âmbito de projectos de investigação, com vista ao conhecimento e à protecção naturais da costa da Arrábida, desenvolvidos no Centro de Biologia Marinha. • Em 2007 o Parque iniciou o projecto Biomares no âmbito do programa comunitário Life-Natureza que visa a recuperação de alguns habitats degradados no Parque e a gestão de outros. O projecto tem sede logística na Fortaleza de Santa Maria e terá a duração de 4 anos, em parceria com as seguintes entidades: Centro de Ciências do Mar do Algarve (CCMAR); Instituto Nacional de Investigação Agrária e Pescas (IPIMAR); Consejo Superior de Investigaciones Cientifícas (CSIC) de Espanha; Instituo Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). 278

199

• A exposição permanente, que apresenta espécies animais conservadas, individualmente identificadas com legendas, colocadas dentro de vitrinas e contextualizadas através de fotografias das espécies vivas no seu habitat e de informação escrita informando sobre características e habitats. A informação escrita e fotográfica está colocada sobre painéis de fundo dentro das vitrinas. São ainda expostas algumas espécies conservadas por taxidermia fora de vitrinas, identificadas por legendas. Da exposição fazem parte ainda aquários com espécies da fauna e flora, identificadas através de pequenos textos e desenhos colocados sobre painéis. Numa das salas onde se encontram os aquários observam-se ainda alguns apetrechos de pesca. • A exposição itinerante “pesca fantasma” anteriormente referida, que é actualmente apresentada no Museu Oceanográfico como exposição temporária, sendo os objectos e suportes de informação pertença da associação TRIDACNA. Na exposição são apresentados, dentro de vitrinas, diversos objectos utilizados em distintas artes de pesca, sendo os mesmos contextualizados através de informação escrita e desenho sobre painéis. Integram ainda a exposição fotografias expostas em painéis, sobre fauna e flora marinhas do Parque Marinho. Na mesma sala é apresentada uma breve contextualização histórica sobre os antecedentes do Museu Oceanográfico e suas colecções, nomeadamente sobre o início da Oceanografia em Portugal e sua relação com a Arrábida através das figuras de Luís Gonzaga do Nascimento e Rei D. Carlos. É ainda feita referência ao papel de um dos impulsionares do Projecto do Parque Marinho (Luiz Saldanha). Esta contextualização é apresentada numa vitrina que expõe alguns objectos de Luiz Gonzaga e informação escrita sobre painel de fundo. São também apresentados painéis com informação escrita sobre enquadramento natural do Parque Natural e Marinho e uma breve referência à Fortaleza de Santa Maria da Arrábida. • O início em 2007 do projecto BIOMARES – no quadro de uma parceria entre o Parque Natural da Arrábida e diversas entidades -- resultante duma candidatura ao programa comunitário Life Natureza (financiamento para apoio ao desenvolvimento de projectos de 200

Conservação da Natureza nas áreas candidatas a integrar a futura Rede Natura 2000: Directiva Comunitária Aves e Habitats). O projecto BIOMARES “(…) tem como objectivo a recuperação da biodiversidade na área do Parque Marinho da Arrábida, bem como a implementação de diversas acções de gestão ambiental. A acção principal do projecto consiste na replantação de cerca de dez hectares de ervas marinhas do Portinho da Arrábida (…). Uma acção fundamental de gestão ambiental será a implantação de bóias de amarração “amigas do ambiente” que protegem os fundos marinhos e permitem ao mesmo tempo o uso recreativo do parque marinho. A colocação de um pontão de acesso a embarcações do Portinho da Arrábida bem como a disseminação de informação sobre a importância da preservação do parque (…) um conjunto de actividades de educação e informação dos stakeholders (pescadores, actividades recreativas, escolas, população em geral, etc).”279 O projecto BIOMARES tem a sede logística na Fortaleza de Santa Maria, estando a cargo de cada parceiro as seguintes acções/responsabilidades: -- Centro de Ciências do Mar do Algarve (CCMAR); coordenação tecnico-cientifica do projecto e acções no terreno de replantação de plâncton no Portinho da Arrábida; -- Instituto Nacional de Investigação Agrária e Pescas (IPIMAR): participação de alguns navios oceanográficos em levantamentos de caracterização dos fundos; -- Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA): parceiro universitário responsável pela avaliação e monitorização de comunidades vizinhas dos habitats que vão ser recuperados; -- Consejo Superior de Investigaciones Cientifícas (CSIC): apoio de parceiro universitário espanhol com experiência na recuperação de pradarias marinhas; -- ICNB: apoio logístico, acções de divulgação: as acções associadas e este projecto inserem-se num contexto científico no âmbito das atribuições do ICNB, com implicações logísticas e consequente envolvimento da equipa do Museu. O Parque Natural contactou as Câmaras Municipais de Sesimbra e de Setúbal com vista à sua eventual participação. 279 BIOMARES,

Centro de Ciências do Mar do Algarve, Nota de Imprensa, site http//: www.icn.pt

201

c. Actividades em perspectiva O anúncio, sob uma forma genérica, de intenções de acção não pode ser registado com o mesmo grau de certeza que possui a enunciação de prolongamentos, num futuro próximo, de projectos já iniciados ou em curso de execução:

• Continuação do projecto (em parceria) de recuperação de habitats degradados, dando lugar a acções no terreno de replantação de plâncton, de levantamentos visando a caracterização dos fundos e a monitorização de comunidades próximas dos habitats a recuperar; • Programação de actividades de divulgação associadas aos resultados do projecto em curso, acima referido: conversão, para esse fim, da actual sala polivalente, localizada no piso superior, em espaço de divulgação junto dos diversos públicos, sobre os objectivos e as razões do projecto; acções no terreno; identificação dos habitats perdidos e dos resultados do projecto (recuperação dos habitats degradados). • Realização de exposições itinerantes com início do percurso no Museu Oceanográfico, prevendo-se, na concepção e na programação das exposições, a intervenção de diversos departamentos do ICNB. • Organização de actividades, a realizar no terreno com escolas e com outros grupos de indivíduos (em particular os grupos relacionados, de alguma forma, com os meios marinhos, t.c. os mergulhadores). • Intenção de dar corpo a uma publicação sobre o Museu Oceanográfico, a preparar e a editar pela equipa do Museu.

4.2. O Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada

4.2.1. Génese do Núcleo: antecedentes e envolventes 202

a. Antecedentes da criação do Núcleo (tempo e espaço) A intenção de criação de um Museu Municipal em Almada surgiu em 1954 na sequência de uma exposição de pintura apresentada no Convento dos Capuchos. Após a exposição, a colecção foi doada pelos seus criadores (de origem espanhola) à Câmara Municipal de Almada, na perspectiva da criação de um museu vocacionado para a temática da arte. Nessa altura, um jornal local anunciou a preparação do programa museológico, bem como, a adaptação das instalações dos Capuchos a museu, o qual incorporaria a referida colecção de pintura e, eventualmente, outros objectos na posse da Câmara 280. Contudo, esse projecto não viria a ser concretizado, tendo-se dispersado a maioria dos objectos que constituíam a colecção de 1954.

A génese do Núcleo Naval incluiu-se nas intenções de criação do Museu Municipal de Almada num contexto de renovação museológica e criação de diversos museus municipais no período após o 25 de Abril de 1974. A criação do Museu Municipal de Almada resultou de um conjunto de circunstâncias de que se salienta a ligação entre o trabalho associativo patrimonial, promovido pelo Centro de Arqueologia de Almada (que funcionava desde 1972), e a nova autarquia constituída na sequência do 25 de Abril. O Centro de Arqueologia de Almada realizou o 1º Levantamento Paleontológico e Arqueológico do concelho de Almada que constituiu o ponto de partida para a realização de prospecções arqueológicas e intervenções de emergência, para as quais o Centro de Arqueologia de Almada encontrou apoio junto do Museu de Arqueologia e Etnografia da Assembleia Distrital de Setúbal.

280

Cf. José Manuel de Sousa, entrevista realizada em 19/06/2007.

203

Os trabalhos desenvolvidos em torno do levantamento patrimonial na área da arqueologia conduziriam à génese do Museu Municipal de Almada, na qual participaram membros do Centro de Arqueologia de Almada que após a criação do museu integraram os quadros da Câmara de Almada. A ideia de criação de um museu associado à temática fluvio-marítma surgiu no início da década de 80, no âmbito de uma exposição bibliográfica sobre embarcações do Tejo, organizada por técnicos da Biblioteca Municipal de Almada que mais tarde viriam a integrar o Museu Municipal de Almada. Nessa exposição, intitulada Embarcações do Tejo, foram expostos modelos de embarcações cedidos por empréstimo pelo Museu do Seixal. Na sequência desta exposição e da colaboração entre o técnico José Manuel de Sousa, da Biblioteca Municipal, e o arqueólogo Luís Barros, colaborador do Centro de Arqueologia de Almada, surgiu a equipa mobilizadora da génese do Museu Municipal de Almada. Em 1983 a Câmara Municipal de Almada integrou nos seus quadros o primeiro técnico, Luís Barros, (membro do Centro de Arqueologia de Almada e colaborador da Câmara Municipal do Seixal desde 1980, tendo participado na fase inicial de criação do respectivo Museu 281), dando início à preparação do processo de criação de um Museu Municipal, que apareceu contemplado no Plano e Orçamento da autarquia em 1984 282. Essa equipa elaborou o programa de criação de um museu “polinucleado”, abarcando núcleos de temáticas distintas mas reportadas ao património concelhio: o Núcleo de Arqueologia, o Núcleo Naval, o Núcleo Agrícola (não concretizado) e uma Pinacoteca. No programa foram pré-definidos os locais para a instalação dos núcleos, constituindo um deles o núcleo central, onde seria possível mostrar toda a história do concelho. Clara Camacho alude na sua dissertação de mestrado, ao papel desempenhado pelo técnico Luís Barros na concepção do programa do Museu Municipal de Almada “A conjugação da 281

A designação de Museu Municipal do Seixal foi alterada após 1983 para Ecomuseu Municipal do Seixal.

282

CAMACHO, Renovação museológica (…), 1999.

204

experiência associativa de defesa do património e de investigação arqueológica com a vocação museológica descentralizada bebida no modelo seixalense terão estado presentes na concepção inicial poli-nucleada do museu previsto para Almada”283. Este programa foi apresentado ao Vereador Eduardo Costa e viria a ser aprovado em sessão de Câmara 284, não existindo uma deliberação do executivo no sentido da criação do museu, surgindo este apenas integrado nos Planos de Actividades e no organograma de serviços. O Museu Municipal de Almada foi criado em 1984 e instalado no Convento dos Capuchos, tendo por equipa José Manuel de Sousa e Luís Barros. A configuração territorial do museu só foi definida na década de 90, verificando-se uma acentuada flutuação da programação e do estabelecimento de novos núcleos. Só em 1989 foi possibilitada a utilização de parte do complexo industrial da Companhia Portuguesa de Pesca. Apesar da elaboração de um programa preliminar, verificar-se-ia, desde então, alguma indefinição na designação e na concepção da unidade de temática naval, indefinição que se prolongaria até uma fase recente. A oscilação -- entre a designação de “museu”, deixando pressupor uma entidade dotada de uma perceptível autonomia de programa e de recursos, e a designação de “núcleo”, deixando pressupor uma entidade não possuindo essa autonomia de programa e de recursos -- transparece aliás nas palavras de um dos seus fundadores, José Manuel de Sousa, constando da entrevista realizada no passado mês de Junho, a qual faz referência a uma relativa dispersão e heterogeneidade dos critérios de designação (dando como exemplo a Pinacoteca) 285.

b. Localização: envolvente espacial, natural e humana

283

CAMACHO, Renovação museológica (…), 1999, pp. 277.

O documento de criação do Museu é a acta da sessão de Câmara em que foi aprovada a proposta apresentada. 285 J. M. Sousa, 2007. 284

205

O Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada ocupa actualmente um dos edifícios das instalações da antiga Companhia Portuguesa de Pescas, situadas em Olho de Boi, espaço ribeirinho contíguo a Cacilhas e ao Ginjal, fortemente associado à evolução histórica do concelho de Almada, na sua relação com o rio Tejo. Com uma área de 70,2 Km2, o concelho de Almada situa-se na margem sul do Tejo na Península de Setúbal, confrontando com os concelhos do Seixal a Leste, Sesimbra a Sul, com uma longa costa virada para o Oceano Atlântico a Oeste, e para o Estuário do Tejo a Norte e Nordeste, frente aos municípios de Lisboa e Oeiras.

Almada desenvolveu-se a partir de um povoado implantado sobre a falésia sobranceira ao rio, que lhe facultava uma posição estratégica face ao estuário, dada a possibilidade de observação sobre o Canal da Barra 286 e das rotas comerciais confluentes no Mar da Palha. A localização geográfica de Almada, junto da margem ribeirinha do estuário do Tejo bem como a sua proximidade e a possibilidade de interligação com a margem Norte constituíram factores de grande peso no desenvolvimento urbano, económico (agrícola e manufactureiro) e social ao longo da sua história. Almada beneficiou ainda dos recursos da pesca 287 e da possibilidade de circulação através da qual comercializava uma produção agrícola favorecida pela fertilidade agrícola da região. A localização e as características naturais do seu território asseguravamlhe uma importância estratégica de defesa do produtor agrícola, manufactureiro e industrial, facilitados pelo acesso ao porto internacional de Lisboa, e, logo, o aprovisionamento e o escoamento das matérias-primas e dos produtos através do Atlântico e do rio Tejo.

O Canal da Barra faz a ligação entre o Oceano Atlântico e o designado Mar da Palha; estende-se de Cacilhas à Cova do Vapor na Trafaria, com um comprimento aproximado de dez quilómetros e uma largura de cerca de dois mil metros: constitui a zona do Estuário do Tejo, de maiores profundidades e de fortes correntes.

286

A atestar a longínqua e contínua exploração de recursos e de um real potencial comercial, refiram-se os achados arqueológicos, na zona de Cacilhas, de tanques de salga de peixe romanos (séculos I e III D.C.).

287

206

MAPA 4 - Localização do concelho de Almada

Fonte:http:// www.m-almada.pt

Durante a ocupação árabe, Almada recebeu o seu topónimo de AL-MADAAN (do árabe: a mina), cujo significado os historiadores atribuem à importância da exploração de ouro no leito do rio Tejo e na região 288. Conquistada aos árabes em 1147 e, tal como ocorreu com outros concelhos da margem sul do Tejo, em 1186 foi integrada na Ordem de Santiago, sendo-lhe concedido Foral em 1190. No reinado de D. Dinis seria integrada na Coroa como concelho autónomo. Almada desenvolveu-se em torno de dois espaços principais: o núcleo populacional original de Almada e a área ribeirinha, esta última associada ao desenvolvimento de um conjunto de actividades estruturadas em torno do rio. Estes dois núcleos atelaram-se, ao longo do tempo, aos núcleos correspondendo à zona industrial da Cova da Piedade e à área agrícola do Pragal, ambos actualmente urbanizados.

288

Custódio, Jorge, “Almada a Mineira”, Al-Madan, nº 2, II série, Julho 1993, pp.89-103.

207

• Espaços delimitados na área ribeirinha e integrados no âmbito concelhio da Protecção da Área Ribeirinha 289: --Troço Cacilhas/Fonte da Pipa: “os primeiros vestígios datam da Idade do Ferro, contudo, os mais consistentes são os romanos e constituídos por uma fábrica de salga de peixe. A vocação desta área sempre esteve ligada ao rio através do comércio e armazenamento dos mais diversos produtos. Deste modo surgiram os primeiros armazéns e pequenas oficinas de tanoaria e construção naval artesanal. Como porto comercial e ponto de ligação entre as duas margens proporcionou o aparecimento de equipamento hoteleiro (…). Cacilhas foi uma terra em constante crescimento e com o aparecimento de novos e mais rápidos meios de transporte, bem como com a construção da ponte 25 de Abril ajudaram a alterar a principal vocação de Cacilhas como entreposto comercial, contribuindo para a sua rápida degradação e abandono. (…)”. --Troço Arealva /Arrábida: “(…) a falésia compreendida entre a Arealva e Palença de Baixo, constitui, do ponto de vista paleontológico, um dos mais importantes centros da fauna e de restos de diversos mamíferos marinhos e terrestres, bem com restos florísticos de diversas espécies, que ajudam à compreensão das alternâncias dos ambientes marinhos e terrestres ao longo do Miocénico. Trata-se, do ponto de vista paisagístico, de uma área pouco alterada (…). Do ponto de vista histórico, a existência do forte da Arealva, construído no reinado de D. Pedro II e transformado no século XIX em armazém de vinhos, função que ainda mantém. No outro extremo da área situada na Arrábida situa-se a antiga saboaria, construída no século XVI e que laborou até ao século XX”. Os dados que enumeramos seguidamente são extraídos do Documento Interno do Museu Municipal, caracterizando as áreas/os núcleos a proteger e da Brochura “Núcleos Históricos do Concelho de Almada – Estudos para um plano de salvaguarda” (editada pela Câmara Municipal de Almada), que nos foram, ambos, gentilmente cedidos pela responsável do Núcleo Naval de Almada. Os espaços ribeirinhos aí mencionados, integrando estações arqueológicas e património paisagístico, formam os Núcleos Históricos do Concelho, assim definidos por deliberação da Câmara Municipal de Almada em 1986, enquanto instrumentos estratégicos destinados a integrar o Plano de Salvaguarda do Património Histórico e Cultural do Concelho de Almada.

289

208

--Troço Porto Brandão/Portinho da Costa: “(…) situam-se aqui dois dos mais importantes monumentos do concelho, a Torre Velha, que parece datar do reinado de D. João I (…), está classificada como Monumento de Interesse Público e o Lazarento, construído em Meados do século XIX, foi destinada à quarentena (…). O Porto Brandão é um local encaixado entre duas arribas, do que resulta um microclima e ambientação próprias que deveriam ser objecto de classificação (…)”.

• Três aspectos da evolução do Concelho devendo ser sublinhados: -- A industrialização: a partir dos séculos XV e XVI, com o incremento dos circuitos fluvial e marítimo, no âmbito dos Descobrimentos Portugueses, a área ribeirinha viu crescer e diversificar a sua actividade, desempenhando um papel de apoio e abastecimento 290 às naus que entravam e saíam do Tejo. Do século XVII datam os primeiros armazéns à beira-rio, integrados na área do Ginjal e edificados com o propósito de abastecer as embarcações. Nessa altura foram criados novos cais adaptados às sucessivas instalações de armazéns e oficinas que forem sendo construídas e reconstruídas, intensificando-se a actividade nesta área (de Cacilhas ao Ginjal) com a industrialização que ocorreria a partir de meados do século seguinte. Durante o século XVIII foram-se instalando diversos armazéns na zona do Ginjal, destinados ao comércio de vinho e azeite. Como complemento dessas actividades, foram surgindo oficinas dedicadas a actividades associadas, tais como a tanoaria e a latoaria. Iniciada a partir do século XVIII, a industrialização do concelho deve-se em grande parte à sua posição face ao rio, à semelhança do que ocorreu noutros concelhos ribeirinhos localizados na Margem Sul do Tejo. Neste processo interveio a migração de diversas zonas do país e a consequente alteração da estrutura demográfica, cultural e económica desses concelhos Em Olho de Boi, junto do Núcleo Naval, está localizada a Fonte da Pipa, que foi construída em 1736 para abastecimento em água dos habitantes de Almada e das embarcações. 290

209

ribeirinhos. Muitos desses migrantes acompanhavam a transferência de indústrias que se iam instalando no concelho. Foi o caso de algarvios que acompanharam a deslocação de fábricas de cortiça e conservas de Silves para a margem esquerda do estuário do Tejo, ou dos operários da indústria conserveira oriundos de Peniche e de Setúbal. Entre as fábricas de cortiça que detiveram grande peso sócio-económico na região, há que salientar a Ranking & Sons e a Buchnal, instaladas na Cova da Piedade. Quanto às fábricas implantadas no Ginjal, destacam-se os armazéns de vinho para exportação; fábricas de conservas de peixe (como a espanhola La Paloma) ou a fábrica de cerâmica na zona de Palença.

-- A construção naval: até ao século XIX surgiram diversos estaleiros de construção naval em madeira, ligados à pesca ou ao transporte marítimo-fluvial, com um incremento significativo na época dos Descobrimentos. De características artesanais nos seus primórdios, a partir da segunda parte do século XIX a construção naval sofreu um grande incremento local com a substituição da madeira pelo ferro e com a introdução de novos equipamentos, tecnologias e materiais. Este incremento foi facilitado pelas características naturais do rio, de águas calmas e profundas, com praias de areia proporcionando ancoradouros. Os locais de fixação tradicional desta actividade coincidiram com o Cais do Ginjal, Cacilhas, Mutela, Caramujo e Porto Brandão. Na primeira metade do século XIX existiram estaleiros de construção naval exclusivamente em madeira no Porto Brandão. Em finais do mesmo século surgiram no Ginjal e Cacilhas estaleiros (Parry & Son) de construção naval em ferro e aço. Até final do século XIX saíram do estaleiro do Ginjal mais de trinta navios de vários tipos, o primeiro dos quais foi o vapor Belém.

210

A Parry & Son, que laborou até ao fim da década de 30 do século XX, foi a empresa pioneira em Portugal, na área naval, na construção em ferro e aço, mantendo no entanto a capacidade de intervenção na construção de embarcações dedicadas exclusivamente ao tráfego fluvial. Dos estaleiros navais destacam-se ainda: -- a Companhia Portuguesa de Pesca com um importante papel nos trabalhos de construção e de reparação naval relacionados com a actividade pesqueira; -- o Arsenal da Marinha, principal estaleiro sob jurisdição do Estado, que foi transferido da Ribeira das Naus e instalado em 1939 no Alfeite, mantendo-se actualmente no mesmo local; -- a Lisnave, instalada em 1961 na Margueira e dedicada exclusivamente à reparação de navios de grande porte (incluindo petroleiros), que encerrou a sua actividade em 2000.

-- A Companhia Portuguesa de Pescas: Na área denominada Olho de Boi existiu uma fábrica de fiação cujas instalações viriam a ser adquiridas pela Companhia Portuguesa de Pescas. Esta empresa, que se instalou nesse espaço entre 1920 e os anos 90, desempenhou uma intensa actividade nacional na pesca de arrasto no alto mar. Das suas instalações faziam parte um conjunto de estruturas destinadas a apoio a pescadores, como a reparação de barcos, a produção de gelo, a assistência médica e social, armazéns e oficinas de fabrico e de manutenção de apetrechos navais para as frotas de pesca de alto mar, fábrica de redes de alto mar, preparação de pescado e um bairro operário, assim como serviços administrativos e sociais de apoio à actividade pesqueira. Em 1939 foi instalada, no espaço do Ginjal, a Cooperativa de Armadores da Pesca do Bacalhau, com estruturas de apoio semelhantes às da Companhia Portuguesa de Pesca.

Na actualidade, a perda de vitalidade económica e a consequente decadência do Cais do Ginjal, a partir da segunda metade do século XX, surgiu, como foi atrás mencionado, pela convergência de um conjunto de factores, entre os quais se destacam o decréscimo da 211

importância do tráfego fluvial no transporte de mercadorias após a construção da ponte 25 de Abril, a transferência de estaleiros para outros locais, a falência dos armazéns de vinho ou a diminuição da importância da pesca do bacalhau. A zona entre Cacilhas e o Olho de Boi ficou assim praticamente deserta, com excepção do porto de Cacilhas utilizado pela Transtejo–Transportes do Tejo que serve o transporte de passageiros entre as duas margens do Rio. No quadro dos projectos de requalificação urbana, a Câmara Municipal de Almada desenvolveu “(…) um conjunto de acções no plano da defesa e salvaguarda do património existente no território (…) 291”, tendo concretizado uma série de melhorias de que destacamos as que enquadram o Núcleo Naval: a construção de um elevador panorâmico ligando Almada Velha e o cais do Ginjal/Olho de Boi e Arealva, e a reabilitação do percurso do cais do Ginjal, como zona de passeio Ribeirinho que se completa no Jardim do Rio contíguo às instalações do Núcleo Naval.

c. Criação do Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada: sucessivas fases

• Criação do Núcleo Naval [1984]: Convento dos Capuchos Conforme foi referido no ponto 4.2.1. o Núcleo Naval de Almada foi criado em 1984 aquando da criação do Museu Municipal de Almada e na sequência de uma proposta apresentada por dois técnicos e aprovada pela Câmara. O Museu foi instalado no Convento dos Capuchos, a cargo de uma equipa constituída pelos referidos técnicos (José Manuel de Sousa e Luís Barros). Aliada a uma prospecção inicial, junto dos estaleiros de construção naval, realizada pela equipa que elaborou o programa do museu, a divulgação da existência do museu levou

291

Catálogo Almada e o Tejo, Câmara Municipal de Almada, 2005.

212

diversos estaleiros do Concelho, que se encontravam em fase de anunciado encerramento, a oferecer materiais que foram integrando a colecção do Núcleo Naval. No quadro de contactos estabelecidos pela equipa com a Companhia Portuguesa de Pescas, com o fim de recolher objectos e documentação, surgiu a ideia de uma eventual instalação do Núcleo Naval nas instalações da Companhia que cessou as suas funções em 1984. As razões que estiveram na origem da escolha desse local prenderam-se com o facto de essas instalações se encontrarem inseridas num espaço fortemente associado à temática do Núcleo, de acordo com a evocação, por José Manuel de Sousa, durante a já referida entrevista, das questões colocadas então pela escolha do local para a implantação da nova unidade: -- entre, por um lado, a hipótese Parry & Son ou a hipótese do estaleiro de Porto Brandão, o estaleiro mais antigo do Concelho, hipótese consentânea com o projecto inicial mas que foi abandonada por exigir um importante investimento na construção de uma estrutura física susceptível de acolher a unidade museológica em intenção; -- entre, por outro lado, a hipótese retida, representada pela Companhia Portuguesa de Pescas, dispondo de um sítio localizado junto do rio que, mediante um trabalho de adaptação razoável da estrutura existente, permitiria azadamente a instalação da futura unidade e o rápido lançamento do programa museológico 292. A partir de 1988 foram tomadas medidas no sentido de a Comissão Liquidatária da Companhia Portuguesa de Pescas (CPP) ceder uma fracção das instalações da referida companhia, com o objectivo de aí instalar o Núcleo Naval. Após a passagem de todo o património da CPP para a posse da Secretaria de Estado do Ambiente (Serviço Nacional de Parques e Conservação da Natureza), foram assinados um protocolo e um termo de cedência por um período determinado (mediante o pagamento de uma renda), entre a Câmara Municipal de Almada e o Serviço Nacional de Parques. Esse protocolo estabeleceu a utilização exclusivamente museológica do espaço, tendo a cedência 292

Cf. J. M. Sousa, 2007.

213

por objecto a área que o Núcleo Naval se propôs preservar. Como foi lembrado por José Manuel Sousa, nesse protocolo foi acautelada a disponibilização de espaços destinados, no programa museológico, ao exercício das diferentes funções [um local para os serviços educativos considerados como um importante instrumento de dinamização do Museu e de captação de fundos, em articulação com os amigos do Museu, sala de exposições temporárias, um serviço de documentação, e ainda um conjunto de espaços técnicos permitindo trabalhos de investigação, os quais deveriam poder inscrever-se numa cooperação regular com instâncias externas, em particular com as universidades (nomeadamente a do Monte de Caparica), tanto mais que uma constatação realista tornava e torna evidentes a impossibilidade de as unidades museológicas suprirem sozinhas as suas lacunas em matéria de investigação bem como a necessidade dessa cooperação sobretudo nos diferentes campos de formação da área museológica 293].

• Inauguração do Núcleo Naval [1991]: Olho de Boi Na sequência de um trabalho, desenvolvido durante três anos, de recolha de objectos, documentação e testemunhos orais associados a actividades desenvolvidas na orla ribeirinha e marítima do concelho, o Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada foi inaugurado em 1991 “(…) tendo a sua acção inicial sido norteada, em primeiro lugar, pela implementação das estruturas base do museu, o levantamento, o inventário do seu acervo e o planeamento das acções tendentes à abertura ao público e á divulgação do património” 294. No decurso da inauguração do Núcleo Naval foi apresentada a exposição Arqueologia Naval, com o objectivo de mostrar o trabalho de recolha até aí efectuado, abordando temas como o mergulho com escafandro, a importância da implantação de Almada junto do Estuário do Tejo,

293

J. M. Sousa, 2007.

294

Cf. Catálogo Almada e o Tejo (…), 2005.

214

a construção naval em madeira e ferro, a carpintaria de limpos e de machado e as artes de pesca.

MAPA 5 - Localização do Núcleo Naval de Almada em Olho de Boi

Fonte:http://www.m-almada.pt

4.2.2. Campo temático 295

a. Temas dominantes e temas complementares O campo temático do Núcleo Naval de Almada compreende, por um lado, dois temas dominantes: -- a construção naval em madeira e ferro/aço (técnicas); -- as técnicas artesanais de pesca. O campo temático compreende, por outro lado, alguns temas complementares, que podem ser apreendidos como aspectos dos temas dominantes aprofundados ou desenvolvidos em

295

Campo temático, colecções, públicos, recursos à partida.

215

complementaridade: -- a construção naval em madeira: técnicas de construção, materiais (madeira), a indústria naval de madeira em Almada; -- a construção naval em ferro; -estaleiros; -- ofícios; -- a pesca na Costa de Caparica; -- embarcações do Tejo; -- embarcação Meia-Lua (Costa de Caparica); -- a industrialização ribeirinha.

b. Da “colecção” ao “acervo”: a incorporação das colecções A incorporação das colecções no Núcleo Naval foi efectuada por duas vias principais, a primeira realizou-se no âmbito de trabalho de recolhas efectuado pelos técnicos do museu na fase inicial de arranque do Núcleo, a segunda consistiu na recepção de doações espontâneas. Em ambos os casos, o espólio proveio de diversas empresas do concelho (a maioria das quais ligada à construção naval), tendo sido recolhido à medida que as mesmas iam encerrando a sua actividade. Das empresas doadoras destacam-se a Companhia Portuguesa de Pesca, que doou uma parte significativa do seu próprio acervo (tanto objectos como documentos), e a Parry & Son. Para além da doação, do espólio fazem parte objectos incorporados por aquisição (compra) de que é exemplo a cabine de comando do vapor “Almansil”, vendida pela Companhia de Portuguesa de Pesca ao ferro-velho e adquirida a este pelo museu. O Núcleo Naval assumiu, desde a sua criação, uma vocação orientada para “(…) o estudo, preservação, inventariação e divulgação do espólio, relacionado com as técnicas de construção naval e de pesca do concelho de Almada.” 296 Face ao número de objectos incorporados e à existência de recursos humanos insuficientes para o trabalho sistemático de inventário e de estudo, o Núcleo optou pela aplicação do “critério de prioridade” ao inventário e ao tratamento de objectos necessários às exposições, opção que foi seguida desde a sua criação.

296

Cf. Catálogo Almada e o Tejo (…), 2005.

216

Após uma fase inicial em que foi utilizado apenas o livro de registos, este processo foi abandonado a favor do registo exclusivo em suporte informático. Actualmente utiliza o programa de inventário e de gestão de colecções Matriz. Na perspectiva da gestão corrente das colecções, foi iniciado um processo de arrumação e de organização das reservas que permite, com precisão, localizar cada objecto no local físico das mesmas. No decurso da recente entrevista realizada a José Manuel de Sousa, referência é feita ao sistema de documentação do Museu e, em particular, à eficaz ligação entre o sistema informático e a localização de peças nas reservas297. As colecções incorporadas têm a seguinte composição: -- objectos associados à construção naval (madeira, ferro, aço); -- objectos ligados às técnicas artesanais de pesca; -- modelos e miniaturas de embarcações (que contemplam diversas tipologias); -- documentação da antiga Companhia Portuguesa de Pescas e de outras indústrias desaparecidas; -- negativos de fotografia (em vidro) de Passaporte sobre a pesca na Costa de Caparica; -- embarcações; -equipamento e objectos utilizados a bordo das embarcações (exemplo: cordame). Em princípio, o Núcleo Naval não partilha colecções com outras unidades do mesmo organismo (a presente questão não foi completamente esclarecida). A actual exposição Almada e o Tejo expõe objectos arqueológicos e objectos do espólio do Núcleo Naval.

4.2.3. Espectro funcional e disciplinar do Núcleo Naval

A actividade desenvolvida pelo Núcleo Naval inscreve-se no âmbito das atribuições funcionais conferidas à Divisão de Museus e Património Cultural 298. O Núcleo Naval está equipado com

297

Cf. J. M. Sousa, 2007.

“À Divisão de Museus e Património Cultural compete gerir e coordenar as actividades dos museus municipais e assegurar o estudo de novas áreas museológicas, apoiando as bibliotecas e escolas, nomeadamente: a) Elaborar propostas que definam os programas museológicos para os vários núcleos temáticos, bem como a calendarização de exposições temporárias, conferências e colóquios; b) Promover a realização de actividades destinadas aos vários sectores do público, através, nomeadamente, do apoio a bibliotecas e escolas e outras

298

217

os instrumentos a seguir enunciados, que dão corpo às funções museológicas de investigação, documentação, conservação, exposição/interpretação, divulgação/edição e educação.

• Investigação: o Núcleo Naval não desenvolve nem apoia (em parceria) projectos de investigação. Contudo, na edição do catálogo da exposição Construção naval em Madeira – Técnicas e Evolução, contou com a colaboração de investigadores da História Local. Na actual exposição Almada e o Tejo está presente o contributo de estudos realizados na área da arqueologia relacionados com a temática maritimo-fluvial. Para além da intenção, manifestada no decurso da entrevista realizada no passado mês de Junho, de estabelecer/aprofundar colaborações com organismos externos, em particular com universidades, susceptíveis de desenvolver com o Núcleo/Museu investigação e formação, pareceu-nos perceptível alguma interrogação, na ausência de uma investigação local fornecendo o controlo dos dados provenientes do terreno, sobre o modo como são fixadas, aquando da inventariação ou da documentação do acervo, as informações sobre os objectos incorporados pelo Núcleo/ Museu.

• Documentação (comum aos demais núcleos): o Centro de Documentação, situado nas instalações do Núcleo Naval, é comum aos restantes núcleos, tendo a seu cargo: “(…) o actividades dos serviços educativos; c) Desenvolver acções de carácter pedagógico e culturais destinadas aos serviços públicos dos núcleos museológicos de acordo com os objectivos e programação de actividades; d) Proceder ao estudo e inventariação do património museológico e cultural do concelho propondo medidas tendentes à sua preservação, divulgação e classificação; e) Assegurar o desenvolvimento das actividades museológicas e de gestão dos equipamentos municipais; f) Assegurar as actividades de conservação e restauro do acervo museológico; g) Garantir a segurança dos vários acervos, nomeadamente através de processos de conservação preventiva; h)Assegurar a arrumação, o acondicionamento e a identificação das espécies nas reservas; i) Assegurar e ou colaborar na investigação de aspectos relacionados com a história, etnografia e património naval e na promoção da sua divulgação; j) Promover a recolha, preservação, estudo e recuperação de embarcações típicas do rio Tejo ou outras com interesse para a história local, bem como do património naval, industrial e etnográfico; k) Assegurar a constituição e conservação das colecções, bem como a edição de catálogos sobre as mesmas; l) Assegurar a recepção, o registo e a classificação das espécies museológicas e as actividades de conservação e restauro dos acervos dos diversos núcleos; m) Assegurar a realização de visitas guiadas e a divulgação de documentos e guiões de apoio ao visitante; n) Gerir os edifícios afectos aos museus e núcleos temáticos municipais e o património cultural em geral. (Aviso nº 1129-A/2005, Apêndice nº 26, 2ª Série, Nº39 de 24 de Fevereiro de 2005, pp. 100(12)).

218

controle das aquisições documentais dos vários núcleos museológicos e demais serviços da Divisão; elabora e divulga os catálogos bibliográficos; colabora na investigação e divulgação da História Local”299. As áreas disciplinares representadas maioritariamente na documentação abrangem a História, a Arqueologia, a Arqueologia Naval, a Arte, a Conservação e o Restauro, a Museologia, a Museografia, a Educação, a Construção Naval, a História, a História Local, a Numismática e o Património. No que toca à documentação das colecções, o Núcleo Naval inventaria e documenta as suas colecções, não desenvolvendo estudos específicos nem investigação sobre as suas colecções. A informação que detém é recolhida pelos técnicos do Núcleo e registada no âmbito do inventário dos objectos, actualmente efectuado por intermédio do programa informático de inventário e gestão de colecções Matriz. Como foi atrás referido, este trabalho é desenvolvido, em espaço organizado para o efeito, pelos designados serviços informáticos, onde é realizado o inventário e o registo dos objectos.

• Conservação: o Núcleo Naval possui os seguintes espaços físicos dedicados à conservação dos objectos: •• as designadas pré-reservas constituídas por um espaço situado entre a secretaria e a sala de reservas, local de entrada dos objectos no museu onde era efectuada uma primeira triagem (este espaço é actualmente utilizado como armazém devido à situação de quaseausência de actividades do Núcleo durante o período compreendido entre 2000 e 2006). •• os espaços contíguos às pré-reservas (ocupados pelos serviços informáticos), onde é feito o inventário e registo dos objectos.

299

Catálogo Almada e o Tejo (…), 2005.

219

•• as reservas ocupando uma sala dividida em dois espaços paralelos, mantendo-se amplo o primeiro espaço, onde são guardados objectos de maior porte (como embarcações, por exemplo), estando o segundo espaço equipado de uma série de estruturas metálicas que permitem a instalação de prateleiras em dois níveis, onde são acondicionados os objectos depois de inventariados. •• um espaço consagrado a laboratório dedicado à conservação e à limpeza dos objectos (o qual, face à necessidade de espaço para outros fins o laboratório foi dividido, acabando por desaparecer). •• uma oficina equipada para trabalhos de restauro. Até 2000 os espaços (como as reservas), onde se guardava espólio, possuíam equipamento de monitorização e controlo instrumental das condições ambientais: termohigrógrafos, medidores UV, aquecedores, desumidificadores, coberturas nas janelas. Em virtude da ausência de manutenção e dos consequentes riscos de avaria ou de degradação, esse equipamento não é utilizado actualmente.

• Exposição/Interpretação: o Núcleo Naval possui apenas uma sala ampla destinada a exposições temporárias (de longa duração) onde apresenta actualmente a exposição Almada e o Tejo. Nesta exposição os objectos de maior sensibilidade ou menor dimensão estão expostos em vitrina. Os temas e os objectos são identificados e contextualizados através de legendas e de breves textos. Um diaporama completa a informação fornecida pelos objectos e pelas fotografias. A sala disponibiliza locais de descanso ao longo do percurso expositivo. A parede situada no extremo oposto à entrada da sala possui um janelão que faculta ao visitante a panorâmica da frente ribeirinha junto da Fonte da Pipa e sobre a margem norte. Se, por um lado, a presença da janela concorre para a “contextualização” das temáticas, no espaço onde se insere, por outro lado, terá eventualmente consequências negativas sobre a 220

conservação dos objectos, dado que faculta a entrada da luz directa do exterior sobre os objectos expostos, sem dotar essa abertura de qualquer dispositivo de protecção ou de controlo da entrada de luz. A conversão, em sala de exposição permanente, de um edifício (antiga tanoaria) localizado em frente do Núcleo existe em intenção. Dada a importância, na temática do Núcleo, do enquadramento territorial, terrestre e marítimo, das colecções incorporadas, poderá requerer alguma elucidação o facto de a interpretação não aparecer, à primeira vista, como uma vertente significativa na estrutura funcional do Núcleo, em particular nos aspectos que poderiam resultar das suas ligações com as funções exposição, educação ou conservação (conservação no-sítio).

• Divulgação (não expositiva)/Edição: a divulgação não-expositiva é efectuada através de diferentes vias: -- das acções do serviço educativo; -- da confecção de pequenas brochuras ou de folhetos sobre as exposições; -- da realização de actividades educativas desenvolvidas, distribuídas e colocadas à disposição do público em diversos espaços municipais (restantes núcleos e Museu da Cidade, por exemplo); -- da publicação de catálogos de exposições. O Centro de Documentação constitui também um instrumento de divulgação fazendo a articulação entre o Museu e os públicos (implicando em particular a comunidade educativa), facultando o acesso à informação e à divulgação documental das áreas temáticas, atrás referidas, do seu acervo bibliográfico (Arqueologia, Arqueologia Naval, Arte, Conservação e Restauro, Museologia, Museografia e Educação, Construção Naval, História, História Local, Numismática e Património). Quando o Núcleo Naval se fixou nas actuais instalações foi reservado e preparado um espaço dedicado a Auditório, o qual, face à necessidade de espaços suplementares, foi ocupado para outros fins. Na vizinhança da sala de exposições, o Núcleo dispõe de um balcão de venda de publicações municipais. 221

• Educação: a função educação é exercida essencialmente através da actividade dos serviços educativos que partilham a sua actividade entre o Núcleo Naval e os restantes núcleos que integram o Museu Municipal, “pretende cumprir uma das funções mais importantes: a de educação dirigida a todo o vasto público”, dinamizando as relações entre museu e público, “(…) através de acções no campo da educação, animação e da informação; organizar e desenvolver actividades culturais em colaboração com todas as entidades públicas e privadas, em particular com a comunidade educativa, associações culturais e profissionais; divulgar as exposições e colecções patentes; investigar e preparar todos os elementos necessários ao trabalho interactivo com os visitantes” 300. Apesar da intenção de atribuição de um espaço dedicada às actividades do serviço educativo, não existe actualmente um espaço destinado especificamente a esse fim. Essas actividades desenvolvem-se no exterior do edifício ou noutros espaços do Núcleo, seleccionados para o efeito.

4.2.4. Modelo de gestão

a. Implantação territorial e estrutura orgânica do Núcleo Naval de Almada Nas suas instalações ribeirinhas localizadas em Olho de Boi, o Núcleo Naval de Almada é parte do Museu Municipal de Almada. Descentralizado territorialmente, o Núcleo Naval é funcionalmente dependente do organismo em que está organicamente integrado. A coordenação e a gestão do Núcleo encontram-se provisoriamente repartidas entre a técnica dos serviços educativos e a direcção de departamento. Essa coordenação e essa gestão deverão transitar, a breve prazo, para a Chefia de Divisão de Museus e Património Cultural.

300

Catálogo Almada e o Tejo (…), 2005.

222

Como adiante veremos (na alínea c.1. 4.3. Recursos humanos), a equipa do Núcleo Naval programa e executa não obstante as acções reportadas às funções de documentação e conservação, de exposição, difusão e educação afectando as colecções que incorpora.

b. Inscrição do Núcleo Naval nas estruturas orgânicas do Museu Municipal de Almada e da Câmara Municipal de Almada Referido como Núcleo-Sede, em alguns documentos, o Núcleo Naval de Almada está integrado na Divisão de Museus e Património Cultural que, por sua vez se insere, no Departamento de Cultura na dependência hierárquica da Direcção Municipal de Desenvolvimento Social da Câmara Municipal de Almada. O Núcleo Naval tem estado integrado na estrutura orgânica do Museu Municipal de Almada, assumido até recentemente como: “(…) estrutura polinucleada e pluridisciplinar, com o principal objectivo de preservação da memória e salvaguarda do património local, tendo o Concelho como área territorial. Divide a sua acção pelos Núcleos de Arqueologia e História, Núcleo Naval, Núcleo Naval/Moderno, Núcleo da Água e Convento dos Capuchos. Nesse sentido, foi possível dotar o Município com uma rede museológica de cariz local. Esta rede, constituída pelas estruturas dependentes da Divisão de Museus e pelo Museu da Cidade, articula-se de forma complementar, procurando promover e divulgar o conhecimento da história local e seu património a todos os cidadãos. Esta opção em privilegiar a identificação com o Património Cultural local, como salvaguarda da memória e da identidade das populações, exige um contínuo diálogo permanente e dinâmico entre o Museu e a Comunidade onde se insere, para que o espaço físico, os habitantes e a herança cultural se encontrem” 301.

301

Catálogo Almada e o Tejo (…), 2005, pp. 14.

223

O recente documento Alteração à macro-estrutura organizacional dos serviços municipais 302 introduz um retorno a uma anterior concepção do relacionamento entre unidades museológicas ao designá-las por museus municipais: “À Divisão de Museus e Património compete gerir e coordenar as actividades dos museus municipais e assegurar o estudo de novas áreas museológicas (…)” 303. Essa intenção de alteração é expressa por ambos os técnicos José Manuel de Sousa e Maria José Santos, actual coordenadora que, manifestando igualmente a sua preferência pela designação “museu municipal”, refere, na entrevista realizada a 15/06/07, a disparidade de critérios e a insuficiente definição do estatuto das diferentes unidades museológicas fundamentando a presente recusa da integração, sob a designação de “núcleos”, em estruturas museológicas reticulares 304. Apesar de o documento de reestruturação organizacional dos serviços municipais de 2005 305 denominar as diversas unidades museológicas por “museus municipais”, o Núcleo Naval não possui (pelo menos, por enquanto) autonomia. Encontrando-se a aguardar a nomeação da Chefia de Divisão, o Núcleo Naval é coordenado provisoriamente por uma técnica superior (que não detém cargo de chefia) que acumula as funções de responsável pelos serviços educativos; essa coordenação é repartida, no plano superior com a direcção de departamento que, por sua vez, estabelece a ligação com a tutela.

c. Afectação, mobilização, circulação dos recursos e da informação c.1. Afectação e mobilização de recursos humanos: a equipa do Museu A equipa do Núcleo Naval é actualmente constituída por:

302

Aviso nº 1129-A/2005, Apêndice nº 26, 2ª Série, Nº39 de 24 de Fevereiro de 2005, pp. 100(2 a 12).

303

Aviso nº 1129-A/2005, (…) 2005, pp. 100 (12).

304

Maria José Santos, entrevista realizada em 15/06/2007.

305

Aviso nº 1129-A/2005, 2005, pp. 100 (12).

224

-- uma técnica superior, anteriormente ligada ao ensino, acumula as funções de coordenação do Núcleo e responsável pelo serviço educativo, cujas actividades são também desenvolvidas por si, reportando-se a sua acção à Divisão de Museus e não exclusivamente ao Núcleo Naval. -- um técnico de museografia formado pelo IPPC que se reparte pelas áreas funcionais do Núcleo Naval, de incorporação e inventário, conservação e exposição. -- uma técnica de BAD destacada exclusivamente para o Centro de Documentação cuja acção se reporta a todos os núcleos que integram a Divisão de Museus. -- uma administrativa que apoia a Divisão e o conjunto dos núcleos. -- técnicos da arqueologia em participação pontual. À excepção do técnico de museografia, a equipa enunciada, assim como a técnica dos serviços educativos, reparte as suas atribuições funcionais pelo conjunto dos núcleos que integram a Divisão de Museus e Património306. Pontualmente o Núcleo Naval beneficia ainda da colaboração de técnicos adstritos aos restantes núcleos do Museu Municipal.

A circulação dos recursos humanos e a definição de prioridades são geridos, no seu todo, pelo Museu Municipal, dado que a maioria dos recursos humanos não estão exclusivamente adstritos a um só núcleo mas sim ao Museu Municipal. Existe uma partilha de recursos humanos, técnicos e logísticos entre os diversos núcleos do Museu Municipal, incluindo o Museu de Cidade, apesar de organicamente não integrar a Divisão de Museus “Acaba por ter recursos próprios mas são, os de cada núcleo depois também são partilhados com os outros (...) os serviços educativos que são da divisão, também são do Museu Naval (...) sempre que é necessário, damos apoio e colaboramos uns com os outros, quer aqui, quer na Arqueologia, quer onde for preciso (...), fazemos tudo desde a montagem da exposição à concepção (...)307.

306

M.J. Santos, 2007.

225

c.2. Afectação e mobilização de recursos financeiros e tecnico-logísticos O modo de atribuição e de mobilização dos recursos financeiros depende da aprovação, por parte da direcção de departamento, de um plano de actividades apresentado pela coordenadora do Museu Municipal “(...) toda essa mobilização dos recursos financeiros é feita por lá, nós aqui fazemos as propostas e se houver dinheiro é comprado ou se for justificado e portanto, isso depois lá em cima, ou é feito ou não conforme houver ou não dinheiro ou for pertinente ou não e fica a aguardar. 308” Actualmente cabe à direcção de departamento tanto a selecção de prioridades como a mobilização e a atribuição dos recursos financeiros, no âmbito do orçamento municipal, ao Departamento de Cultura.

c.3. Circulação da informação e das decisões A circulação/atribuição/partilha/mobilização de informação faz-se entre a responsável pela Divisão de Museus que faz a ponte entre os técnicos dos diversos núcleos e a Direcção de Departamento que por sua vez constitui o elo de ligação à tutela. O modo como é feita a circulação e partilha depende da natureza da informação, difundindo-se pessoalmente, em termos informais ou em reuniões com as equipas dos diversos núcleos, por via de correio electrónico e recorrendo ainda ao centro de documentação.

d. Colaborações e parcerias No âmbito de uma tentativa de delimitação entre formas de colaboração e parcerias implicando, em acções conjuntas, diferentes organismos, o Núcleo Naval beneficiou, por um

307 308

M.J. Santos, 2007. M. J. Santos, 2007.

226

lado, de uma parceria pontual entre a Câmara Municipal de Almada e a Marinha Portuguesa, para a Comemoração do dia Internacional dos Museus em 2007. Beneficiou, por outro lado, de diversas colaborações com indivíduos ou grupos, as mais frequentes das quais foram as estabelecidas com as escolas do Concelho e as Juntas de Freguesia, no quadro de projectos do serviço educativo. Em anos anteriores outras colaborações foram firmadas com indivíduos das comunidades locais. O programa museológico de criação do Núcleo, defendia o recurso a colaborações (e parcerias) de natureza diversificada, a avaliar pelas afirmações do técnico que entrevistámos e que evocou diferentes potencialidades de entreajuda: -- homens com muitos conhecimentos, reformados da Companhia Portuguesa de Pesca, dos diversos estaleiros (Lisnave, Parry & Son, Arsenal do Alfeite, estaleiro ligado à Marinha de Guerra, que contava, entre os membros do seu pessoal qualificado, profissionais com conhecimentos da arte tradicional de trabalhar a madeira, os carpinteiros de machado, os homens da palamenta que faziam as velas, os homens do traço); -- os amigos do Museu que poderiam contribuir para o financiamento do Museu ou colaborar nos serviços educativos; -- artesãos que poderiam fazer trabalhos com as escolas enquadrados pelos serviços educativos; -- os museus da área ribeirinha com os quais seria possível estabelecer uma actividade de bom relacionamento (caso do Seixal, Montijo, Moita, Barreiro) 309.

4.2.5. Actividades marcantes do Núcleo Naval de Almada

a. Principais actividades do Núcleo Naval, desde a sua criação • Primeira exposição sobre a Arqueologia Naval, no Convento dos Capuchos onde esteve inicialmente instalado o Núcleo Naval [1987].

309

J. M. Sousa, 2007.

227

• Exposição intitulada Arqueologia Naval, organizada no âmbito da inauguração do Núcleo Naval [1991], na qual foram expostos objectos da colecção do Núcleo, abordando temas como o mergulho, a importância da implantação de Almada junto do Estuário do Tejo, a construção naval em madeira e ferro, a carpintaria de limpos e de machado e as artes de pesca. A exposição baseou-se no trabalho desenvolvido pelos técnicos do núcleo, que incidiu na recolha de objectos, documentação e testemunhos orais associados a actividades desenvolvidas na orla ribeirinha e marítima do Concelho. O objectivo da exposição foi o de mostrar ao público as colecções. • Exposição intitulada Construção Naval em Madeira – Técnicas e Evolução (Estaleiros, Ofícios e Ferramentas na Outra Banda) [1996], que constituiu a primeira realização de um ciclo de exposições programadas desde 1991 sobre a história da construção naval no concelho de Almada, situando-se em duas épocas distintas, no plano da utilização de materiais e técnicas: Construção Naval em Madeira e Construção Naval em Ferro 310. A programação desse ciclo de exposições temáticas tomou como base as colecções incorporadas. O objectivo destas exposições é assim enunciado: “Retratar esta vivência de gerações que desenvolveram a sua actividade na orla ribeirinha e marítima do Concelho (..)”. 311 O programa científico do primeiro tema -- Construção Naval em Madeira -- incluíu os seguintes sub-temas: a madeira; técnicas das construções antigas; construções modernas e contemporâneas; evolução e especialização; ofícios e ferramentas e estaleiros. No âmbito da concepção da exposição foi criado um grupo de trabalho constituído por um arquitecto naval (em parceria com o museu), um historiador (Chefe de Divisão de Museus) e a responsável 310 Do programa do ciclo de exposições foram definidas as seguintes temáticas: Construção Naval em Madeira (realizada); Técnicas de Pesca na Caparica, Meia-lua (embarcação) (realizada); Construção Naval em Ferro (não realizada); Técnica de molde de fundição (não realizada); outras temáticas a explorar a partir da colecção como profissões, por exemplo.

SOUSA, José Manuel de, Construção Naval em Madeira, (catálogo), Câmara Municipal de Almada, 1996, pp.11.

311

228

pelos serviços educativos. “(…) sempre que se fazia uma exposição, durante esse tempo, houve o habito de criar grupos de trabalho e quando não havia no grupo de trabalho gente da área, da especialidade ou com conhecimento da área, ia-se buscar fora. Normalmente era gente que não era remunerada e que ajudava o museu, colaborava com o museu pondo à disposição os conhecimentos que tinha nessa área” 312. Os públicos a que se dirigia esta exposição era principalmente o público jovem das escolas secundárias, mas, com o acompanhamento do Museu, também participaram escolas primárias. O discurso da exposição foi concebido em torno da simulação de um estaleiro, tendo em mente os públicos destinatários, os seus hábitos, as suas expectativas, conforme refere José Manuel de Sousa na entrevista realizada no passado mês de Junho 313. • Ciclos de actividades anuais designadas por Semana do Património. Este programa consistiu na organização de actividades realizadas durante uma semana em cada ano, cujo culminar coincidia com o Dia Internacional dos Museus. Baseavam-se em actividades realizadas em parceria com as Juntas de Freguesia do Concelho e estavam vocacionadas especialmente para as escolas e para as comunidades locais. A cada Semana do Património correspondia uma Freguesia e a respectiva comunidade (incluindo escolas). Deste ciclo de realizações destacamos a 5ª Semana do Património realizada em 2002 que incluiu: ••Exposições realizadas com base em “Trabalhos de projectos apresentados pela comunidade educativa e apoiados no âmbito do Plano de Acção Cultural da Câmara Municipal de Almada, na vertente do Património, Memória, Tradição e Identidade”: -- Entre a Terra e o Mar: Uma perspectiva sobre a evolução histórica da freguesia da Costa de Caparica, da responsabilidade da Divisão de Museus; -- Os Círios na Costa de Caparica (apresentada no Posto de Turismo), da responsabilidade de professoras de Centro de Formação; -- O peixe e a 312

J. M. Sousa, 2007.

313

J. M. Sousa, 2007.

229

Rede, a Faina e o Mar (apresentada na Assembleia de Freguesia), da responsabilidade da Divisão de Museus com colaboração de um estagiário 314. ••Ateliers diversos (como os ateliers de marinharia) que perspectivavam a preservação e a valorização do património cultural (em colaboração com as escolas). ••Recriação do Círio a Nossa Senhora do Cabo. • Actividades desenvolvidas no Núcleo Naval no âmbito das Comemorações do Dia Internacional dos Museus, 18 de Maio [2007], destinadas especialmente ao público escolar e aberta também à população em geral” 315. ••Exposição Almada e o Tejo – Ponto de Partida, Porto de chegada. ••Atelier de arte de Marinharia: Nós no Museu (aprender a fazer um “nó de catau”), (…) um atelier de marinharia, com nós de marinheiro, sobretudo vocacionados para alunos do primeiro ciclo mas para 3º e 4º ano e depois para o 2º ciclo, requer alguma perícia manual. (…)” 316. ••Atelier de pintura: Barcos do Tejo, atelier de expressão plástica – pintura de alguns dos barcos típicos do Rio Tejo. “Foi à volta da exposição, depois foi também um pouco à volta da nossa colecção de modelos porque fizemos um atelier que é “os barcos do Tejo” e portanto,

“(…) fizemos na parte central da Costa, ensaiámos uma cabana de pescadores, portanto, aí fizemos uma exposição sobre a Costa de Caparica antiga com os nossos negativos antigos do Passaporte, portanto de fotografia. Depois tínhamos um outro núcleo na Junta, na parte da Junta da Assembleia em que tínhamos então toda essa mostra das artes, de algumas embarcações …Portanto, tudo isto na “semana do património” e aí sim com o espólio de algumas pessoas da Costa. Portanto tínhamos a Xávega, tínhamos uma série de modelos de pescadores, de pessoas que iam fazendo, remos, alguma documentação e fotografias e portanto tudo isso. Essa parte foi feita na altura com a nossa colaboração mas foi sobretudo feita por um estagiário, que nós tivemos cá, com o trabalho dele. (…) estas semanas do património resultavam muito do trabalho que era feito naqueles projectos que eu lhe falei, no PAC e portanto vinham nesta parte do “património, tradição e identidade”, e portanto, todo esse trabalho que era feito pelas escolas e acompanhado por nós ao longo do ano, nesta semana tinham o seu culminar e era mostrado à comunidade, portanto, tinha um ponto de visibilidade de todo o trabalho que era feito ao longo do ano. Portanto, as nossas exposições eram complementadas depois com os trabalhos das escolas” (M.J. Santos, 2007).

314

“Todas estas questões do saber-fazer os nós, do pintar embarcações, de preferência com as cores tradicionais, portanto, usando tudo isso, falando por exemplo, as da Costa têm o olho, para que é que serve o Olho, portanto, à volta da espiritualidade, de mostrar o caminho, tudo isso, acaba-se por falar um pouco disso nos ateliers e portanto, complementa-se a prática com algumas informações que vamos dando informalmente mas que achamos que são importantes (…) (M.J. Santos, 2007).

315

316

M.J. Santos, 2007.

230

tendo em conta os modelos que nós tínhamos fizemos uns desenhos em papel de cenário grande e eles pintavam os modelos”317. ••Hora do Conto: A Nau Catrineta, seguida de dança com a Marcha dos Marinheiros (a partir de O Mar na Cultura Portuguesa, Isabel M. Soares). ••Visita ao Navio N.R.P. AURIGA, acostado em Olho de Boi em parceria com a Marinha Portuguesa (lancha hidrográfica da Marinha, concebida para a actividade de investigação em estuários e zonas costeiras). ••Ateliers para escolas

b. Actividades em curso • Exposição intitulada Exposição Almada e o Tejo (em curso desde 2006). ••Objectivos: Divulgação de “uma importante vivência do concelho” através da mostra da realidade da vida na “área ribeirinha entre Cacilhas e Olho de Boi – ao longo dos tempos”, com destaque para a vertente naval, salientando a importância que o rio exerceu na vida das populações e visando contribuir para a “identificação cultural” dos residentes e integração dos recém-chegados e jovens [Percurso: percurso cronológico abordando aspectos históricos de Almada na sua relação com o rio Tejo; Públicos: “todos os cidadãos” privilegiando os residentes]. ••Conteúdos programáticos: A exposição articula-se em torno de quatro temas: -- o primeiro tema mostra a inserção institucional da rede museológica municipal constituída por “estruturas museológicas”que visam o “estudo, repositório e salvaguarda da memória colectiva do Concelho (…) o levantamento e inventário do seu espólio, assim como o planeamento das acções tendentes à abertura ao público e à divulgação do património cultural concelhio”; -- o segundo tema faz uma abordagem cronológica, através da Arqueologia, à história dos vários povos que se fixaram em Almada: estabelecimento de fenícios em Almaraz (estação 317

M.J. Santos, 2007

231

arqueológica de ocupação entre os séculos VIII a III a.c.) e a sua relação com a temática marítima e as embarcações [ex: olho estilizado pintado nas embarcações, gravuras de embarcações em objectos encontradas em Almaraz; estabelecimento de romanos testemunhado pela fábrica romana de salga de peixe em Cacilhas; a ligação entre as duas margens entre os séculos XV e XVI e a industrialização no século XIX.]; -- o terceiro tema é consagrado à actividade naval (construção e reparação) e sua relação com meios envolvidos desde unidades industriais, recursos humanos implicados, e as suas repercussões no desenvolvimento económico do país; -- o quarto tema aborda “o terminus de um tempo histórico e de uma realidade económica”, a consequente degradação dos espaços físicos e sua reconversão patrimonial no âmbito da política de requalificação urbana, seguindo objectivos de revitalização da zona ribeirinha e de estruturação de núcleos museológicos procurando a salvaguarda do património concelhio. A exposição conjuga as diversas temáticas abordadas pelo Núcleo Naval, Núcleo de Arqueologia e História e Núcleo Medieval / Moderno de Almada Velha. • Plano de Actividade Sócio-Cultural (PAC): programa de actividades vocacionado para as escolas do Concelho e realizado em parceria entre o Museu Municipal (os diversos núcleos) e as escolas. No início de cada ano as escolas (dos níveis pré-escolar ao secundário), são convidadas a apresentar um projecto candidato a apoio técnico e financeiro. “(…) aparecem muitos projectos nesta área que são os que nós chamamos os projectos “Identidade, memória e tradição” e que apoiamos, não apenas monetariamente mas tecnicamente (…) é a parte das visitas, dos ateliers, de levar um pouco o museu à escola (…) de ajudar muitas vezes as escolas a fazer as suas próprias exposições nestas áreas (…) isso também é via de, com bibliografia, é uma via também de divulgar um pouco o trabalho do museu e do que é que se vai fazendo aqui junto dos vários níveis de ensino”.318

318

M.J. Santos, 2007.

232

• Actividades dos serviços educativos particularmente associadas ao Núcleo Naval: visitas guiadas à exposição Almada e o Tejo e Atelier de Arte de Marinharia “Nós no Museu” que inclui a “visita à exposição seguida de atelier onde os jovens aprendem a fazer nós de marinheiro”. Estas actividades destinam-se a todos os ciclos de ensino.

c. Actividades em perspectiva Não nos foram referidas actividades em perspectiva, situação justificada pela ausência da chefia de divisão.

4.3. O Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal

4.3.1. Génese do Núcleo Naval: antecedentes e envolventes

a. Antecedentes da criação do Núcleo (tempo e espaço) 319 A temática do Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal incluía-se nas linhas programáticas que estiveram na génese da criação deste museu e aquele foi o primeiro pólo museológico constituído, em 1984, após a instalação do Museu Municipal do Seixal, como foi designado em 1982. Das diversas intenções e tentativas de criação de um museu no Seixal destacamos, no presente texto, apenas as que se relacionaram de algum modo com a temática flúvio-marítima. A primeira referência a um museu no Seixal, associado à temática naval, é referida em 1927 pela imprensa local referindo-se ao depósito do estabelecimento naval da Azinheira. Sobre essa notícia Graça Filipe refere: “Não dispomos contudo de dados concretos que nos Os antecedentes da criação do Núcleo Naval da Arrentela apresentados, resultaram de uma selecção de dados constantes na tese de mestrado de Graça Filipe (actual responsável do Ecomuseu do Seixal) e decorrentes do trabalho de investigação e experiência da autora, e da nossa consulta aos documentos referidos em nota de rodapé.

319

233

permitam justificar a alusão a um museu naquele espaço ou a explicar a intenção da sua criação 320”. Mais tarde surge a ideia de um Museu Regional do Seixal, no âmbito da preparação das Comemorações dos Centenários, tendo resultado algumas recolhas de objectos que integraram uma colecção que se pretendia representativa das tradições e realidades do Concelho. Graça Filipe refere-se a diversas notícias de jornais locais (entre 1935 e 1936) que anunciavam a constituição local de uma “Comissão Pró-Museu” e posteriormente de uma “comissão de Iniciativa” destinadas à criação e organização do museu. Entre outras atribuições e objectivos pretendiam “(…) organizar mostruários de miniaturas dos aparelhos de pesca e barcos usados no nosso rio e das actuais actividades de concelho (…)” 321. Em 1936 era noticiada a organização do Museu Regional nas Secções de Arqueologia e História, Zoologia, Navegação e Indústria, e de Cultura e Turismo, por parte da Comissão Organizadora. 322 Para além destas acções e tentativas de criação de um museu no Seixal, outras surgiram, mas nenhuma se concretizou. Após o 25 de Abril de 1974, a intenção de criação do museu voltou a surgir no âmbito da política cultural da própria Câmara, que Graça Filipe caracteriza como “(…) profundamente influenciada pela personalidade e pela intervenção de Eufrázio Filipe G. José que desempenhou as funções de Presidente da Câmara até Dezembro de 1997” 323. Esta intenção surgiu num contexto nacional de afirmação do poder local democrático aliado a uma vertente cultural envolvendo património cultural e iniciativas de carácter museológico, altura em que são criados diversos museus locais na Área Metropolitana de Lisboa,

FILIPE, Graça, “Antecedentes da criação de um museu no concelho do Seixal – Das ideias e acções anteriores a 1974, à emergência de um projecto cultural e do museu municipal ”, Musa, 2005, pp. 52.

320

321

Citado em FILIPE, Graça, “Antecedentes da criação (…)”, 2005, pp. 53.

322

FILIPE, “Antecedentes da criação (…)”, 2005, pp. 53.

323

FILIPE, “Antecedentes da criação (…)”, 2005, pp. 58.

234

associados a aspectos identitários, apelando ao aproveitamento dos recursos endógenos e perspectivando o desenvolvimento local. Nesse contexto, a mesma autora refere: “No caso do Seixal, a materialização da ideia de museu tornou-se possível a partir de uma vontade política e de um processo assumido por essa mesma orientação, no plano sócio-cultural, dirigido para várias áreas de intervenção, mas cuja particularidade original terá consistido na valorização da vertente patrimonial e identitária, na qual a história tomou um lugar determinante”. A convite do Presidente da Câmara Municipal do Seixal, António Nabais integrou, em 1979, um grupo de quatro historiadores (professores de História do Ensino Secundário) contratados para efectuarem o levantamento histórico-cultural do concelho do Seixal. Num artigo do Boletim Municipal de 1979 escrevia-se a propósito: ”O grupo de historiadores contactados pela Câmara Municipal do Seixal terão como tarefa principal recolher e arrumar todos esses materiais a fim de torná-los públicos em textos (jornais, revistas e/ou livros) e na criação de um museu.” 324 Como referido, no capítulo da presente dissertação dedicado à análise da evolução do Museu Municipal de Sesimbra, no período pós 25 de Abril e, por vezes associados aos projectos sócio-culturais de natureza autárquica, surgiu o movimento associativo de defesa do património e de dinamização sócio – cultural. No Seixal tal movimento correspondeu ao contributo de diversos grupos desde a comunidade local organizada, a grupos de estudiosos e investigadores como foi o caso do Grupo de Investigação e Divulgação Científica (GIDC), que efectuou um levantamento dos moinhos de maré do Seixal, o Grupo de Apoio para o Levantamento Histórico-Cultural (GALHC), ou a Associação de Arqueologia Industrial da Região de Lisboa que iniciou um trabalho de levantamento sobre o arquivo da Companhia de Lanifícios de Arrentela.

324

Citado por FILIPE, Graça, “Antecedentes da criação (…)”, 2005, pp. 58.

235

Nesse contexto foram criados os Serviços Culturais da Câmara Municipal do Seixal em 1980. Com base no trabalho de recolha e estudos de António Nabais, de que resultaram as edições sobre a Cronologia da História do Concelho do Seixal 325 e sobre os Barcos do Tejo 326, publicados pela Câmara entre 1981 e 1982, foram efectuadas diversas aquisições com a intenção de recolha e de incorporação de património, destinado a uma exposição sobre a história local. A preparação da exposição contou com a participação conjunta de António Nabais e de Fernando António Batista Pereira que colaborou com a Câmara, durante algum tempo, dedicando-se ao inventário e programação. Essa exposição realizou-se em Novembro de 1981, nas instalações da Associação Náutica do Seixal, sobre a temática “O Trabalho na História do Concelho do Seixal”, no âmbito das comemorações do 145º aniversário do Concelho. O objectivo desta exposição visava sensibilizar a população do concelho para a salvaguarda do seu património histórico-cultural, tendo em vista a criação do futuro museu. O catálogo da exposição referia expressamente essa intenção “(…) a exposição aparece, assim, como uma antevisão do futuro museu, em que se inclui, desde já, um razoável número de peças, quer em exposição, quer em reserva.”327 No mesmo documento é defendida a criação de um Museu do trabalho e das Tradições Populares do concelho do Seixal, de tutela municipal e estrutura polinucleada que incluía “uma pluralidade de lugares de grande interesse histórico-cultural disseminados pelo concelho”, onde se incluíam também barcos fluviais “(…) todo um conjunto de percursos e lugares podem e devem ser entendidos e arranjados como secções/sectores do futuro museu” 328. A vocação

325

NABAIS, António, História do Concelho do Seixal – 1 Cronologia, Câmara Municipal do Seixal, 1982.

NABAIS, António, História do Concelho do Seixal – 2 Barcos, Câmara Municipal do Seixal, 1982. PEREIRA, Fernando António Baptista, “Por um Museu do Concelho do Seixal”, Catálogo da Exposição O trabalho na História do Concelho do Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 1981. 326 327

328

PEREIRA, “Por um Museu, (…)”, 1981.

236

do museu incidiria sobre as diversas actividades económicas desenvolvidas ao longo da história do Concelho, incorporando um leque diversificado de colecções abrangendo a arqueologia, a etnografia, a arqueologia pré-industrial, colecções de barcos e miniaturas das embarcações fluviais, a arqueologia industrial, arte, entre outros temas. O mesmo documento referia ainda a intenção de estabelecimento de oficinas “(…) que se criariam em complemento e apoio do Museu visariam não deixar perder certas técnicas artesanais, como a do calafate.”329

Por decisão camarária de 26 de Junho de 1981, mediante proposta do Sector do Património Histórico e Cultural (SPHC), a Câmara Municipal do Seixal adquiriu uma fragata e um varino com o objectivo de as recuperar e conservar, intenção que manifestou no seguinte enunciado: “mantendo toda a decoração tradicional, transformando-as em museu vivo” 330. Ambas as embarcações foram utilizadas localmente no transporte de mercadorias. Estas duas embarcações foram objecto de trabalhos de conservação em 1982, na sequência de proposta apresentada pelo SPHC e aprovada pela Câmara, por deliberação de 12 de Março de 1982. Ainda em 1981, um estaleiro do Concelho ofereceu à Câmara uma outra embarcação, que apesar de apresentar características tipológicas de bote de fragata, foi classificada como “falua”, de acordo com a nova utilização de transporte de pessoas (viagens e passeios no Tejo) para a qual foi preparada no âmbito dos trabalhos de recuperação, tendo posteriormente sido registada com o nome “Gaivotas”. Posteriormente e atendendo à tipologia desta embarcação, o Ecomuseu reclassificou-a na sua categoria original de bote de fragata.

329

PEREIRA, “Por um Museu, (…)”, 1981.

330

Citado em nota de rodapé (360) FILIPE, Graça, (......) pp. 142, (Boletim Municipal nº 50 (Julho) 1981:5).

237

Em 1981 estabeleceram-se as primeiras relações de trabalho entre a equipa envolvida na recuperação das embarcações e os estaleiros navais dos concelhos do Seixal e da Moita, onde continuavam activos alguns mestres e profissionais de carpintaria naval artesanal, de calafeto, de velas e de pintura como os decoradores-pintores tradicionais. Essas relações, que visavam a salvaguarda de embarcações, ainda existentes no Tejo mas em fase de abandono, proporcionaram a recolha de espólio (ferramentas de mestres reformados ou já falecidos), bem como, de muita informação que mais tarde seria necessária ao processo de salvaguarda do património náutico que se desenvolveu.

A Proposta de criação do Museu Municipal do Seixal 331 aprovada por unanimidade em Sessão Administrativa de 7 de Maio de 1982, e o respectivo Programa 332, previam a integração dos três barcos do Tejo adquiridos pela Câmara (falua, fragata e varino) no núcleo naval, com localização prevista para o Seixal, junto a um antigo cais. Na proposta antes referida, constavam diversas “áreas de actuação” do Museu nas quais se incluíam oficinas a que “(…) compete a preservação e reconversão das técnicas tradicionais: carpinteiro de machado (…)”. O Artº 6º desse documento refere: “É criado no Museu Municipal do Seixal uma oficina de carpinteiro de machado e calafates”333. O comunicado à população sobre a inauguração do Museu Municipal do Seixal no dia 18 de Maio de 1982, apresentava um museu polinucleado, constituído pelos seguintes núcleos: Núcleo Antigo da Vila do Seixal; Núcleo Naval, a estabelecer no Seixal, com os três barcos (falua, fragata e varino); Forno de cal do século XIX; Moinho Novo dos Paulistas no Seixal; Lagar de Azeite na Quinta do Pinhalzinho em Paio Pires; Núcleo Antigo da Amora; Núcleo Antigo da Arrentela; Moinho de Maré de Corroios e espaços para exposições temporárias. 331

Proposta de Criação do Museu Municipal do Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 3 de Maio de 1982.

Programa para o Museu Municipal do Seixal (Museu Polinucleado), António Nabais, Câmara Municipal do Seixal, Abril de 1982.

332

333

Proposta de Criação do Museu (…), 3 de Maio de 1982, pp. 4.

238

A oficina era assim apresentada: “Um carpinteiro Naval, que no local faz modelos de barcos típicos do Seixal, ensinará a arte da construção naval”334. Esse local de trabalho foi instalado provisoriamente na sala de exposições do Núcleo Sede, onde um mestre carpinteiro de construção naval passou a construir diversos modelos de barcos tradicionais do Tejo, à escala, com base em planos do Museu de Marinha e no seu conhecimento e experiência. Em 1983 a denominação de Museu Municipal do Seixal foi alterada para Ecomuseu Municipal do Seixal, na sequência de contactos com Hugues de Varine, que desempenhou um importante papel na difusão e aplicação dos princípios da ecomuseologia em Portugal.

b. Localização: envolvente espacial, natural e humana O concelho do Seixal corresponde a uma área de 93,6 Km2 e localiza-se na margem esquerda do estuário do Tejo, na Península de Setúbal, em frente a Lisboa, confrontando com os concelhos de Almada, Sesimbra e Barreiro. Seixal é um concelho ribeirinho, banhado pelo designado Mar da Palha 335 a partir do qual se estendem os esteiros de Corroios, do rio Judeu e de Coina. O esteiro de Coina separa o território do concelho do Barreiro do da freguesia da Aldeia de Paio Pires; os esteiros do rio Judeu e de Corroios formam uma grande bacia interior designada por Baía do Seixal, com cerca de 482 ha, em torno da qual se localizam as povoações do Seixal (sede do Concelho), Corroios, Amora, Torre da Marinha e Arrentela.

334

Comunicado à População, Câmara Municipal do Seixal, 18 de Maio 1982.

O Mar da Palha possui um comprimento superior a 30 Km e uma largura máxima de 15 Km, integra o Estuário do Tejo e constitui um golfo interior conectado com o Oceano Atlântico através do Canal da Barra (estendendo-se este de Cacilhas à Cova do Vapor). A partir do Mar da Palha estendem-se os esteiros do Montijo, da Moita, de Coina, do rio Judeu e de Corroios, coincidindo os últimos três no Concelho do Seixal.

335

239

MAPA 6 - Localização do concelho do Seixal

MONTIJO MONTIJO

MOITA MOITA

Seixal ALMADA ALMADA

Corroios Corroios

Arrentela Arrentela

BARREIRO BARREIRO

Amora Amora

SEIXAL SEIXAL

Aldeia Aldeia de de Paio Paio Pires Pires

PALMELA

Fernão Fernão Ferro Ferro

SESIMBRA

SETUBAL

Fonte: http://www.cm-seixal.pt

Esta enseada está abrigada por uma extensa língua de areia, a restinga 336 do Alfeite, que lhe confere condições de hidrodinamismo baixo e permite a deposição de sedimentos finos (lodosos) organizados em extensas manchas de sapal e rasos de maré (Corroios). A maré propaga-se por canais pouco profundos, muito assoreados, dos quais se destaca o Rio Judeu 337. Os esteiros constituem sub-unidades do Estuário, de profundidades baixas, uma parte significativa da área destes esteiros permanece a descoberto na vazante, com excepção das áreas centrais que mantêm permanentemente alguma água, permitindo o acesso aos principais ancoradouros ou portos. Nas margens e extremos dos esteiros situam-se as áreas O termo restinga designa uma área que se caracteriza por terrenos arenosos e salinos, próximos ao mar e cobertos por deposição marinha, resultante do recuo dos níveis dos oceanos. A restinga constitui um ecossistema que pertence ao grupo das formações pioneiras com influência marinha, estando normalmente cobertas com plantas herbáceas características.

336

CRUCES, Anabela, LOPES, Isabel, FREITAS, Maria Conceição, ANDRADE, César, A Geologia no Litoral Parte I: Do Tejo à Lagoa de Albufeira,(…), 2002.

337

240

de sapais totalizando aproximadamente 150 ha de águas pouco profundas. Os sapais constituem ecossistemas que incluem vegetação que se caracteriza por sistemas radiculares e estruturas aéreas que constituem armadilhas eficientes para a captura de sedimentos trazidos em suspensão pelas correntes de maré. Constituem as zonas de maior produtividade da biosfera, desempenhando um papel importante como berçário de variadíssimas espécies piscícolas e local de nidificação de aves. No concelho do Seixal e integrados na Reserva Ecológica Nacional, contam-se os sapais de Corroios 338, do Talaminho e do Zeimoto. Cerca de 46% das margens de sapal da baía do Seixal, encontram-se fortemente intervencionadas por actividade humana associada a actividades agrícolas (ocupação e recuperação de terrenos, construção de diques, regularização e desvio de canais), aterro e instalação de moinhos de maré. O Concelho caracteriza-se por uma área húmida de 1300 ha em parte rodeado de água salgada, existindo na baía do Seixal algumas praias de areia, de pequena extensão, com origens distintas, resultantes da acumulação de sedimentos provenientes da erosão pluvial em areeiros abandonados, escavados em afloramentos pliocénicos (Arrentela e Talaminho), de depósitos de aterro (Amora) e de despejos de dragagens (margem sul da Ponta dos Corvos).

O rio e o estuário do Tejo constituíram ao longo dos tempos, um importante elo de ligação e atracção humana, de que resultaram as povoações ribeirinhas que cresceram nas suas margens em diferentes momentos históricos, associadas a actividades de exploração dos

338 O sapal de Corroios desenvolve-se sobre sedimentos essencialmente vasosos e é cortado por numerosos canais de maré, que constituem formas remanescentes da agradação lateral e vertical dos bancos de vaza que os confinam. A textura e constituição mineralógica destes sedimentos, essencialmente siltosa, argilosa e orgânica, confere-lhes propriedades de floculação, adsorção e troca iónica importantes com a água de circulação. Estas propriedades permitem a retenção selectiva de algumas substâncias poluentes (nomeadamente metais pesados) extraíndo-os da água de circulação e aprisionando-os no sapal em crescimento. Por isso, os sapais funcionam como "rins", depurando o sistema hidrológico. (CRUCES, LOPES, FREITAS, ANDRADE, A Geologia no Litoral (…), 2002.)

241

recursos naturais do território ou utilizando-os enquanto via de comunicação com outros espaços. As características do território do Seixal, intrinsecamente associadas à sua localização junto ao Rio Tejo, condicionaram o percurso histórico do concelho do Seixal e dos restantes concelhos ribeirinhos como Almada, o Barreiro ou o Montijo. Esse condicionamento reflectiuse no desenvolvimento de um conjunto de actividades económicas flúvio-marítimas, potenciadas pela proximidade destes concelhos a um grande centro urbano (a capital). A existência da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, em Corroios, numa época de intensa actividade comercial, testemunha o aproveitamento das características da localização do território do Seixal. Esta olaria laborou entre a segunda metade do século II a.C. e a primeira do século IV d.C., produzindo ânforas e loiça doméstica, provavelmente destinadas às fábricas de salga de peixe das duas margens do Tejo, como as localizadas em Cacilhas (Almada) ou Setúbal, e ao mercado da cidade Olisipo (Lisboa). Das actividades desenvolvidas ao longo da história do concelho do Seixal até à actualidade, destacam-se a pesca, a construção naval em madeira, o tráfego flúvio-marítimo, a utilização da força das marés e a existência de portinhos propícios à moagem e, numa fase mais tardia, a instalação de indústrias. A instalação de moinhos de maré no Seixal surge a partir do inicio do século XV, sendo no século XVII referenciados 12 moinhos no Concelho. Para além do aproveitamento da força das águas e de locais que serviam de cais, outros factores impulsionaram a instalação dos moinhos no concelho, como a proximidade de Lisboa, grande centro consumidor de farinha e local de partida de embarcações durante a expansão marítima, a proximidade dos fornos do Vale do Zebro, onde se produziam biscoitos que abasteciam as naus que saiam do rio Coina e a possibilidade de transporte das farinhas por via fluvial. Esta potencialidade (transporte fluvial) e a existência de numerosos cais, garantiam condições de troca de produtos agrícolas (fruta,

242

legumes, vinho) produzidos numa área territorial interior do Concelho, intermédia entre o rio e os pinhais, onde se constituíram pequenos núcleos rurais e se instalaram quintas senhoriais. Através do transporte fluvial o concelho do Seixal fornecia a capital de farinhas, sal (extraído na área da Torre da Marinha), produtos agrícolas e lenhas, dada a riqueza dos recursos naturais do interior do concelho que possuía vastas áreas de matas e pinhais, aproveitadas para lenhas e madeiras para construção naval. Sobre o tráfego fluvial, António Nabais refere que “Em 1552, nos portos de Coina, Seixal e Almada, registavam-se 150 barcos e batéis dos 1490, que serviam Lisboa. Este número de embarcações parece corresponder ao intenso tráfego fluvial, que se desenvolveu nos esteiros do rio Tejo, que ficam em frente de Lisboa, a fim de garantir o transporte dos variadíssimos produtos (…) das terras da península de Setúbal, para o abastecimento da capital do Reino” 339. Para além da importância das ligações à capital, o rio Coina, que banha a área leste do concelho do Seixal (correspondente à área de Cucena) foi desde a Idade Média, muito concorrido pelas embarcações que frequentavam os portos das suas margens, garantindo o transporte de produtos agrícolas e farinhas, da região de Azeitão e das quintas localizadas nessa área geográfica. O rio Coina constituía um importante meio de ligação da capital ao sul do país, apesar da sua navegabilidade estar condicionada pelas marés, recorrendo-se ao Porto do Seixal quando impedidos de embarcar no Porto de Coina. António Nabais 340 cita referências documentais que testemunham a presença de embarcações de Lisboa nos esteiros do Seixal, entre os séculos XIV e XVI, que recorriam à enseada do Seixal para abrigo de embarcações durante os períodos de Inverno quando se faziam sentir condições meteorológicas adversas.

339

NABAIS, História do Concelho do Seixal – 2 Barcos, 1982, pp. 17.

340

NABAIS, História do Concelho do Seixal – 2 Barcos, 1982.

243

Referindo-se à Arrentela, o mesmo autor cita o seguinte excerto extraído do Dicionário Geográfico 341 “As embarcações que o frequentão são bateiras de pescar do lugar de Arrentela, Seixal, e barcos de carregar lenha para Lisboa do lugar de Amora; todo esse rio se seca na baixa mar, e so se pode desembarcar na quinta da Barroca, e lugar do Seixal que sempre tem agua e a toda a hora pode chegar, e largar embarcação the navio pequeno. Como sucede muitas vezes aos Hyates que nelle estão do Senhor Dom João e Excelentíssima Duqyeza de Abrantes, e de sua Magestade, e muitas mais embarcações que nelle se recolhem por causa dos temporaes”.

Construção naval / Embarcações O tráfego fluvial ligado ao transporte de mercadorias e passageiros e à pesca, praticados nos territórios ribeirinhos do Tejo, implicaram a existência de estaleiros de construção, manutenção e reparação naval, que encontraram nestas áreas condições naturais propícias à sua instalação. Com praias e enseadas abrigadas dos ventos, condições especiais de ancoradouro e fundeadouro proporcionados pelos esteiros, águas calmas e pouco profundas e a existência de madeira (pinho e sobro) em abundância, adequada à construção naval, o concelho do Seixal apresentava características óptimas para a instalação da indústria naval. Os esteiros foram aproveitados para estacionamento e abrigo das embarcações, construção de portos e estabelecimento de estaleiros. O inicio da instalação de estaleiros no concelho do Seixal corresponde ao século XIV, altura em que terá existido uma dependência dos estaleiros (da Coroa) da Ribeira das Naus na Azinheira, local a leste do Seixal, que na década de 80 (do século XX) constituía uma dependência do Arsenal da Marinha. Este local foi utilizado como depósito e local de tratamento de madeiras, necessário à construção de embarcações, tendo ainda servido de

CARDOSO, Luís, Dicionário Geográfico, Vol. 5, 1747, fl.619, citado em: NABAIS, História do Concelho do Seixal – 2 Barcos, 1982.

341

244

arrecadação das galeotas reais, de mastreação, de embarcações e pequenos navios de guerra. Alguns dos estudos efectuados sobre o local, com base em fontes bibliográficas, indiciam o estabelecimento de estaleiros navais neste local e área adjacente e a sua ligação à construção naval na época dos Descobrimentos portugueses 342. No século XIX existiam diversos estaleiros navais de construção de embarcações em madeira para a navegação à vela, destinadas ao transporte de pessoas, mercadorias e pequenas embarcações de pesca. Durante o século XIX, os pescadores do Seixal usavam sobretudo os batéis, as bateiras, a muleta, o bote de muleta e os buques. O Pescado das muletas e dos batéis era transportado, diariamente, para o mercado de Lisboa, nas enviadas, nome que derivava da sua função. No início do século XX, os catraios transportavam diariamente para Lisboa, o peixe vindo de Sesimbra em carroças para o Seixal.

Os estaleiros distribuíam-se pelas áreas ribeirinhas, espaços que dividiam com os pescadores, não lhes sendo permitida a instalação definitiva nas praias do Seixal. A permissão de permanência nesses espaços, era assim definida pela Câmara Municipal em 1889: “conservando sempre às ditas praias a feição e destino a logradouros públicos da classe piscatória, dos pequenos constructores navais e de todos os indivíduos tanto locaes como extranhos que desejassem construir, concertar ou amanhar quaesquer embarcações.” 343 Na segunda metade do século XIX a construção naval e o tráfego intensificaram-se com a implantação de diversas unidades fabris na região, como foi o caso da Companhia de Lanifícios de Arrentela (fundada em 1855), a Fábrica de Vidros da Amora (1888 a 1930), a SANTOS, Pedro Miguel Estácio dos, e DUARTE, Ana Luísa Castanheira, O estabelecimento Naval de Azinheira, trabalho académico, Faculdade de Letras, História, Universidade de Lisboa, 1994/95.

342

Livro de Actas, 1902, Câmara Municipal do Seixal, citado por NABAIS, Hstória do Concelho do Seixal – 2 Barcos, 1982, pp. 1. 343

245

Sociedade Africana de Pólvora (criada em 1898) e no início do século XX, a indústria da seca do bacalhau 344, a indústria corticeira, como a Wincander ou a L. Mundet & Sons 345, que se instalou em 1905 na Quinta dos Franceses no Seixal. Estas fábricas instalaram-se junto dos esteiros, construindo os seus próprios cais para a entrada de matérias-primas e escoamento das suas produções. A maioria possuía as suas próprias embarcações como as fragatas, os varinos ou os botes de água acima, próprios para o transporte da cortiça e dos fardos de produtos corticeiros, no caso destas indústrias. No inicio do século XX a construção naval expande-se nas praias do Seixal, cujo estabelecimento passou a ser permitido pela Câmara a alguns estaleiros, mantendo-se uma indústria artesanal em madeira, cujos principais artificieis eram os carpinteiros de machado, e os calafates. Nessa altura e desde finais do século XIX, estabeleceram-se no Ginjal e Cacilhas (Almada), estaleiros (Parry & Son) de construção naval em ferro e aço, produzindo até final do século, mais de trinta navios de vários tipos, enquanto que no Seixal se mantinha a construção naval em madeira. A partir da década de 60, com o desenvolvimento dos transportes terrestres, a construção da ponte sobre o Tejo que passou a ligar as duas margens e o abandono da actividade da pesca cuja mão de obra foi absorvida pela indústria local, o tráfico fluvial começa a declinar. Esse período corresponde ainda a uma fase de industrialização dos concelhos do Seixal (Siderurgia Nacional), Barreiro (Companhia União Fabril) e Almada (Lisnave), mas a que se A indústria da seca do bacalhau implantou-se na Ponta dos Corvos no inicio do Século XX através da instalação das empresas Companhia Atlântica (1903), a Sociedade Lisbonense (1910) e a Parceria Geral das Pescarias (1914) associada à firma instalada desde 1891 na Azinheira Velha (Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu Informação, nº19, (Abril, Maio, Junho), 2001).

344

Quando se instalou no Seixal, a Mundet detinha diversas unidades internacionais, evoluindo a unidade-sede do Seixal, ao longo do século XX, para uma poderosas organização corticeira a nível mundial. Nessa altura existiam grandes empresas corticeiras na Margem Sul do Estuário do Tejo, particularmente em Almada (Mutela, Cova da Piedade) e no Barreiro. Em 1917 existiam no concelho do Seixal três unidades corticeiras concentrando uma grande massa operária, chegando a representar 1/3 da mão de obra corticeira de todo o distrito de Setúbal e cerca de 15% a nível nacional (Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu Municipal do Seixal, Água, Fogo, Ar, Cortiça, (catálogo), Núcleo da Mundet, Edifício das Caldeiras Babcock, 2002, Seixal, pp.20 e 21). 345

246

seguiu a decadência, na sequência da substituição dessas indústrias por indústria ligeira e o incremento do sector terciário. Na década de 80 do século XX existiam ainda alguns estaleiros de características artesanais de construção em madeira, contudo, a maioria trabalhava já em ferro devido à falta de carpinteiros de machado e calafates. Actualmente existem no concelho do Seixal pequenos estaleiros de construção de embarcações em madeira, destinadas a recreio e também para a pesca praticada nos concelhos de Sesimbra, Costa da Caparica, Fonte da Telha e Algarve. Este tipo de estaleiros convive com os que se dedicam a reparações navais em ferro e fibra, especializados na manutenção de embarcações de recreio.

c. Criação do Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal: sucessivas fases 1983 – A programação do Núcleo Naval Em 1983 teve lugar a viagem inaugural da “falua” (embarcação denominada “Gaivotas”) com que se iniciou a reutilização do património fluvial, passando as embarcações a ser consideradas como uma extensão do Núcleo Naval Histórico do Museu Municipal 346. Relativamente a esta viagem Graça Filipe cita o conteúdo da acta de reunião de Câmara de 18 de Março onde é referido “A partir deste dia serão realizadas viagens, de carácter cultural, nos esteiros do rio Tejo, situados na zona do concelho e, nos fins de semana, para a população em geral. Estas viagens fazem parte da extensão cultural do Núcleo Naval Histórico (núcleo do Museu Municipal), que, para além de proporcionarem viagens em barco à vela, típico do rio Tejo, permitirão um conhecimento das técnicas da construção naval artesanal e da própria

FILIPE, Graça, O Ecomuseu Municipal do Seixal no movimento renovador da museologia contemporânea em Portugal (1979-1999)), Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Museologia e Património, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2000, pp.143, nota de rodapé 366. 346

247

estrutura arquitectónica deste tipo de embarcações, bem como o conhecimento do concelho visto dos esteiros 347”. A mesma autora refere que no Texto de fundamentação para um núcleo dedicado à construção naval, produzido pelo Sector do Património Histórico-Cultural de 8 de Fevereiro datado de 1983 e subscrito por António Nabais, era de novo justificada a pertinência da criação de um núcleo dedicado aos temas da construção naval e tráfego fluvial, assim enunciada: ”A existência, na região do Seixal, de vários esteiros, que formam braços do rio Tejo, que entram pela terra dentro, permitiu, desde tempos muito antigos (época romana, Idade Média, época dos Descobrimentos, com maior intensidade) a ocupação de toda a zona ribeirinha e o desenvolvimento de actividades ligadas à construção naval (estaleiros navais) e ao tráfego fluvial (existência de muitos portinhos).”348

Em 1983 a Câmara Municipal iniciou um processo de negociação junto da Administração do Porto de Lisboa, no sentido de “aproveitar” o antigo estaleiro de Arrentela para instalar o Núcleo Naval Histórico do Ecomuseu Municipal, na sequência da desactivação dos estaleiros da empresa Socarmar. Os espaços correspondentes ao estaleiro e pertencentes à Administração do Porto de Lisboa, foram simbolicamente cedidos para gestão e intervenção por parte do museu municipal. De acordo com o pré-programa do Núcleo Naval de 1983, este núcleo seria “constituído pelo estaleiro naval artesanal de Arrentela”, local que foi destinado à exibição de: “embarcações típicas do rio Tejo (fragata, varino, falua, dóri 349 e snipe 350), modelos de barcos 351, desenhos e 347

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp.143.

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp.144. Embarcações de pequeno porte, utilizadas na pesca á linha do bacalhau, eram transportadas pelos lugres (de maior porte) até determinados pesqueiros.

348 349

As embarcações dori e snipe foram doadas à Câmara, para o Museu Municipal do Seixal, em 1982, pela Associação Náutica do Seixal.

350

351

Construídos na oficina provisoriamente instalada no Núcleo Sede.

248

fotografias de embarcações, ferramentas dos construtores navais (carpinteiros de machado e calafates), materiais e equipamentos das embarcações e da construção naval, textos documentando a história naval da região, a oficina onde o carpinteiro de machado executava modelos de barcos típicos do rio Tejo”352. No âmbito da intervenção patrimonial desenvolvida pela autarquia e pelo museu, foi valorizada a participação activa dos estaleiros e dos profissionais nas acções de recolha de informação, doação de objectos e de prestação de serviços enquanto empresas.

Nesta altura, das cinco embarcações referidas (fragata, varino, falua, dori e snipe), apenas a falua se encontrava em condições de navegar na sequência dos trabalhos de recuperação; a fragata e o varino receberam trabalhos de beneficiação anteriormente referidos; as duas restantes (dori e snipe) foram colocadas nas reservas museológicas, no núcleo da Quinta da Trindade.

No âmbito da conversão do estaleiro em espaço museológico, não foram preservados ou recuperados elementos marcantes do estaleiro tradicional, constituídos por carreiras e o plano inclinado, a cábrea ou guindaste, os guinchos e estacarias e cais de acostagem. A destruição de elementos característicos do trabalho e da envolvente, deveu-se segundo a mesma autora a “Uma deficiente coordenação dos níveis “programa-projecto” e “conservador-arquitecto”. Após a instalação de uma exposição permanente e da oficina de construção de modelos, num pequeno pavilhão recuperado do antigo estaleiro, da envolvente apenas se manteve o barracão de madeira e telhado zincado, que continuou a servir para guardar materiais relacionados com as embarcações.

352

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp. 144-145.

249

1984 – Abertura ao Público- Núcleo Naval Histórico O Núcleo Naval Histórico de Arrentela foi aberto ao público em 1984 com uma exposição permanente, constituindo as embarcações elementos complementares a esta área de projecto. Contudo, apenas as embarcações que permaneceram sem navegar (a fragata e o varino) é que puderam ser deslocadas para a Arrentela, dado que os únicos cais utilizáveis para tráfego local e de recreio se situam no Seixal. Relativamente à gestão das embarcações, durante este período temporal, e conforme refere Graça Filipe: “O museu teve a seu cargo a conservação e a gestão da reutilização, em passeios no Tejo, do “Gaivotas” e a reconstrução em 1988 e 1989, de um segundo bote de fragata, a que foi dado o nome de “Baía do Seixal”. As outras duas embarcações ficaram sujeitas a uma manutenção precária, servindo apenas para enquadrar de certa forma a envolvente do próprio núcleo museológico.” 353 A temática deste núcleo do Ecomuseu Municipal foi difundida através da publicação de textos e artigos do responsável científico António Nabais, ou com a sua participação, bem como, por intermédio de colaborações em eventos científicos associados ao património náutico, e divulgando o trabalho museológico municipal.

353

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp. 147.

250

MAPA 7 - Localização do Núcleo Naval de Arrentela

Fonte: http://www.cm-seixal.pt

1992/2007– Remodelação do Núcleo Naval de Arrentela / Reprogramação / Actualidade A partir de 1992 das duas embarcações fundeadas junto ao Núcleo Naval, ficou apenas a fragata, tendo o varino sido retirado para efeitos de recuperação até 1995. Relativamente ao núcleo museológico, foi elaborado um programa de intervenção por parte da equipa do Ecomuseu, que esteve na base da encomenda de um projecto arquitectónico em 1992 (atelier do Arquitecto Cândido Chuva Gomes). O programa de intervenção surgia da reapreciação do núcleo e preconizava a reconstrução de diversos elementos “que conferiam o carácter de estaleiro ao sítio” (eliminados no âmbito da adaptação de estaleiro a espaço museológico em 1983); a atribuição de meios logísticos à oficina de construção de modelos, só possível mediante uma autonomia de funcionamento face à exposição, por questões de conservação; a necessidade de uma gestão específica das embarcações recuperadas e a navegar, “articulada no quadro de um campo temático amplo,

251

do património flúvio-marítimo, mas não como “prolongamento”, em particular do núcleo da Arrentela, onde os barcos até nem podiam acostar na sua utilização habitual, em navegação de recreio”354. O desenvolvimento do processo de renovação prolongou-se por diversos anos. No local de implantação do velho barracão, praticamente arruinado, foi construído um novo edifício cujo espaço foi ligeiramente ampliado, onde se instalou e equipou a oficina de construção artesanal de modelos de barcos, contemplando ainda espaços de apoio, como armazém, escritório e sótão destinado também a armazém. A oficina assim instalada em espaço próprio, foi inaugurada a 18 de Maio de 1993. O edifício foi construído em madeira, aplicando técnicas tradicionais de edificação naquele material, idênticas às utilizadas em imóveis dos estaleiros navais da região. Neste novo espaço privilegiaram-se (…) as condições de trabalho para a actividade e função que se programou (…) assim como de conservação das colecções e de acolhimento dos visitantes, uma vez que a oficina se deveria inserir no circuito expositivo do núcleo museológico” 355. Após 1993 a oficina contou com a participação de uma artesã356 contratada, que passou a dedicar-se, nesse espaço, à construção e restauro de modelos de barcos do Tejo na perspectiva de uma futura exposição. Antes mesmo da obra de remodelação geral do núcleo, a exposição permanente, existente desde 1984, foi melhorada em termos museográficos. Contudo, no início dos referidos trabalhos, centrados na qualificação arquitectónica do conjunto formado pelo pavilhão destinado a espaços expositivos e pela oficina, a exposição foi desmontada. Ao longo da obra,

354

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp. 208-209.

355

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp. 209.

A artesã frequentou um curso de construção de modelos organizado pela Câmara Municipal do Seixal/Ecomuseu com o Instituo de Emprego e Formação Profissional.

356

252

manteve-se a oficina a funcionar, aberta ao público e seguindo uma programação de actividades de difusão. Nas paredes da oficina passaram a exibir-se as ferramentas da construção naval artesanal em madeira e (…) sucessivamente, enquadrou-se o espaço museológico na programação de exposições temporárias do Ecomuseu, seguindo o campo temático do Núcleo Naval” 357. A partir desta fase de intervenção, o núcleo museológico passou a designar-se simplesmente por Núcleo Naval de Arrentela do Ecomuseu Municipal do Seixal.

Em 1996 é elaborado, pela responsável do Ecomuseu, o documento O Património Náutico do Tejo na Programação do Ecomuseu Municipal do Seixal. Breve balanço da situação actual e propostas fundamentadas de orientação na programação futura 358, no qual apresenta uma reprogramação que nas suas palavras “(…) visa responder não apenas a uma reinterpretação do sítio e das colecções que se pretende expor ali. Visa uma valorização global do património náutico e da envolvente natural, correspondente a uma qualificação da intervenção museal no desenvolvimento local”. 359 Neste documento é apresentada a proposta de criação de uma nova unidade museológica, tendo em vista salvaguardar o espaço e equipamentos de um antigo estaleiro naval em Amora, ainda dispondo de carreira (plano inclinado para embarcações) e associado a um cais. Tal proposta não viria porém a ser concretizada, embora inicialmente fosse bem acolhida pela tutela e merecesse a concordância da família proprietária do estaleiro. Entre 1998 e 2001 o Núcleo Naval foi abrangido na reprogramação museológica transversal a todo o sistema do Ecomuseu e os seus objectivos foram redefinidos, servindo de base à

357

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp. 210.

FILIPE, Graça, O Património Náutico do Tejo na Programação do Ecomuseu Municipal do Seixal. Breve balanço da situação actual e propostas fundamentadas de orientação na programação futura, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, 1996.

358

359

FILIPE, O Património Náutico do Tejo (…), 1996, pp. 14.

253

reformulação do programa reportado à cultura e ao património flúvio-marítimos, assim como ao projecto museográfico delineado na sequência da requalificação arquitectónica do conjunto.

Acompanhando a reformulação do programa reportado à cultura e ao património flúviomarítimos, procedeu-se também à constituição do Serviço de Património Náutico, recompondo a constituição e o funcionamento das tripulações, que passaram a dispor, a partir de 1995, de um técnico coordenador, que passou a exercer essa função de mediação em relação à direcção do Ecomuseu e de articulação com outros coordenadores internos de serviços. Tais modificações proporcionaram nos anos seguintes progressivas implicações qualitativas no trabalho do Ecomuseu, significativas no desenvolvimento e na promoção da cultura marítima, expressas ao nível de uma melhoria na gestão do património náutico (incluindo as embarcações e o Núcleo Naval), de relacionamento com os públicos e comunidades locais particularmente ligadas a este património e dando continuidade ao processo de transmissão de processos técnicos (de navegação e construção naval), resultando numa área de inovação no trabalho do Ecomuseu. Para além da gestão das embarcações, salienta-se a intervenção do referido técnico, graças ao seu perfil, na especialização das actividades desenvolvidas pela oficina, estabelecendo a ligação entre esta e elementos provenientes do meio profissional ligado ao rio e aos estaleiros navais detentores do conhecimento das técnicas de construção naval, em articulação com o trabalho desenvolvido pelos artífices, em termos da documentação e restauro da colecção de modelos de embarcações incorporada no acervo móvel. A gestão do património náutico passou a tratar integradamente a conservação e manutenção dos barcos, a programação de actividades e passeios e a navegação e reutilização em serviço público, qualificando a sua utilização. O referido técnico/coordenador Integrou as tripulações dos barcos à vela, tendo durante os últimos anos, dado continuidade ao processo de transmissão de técnicas tradicionais de 254

navegação cujas acções permitem a inserção do museu no território e região e na aproximação dos públicos/utilizadores ao meio ecológico envolvente, por vezes experimentando um conhecimento das técnicas, realidades, da paisagem e do património, a que não poderiam aceder por via de outro tipo de recursos culturais. A responsabilidade da gestão das embarcações e a integração das tripulações, afectaram ainda um aprofundar de relações entre o Ecomuseu e empresas e estaleiros implicados na preservação do património náutico e reconhecidos como apoio essencial à preservação e difusão na vertente educativa, desse património.

Até 2005 foram realizadas obras de qualificação do espaço do Núcleo Naval (em Arrentela), no âmbito das quais foi instalada uma exposição de longa duração, dedicada às embarcações tradicionais do Tejo, denominada Barcos, memórias do Tejo, inaugurada a 16 de Abril de 2005. Actualmente, o Núcleo Naval do Ecomuseu, em Arrentela, apresenta a referida exposição dedicada aos barcos do Tejo, evocando a construção naval, a navegação de tráfego local e a pesca como aspectos marcantes da história das populações ribeirinhas do estuário do Tejo. Findo o percurso da exposição, o visitante é levado a entrar, através de um pequeno corredor de ligação dos dois imóveis, na oficina de construção artesanal de modelos de barcos do Tejo, onde dois artífices se ocupam na construção e reparação de modelos executados à escala. Esta fase do Ecomuseu (sobretudo a partir de 2000 até 2007) caracterizou-se ainda por uma progressiva consolidação no quadro institucional, por um reconhecimento do estatuto profissional do corpo técnico do Ecomuseu, e por um modelo de organização e de gestão internas, no âmbito da Divisão de Património Histórico e Natural/Ecomuseu, para o que contribui significativamente a adesão à Rede Portuguesa de Museus em 2001 e posterior integração nos seus mecanismos de funcionamento.

255

4.3.2. Campo temático 360

a. Colecções / Acervo O acervo do Ecomuseu Municipal do Seixal reportado à temática do Núcleo Naval - a cultura e o património flúvio-marítmos do estuário do Tejo – é constituído por: -- património flutuante constituído pelas embarcações tradicionais a navegarem no rio Tejo; -- património móvel (etnográfico e técnico) de que se destacam: • uma colecção de modelos de barcos tradicionais do Tejo, constituída para ilustrar a diversidade de tipologias de embarcações, umas adaptadas aos requisitos da navegação flúvio-marítima do estuário do Tejo, e outras adaptadas às funções em que a população e comunidades ribeirinhas as utilizaram, ao longo dos tempos, aproveitando recursos sócioeconómicos e culturais proporcionados pela localização geográfica do seu território. Apesar da constituição desta colecção obedecer a critérios selectivos inerentes à sua incorporação, dado tratar-se de objectos produzidos com fins museológicos, considerando autores e/ou executantes, tipologias e técnicas aplicadas nos processos de representação, a presente colecção constitui um conjunto que testemunha e integra memórias e saberes-fazer ligados à construção naval artesanal e à navegação tradicional do estuário. • instrumentos de construção naval; • objectos ligados à vida marítima, aos estaleiros navais, à história das embarcações tradicionais e às profissões ligadas aos barcos e ao rio. --património imaterial ou incorpóreo materializado nas recolhas orais e na dinamização, preservação e a transmissão de saber-fazer através de actividades de construção naval e de

O campo temático é aqui considerado de acordo com os textos de Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo que consideram que o campo temático de uma dada unidade museológica é delimitado pelo estatuto dos bens incorporados ou a incorporar por essa unidade e pelo âmbito territorial e/ou populacional dessa unidade, ou seja, pela relação entre esses bens e o “território/população” de acervo ou de proveniência desses bens. 360

256

navegação tradicional, decorrentes da oficina de construção de modelos de barcos tradicionais do Tejo e os dois botes de fragata e o varino reutilizados com fins didácticos e de recreio; --fundo fotográfico constituído por fotografias contemporâneas às embarcações a navegarem no rio. Associados à temática flúvio-marítima, o Ecomuseu Municipal possui ainda um conjunto de fundos documentais e fotográficos resultantes, uns de ofertas e aquisição, e outros produzidos no âmbito do trabalho do Ecomuseu desde a sua criação. Estes fundos, geridos e tornados acessíveis ao publico através do Centro de Documentação e Informação, são constituídos por recursos de informação na área da fotografia, do vídeo, dos documentos cartográficos e dos documentos gráficos. --A colecção de documentos fotográficos é constituída por espécies em suporte analógico, digital e vídeo, integra imagens que testemunham a acção museal do Ecomuseu, de que se destacam: associadas à gestão do acervo móvel, imagens que documentam as colecções que integram o acervo, como a colecção de ferramentas de construção naval e a colecção de modelos e miniaturas de embarcações tradicionais do Tejo; relativas à gestão do acervo imóvel e flutuante, imagens que documentam o Núcleo Naval e as três embarcações geridas pelo Ecomuseu, focando em particular aspectos relacionados com a sua recuperação e conservação; acções relacionadas com a comunicação e educação patrimonial, que documentam, iniciativas realizadas pelo Serviço Educativo e na Oficina do Núcleo Naval; documentação de apoio a exposições e projectos desenvolvidos no âmbito do património náutico e investigação da cultura marítima; documentação sobre o património material e imaterial (embarcações e estaleiros navais) do concelho do Seixal. --Da colecção de documentos gráficos e cartográficos reportados à cultura marítima, salientam-se os desenhos das embarcações tradicionais e das ferramentas de construção naval e alguns planos de embarcações e documentos cartográficos reportados ao território nacional.

257

--Do núcleo de documentos sonoros relacionados com a cultura flúvio-marítima do concelho do Seixal e do estuário do Tejo, incluem-se testemunhos orais recolhidos no final da década de 80 do século XX, junto de trabalhadores ligados á construção naval e aos estaleiros navais.

b. Sociedade local / Interlocutores / Públicos No âmbito do seu campo temático, decorrente das características do seu território e do acervo que incorpora, associado às actividades ligadas ao rio e ao estuário do Tejo, o Ecomuseu Municipal atribui ao Núcleo Naval (em Arrentela), como seus objectivos específicos: --a transmissão da memória do lugar de um antigo estaleiro naval do Rio Judeu, à beira do Tejo; --a exibição e interpretação do património flúvio-marítimo do estuário do Tejo, em particular o património náutico; --a aplicação e comunicação das técnicas artesanais de construção de modelos de barcos para a valorização do património náutico do Estuário do Tejo.

O Ecomuseu assume a sua missão, ligada à estrutura territorial e ao campo temático, na perspectiva das comunidades de referência e públicos alvo do museu, apresentando um conjunto de objectivos face ao trabalho desenvolvido pelo museu, dos quais destacamos os seguintes: potenciar e proporcionar a fruição, por parte da comunidade local, do acervo museológico e do conhecimento produzido pelo museu; contribuir para a ligação dos habitantes ao território e para processos de inclusão social, através da interpretação do território, da identificação e valorização dos seus recursos, nomeadamente o património cultural, material e imaterial, e o património natural; constituir, fidelizar e alargar os públicos / utilizadores dos serviços do museu, com base na interpretação das realidades locais e do aproveitamento museológico do património cultural, material e imaterial; promover a mediação entre os públicos e o trabalho museal. 258

4.3.3. Espectro funcional e disciplinar do Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal

A actividade desenvolvida pelo Núcleo Naval do Ecomuseu em Arrentela inscreve-se no âmbito das atribuições funcionais consignadas à Divisão do Património Histórico e Natural/Ecomuseu, cuja missão é enunciada no seu actual documento base de programação 361, do seguinte modo: “O EMS tem a missão de investigar, conservar, interpretar e difundir testemunhos representativos da ocupação humana e da natureza, reportados ao território e à envolvente social em que se insere, contribuindo para a construção e para a transmissão das memórias colectivas e para o reforço das identidades locais. Através do trabalho museal, nas suas diversas vertentes, tem a missão de estimular e ser instrumento do desenvolvimento sustentado da região.” 362 As atribuições funcionais específicas do Ecomuseu, “(…) repartem-se pela área da investigação, em múltiplos campos temáticos ligados às realidades locais, pela área da documentação e da conservação de património e pela área de difusão, através de exposições, de programas de extensão cultural e educativa e de edição” 363. As disciplinas que mais se destacam nas actividades do Ecomuseu são a História, a Arqueologia e a Antropologia, “(…) proporcionando um processo de constituição de acervos e de organização de recursos em que emergem três campos temáticos essenciais. A estes correspondem o património histórico e arqueológico, o património técnico e industrial e o património náutico e flúvio-marítimo”364. Referimo-nos ao documento Programa de Qualificação e de Desenvolvimento, aprovado pela Câmara Municipal do Seixal em Março de 2001. 361

Programa de Qualificação e de Desenvolvimento, Ecomuseu Municipal do Seixal, Câmara Municipal do Seixal, Outubro 2000 / Março 2001, pp. 3.

362

363

Programa de Qualificação (…), Outubro 2000 / Março 2001, pp. 4.

364

Programa de Qualificação (…), Outubro 2000 / Março 2001.

259

Integrado no Ecomuseu Municipal do Seixal, ao Núcleo Naval corresponde o campo temático relativo ao património náutico e flúvio-marítimo e, a ele associado, o património técnico e histórico, destacando-se actualmente como principais disciplinas de suporte a Antropologia e a História. No âmbito das atribuições funcionais cabem ao Núcleo Naval, os seguintes objectivos 365: -O desenvolvimento de projectos e acções de investigação, documentação, conservação, interpretação e divulgação de testemunhos da história regional e local e do património flúviomarítimo; -A promoção e o aprofundamento dos diálogos/comunicação com sectores da população/comunidades locais interessadas na área naval e no património marítimo (quer ao nível de memórias, quer ao nível da sua projecção actual); - A articulação programática e de planificação de actividades com as embarcações tradicionais; - A interactividade com o espaço urbano, do ponto de vista do planeamento e da gestão de infraestruturas.

Dando corpo às funções museológicas de investigação, documentação, conservação, exposição, divulgação e educação, o Ecomuseu Municipal está dotado dos seguintes equipamentos/instrumentos:

• Investigação A investigação constitui o fundamento da actividade desenvolvida pelo Núcleo Naval, enquanto parte integrante do Ecomuseu, cujos resultados se materializam nas exposições,

365

Programa de Qualificação (…), Outubro 2000 / Março 2001, pp. 45.

260

actividades educativas 366 (de natureza diversificada como ateliers, por exemplo) e edições, associadas à temática flúvio-marítima. O Ecomuseu faz o inventário e estudo das colecções, dando prioridade a objectos a contemplar no âmbito da programação de exposições. O estudo das colecções é efectuado através da recolha de informação sobre os objectos a expor (pesquisa e recolha bibliográfica), da pesquisa bibliográfica e fotográfica sobre as várias temáticas relacionadas com o património náutico, entre as quais, a construção naval, as embarcações tradicionais do rio e a pesca. O Ecomuseu procede ainda ao estudo de património imaterial reportado à cultura flúviomarítima e património náutico do estuário do Tejo/concelho do Seixal. Assegura o tratamento dos suportes deste património, através da sua transferência para suporte digital e transcrição de conteúdos orais para versão textual. Para além do inventário e estudo do espólio, o Ecomuseu desenvolve investigação no âmbito da preparação de exposições, nela se baseando para a produção de conteúdos nas suas diversas vertentes (conteúdos expositivos, elementos escritos, multimédias e audiovisiais). A investigação é efectuada por parte da equipa adstrita à temática marítima – actualmente inscrita no Serviço de Património Marítimo e na Área de Investigação e de Projecto sobre Cultura e Património Flúvio-Marítimos – em articulação com outros serviços do Ecomuseu e sob a orientação técnico-científica da responsável pelo Ecomuseu.

• Documentação O Núcleo Naval, tal como os restantes núcleos do Ecomuseu, utiliza o Centro de Documentação e Informação, que desenvolve a sua actividade em articulação com os diversos núcleos e respectivas temáticas.

366

Ver ponto 4.3.5 sobre as principais Actividades do Núcleo Naval de Arrentela.

261

Relacionado com a temática do Núcleo Naval, o Centro de Documentação desenvolve uma correspondente área de especialização temática sobre a história e cultura flúvio-marítima, construção naval e património náutico que abrange fundos bibliográficos e documentais, o arquivo fotográfico, o arquivo de memória oral e o arquivo das actividades do Ecomuseu. Relativamente à documentação das colecções, é realizado inventário e estudo das colecções por parte da equipa adstrita ao núcleo em articulação com o Serviço de Conservação e Inventário Geral, cuja acção se reparte pelos diversos núcleos/temáticas do Ecomuseu. O inventário tem por suporte um sistema de documentação e inventário assente numa base de dados informática (designada MUM/Micromusée) de funcionamento em rede e utilização comum pelo conjunto dos núcleos/temáticas do Ecomuseu.

• Conservação O Núcleo Naval não possui reservas exclusivas. O Ecomuseu organiza e gere de forma integrada as suas reservas que, do ponto de vista da estrutura funcional, estão na dependência do Serviço Conservação e Inventário Geral, em articulação quer com o Centro de Documentação e Informação, quer com os serviços e áreas de investigação responsáveis pela documentação e estudo de património e acervo museológico – Serviço de Arqueologia, Serviço de Inventário e Estudo de Património Industrial e Área de Investigação e de Projecto sobre Moinhos de Maré, além do Serviço de Património Marítimo e da Área de Investigação e de Projecto sobre Cultura e Património Flúvio-Marítimos, que já referimos anteriormente. Os objectos de temática flúvio-marítima em reserva encontram-se maioritariamente concentrados nas reservas instaladas no Núcleo da Quinta da Trindade (Azinheira, Seixal), enquanto os fundos documentais regularmente acessíveis ao público se localizam no Centro de Documentação e Informação (Serviços Centrais, Núcleo da Mundet, Seixal). A conservação deste espólio e posterior digitalização, são efectuadas quer pela equipa técnica do Ecomuseu, sempre que necessário recorrendo à aquisição de serviços especializados 262

externos (nomeadamente de conservação e restauro e de digitalização), cujos processos e gestão são assegurados articuladamente pelo Serviço de Conservação e Inventário Geral, pelo Centro de Documentação e Informação e pelo Serviço Administrativo, podendo especificamente outros serviços associar-se-lhe. Em articulação com o Serviço de Património Náutico, cabe ao Serviço de Conservação e Inventário Geral do Ecomuseu, cujas atribuições se repartem pelos diversos núcleos, as acções de conservação decorrentes das necessidades do Núcleo Naval, nomeadamente, a manutenção de objectos em exposição, a conservação preventiva (desinfestação, monotorização ambiental, o acondicionamento, etc.), a gestão de movimento de objectos em reservas, a conservação, manutenção e segurança dos espaços (limpeza, lixagem, aplicação de produtos para conservação, sistemas de segurança como alarmes, etc.) e a gestão de processos de aquisição de serviços de conservação e restauro ao exterior. No âmbito da montagem de exposições, a componente operacional e logística da área de trabalho da exposição implica a articulação e recursos destes dois serviços (área de exposições e Serviço de Conservação e Inventário Geral) em termos de apoio logístico à oficina e participação na preparação da exposição. Os espaços expositivos do Núcleo Naval possuem equipamentos de conservação preventiva e de controlo ambiental (termohigrógrafos e desumidificadores). A conservação das embarcações está associada à sua reutilização, ou seja, é efectuada a conservação das embarcações a navegar através de um processo que associa as técnicas tradicionais a saberes fazer em transmissão activa (transmissão das técnicas de navegação e construção/reparação naval) em que se incluem tanto as tripulações como elementos de entidades exteriores, de que depende a conservação e manutenção. O Ecomuseu recorre aos serviços prestados por entidades exteriores, isto é, os estaleiros onde ainda se executam obras de construção e/ou reparação naval tradicional, em articulação com as tripulações que também desempenham a função da sua conservação e manutenção quotidiana, adaptada à 263

introdução de aspectos técnicos exigidos pela segurança da náutica de recreio, na qual o Ecomuseu enquadra a sua recuperação, enquanto património náutico. À conservação das embarcações a navegar está associado um conjunto de implicações que ultrapassam o âmbito de recursos enquadrados na tutela, diferenciando-se de outros tipos de bens culturais, em termos de conservação de bens culturais museologicamente incorporados, envolvendo procedimentos reportados às autoridades marítimas, de acordo com o enquadramento legal de barcos de recreio, relações com empresas exteriores (estaleiros) e requisitos técnicos específicos (de mão-de -obra e de formação profissional). A conservação das embarcações a navegar implica uma manutenção anual, efectuada durante e fora do período calendarizado para a realização de passeios anuais (entre Abril e Outubro), realizada em conformidade com o levantamento das necessidades, previamente efectuado. Os trabalhos de conservação são efectuados em estaleiro e com a participação das tripulações, cabendo a gestão de todo o processo ao coordenador do Serviço de Património Náutico, em directa articulação de decisões com a responsável do Ecomuseu.

• Exposição O Núcleo Naval está instalado no sítio de um antigo estaleiro naval, e possui espaços correspondentes a dois edifícios conectados entre si através de uma “passagem” que estabelece a ligação / distinção entre ambos. Um destes espaços é consagrado exclusivamente a exposições temporárias de longa duração, no outro está instalada a oficina de construção de modelos de barcos do Tejo, sendo as paredes deste espaço, aproveitadas para exposições temporárias. Actualmente, o Núcleo Naval apresenta, na sala destinada a fins expositivos, a exposição de longa duração intitulada Barcos, memórias do Tejo. Nesta exposição estão presentes os seguintes equipamentos/suportes expositivos:

264

--vitrinas onde estão expostos objectos como os modelos de barcos do Tejo e algumas ferramentas de construção naval em madeira; --uma maquete do antigo estaleiro artesanal, correspondente ao espaço onde se instala o Núcleo Naval, feita à escala e com pormenores identificadores do sítio em contexto de trabalho e da zona envolvente; --um recurso multimédia intitulado Além Terra, que ilustra alguns aspectos da cultura flúviomarítima das comunidades ribeirinhas do estuário do Tejo (abrangendo, além do Seixal, Constânica, Azambuja, Vila Franca de Xira, Barreiro, Montijo, Moita, Almada); -- um vídeo que, a par de uma apresentação detalhada da maqueta do estaleiro artesanal, exibida na exposição, ilustra trabalhos de carpintaria e de calafeto num estaleiro naval tradicional ainda em actividades – de construção e reparação naval - recorrendo à reprodução de sons naturais recolhidos num estaleiro; - um vídeo que, seguindo o mesmo fio condutor da exposição, detalha e simultaneamente sintetiza a formação respeitante às diferentes tipologias de embarcações do estuário do Tejo, documentadas no contexto original de trabalho – pesca e tráfego local – mostrando a evolução sofrida a partir de final do século XIX e sobretudo ao longo do século XX, por um lado com a introdução de novos materiais e novas técnicas de construção e de navegação e, por outro lado, em função das novas vias de ligação – pontes e transportes rodoviários – até à passagem de alguns barcos tradicionais a novos usos culturais, reconhecido um certo estatuto patrimonial. -- diversos recursos informativos complementares: fichas de interpretação, um dossiê documental e um mapa de localização/contextualização; -- os temas e objectos são identificados e contextualizados através de legendas e breves textos.

265

A exposição, integrando os recursos multimédia que sucintamente descrevemos, apresenta-se sonorizada, proporcionando ao visitante várias referências ao ambiente de estaleiro e de embarcações a navegar no rio. Na oficina do Núcleo Naval está patente uma exposição temporária de curta duração, aproveitando as paredes da oficina. O trabalho desenvolvido no âmbito da função exposição do Núcleo Naval, está sob a coordenação directa e responsabilidade de programação museológica da chefia de divisão (responsável técnica-científica do Ecomuseu) e assenta nos recursos tanto do Núcleo Naval, como noutros serviços através da constituição de equipas de projecto consoante a exposição. No conjunto da equipa, sob a direcção da responsável do Ecomuseu, estão permanentemente destinados recursos para a investigação, programação científica e produção de conteúdos, a organização e montagem de exposições, a programação e dinamização de iniciativas e actividades educativas e a difusão.

• Divulgação (não expositiva) A divulgação não expositiva reportada ao Núlceo Naval é efectuada através da edição escrita e multimédia/portais (Internet), da realização de encontros sobre o património flúvio-marítimo, das embarcações tradicionais a navegar e da actividade da oficina de construção artesanal de modelos de barcos do Tejo. Da divulgação escrita destacam-se: publicações como o boletim que divulga a actividade do Ecomuseu (Ecomuseu informação); a edição do catálogo e materiais de difusão da exposição Barcos, Memórias do Tejo, como folhetos sobre o Núcleo Naval, a exposição e as embarcações tradicionais (apresentação geral e apoio a passeios) e cartaz didáctico; a divulgação “de rua” através dos mupis; a divulgação do Ecomuseu no roteiro e Boletim Trimestral da Rede Portuguesa de Museus; a informação constante no website do Ecomuseu e em sites temáticos associados ao património como é o caso do portal Setúbal Rede. 266

A função divulgação associada ao Núcleo Naval, na vertente edição, resulta da articulação de recursos entre o Ecomuseu, o sector de apoio gráfico e edições da Câmara Municipal e os serviços externos adquiridos por iniciativa do primeiro. O Ecomuseu, sob a coordenação da sua responsável ao nível da chefia de Divisão, programa e organiza com alguma frequência, encontros sobre o património e cultura flúvio-marítima, convidando à participação, diversas entidades nacionais e estrangeiras, de temática comum, bem como, as próprias comunidades do seu território de referência. Os passeios realizados pelas embarcações tradicionais, incorporadas no acervo de temática flúvio-marítima, associadas a um conjunto de actividades 367, divulgam em simultâneo, os patrimónios material (flutuante) e imaterial, este último através das acções inerentes às técnicas de navegação. Também a oficina de construção de modelos de embarcações, divulga um património imaterial através da cadeia de transmissão dum saber-fazer centrado nas técnicas tradicionais da construção em madeira. Ambos, embarcações a navegar no Tejo e oficina de construção de modelos de barcos, constituem formas de divulgação do Núcleo Naval através da transmissão de técnicas, memórias e saberes ligados às actividades marítimas e à construção naval. A divulgação inerente à navegação das embarcações e às actividades do Núcleo Naval, depende da conjugação do trabalho do Serviço Educativo, do Serviço de Património Náutico e da Área de Investigação e de Projecto sobre Cultura e Património Flúvio-Marítimos, em articulação com o Serviço Administrativo do Ecomuseu.

• Educação A função educação é exercida pelo Ecomuseu através das exposições, da actividade desenvolvida pela oficina de construção artesanal de modelos de barcos do Tejo, e pela 367

Referimo-nos a essas actividades no ponto 4.3.5 do presente sub-capítulo.

267

navegação das embarcações, todas conjugadas com um conjunto de actividades desenvolvidas em articulação entre o Núcleo Naval, as tripulações das embarcações e o Serviço Educativo do Ecomuseu do Seixal. O Núcleo Naval promove a função educação através do desenvolvimento de actividades em conexão com a oficina de construção de modelos de barcos do Tejo e com os passeios de barco no Tejo, com o objectivo de transmitir um saber-fazer, centrado nas técnicas tradicionais de construção naval em madeira e utilizando um espaço de trabalho (a oficina), e das técnicas tradicionais de navegação à vela. Através da transmissão das técnicas, saberes fazer e memórias, o Núcleo Naval proporciona às comunidades participantes nas suas actividades, com destaque para as escolas que constituem os principais destinatários dessas acções, o conhecimento sobre o território e a vida económica e social das comunidades que vivem e viveram no território do Seixal, fortemente associado às frentes ribeirinhas da sua localização. De salientar que no âmbito de objectivos relacionados com a promoção da educação patrimonial, constitui política do Ecomuseu o aprofundamento da relação Escola-EcomuseuComunidade, tendo nessa perspectiva, celebrado parcerias com entidades de ensino. Ao abrigo de tais parceiras e em articulação com os estabelecimentos de ensino/formação, o Serviço Educativo desenvolve a sua actividade, que se estende aos diversos núcleos, incluindo e envolvendo o Núcleo Naval. Dos trabalhos realizados destacam-se a título de exemplo a concepção de actividades e materiais didácticos de apoio aos ateliês.

4.3.4. Modelo de Gestão

a. Implantação territorial do Núcleo e estrutura orgânica do Ecomuseu O Núcleo Naval, em Arrentela ocupa o sítio de um antigo estaleiro naval, localizado na frente ribeirina e com acesso fluvial, abrange uma exposição temporária de longa duração, uma 268

oficina de construção de modelos de barcos do Tejo. Como já referimos, programaticamente é complementar das três embarcações fluviais tradicionais construídas em madeira, os botesde-fragata Baía do Seixal e Gaivotas e o varino Amoroso. O núcleo museológico de temática flúvio-marítima e as três embarcações constituem uma parte integrante da estrutura territorial do Ecomuseu do Seixal.

b. Inscrição do Núcleo Naval na estrutura orgânica do Ecomuseu Municipal do Seixal e da Câmara Municipal do Seixal O Núcleo Naval do Ecomuseu, em Arrentela, inscreve-se no âmbito das atribuições funcionais consignadas no regulamento municipal, no que respeita a actual Divisão do Património Histórico e Natural/Ecomuseu 368, inserida no Departamento de Cultura, Educação, Desporto e Juventude. O Núcleo Naval constitui um dos núcleos 369 que fazem parte do Ecomuseu, e que se encontram descentralizados no território concelhio, mas integrados por um funcionamento e uma gestão centralizada.

À Divisão do património Histórico e Natural são atribuídas as seguintes funções: a) Promover o inventário, classificação, protecção, conservação e restauro do património histórico e natural do concelho; b) Propor a reutilização e recuperação funcional de sítios, vestígios e testemunhos considerados de interesse; c) Propor e coordenar acções e programas de investigação em áreas disciplinares da sua esfera de competências (história regional, arqueológica e etnográfica, entre outras); d) Emitir pareceres e apresentar projectos sobre matérias relacionadas com a preservação do património histórico e natural do concelho; e) Propor e desenvolver acções e programas de informação e animação, em cooperação, em especial, com a Divisão de Educação e o Gabinete de Turismo, de forma a potenciar a sua função cultural, turística e educativa; f) Propor acordos e protocolos de cooperação com outras instituições e entidades que prossigam fins idênticos, museus, associações de defesa do património, escola, etc.; g) Assegurar a realização e actualização de exposições temporárias e permanentes; h) Garantir, em cooperação com o Gabinete de Turismo, a gestão das embarcações típicas da Câmara; i) Propor o plano anual de actividades da Divisão e elaborar o relatório anual de actividades; j) Apresentar mensalmente o plano e relatório de actividades. (site: www.cm-seixal.pt/ecomuseu,, Junho/ 2007. 368

Os núcleos que integram actualmente o Ecomuseu Municipal do Seixal são os seguintes: --Núcleo da Mundet – Edifícios das Caldeiras Babcock e das Caldeiras de Cozer Cortiça. Integram este núcleo, espaços expositivos e de instalação dos serviços centrais do Ecomuseu (Serviço Educativo, Centro de Documentação e Informação, Serviço de Inventário e Estudo do Património Industrial, Serviço de Património Náutico, Serviço Administrativo e Apoio Geral e áreas ou projectos de trabalho como a Área de Investigação centrada nos Moinhos de Maré e Área de Arquitectura / Património Cultural Imóvel. --Núcleo Naval de Arrentela: espaço museológico que integra uma sala de exposições, uma oficina e se relaciona com as Embarcações Tradicionais do Tejo; --Núcleo da Quinta da Trindade: alberga as Reservas, o Serviço de Arqueologia e o Serviço de Conservação e Inventário Geral. 369

269

O núcleo museológico de temática flúvio-marítima e as três embarcações constituem uma parte integrante da estrutura territorial do Ecomuseu do Seixal, reportando-se directamente à área de funcionamento do Serviço de Património Náutico, em conformidade com o modelo de organização e de gestão consagrado no Programa de Qualificação e Desenvolvimento do Ecomuseu Municipal. Embora ainda não tenha sub-estruturas orgânicas formalmente definidas (organicamente vinculadas no regulamento municipal), correspondentes à estrutura Divisão de Património Histórico e Natural/Ecomuseu. No âmbito do modelo informal de gestão do Ecomuseu e, para além do Serviço de Património Náutico, 370 foram criados os seguintes serviços e áreas de trabalho: Serviço de Conservação e Inventário Geral, Serviço de Arqueologia, Serviço de Inventário e Estudo do Património Industrial; Centro de Documentação e Informação; Serviço Educativo; e áreas ou projectos de trabalho como a Área de Investigação centrada nos Moinhos de Maré, a Área de Arquitectura / Património Cultural Imóvel. Dependendo de projectos específicos e respectivas temáticas implicadas, são ainda constituídos grupos de trabalho integrados e coordenados pela Chefia de Divisão.

c. Afectação, mobilização, circulação dos recursos e da informação c.1. Afectação e mobilização de recursos humanos: a equipa do Núcleo, em articulação com a(s) equipa(s) do Museu

--Núcleo de Olaria Romana da Quinta do Rouxinol: sítio classificado como Monumento Nacional; --Núcleo do Moinho de Maré de Corroios; --Extensão do Ecomuseu na Fábrica de Pólvora de Vale de Milhaços: sítio em vias de classificação; --Extensão do Ecomuseu na Quinta de S. Pedro: campo arqueológico (necrópole Medieval-Moderna). Em 2007 e no âmbito da implementação do SIADAP na Câmara Municipal do Seixal, naturalmente abrangendo a unidade orgânica Divisão de Património Histórico e Natural/Ecomuseu, este serviço passou a designar-se Serviço de Património Marítimo, a par da Área de Investigação e de Projecto sobre Cultura e Património Flúvio-Marítimos.

370

270

Incidindo privilegiadamente na esfera de actividades a que reporta o Núcleo Naval em Arrentela está adstrita uma equipa constituída por: --um Técnico profissional que detém funções de coordenação do Serviço de Património Náutico de gestão das embarcações a navegar (incluindo a respectiva conservação e manutenção). Participa ainda em actividades de âmbito da investigação, exposição e actividades do Serviço Educativo. --uma Técnica Superior com formação em Antropologia que reparte a sua actividade pelas áreas funcionais de investigação, inventário, exposição e produção de conteúdos para edição. --uma artífice, formada no âmbito de um curso de construção de modelos organizado pela Câmara Municipal do Seixal/Ecomuseu com o Instituo de Emprego e Formação Profissional, dedica-se à construção e restauro de modelos de barcos do Tejo na Oficina do Núcleo Naval. --um artífice que se dedica à construção de modelos de barcos do Tejo na Oficina do Núcleo Naval. --do Serviço Educativo e do Serviço Administrativo e de Atendimento Público do Ecomuseu são destacados funcionários, que em regime de planificação integrada e de rotatividade dinamizam as iniciativas e fazem o atendimento nos diversos Núcleos abertos ao público, em que se inclui o Núcleo Naval. Para incorporar as tripulações foi constituída uma equipa através de funcionários e de avençados. No âmbito da gestão e atribuições do Serviço de Património Náutico são desenvolvidas actividades transversalmente com o Serviço Educativo, o Centro de Documentação e Informação e o Serviço de Conservação e Inventário Geral, apoiando-se como os restantes, no Serviço Administrativo e, pontualmente, em serviços operacionais da Câmara Municipal fora da estrutura orgânica do Ecomuseu.

c.2. Afectação e mobilização de recursos financeiros e tecnico-logísticos 271

O modo de circulação/atribuição/partilha/mobilização de recursos financeiros e técnicologísticos do Ecomuseu envolvendo o Núcleo Naval e as embarcações, decorre no âmbito do desenvolvimento dos projectos da respectiva Divisão que alia a pesquisa à comunicação e educação. Neste processo há uma articulação, em diferentes áreas funcionais da sua actividade, dos meios internos e exteriores, prosseguindo uma orientação interdisciplinar e de partilha de recursos técnicos. O modo de circulação/atribuição/partilha/mobilização de recursos financeiros deriva anualmente das Grandes Opções do Plano da Câmara Municipal do Seixal, em que se inscrevem especificamente os programas e acções para o Património, decorrentes da Proposta de Plano e Orçamento da Divisão de Património Histórico e Natural / Ecomuseu, da responsabilidade da Chefia de Divisão. Essa proposta baseia-se nas propostas sectoriais em que participam os diversos serviços do Ecomuseu em articulação com a Chefia de Divisão, propostas que vão sendo articuladas com os projectos financiados pela Rede Portuguesa de Museus no âmbito de candidaturas apresentadas pelo Ecomuseu aos Programas de Apoio à Qualificação de Museus. Na Proposta de Plano e Orçamento anual, são inseridos todos os projectos do Ecomuseu e respectivas necessidades orçamentais. Depois de atribuídos os recursos financeiros por parte da tutela municipal, cabe à Chefia e Divisão a responsabilidade de gestão e mobilização dos mesmos.

c.3. Circulação da informação e das decisões O funcionamento do Ecomuseu Municipal é regularmente assegurado com base num sistema de gestão e de informação participado, tendo por eixo a direcção da Chefe de Divisão, a coordenação desta com os coordenadores de serviços e a responsabilização destes coordenadores pelas suas respectivas áreas funcionais ou áreas específicas de gestão.. À Chefia de Divisão cabe a mediação entre o Ecomuseu e a tutela. 272

As decisões sobre planificação e calendarização de actividades do Ecomuseu apoiam-se nesta estrutura de gestão que, através de reuniões mensais entre a Chefia de Divisão e os coordenadores, em que são abordadas todas as áreas de funcionamento museológico e de serviços do património, proporcionam a circulação e partilha de informação necessária. Por iniciativa da Chefia é também promovida a circulação de informação de carácter administrativo, técnico e formativo e o calendário interno de actividades, transversal a todo o sistema, além de todas as publicações editadas pela Câmara Mununicipal do Seixal através do Ecomuseu. O Centro de Documentação e Informação assegura mensalmente a distribuição dos seus boletins bibliográficos, por todos os sectores e áreas funcionais, distribuídos pelos diferentes núcleos museológicos

d. Colaborações e Parcerias Das parcerias externas que o Ecomuseu mantém com entidades exteriores indicamos apenas as que alguma forma possam relacionar-se como a actividade do Núcleo Naval.

Do conjunto de parcerias estabelecidas no quadro da instituição de tutela do Ecomuseu Municipal, destacam-se as seguintes: --Protocolo assinado desde 2001, entre a Câmara Municipal do Seixal e dois Centros de Formação da Associação de Escolas do concelho do Seixal, proporcionando uma intervenção sistemática ao nível da formação de professores com vista a melhorar o aproveitamento de recursos e ofertas locais, incentivando uma maior abordagem ao património local e regional nos currículos escolares. Esta parceria concretizou-se, nos anos lectivos de 2001/2002, através do curso Educação Patrimonial e Cidadania no concelho do Seixal; e de 2002/2003 e 2003/2004, com a realização de Oficinas de Formação de Materiais Didácticos no âmbito da Educação Patrimonial.

273

--Protocolo de cooperação com o Centro de Arqueologia de Almada, ao abrigo do qual o Ecomuseu desenvolve acções conjuntas com aquela associação, de preservação e de valorização de património cultural local e regional. --Protocolo com o Departamento de Conservação e Restauro da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da universidade Nova de Lisboa. Esta parceria reporta-se ao desenvolvimento do conteúdo das disciplinas de Diagnóstico e Conservação, Conservação e Restauro de Bens Culturais e à realização de Estágios no Ecomuseu, de alunos da respectiva licenciatura daquela Universidade.

O Ecomuseu Municipal do Seixal integra a Associação para o Desenvolvimento da Conservação e Restauro (ADCR), e as seguintes organizações internacionais: - Conselho Internacional de Museus (ICOM) - Comité Internacional para a Conservação do Património Industrial (TICCIH) - Congresso Internacional de Museus Marítimos (ICMM); -

Associação

dos

Museus

Marítimos

do

Mediterâneo

(AMMM);

- European Maritime Heritage (EMH); - Sociedade Molinológica Internacional (TIMS)

4.3.5. Actividades marcantes do Núcleo Naval

a. Principais actividades do Núcleo Naval, desde a sua criação Dada a intensa actividade museal associada ao património flúvio-marítimo, desenvolvida pelo Ecomuseu, à excepção das actividades relacionadas com exposições, apenas nos referimos às actividades (em termos genéricos) realizadas de 1999/2000 até à actualidade.

• Exposições 274

••No âmbito da abertura ao público do Núcleo Naval Histórico em 1984, foi criada uma exposição permanente, cuja descrição apresentamos nas palavras de Graça Filipe: “A exposição permanente baseava-se numa série de painéis informativos sobre o estuário do Tejo e localização das principais infraestruturas flúvio-marítimas, incluindo os estaleiros das povoações ribeirinhas da Outra Banda, a história naval dos últimos oito séculos, os materiais, as técnicas e as profissões tradicionais da construção naval em madeira, os aspectos da navegação e os diferentes tipos de barcos do tejo, fazendo ainda referência à introdução do ferro. Conjugados com os painéis, os objectos tridomensionais eram exibidos em quatro conjuntos (sobre plintos de madeira ou dentro de vitrinas: um engenho de furar, ferramentas de carpinteiro de machado e de calafate, miniaturas de embarcações típicas do rio Tejo, dando destaque à da muleta de pesca. O percurso expositivo inseria-se no mesmo pavilhão onde o carpinteiro naval, que estivera temporariamente no núcleo sede, executava modelos de barcos à escala e desempenhava o papel de comunicação com os visitantes.”371 A exposição era complementada com as embarcações que permaneceram sem navegar (a fragata e o varino) e que foram deslocadas para a Arrentela. ••Em 1999 foi realizada uma exposição fotográfica itinerante sobre o Tejo e a identidade Local Estaleiros Navais e Artesanais do Tejo, Vidas no rio e pinturas tradicionais (de barcos do Tejo). ••Em 2000 teve lugar a exposição temporária Conservar o património náutico no estuário do Tejo, montada no espaço da oficina, abordava a paisagem ribeirinha, o trabalho nos estaleiros e a reutilização do património..

• Oficina

371

FILIPE, O Ecomuseu Municipal do Seixal (…), 2000, pp. 146.

275

••A partir de 1993 a oficina de construção de modelos de embarcações tradicionais do Tejo, que até aí partilhava a mesma sala com a exposição permanente, passou a funcionar em espaço próprio. Neste novo espaço dois artesãos passaram a dedicar-se à construção de modelos de barcos do Tejo, no âmbito de um plano de trabalho que visava completar a colecção de modelos e restaurá-la faseadamente, na perspectiva de uma futura exposição. Este trabalho foi desenvolvido em articulação com o acolhimento de visitantes que podiam observar a construção de modelos de embarcações tradicionais do Tejo. Esta oficina manteve até à actualidade, a sua actividade de transmissão do património gestual, através do saber fazer e das técnicas de construção naval em madeira, proporcionando aos visitantes o contacto/conhecimento com as diversas tipologias e funções de barcos tradicionais do estuário do Tejo. No âmbito do Programa de Iniciativas de Serviço Educativo, destacamos a realização a partir de 1993 e durante vários anos, das seguintes oficinas: ••Oficinas de Iniciação à Construção Naval, constituídas por sessões diárias de trabalho oficinal para construção de uma embarcação a remos, em madeira, cujo programa incluía por vezes a realização de visitas a um estaleiro naval, à mata dos Medos, ao Museu de Marinha ou um passeio no Tejo a bordo de uma embarcação do Ecomuseu. O acompanhamento dos participantes era assegurado pelos dois artífices de modelos de barcos e um carpinteiro de machado e por técnicos do Serviço Educativo. Públicos destinatários: público juvenil (dos 10 aos 12 anos), adulto / famílias e público escolar dos Ensinos básico e Secundário. ••Oficinas de Iniciação à pintura tradicional de barcos do Tejo, consistiam na pintura de pequenos painéis utilizando motivos decorativos característicos das embarcações do estuário do Tejo.

276

Públicos destinatários: público juvenil (dos 10 aos 12 anos), adulto / famílias e público escolar dos Ensinos básico e Secundário. ••Oficina De vento em popa, construindo cataventos (a partir de 2006). Públicos destinatários: público juvenil, adulto e famílias

• Ateliês De 1999/2000 a 2007 o Ecomuseu desenvolveu um programa de actividades que se prolongaram e actualizaram ao longo dos anos. Esse programa associado à cultura flúviomarítima, foi delineado conjuntamente entre o Serviço Educativo e o Núcleo Naval, ambos em permanente contacto e articulação e, em alguns casos, parcerias com entidades ou associações locais, de que se destacam as escolas, associações de professores, entidades ligadas à formação ou Juntas de Freguesia. A maioria dos ateliês foram realizados no âmbito das exposições, do trabalho desenvolvido pela oficina de construção de embarcações tradicionais do Tejo e em contexto de passeios em embarcações no Tejo. No primeiro caso explorando as temáticas expostas, no segundo caso, reportando-se às técnicas da construção naval em madeira e respectivos saberes-fazer bem como às tipologias de embarcações do Tejo, no terceiro caso, associando-se às técnicas da navegação no Tejo. O calendário das actividades é estabelecido de acordo com os períodos escolares e de férias, adequando as actividades a cada momento. São também programadas actividades em datas ou períodos especiais, como é o caso do dia da Árvore, Dia da Mãe, Páscoa, etc. , associando as temáticas flúvio-marítmas com os temas comemorados. Públicos destinatários: das diversas iniciativas realizadas, privilegiaram-se públicos escolares infantis e juvenis; adultos / famílias; educadores e professores.

• Visitas temáticas / Passeios 277

Implicando um trabalho de articulação entre o Serviço Educativo e a equipa do Serviço de Património Náutico, foram realizados desde 1999/2000 um conjunto diversificado de passeios a bordo de embarcações e visitas temáticas anuais. A programação destas actividades baseou-se na conjugação de um trabalho conjunto entre o Serviço Educativo / Núcleo Naval e diversas entidades locais, como foi o caso das entidades escolares, associações de professores, entidades ligadas à formação e juntas de freguesia. Das visitas temáticas associadas ao património flúvio-marítimo destacam-se as realizadas às exposições do Núcleo Naval e Oficina. Dos passeios no Tejo a bordo das embarcações tradicionais do Ecomuseu, salientam-se os realizados em associação com ateliês temáticos, na sua maioria destinados a públicos escolares; os passeios cujos percursos incluíam a ligação com os diferentes concelhos ribeirinhos do Tejo; passeios realizados em colaboração com as Juntas de Freguesia do Concelho no âmbito das Festas Populares e outros destinados aos funcionários da Câmara do Seixal. Públicos destinatários: das diversas iniciativas realizadas, privilegiaram-se públicos escolares infantis e juvenis; adultos / famílias; educadores e professores.

• Encontros / Eventos Desde 2006, o Ecomuseu Municipal organiza um conjunto de eventos que designa por Maio – Património, para assinalar o Dia Internacional dos Museus, programando-os para o território e as comunidades de referência do museu. Os eventos de 2007 coincidiram com o vigésimo quinto aniversário do Ecomuseu e integraram um Encontro de Embarcações Tradicionais do Estuário do Tejo, na baía do Seixal, promovido pela Câmara Municipal do Seixal (Ecomuseu) e organizado conjuntamente com a Associação Náutica do Seixal e a Associação Naval Amorense.

278

Entre 18 e 20 de Maio, a baía do Seixal acolheu 30 embarcações, na sua maioria provenientes do estuário do Tejo, e outras proveniências como Setúbal, Norte do país e Galiza (Espanha). Neste encontro participaram embarcações de algumas das câmaras municipais de concelhos ribeirinhos do Tejo, de um conjunto de associações ligadas ao património flúvio-marítmo, de clubes navais e particulares. Deste conjunto de eventos o Ecomuseu promoveu ainda uma sessão pública e debate sobre Protecção e Valorização do Património Marítimo do Estuário do Tejo – Museus e Comunidades, que reuniu membros das associações náuticas do estuário do Tejo, proprietários de embarcações tradicionais, autoridades marítimas e de autarquias, técnicos e profissionais de museus. Resultantes da referida sessão pública, o Ecomuseu compilou e distribuiu a todas as entidades de tutela de património e de tutela marítima, as Recomendações para a Protecção e valorização do património marítimo do estuário do Tejo – Museus e Comunidades, na sequência das preocupações expressas pelas entidades participantes que salientaram a necessidade da conjugação de esforços e de parcerias entre as entidades envolvidas na preservação e na navegação das embarcações, bem como de contribuir para a mobilização da sociedade civil. Das referidas Recomendações constam as seguintes acções e iniciativas 372: a cooperação entre entidades associativas dos concelhos ribeirinhos do estuário do Tejo (áreas da formação e náutica de recreio), para estruturarem ou consolidarem uma vertente ligada à memória e à cultura marítima, potenciando o seu papel de sensibilização junto das respectivas comunidades, em prol da protecção do património cultural, do ambiente e da valorização da paisagem; avaliação comparativa de experiências dos últimos 25 anos, de recuperação de embarcações tradicionais reutilizadas em recreio em actividades de carácter cultural, educativo e turístico, em que as autarquias desempenharam um importante papel, em

Câmara Municipal do Seixal, Ecomuseu Municipal do Seixal, Ecomuseu Informação, nº 44, (Julho, Agosto, Setembro), 2007, pp. 16-17.

372

279

articulação com autoridades marítimas e prestadores de serviços como os estaleiros navais; cooperação entre instituições, tutelas e agentes culturais para a formação e desenvolvimento de públicos para eventos náuticos que associem aspectos identitários e promovam a cultura marítima no estuário do Tejo; a continuidade de projectos de salvaguarda, conservação e manutenção de embarcações tradicionais, a par da transmissão de saberes e técnicas de navegação, de formação e constituição de tripulações para a respectiva reutilização com fins culturais e educativos, de fruição patrimonial e turística; a realização regular, pelo menos anual, na baía do Seixal, a partir deste primeiro encontro de 2007, de eventos que reúnam embarcações tradicionais do estuário do Tejo, de proprietários públicos, associativos ou privados e, se possível, de outras proveniências e referências culturais, que expressem a diversidade do património marítimo português, contribuindo para a sua divulgação e salvaguarda; a instalação e promoção do acesso de estruturas marítimas de apoio às embarcações tradicionais, com o envolvimento ou sob a responsabilidade da Administração do Porto de Lisboa neste e noutros projectos que aproximem as comunidades do Rio e contribuam para um desenvolvimento integrado e para a qualificação do quotidiano das populações ribeirinhas, ligado ao estuário do Tejo; a promoção de projectos em que participem e cooperem museus vocacionados para a protecção e valorização da cultura e do património marítimos, em estreita relação com as comunidades locais. Nesse sentido, o Ecomuseu Municipal do Seixal visa organizar uma próxima jornada de museus sobre cultura e património flúvio-marítimos, em, parceria com o Museu de Marinha de Lisboa e em articulação com a Rede Portuguesa de Museus, a fim de operacionalizar o trabalho museológico em rede neste âmbito temático, em Portugal, também beneficiando da troca e partilha de experiências com entidades estrangeiras ou organizações internacionais; a realização de inventários de património marítimo e fluvial em Portugal e em particular no estuário do Tejo, incluindo um inventário de embarcações tradicionais, com uma inerente identificação e classificação de tipologias, procurando em simultâneo desenvolver o quadro legal e definir medidas de 280

protecção e de salvaguarda patrimonial, abarcando de forma integrada as vertentes materiais e imateriais. No âmbito do Encontro de embarcações tradicionais do estuário do Tejo, realizado na baía do Seixal, o Ecomuseu Municipal do seixal iniciou e divulgou um projecto de inventário, delineando uma metodologia participada e em que propõe o envolvimento dos proprietários e dos tripulantes das embarcações registadas.

b. Actividades em curso • Exposições ••Exposição de longa duração: Barcos, memórias do Tejo No espaço dedicado a exposições, o Núcleo Naval apresenta desde Abril de 2005 a exposição, de longa duração, intitulada Barcos, memórias do Tejo. Esta exposição evoca a construção naval, a navegação de tráfego local e a pesca, como aspectos marcantes da história do concelho do Seixal e das populações ribeirinhas do estuário do Tejo. O percurso expositivo reparte-se pelos sub-temas: Estaleiro, memória do lugar; Território, estuário do Tejo; trabalhar no Tejo, Entre pontes e Além terra, e é sonorizado com música de Miguel Azguime e complementado por um audiovisual que faz uma síntese do tema geral da exposição. O início do percurso corresponde a uma apresentação da composição territorial do Ecomuseu Municipal do Seixal e às suas principais actividades, através da visita ao respectivo site. Segue-se, no âmbito da sub-temática Estaleiro, memória do lugar, uma representação do antigo estaleiro artesanal de Arrentela, através de um diorama, feito à escala e com pormenores identificadores da zona envolvente. Essa representação tridimensional visa a interpretação do antigo estaleiro e tem como base a reconstituição da sua actividade entre os anos 50 e 70 do século XX, fase final de uma época em que ali ainda se construíam e reparavam embarcações de madeira, tais como fragatas e varinos, destinados essencialmente à navegação de tráfego local e ao transporte de mercadorias entre margens do estuário do 281

Tejo. Este sub-tema é também explorável com recurso a um conjunto de imagens filmadas de vários detalhes daquele diorama e da reprodução de um filme de um estaleiro no Seixal na década de 40 do último século. São ainda expostas fotografias do estaleiro préexistente na fase precedente à sua transformação em espaço museológico. No sub-tema Território, estuário do Tejo, é apresentado o território e região do estuário do Tejo sob duas perspectivas: por um lado a caracterização geográfica e do ecossistema estuarino e, por ouro lado, a fixação das comunidades e o desenvolvimento de inúmeras actividades económicas na sequência do aproveitamento dos recursos flúvio-marítimos. Na abordagem deste tema é apresentada a caracterização esquemática das calas de navegação do estuário e dos esteiros do Seixal/Mar da Palha e de aspectos preponderantes da fauna piscícola e ecossistemas estuarinos mais representados no Concelho. Associado ao sub-tema Trabalhar no Tejo, é destacada a colecção de modelos de barcos tradicionais do Estuário do Tejo, evidenciando a diversidade de actividades económicas a que se destinavam as diversas embarcações representadas e as tipologias de construção, as profissões, as potencialidades de navegação e os riscos por que passaram muitos dos que trabalharam no rio. A sub-temática Entre Pontes reporta-se à construção das pontes sobre o Tejo e suas consequências sobre o território, contribuindo para o declínio dos meios tradicionais de transporte fluvial. Destacam-se as embarcações que navegam actualmente no Tejo com a função de recreio, convivendo, na paisagem ribeirinha com as pontes e com outros meios de ligação e de transporte que vieram substituir os antigos barcos de tráfego local. O sub- tema intitulado Além terra, aborda as festas, as tradições culturais e as práticas religiosas das comunidades ribeirinhas que projectam a sua ligação ao Tejo e ao território e para além dele. Este sub-tema é explorável através de um multimédia intitulado Além Terra que apresenta uma abordagem sobre os aspectos referidos, por referência às comunidades

282

ribeirinhas dos concelhos do Seixal, Constância, Azambuja, Alcochete, Montijo, Vila Franca de Xira, Barreiro, Montijo, Moita e Almada. Conforme referido no ponto 3 da presente abordagem, a exposição foi concebida e montada com base na investigação e programação científica e produção de conteúdos, efectuada pela equipa do Núcleo Naval, sob a direcção e participação da responsável do Ecomuseu. Neste processo participaram os diversos serviços do Ecomuseu em consonância com as respectivas atribuições funcionais partilhadas pelo conjunto dos núcleos temáticos. Na equipa participaram ainda, mediante a aquisição de serviços exteriores, projectistas especializados. ••No âmbito de um ciclo de mostras fotográficas, no espaço da Oficina do Núcleo Naval, sobre o património marítimo do Estuário do Tejo, de curta duração, tendo por objectivo divulgar sob diferentes perspectivas, temas como as actividades das embarcações tradicionais, festividades locais e aspectos sobre a vida dos marítimos e das comunidades ribeirinhas. A primeira exposição, intitulada Conservar para Navegar, foi dedicada às obras de conservação e de manutenção de uma das embarcações (Baía do Seixal) do Ecomuseu, realizadas num estaleiro de Sarilhos Pequenos, no concelho da Moita. A actual exposição temporária de curta duração, designada O Álbum do Arrais: 25 anos de navegação no Ecomuseu, apresenta documentação fotográfica que ilustra o percurso do projecto municipal de recuperação, conservação e reutilização de embarcações tradicionais do estuário do Tejo, iniciado em 1981 com a aquisição das primeiras embarcações, integradas na estrutura museológica municipal em 1982, tendo a sua reutilização sido iniciada em 1983 prosseguindo objectivos educativos e de lazer, proporcionando o conhecimento e interpretação do património flúvio-marítimo do estuário do Tejo.

• Oficinas O Núcleo Naval tem aberta ao público a oficina de construção artesanal de modelos de barcos do Tejo onde dois artífices se ocupam quotidianamente da construção e reparação de 283

modelos, executados à escala, a partir da reprodução de planos, uns adquiridos no Museu da Marinha e outros, originais de embarcações do Tejo. Para além da transmissão das experiências dos artífices, os visitantes contactam com as diversas tipologias e funções de barcos tradicionais do estuário do Tejo, bem como, com técnicas básicas de construção naval tradicional em madeira.

• Ateliês A programação e desenvolvimento de ateliês cabe ao Serviço Educativo em colaboração com a equipa do Núcleo Naval, na qual participam as entidades escolares. Associados às actividades, e constituindo elementos complementares, são produzidos materiais didácticos utilizados nos ateliês. Actualmente são realizados os seguintes ateliês: ••Estaleiro de brincadeiras O presente ateliê visa a exploração da exposição Barcos, Memórias do Tejo, a partir da realização de um jogo tipo loto, abordando os espaços de trabalho, as profissões e os objectos relacionados com a construção naval e os barcos tradicionais do estuário do Tejo. Públicos destinatários: público escolar infantil e juvenil (ATLs) 373 ••Dança dos barcos Pretende-se explorar a exposição Barcos, Memórias do Tejo, a partir da realização de actividades de descoberta, de conservação e de expressão plástica em torno dos modelos de barcos expostos, finalizando com uma Dança dos Barcos ao som da canção “Que linda falua ”. Públicos destinatários: público escolar infantil e juvenil (ATLs) ••Nós e o Rio Este ateliê desenvolve-se no âmbito de um passeio no Tejo em embarcação tradicional à vela (bote-de-fragata Baía do Seixal), onde os jovens participantes, com o apoio directo da 373

ATLs – Actividades de Tempos Livres.

284

tripulação, aprendem a fazer diversos nós de marinheiro (nó direito, nó de trempe, nó de pescador, outros). Públicos destinatários: público escolar infantil e juvenil (ATLs) ••Descobertas matemáticas no Bote-De-Fragata Este ateliê realizado a bordo de uma embarcação, visa a exploração matemática de um barco tradicional do Tejo, no decorrer de um passeio, focando aspectos relacionados com a navegação e realizando actividades com base nos motivos, decorativos, moitões, cadernais e outros elementos existentes a bordo. Públicos destinatários: público escolar infantil e juvenil (ATLs)

• Visitas temáticas / Passeios A programação dos passeios realizados no rio Tejo a bordo das embarcações do Ecomuseu, de Abril a Outubro de cada ano, é desenvolvida pelo Núcleo Naval em articulação com o Serviço Educativo do Ecomuseu, com a participação do Gabinete de Turismo e, pontualmente outras Gabintes/Serviços da Câmara do Seixal (exteriores ao Ecomuseu) e em colaboração com entidades exteriores como os estabelecimentos de ensino e as juntas de freguesia. O programa actual de visitas temáticas e passeios no Tejo, é o seguinte: ••Visita e passeio temático intitulados Este Verão Descubra o Seixal Passeio na baía do Seixal, a bordo da embarcação à vela bote-de-fragata, seguido de visita à antiga fábrica corticeira Mundet Públicos destinatários: juvenil e adulto / famílias ••Passeios / participação nas festas populares do Concelho O ecomuseu promove vários passeios no Tejo, a bordo do bote-de-fragata Baía do Seixal, durante as Festas Populares do Concelho, em parceria com as respectivas Juntas de Freguesia. Públicos destinatários: juvenil e adulto / famílias. 285

••Passeio temático De Barco, do Seixal a Vila Franca de Xira Realização de passeio no Tejo a bordo do bote-de-fragata Baía do Seixal, com um percurso do Seixal a Vila Franca de Xira, onde decorrem as Festas do Colete Encarnado. Públicos destinatários: juvenil e adulto / famílias. ••Passeio temático De Barco, do Seixal a Belém Realização de passeio no Tejo a bordo do bote-de-fragata Baía do Seixal, com um percurso do Seixal a Belém (Lisboa) e visita ao Museu de Marinha. Públicos destinatários: juvenil e adulto / famílias. ••Passeio temático Tripular uma embarcação Nos passeios no Tejo em embarcação tradicional è vela, os participantes podem experimentar diversas manobras a bordo, com o apoio da tripulação. Públicos destinatários: juvenil e adulto / famílias. ••Passeio temático De Barco, do Seixal ao Ginjal Realização de passeio no Tejo a bordo do bote-de-fragata Baía do Seixal, com um percurso do Seixal até ao Ginjal (Almada). Públicos destinatários: juvenil e adulto / famílias. ••Passeios com o Museu de Marinha No âmbito de cooperação entre o Ecomuseu Municipal do Seixal e o Museu de Marinha, este proporciona aos seus visitantes e amigos, com embarque em Lisboa, um ciclo de passeios no Tejo, a bordo do bote-de-fragata Baía do Seixal.

c. Actividades em perspectiva Através da consulta aos documentos disponíveis e mediante a informação recolhida sobre os principais compromissos que previsivelmente se irão inscrever no plano de actividade do Ecomuseu em 2008, destacamos as seguintes acções e projectos em perspectiva a curto e médio prazo: 286

- Renovação de oferta de actividades quer para públicos em contexto escolar, quer para públicos adulto e juvenil, nomeadamente famílias, que constituirão o próximo Programa de Iniciativas de Serviço Educativo (2007/2008); - Plano de conservação e de recuperação das três embarcações que constituem o acervo do Ecomuseu e sua reutilização; - Encontro de Embarcações Tradicionais na baía do Seixal, em Maio de 2008 e continuação da realização do inventário de embarcações tradicionais do estuário do Tejo; - Participação em Regatas e eventos, associadamente a outras entidades (integrando um calendário nacional e possivelmente alargado à Galiza, mediante os contactos e colaborações estabelecidos ao longo dos anos com Centros Náuticos, Associações e Federações actuando no âmbito da cultura marítima e fluvial); --Publicação do catálogo da exposição Barcos, memórias do Tejo, actualmente no prelo; - Continuação da participação nos organismos internacionais a que o Ecomuseu está ligado, nomeadamente prevendo a realização de alguns eventos em Portugal e no Seixal, no calendário nomeadamente do ICMM - Congresso Internacional de Museus Marítimos (2009) e do EMH - European Maritime Heritage (2010).

287

CONCLUSÕES FINAIS Em jeito de conclusão e no termo desta digressão que nos levou de Sesimbra ao Seixal, passando pelo Portinho da Arrábida e por Almada, parece-nos oportuno evocar aqui os termos em que foram delineados os quatro objectivos centrais que nos propusemos fazer perfilhar pelo tema da presente dissertação: -- valorizar a descrição tecnológica enquanto vector de uma correcta contextualização das colecções e, após incorporação, dos acervos museológicos das diferentes categorias de museu; -- promover a indispensável articulação entre perspectivas monográfica e comparativa na análise de temáticas complexas (caso da temática marítima); -- contribuir para o necessário aprofundamento tipológico das unidades museológicas reticulares, pela tomada em consideração dos seus diferentes modelos de gestão; -- sublinhar a importância das unidades museológicas de temática marítima, nas suas relações com o território e com os sectores de população com que essas unidades convivem. Consubstanciado na contextualização da “colecção ligada ao mar”, através do estudo das artes de pesca de Sesimbra enquanto vector determinante da constituição da actual exposição permanente e da génese da futura unidade marítima de Sesimbra, o primeiro objectivo, tendo subjacente uma noção substancial de “meio técnico”, ocupou um lugar significativo no segundo capítulo deste ensaio. Tentámos elucidar, através da descrição da experiência levada então a cabo e das questões colocadas, no capítulo seguinte, a propósito da incorporação e do exercício das funções museológicas, as potencialidades e as limitações da metodologia adoptada, que se prendem em particular com o apuramento e a tradução prática de conceitos capazes de permitir a transposição, para a memória e para a acção do museu, de um comprovado conhecimento das sociedades e dos territórios em que as colecções/os acervos tomam raiz. Antes de alinharmos algumas reflexões conclusivas sublinhando o contributo que o nosso trabalho pretendeu introduzir na análise presente e prospectiva das relações entre as unidades museológicas reportadas ao património flúvio-marítimo e às suas diferentes envolventes, evocaremos sucintamente os dois outros objectivos que acompanharam, no plano metodológico, a elaboração do nosso texto. Iniciado numa perspectiva monográfica, este estabeleceu, nos seus segmentos finais, uma articulação com entidades museológicas geograficamente próximas e de temática afim, granjeando desse modo um alargamento promissor do âmbito da problemática formulada à partida e, no que toca à realidade global ou às realidades individuais, uma percepção mais compreensiva e portadora de consistentes solidariedades futuras. Esta perspectiva comparativa “de proximidade”, que se distingue da

288

comparação “em larga escala”361, induziu, no plano dos instrumentos de inquirição, uma categorização enraizada no tempo e no espaço, susceptível de facultar, aquando da aferição dos resultados, uma leitura transversal densamente informativa. Decorrente da base conceptual mencionada no primeiro capítulo -- e utilizada tanto na sistematização e na apresentação, nos segundo e no terceiro capítulos, dos dados relativos a Sesimbra como nas entrevistas e nas pesquisas documentais realizadas junto das três unidades marítimas seleccionadas, nesta fase, por motivos indicados de início – essa categorização pôde, no quadro da referida via “micro-comparativa”, revelar diferenças e afinidades significativas ressaltando azadamente da leitura dos exemplos aqui reunidos. Entre as inferências da tomada em consideração dos parâmetros considerados, gostaríamos de sublinhar as que se reportam ao modelo de gestão, que informa, como foi atrás afirmado, sobre o modo de circulação de recursos e de informação, a qual abrange as decisões e o controlo das mesmas. O aspecto que nos parece merecer, entre todos, uma análise mais atenta prende-se com a integração dos quatro exemplos em estruturas reticulares (usualmente denominadas “polinucleadas”), embora só um deles tenha sido até agora objecto, pela sua inserção no Ecomuseu Municipal do Seixal, integrado na Rede Portuguesa de Museus, de um reconhecimento por uma instância de credenciação nacional. As imprecisões conceptuais, as oscilações terminológicas (entre as quais se destaca a hesitação na designação das próprias unidades), as dificuldades de posicionamento, no seio das diferentes estruturas orgânicas, com incidência no plano da circulação da informação e da afectação de recursos, são factores partilhados pela maioria que, detectados no decurso da nossa pesquisa, nos conduzem ao propósito de prosseguir a nossa colaboração numa reflexão colectiva visando o aprofundamento tipológico das referidas estruturas reticulares (terceiro objectivo da presente dissertação). A perspectiva comparativa permitiu ainda, no âmbito do quarto objectivo enunciado, realçar a necessidade e importância do estudo e da interpretação da colecção ligada ao mar enquanto testemunho do património marítimo nas vertentes material e imaterial/gestual (associados aos “Sem uma componente monográfica aprofundada, reconhecendo as autonomias bem como as interacções e podendo precisar as condições, segundo as quais podem instituir-se os equilíbrios dinâmicos dos sistemas descritos, a abordagem comparativa arrisca-se a não ser senão “estatisticamente correlativa”. Sem uma componente comparativa “desconstruindo” as sobrecodificações ocasionais e focalizando as variações genéricas, a abordagem monográfica arrisca-se a não ser senão “descritiva” (não pondo em evidência os feixes estruturais subjacentes e motores da monografia apresentada). Uma abordagem micro-comparativa, incidindo sobre grupos ou indivíduos interactuantes, intercomunicantes e comparando-se mutuamente, não só torna compatível as duas perspectivas servindo de ponte entre a monografia e a comparação “em grande escala” (macro-comparação) mas oferece também uma base mais larga e mais precisa aos próprios estudos monográficos.” [CAMPAGNOLO, Henri e Maria Olímpia, extracto comunicado, no meio académico através de sinopses]. 361

289

processos técnicos), intrinsecamente relacionado com a população e o território/espaço de proveniência dos objectos. A análise das quatro unidades museológicas de temática marítima facultou o enriquecimento da perspectiva de aproveitamento museológico da mesma colecção, tornando evidente que se trata de uma colecção singular no distrito de Setúbal, particularidade associada à especificidade das características naturais do seu território que condicionaram o desenvolvimento histórico das suas populações. No entanto e embora nos tenhamos centrado na temática marítima do Museu Municipal de Sesimbra, cremos ter delineado os antecedentes e história do Museu de forma exaustiva, devendo também evidenciar-se outras temáticas como é o caso da arqueologia. Assim, o facto de termos tratado a programação da unidade marítima não significa que não consideremos pertinente o desenvolvimento de outras componentes do projecto museológico e patrimonial e a sua necessária articulação com a unidade de temática marítima, tornando indissociáveis as vertentes museu / patrimónios cuja ligação se reflecte no modelo de gestão em contexto de uma tutela municipal estreitando a relação do museu com as comunidades. Nesta perspectiva incluímos uma proposta de itinerários de interpretação do património marítimo passíveis de conjugação com outras rotas e campos temáticos do Museu Municipal, estabelecendo a relação de unidades museológicas com as envolventes natural, edificada e humana e adoptando uma estratégia de envolvimento da comunidade local na sua diversidade, aliada à transmissão do património gestual. Na nossa abordagem procurámos ainda sublinhar a necessidade e importância do estabelecimento de colaborações e parcerias entre a unidade marítima e os diversos interlocutores locais, através das quais se consolida a inserção social do museu e constitui uma forma de estreitar a sua relação com as comunidades/populações. A análise comparativa levou-nos a equacionar um conjunto de potencialidades de que uma unidade marítima em Sesimbra poderia vir a beneficiar. Nessa perspectiva, parece-nos pertinente citar a proposta de Graça Filipe 362 que enumera o seguinte conjunto de características a contemplar num museu marítimo: a aplicação e desenvolvimento das funções

Contributos para um conceito de ‘museu marítimo’ apresentados por Graça Filipe em comunicação intitulada Maritime Museums in Portugal - improving museum facilities and attracting new publics while protecting and promoting maritime culture and heritage, em Outubro 2006, no Seminário Maritime Museums under Discussion, no Museu Marítimo de Barcelona.

362

290

de incorporação, estudo, conservação, interpretação e comunicação, relativamente ao acervo proveniente de/ou reportado a contexto cultural marítimo; a inscrição na sua actividade de um projecto de investigação centrado no território e/ou sítio em que se inscreva a temática marítima (em função do seu campo temático ou da referência territorial e/ou de sítio); a inclusão na sua actividade regular do estudo de acervo e ou colecção incorporado/a e gerida reportada à cultura marítima; a interpretação e exibição ao público de património marítimo gerido pelo museu de forma regular ou permanente; a programação de uma ou várias das anteriores vertentes e acções à promoção de uma consciência ambiental e de uma cidadania activa da sociedade ou de uma comunidade de referência em relação à preservação dos recursos naturais marinhos e da construção duma memória colectiva ligada à cultura marítima e a preservação ou participação na preservação de património flutuante (cujo conceito engloba a embarcação tradicional na qual se encontra a evidência de determinada civilização ou acontecimento relevante) ligado à perpetuação de técnicas tradicionais de construção e de navegação 363. A unidade de temática marítima poderia tirar vantagens da sua eventual cooperação em projectos conjuntos com unidades marítimas de proximidade geográfica, beneficiando da partilha proporcionada pelo diálogo entre as diversas experiências, de um aprofundamento das questões documentais e tecnológicas associadas ao património marítimo ou da complementaridade de temáticas proporcionada por outras unidades museológicas geograficamente próximas (como seria o caso do Museu Oceanográfico da Arrábida aliando as técnicas aos valores ecológicos). De referir que o Ecomuseu Municipal do Seixal tem participado activamente em acções desenvolvidas na perspectiva da implementação de redes ou formas de cooperação entre organismos com o objectivo de tomar medidas que visem a protecção e valorização do património marítimo, de que constitui exemplo a proposta de constituição de uma rede de museus marítimos em Portugal, em articulação com a Rede Portuguesa de Museus, apresentada no âmbito do conjunto de eventos Maio Património (2007) dedicado à cultura e ao património flúvio-marítimos. Entre as vantagens da cooperação ou parcerias de âmbito distrital, nacional ou internacional, entre unidades marítimas, de que Sesimbra poderia beneficiar, destacam-se a projecção da unidade museológica marítima de Sesimbra junto de um conjunto alargado de públicos, a 363 Definição de património flutuante e respectivos princípios consignados na Carta de Barcelona, de Março de 2003 (CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação nº 44 de 2007, pp. 17-18).

291

realização de projectos de investigação comuns, a obtenção de financiamentos locais, nacionais ou europeus, a participação e articulação em políticas ambientais e de ordenamento do território e projectos de promoção turística.

292

FONTES E BIBLIOGRAFIA364 1. Fontes 1.1. Legislação Decreto-lei 97/2007, Diário da República, 1ª série, nº 63 de 29 de Março de 2007. Decreto-Lei n.º 136/2007, Diário da República n.º 82, Série I de 27 de Abril de 2007. Aviso nº 1129-A/2005, Apêndice nº 26, 2ª Série, Nº 39 de 24 de Fevereiro de 2005. Lei nº 47/2004 de 19 de Agosto (Lei Quadro dos Museus Portugueses). Aviso 2519/2002, Diário da República nº 69 de 22 de Março de 2002. Lei nº 107/2001, Diário da República, I Série-A, nº 209 de 8 de Setembro de 2001. Diário do Governo nº 223 de 23 Setembro de 1960. Diário do Governo nº 236 de 9 Outubro de 1945. Diário de Governo nº 136 de 23/06/1910.

1.2. Fontes manuscritas e dactilografadas ou processadas em computador CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, documento interno do Museu Municipal, com caracterização de áreas/núcleos a proteger. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, arquivo do Museu Municipal (SSR R/C) e Património Cultural (SSR R/F) correspondência com a DGEMN - (1930 a 1970), Arquivo Municipal. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Grandes Opções do Plano do ano 2005. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Estrutura e Organização dos Serviços da Câmara Municipal de Sesimbra, Outubro, 2001. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Formulário de Adesão à Rede Portuguesa de Museus, Sesimbra, 2002. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Livros de Minutas de Actas e Actas de reuniões ordinárias da Câmara, de 1955 a 1960 (SSR B/A), actas de: 29 de Julho de 1955; 4 Maio 1960; 1 de Junho de 1960 e 15 Junho 1960, Arquivo Municipal. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Proposta de Desenvolvimento, 1999, 21 páginas. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Fortaleza de Santiago - Proposta de programa museológico e metodologia de implementação no âmbito do desenvolvimento do Museu Municipal de Sesimbra, Câmara Municipal de Sesimbra, s/ data. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Comunicado à População, 18 de Maio 1982. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Programa de Qualificação e de Desenvolvimento do Ecomuseu Municipal do Seixal, Outubro 2000 / Março 2001. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Proposta de Criação do Museu Municipal do Seixal, 3 de Maio de 1982. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Relatório Anual de Actividades 2000, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, Departamento de Cultura, Educação, Desporto e Juventude, Março 2001. As fontes e bibliografia apresentadas em lista correspondem às referenciadas em notas de rodapé ao longo da dissertação. Incluem-se também as que, apesar de não terem sido especificamente referenciadas, serviram de base à elaboração do nosso trabalho. 364

293

CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Relatório Anual de Actividades 2001, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, Departamento de Cultura, Educação, Desporto e Juventude, Março 2002. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Relatório Anual de Actividades 2002, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, Departamento de Cultura, Educação, Desporto e Juventude, Fevereiro 2003. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Relatório Anual de Actividades 2003, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, Fevereiro 2004. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Relatório Anual de Actividades 2004, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, Departamento de Cultura, Educação, Desporto e Juventude, Fevereiro de 2005. DIRECÇÃO GERAL DE EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, documentação administrativa de arquivo relativa a Sesimbra (Fortaleza de Santiago): SR 439 de 02/06/1965; ofício 3535 de 25/06/1965; ofício 4053 de 01/07/1965; SR nº 661 de 03/07/1965 e ofício 3363 de 01/08/1968. FILIPE, Graça, O Património Náutico do Tejo na Programação do Ecomuseu Municipal do Seixal. Breve balanço da situação actual e propostas fundamentadas de orientação na programação futura, Divisão de Património Histórico e Natural, Ecomuseu Municipal do Seixal, 1996. HEIDBRINK, Ingo (Edição), Carta de Barcelona, European Maritime Heritage (2003), tradução de Ecomuseu Municipal do Seixal. LIGA DOS AMIGOS DO CASTELO DE SESIMBRA, Documento complementar organizado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do código do notariado, (Estatutos para reorganização da Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra), Lº 24, 12/06/1997, 39 fls. LIGA DOS AMIGOS DO CASTELO DE SESIMBRA, Estatutos, 1951. LIGA DOS DEFENSORES DO CASTELO DE SESIMBRA, Projecto de Estatutos da Liga dos Defensores do Castelo de Sesimbra – Fundada em 2 de Outubro de 1932, Escola Tipográfica das oficinas de São José, Lisboa, 1932. MARTINS. João, “Da gestão de embarcações de recreio à salvaguarda do património marítimo navegante do estuário do Tejo”, resumo de comunicação apresentada na Sessão Pública sobre a Protecção e Valorização do Património Marítimo do estuário do Tejo – Museus e Comunidades, realizada no âmbito do Encontro de Embarcações Tradicionais do Estuário do Tejo na Baía do Seixal, promovida pela Câmara Municipal do Seixal, 19 de Maio, 2007. NABAIS, António, Programa para o Museu Municipal do Seixal (Museu Polinucleado), Câmara Municipal do Seixal, Abril de 1982. PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA, informação constante na exposição do Museu Oceanográfico. 1.3. Fontes Orais Adrião Covas Rodrigues, pescador, entrevista realizada por Adelina Domingues em 15/05/2004 para a Câmara Municipal de Sesimbra. Anabela Santos, Museu Municipal de Sesimbra, conversas informais realizadas por Adelina Domingues em 2005, no âmbito da dissertação de mestrado. Ângelo Sobral Farinha, pescador, entrevistas realizadas por Adelina Domingues em 18 e 20/05/2004, 24 e 29/06/2004 e 01/07/2004 para a Câmara Municipal de Sesimbra. Aníbal, antigo pescador, entrevistas realizadas por Adelina Domingues em 22/06/2000 e 30/06/2000, no âmbito da licenciatura. António Augusto Arsénio, pescador, entrevista realizada por Adelina Domingues em 23/10/2004 para a Câmara Municipal de Sesimbra.

294

António Augusto Gaboleiro, antigo pescador, entrevista realizada por Adelina Domingues em 25/11/2004 para a Câmara Municipal de Sesimbra. António Joaquim, pescador, entrevista realizada por Adelina Domingues em 01/07/2000 para a Câmara Municipal de Sesimbra. José Brandão, Museu do Instituto Geológico e Mineiro, entrevista realizada por Adelina Domingues em 04/04/2000, no âmbito da licenciatura. José Luís e António Augusto Arsénio, pescadores, entrevista (conjunta) realizada por Adelina Domingues em 27/06/2004 para a Câmara Municipal de Sesimbra. José Manuel de Sousa, Museu Municipal de Almada, entrevista realizada por Adelina Domingues em 19/06/2007 no âmbito da dissertação de mestrado. Mafalda, Museu Oceanográfico, conversas informais realizadas por Adelina Domingues em Maio/Junho/2007, no âmbito da dissertação de mestrado. Manuel Coelho, pescador, entrevista realizada por Adelina Domingues em 08/12/2004 para a Câmara Municipal de Sesimbra. Maria José Santos, Museu Municipal de Almada, entrevista realizada por Adelina Domingues em 15/06/2007, no âmbito da dissertação de mestrado. Miguel Henriques, Parque Natural da Arrábida, entrevista realizada por Adelina Domingues em 12/06/2007, no âmbito da dissertação de mestrado. Fontes materiais Espólio associado a actividades ligadas ao mar, incorporado no Museu Municipal de Sesimbra. 2. Bibliografia 2.1. Trabalhos académicos AFONSO, Maria de Fátima de Carvalho, Museus e métodos de investigação e de documentação de património industrial em Portugal (1974-2004), apresentação de dissertação para obtenção do grau de mestre em Museologia, orientada por Graça Filipe, Universidade de Évora, 2004. CAMACHO, Clara de Frayão, Renovação museológica e génese dos museus municipais da área metropolitana de Lisboa 1974-90, (Dissertação de Mestrado, em Museologia e Património, Lisboa, FCSH, 1999, (ed. Fotocopiada)). DOMINGUES, Adelina Gomes, Proposta de Programação do Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra Relatório a submeter à Câmara Municipal de Sesimbra, Abril 2006. DOMINGUES, Adelina Gomes, Relatórios de síntese a submeter à Câmara Municipal de Sesimbra e à Rede Portuguesa de Museus [10.03.05]. DOMINGUES, Adelina Gomes, Um Museu para Sesimbra, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2000 (trabalho apresentado à cadeira de Seminário no âmbito da Licenciatura em Antropologia). Fernando Bragança Gil, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 2005, pp. 222-240. FILIPE, Maria da Graça da Silveira, O Ecomuseu Municipal do Seixal no movimento renovador da museologia contemporânea em Portugal (1979-1999), Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Museologia e Património orientada pela Professora Doutora Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Professor Doutor Henrique Coutinho Gouveia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2000.

295

GONÇALVES, Ana Maria Xavier Cavaco, Os Museus do Distrito de Setúbal – Contributo para o estudo da Museplogia Regional Portuguesa numa perspectiva Museológica/Antropológica, Dissertação com vista á obtenção do Grau de Licenciatura, orientada pelo Professor Henrique Coutinho Gouveia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1986/87. GUEDES, Maria Natália Brito da Silva Correia Guedes, Museologia e Comunicação, Dissertação de Doutoramento em Antropologia (especialização em Museologia), apresentada à Faculdade de Ciências sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Volume I, Lisboa, 1994. LUZIA, Maria Ângela Correia, A memória, a cidade e o rio, proposta de musealização dos Núcleos de Almada e do Cais do Ginjal com base num estudo de Memória Social, tese apresentada no âmbito do mestrado de Museologia e Património, orientada pelo Professor Doutor Jorge Crespo, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1994/96. NEVES, Ana Maria Saraiva das, De um estudo de caso a uma proposta de programação: o panorama museológico e patrimonial do concelho de Ourém, Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Museologia e Património, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2006. SANCHO QUEROL, Maria Lorena, A função social do património marítimo português, dissertação de mestrado em Museologia apresentada à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, orientada pelo Professor Doutor Mário Moutinho e coorientada pelo Professor Mestre Fernando Moureira Vaquinhas, 2005. SANTOS, Pedro Miguel Estácio dos, e DUARTE, Ana Luísa Castanheira, O estabelecimento Naval de Azinheira, trabalho académico, Faculdade de Letras, História, Universidade de Lisboa, 1994/95. 2.2. Fontes impressas e obras de consulta ALSFORD, Denis e ALSFORD, Stephen, “Providing access to the collections”, Housing the reserve collections of the Canadian Museum of Civilization, Canadian Museum of Civilization, 1989, pp.31-38. AMBROSE, Timothy and PAINE, Crispin, Museum Basics, ICOM / Routledge, London and New York, 1993. AMBROSE, Timothy, Managing New Museums - A Guide to Good Practice, Scottish Museums Council, Edinburgh, 1993. AQUÁRIO VASCO DA GAMA, “D. Carlos de Bragança pioneiro da Oceanografia em Portugal”, Sesimbra Cultural, Nº 0, Janeiro 1990, Câmara Municipal de Sesimbra, pp.37. ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO DISTRITO DE SETÚBAL, Arqueologia Naval, Exposição Itinerante Distrital, s/data. ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO DISTRITO DE SETÚBAL, Movimento Cultural (periódico), números: Ano II, Nº 2 Janeiro 1986; Ano II, nº 3 Dezembro 1986; Ano III, Nº 4 Fevereiro 1988; Ano III, Nº 5 Dezembro 1988; Ano IV, Nº 6 Setembro 1989; Ano VII, Nº 7 Junho 1991. BALFET, Hélène (textes réunis par), Observer L´Action Technique – des chaînes opératoires, pour quoi faire, Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, 1991. BERNARDO, Hernâni Barros, Monografia de Sesimbra: Estudo Geo-Económico do Concelho, Edição Municipal, 1941. BOAVIDA, Maria Manuel Antunes Barbosa Martins, Avaliação do stock da cavala (Acomber japonicus Houttuyn, 1789) na costa continental portuguesa, Relatório de estágio efectuado no Serviço de Avaliação de Recursos Secretaria de Estado das Pescas, Faculdade de Ciências de Lisboa, 1977. CALLIXTO, Carlos Pereira, “O Forte de Nossa Senhora da Arrábida”, Natureza e Paisagem, Nº 7, Setembro 1979, Edição do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente, Lisboa, pp.11-26. CÂMARA MUNCIPAL DO SEIXAL, Peixes e Pescarias no Concelho do Seixal – Estuário do Tejo, Ecomuseu, 1997.

296

CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, 2ªas Jornadas de Estudos sobre o Concelho de Almada, Museu Municipal, 1996. CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, Construção Naval em Madeira – Técnicas e Evolução, Estaleiros, Ofícios e Ferramentas na Outra Banda, (catálogo de exposição), Núcleo Naval, 1996. CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, Almada e o Tejo (catálogo), 2005. CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, (Brochuras): 5ª Semana do Património, Costa de Caparica, Dia Internacional do Museus; Os Círios à Nª Srª do Cabo, Dia Internacional do Museus, 2002; Dia Internacional do Museus 2007, Almada Informa. CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, Núcleos Históricos do Concelho de Almada–Estudos para um plano de salvaguarda, (brochura), s/data. CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, Recursos Educativos Ano lectivo 2006/07, Serviço Educativo, Divisão de Museus. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Sesimbra e o Mar, Festival do Mar (catálogo da exposição), 1986. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, 1ºs Jogos Florais do Concelho de Sesimbra – Sesimbra e a sua gente, 1986. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Capela e Hospital do Espírito Santo dos Mareantes de Sesimbra – Roteiro de visita e catálogo da exposição de arte sacra, Museu Municipal de Sesimbra, 2004. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Catálogo Museu do Mar. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Cégadas de Sesimbra, 1990. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Guia do Museu Arqueológico de Sesimbra, 1960. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Rezas, Benzeduras e algumas Lendas, Divisão Sócio - Cultural e Coordenação Concelhia da Extensão Educativa de Sesimbra, 1989. CÂMARA MUNICIPAL DE SESIMBRA, Sesimbra Cultura, nº 1, 2000. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, 3 números (Janeiro, Fevereiro, Março; Abril, Maio, Junho e Outubro, Novembro, Dezembro) de 2000. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 19 e 21 de 2001. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 22 e 23 de 2002. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 26 e 27 de 2003. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 30 e 33 de 2004. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 35 e 36 de 2005. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 39 e 40 de 2006. . CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Ecomuseu Informação, nºs 42 e 44 de 2007. CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL, Água, Fogo, Ar, Cortiça, (catálogo), Núcleo da Mundet, Edifício das Caldeiras Babcock, Ecomuseu Municipal do Seixal 2002, Seixal. CAMARGO – MORO, Fernanda, Museus – Aquisição / Documentação, Livraria Eça Editora, Rio de Janeiro, 1986. CAMERON, Duncan F., ”Museums and public access”, Planning our Museums, ed. by Barry Lord e Gail Dexter Lord, National Museums of Canada, 1983, pp. 84-102.

297

CARDOSO, João Luís, “A cronologia absoluta do depósito arqueológico da Lapa da Furada – Azoia, Sesimbra: seu significado e incidências rituais e culturais”, Sesimbra Cultural, nº 6, Dezembro, 1997, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 10-15. CARDOSO, João Luís, “A Lapa do Bugio”, Sesimbra Cultural, nº 0, Janeiro 1990, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 15-34. CARDOSO, João Luís, “O litoral sesimbrense da Arrábida. Resenha dos conhecimentos da sua evolução quaternária e das ocupações humanas correlativas”, Sesimbra Cultural, nº 4, Dezembro, 1994, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 5-12. CARVALHO, A.M. Galopim de, e SANTOS, Vanda, “Pegadas de dinossauros no concelho de Sesimbra”, Sesimbra Cultural, nº 3, Novembro, 1993, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 10-14. CARVALHO, Luísa Maria Cagica, “Para a caracterização do Concelho de Sesimbra”, Sesimbra Cultural, nº 0, Janeiro 1990, Câmara Municipal de Sesimbra, pp.6-9. CASANOVAS, Luís Elias, Introdução às práticas de conservação preventiva, 2001, pp.5, texto de apoio (Módulo I) incluído no manual de formação da Rede Portuguesa de Museus, Introdução às Práticas de Conservação Preventiva. CHAUMIER, Jacques, La gestion électronique de documents, press universitaire de France, 1996, Paris, pp. 8. CHRISTIAN (JR.), William A., Religiosidad Popular - estudio antropológico en un valle español, Editorial Tecnos, Madrid, 1978. COLLIN, G., “A propos de la programmation de l´écomusée du mont Lozère “,Sous-chapitre: “Architecture et Programmation”, Paris, Dunod/Bordas, pp. 336-341. CONDE, Manuel Sílvio Alves, O Hospital Medieval do Espírito Santo de Sesimbra – e a assistência caritativa portuguesa, Câmara Municipal de Sesimbra, Sesimbra, 2004. COXALL, Helen, “How languages means: an alternative view of museums text, Museum Languages, Edited by KAVANAGH, Gaynor, Leicester University Press, 1996, pp.85-99. CRUCES, Anabela, LOPES, Isabel, FREITAS, Maria Conceição, ANDRADE, César, A Geologia no Litoral - Parte I: Do Tejo à Lagoa de Albufeira, Agência Ciência Viva, Departamento de Geologia, Centro de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2002. CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1966. CUSTÓDIO, Jorge, “Almada a Mineira”, Al-Madan, nº 2, II série, Julho 1993, pp.89-103. DAVALLON, Jean, ”Rethinking the situation os communication through the science exhibition”, Colecções de Ciências Físicas e Tecnológicas em museus universitários: Homenagem a DAVALLON, Jean, Georges Henri Rivière versus “Exposition spectacle”, est-ce une bonne question?”, Musées et Collections Publiques de France, nº 229-230, 2002, pp.70-77. DIÁRIO DE NOTÍCIAS, (Jornal), artigos: “Em Sesimbra o Ministro do Interior inaugurou vários melhoramentos e foi calorosamente recebido pelo Povo do Concelho”, 29 Maio 1960, pp. 7. DIRECÇÃO GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, O Castelo de Sesimbra, Boletim nºs 34-35, Dezembro de 1943 - Março de 1944. DIRECCIÓN GENERAL DE BELLAS ARTES Y BIENES CULTURALES, Plan Museológico, Ministerio de Cultura, Museos Estatales, 2006. EIDELMAN, J. et PRAËT, M. VAN, (sous la direction), La muséologie des sciences et ses publics Paris, PUF, 2000.

298

FARIA, Margarida Lima de, “Diversidade de públicos de museus e de contextos sociais: mudanças de “paradigma” nas culturas contemporâneas”, site Rede Portuguesa de Museus. FARIA, Margarida Lima de, “Avaliação dos Museus na perspectiva dos Públicos”, Arquivos da Memória-Museologia e Património, 10/11, UNL, 2001, pp. 53-70. FERNANDES, Paula Cristina, Apresentação do Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, trabalho realizado para a cadeira de Museologia e Património Cultural da Licenciatura de Antropologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1998. FERNÁNDEZ, Jorge Juan, “Museos locales en Castilla y León. Situación Y problemática“, Museo, Actas de las V Jornadas de Museologia, Asociación Profesional de Museólogos de Espana, 2001, pp.25-39. FERREIRA, Paula Isabel, “Características sociais e tendências de mudança: o caso de Sesimbra”, Pescas e Pescadores: futuros para o emprego e os recursos, (Org. António Brandão Moniz, Manuel Mira Godinho e Ilona Kovács), Celta, 2000, Oeiras, pp. 223-257. FILGUEIRAS, O. Lixa, Barcos de Pesca em Portugal, Lisboa, JIU, Centro de Estudos de Cartografia antiga / Secção de Coimbra, CXXXVIII, 1981. FILIPE, Graça, “Estuário do Tejo – Património e Identidade Regional”, em II Colóquio Temático Lisboa Ribeirinha, Câmara Municipal de Lisboa, 1997. FILIPE, Graça, “O Património Flúvio-Marítimo do Estuário do Tejo na Programação e nas Actividades do Ecomuseu Municipal do Seixal”, Seminário Os museus e o Património Náutico e Subaquático, Coord. José Gameiro, Câmara Municipal de Portimão, 2004. FILIPE, Maria da Graça da Silveira, “Ecomuseu Municipal do Seixal: das realizações aos problemas actuais, numa perspectiva de desenvolvimento local”, Actas do VII Encontro Museologia e Autarquias, Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 1998, pp. 73-85. FILIPE, Graça, “Educação em Museus – alguns tópicos sobre a programação dos serviços e formação dos profissionais”, Encontro Ver, Rever. Museus Educação: Comunicações, Instituto Português de Museus, 2004, pp. 16-17. FILIPE, Graça, “Antecedentes da criação de um museu no concelho do Seixal – Das ideias e acções anteriores a 1974, à emergência de um projecto cultural e do museu municipal”, Musa – museus, arqueologia & outros patrimónios, nº 1, 2004, Setúbal. pp. 51-60. FILIPE, Graça e FERREIRA, Fernanda, O Sistema de documentação do EMS, Ecomuseu Municipal do Seixal, apresentação no Mestrado de Museologia da Faculdade de Belas Artes, Universidade de Lisboa, em 26 de Maio de 2007. FILIPE, Graça, “Ecomuseu Municipal do Seixal: das realizações aos problemas actuais, na perspectiva do desenvolvimento local”, Actas do VII Encontro Nacional Museologia e Autarquias, Câmara Municipal do Seixal-Ecomuseu Municipal do Seixal, 1998, pp.74-80 [2. Organização territorial e funcional]. FILIPE, Graça, RAPOSO, Jorge, MACHADO, Ana, Sistema de informação e preservação do património cultural e museológico do EMS. O Projecto de Inventário Museológico e Digitalização de Colecções Fotográficas e Divulgação de Acervo (Móvel e Imóvel) no âmbito do POC, (resumo da comunicação apresentada no Seminário de apresentação do projecto), 1ª página. FLORES, Alexandre M., Almada Antiga e Moderna II – Freguesia de Cacilhas, Câmara Municipal de Almada, 1987. FLORES, Alexandre M., Almada Antiga e Moderna III – Freguesia da Cova da Piedade, Câmara Municipal de Almada, 1990. GIRARDET, Sylvie e MERLEAU-PONTY, Claire, Une expo de A à Z – Concevoir et réaliser une exposition, Musée en Herbe, OCIM (Office de coopération et d´information muséographiques), Paris, 1994.

299

GOUVEIA, HENRIQUE Coutinho, “Programação museológica – terminologia e conceitos“ e “reserva (texto provisório)”, Encontros de Setúbal, Seminário Internacional sobre Programação Museológica, 14-16 de Maio, 2001, Setúbal. GUILLEMARD, Denis et LAROQUE, Claude, Manuel de conservation préventive – Gestion et controle des collections, Univerdité Paris I, OCIM. GUITARD, Carles Vicent, “La red de museos locales. Una estratagia de apoyo a los museos locales desde la Diputación de Barcelona“, Museo, Actas de las V Jornadas de Museologia, Asociación Profesional de Museólogos de Espana, 2001, pp. 41-51. HENRIQUES, José Manuel, Municípios e Desenvolvimento, Escher, Lisboa, 1990. HERNÁNDEZ, Francisca Hernández, El museo como espacio de comunicación, Ediciones TREA, S. L., Espanha, 1998. HERNÁNDEZ, Francisca Hernández, Manual de Museología, Editorial Síntesis – Col. Biblioteconomia Y Documentación, Madrid, 1998. HOOPER-Greenhill, “A neew communication model for museums”, Museum Languages, Edited by KAVANAGH, Gaynor, Leicester University Press, 1996, pp. 47-61. HOOPER-Greenhill, Museum and Gallery Education, Leicester University Press, 1994. ICOM, La Gestion, Cahiers d´études Nº 12. INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS e INSTITUTO PORTUGUÊS DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO, Normas e Procedimentos de Conservação Preventiva – Bases Orientadoras, 2006. INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS, Alfaia agrícola - Normas de Inventário, Maio de 2000. INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS, Museus e Acessibilidade, 2004. INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS, Normas Gerais - Normas de Inventário, Janeiro de 2000. JORNAL DE SESIMBRA, artigos: “Sesimbra e o Mar”, nº 38, 25/05/1981, pp. 1 e 6; “Festival do Mar”, nº 111, 25/06/1988, pp. 1 e 8; Dezembro 1998; Outubro 1999. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia e CAMPAGNOLO, Henri, “Dois modos de pescar na enseada da Nazaré (a “xávega” e o “candil”): devir técnico, devir turístico”, I Jornadas sobre Cultura Marítima, Nazaré, Câmara Municipal da Nazaré, 1995, pp. 175-198. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia e CAMPAGNOLO, Henri, colectânea de textos reunidos pelos autores e facultados aos alunos do 5º Curso de Mestrado em Museologia e Património da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL: “Programação ou re-programação museológica (museu) - Linhas Gerais e Anotações sobre Programação Museológica”, extraído pelos seus autores, do ensaio O Museu de História Natural e Humana da Região de Alcobaça, elaborado por Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo em 1980; Programação Museológica (exposição); Programação ou Re-Programação Museológica (Programação de Museus e de exposições), extraídos do artigo “Do terreno ao Museu: o conceito de “Iconicidade relacional”, Instrumento de programação e avaliação da exposição Arquivo da Memória, CEP/UNL. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia, e CAMPAGNOLO, Henri ”Analisar e comparar entidades museológicas e paramuseológicas, Actas do VII Encontro Museologia e Autarquias, Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 1998, pp.97-112. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia, e CAMPAGNOLO, Henri, “Um exemplo de linguagem mista” Actas do IV Encontro Nacional Museologia e Autarquias, Câmara Municipal de Tondela, pp. 47-52. LAMEIRAS-CAMPAGNOLO, Maria Olímpia e CAMPAGNOLO, Henry, Uma forma renovada de entidade museal: uma rede de núcleos na área dos Coutos Cistercienses de Alcobaça, (Nota 3), pp, 1-14.

300

LEHMBRUCK, Manfred, “La Programmation”, Museum nº 2, 1979, pp.94-96. LEROUX-DHUYS, J.F., “Architecture”, La Muséologie selon Georges Henri Rivière, Sous-chapitre: “Architecture et Programmation”, Paris, Dunod/Bordas, pp. 333-336. LIMA, Manuel A. S., Memórias e Vivências D´Outrora, Plátano Editora, 2006. LORD, Gail Dexter and LORD, Barry, The Manual of Museum Planning, HMSO, London, 1991. LUZIA, Ângela e SILVA, Maria Rosa, “Almada – apontamentos para a história de uma cidade”, MUSA – museus, arqueologia & outros patrimónios, nº 1, 2004, Setúbal. pp. 28-39. MANUPPELLA, G. (Coord.), Notícia explicativa da folha 38-B Setúbal - Carta Geológica de Portugal, Departamento de Geologia, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa, 1999. MARQUES, António Reis, “O cão de água em Sesimbra”, Sesimbra Cultural, Nº 5, Maio/96, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 18-20. MARQUES, António Reis, As Artes de Pesca de Sesimbra, Câmara Municipal de Sesimbra, 2000. MAIRESSE, François e DESVALLÉES, André, Vers une redéfinition du musée?, L´Harmattan, Paris, 2007, pp. 1415. MENSCH, Peter Van, Towards a Methodology of Museology, Doctor´s Thesis, University of Zagreb, 1992.

MERLEAU-PONTY, Claire e EZRATI, Jean-Jacques, L´Exposition, Théorie et Pratique, L´Hartmattan, 2005. MOHEN, Jean-Pierre, Les Sciences du Patrimoine – Identifier, Conserver, Restaurer, Ed. Odille Jacob, Paris, 1999. MONTEIRO, Rafael Alves, Memória Breve sobre o pescar de arrasto, Sesimbra, 1950. MOREIRA, N., Museologia e Conservação Preventiva, 2000, pp. 42-44, texto de apoio (Módulo III – Conservação preventiva – Métodos e Técnicas) incluído no manual de formação da Rede Portuguesa de Museus, Introdução às Práticas de Conservação Preventiva. MUSÉE DE LA PÊCHE DE CONCARNEAU, Centre Historique et Technique, brochura do Museu de Concarneau. MUSÉES ET COLLECTIONS PUBLIQUES DE FRANCE, nº 212: Musées et Documentation, 1996. MUSEU DA NAZARÉ, Museu Etnográfico e Arqueológico Dr. Joaquim Manso, Encontros com o Mar - Marcas do Mar, (Catálogo) Instituto Português de Museus, Ministério da Cultura, 2000. MUSEU MUNICIPAL DE SESIMBRA, Capela e Hospital do Espírito Santo dos Mareantes de Sesimbra – Roteiro de visita e catálogo da exposição de arte sacra, Câmara Municipal de Sesimbra, Sesimbra, 2004. NABAIS, António, História do Concelho do Seixal – 1 Cronologia, Câmara Municipal do Seixal, 1982. NABAIS, António, História do Concelho do Seixal – 2 Barcos, Câmara Municipal do Seixal, 1982. OLHAPIM, Roteiro de Museus (Colecções Etnográficas), Lisboa e Vale do Tejo, Volume I, Lisboa, 1997. O SESIMBRENSE, artigos: “Ecos e comentários”, 2 e 16 Dezembro 1934; “O Museu Arqueológico Municipal de Sesimbra”, nº 347, Maio 1962; “A Fortaleza de Santiago”, nº 350, Junho 1962; “Museu Arqueológico Municipal”, nº 351, Julho 1962; “Museu de Pesca”, nº 366, Janeiro 1963; “A exposição “Sesimbra e o Mar””, nº 731, 17 Maio 1981; “Defesa e valorização do Património Histórico – Cultural”, 22 Novembro 1981; “Jogos Florais”, nº 741 e 744, 21 Março e 27 Junho 1982 respectivamente; “O Museu do Castelo transferido para a Vila”, nº 750, Dezembro 1982; “Jogos Populares”, Setembro 1985; “Cultura Popular – os Jogos Tradicionais”, nº 795, Setembro 1986; “O Festival do Mar”, Outubro 1986; “Sesimbra terra de pescadores e mareantes”, Maio 1987; “Festival do Mar”, Setembro 1987; Março, Abril 1993; Maio 1995; Outubro 1999.

301

O´BYRNE, Patrick e PECQUET, Claude, “La programmation de musée: théorie et pratique, son incidence sur l´architecture”, Muséologie et Information, Brises nº 10, Septembre 1987, Nº 10, editions do CDSH, pp. 2730. O´BYRNE, Patrick e PECQUET, Claude, “La programmation, un outil au service du conservateur, du maître d´ouvrage et du maître d´ouvre”, Museum nº 2, 1979. pp. 71-91. ODDON, Yvone, “Instrumentos documentales”, 1970, em La Museología, Georges Henri Rivière, akal. ODDON, Yvonne, “Principales instrumentos documentales para uso de los museos mixtos”, La Museologia, Georges Henri Rivière, akal, pp. 254-261. OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, “Identificação e registo”, em Apontamentos sobre Museologia – Museus Etnológicos, Junta de Investigações do Ultramar / Centro de Estudos de Antropologia Cultural, Lisboa, 1971, pp. 59-70. OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Actividades Agro – Marítimas em Portugal, D. Quixote, Lisboa, 1990, pp.79-86. PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA, (brochuras) Parque Natural da Arrábida; Parque Marinho – uma área que queremos conservar, 2006; Parque Marinho Luiz Saldanha, Instituto da Conservação da Natureza. PASTWA, Elizabeth, ”Publication – communication de la documentation”, Musées et Collections Publiques de France, Paris, AGCCPF, Nº 212/3, 1996, pp. 48-52. PEREIRA, Fernando António, “Museus e novos espaços de exposição”, Architecti, Jan/Fev/Mar 1996, pp.24-29. PEREIRA, Maria Manuela Cantinho, O Museu Etnográfico da Sociedade de Geografia de Lisboa – Modernidade, Colonização e Alteridade, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2005, pp. 313316. PERKINS, John, “Planning for Information Management”, em LORD, Gail Dexter and LORD, Barry, The Manual of Museum Planning, HMSO, London, 1991. PICATOSTE, Pilar Romero de Tejada, “Identidad cultural y Museos. Una visión comparada“, Museo, Actas de las V Jornadas de Museologia, Asociación Profesional de Museólogos de Espana, 2001, pp. 11-23. PITÔRRA, Paulo (Coord.), O que veio à rede...., Câmara Municipal de Sesimbra, 2001. PORTA, Eduardo, (Resp.) Sistema de Documentacion para Museos, ICOM e Departament de Cultura de la Generalitat de Catalunya, Barcelona, 1982. PORTOCARRERO, Gustavo, “Arqueologia Subaquática no Cabo Espichel”, Sesimbra Cultural, Nº 01, 2000, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 27–32. RAIO DE LUZ, (Jornal), artigos: “Sesimbra: cenário para Festa do Mar”, nº 133, 20/10/1987; “Festival do Mar 87: para o ano será melhor...”, nº135, 25/12/1987; Festival do Mar”, nº 141, 25/06/1988; “Património Cultural – Fortaleza de Santiago: escola de pesca – Museu do Mar”, nº 142, 30/07/1988 e nº 143 de 30/08/1988; Março / Abril 1993. RASSE, Paul, “Ingénierie des musées de société: projet, programmation et réalisation”, Techniques et Cultures au Musée, Pul, pp. 135-178. REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, Instituto de Investigação das Pescas e Do Mar, Publicações avulsas do IPIMAR, nº 4, 2000. REIBEL, Daniel B., Registration Methods for the Small Museum, American Association or State and Local History Book Series, Altamira Press, Walnut Creek, California, 1997. RIEU, Alain-Marc, Les visiteurs et leurs musées – le cas des musées de Milhouse, La documentation Française, Paris, 1988.

302

RIVIERE, Georges Henri, “Processus du programme et du projet pour la construction d´un musée“, La programmation pour les musées, Museum, XXVI, 3 / 4, 1974, pp.268. RIVIÈRE, Georges Henri, ”Objet muséal et documentation” e ”Musée, instrument d´éducation et de culture, La Muséologie, Cours de Muséologie, Textes et Témoignages, Dunod, Paris, 1989, pp. 173-178 e 264-284. RODRIGUES, Fernanda e CARVALHO, A. Rafael, “Elementos para o conhecimento da Sesimbra Islâmica”, Sesimbra Cultural, nº 3, Novembro, 1993, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 16-17. SÉGALOU, Patrice, “Le musée de la Pêche de Concarneau”, Chasse-marée, nº 189. SERRÃO, Eduardo da Cunha e MONTEIRO, Rafael, “I Congresso Nacional de Arqueologia” (separata do I vol. das Actas e Memórias), Lisboa, 1959, pp. 407–429. SERRÃO, Eduardo da Cunha e Vitor Serrão Sesimbra Monumental e Artística, Câmara Municipal de Sesimbra, 1997, 2ª edição. SERRÃO, Eduardo da Cunha, “Prospecções Arqueológicas”, “Monumentos Medievais de Sesimbra”, “Turismo Cultural”, Boletim do Centro de Estudos do Museu Arqueológico de Sesimbra, Volume primeiro, Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra, 1967, pp. 7-9, 40-53. SERRÃO, Eduardo da Cunha, Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra - do vilafranquiano médio até 1200 d.c., (obra póstuma), Câmara Municipal de Sesimbra, 1994, pp. 1-6, 41-43 e 104-106. SERRÃO, Eduardo da Cunha, Investigações Arqueológicas na região de Sesimbra, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, Faculdade de Ciências do Porto, Porto, 1959. SERRÃO, Eduardo da Cunha, Um Pequeno Museu Arqueológico Regional, (separata do Vol. XI da “Arqueologia e História, 8ª série de Publicações), Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1964. SHARER, Martin R., “Le Musée et l´exposition: variation de langages, variation de signs”, Cahiers d´étude, nº 8, ICOM, 2000. SILVA, Joaquim Manuel Bragança Lino da, Armações de Pesca, Vol. I, Lisboa, 1966 (Dissertação de licenciatura em Geografia). SILVA, Raquel Henriques, “Os Museus: história e prospectiva”, Panorama da cultura portuguesa no século XX, (Coord. Fernando Pernes), Afrontamento e Fundação de Serralves, 2001 pp.63-108. TARRÊTE, Odile, “Musées documentation”, Musées & Collections Publiques de France, nº 212, 1996, pp. 4. TREMBLAY, François, WRIGHT, Allegra e MEETER, Han, “Introduction”, Budgéter une exposition, ICEE (International Committee for exhibition exchange), ICOM, p. 6-10. UNESCO, Convention pour la sauvegarde du patrimoine culturel immateriel, Paris, 17 octobre 2003. UNESCO, Musées Maritimes (1), Museum nº 192, Vol. 48, nº 4, 1996. UNESCO, Musées Maritimes (2), Museum nº 193, Vol. 49, nº 1, 1997. UNSAIN, José Maria, “Gestión de la memoria marítima – La experíenciadel Untzi Museoa-Museo Naval de San Sebastían”, RdM – Revista de Museologia, 23, 2002, pp. 70-74. VALENTE, V. Cardoso e FERREIRA, M. Alves, Inquérito Agrícola e Florestal ao Concelho de Sesimbra (Setúbal), Plano de Fomento Agrário, 1951.

VÉRON, Eliséo e LEVASSEUR, Martine, Ethnographie de L´Exposition – l´espace, le corps et le sens, Centre Georges Pompidou, 1989.

303

3. Endereços electrónicos http://www.m-almada.pt, consulta em 01/06/2007. http://www.cm-seixal.pt/ecomuseu, consulta em 06/2007. http://www.cienciaviva.pt, consulta em 17/07/2007. http://www.monumentos.pt, consulta em 14/02/2007. http://www.icn.pt, consulta em 30/05/2007. http://www.diba.es/marítimo, consulta em 05/2005. http://www.xs4all~rwa/mdpres01.htm, consulta em 17 e 18/08/2001. http://www.rpmuseus.pt, consulta em 23/06/2006. http://www.cm-sesimbra.pt, consulta em 07/2007 http://www.fisicohomepage.hpg.ig.com, consulta em 06/2007.

304

ANEXOS

A- 1

ANEXO I “Estudo Antropológico: Levantamento sobre artes de pesca em Sesimbra”, extraído do Estudo para programação do núcleo museológico marítimo, Relatório de síntese a submeter à Câmara Municipal de Sesimbra, 2005, apresentado por Adelina Gomes Domingues.

A- 2

“Estudo Antropológico: Levantamento sobre artes de pesca em Sesimbra”, extraído do Estudo para programação do núcleo museológico marítimo, Relatório de síntese a submeter à Câmara Municipal de Sesimbra, 2005. 2. Estudo antropológico: levantamento sobre artes de pesca de Sesimbra 2.1. Notas introdutórias e instrumentos conceptuais Neste capítulo propomo-nos analisar a tecnologia de pesca em Sesimbra através da descrição dos métodos e instrumentos inerentes às principais artes de pesca utilizadas tanto num passado recente 1 como na actualidade. Na apresentação das diversas artes de pesca praticadas em Sesimbra, teremos presente a proposta de classificação oficial de artes e métodos de pesca do IPIMAR 2 (Instituto de Investigação das Pescas e do Mar), nela nos baseando para nela incluir cada arte local, evidenciando as particularidades ou diferenças tanto em termos de processos técnicos como das próprias designações. Quando ao longo do trabalho mencionarmos Classificação IPIMAR é à presente proposta de classificação que nos referimos. De forma a estabelecermos a ligação do presente capítulo com a colecção etnográfica ligada ao mar, mencionaremos em notas de rodapé o número de inventário que identifica os objectos da colecção e que se relacionam com os aspectos tratados. Na nossa abordagem procuramos relatar para além da descrição, constituição e configuração das diversas artes de pesca, as principais operações de preparação e de acção no mar, salientando as mudanças que se foram operando durante esse período de tempo, nomeadamente no que toca aos materiais utilizados, às embarcações e respectiva força motriz, aos equipamentos, locais de pesca e pescado visado. Os dados que apresentamos resultaram das recolhas de campo 3 efectuadas através de conversas informais que mantivemos com pescadores sobre a pesca e as vivências dos pescadores relativas ao mar e à pesca; de elementos e de informações coligidas no âmbito do inventário da colecção etnográfica ligada às artes de pesca, por nós anteriormente desenvolvido; e ainda de elementos comparativos que nos permitiram melhor ponderar o alcance da informação recolhida junto de pescadores, estabelecendo e concretizando um plano de pesquisa e de consulta da bibliografia publicada sobre a presente temática abrangendo não só as artes de pesca em termos gerais e as artes de pesca localizadas em Sesimbra, mas também outras actividades que, de uma forma ou de outra, se reportam ao mar e à pesca. Instrumentos conceptuais Quando iniciámos o presente trabalho, delineámos como objectivo metodológico a elaboração da cadeia operatória 4 enquanto instrumento de observação, descrição e análise dos processos técnicos inerentes a cada arte de pesca

Reportamo-nos ao período de finais século XIX e século XX. REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, Instituto de Investigação das Pescas e do Mar, Publicações avulsas do IPIMAR, nº 4, 2000. A presente classificação antecedeu o actual Decreto Regulamentar nº 7/2000, de 30 de Maio, Diário da República – I Série B (páginas 2494-2509), que define diversas medidas aplicáveis ao exercício da pesca, com objectivos de conservação dos recursos marinhos. O Decreto Regulamentar 7/2000 altera diversos artigos anteriormente vigentes relativos aos Decretos Regulamentares nºs 43/87 de 17 de Julho, 3/89 de 28 de Janeiro e 28/90 de 11 de Setembro. 3 As recolhas de campo decorreram durante os meses de Abril a Dezembro de 2004. Para o presente trabalho aproveitamos também dados de entrevistas por nós realizadas em 2000 no âmbito da realização de Monografia de Licenciatura em Antropologia. 4 A introdução do conceito de cadeia operatória enquanto instrumento de análise tecnológica, caberia a Leroi – Gourhan (após o contributo de outros autores que o antecederam) que a definia da seguinte forma “La technique est à la fois geste et outil, organisés en chaîne par un véritable syntaxe qui donne aux séries opératoires à la fois leur fixité et leur souplesse“ (GOURHAN, A. Leroi, Le Geste et la Parole, 1964, pp. 164 ; citado por DESROSIERS, Sophie, “Sur le concepte de chaîne opératoire”, BALFET, Hélène (textes réunis par), Observer L´Action Technique (...), pp. 21.. Seguindo a definição de Hélène Balfet (BALFET, Hélène (textes réunis par), Observer L´Action Technique – des chaînes opératoires, pour quoi faire, Centre National de la recherche Scientifique, Paris, 1991, pp. 11-19.), a cadeia operatória é constituída por uma série de sequências independentes, paralelas ou alternadas e ordenadas por um projecto, que tem em vista dado objectivo. A realização da cadeia operatória implica diversos critérios como: a identificação e atribuição de um nome a cada etapa do processo técnico (conceito a seguir definido) que se caracteriza por dado momento de acção, constituindo as diversas etapas as divisões principais de uma cadeia operatória; o lugar que pode ser necessário à identificação de dada etapa (exemplo: trabalhos ligados a dada arte uns são realizados em terra e outros necessariamente no mar); os actores ou operadores implicados numa divisão do trabalho ao longo das diversas fases do processo técnico (diversas funções desempenhadas por diferentes agentes); os instrumentos e o papel que desempenham em cada sequência ou operação, ou seja, a entrada ou saída em cena de dado instrumento coincide com o objectivo ou fim de dada sequência ou operação e assinala uma ruptura da acção; por fim o tempo enquanto definidor do momento e duração de cada acção e consequentemente da separação de cadeias, relacionado ainda com a possibilidade ou impossibilidade de 1 2

A- 3

praticada em Sesimbra. No entanto, atendendo aos condicionalismos de tempo que envolveram a presente pesquisa não nos foi viável efectuar uma aplicação exaustiva das orientações metodológicas consignadas nas obras consultadas. Contudo, as leituras efectuadas, remetendo elas próprias para outros títulos com elas relacionados, permitiram a constituição de uma grelha de análise suficientemente abrangente, embora porventura mais simplificada, e a sua aplicação sistemática ao universo tecnológico considerado. Entre as obras de fundo -- que nos forneceram os instrumentos conceptuais servindo de suporte à globalidade do nosso trabalho, e em particular à abordagem antropológica enquadrando o estudo das diferentes artes de pesca – destacamos um conjunto de artigos compilados em torno do conceito de “cadeia operatória” pela investigadora do CNRS-Museu do Homem Hélène Balfet sob o título Observer l’action technique: des chaînes opératoires, pourquoi faire? e uma publicação sobre a metodologia de descrição de saberes colectivos dos investigadores do CNRS Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo 5. Na “metodologia de descrição de saberes colectivos” os autores privilegiam “(...) na análise dos factos técnicos, os processos de transformação intencional a que o homem sujeita o seu meio-envolvente material e/ou natural, modificando individual ou colectivamente – em função das suas necessidades, dos seus desejos, dos seus valores, dos seus conhecimentos herdados e/ou adquiridos – esse meio envolvente (...) certos sistemas dele extraídos. Sob a sua dupla face plástica e semântica, os objectos ((...) em particular os artefactos e os espécimes naturais) intervêm na transformação técnica como produtos, instrumentos e eventualmente matérias-primas”.6 Com base na presente “metodologia de descrição de saberes”, procurámos analisar em termos gerais o processo técnico de cada arte, entendido na acepção dos mesmos autores “(...) como um conjunto de processos de que dispõe um grupo humano ou um indivíduo para converter um dado leque de recursos, no seu meio-envolvente, em “produtos” (ou resultados) identificados e por ele fruíveis ou utilizáveis (...)” 7. Incluímos para além da descrição, constituição e configuração das diversas artes ou modos8 de pesca (enquanto formas de fazer seleccionadas, memorizadas e herdadas ou transmitidas entre gerações de pescadores), as principais operações de preparação e de acção no mar, que traduzem as características essenciais dos métodos de pesca locais existentes ao longo do século XX.. 2.2. Descrição e análise das artes de pesca em Sesimbra 2.2.1 Pesca à Linha9 A pesca à linha é um tipo de pesca que inclui métodos e instrumentos diversificados que se caracterizam pela utilização fundamental de linhas e de um ou mais anzóis (com ou sem amostras) ou estrutura equivalente como é o caso de toneiras, piteiras ou pescas 10. A linha mais utilizada é o nylon que em Sesimbra é designado por pita11 e que substituiu as linhas de algodão que caíram em desuso há já algumas décadas. Dos diversos métodos de pesca à linha passamos a descrever os mais utilizados em Sesimbra. 2.2.1.1. Pesca à linha com anzóis 12

interrupções ou pausas da acção técnica. Segundo a mesma autora, é através da relação destes cinco elementos (e outros possíveis) com o “corte teórico” do processo técnico que é possível a “construção da cadeia operatória” enquanto instrumento de trabalho etnológico eficaz. 5 São as seguintes as referências bibliográficas das duas obras citadas: a.Observer l’action technique: des chaînes opératoires, pourquoi faire? (sous la direction d’Hélène Balfet), Paris, CNRS, 1991; b. Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo “Dois modos de pescar na enseada da Nazaré (a “xávega” e o “candil”): devir técnico, devir turístico”, I Jornadas sobre Cultura Marítima, 175-198, Nazaré, CMN-MN, 1995. 6 CAMPAGNOLO, Maria Olímpia Lameiras e CAMPAGNOLO, Henri, “Dois modos de pescar (...)”, pp.176-177. 7 CAMPAGNOLO, Maria Olímpia Lameiras e CAMPAGNOLO, Henri, “Dois modos de pescar (...)”, pp. 177. Os autores consideram ainda que “(...) uma técnica conjuga em cada um dos processos que a constituem: um sistema dinâmico de meios materiais (...)”, incluindo matérias-primas e instrumentos adequados à transformação pretendida; “(...) uma gama de indutores energéticos ou informacionais (...)”, os “actos técnicos” enquanto conjunto de operações e gestos por vezes auxiliados ou complementados por instrumentos e “(...) fenómenos físico-químico-biológicos, compatíveis com o sistema de meios e susceptíveis de os fazer interagir no decurso da referida conversão.” Cada processo técnico é encarado como ”(...) a inscrição – num espaço – tempo singular e sob a forma de uma cadeia técnica – de uma estrutura técnica ou rede de relações causais (...)”. 8 O modo é considerado por Maria Olímpia e Henri Campagnolo enquanto unidade de comunicação; “classes de processos” que se caracterizam por “traços classificatórios” seleccionados, de que dispõe dado grupo humano para identificar os seus processos técnicos como: aspectos apreendidos pelo grupo relativamente à organização material e conceptual; aspectos transmitidos, apreendidos e memorizados relativamente às actividades e conhecimentos do grupo. (CAMPAGNOLO, Maria Olímpia Lameiras e CAMPAGNOLO, Henri, “Dois modos de pescar (...)”, pp. 178179. 9 Classificação IPIMAR Grupo LX 4.000, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 10 A descrição dos objectos mencionados consta do presente capítulo. 11 A espessura do nylon utilizado varia e depende do tipo de pescado, dos objectos usados para a captura e da maior ou menor transparência das águas. Existem ainda linhas de nylon de cores diferentes, sendo usada a cor que no momento da pesca se aproxima mais da cor da água de forma a passar despercebida ao peixe. 12 Classificação IPIMAR Grupo 4.200, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...).

A- 4

A utilização do anzol constitui actualmente o principal processo de pesca em Sesimbra e apresenta duas variantes: o aparelho ou espinhel e linha rebocada (com anzol simples). Pesca com Aparelho ou Espinhel13 Em Sesimbra este método de pesca é designado simplesmente por aparelho. É um sistema constituído por um complexo conjunto de linhas interligadas das quais pendem um elevador número de anzóis e que em Sesimbra apresenta dimensões variáveis consoante o tipo de espécie visada, a dimensão da respectiva embarcação e companha. O aparelho é um processo de pesca que pode ser utilizado tanto no mar alto e a profundidades variáveis para a captura de peixe espada, pescada, xaputa, goraz e outros, como mais próximo da costa junto às rochas (na roda 14) para captura de sardinha, cavala, abrotea, moreia, safio e outras espécies 15. Segundo as recolhas que efectuámos e a descrição de Maria Alfreda da Cruz16, o aparelho era à data das recolhas da autora 17, constituído pelos calamentos, fios compridos18 com cerca de 11 braças e 5 a 6 mm de espessura, que colocados verticalmente na água ligavam as talas (fios nos quais se suspendiam os anzóis) às bóias 19 que ficavam à superfície e sustinham o aparelho. As talas formavam um cordão que se posicionava horizontalmente na água, ligando-se às extremidades inferiores dos calamentos, sendo cada tala constituída por duas outras linhas, as meiastalas de 11 braças cada mas de menor diâmetro que o calamento, às quais eram fixos os anzóis por intermédio do estrovo (fio curto ou arame). Entre estas duas linhas era colocada uma pedra designada por peão cuja função era manter o aparelho em posição vertical, dando a configuração de um V a cada tala e apresentando um escalonamento nos anzóis nela suspensos, permitindo a captura de peixes a diferentes profundidades. Até há algumas décadas atrás o material utilizado como estrovo variava consoante o tipo de peixe capturado, usandose algodão para peixes que morrem rodopiando (é o caso da chaputa) e tomando o aparelho a designação de aparelho estrovado; no caso de peixes com dentes muito fortes (como o peixe espada) usava-se arame, evitando assim que o peixe pudesse cortar o estrovo que neste caso era designado por aparelho aramado. Regra geral cada companha era constituída pelos membros da tripulação de uma embarcação de pesca que incluía tanto os que trabalhavam no mar como os que desempenhavam as suas funções em terra, no caso de uma companha de cerca de 20 homens, 10 ou 12 seriam de mar e 7 a 8 membros de terra, no entanto, o número de homens dependia sempre do tamanho da embarcação. Existiam também companhas de menor dimensão por vezes formadas por apenas 4 ou 5 camaradas que nesse caso acumulavam as funções de homens de terra e homens de mar, sendo normalmente mestre o dono da embarcação. Neste caso todos preparavam previamente o aparelho em terra e depois saiam para o mar. Uma versão do aparelho acima descrito mas de reduzidas dimensões, era também utilizado por apenas um ou dois pescadores a bordo de pequenas embarcações. Relativamente às companhas do aparelho de média dimensão, como de resto acontecia com as restantes artes de pesca em Sesimbra que implicavam o trabalho conjunto de vários indivíduos, organizava-se hierarquicamente em função das responsabilidades e idades dos seus constituintes. Na base da hierarquia encontravam-se os moços de terra20 normalmente muito jovens e sem experiência nas lides da pesca, que desempenhavam diversas funções em terra. Seguiam-se os moços de mar, jovens já com alguma experiência e mais velhos que os de terra, desempenhando diversos trabalhos auxiliares a bordo das embarcações. Acima dos moços estavam a maioria dos pescadores adultos que eram designados por camaradas21 uns de mar e outros de terra22. No topo da hierarquia encontrava-se o arrais que em muitos casos era também o proprietário da embarcação e que comandava as operações da faina, cabendo-lhe as maiores responsabilidades. A partir da motorização das embarcações, das 13 O presente método é também designado por palangre ou espinel em Classificação IPIMAR Grupo LLS4.220, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 14 A roda é um termo localmente usado para designar os espaços entre as rochas e onde crescem o limo (algas), junto do qual os peixes se abrigam e alimentam em particular quando ainda estão em fase de crescimento. 15 Segundo os nossos informantes é junto às rochas que “o peixe se cria”. 16 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1966, pp. 25-32. 17 A data das recolhas efectuadas por Maria Alfreda da Cruz situar-se-á por volta dos anos 60 do século XX. 18 Os fios actualmente utilizados no aparelho são de nylon, antes da vulgarização deste material eram utilizados a linha em algodão, linho ou sisal. 19 Até à vulgarização do plástico, as bóias utilizadas eram produtos naturais que serviam esse fim - as cabaças. Da colecção etnográfica fazem parte alguns destes exemplares cujos números de inventário são os seguintes: ETM85/MMS85 a ETM89/MMS89 e ETM96B/MMS96B. Com a introdução do PVC surgiram bóias nesse material que mantiveram a forma das originais é o caso da peça inv. nº ETM233/MMS233. 20 Os moços de terra eram crianças do sexo masculino que a partir dos 8 ou 10 anos se iniciavam na vida da pesca, desempenhando diversas tarefas em terra. 21 O trabalho de recolha permitiu-nos concluir que a presente hierarquia reflecte também as diversas etapas de percurso da maioria dos pescadores locais, que se iniciavam na vida da pesca a partir dos 7 ou 8 anos de idade como moços de terra, Passados uns anos alguns passavam a moços de mar, por volta dos 15 a 17 anos de idade e depois a camaradas, outros passavam de moços de terra a camaradas de redes ou de terra. 22 Muitos dos pescadores de terra eram pescadores já de idade que se ocupavam das redes em terra, como acontece ainda hoje.

A- 5

funções mais ou menos indistintas dos diversos camaradas, passou a distinguir-se apenas a de motorista da embarcação. No entanto, e segundo Maria Alfreda da Cruz 23, muitas outras designações e funções existiram relacionadas com as manobras que as embarcações a remos e à vela implicavam. Da bibliografia 24 consultada encontrámos referência ao cão de água de Sesimbra enquanto membro das companhas de pesca ao aparelho. Eram animais previamente treinados pelos pescadores e que saíam para o mar a bordo das barcas, tendo por função recuperar os peixes que se desferravam dos anzóis e caiam à água na altura de recolha do aparelho pelos pescadores 25. O cão de água era normalmente pertença do arrais e como os restantes membros, tinha direito a receber o seu quinhão de peixe. A preparação da caçada 26 e trafo 27 em terra A preparação da caçada e trafo em terra implicava várias tarefas e gestos desempenhados pelos camaradas de terra28 e consistia fundamentalmente nas três principais operações que a seguir descrevemos e que em Sesimbra tomavam designações específicas. Assim, o pescador deveria começar por desemachuchar ou seja, soltar, separar e endireitar as linhas do aparelho que se emaranhavam durante a pesca 29. A segunda operação consistia em limpar o aparelho o que implica substituir velhos anzóis, estrovos e arames, sendo estes gestos designados por empatar aramando30 ou estrovando 31 os anzóis ou seja, ligar ou prender os anzóis ao fio ou arame e estrovar que consistia em ligar as talas aos estrovos a que se empatavam directamente os anzóis. Por fim era necessário ensarramar, terceira operação que se traduzia em arrumar o aparelho nas selhas32 “a preceito” de modo a poder ser iscado 33, esta operação implicava ainda o encanar, gesto que consistia em introduzir na cana ou entaladeira34, os vários anzóis que foram empatados à medida que se iam dispondo as talas na selha. A operação de iscar 35 os anzóis poderia ser realizada no mar ou em terra, e consistia na colocação do isco 36 em cada um dos anzóis que eram depois dispostos noutra selha, formando um anel e em que os anzóis ficavam virados para fora. Outra das tarefas dos homens de terra que já se não realiza dadas as alterações que o presente sistema sofreu, era o emboiamento do calamento 37 ou seja, o acto de enrolar o calamento 38 no bojo das bóias (cabaças) 39, que eram depois levadas para bordo. A faina: CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp.29-30. CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 30 e MARQUES, António Reis, “O cão de água em Sesimbra”, Sesimbra Cultural, Nº 5, Maio/96, Câmara Municipal de Sesimbra, pp. 18-20 25 Nos anos 60 do século XX estas funções já não eram desempanhadas pelo cão de água mas sim por um moço que seguia num chato (embarcação de pequeno porte). 26 A caçada é o conjunto do aparelho (linhas e anzóis) necessário a uma embarcação que saía para o mar. 27 O trafo era o conjunto de apetrechos necessários à presente arte (selhas, aparelho, bóias, etc.) 28 As operações de preparação da caçada e trafo eram desenvolvidas na loja de companha (“casas” onde se preparam e guardam os apetrechos de pesca, antes também utilizados pelos pescadores “do campo” para pernoitarem) ou na rua. 29 A operação de desemachuchar demora mais ou menos tempo dependendo do tipo de peixe capturado, se for peixe espada por exemplo o aparelho não fica tão emaranhado porque é um peixe que morre logo e consequentemente a operação é mais rápida, mas se for por exemplo chaputa que leva muito tempo a morrer é necessário mais tempo para preparar o trafo. 30 No caso de utilização de estrôvo de arame a operação tomava o nome de empatar aramando. 31 No caso de utilização de estrôvo de algodão ou nylon a operação tomava o nome de estrovar. 32 As selhas são recipientes com forma redonda (tipo alguidar) feitos com tábuas de madeira colocadas verticalmente e ligadas por pequenas aduelas rematadas na parte superior com um aro. Com a vulgarização do PVC passaram a utilizar-se selhas deste material. 33 Da colecção faz parte uma selha com aparelho, Inv. nº. ETM100 / MMS100. 34 A entaladeira é um pedaço de cana seca ou tubo em PVC de aproximadamente um palmo de comprimento em que uma das extremidades é cortada em bisel permitindo entalá-la entre o aro e a aduela da selha, sendo na outra extremidade efectuada uma ranhura onde se fixam os anzóis para serem iscados, podendo cada entaladeira receber cerca de 180 anzóis correspondentes a 10 talas. 35 Até cerca dos anos 60 do século XX os pescadores do aparelho forneciam-se de isco junto das armações, esperavam junto às mesmas pela respectiva levantada para se fornecerem de sardinha, carapau ou outras espécies. 36 O isco usado no aparelho era normalmente carapau, sardinha ou outros peixes que cada pescador colocava junto a si dentro de jigas (cestas de vime) que também eram levadas para o mar quando o trabalho de iscar era efectuado no mar. Da colecção do núcleo marítimo fazem parte dois exemplares: ETM27 / MMS27 e ETM94 / MMS94. 37 O calamento é a designação dada ao fio de algodão, linho ou sisal utilizado pelos pescadores para suster e ligar o conjunto do aparelho e bóias (ver figura nº1). O calamento era medido às braças e linhas, tendo cada linha 11 braças. Quando enrolado a uma bóia poderia ter 12 linhas mas se o pescador pretendia que o aparelho fosse a maior profundidade, acrescentava-lhe mais linhas a partir de um novelo de calamento. O calamento era também preparado pelos pescadores a partir das linhas de algodão ou outro material. A preparação consistia no ferver o algodão em água com “tinta do género de (...) alcatrão ou verniz (...) até levava também umas folhas (...)”(António Augusto Arsénio, Entrevista 23/10/04, Ficha Nº 9, pp. 27-28.). O tratamento do calamento tinha lugar na praia junto ao paredão, onde era feita uma fogueira sobre a qual era colocado um bidom que servia de recipiente ao preparado, cujo objectivo era tornar o algodão resistente ao desgaste da água tornando-o mais duradouro. 38 O calamento era normalmente enrolado em forma de novelo e levado nessa forma para o mar ou enrolado em cabaças. Da colecção – novelo de sisal: ETM31 / MMS31; bóia com calamento: ETM233 / MMS233. 39 Na pesca eram utilizadas cabaças produzidas pelos agricultores da área rural de Sesimbra (Alfarim, Aldeia do Meco) com a função de bóias. Da colecção: conjunto de bóia (cabaça) e enrolador, Inv. nº ETM96 e bóia em PVC, Inv. nº ETM 233/MMS233. 23 24

A- 6

O dia começava de madrugada, quando o moço chamador40 ia percorrendo a vila e chamando pelos pescadores para iniciarem o seu trabalho, como refere um dos nossos informantes: “Fui para moço (...) da terra chamar “ó tio António venha para a loja, ó tio Manel venha para a loja!(...)” 41. À medida que ia passando pelas casas e chamando pelos nomes batia às portas com uma chama 42. Antes da construção do porto de abrigo 43 a primeira tarefa a realizar antes de partir para o mar e após o aparelho ter sido devidamente preparado, era feita por uma chata 44 que transportava tudo quanto necessário (selhas, aparelho, bóias com calamento, espia, etc) de terra para a barca fundeada junto à costa. Depois desta operação é que a barca partia para a turina 45 e no caminho metade dos camaradas preparavam o isco e iscavam o aparelho depositado na respectiva selha enquanto a outra metade remava. Chegada a barca ao pesqueiro escolhido 46 (de 6 a 20 milhas da costa) e orientando-se pelas marcas 47 anteriormente memorizadas e que localizavam os fundos próprios (os parcelos ou coroa) ou impróprios48 ao aparelho e à existência das espécies pretendidas, os camaradas iam largando o aparelho a partir das selhas previamente colocadas em fila a bombordo e a estibordo; iam largando 10, 12 ou 16 linhas de ambos os lados à medida que as selhas iam saindo e correndo pelas mãos dos pescadores as talas iscadas, ligadas às linhas e estas amarradas às bóias. À medida que a embarcação ia avançando o aparelho ia correndo devagar e sendo colocado simetricamente sobre a água de ambos os lados do barco, ficando as bóias (cabaças) à superfície. Horas depois da largada, era recolhida a caçada, a barca passava entre as duas linhas e puxavam-se as bóias com o pexeiro 49, as linhas eram puxadas para bordo até aparecer o peixe que era safo 50 dos anzóis e colocado dentro de caixas no convés. Depois da faina e feito o percurso até à costa junto à praia, o peixe era descarregado das barcas para as chatas que o transportavam até à lota na praia. A pesca ao aparelho ou espinhel realizava-se a bordo das barcas de Sesimbra51 à vela 52 e a remo até cerca dos anos 50 e às quais foram a partir dessa altura adaptados motores de 50 cavalos 53. Até cerca dos anos 60 do século XX das companhas (principalmente das artes do aparelho e armação) faziam parte os moços de terra, crianças do sexo masculino que a partir dos 8 ou 10 anos se iniciavam na vida da pesca, desempenhando diversas tarefas em terra, sendo umas das suas funções as de moço chamador. 41 Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 18/05/2004, Ficha Nº 3, pp. 2. 42 A chama é pequeno pau de madeira usado nas embarcações a remos como a aiola, o bote ou a chata e que servia para articulação dos remos. Pela sua utilização pelo moço chamador passou a ser assim designado (chama). Da colecção: 2 chamas Inv. nº ETM10A / MMS10A e ETM10B / MMS10B. 43 Antes da construção do porto de abrigo todas as embarcações de pequeno porte varavam na praia e as de maior porte ficavam fundeadas na baia quando havia mau tempo. Para facilitar a sua acostagem na praia as barcas tinham até à construção do porto de abrigo o bailéu (porão) aberto que as tornava mais leves; depois do porto de abrigo passaram a ser tapadas. 44 A chata é uma embarcação de pequeno porte a remos, sem quilha, proa direita e popa de painel direito. Era utilizada para serviços às barcas efectuando as cargas e descargas das mesmas, “traz o vazio para a terra e depois leva o cheio para fora e quando, e o peixe que mata é passado à chata que é para levar para a lota” (Ângelo Farinha, entrevista 18/05/04, Ficha Nº 3, pp. 34). Normalmente as chatas não eram do mesmo proprietário das barcas mas sim de um outro que lhes prestava serviço mediante o pagamento de determinada quantia em pescado. 45 A turina é um termo usado localmente para designar o trabalho ou faina do aparelho realizada durante a noite. 46 Até à vulgarização de equipamentos auxiliares de pesca como as sondas, a selecção dos locais onde seria lançado o aparelho baseava-se no conhecimento profundo e experiente dos fundos marinhos. Segundo o nosso informante Ângelo Sobral Farinha (Entrevista 01/07/04, Ficha Nº 7, pp. 2) os locais ideais deveriam ser fundos de profundidade constante e de areia (sem rochas), como o próprio refere: “(...) tem uma extensão direita, direito a caminho do Sudeste que é sempre o mesmo fundo, não vai para o fundo, há quem julgue que vai para o fundo mas não vai, é um parcelo, um parcelo de areia, uma passante de corrente de água também que faz de qualquer lado e que forma aquela, aquela, como uma estrada ali assim, uma pessoa pode ir naquela direcção largar o aparelho que vai sempre no fundo nem é preciso soltar, vai sempre no mesmo fundo até uma certa altura põe marcas, faz pelo Cabo Espichel, até é bom para a pescada. (...) Estas coisas sabe-se por causa que a gente, o pescador, porque é que eles agora sabem é por meio do aparelho onde é que está a pedra, onde é que não está a pedra, essas coisas e a gente sabia porque o aparelho que a gente largava é que nos ensinava (...)”. 47 As marcas correspondiam a locais eram marcados a partir da observação e memorização de determinados enfiamentos das casas, rochas ou outros elementos da paisagem circundante durante o dia e a partir de luzes e das estrelas durante a noite. De noite os pescadores guiavam-se pelas estrelas em particular pela estrela do Norte, como refere um pescador “(...) é a mais pequenina mas é a maior de todas e é só a que está sempre no mesmo lugar. A estrela polar não muda, está sempre no mesmo lugar, está a tilintar, a tilintar, tilintar, parece que está a mexer, parece que está a chamar pela gente! Muito vivinha a mexer, está sempre a mexer, está sempre a mexer mas está sempre no mesmo lugar”, Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 18/05/04, Ficha Nº 3, pp.19. 48 Quando utilizado o aparelho acontecia por vezes que em determinados locais, o mesmo ficava fixo no fundo e acabava por rebentar, nessa altura os pescadores apercebiam-se do facto porque o peixe entretanto apanhado pelo aparelho, emergia à superfície já morto. Nessa altura o local era marcado como impróprio ao aparelho. 49 O pexeiro é uma vara comprida com anzol ou gancho numa das extremidades, era utilizada nas embarcações para vários fins como capturar o peixe que se soltava dos anzóis ou que era muito pesado e por esse motivo poderia partir as linhas, ou para apanhar os cabos da armação ou outros objectos colocados na água. 50 Safo (safar) termo local para designar liberto (libertar), retirado do anzol. 51 Da colecção e conforme dados recolhidos, referimos apenas algumas das diversas miniaturas de barcas do aparelho à vela e a remos: barcas do aparelho com apenas uma vela das duas originais, facto que se deve à adaptação de motores e a consequente retirada de uma das velas (as reproduções manifestam essa alteração) - inv. nº ETM209 / MMS209 e ETM210 / MMS210; barcas de duas velas inv. nºs ETM211 / MMS211, ETM212 / MMS212 e ETM214 / MMS214; bote de duas velas inv. nº ETM215 / MMS215. 40

A- 7

Apesar das alterações sofridas ao longo do tempo é contudo a partir dos anos 80 do século XX, que este sistema de pesca sofre maiores alterações tanto a nível do tipo de embarcações utilizadas, como de equipamento auxiliar, como é o caso da detecção de pescado e de fundos próprios à pesca, de alagem e outros. A mudança a nível de equipamento, tecnologia e materiais utilizados nesta arte teve naturalmente consequências a nível da constituição, configuração e tamanho do próprio aparelho, para além das alterações / adaptações sofridas pelos processos técnicos e modos de fazer. É o caso do abandono do uso de bóias com calamento que implicava um trabalho moroso em terra e que foram substituídas pela retenida, designação dada a um cabo que amarrado ao aparelho corre pela popa da embarcação, tendo uma bóia em cada extremidade e outra ao meio para suster o aparelho. O aparelho constituiu o método de pesca mais utilizado na actualidade e com maior impacto nos últimos cerca de 25 a 30 anos. A par de políticas de modernização da frota pesqueira 54 surgem embarcações de grande porte e começam a desaparecer as barcas tipo Sesimbra, possuindo as primeiras equipamento moderno de navegação, detecção de cardumes, alagem do aparelho, comunicação, salvamento e refrigeração do pescado. A razão de modernização das frotas esteve, para além de imperativos económicos, ligada à escassez de espécies (com destaque para o peixe espada e xaputa) que se tem vindo a fazer sentir ao longo do tempo e a consequente necessidade de procurar pesqueiros mais longínquos, facto que implicou mudanças a nível dos meios materiais. O tradicional método de pesca ao aparelho ou espinhel utilizado em Sesimbra, continuou no seu essencial a ser utilizado mas com as devidas adaptações / alterações e socorrendo-se de novos equipamentos, materiais e tecnologias aplicados sobretudo à pesca de peixe espada branco e peixe espada preto. A introdução das tecnologias teve também implicações a nível da hierarquia estabelecida entre os pescadores de cada companha que até aí possuía um sistema fixo regulado pela idade e experiência de cada um que determinava as funções a desempenhar no grupo. Manteve-se a figura do mestre ou arrais que é o responsável e normalmente o proprietário e os restantes são os camaradas que desempenham diversas funções sendo algumas delas efectuadas por todos com base num sistema de rotatividade 55. Tradicionalmente pescado com o aparelho na costa de Sesimbra, o peixe espada branco passou a ser adquirido em mares mais distantes como os Açores, Madeira, Canárias e Marrocos56, utilizando embarcações de 20 a 26 metros e companhas de cerca de 40 a 45 homens, trabalhando 20 a 25 no mar e os restantes em terra. No caso da pesca a algumas horas da costa, cada companha 57 que corresponde a uma embarcação, possui pelo menos dois conjuntos de trafo 58 ou seja, o conjunto de linhas, anzóis e respectivas selhas utilizadas em cada pescaria, sendo em dado momento um levado para o mar e utilizado e ficando o outro em terra a ser tratado e preparado pelos camaradas de terra. Este último terá de estar pronto aquando do regresso da embarcação de forma a deixar em terra o trafo utilizado na última faina e a levar o que entretanto fora preparado. No caso de embarcações que partem para pesqueiros longínquos cujas viagens chegam a durar 20 a 30 dias, o aparelho sai já totalmente preparado ou “à feição”, no dizer dos pescadores, as selhas embarcam iscadas, trabalho que a companha que partirá para o mar efectuou previamente em terra. O número de selhas preparadas deverá ser suficiente para a faina que terá a duração mínima de 7 ou 8 dias, sendo uma parte delas colocadas no porão (as primeiras a utilizar) e as restantes em contentores frigoríficos que irão sendo ocupados pelo peixe capturado à medida que as selhas vão sendo utilizadas. A faina a bordo destas embarcações tem início por volta das 3 horas da manhã, altura em que se inicia o largar do aparelho que dura sensivelmente 3 horas. Depois de colocado no mar, o aparelho fica a pescar durante mais ou menos 2 horas, ficando a embarcação parada junto a uma das bóias e aproveitando os pescadores para tomar a refeição da manhã. Após este período de tempo tem início a longa tarefa de recolha do peixe cuja duração varia entre as 10 e 15 horas consecutivas, dependendo das condições atmosféricas e consequentemente do estado do mar. Esta operação implica puxar o aparelho com o auxílio de um guincho que o iça até à borda da embarcação, altura em que cada pescador deita a mão ao aparelho e retira ou desenferra o peixe do respectivo anzol, retira-lhe as vísceras e ovas, lava-o com água do mar e coloca-o dentro de uma caixa. Depois de cheias algumas caixas são transportadas 52 Da colecção fazem partem diversos moitões ou roldanas de características várias utilizados nas embarcações à vela como as barcas do aparelho, Inv. nºs. ETM97 / MMS97, ETM98 / MMS98, ETM118 / MMS118 e ETM119 / MMS119. 53 A adaptação inicial de motores a embarcações à vela implicava a existência de 2 carburadores permitindo que o motor funcionasse a gasolina – para o arranque do mesmo, e a gasóleo – para efectuar o trajecto até ao pesqueiro pretendido. 54 De acordo com informação oral recolhida, no âmbito da entrada de Portugal na Comunidade Económica terão sido concedidos apoios financeiros aos pescadores para que abatessem as barcas tradicionais e pudessem adquirir embarcações modernas e equipadas. 55 Na actual hierarquia todos desempenham funções como: largar o aparelho, colher o aparelho, desenferrar o peixe (tirar os anzóis da boca do peixe), gelar o peixe. Em dias estabelecidos fica a cargo de cada camarada a preparação das refeições a bordo para todos. 56 A pesca em Marrocos deixou de ser permitida pelas respectivas autoridades há cerca de 4 anos. 57 Membros da tripulação de uma embarcação de pesca que inclui tanto os que trabalham no mar como os que desempenham as suas funções em terra. 58 Os dados apresentados referem-se a companhas de cerca de 35 a 40 homens, sendo 20 de mar e 15 a 17 de terra. O número de homens dependia sempre do tamanho da embarcação e quantidade de trafo.

A- 8

com o auxílio de moitões, para o porão da embarcação, local onde se encontram os contentores frigoríficos. Dois dos homens deslocam-se então para esse local onde retiram o peixe das caixas, colocam-no nas gavetas frigorificas e cobrem-no de gelo. Depois de concluído este trabalho, os pescadores tomam a refeição da noite que entretanto foi preparada por dois ou três deles (função rotativa por todos os camaradas) e vão descansar até à madrugada seguinte, altura em que recomeçará a faina. Durante este período de descanso, a embarcação fica junto a uma bóia de grandes dimensões e de uma baliza 59 acesa, sendo necessário controlar o barco para que se não desvie do local já que não lhe é possível ancorar devido à grande profundidade do local. De regresso a terra o peixe que vem já congelado, é descarregado na doca de Sesimbra ou segue directamente para Lisboa. Destas companhas fazem também parte os homens de terra, cabendo-lhes o arranjo do aparelho quando necessário. Mais recente que captura de peixe espada branco que acabámos de descrever, é a pesca ao peixe espada preto que utiliza embarcações entre os 13 e 22 metros, aplicando o aparelho (adaptado) a profundidades de 650 a 800 braças de profundidade em pesqueiros localizados entre 5 a 10 horas de viagem a partir de Sesimbra. A este tipo de capturas dedicam-se companhas de cerca de 12 a 16 homens divididos entre as fainas de mar e as de terra. Linha com anzóis rebocada (Corrico) 60: anzol simples e amostra Em Sesimbra o método de pesca à linha a reboque de uma embarcação apresenta diversas variantes de que salientamos apenas as seguintes: a utilização do anzol simples iscado, anzol simples sem isco e uso de amostra localmente também designado por currique61. Anzol simples iscado A pesca com anzol simples baseia-se na utilização de um pequeno número de anzóis iscados, individualmente “empatados” à extremidade de uma linha que é lançada duma embarcação. É um método utilizado tanto a bordo de embarcações motorizadas do alto e neste caso destinado à captura de espécies de grandes profundidades (albacora, atum, espadarte e outros) como de embarcações de pequeno porte como as aiolas 62 ou botes junto à costa. Anzóis sem isco Foi-nos referida a utilização de um conjunto de pequenos anzóis suspensos numa linha que depois de lançados à água fazem candil ou seja, brilham 63, provocando uma mancha clara produzida pelos anzóis na água à medida que o conjunto é arrastado pela embarcação, assemelhando-se a pequenos peixes. “Levava 18 anzóis, eu punha 18 anzóis” 64 (...) “Aqueles anzóis parece mais que é sapim, chama a gente sapim é uma comedoria do peixe que é umas coisas que parece petingas pequeninas. E então faz um candil, quando vai arriar para o fundo faz um candil e o peixe atira, aboca, aboca o anzol e come o anzol e depois fica fixe” 65. Este método de captura visava espécies como o carapau, sargo ou cavala e era efectuado a bordo de pequenas embarcações (aiola ou bote), por vezes junto das armações, atraindo o peixe que aí se concentrava. Currique ou amostra A pesca com amostra também designada currique, consiste fundamentalmente numa linha que vem a arrasto pela popa da embarcação que vai circulando devagar, tendo por isco um peixe ou uma tira de pano no anzol que simula um peixe ou lula pequena e atrai o peixe que fica preso no anzol. É uma pesca costeira feita a bordo de pequenas embarcações a remos ou a motor e normalmente efectuado por apenas um ou dois pescadores. Tal como os restantes métodos de pesca utilizados em Sesimbra, também o currique ou amostra sofreu algumas alterações e adaptações ao longo do tempo. Foi-nos relatado que até há alguns anos atrás este método consistia

A baliza utiliza uma bateria que alimenta a iluminação do local. Classificação IPIMAR Grupo LTL 4.240, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 61 Alguns pescadores usam o termo corrico localmente pronunciado currique, para designar a pesca a reboque da embarcação com amostra, não distinguindo os termos que designam a forma de pesca (a reboque) e o objecto que serve de isco (amostra). 62 A aiola é uma embarcação de pequeno porte (de aproximadamente 3,50 m), com quilha e roda de proa, considerada uma das embarcações típicas de Sesimbra que terá sido criada pelos construtores navais de Sesimbra (segundo PITÔRRA, Paulo (...), O que veio à rede (...), pp. 62). Não coube no âmbito do presente trabalho averiguar sobre origem e história das embarcações de Sesimbra, podemos contudo confirmar que é uma embarcação há muito utilizada localmente em diversos tipos de pesca. Inicialmente a remos e à vela, posteriormente passou a funcionar também com o auxílio de um motor para deslocação do porto de abrigo aos pesqueiros e regresso,“ a aiola é para ir para um governo de 2 camaradas (...)”, Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 18/05/04, Ficha Nº 3, pp. 33. 63 O candil é o efeito produzido pelos anzóis quando novos. 64 António Augusto Arsénio, Entrevista 27/06/04, Ficha Nº 8, pp. 12. 65 José Luís, Entrevista 27/06/04, Ficha Nº 8, pp. 12. 59 60

A- 9

apenas numa pita66 de algodão à qual se fixava uma folha de um material do género do alumínio 67, um anzol e uma chumbada, apresentando a configuração de tipo zagaia. Na actualidade são utilizados os designados pingalins 68 de borracha ou outro material que apresentam diversas formas e cores atractivas ao peixe e que incorporam o anzol dissimulando-o no seu interior. São por vezes usados 4 e 5 pingalins por forma a apanhar vários peixes na mesma linha. O conjunto tem um peso aproximado de meio quilo e é formado por uma pita69 principal a que são fixos chumbos e várias outras pitas a intervalos de 3 a 4 braças 70 entre elas, tendo cada pita uma amostra e respectivos anzóis. O pescador chegado ao mar procura cardumes e uma vez localizados lança a amostra sobre os mesmos, sempre circulando e voltando continuamente aos locais onde “sentiu” o peixe, como refere um dos nossos informantes “(...) Aqui está um cardume, agora vou passar, agora vou passar aqui, chego aqui ao robalo, senti aqui um robalo, senti aqui um robalo, dou logo a volta,(...)” 71. 2.2.1.2. Utensílios de dilacerar 72 São utensílios constituídos por um corpo central alongado, dispondo de múltiplas pontas aceradas e que segundo a classificação do IPIMAR envolvem dois conjuntos de artefactos: um constituído pelas toneiras (empregues isoladamente ou em séries) e constituídas por um corpo central, alongado com várias pontas aceradas e sem barbela e peteiras (semelhantes às toneiras, usadas isoladamente e iscadas) 73 e o outro pelas zagaias. Em Sesimbra são utilizados vários tipos de objectos de dilacerar para a pesca do designado ofício do ferrado dedicado à captura de chocos, lulas e polvos. A seguir descreveremos apenas alguns destes objectos que são localmente designados com denominações que diferem de algumas atribuídas pelo IPIMAR, nomeadamente: -- toneiras ou piteiras74: em Sesimbra os dois termos são utilizados como sinónimos não designando dois objectos distintos 75 e destinam-se à captura de lulas; -- palhaço e camarão (toneiras): objectos importados e de utilização local relativamente recente para a captura de chocos e lulas; -- radar ou gibo: para a pesca de chocos; -- pesca ou pesca polvos: utilizados de diversas formas para a captura de polvos, cuja designação do IPIMAR é a de peteira. Actualmente cada um destes objectos é fixo a uma linha de nylon - a pita, de espessura fina (0,30 mm ou 0,35 mm ) que por sua vez se liga a um outro fio de nylon de maior espessura (0,80 mm ou 0,90 mm) e que se enrola à tábua 76 que é segurada pelo pescador na borda da embarcação. Nesta arte de pesca é normalmente usada uma embarcação de pequenas dimensões (aiola ou bote) a bordo da qual seguem um a dois pescadores77 quase sempre familiares, que lançam o conjunto (linha e objecto de dilacerar) à água que vai sendo rebocado pela embarcação sempre em movimento. É frequente o transporte de diversas aiolas com respectivos pescadores que se dedicam à pesca de chocos, dentro de uma barca que efectua o trajecto até determinados locais no mar. No final da faina cada aiola paga em pescado ao dono da barca, dada importância que depende da respectiva quantidade de peixe capturado. Toneira - Piteira78 – Pesca de lulas A toneira ou piteira é um objecto constituído por um pedaço de chumbo forrado com linha branca 79 podendo ter ao meio uma pequena tira de plástico de cor atractiva, possui numa das extremidades uma coroa de alfinetes recurvados e na outra um pequeno orifício onde é fixa a pita. A pita é a designação local de linha ou fio. Relativamente ao material referido, não apuramos de que material se tratava concretamente. 68 Da colecção fazem parte vários exemplares de pingalins: ETM765 / MMS765, ETM766 / MMS766 e ETM767 / MMS767. 69 Actualmente todas as linhas utilizadas na pesca são de nylon. 70 Cada braça tem aproximadamente entre 1,50 metros e 1,70 metros. 71 Adrião Covas Rodrigues, Entrevista 15/05/2004, Ficha Nº 2, pp. 20. 72 Classificação IPIMAR Grupo 4.300, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 73 Ver figura nº 2. 74 As localmente designadas piteiras, são referidas por peteiras pelo IPIMAR. 75 Ver fotografia nº 1. 76 A tábua é um pequeno pedaço de madeira ao qual o pescador enrola a totalidade da linha quando esta não está a ser utilizada e que serve de forma de “arrumação” do nylon, que é assim facilmente transportado e manobrado. Da colecção fazem parte tábuas de pita: Inv. nº ETM725 /MMS725 e ETM726 / MMS726. 77 No passado muitos jovens iniciavam-se na vida do mar a bordo das aiolas e na companhia dos pais ou avós. Actualmente existem muitos pescadores já reformados que se dedicam a este tipo de pesca. 78 Utilizamos na presente abordagem o termo piteira na acepção utilizada em Sesimbra. 66 67

A- 10

É utilizada na pesca das lulas e também em simultâneo com o palhaço abaixo descrito 80 sendo ao conjunto acrescentados chumbos. A toneira é iscada 81 e fixa a uma linha que vai sendo arrastada junto ao fundo do mar. Depois de capturada a lula, puxa-se, desenferra-se82 da toneira e põe-se dentro de um balde na embarcação. Actualmente e dependendo do tipo de espécie visada, podem ser utilizados vários tipos de piteiras em simultâneo, no entanto, foi-nos referido que no passado apenas se utilizava uma única piteira por linha. Maria Alfreda da Cruz83 refere-se também a jeeps, novos objectos resultantes da remodelação de velhas piteiras às quais eram retirados os alfinetes e respectiva linha que os fixava, sendo a peça depois recoberta com uma espessa camada de cera. Os jeeps eram de novo utilizados no mesmo tipo de pesca que as piteiras 84. Palhaço e camarão – pesca de chocos e lulas Também designados por “toneira japonesa”, são objectos importados e recentemente introduzidos na pesca de chocos e lulas. No essencial são toneiras 85 de plástico duro com revestimento colorido simulando um peixe - o palhaço86 ou camarão - o camarão, tendo numa das extremidades uma coroa dupla de alfinetes recurvados e na outra uma pequena argola de metal à qual se fixa a pita. São utilizados em simultâneo ou com o radar 87, sendo o palhaço e o camarão leves, vão flutuando a um nível superior relativamente ao radar ou chumbo, atraindo as presas que julgam tratar-se de um peixe pequeno. Radar e gibo 88 – Pesca de chocos O radar é uma pequena peça de chumbo forrada de plástico, possuindo numa das extremidades uma coroa radiada de alfinetes soldados e na outra um pequeno orifício ao qual se prende a linha ou pita. O gibo 89 apenas difere do radar por ser cromado e não possuir a forra de plástico do primeiro 90. Ambos são utilizados na pesca de chocos, podendo ser utilizados em simultâneo com outros objectos como é o caso do palhaço, no entanto, são sempre fixos a uma pita como descrevemos anteriormente. Devido ao peso do chumbo o radar vai ao fundo e é arrastado junto à areia à medida que a embarcação se vai deslocando lentamente 91. Os chocos ao pegarem no radar que se assemelha a um peixe ficam presos aos alfinetes, acontecendo por vezes cada captura resultar em vários chocos num mesmo objecto uma vez que não circulam em grupo e por isso ferram 92 vários de uma só vez. Depois de retirado dos alfinetes o choco é morto 93 ao ser pressionado numa zona sensível (a meio do pescoço) e colocado dentro de um balde na embarcação. Pesca ou pesca polvos O IPIMAR 94 designa estes objectos por peteira, descrita como semelhante à toneira mas usada isoladamente e iscada para a captura de polvo e choco, que Maria Alfreda da Cruz95 denominou por gibos em 1966. No entanto, estes objectos foram-nos sempre referenciados por pesca ou pesca polvos, designação que utilizaremos na presente abordagem. A pesca 96 é constituída por um conjunto de sete anzóis dispostos radialmente e fixos por intermédio de uma linha antes de algodão e pintada para melhor se conservar e actualmente de nylon, a uma pequena vara de madeira 97 ou CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...), pp. 36 referia que a cor desta mesma linha era nessa altura vermelha. Ver figura nº 3, desenho efectuado por Adrião Covas Rodrigues que ilustra o conjunto. 81 O isco normalmente utilizado para as lulas pode ser petinga, maju (carapau pequenino) ou sapinho (semelhante a petinga pequenina). 82 Desenferrar é um termo local que traduz a acção de retirar o peixe do anzol. 83 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...), pp. 36. 84 No âmbito das recolhas que efectuámos não nos foram referidos tais objectos, facto que julgamos poder estar relacionado com o aparecimento no mercado de inúmeros iscos artificiais, não sentindo os pescadores necessidade de re-aproveitar velhos objectos. A presente justificação merece contudo confirmação que não nos foi possível concretizar no presente trabalho. 85 Segundo descrição de REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...), pp. 22-23. 86 Da colecção fazem parte: Inv. nº ETM 753 / MMS753. 87 As peças referidas serão descritas a seguir. 88 Ver fotografias nº 2 e 5 com designações indicadas pelo nosso informante António Augusto Arsénio, que amavelmente nos emprestou os objectos em questão. 89 Maria Alfreda da Cruz designa por gibos objectos distintos dos que acabamos de descrever e que nos foram sempre designados por pescas a que nos referimos mais abaixo. (CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra (...), pp. 35-36). 90 A presente distinção é efectuada segundo MARQUES, António Reis, As artes de pesca de Sesimbra, Câmara Municipal de Sesimbra, 2000, pp. 39. 91 Ver figura nº3, desenho efectuado por Adrião Covas e que ilustra o conjunto. 92 Ferrar é um termo que designa o acto de ficar preso no anzol. 93 A presente operação é efectuada por alguns pescadores com o objectivo de evitar que os chocos ao lançarem a tinta sujem a embarcação. 94 Classificação IPIMAR Grupo LX4.310, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). Ver figura nº2 em anexo. 95 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 35-36. 96 Ver fotografias nº 4 (Inv. Nº ETM69 / MMS69) e nº 5 em anexo. 79 80

A- 11

de metal dependendo do fim visado, variando ainda em termos de dimensões consoante o tipo de isco que se pretenda utilizar 98. No caso das pescas com cabo de madeira, neste é enfiado o isco que pode ser um peixe inteiro 99 ou só parte, sendo na extremidade oposta fixa a pita. As pescas são usadas de formas distintas e para a captura de diversas espécies, podem ser simplesmente usadas com a pita, lançadas à água e rebocadas a bordo da embarcação e como conjunto de pesca com armadilha – o pegaço ou pote de barro (adiante descrito) para a pesca de polvos. No primeiro caso a aiola desloca-se do porto de abrigo até ao local pretendido utilizando o motor que é desligado durante a faina e só volta a ser usado para fazer o percurso de volta. Durante a pesca o pescador vai remando sempre a favor da corrente, sempre circulando, vai mandando as pescas iscadas “para o largo” dum e outro lado da embarcação, afastadas umas das outras, uma à proa e outra à popa, dependendo o seu número e posição da corrente. Dado o seu peso as pescas iscadas vão sendo arrastadas junto ao fundo do mar, atraindo as espécies que aí se encontram. Actualmente o pescado principalmente visado são polvos mas também podem capturar chocos ou outras espécies. No passado eram utilizadas com maior frequência pescas com cabo de metal (cujas medidas se aproximam a um palmo) para a captura de choco, lula e também polvo. Utilizando o mesmo princípio, ou seja, a pesca com isco suspensa de uma linha, estes objectos são também utilizados como complemento das companhas de pesca ao aparelho, que colocam as pescas iscadas à deriva na popa da embarcação para a captura de atuns. Neste caso, utilizam uma tralha à qual vai fixa a pesca iscada e junto a esta uma bóia para que o isco circule ao de cima da água que atrai o atum; este ao ficar fixo na pesca e ao tentar libertarse puxa a tralha que vai correndo, o peixe acaba por morrer com o auxílio da própria bóia. Este sistema permitia à companha do aparelho capturar até cerca de 22 atuns numa viagem (com duração de 7 ou 8 dias). Como conjunto de pesca com armadilha – o pegaço ou tigela para a pesca de polvos, são utilizadas pescas 100 cujo cabo é de metal e de menores dimensões comparativamente com as que acabámos de descrever. Neste caso, o isco era suspenso da pita junto à pesca e arriado até ao pote onde a presa se alojara 101. Segundo alguns informantes o processo de pesca de polvo à linha rebocada com pescas tornou-se impraticável em determinadas zonas do mar de Sesimbra, devido à utilização intensa dos pegaços e alcatruzes 102 que se acumularam no fundo do mar e que “fazem parede103” impedindo que o polvo ande pela areia e possa pegar nas pescas aquando da sua passagem. A zagaia A zagaia é a designação atribuída a um objecto que em Sesimbra era constituído por um pedaço de chumbo (15 cm comprido), tendo numa das extremidades uma argola metálica onde se fixa na pita, e na outra dois a três anzóis, podendo ainda ser parcialmente revestido com um pedaço de pano branco, conforme exemplar 104 existente na colecção etnográfica ligada ao mar. As zagaias mais recentes continuam a ser de chumbo mas possuem a forma de um peixe que numa das extremidades possui dois anzóis e na outra um orifício onde se fixa a linha. Em ambos os casos a zagaia é suspensa por uma linha e na água atrai o peixe (robalo, peixe espada, chaputa, etc.) pela movimentação da mancha clara que reproduz. 2.2.2. Pesca por armadilhas 105 A pesca com armadilhas reúne métodos e artes de pesca passivas, nas quais a presa acaba por se colocar em posição que lhe dificulta ou impossibilita a fuga sem que para isso tenha abandonado o seu elemento natural – a água. Em Sesimbra encontramos os seguintes métodos e artes de pesca de armadilha: 2.2.2.1. Armadilha de abrigo 106: pegaço ou alcatruz Este método retém a presa sugerindo-lho uma falsa segurança porque através da armadilha é recriado um ambiente que parece à presa um abrigo onde poderia passar despercebida aos inimigos naturais ou simplesmente, que seja apetecível ou adequado para descansar. O cabo das pescas era com frequência feito de madeira de oliveira. Da colecção fazem parte: Inv. nº ETM 69 / MMS69. À semelhança da maioria dos objectos de pesca era também feito pelos próprios pescadores tanto no passado como na actualidade. 99 O peixe usado como isco nas pescas era com frequência carapau. 100 Da colecção fazem parte: Inv. Nº ETM70 / MMS70 e ETM71 / MMS71. 101 O Processo de pesca referido será descrito no ponto seguinte ( 2.2.2.1.) 102 O método referido será descrito no ponto 2.2.2.1. 103 Adrião Covas Rodrigues, Entrevista 15/05/04, Ficha Nº 2. 104 Da colecção fazem parte: Inv. Nº ETM752 / MMS752. 105Classificação IPIMAR Grupo 5.000, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 106 Classificação IPIMAR Grupo 5.100, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 97 98

A- 12

Em Sesimbra são actualmente utilizados vários termos para designar os potes de barro destinados a servirem de abrigo ou “casa” aos polvos, criando a ilusão de se tratar de um “buraco” ou “toca” a aproveitar temporariamente. Assim, temos as tigelas de barro que no século passado teriam uma forma um pouco diferente dos actuais potes, ou seja, teriam a boca ou parte superior mais aberta 107, mas cuja designação continuou a usar-se após a vulgarização dos potes com a configuração actual 108; são também designados por pegaços e ainda pelo termo mais recentemente introduzido – alcatruzes, que traduz também uma forma de pesca mais intensiva ou seja em maior quantidade como descreveremos a seguir. Este sistema de pesca muito utilizado em Sesimbra no passado, é ainda praticado de duas formas distintas. A primeira e mais antiga, consiste em depositar os pegaços em determinadas zonas da costa e deixar que os polvos aí se alojem para mais tarde os recolher. É um método de pesca feito normalmente por apenas um ou dois pescadores109 que levam na embarcação de pequeno porte – a aiola, 40 ou 50 potes ou vasos. O pescador chegado ao local pretendido (junto à costa), com o auxilio de uma linha fixa a uma pesca que coloca dentro do pote, arreia-o para o fundo e olhando para terra assinala o local por referência a determinados enfiamentos em terra110 ou características na paisagem, estabelecendo a marca 111, depois sacode a linha para que a mesma se safe 112 do pegaço que fica no fundo e puxa a pita com a pesca. Anda mais um pouco e repete a operação anterior, ou seja, deposita o pote e fixa o local através de nova marca; avança mais um pouco e repete novamente a operação e assim sucessivamente até ter colocado todos os potes no mar e fixado as respectivas marcas e volta para terra. Alguns dias depois o pescador volta aos mesmos locais e orientando-se pelas marcas anteriormente memorizadas posiciona-se no local exacto onde depositou o pote e lança nessa direcção uma pesca 113 com isco suspensa numa pita 114 que deverá chegar à boca do pote. Se nesse vaso entretanto se alojou algum polvo, de imediato sai do seu esconderijo e se lança ao isco da pesca ficando preso aos respectivos anzóis. Nessa altura, o pescador puxa a pita e agarrado vem o polvo 115 que é retirado da pesca, morto com uma navalha 116 e colocado na embarcação. O pescador segue então para a marca seguinte voltando a repetir as mesmas operações até ter percorrido todos os vasos anteriormente aí colocados. A segunda e mais recente forma de pescar com potes de barro, é o método em que vários potes são ligados entre si através de uma série de linhas, permitindo a captura em grande número, sendo neste caso designados por alcatruzes. Neste caso a cada um dos potes foi atado um fio de nylon individual cuja extremidade oposta se fixa a uma espia 117 ou fio principal e ao qual todos os potes se ligam através dos respectivos fios formando um único conjunto. Numa das extremidades da espia foi colocada uma bóia para sinalização do local à superfície e no fundo é colocada uma pedra, também ligada mais ou menos a meio da espia através de um outro fio. Ao serem colocados no mar os alcatruzes assentam no fundo ficando a espia à superfície distanciada 3 a 4 metros dos potes118. O pescador selecciona determinado local da costa ao qual se desloca e vai arriando o conjunto dos alcatruzes. Dias depois o pescador volta ao local sinalizado pela bóia e começa por puxá-la para bordo e puxando sempre, os alcatruzes vão emergindo e o pescador vai colocando-os na embarcação. Depois tira os polvos dos respectivos pegaços usando por vezes para o efeito um pouco de sal ou vinagre que coloca num orifício existente no fundo do recipiente e que obriga o polvo a sair. Depois de retirado o polvo que é de imediato morto e colocado na embarcação, o pescador volta a arriar os alcatruzes e respectivas bóias para o fundo do mar, ficando novamente prontos para alojar novas presas.

Inicialmente teriam sido usadas na pesca de polvo as tigelas que na altura eram usadas como recipiente doméstico. Da colecção fazem parte: pegaços ou alcatruzes, Inv. nº ETM67 / MMS67 e ETM68 /MMS68. 109 O método de pesca agora analisado, era com frequência praticado por diversos membros da mesma família. 110 Na memorização de marcas podem ser tomados como pontos de referência, rochas, casas ou outros pontos referenciais:“(...) marcavam por terra, na rocha, marcavam “olha, amanhã venho aqui, sei que, por exemplo, larguei esta tigela aqui mas amanhã olho para a rocha e sei que esta tigela está aqui, chego lá...”, ainda hoje existem esses homens, existem (...)”. Aníbal, Entrevista 22/06/00, Ficha nº 1, pp. 11. 111 Como referimos anteriormente a marca é o conjunto dos pontos referenciais memorizados que permitem aos pescadores localizar com exactidão determinado local no mar. 112 Safar é um termo utilizado localmente e que traduz a acção de um gesto: libertar, soltar, desembaraçar ou tirar para fora. Este termo é aplicado em diversos métodos de pesca. 113 A pesca foi descrita anteriormente (ponto 2.2.1.2.) e consiste num objecto constituído por pequenos anzóis radiados numa peça de madeira ou metal na qual vai fixo o isco e por vezes eram utilizados elementos atractivos auxiliares como era o caso de pedaços de plástico amarrados ao lado da pesca e que serviam de atractivo ao polvo. Fixas à linha eram também colocadas chumbadas para que o conjunto tivesse peso suficiente para chegar ao fundo. 114 A pita designa localmente a linha ou fio. 115 Por vezes são apanhados dois polvos de uma só vez acontecendo quando se acasalam dentro do pote, local onde a fêmea deposita os ovos. 116 O polvo morre rapidamente quando introduzida a navalha numa zona sensível localizada entre os olhos. 117 Espia é a designação atribuída a um cabo comprido 118 Da colecção faz parte uma Maquette que ilustra a configuração dos alcatruzes no mar, Inv. nº ETM64/MMS64. 107 108

A- 13

2.2.2.2. Armadilha de Barragem119: a arte das armações As armadilhas de barragem são obstáculos mais ou menos eficientes à progressão normal do pescado. São paredes ou barreiras verticais labirínticas, dispostas de modo a facilitar a entrada em determinada área ou dispositivo de onde, posteriormente, será bastante difícil sair pelos próprios meios. Exemplo deste tipo de armadilha utilizada em Sesimbra foi a Armação de Copo à Valenciana, localmente apenas designada por armação ou indústria, utilizada em Sesimbra desde finais do século XIX 120 e que deixou de ser praticada por volta dos anos 60 – 70 do século XX, devido por um lado à escassez das espécies que capturava na costa de Sesimbra, e por outro ao aparecimento e evolução de outras artes que se tornaram economicamente mais rentáveis. As armações eram complexas armadilhas de barragem na sua organização, composição e montagem, destinadas à captura de peixe miúdo 121 e constituídas por um conjunto de redes de diferentes malhagens e cabos sustentados por âncoras ou ferros. Exposta no mar, apresentava uma extensa “parede” vertical de rede fina (rabeira), cuja aresta final, perpendicular ao fundo do mar, entrava numa câmara de rede (bucho). O peixe que nadava ao longo dessa “parede”, passava pelo bucho e daí para o copo de onde já não conseguia sair. Armar a armação Em Sesimbra e de forma a maximizar a quantidade de pescado, eram armadas pelo menos duas armações, uma no prolongamento da outra, sendo uma de menores dimensões122 localizada do lado de terra (junto à rocha) e a maior no lado de mar, normalmente ambas do mesmo proprietário. A montagem (armar) da armação no mar implicava um trabalho moroso de cerca de três dias num vaivém de embarcações que transportavam os pesados ferros, cabos, redes, correntes, bóias e barricas, que iam sendo armados no pesqueiro da respectiva armação, local onde apenas essa indústria podia armar, sendo-lhe esse direito consagrado por contrato. A escolha do local para armar uma armação era efectuada segundo critérios específicos, ou seja, teria de ser um local junto à costa (normalmente escolhido como abrigo e fonte de alimento de determinadas espécies) e deveria abranger diferentes profundidades, próprias à instalação do conjunto da armação e favoráveis à passagem e entrada do peixe visado que se desloca de locais de maior profundidade para zonas de menor profundidade junto de terra. A rede da armação teria de ser armada no máximo até às 30 braças de profundidade, conforme refere um dos nossos informantes: “à borda do fundo (...) está pousada e travada com os ferros123”. Sendo essa a localização considerada a própria ou seja “à feição”, no dizer dos próprios pescadores, não podendo ultrapassar esse limite o que implicaria a queda da armação para o fundo. Na montagem da armação eram utilizados à superfície cabos de cairo 124 de que se suspendiam as redes sendo mantidos sobre a água por meio de flutuadores, bóias e barris. O conjunto era imobilizado através de cabos de cairo e correntes ligados aos ferros de fundear. O armar da armação era iniciado pelo mandador de terra125 ou encarregado geral, que depois de iniciadas as operações, ia dando as instruções aos camaradas que executavam as diversas tarefas sob a sua orientação. A primeira operação era realizada pelo mestre de terra que, após a saída da barca para o mar e chegada ao local da marca, lançava a sonda 126 para verificação da profundidade e identificação exacta da marca, procedendo-se depois à colocação da espia da amarra do sul que descia até ao fundo e à qual se ligava uma baliza 127. A partir da mesma Classificação IPIMAR Grupo 5.210, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). Pelas recolhas que efectuámos constatámos que em finais do século XIX esta arte era já utilizada em Sesimbra, no entanto, não nos foi possível apurar a data da sua introdução. Num trabalho de pesquisa sobre a história e características da arte das armações (SILVA, Joaquim Manuel Bragança Lino da, Armações de Pesca, Vol. I, Lisboa, 1966 (Dissertação de licenciatura em Geografia), o autor situa a arte das armações enquanto herdeira das almadrava s- antigos sistemas de pesca que foram sofrendo diversas alterações ao longo do tempo e que durante o século XIX eram utilizadas para a pesca do atum no sul do país (Algarve). O mesmo autor refere a possível introdução em Portugal entre 1858 e 1876 do método da Armação de Copo à Valenciana adaptado à pesca de sardinha e de características idênticas às armações utilizadas em Sesimbra. 121 Das espécies capturadas pela armação contavam-se a sardinha, carapau, cavala, pequenos plágios, entre outros. 122 A armação de menores dimensões possuía apenas uma barca na testa, permitindo a entrada de 2 embarcações. Segundo o nosso informante, Ângelo Sobral Farinha, por vezes a armação pequena apanhava mais peixe que a grande. 123 Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 01/07/04, Nº 7, pp.1-2. 124 Os cabos utilizados nas armações eram inicialmente apenas de cairo mas segundo alguns informantes, a partir de determinada altura cerca dos anos 40 ou 50 do século XX, passaram a usar para as mesmas funções cabos de metal ou “arame” que eram previamente tratados para não enferrujar, consistindo esse tratamento na aplicação de uma massa (“lerete”), eram depois forrados com cabo de cairo fino de forma a cobrir toda a superfície metálica, por fim era aplicado verniz e deixado durante muito tempo a secar. A estes cabos ligavam-se argolas de metal que sofriam o mesmo tipo de tratamento e que passaram a substituir os nós ou laços anteriormente efectuados com os cabos de cairo. Com a utilização estes cabos e argolas iam-se desforrando no mar sendo substituídos parcialmente apenas os que se desforravam. As demoradas tarefas de forragem dos cabos eram também efectuadas pelos próprios pescadores (actividade que requeria 2 homens a trabalhar em simultâneo) em terra, possuindo para isso alguns objectos auxiliares como é o caso dos forradores de cabos de aço (da colecção Inv. ETM22/MMS22 e ETM25/MMS25. 125 O mandador de terra era a pessoa responsável pelos trabalhos efectuados em terra e pela armação das redes no mar. 126 A sonda consistia num fio de linho fixo a uma tábua que ao ser lançada ao mar indicava a profundidade do local quando assentava no fundo. 127 Bóia de cortiça que sinalizava o local da marca. 119 120

A- 14

fazia então uma espia 128 do comprimento da armação, seguindo-se a colocação dos cabos de superfície paralelamente à costa e dos cabos que unem transversalmente os primeiros, designados por testinha, mercaço e contratesta (o cabo de dentro). Dos cabos externos que formam o perímetro da figura poligonal, suspendiam-se as redes envolventes que delimitavam os espaços designados por câmara e copo. Do cabo designado por mercaço de dentro suspendiam-se levas129 que se fixavam à rede do copo que assentava no fundo. O conjunto era fundeado com vários ferros, recebendo cada um deles um nome específico conforme os locais por que se distribuem 130. A operação de fundear cada um dos ferros implicava a verificação da profundidade de cada local com a sonda, só depois de verificado cada fundo e caso fosse o indicado é que era lançado o respectivo ferro 131. Cada ferro estava ligado a uma corrente fixa à respectiva amarra 132 inicialmente de cairo e mais tarde de arame forrado, que se ligava ao conjunto, primeiro efectuando-se nós entre as várias amarras e posteriormente através de argolas de arame também forradas. Na extremidade destas amarras oposta aos ferros, fixavam-se as cartolas ou barricas133 com o objectivo de manter o conjunto da armação à superfície, igual função desempenhavam as bóias ou balões de ferro134 também fixas a algumas das amarras 135. Depois de fixos os cabos, eram colocadas as várias redes com malhagens distintas conforme a função que desempenham no conjunto. A rede da rabeira possuía malhagem larga cujo objectivo era produzir sombra que levasse o peixe a seguir ao longo dela até à boca. Por sua vez a rede da boca era formada por 3 redes de malhagens também largas, sendo colocadas perpendicularmente à superfície da água, uma delas no prolongamento da rabeira e as outras duas no sentido da câmara formando duas aberturas por onde o peixe era levado a entrar. A rede do bucho delimitava o espaço designado por câmara, tendo um palmo de malhagem e ficava suspensa da testinha até ao mercaço. Por fim, as redes da área do copo que se distribuíam da seguinte forma: redes de gachas – do mercaço à testa, de malha de um palmo e que se estendiam verticalmente até ao fundo; redes da testa – também se estendiam até ao fundo mas eram feitas de malha muito reduzida (16 por palmo); o chão do copo – assentava no fundo toda a sua extensão, era ligada às redes verticais por meio de tralha de cairo e era constituída por redes de malhagens diferentes, sendo cada vez menos reduzida à medida que se afastava da testa até mais ou menos metade da sua extensão (total 54 braças), a partir de então a malha do chão do copo passava a ser idêntica à da rede das gachas. Como referido anteriormente, para manter as redes sobre a água eram fixas à parte superior e a toda a volta das redes, bóias de cortiça 136 e na parte inferior - o arrassaz137 eram fixos os prodes, pedaços de pedra que forçavam a rede a manter a posição vertical na água e a manter direitas as bóias. A partir de determinada altura os prodes foram substituídos por correntes fixas no arrassaz, que iam para o fundo e obrigavam a rede a ficar direita ou “em teso”. Depois de montada a armação, normalmente a partir do mês de Março, só seria retirada no Outono, no entanto, durante esse período e sempre que necessário era efectuada a manutenção dos materiais que se iam degradando, como era o caso das redes que nessa altura eram de algodão e que periodicamente eram substituídas, dado que era possível desperfiar138 dado excerto de rede e de imediato colocar outro em seu lugar perfiado 139 à restante rede e

A espia era um cabo em cairo (3 a 4 cordões de torcedura) com várias utilizações, nomeadamente para amarrar e rebocar as embarcações. Da colecção faz parte um excerto de cabo de cairo, Inv. ETM38/MMS38. 129 As levas eram cabos de cairo. 130 Ver figura 4. No Copo são designados por latos, encontros, pernadas e mercaços; na câmara por suste grande, caça e perfio e na rabeira por côvados, parceiros, terceiros e quartos. 131 Cada ferro pesava cerca de 400 quilos, sendo por isso necessário várias barcas para o seu transporte até ao local. Cada barca (ou gacha) transportava 2 ferros um na popa e outro na proa e 2 amarras uma à vante e outra à ré ao redor da popa. A cada ferro pertencia a sua amarra. No caso dos ferros e amarras que seriam colocados nos locais mais profundos (a 200 –250 braças de profundidade), dado o seu tamanho e peso eram transportados numa barca apenas 1 ferro e 1 amarra. 132 As amarras utilizadas nas armações eram de cairo calabriado até cerca dos anos 30 - 40 do século XX, a partir dessa altura passaram a utilizar para o mesmo fim arame forrado. 133 As cartolas ou barricas eram recipientes de madeira com capacidade de cerca de 200 litros. (tradicionalmente usadas para armazenar vinho), eram previamente preparadas para desempenhar funções de bóias, sendo para o efeito pintadas com verniz e de preto para melhorar a sua resistência à deterioração provocada pela água do mar. 134 Na armação eram utilizadas bóias de ferro de grandes dimensões e peso sendo necessária a força de 8 homens para as levantar e transportar. 135 A configuração descrita é visível na figura nº 4 anexa ao presente trabalho. 136 Cada bóia era constituída por cerca de 8 folhas de cortiça (mais ou menos, dependendo da espessura das mesmas) às quais era feito um orifício (da colecção: furadores de cortiça Inv. nº ETM34/ MMS34 e ETM35/MMS35) e pelo qual passava uma corda de cairo que assim unia o conjunto das folhas de cortiça formando uma bóia. Da colecção fazem parte: bóias de cortiça, Inv. nº ETM32/MMS32 e de ETM704/MMS704 a ETM708/MMS708. 137 O arrassaz é a forra inferior da rede. 138 Desperfiar consiste em desalinhavar ou soltar os pontos anteriormente feitos para unir as redes. 139 Perfiar significa executar diversos pontos de forma a unir dois ou mais excertos de rede. 128

A- 15

cozido ao arrassaz. O encabeçar ou seja, substituir dado excerto de rede implicava que os mesmos tivessem as medidas exactas para que pudessem encaixar no conjunto da rede 140. O levantar da armação – a faina: O levantar das redes do copo era efectuado duas vezes ao dia, de manhã cedo e ao entardecer. Para isso eram utilizadas várias barcas que se localizavam em locais estratégicos conforme as operações a efectuar, sendo rebocadas até ao local por uma barca que a partir da introdução dos motores era uma embarcação motorizada que também servia de enviada 141. Uma das embarcações era a designada barca das portas, a maior e mais potente, que se localizava junto à testinha e na qual iam 12 homens142; duas barcas auxiliares da anterior que tomavam os nomes de gacha do mar e gacha de terra, localizadas uma de cada lado dentro da área do copo, levando cada uma delas cerca de 7 homens; e finalmente o batel 143, embarcação que se colocava junto à testa e cuja rede se suspendia da própria embarcação por meio de levas, tendo cerca de cinco homens a bordo. Durante o levantar o batel mantinha-se fixo, suspendendo a rede da testa onde o peixe ficava retido, após ter sido afugentado e orientado na direcção dessa rede pelos camaradas das outras barcas. A faina tinha início após indicação do mandador que previamente se deslocava ao centro do copo, verificava o fundo depois de efectuar um movimento na barca que estremecia na água, caso existisse peixe este reagiria ao movimento, “dava logo o sinal – a branca144” no dizer dos pescadores, e nesse caso o mandador dava indicação aos camaradas da barca das portas para baterem na água com os pexeiros145, obrigando o peixe que se encontra na câmara 146 a entrar no copo até chegar ao mercaço. Os camaradas desta barca tomavam então as levas do chão ao mesmo tempo que os das gachas, que também se dirigiam para a testa, iam puxando a rede do copo para cima de forma a encaminhar o peixe até à ponta e conforme iam levantando as redes iam-nas recolocando de imediato na água. Deste modo, todo o peixe que circulava pela câmara e pelo copo, ficava copejado ou seja, ficava concentrado na rede da testa que era nessa altura fixa, para permitir a operação seguinte que consistia no retirar do peixe para as barcas por meio de xalavares 147. Após ter sido todo desenvasado o peixe, largava-se a rede para dentro de água, ficando então pronta a pescar novamente. Caso junto da armação maior houvesse uma de menores dimensões, o levantamento da última iniciava-se no momento em que o da maior fosse a meio de forma a chegarem ao mesmo tempo à testa das duas e assim ser possível retornarem a terra ao mesmo tempo. Depois de cheias 148, as embarcações efectuavam o transporte para terra, sendo todas elas rebocadas pela barca principal e mais potente. O desarmar a armação: A tarefa de desarmar a armação tinha lugar nos meses entre Setembro e Outubro. Para desarmar a armação começava-se pelo lado da terra 149 e a última parte era o rabo. Primeiro era necessário retirar as redes e sucessivamente desamarravam-se e desaparafusavam-se as argolas, colocando as amarras dentro das embarcações. 140 A execução dos panos de rede efectuados em terra, requeriam determinadas medidas fixas por forma a permitir a sua substituição, por exemplo, eram necessários 7 panos de rede de 50 malhas cada, cada um teria de ter um x de malhas por cada braça, medidas calculadas com uma vara de uma braça correspondente a aproximadamente1,70. 141 Enviada era o nome dado à embarcação que tinha por função efectuar o transporte da armação para a lota. 142 Da companha quatro homens tinham por função puxar as redes e aos restantes cabiam tarefas diversas como a substituição de redes, entre outras. 143 Esta embarcação estava preparada com equipamento destinado a levantar os ferros da armação quando chegava a altura de a desarmar, possuindo para isso 2 gavietes (da colecção: gaviete de batel, Inv. nºETM13/ MMS13) que constituem traves salientes com roldanas colocadas na proa e popa da embarcação. A potência do batel era semelhante à da barca das portas, dado que os ferros que transportava chegavam a atingir uma tonelada de peso. 144 A branca constitui o efeito de mancha branca provocado pelo movimento e “bolhinhas” dos peixes quando em cardume ou em grande número, quando observado à superfície. 145 Os pexeiros são varas compridas de madeira tendo na extremidade inferior um gancho de metal. Segundo o nosso informante, Ângelo Sobral Farinha, este procedimento executado tanto no tempo dos seus pais como no seu, era incorrecto porque dessa forma se afugentava o peixe mais pequeno porque a malha da rede da câmara da armação era larga, permitindo a sua fuga. Este pescador optou por alterar o referido procedimento, não batendo com o pexeiro conseguindo segundo ele, capturar todos os peixes que se encontravam nas redes. Optava por levantar as redes de manhã antes do nascer do dia, numa altura em que o peixe não via nem o fundo nem os pescadores, conseguindo dessa forma “matar” o peixe que estava no copo e o que estava no bucho. 146 Dada a configuração das redes e o tempo de permanência nas águas, a câmara enchia-se de limo (termo que designa as algas e outro tipo de vegetação marinha), tornando este espaço aprazível aos peixes enquanto local que facultava abrigo e alimento. “(...) cada indústria daquelas era um viveiro, criava limo, criava mexilhão e depois o peixe punha-se ali ao abrigo das redes e dos cabos, apanhava muita comida à volta dos cabos (...)”, Aníbal, Entrevista 22/06/00, Ficha nº1, pp. 9. 147 Os xalavares são um género de camaroeiro, peça com cabo comprido de madeira tendo na extremidade inferior um género de saco de rede, aberto por meio de um aro de metal. Da colecção: xalavar, Inv. nº ETM21/MMS21). 148 A quantidade de peixe capturado variava chegando por vezes a 10 ou 15 barcas de peixe por levantada. 149 O lado de terra corresponde à parte da armação mais próxima da costa e de menor profundidade.

A- 16

Depois de transportados os apetrechos para terra era necessário colocá-los ao sol para secarem, era o caso dos pesados cabos de cairo que eram estendidos fora da praia a secar, quando os locais mais próximos já estavam ocupados os pescadores transportavam-nos às costas, rua acima até à Cruz do Calvário 150, entoando vocalizações encorajadoras ao esforço. Algumas considerações sobre a arte das armações em Sesimbra: Arte já em desuso em Sesimbra, que apesar de sazonal 151 desempenhou um importante papel sócio – económico na vila até cerca dos anos 60 do século XX 152. Pela complexidade da própria arte, meios materiais, número de homens que empregava e período temporal durante o qual foi exercida, a armação foi o método de pesca que mais marcas deixou tanto na própria comunidade 153 e seu modo de vida como na organização e configuração arquitectónicas da vila 154. As armações ao contrário das outras artes em Sesimbra, a maioria de características familiares, podem ser consideradas indústrias com alguma dimensão que dadas as características inerentes à própria arte implicavam um certo investimento material e humano, sendo por isso da propriedade de alguns investidores, normalmente não pescadores. Cada armação possuía cerca de 10 ou 11 embarcações; armazéns que eram normalmente edifícios de vários pisos, sendo cada um destinado a diferentes funções 155 desde a armazenagem de todo o equipamento e escritório até a servirem de abrigo a pescadores em especial os não residentes na vila; para além de todo o aparato necessário à própria armação da arte. Dadas as características desta arte, cada armação empregava um grande número de trabalhadores (cerca de 60 homens cada uma) tanto pescadores locais que habitualmente se dedicavam à actividade da pesca nas diversas artes locais, como rurais que encontravam nesta actividade sazonal uma oportunidade de complementar a sua situação económica dependente da agricultura 156. Às armações de Sesimbra afluíam ainda trabalhadores de fora do concelho, que como acontecia na agricultura 157, procuravam actividades sazonais fora das respectivas áreas de residência. 2.2.2.3. Armadilha tipo gaiola 158: os covos Os covos são dispositivos de dimensões e forma diversas que quando armados, isto caso permitam ser desmontados ou dobrados de modo a facilitar o transporte e arrumação a bordo por ocuparem assim muito menos espaço, são armadilhas constituídas por estrutura rígida tal que por si só ou servindo de suporte a panos de rede, delimitam um compartimento cujo acesso é feito através de uma ou mais aberturas fáceis de franquear de fora para dentro – as endiches mas cuja utilização, em sentido contrário é, na prática, vedado às presas. Em Sesimbra este tipo de armadilhas são lançadas a partir de embarcações de pequeno porte por companhas de três a quatro homens ou menos e muitas vezes por um só pescador. São designadas genericamente por covos e destinadas à captura de crustáceos diversos. De forma variável (rectangular, cilíndricos ou semicilíndricos), dependendo da espécie pretendida (lagosta, santola e camarão), o tipo de material de que são construídos pode ser rede159, junco, madeira 160, ou arame, sendo os de rede os mais utilizados localmente. A Cruz do Calvário é um local situado na encosta da Vila de Sesimbra. Nas últimas décadas da utilização da armação, esta era armada durante os meses de Março a Outubro. Segundo alguns informantes “em tempos” (que não nos foi possível localizar cronologicamente) seria utilizada durante todo o ano. Não nos foi possível confirmar esta informação, no entanto, encontrámos referências bibliográficas à sua utilização permanente, apesar da maioria dos informantes e bibliografia consultada referirem a sazonalidade desta arte. 152 Segundo Hernani de Barros (em BERNARDO, Hernani de Barros, Monografia de Sesimbra, 1941, pp. 203) durante o período de 1931 a 1939 existiram em Sesimbra uma média de 14 armações correspondendo a mais de 60% do produto de pescado efectuado com esta arte em Portugal. Refere ainda que em 1939 existiam em Sesimbra as seguintes indústrias de Armação à Valenciana: Cavalo, Varanda, Burgau, Bolorá, Cozinhadouro, Ilhéu das Gaivotas, Baixas, Forninho, Cova, Agulha, Torre Velha, Torre, Remexida e Vale Côvo. 153 Alguns dos nossos informantes com cerca de 60 ou 70 anos referiram que já os seus avós foram pescadores das armações. 154 A localização de antigos armazéns e lojas de companha são actualmente já pouco visíveis dado que a maioria dos armazéns das armações foram demolidos e construídos novos edifícios actualmente de comércio, restauração e habitação. 155 O rés do chão dos armazéns das armações servia de armazém onde eram guardados os cabos, ferros, barricas ou cartolas; as redes guardavam-se normalmente no primeiro andar onde também se localizavam os escritórios da respectiva indústria. Os armazéns também serviam de abrigo onde muitos pescadores tomavam as refeições e pernoitavam, tinham para o efeito um refeitório onde preparavam e tomavam as refeições em comum e catres onde dormiam. 156 Numa altura do ano em que havia menos trabalho rural, os agricultores (sobretudo os que trabalhavam à jorna para lavradores detentores de terras) aproveitavam para trabalhar em pescas sazonais como era o caso das armações e sacadas cuja maior actividade coincidia precisamente na altura no Verão. 157 Os designados “ratinhos” eram grupos de trabalhadores que procuravam trabalho normalmente sazonal como era o caso das colheitas, fora dos concelhos e áreas de residência. 158 Classificação IPIMAR Grupo 5.520, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 159 Da colecção fazem parte: covo de rede desmontado inv. nº ETM1/MM1e covo de rede armado, inv. nº ETM73/MM73. 160 Da colecção faz parte: covo de madeira, inv. nº ETM65/MMS65. 150 151

A- 17

Os covos de rede assumem diversas formas e tamanhos que divergem quanto ao tipo de espécie pretendida, à habilidade e criatividade do pescador que os constrói 161. São basicamente constituídos por 3 arcos de metal colocados paralelamente uns em relação aos outros por intermédio da rede neles perfiada e que os reveste, adquirindo o conjunto a forma de um cilindro por intermédio de três pedaços de cana cujas extremidades se fixam aos dois aros exteriores 162. Possuem duas ou mais entradas – endiches – que permitem a entrada do pescado que é atraído pelo isco fixo a uma corda no interior do covo, mas feitas de forma que o mesmo não consiga sair. O covo é lançado à água fixo a cabos e tralhas cujas bóias ficam à superfície e assinalam o local onde foi lançado. Para obrigar o covo a submergir e consoante os casos, são colocados argolas de ferro fixas de ambos os lados do covo ou pedras no seu interior. Segundo Maria Alfreda da Cruz 163 , os covos de junco com a forma de cone truncado possuíam um género de tampa – a tapadoira confeccionada em rede grosseira, tendo na extremidade oposta uma abertura com varas orientadas obliquamente para o interior da armadilha. Estes covos destinavam-se à captura de lagosta. Para a mesma espécie eram também usados covos de madeira de forma cilíndrica de cerca de 1,20 de comprimento e 60 cm de diâmetro164, situando-se a endiche na parte lateral do covo. Os covos de arame descritos pela mesma autora 165 teriam forma abarrilada e endiche situada lateralmente e eram utilizados para a captura de moreia e safio em locais pedregosos. 2.2.3. Pesca por arte envolvente – arrastante: a arte xávega166 Da arte xávega que pertence ao grupo das artes que actuam arrastando em simultâneo com o envolvimento ou cerco, podem distinguir-se dois tipos de redes: as de alar para terra e as de alar para embarcação. No primeiro caso, depois de ter sido deixado um dos cabos de alagem na praia, a embarcação circunda determinada área à medida que vai largando a rede e regressa depois à praia onde deixa o segundo cabo; em terra a rede é então puxada através dos dois cabos. No segundo caso, são utilizados duas embarcações sendo o cabo de alagem fundeado em determinado local no mar, efectuando uma das embarcações o cerco tal como no primeiro caso mas regressando ao ponto onde se encontra fundeado o primeiro cabo, puxando-se a rede para a embarcação. Em Sesimbra a arte xávega é genericamente designada por chincha 167 e também conhecida por arte do Caneiro 168. No passado foram também praticadas as chinchas ou chinchorros que utilizavam redes de menor dimensão e malha muito miúda, actualmente interditas, tendo no entanto permanecido as designações, nomes pelos quais é designada a xávega tanto de alar para terra como a de alar para bordo. Pelo que podemos constatar no âmbito das recolhas que efectuámos, na praia de Sesimbra existe apenas uma pequena embarcação que utiliza uma rede xávega ou chincha de dimensão reduzida e de alar para terra, como refere um dos nossos informantes: “Vai, ainda hoje foi, vai lá fora com a rede e depois, vai dar a tal dita corda, que aquilo tem lá uma corda, e depois vai andando lá fora e depois dá a volta lá fora e depois puxa cá de terra.” 169 Quanto ao tipo de rede de alagem para bordo, não nos foi referenciada qualquer companha que a pratique actualmente, no entanto, de acordo com a bibliografia consultada 170 e as nossas recolhas, foi no passado praticada em Sesimbra. Neste caso, o dono da embarcação era normalmente o mestre de redes que arranjava e armava a arte, sendo utilizadas normalmente duas barcas 171 com sete a oito homens cada uma, que contratados para a altura não possuíam vínculo por temporada como acontecia em artes como a armação.

Tanto os covos como outros meios de pesca construídos pelos pescadores são muitas vezes alterados ou re-inventados com base na própria experiência e conhecimento dos fundos do mar e do comportamento das diversas espécies, por forma a melhor rentabilizar as suas capturas. 162 Quando retiradas as canas dos covos, é possível unir os 3 aros principais, ocupando assim muito menos espaço, tornando-os mais fáceis de transportar. 163 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 63. 164 As medidas referidas são as do covo de madeira que integra a colecção, inv. nº ETM65 / MMS65. 165 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 64. 166 Classificação IPIMAR SX 9.000 e SX 9.200, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 167 Chincha ou Chinchorro são termos que designavam um método essencialmente igual à xávega mas com duas diferenças em relação à última: a rede era de extensão mais reduzida e a malha muito miúda. Segundo Maria Alfreda da Cruz, a Chincha ou Chinchorro terá sido o método percursor da Xávega (CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp.49-52). 168 O Caneiro é o nome da zona costeira a nascente (Califórnia) onde era frequente a prática desta pesca. 169 Adrião Covas Rodrigues, Entrevista 15/05/04, Ficha Nº 2, pp. 35. 170 Da bibliografia consultada, destacamos em particular a obra de CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...). Ver figura nº 5 em anexo com desenho explicativo da arte xávega executado pelo nosso informante Ângelo Sobral Farinha. O presente desenho representa a xávega de alar para bordo, dada a existência de dois botes e de dois ferros de fundear fixos aos cabos de alagem, sendo da mesma forma representada pela maquete da colecção, Inv. nº ETM63, que reproduz esta arte. 171 Maria Alfreda da Cruz refere a utilização de dois botes enquanto que um dos nossos informantes referencia duas barcas de Sesimbra que também representou no desenho da arte xávega que anexamos e na maquete representativa desta arte (Inv. ETM63/MMS63). CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...), pp.50 e Sr. Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 20/05/05, Ficha nº 4, pp.7-8. 161

A- 18

À época172 do levantamento efectuado por Maria Alfreda da Cruz173, a xávega era ainda praticada na praia de Sesimbra por muitos pescadores, tendo a autora referido o seu possível desaparecimento no futuro dada a crise que se fazia sentir nessa arte, o que de facto se veio a concretizar. A mesma autora refere que durante o período auge da utilização da xávega 174 as companhas chegavam a ter 20 indivíduos, sendo a tripulação de apenas 11 incluindo o mestre, e os restantes 9 desempenhavam funções em terra como o alar da rede. Nessa altura alguns dos membros da companha tinham funções específicas como era o caso de espadilheiro – o que governava o barco e de calhador - o que vigiava o lançamento da rede. Actualmente a xávega ou chincha de alar para terra ainda é utilizada na Praia do Meco (Sesimbra) por diversas companhas, e com algumas particularidades que a diferenciam da mesma arte praticada no passado na praia de Sesimbra, em termos de tipo de embarcação utilizada e designações atribuídas aos diversos constituintes da rede, que apresentamos em desenho 175 anexo. No Meco, apesar da xávega ser designada por chincha tal como em Sesimbra, parece aproximar-se em termos de modo de fazer às xávegas utilizadas noutras praias do país 176, sendo o tipo de embarcação, o saveiro 177, de designação e características que não encontramos na Vila de Sesimbra178. A rede A arte xávega assenta no fundo do mar na posição vertical e utiliza redes de grande dimensão. É constituída por longas asas que chegam a atingir os 500 metros, bolsa ou saco situada na região central e de reduzida dimensão quando comparada com o tamanho das asas. A bolsa ou saco é feita de rede de nylon 179 de diferentes grandezas (de 9 a 11 cm) sendo mais larga à medida que avança do centro para a periferia, facto que determina o progressivo alargamento da rede nesse sentido, ou seja, no sentido da boca do saco. À boca do saco são lateralmente unidas as asas ou mangas de rede mais larga cuja altura vai diminuindo na direcção das extremidades e estas amarram cabos que prolongam as asas do saco. As diferentes partes constituintes da rede da xávega 180 tomam no Meco as seguintes designações 181: -- o saco (no sentido da boca): o extremo do saco que corresponde à malhagem mais fina é designado por calima que utiliza a mesma rede usada nas traineiras também denominada rede de galeão; -- ainda no saco, a parte da rede de malhagem um pouco mais larga e que se segue à anterior é referida por arcanelas; -- segue-se a boca do saco cujas ligações (pegamentos ou encontros) com os alares tomam a designação de cutelos 182; -- contíguas ao saco seguem as asas ou alares, cujas áreas mais largas são designadas em ambas as asas, por caçaretes; -- os extremos de cada asa ou alar são constituídos por rede mais larga, ambos tomando o nome de colares; -- aos colares segue-se ainda uma rede mais larga (a mais larga do conjunto) e em ambos os alares, que é designada por regalos e que servem apenas para amparar o conjunto, e que terminam no calão – as pontas desta rede onde se ficam as cordas de alar. Para permanecerem em posição vertical e aberta a boca do saco, tanto o saco como as mangas são guarnecidas na parte superior por tralhas183 de cortiças – as pandas184 e inferior por chumbos. Na boca do saco a cortiça é de maiores dimensões para poder sustentar os chumbos também mais pesados que na restante rede. Os levantamentos efectuados por Maria Alfreda da Cruz reportam-se anos 60 do século XX. CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...), 1966. 174 A autora não situa cronologicamente o período auge de utilização da xávega, contudo calculamos que o mesmo se possa situar 20 a 40 anos antes, ou seja, por volta dos anos 30 ou 40 do século XX. 175 Ver figura nº 5, com desenho que esquematiza a arte de alar para bordo, no entanto, sendo a rede igual em ambos os casos (alar para terra e alar para bordo), utilizamo-la no presente trabalho com as designações aplicadas à xávega na Praia do Meco e indicadas pelo nosso informante, Manuel Coelho, que aí pratica actualmente esta arte (Entrevista 08/12/04, Ficha Nº 10). 176 A avaliar pelo processo técnico praticado e pelas afirmações do nosso informante que situa a arte por si praticada semelhante ou “(...) do tipo dessa da Costa da Caparica, da Fonte da Telha, aqui a do Meco.”, Manuel Coelho, Entrevista 08/12/04, Ficha Nº 10. 177 O nosso informante, Manuel Coelho, comparou as embarcações que utiliza na Praia do Meco às embarcações “antigas da Nazaré” (Entrevista 08/12/04, Ficha Nº 10). Ver fotografias nºs. 6 e 7 em anexo, relativas a dois saveiros do Meco. 178 As observações que apresentamos surgiram durante o trabalho de recolha mas cuja análise e aprofundamento destes aspectos não nos foi possível concretizar. 179 No passado as redes eram de algodão e linho o que implicava maiores cuidados, nomeadamente na secagem das redes que eram estendidas ao sol, trabalho hoje desnecessário com as redes de nylon. 180 Da colecção faz parte um conjunto da rede xávega constituído pelas diversas redes, pandas, pequenas bóias e cintos de alar a rede para terra, Inv. nº ETM51/MMS51 a ETM54/MMS54. 181 Ver figura nº5 com desenho representativo da xávega, com designações indicadas por um pescador da xávega no Meco. (Manuel Coelho, Entrevista 08/12/04, Ficha nº 10). 182 Segundo o nosso informante é nos cutelos que reside o maior segredo da rede xávega: “É que cada junta, o encontro daqui tem que dar bem com aquele que vem de acolá, é o segredo maior que as redes têm, se não ficar em condições pode ir as vezes que for ao mar que nunca pesca, nunca mata nada. É o cutelo, é a ligação da boca com o alar”, Manuel Coelho, Entrevista 08/12/04, Ficha Nº 10, pp.16. 172 173

A- 19

A faina na praia de Sesimbra185 No caso do arrasto para terra, as operações eram efectuadas a partir de uma embarcação que transportava e lançava a rede ao mar depois de ter deixado em terra um dos cabos de alagem – cabo serrador186 ou escoto. O bote (ou barca) efectuava então uma trajectória semicircular lançando a rede à água e regressava à praia largando o segundo escoto. Depois dos dois cabos em terra, procedia-se ao alar da rede a partir da praia, onde vários indivíduos a puxavam com o auxilio de cintos ou faixas de tela a cujos extremos se prendiam as alças existentes no cabo de alar. Ao ser arrastada a rede ia levando consigo o peixe retido na área por ela delimitada (1 a 3 Km) que cercado só poderia orientar-se em direcção ao saco de onde já não conseguia sair. No caso de redes aladas para embarcação e segundo a descrição de Maria Alfreda da Cruz, o processo era mais ou menos o mesmo com as diferenças inerentes à alagem que era nesse caso efectuada a bordo das embarcações. A actual xávega ou chincha da Praia do Meco Existem actualmente apenas cinco artes que correspondem ao mesmo número de companhas, tendo no passado recente atingido o número aproximado de treze. Localmente designada por chincha, a arte xávega praticada na Praia do Meco é efectuada com o auxílio de embarcações a remo de cerca de sete metros, designadas por saveiro187, por companhas de cerca de dezassete indivíduos 188, sendo seis a oito homens de mar e os restantes de terra. Dos homens que vão ao mar dois posicionamse à popa do barco, sendo um o arrais que segue ao leme da embarcação e é o responsável pela companha189 e o outro o auxiliar “(...) que vai à corda” ou seja, que leva a corda do barco190, os restantes homens vão aos remos podendo o seu número variar dependendo do estado do mar 191. Os homens de terra têm por funções empurrar o barco para o mar, ajudar a puxar as redes e o arranjo de redes quando necessário. Quando a quantidade de peixe capturado é elevada, aos homens de terra pertencentes à companha, podem juntar-se outros (não pertencem à companha) que auxiliam os primeiros pontualmente, recebendo uma porção de peixe como forma de pagamento por esse trabalho. A faina na Praia do Meco 192 Antes de ir para o mar, alguns membros da companha organizam a faina, procurando saber com antecedência quem está disponível para sair e assegurando-se que existem camaradas suficientes e “capazes”, ou seja, com conhecimentos / experiência adequados ao desempenho das diversas funções, como refere um pescador do Meco: “(...) quando é para ir para o mar vamos ver se há pessoal que chegue para ir ao mar que nem todos são capazes de lá ir, uns não sabem ir ao mar e outros não conseguem e então vamos ver.”193 Depois de organizada a companha para ir ao mar, que como referimos anteriormente terá de ser constituída por um mínimo de quatro homens caso o mar esteja calmo e de oito caso esteja agitado, sendo um o arrais que segue ao leme, outro o auxiliar que segura a corda do barco e os restantes aos remos, a companha sai para o mar. A bordo segue a rede que é igual à que acima descrevemos, e a corda do barco (da responsabilidade do auxiliar), deixando na praia a ponta da outra corda – a panda, cada uma com cerca de 200 metros, e fixa a uma das asas ou alares do saco. A embarcação segue a direito até determinado local e depois efectua um semicírculo à medida que vão largando a rede no mar; depois de largada a rede é necessário verificar se os cutelos se encontram na posição correcta, ou seja, paralelamente um em relação ao outro, mediante a observação da posição que tomam (mais dianteira ou traseira) determinadas bóias colocadas nos alares e caso necessário, efectuar os acertos adequados caso contrário peixe não entra no saco. A embarcação retoma então a direcção da praia e volta para terra, sendo a permanência da rede no mar de cerca de 45 minutos a uma hora.

A tralha é uma corda guarnecida por cortiças ou chumbos, fixa à parte superior da rede no primeiro caso e na parte inferior no segundo caso. As pandas são pedaços de cortiça de forma rectangular que servem de pequenas bóias. 185 A descrição da faina em Sesimbra que apresentamos, baseou-se na descrição de CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp.48-52. 186 O cabo serrador possuía cerca de 300 metros ou mais. 187 Ver fotografia nºs 6 e 7 em anexo. 188 A maioria dos pescadores do Meco possuem idade já avançada e os mais jovens não aparecem para ajudar. 189 Cabe ao arrais tratar de todos os assuntos administrativos e oficiais necessários ao exercício da actividade, como é o caso das matrículas ou obtenção de licenças de pesca. 190 A corda do barco é a designação dada à corda ou cabo fixa à rede e que segue na embarcação. 191 Com bom tempo são suficientes 4 homens para sair ao mar, sendo um o arrais ao leme, outro o auxiliar à corda do barco e dois aos remos, com mau tempo são necessários mais homens para controlar a embarcação. 192 Ver fotografias nºs 8, 9, 10, e 11 em anexo, que ilustram os preparativos da saída para o mar na Praia do Meco. 193 Manuel Coelho, Entrevista 08/12/04, Ficha Nº 10, pp.6. 183 184

A- 20

Colocada a rede no mar e observando a posição de determinadas bóias colocadas nos alares, é necessário verificar se os cutelos estão na posição correcta, ou seja, paralelamente um em relação ao outro e caso e efectuar os acertos adequados, contrário o peixe não entra no saco. Na rede Depois de chegada a embarcação à praia, a rede é puxada com o auxílio de dois tractores 194 que depois de tomarem cada um deles uma das cordas (a do barco e a de terra), iniciam a marcha no sentido de puxarem as asas ou alares da xávega, que desse modo se vai arrastando pelo fundo do mar seguindo na direcção da praia. À medida que a rede se vai deslocando o peixe entretanto apanhado à boca do saco, desloca-se na direcção do saco de onde já não conseguirá sair. Depois de unidas ambas as pontas das cordas e respectivos alares do saco, a rede terá chegado fechada à praia, encontrando-se os dois alares juntos e o peixe dentro do saco junto à rede de malha mais fina - a calima – localizada no extremo interior do saco. Procede-se então à retirada do peixe com o auxílio de xalavares, que depois de lavado é colocado dentro de caixas. Por vezes é desperfiada uma parte do saco da chincha, facilitando assim a saída do peixe. No final da faina, o peixe capturado é dividido pela companha e o excedente colocado na lota de Sesimbra; tendo direito a parte e meia os pescadores que vão ao mar, com excepção do arrais que ganha duas partes, e os de terra a uma parte. Depois de divididas as respectivas quantidades de peixe por cada pescador, o restante segue para a lota de Sesimbra em viatura com frigorifico 195 adaptada ao transporte de pescado. A frequência de ida ao mar depende sempre do tempo e estado do mar, da existência ou passagem de peixe no local onde se pesca, do número de homens disponíveis e da quantidade de peixe capturado em cada faina. Se o conjunto das condições forem favoráveis a companha poderá sair para a faina todos os dias, caso contrário poderá ir apenas uma vez por semana. 2.2.4. Pesca por arte envolvente: cerco americano - a traineira e as rapas 196 O método de pesca por arte envolvente ou cerco consiste na utilização de longas e altas paredes de rede, largadas por uma ou duas embarcações ao descrever uma longa trajectória circular em águas relativamente profundas (a altura da rede não lhe permite atingir o fundo), que quando imersas tendem a tomar a posição vertical dado que possuem no seu limite superior cabos com flutuadores que se mantêm à superfície e, em posição oposta cabos com chumbo. Estas redes ao serem aladas para bordo da embarcação, levam as presas a concentrar-se numa zona especialmente preparada para suportar a concentração do pescado que tenha ficado retido – a copejada, de onde as capturas são por fim retiradas para bordo. Em Sesimbra o tipo de cerco praticado há já várias décadas é o Americano com utilização de pelo menos duas embarcações, sendo localmente designado por cerco ou simplesmente traineira, tomando esta última designação o nome da embarcação principal utilizada nesta pesca. Introduzida em Sesimbra por volta dos anos 30 do século XX, foi nessa altura adaptada às barcas197 de Sesimbra e só posteriormente passou a utilizar a traineira equipada com sondas para a detecção de cardumes, aladores e outros equipamentos. Em 1966 Maria Alfreda da Cruz 198 refere a utilização da traineira, embarcação com 15 metros de comprido e 5 metros de largura, equipada com motor e sonda de localização. Na traineira é utilizada uma rede de malhagem constante e miúda, constituída por vários panos de rede, atingindo o conjunto, um comprimento total de 500 metros e uma altura de 70 metros199. A rede 200 dispõe de cabo com flutuadores na parte superior constituídos por uma série de “rodelas” de cortiça 201, fixo a uma faixa de rede de malha mais forte e larga; na parte inferior tem um cabo com chumbos um pouco maior que o cabo de flutuação, ligado a uma faixa de rede mais forte e larga que a principal. Da tralha inferior suspendem-se vários cabos – as aranhas, unidos dois a dois por intermédio de uma argola e por dentro da qual passa um cabo comprido, o cabo cerrador – ou retenida, que une as diversas argolas ao passar por dentro das mesmas. A principal função da retenida consiste no fechar a rede por baixo que ao ser puxada efectua o cerco.

Os tractores são propriedade da companha e são utilizados em diversas tarefas como o alar das redes, puxar a embarcação para mar ou terra, transporte do peixe, etc. Contudo, existem companhas cujo arrasto ainda é efectuado por homens que puxam as redes. 195 Por imperativos legais o peixe que segue para a lota tem de ser transportado em viatura equipada com frigorifico. 196 Classificação IPIMAR SX 10.000, PS 10.200, PS2 10.220 em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 197 A arte da traineira inicialmente introduzida em Sesimbra, utilizava redes com cerca de 90 braças de comprimento. Nessa altura tanto a rede como os cabos eram puxados “à mão” com força humana, posteriormente e a par da utilização de outro tipo de embarcações passaram a usar aladores. 198 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 55-61. 199 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 55-61. 200 Ver figura nº 6 em anexo, com desenho da arte da traineira e fotografia nº 14 de maquete (Inv. nº 116/MMS116) que reproduz o cerco armado no mar. 201 Da colecção faz parte excerto de rede da traineira ETM113 / MMS113. 194

A- 21

A faina 202 Depois de seleccionada a área pretendida e uma vez aí chegada, a barca ia andando e o mestre de pé à popa da embarcação ia procurando a branca 203 ou em joeira 204, busca efectuada apenas com o sentido da visão antes da introdução das sondas. Após a introdução das primeiras sondas que localizavam o cardume a 50 metros e o rumo em que seguia, o mestre continuava a posicionar-se à popa da embarcação e a procurar a branca como antes mas ia perguntando ao mestre de leme “vê lá se acusa”. Em ambos os casos, quando o mestre finalmente avistava a branca fazia um gesto com o braço (levantava o braço) 205 indicando a direcção do peixe e simultaneamente gritava “à feição”, expressão que ordenava aos membros da companha que ocupassem os respectivos lugares (que de imediato obedeciam) para se proceder ao largar da rede. Quando a embarcação chegava junto do cardume o mestre baixava o braço indicando ao mestre de leme para virar a embarcação e seguir na direcção do peixe. Chegados ao local conveniente era lançada à água uma pesca fixa a uma pita para verificação do sentido da corrente. Depois o mestre dava a ordem “larga o bote” e o bote que seguia a reboque à popa da traineira com dois homens, era desamarrado e ficava no local com um escote do cabeceiro - a ponta superior da rede que a partir desse momento ia sendo lançada à água por dois homens à medida que a traineira ia avançando e fazendo o cerco ao cardume. Ao ser colocado na água o cabeceiro ia puxando pela restante rede que ainda se encontrava na traineira. No bote um dos homens segurava a bóia fixa ao escote e o outro tentava com os remos manter a embarcação imobilizada na água (caso fizesse vento). Quando concluído o cerco ao cardume, a traineira encontrava-se de novo junto ao bote, altura em que aceitava o escote da rede que deixara no bote e juntava à outra ponta da rede 206, fechando dessa forma a rede. Nessa altura, depois de concluído o cerco, era puxada 207 a retenida (cabo existente na parte inferior da rede e a toda a volta) que fechava a rede por baixo tomando a rede a forma de um saco. “(...) Depois de fazer o lanço, depois era cantar, era puxar e cantar ...” 208. A parte de cima da rede era puxada de forma a juntar o peixe mais ao cimo da água, até o peixe ficar “enxuto”, ou seja, todo junto. A embarcação que ia carregar o peixe posicionava-se junto à rede puxando-a e colocando-a à proa e popa de forma a posicionar a rede “no ar” e nessa altura os camaradas procediam ao desenvasar do peixe para o porão do barco, utilizando para o efeito os xalavares 209. Quando a barca estava suficientemente carregada, retirava-se da posição anteriormente assumida e outra tomava o seu lugar, repetindo-se as operações de retirada do peixe que se encontrava na rede para tantas embarcações quantas fosse necessário ou quantas houvesse disponíveis até ao momento em que no cerco houvesse a quantidade necessária para a própria traineira que carregava o restante e seguia para terra. Noutros casos e cheias as embarcações disponíveis, o peixe que sobrava era deitado ao mar. Caso a quantidade fosse considerada insuficiente, a rede era colocada novamente em posição de largar dentro da traineira que seguia novamente à procura de nova branca de peixe para largar a rede e obter a carga suficiente. O número de embarcações, que seguiam com a traineira, variava constando contudo de pelo menos duas: a enviada e o bote da teca 210 de peixe. A enviada na maior parte dos casos, não pertencia ao mesmo proprietário da arte da traineira, era um barco grande (buque) que prestava diversos serviços à traineira como era o caso do transporte do peixe para terra ou outro tipo de trabalhos. A paga à enviada era o bote com a teca de peixe, ou seja, o bote cheio de peixe e determinada percentagem da venda total do peixe capturado no lance em que a enviada participara. Havia contudo enviadas que pertenciam à própria indústria, as “enviadas da casa” que eram utilizadas para diversos fins para além do transporte do peixe. Neste segundo caso acompanhavam sempre a traineira e quando havia marés contrárias, a enviada posicionava-se de forma a manter a rede aberta através de um cabo (escote) que era

A faina conforme nos foi relatada pelos nossos informantes, abrangendo a presente descrição o período aproximado desde o aparecimento das traineiras em Sesimbra até cerca dos anos 70 – 80 do século XX. 203 Como já referimos anteriormente, branca é o termo que designa a mancha visível à superfície, efeito provocado pela passagem ou existência de cardumes. 204 A expressão em joeira traduz a configuração do peixe em cardume ou junto. 205 Para comunicar a existência de peixe e dar as instruções à companha o mestre efectuava determinados gestos. Assim, se o mestre pretendesse indicar ao mestre de leme que seguisse em frente levantava o braço para cima, ao alto, se pretendia outra direcção colocava o braço de outra forma. 206 Durante a tarefa de cercar o peixe, acontecia por vezes que antes do cerco concluído o peixe conseguia sair e nesse caso a companha teria de procurar novo cardume. Como refere um pescador “(...) Também tem olhinhos para se salvar!”, Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 24/06/04, Ficha Nº 5, pp. 6. 207 A retenida é um cabo que inicialmente era puxado à mão por vários homens, gesto que mais tarde passou a ser executado com o auxílio de guinchos instalados nas traineiras. 208 Ângelo Farinha, Entrevista 24/06/04, Ficha Nº 5, pp.6. 209 As primeiras traineiras (barcas) utilizavam xalavares manuais tipo camaroeiros mas a partir da introdução da embarcação com o mesmo nome (traineira) os xalavares passaram a ser mecânicos. 210 A teca é um termo local que traduz determinada porção de peixe. 202

A- 22

continuamente puxado por alguns homens, tendo a traineira de colocar-se por forma a que a rede não se desviasse para debaixo das embarcações. O bote da teca de peixe era a mesma embarcação que segurava o escote da rede enquanto a traineira fazia o cerco e que depois de desempenhar essa função era usado 211 para aí ser colocado o peixe que servia de parte do pagamento à enviada. Cada companha era constituída por cerca de 20 indivíduos dos quais o mestre da pesca ou de mar, o mestre de leme, o motorista da embarcação, o mestre de redes (de terra) e os camaradas. Como já referido, actualmente as traineiras estão equipadas com sondas de localização de pescado e de fundos próprios aos diversos métodos, possuindo um sistema que grava as coordenadas dos locais onde são lançadas as redes. Antes os pescadores orientavam-se pelos próprios sentidos, pela experiência e saber. Depois de identificados os pesqueiros com boas condições para a pesca em questão os pescadores fixavam as marcas e por vezes também colocavam balizas para sinalizar esses locais, como refere um antigo pescador “(...) não havia sondas, não havia nada disso era tudo à base de olhar, de ver, de olhar para estrelas (...) Quando tinha de ir para o mar, há uma estrela que a gente marcava (...) tão pequenininha! A gente punha a estrela em cima (...) da banda do Caneiro, por cima de Santana, para os vários mares que queria ir e pela hora, marcava pela hora e por aquela estrela (...)” 212. Para além da referida aparelhagem, na actualidade as traineiras usam dornas ou contentores onde logo após a captura o peixe é colocado e de imediato coberto de gelo. A introdução dos modernos equipamentos e procedimentos implicou necessariamente alterações nas operações decorrentes da faina que anteriormente descrevemos. Para além da traineira existem ainda as rapas, embarcações mais pequenas que usando o mesmo sistema de pesca se servem de redes de menores dimensões podendo por isso pescar junto à costa. 2.2.5. Pesca por sacada: sacada para embarcação 213 Arte de pesca exercida a pouca profundidade que consiste no levantamento rápido da rede quando a presa estaciona sobre ela, utilizando como auxiliar do método de captura duas embarcações e dispondo de varas e cabos diversos que permitem o movimento da rede principal. As presas são colocadas a bordo empregando utensílios como o xalavar; a localização e/ou concentração das presas em posição adequada (sobre a rede) à actuação da sacada recorre à utilização de engodo ou por atracção luminosa quando efectuada de noite. Arte já em desuso em Sesimbra, terá sido adaptada a partir de um antigo processo de pesca utilizado em Setúbal, em inícios do século XX 214 e destinada à captura de peixe miúdo. Este sistema de pesca teve uma prosperidade efémera em Sesimbra, tendo atingido o seu auge em particular nos anos 30 do século XX, altura a partir da qual foi declinando até desaparecer 215. A sacada era uma arte de pesca muitas vezes “familiar”, em que participavam vários membros da mesma família e a que recorriam também rurais que na época do Verão se “transformavam” em pescadores, encontrando nesta actividade um complemento às suas economias, tanto pela remuneração recebida como pelo aproveitamento de peixe que não tinha venda e era por eles aproveitado para ser consumido durante o Inverno216. Da companha da sacada faziam parte 8 indivíduos localizando-se 4 em cada embarcação, possuindo dois deles o título de arrais ou mestre e que eram normalmente os proprietários da sacada e embarcações, desempenhando funções de escolha do local e orientação da faina. Em cada embarcação os 4 indivíduos posicionavam-se em locais definidos e fixos: um à popa, um à proa e dois ao meio tendo, cada um deles, determinada função. A arte de sacada consiste na utilização de uma rede quadrada constituída por vários panos de rede de malha miúda e forrada que no seu conjunto media cerca de 11 braças de lado, possuindo 4 prodes (pedras) de lado. A rede repousava no fundo do mar e era sustentada por diversos cabos ligados às duas embarcações – os botes de sacada. A faina Os botes deslocavam-se até determinado local no mar (entre 5 a 30 braças de profundidade) onde as redes eram lançadas ficando ligadas aos botes imobilizados na água, por 8 levas, sendo 4 de cada lado e as das extremidades

Depois de desempenhada a função relativa ao segurar o escote da rede, o bote era colocado sobre (atravessado) a traineira e, nessa altura, era coberto de peixe. 212 Adrião Covas Rodrigues, Entrevista 15/05/05, Ficha Nº 2, pp.29. 213 Classificação IPIMAR, LN 12.000 e LNB 12.200, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 214 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp. 53. 215 Maria Alfreda Cruz (na obra anteriormente citada) referia já em 1966 a existência de muito poucas artes de sacada. 216 Algumas espécies capturadas como o paxão ou ganaz que nos foram descritas como sendo de muito pequena dimensão, eram normalmente utilizadas como engodo ou aproveitadas para alimentação de recurso de rurais, depois de tratadas, salgadas e sêcas. 211

A- 23

fixas a 2 varas orientadas na direcção dos botes e colocadas à proa e popa de cada um deles. Nos extremos das varas eram colocados moitões (roldanas) por onde passavam as levas, auxiliando assim o levantar da rede 217. Enquanto a rede pescava os botes ficavam ambos imobilizados na água através de fateixas, mas no levantar da rede um deles continuava parado tomando a designação de bote fixo, enquanto que o outro circulava e por isso era designado por bote volante. Este processo de pesca realizava-se de noite ou de dia. No primeiro caso, utilizavam-se fogachos 218 de dois bicos colocados sobre um flutuador – o submarino - de cortiça e madeira 219, fixo a uma corda era colocado no meio da rede para atrair o peixe e direccionado conforme convinha. Depois um dos homens do bote fixo pegava num pouco de peixe moído220, fazia uma bola que lançava sobre a rede junto do fogacho mas sempre na direcção contrária à corrente de forma a ir parar ao meio da rede e assim atrair os peixes. No segundo caso o peixe era atraído apenas pelo engodo 221 lançado ao mar. Em ambos os casos o mestre observava atentamente a rede e quando via o peixe sobre o centro da mesma e “à feição”, ou seja, no local certo e a jeito de apanhar o peixe, dava a ordem de alar a rede com a expressão “venha para cima”, tarefa de imediato executada pelos camaradas dos 2 botes que ao puxar pelas levas (que passavam por moitões) levantavam a rede até à superfície, depois de retirado o fogacho quando utilizado. À medida que as redes iam saindo, o bote volante ia circulando e a corda correndo por cima da proa da embarcação, juntando-se o bote volante ao fixo. Os homens do bote volante iam puxando pela colina 222 até chegarem ao bote fixo e nessa altura a rede formava um quadrado abaulado ou em forma de “poço”. Depois desenvasam o peixe da rede para dentro de uma outra rede de sacada mais pequena colocada na água e fixa a um dos botes, permitindo que o peixe se conservasse vivo. De seguida voltavam a arriar a rede para o fundo, puxando pela espia que passava por cima da proa do bote fixo e repetindo as operações que acabámos de referir. Apesar da proibição à pesca com outras artes junto das armações, era frequente as sacadas pescarem nesses locais, procurando o peixe aí alojado que era atraído pela luz dos fogachos e pelo engodo. Acontecia por vezes os armadores fazerem queixa à capitania e os responsáveis pelas sacadas serem multados, no entanto, muitos preferiam arriscar na certeza de aí encontrarem muitas espécies que se abrigavam e procuravam alimento junto das redes das armações. 2.2.6. Pesca por arte de emalhar223 A arte de emalhar utiliza longas redes de formato rectangular, constituídas por um, dois ou três panos de diferentes malhagens, mantidos em posição vertical devido a forças opostas produzidas por cabos de flutuação (ou bóias) e cabos de lastros ou chumbos. Por vezes são utilizados isoladamente e nesse caso designadas peças, mas com maior frequência são largadas emendadas constituindo longas séries as caçadas. As presas que podem ser peixes e crustáceos, são retidas nestas estruturas – emalhe - por nelas ficarem seguros pelos opérculos, barbatanas, pelo próprio corpo, espinhos ou antenas, ou porque se empacham (envolvem ou enredam). Existem vários tipos de rede de emalhar 224 atendendo ao número de panos das peças, ao tipo de fixação e à localização relativamente ao fundo. Quanto ao número de panos poderão ser: -- rascas: rede de emalhar de um pano; -- sobrepostos ou não: redes de emalhar de 2 panos; -- tresmalhos: redes de emalhar de 3 panos. Quanto à fixação poderão ser fixos ou apoitados ou de deriva (derivantes). Relativamente à localização podem ainda ser de superfície, de sub – superfície, de meia – água e de fundo. Segundo Maria Alfreda da Cruz 225 a arte de emalhar localmente designada por redes de ílhavos, foi importada de outras localidades marítimas nacionais e adaptada às embarcações de Sesimbra, sendo utilizados como auxiliares desta pesca os botes ou outras embarcações do alto mas de reduzidas dimensões. Ver figura nº7 com desenho da sacada. O fogacho é um género de candeia de zinco, de forma cilíndrica com um ou dois bicos laterais de onde saíam torcidas embebidas no combustível (petróleo e mais tarde gasóleo). Da colecção faz parte um fogacho, Inv. nº ETM75/MMS75. 219 O submarino possuía cerca de 5 metros de lado e apresentava a configuração de um triângulo. 220 O engodo utilizado na sacada era preparado em terra por mulheres e crianças que moíam o peixe com o auxílio de um moinho (aparelho de moer carne). 221 O engodo era normalmente feito com sardinha ou outro peixe adquirido às armações que o vendiam às selhas e às jigas. Da colecção fazem parte: selha, Inv. nº ETM 100/MMS100 e jigas (cestas de vime e cana destinadas ao transporte de peixe em diversas situações), Inv. nº ETM94 / MMS94. 222 A colima era a parte de cima da rede em cairo. 223 Classificação IPIMAR GN 14.000, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 224 REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...), pp. 42-43. 225 CRUZ, Maria Alfreda, Pesca e Pescadores em Sesimbra, (...) pp.55. 217 218

A- 24

De acordo com a mesma autora, as redes tomavam as designações de sardinheira e tresmalho, sendo a primeira constituída por um único pano de rede226, debruado superiormente por uma tralha de cortiças ou bóias e inferiormente por uma de chumbos por forma a colocar-se na verticalidade em relação à água, tendo fixo a cada extremidade um cabo ligado à respectiva bóia que ficava à superfície; o tresmalho seria constituído por um conjunto de três panos de rede227 de diversas malhagens colocados paralelamente uns em relação aos outros e ligados topo a topo aos cabos e bóias. No âmbito das recolhas por nós efectuadas 228, este método de pesca foi-nos genericamente designado tanto por redes de emalhar como por redes de ilhos229, não tendo os nossos informantes mencionado os termos sardinheira e tresmalho. As redes de 3 panos foram-nos designadas por albitana (pronunciado alvitrana) e diferenciadas quanto aos tamanhos e número de panos, tipo de pescado, tipo de embarcação utilizada e número de homens que normalmente as utilizam. As redes de um só pano eram utilizadas por companhas de apenas dois pescadores e a bordo de pequenas embarcações, as aiolas. A rede era colocada no fundo do mar 230 tendo uma bóia em cada extremidade da rede e chumbos por baixo, sendo a operação de lançamento ao mar realizada durante a tarde e alada para cima no dia seguinte de manhã. Um antigo pescador referiu-nos: “Ia trabalhar com um companheiro comigo para as redes de emalhar que era uma rede de malha pequenina que o peixe ao ir para terra emalhava, estava no fundo da rede assim e está lá, tem lá. Está a rede no fundo e o peixe ao fazer a volta dele para a terra emalhava na rede e a gente quando ia lá no outro dia alava para cima e trazia (...) trazia a aiola carregadinha de peixe” 231. As espécies normalmente capturadas eram o carapau, sardinha, boga, salmonetes e outros peixes pequenos. Quanto às redes de 3 panos foram-nos designadas por alvitranas e por “redes de maior volta que iam mais para o fundo” e destinadas a peixes de maiores dimensões como o pargo, linguado, robalo e tamboril. As embarcações que utilizavam este tipo de redes eram as antigas barcas de Sesimbra. Ambos os tipos de redes de emalhar podiam ser colocadas no mar recolhidas passadas umas horas (no mesmo dia) ou apenas no dia seguinte. Na actualidade são ainda utilizados ambos os tipos de rede de emalhar, ou seja as de um só pano e as de três panos (tresmalhos) por companhas que variam entre os dois e os sete indivíduos, a bordo de embarcações de 7 a 16 metros de comprimento. 2.2.7. Pesca por ferimento: arpão 232 A pesca por ferimento consiste num método de captura em que a presa é lesionada por acção de um instrumento perfurante, havendo intenção de provocar ferimento profundo. Este método de pesca foi utilizado em Sesimbra no passado, para a pesca de atum, espadarte, peixe-agulha, toninhas233 e outros peixes de grande tamanho, pesca que era efectuada a bordo de barcas de Sesimbra que se dedicavam a este tipo de capturas. 234 “Eu ajudei a apanhar 11 duma vez (...) era com um ferro e com uma choupa (...). A gente pescava só ao arpão e quando havia peixe desse à “pesca” também pescava à “pesca” (...) atuns e espadartes (...)” 235. 2.2.8. A última etapa da faina: a lota Até finais dos anos 70 do século XX a lota realizava-se na praia junto à fortaleza. O peixe que chegava do mar, era descarregado das barcas, transportado dentro das jigas 236 (cestas de vime e cana) e colocado em exposição sobre a areia, em círculos - eiras - ou em lotes cuidadosamente alinhados segundo cada espécie. Depois de exposto o peixe, o respectivo vendedor237 procedia ao leilão de cada lote ou “eira” 238 que era arrematado pelo interessado com a tradicional expressão chui. A sardinheira tinha cerca de 30 braças de comprimento e 1 braça de altura. A malha da rede do meio do tresmalho tem cerca de 15 cm e as laterais 20 cm. 228 Dada a abrangência do presente trabalho, não nos foi possível aprofundar todos os aspectos e características inerentes à presente arte de pesca em Sesimbra que gostaríamos de incluir no presente estudo e que seria possível concretizar dando continuidade ao trabalho de recolhas junto dos pescadores. 229 Julgamos que as redes de emalhar são localmente associadas a redes de Ílhavo. 230 Ver fotografia nº 16 em anexo, relativa a maquete que reproduz a configuração da rede de emalhar no mar, Inv. nº ETM108/MMS108. 231 Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 24/06/04, Ficha nº 5, pp. 18 232 Classificação IPIMAR HAR 2.210, em REBORDÃO, Fernando Rui, Classificação de Artes e Métodos de Pesca, (...). 233 O termo toninha é usado localmente para designar uma espécie que julgamos ser o golfinho. 234 Um dos nossos informantes referiu ter andado na barca “Nossa Senhora do Cabo Espichel”, conhecida também por “Barca dos Ratos” que se dedicava à pesca com arpão. (Aníbal, Entrevista 22/06/2000, Ficha nº 1). 235 Aníbal, Entrevista 22/06/2000, ficha nº 1, pp. 17-18. 236Da colecção fazem parte jigas, Inv. nº ETM27/MMS27 e ETM94/MMS94. 237 O vendedor que procedia ao leilão do peixe na lota era normalmente um empregado da mesma sociedade da barca do peixe ou podia ser um trabalhador de redes que tivesse “jeito” para a negociação. 226 227

A- 25

Na lota nem todo o peixe era exposto na areia, grandes quantidades de pescado eram negociadas e vendidas ainda dentro das embarcações; as pequenas quantidades eram vendidas pelos respectivos pescadores que não as chegavam a colocar na areia. As operações de venda eram presenciadas por vários actores que não intervindo directamente na negociação, eram presenças constantes como era o caso dos apontadores (das armações) que registavam as transacções das respectivas indústrias e dos membros da Guarda Fiscal. Concluída a venda, os compradores adquiriam gelo e colocavam-no sobre o peixe dentro de caixas, só depois era transportado para fora da praia ao lombo de burros que as levavam da praia até à avenida, onde eram empilhadas e aguardavam pelas camionetas 239. O transporte da praia até às viaturas estacionadas na avenida era assim efectuado por volta dos anos 50-60 (século XX) e até à construção do porto de abrigo. Antes desse período e pelo que nos foi possível apurar, até cerca dos anos 30 – 40 do mesmo século, o referido trajecto era efectuado da praia ao “aterro” (zona onde actualmente se localizam as instalações dos Bombeiros de Sesimbra), local a partir do qual seguia depois para Cacilhas por via terrestre. No entanto, pelo menos até finais do século XIX o peixe seguia de Sesimbra por via marítima até Lisboa. Após a venda do peixe pelos pescadores, passava a ser transaccionado entre comerciantes que o transportavam 240 de Sesimbra a Cacilhas, local onde era embarcado a bordo de embarcações que efectuavam a travessia do Tejo para Lisboa onde era distribuído pelos mercados. Desde a década de 80 do século XX e apesar de alguma resistência inicial por parte de alguns pescadores, a lota passou a realizar-se no Porto de Abrigo. Neste local o peixe é descarregado pelas embarcações, lavado e transportado para o posto de venda. No caso das embarcações de grande porte e pesca longínqua, o peixe chega acondicionado em dornas e conservado com gelo, depois de descarregado com auxílio de equipamento mecânico, é colocada água sobre o peixe para derreter o gelo sendo o peixe depois retirado dos contentores com o auxílio de jigas 241. A actual lota possui um sistema electrónico e informatizado que permite a pesagem e circulação das caixas de peixe sobre um género de tapete rolante, permitindo a sua visualização pelos compradores sentados na bancada em frente. Em simultâneo, os interessados são informados através de dois painéis, sobre as características e preço do peixe que está a ser leiloado nesse momento. O tradicional “chui” é agora silencioso e dado pelo comprador através de um comando, informação que aparece de imediato no respectivo painel. Depois da compra o peixe é transportado para os respectivos armazéns (localizados no Porto de Abrigo) e depois distribuído. 2.3. Actividades relacionadas com o mar e a pesca 242 2.3.1. Fábricas de conserva, de cordoaria, redes e de gelo A partir do século XIX surgiram em Sesimbra indústrias de conservas de pescado, cordoaria e fábricas de gelo, ligadas à pesca e conservação do pescado, tendo todas elas já desaparecido 243. Apesar de não estarem directamente ligadas ao desenrolar da actividade da pesca, surgiram em Sesimbra umas por necessidade dos pescadores e comerciantes de pescado, como é o caso da cordoaria, das redes (gachas e buchos para as armações) e da fábrica e loja de gelo, outros como solução para escoamento do produto da pesca 244. De salientar que estas industrias significaram em dado momento um complemento económico para as famílias de pescadores, uma vez que eram principalmente as mulheres de pescadores que trabalhavam nestas fábricas, Na lota o peixe não era pesado e ao ser transaccionado por lote (eira) ou caixa, baseando-se vendedores e compradores na própria experiência, quem melhor entendesse do assunto mais lucrava com a transacção. 239 As camionetas começaram a efectuar o transporte do peixe a partir de cerca dos anos 30 do século XX. (segundo indicação de um informante nascido em 1914, quando tinha cerca de 15 anos apareceu a primeira camioneta. (Ângelo Sobral Farinha, entrevista 20/05/04, Ficha Nº 4)). 240 A partir dos anos 30 o transporte de Sesimbra para Cacilhas passou a ser efectuado por veículos motorizados (camionetas), até essa altura era efectuado em carroças de tracção animal (cavalos, burros, mulas). 241 Actualmente as jigas são feitas de PVC mas continuam a ser designadas com o mesmo termo das antigas de cana e vime. 242 Na presente abordagem apenas apresentamos alguns dados relacionados com estas actividades, que tivemos oportunidade de recolher no âmbito das recolhas que efectuámos. Para a adequada descrição e caracterização das indústrias de Sesimbra, será necessário um trabalho especifico que focalize estes aspectos e que passará naturalmente pelo levantamento oral e consulta de fontes escritas – arquivos. 243 A maioria dos edifícios onde funcionaram estas industrias ou foram destruídos ou completamente alterados, tendo actualmente diversas funcionalidades. 244 Antes da utilização de gelo e da existência de camionetas que efectuavam o transporte do pescado (e após a construção de arruamentos que passaram a permitir a circulação das mesmas), grandes quantidades de pescado eram deitadas ao mar porque não era possível conservá-las nem fazê-las chegar aos consumidores. Além destes aspectos acresce a grande quantidade que era capturada dada a oferta de peixe que os mares de Sesimbra proporcionavam. Muito do peixe não utilizado era também aproveitado pelos camponeses como adubo de terras “(...) Vinham cá abaixo à praia, eram carroças carregadinhas de carapau, cavala e de sardinha, burros com ceirões e, vinham cá abaixo, era para comer, vinham cá abaixo buscar aos montes, estavam aí aos montes na praia. Era para comer, para secarem, consertar e secar, comer sêco e para pôr nas terras, para extercar as terras com o peixe (...)”, Ângelo Sobral Farinha, Entrevista 20/05/04, ficha Nº 4, pp. 22. 238

A- 26

dedicando-se a maioria dos homens à pesca, sendo esta última actividade (tanto a pesca como a comercialização) tarefa exclusiva dos homens, conforme nos refere um antigo pescador, “As mulheres eram domésticas e algumas trabalhavam nas fábricas de conserva e quando as armações precisavam de redes as mulheres faziam as redes (...) as fábricas empregavam muita gente, muitas mulheres (...) As mulheres não tinham nada a ver com a vida do peixe.” 245 De acordo com as recolhas efectuadas, as fábricas de cordoaria, de gelo e algumas de conservas de pescado 246 concentrar-se-iam na área actualmente ocupada pela estação rodoviária de Sesimbra e centro comercial na avenida de Liberdade. Cordoaria e redes Dada a necessidade de grades quantidades de redes para as artes de pesca praticadas em Sesimbra, com destaque para as armações, existiram algumas unidades de manufactura de redes – as gachas e buchos e de cordoaria que fabricavam cabos utilizados pelas diferentes artes de pesca. Ambas as indústrias empregavam na sua maioria mulheres. “(...) comprava-se na tal dita cordoaria(...), comprava-se um novelo daqueles de algodão. (...) Era a cordoaria, tinha um armazém, uma casa grande, era cordoaria e fábrica de gelo. (...) Pois isto era tudo do mesmo dono era tudo pegado.”247 As instalações de pelo menos uma das cordoarias localizar-se-iam na área actualmente ocupada pela estação rodoviária de Sesimbra248. “Eu lembro-me que era a Cordoaria do Covas, e era a Cordoaria do Farinha. (...) Eram duas cordoarias, uma aqui de baixo na vila, bem eram as duas da vila só que como era daquele lado e outra era aqui mesmo em baixo, aqui na Avenida da Liberdade (...)”249. A partir dos anos 60 (século XX) e com a introdução e vulgarização do nylon, todas as cordoarias desapareceram com excepção de apenas uma que entretanto se equipara com equipamento adequado ao fabrico de cordas de fio sintético (polietileno). Fábricas de gelo O gelo era produzido na fábrica que se localizava na área actualmente ocupada pela estação rodoviária de Sesimbra 250 e depois transportado em camionetas para a loja 251 localizada na Av. dos Náufragos em frente à praia onde se realizava a lota. Eram os compradores de peixe que adquiriam o gelo e o colocavam no peixe ainda na lota antes do o transportarem para Cacilhas. Segundo Maria Alfreda da Cruz a fábrica de gelo armazenava em condições adequadas e durante o tempo necessário, o peixe para exportação. Fábricas de conservas de peixe Em finais do século XIX surgiram em Sesimbra252 fábricas de conserva de pescado, tendo todas elas desaparecido completamente ainda nos anos 60 do Século XX . Hernani de Barros Bernardo referia em 1935 a existência de apenas três fábricas de conservas de peixe 253 das catorze que existiram em Sesimbra. Segundo o mesmo autor as fábricas de conserva de Sesimbra pertenciam ao Centro Industrial de Lisboa, abrangido pelo Grémio dos Industriais de Conservas de peixe do Centro. Umas destas indústrias foi constituída em 1917 e designada por Pascoal Nero & Companhia, tendo em 1917 com a saída de um dos sócios passado a ser designada por Borges Nero & Companhia e localizava-se na zona onde se encontra actualmente um centro comercial 254.

Aníbal, Entrevista 22/06/00, Ficha nº 1, pp. 4. As indústrias de conservas de pescado encontravam-se localizadas em diversas zonas de vila de Sesimbra. 247 Aníbal, Entrevista 22/06/2000, Ficha nº 1, pp.11 e 21. 248 Hernani de Barros Bernardo refere que em 1935 existiam duas fábricas uma de gelo e outra de cordoaria do mesmo proprietário “Viuva de Joaquim Gomes Covas & Filhos, Lda. e outra de Silvestre Farinha. (BERNARDO, Hernâni de Barros, Monografia de Sesimbra, 1941). 249 Adrião Covas Rodrigues, Entrevista 15/05/2004, Ficha nº 2, pp. 26. 250 A estação rodoviária de Sesimbra localizasse junto à Avenida da Liberdade, Sesimbra. 251 A antiga loja de gelo é um espaço actualmente ocupado por um estabelecimento comercial – o Botedouro. 252 As indústrias de conservas de pescado surgem em Sesimbra na sequência da instalação deste tipo de indústrias em Setúbal na segunda metade do século XIX e que aí permaneceram durante o século XX. 253 As fábricas de conservas de peixe que persistiam em 1935 eram as seguintes: Pereira e Neto e Cª., Artur Duarte Borges e Nero & Cª Sucrs., Lda. 254 A fábrica Borges Nero & Companhia localizava-se na Av. da Liberdade, Sesimbra, cuja sede mencionada na documentação era Rua Manuel de Arriaga, nº 107 e Rua Basílio Teles, nº 42, Freguesia de S. Tiago, Sesimbra Da colecção etnográfica faz parte um conjunto de documentação relativa à actividade desta fábrica 245 246

A- 27

Actualmente a única indústria ligada à transformação do pescado é a de filetes de peixe-espada preto, realizada em instalações localizadas no Porto de Abrigo, local onde depois de descarregado o peixe é de imediato tratado e embalado. 2.3.2. A construção naval Actividade artesanal, exercida desde há muito em Sesimbra por pequenos estaleiros, onde se realizava a construção e reparação das embarcações de pesca como é o caso da típica Barca de Sesimbra, Batel, Aiola, Chata, Botes auxiliares e também de Traineiras. Nas últimas décadas os estaleiros passaram também a dedicar-se à reparação e manutenção de embarcações de recreio. 2.3.3. A apanha de algas Dadas as características dos fundos rochosos do mar de Sesimbra, propícios ao desenvolvimento de algas, numa primeira fase a sua apanha consistia numa actividade meramente agro – marítima cujo objectivo era a sua utilização como adubo na agricultura, sendo normalmente efectuada pela população da área rural que sazonalmente também trabalhava na pesca. Localmente designadas por limos a apanha era feita em locais como Lagosteiros (Cabo Espichel), a bordo de barcos de ré cortada – as gamelas. Numa segunda fase, a partir anos 50 do Século XX e durante as últimas décadas, a apanha de algas passou a ser feita por mergulhadores (incluindo alguns pescadores) que seleccionam as espécies úteis à indústria química. Estas algas eram até há alguns anos atrás, vendidas pelos locais a um intermediário que as levava para uma fábrica que terá existido em Coina (Palmela).

A- 28

ANEXO II

Organograma da Unidade organizacional: Departamento de Educação, Cultura e Lazer da Câmara Municipal de Sesimbra

A- 29

A- 30

ANEXO III

Organograma da Macro Estrutura da Câmara Municipal de Sesimbra

A- 31

A- 32

ANEXO IV

Aviso nº 2519/2002, Diário da República nº 69 de 22 de Março de 2002

A- 33

A- 34

A- 35

A- 36

A- 37

A- 38

A- 39

A- 40

A- 41

A- 42

A- 43

ANEXO V

Proposta de Desenvolvimento, Câmara Municipal de Sesimbra, 1999

A- 44

A- 45

A- 46

A- 47

A- 48

A- 49

A- 50

A- 51

A- 52

A- 53

A- 54

A- 55

A- 56

A- 57

A- 58

A- 59

A- 60

A- 61

A- 62

A- 63

A- 64

A- 65

ANEXO VI

Fortaleza de Santiago - Proposta de programa museológico e metodologia de implementação no âmbito do desenvolvimento do Museu Municipal de Sesimbra, Câmara Municipal de Sesimbra

A- 66

A- 67

A- 68

A- 69

A- 70

A- 71

A- 72

A- 73

A- 74

ANEXO VII

“Processo do programa e do projecto para a construção de um museu”, Georges Henri Rivière (Texto datado de 13.05.1974 e publicado na revista Museum, vol. XXVI, 3/4, 1974 [Tradução literal por M.O. Lameiras-Campagnolo e H. Campagnolo]

A- 75

PROCESSO DO PROGRAMA E DO PROJECTO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM MUSEU ∗ Georges Henri Rivière Um museu não é uma organização respondendo a um modelo único, realizável num número indefinido de exemplares. É uma instituição com formas variáveis, em função: 1. Da importância de que se revestem, respectivamente, as três grandes vocações do museu: estudo e documentação, conservação, educação e cultura. 2. Da natureza da ou das grandes disciplinas do museu – arte, ciências do homem, da terra e do universo, técnicas avançadas – sob as suas formas unidisciplinares, pluridisciplinares e interdisciplinares. 3. Das condições da arquitectura do museu, segundo se trata: a. quer de um edifício novo, quer de um edifício a adaptar, de valor histórico ou não, com ou sem envolvente que lhe seja própria; b. quer de um museu sistemático de ar livre, completado ou não por edifícios; quer de um parque natural. Quantas diferenças pois, entre, um museu dotado de um centro de pesquisas e um museu que não o é; entre um art center de tipo americano e um museu cuja vocação cultural coteja a vocação científica da universidade de que depende; entre uma galeria de arte e um museu de escultura ao ar livre; entre um museu de préhistória ligado a sítios arqueológicos e um museu de técnicas avançadas com vastos espaços preenchidos por locomotivas e por aviões; entre um zoo e um parque natural. Para além desta diversidade de formas museais, há entre elas algo de comum: a existência de um processo do programa e do projecto para a realização de um museu. Tentemos resumir as suas etapas, aplicadas ao caso de um edifício novo: 1. Conscientes de uma lacuna no dispositivo dos museus de um país, uma autoridade pública ou um grupo de cidadãos constituído em associação decidem criar um museu de tal ou tal disciplina, de tal ou tal vocação(?), de tal ou tal tamanho, de tal ou tal estatuto, num dado sítio, em função dos meios de que dispõem para esse efeito. Na sua qualidade de dono da obra, designam um museólogo para estabelecer o programa do museu. Atribuem-lhe, com esse fim, um crédito para estudo. 2. Para estabelecer o programa, o museólogo rodeia-se, para começar, de todas as informações úteis, provenientes do mestre da obra e com o apoio de outras fontes. Munido destas informações e em ligação permanente com o dono da obra, estabelece o programa do seguinte modo: descritivo dos órgãos e dos sub-órgãos do museu agrupados por categorias de espaços, com avaliação sumária dos destinos e superfícies respectivas dos locais: a. espaço público (acolhimento, "galerias" de exposição); b. espaço semi-público (locais de reunião e de animação); c. espaço semi-privado (salas de documentação destinadas aos especialistas); d. espaço privado (salas de trabalho, gabinete do director, do pessoal científico, técnico e administrativo, "magasins"-reservas técnicas e das colecções). Com vista à sua concretização, o museólogo recebe o concurso de especialistas confirmados nas diversas téchnicas. Este concurso e os controlos por ele implicados são mantidos até ao fim das operações, incluindo a recepção definitiva. O dono da obra adopta este programa, no âmbito da informação à data disponível. 3. Em ligação com o museólogo, o dono da obra organiza um concurso nacional ou internacional para a escolha de um arquitecto, ou designa de ofício um arquitecto, na qualidade de o "mestreda-obra"/a "equipa-mestre-da-obra".



Texto datado de 13.05.1974 e publicado na revista Museum, vol. XXVI, 3/4, 1974 [Tradução literal por M.O. Lameiras-Campagnolo e H. Campagnolo] [Aula FBA 9.01.03] A- 76

4. A partir do programa do dono da obra e em função do custo avaliado das operações, o "mestreda-obra"/a "equipa-mestre-da-obra" estabelece o projecto. Este projecto, durante uma primeira fase, toma a forma de um descritivo sumário, completado de planos sumários, de um estudo das características físicas e da acessibilidade do sítio, de uma avaliação de custo do projecto e dos prazos de realização. Após consulta do museólogo, o dono da obra adopta o projecto, no âmbito da informação à data disponível. 5. Durante uma nova fase, o "mestre-da-obra"/a "equipa-mestre-da-obra", em ligação constante com o museólogo, estabelece um projecto detalhado, com plano de execução e indicação estimativa do custo da obra em tosco, dos acabamentos e dos equipamentos que os completam). Finalmente, após consulta do museólogo, o dono da obra adopta o projecto definitivo e as suas condições de financiamento e de calendário. 6. Dá-se início à obra, segundo os prazos acordados. Até ao fim das operações, o "mestre-daobra"/a "equipa-mestre-da-obra" é responsável pelos trabalhos realizados pelas empresas e pelo custo das operações. O dono da obra é mantido constantemente informado da marcha das operações por intervenção conjugada do "mestre-da-obra"/da "equipa-mestre-da-obra" e do museólogo. Não se pode excluir que modificações secundárias sejam introduzidas no projecto em vias de realização, por iniciativa do museólogo ou do "mestre-da-obra"/da "equipa-mestre-da-obra", sob reserva da aprovação do dono da obra, quanto à natureza e ao custo dos suplementos trazidos ao programa e ao projecto. 7. Uma vez terminados os trabalhos, o dono da obra procede à sua recepção provisória e, em seguida, passado um certo prazo de verificação, à sua recepção definitiva. Quantas dificuldades técnicas ou financeiras, quantos litígios, quantos insucessos podem ser poupados ao dono da obra, sempre que as etapas do programa e do projecto se desenvolvem correctamente. E que satisfação, para o"mestre-da-obra"/a "equipa-mestre-da-obra", sempre que ele sabe dominar e transcender os dados do programa no pleno exercício da sua arte."

A- 77

ANEXO VIII

Mapa do Distrito de Setúbal

A- 78

Mapa do distrito de Setúbal

Fonte: http://www.fisicohomepage.hpg.ig.com

A- 79

ANEXO IX

Elenco e Guião-base de entrevistas realizadas para a dissertação

A- 80

ELENCO E GUIÃO-BASE DE ENTREVISTAS REALIZADAS PARA A DISSERTAÇÃO

Entrevistas realizadas para a dissertação Anabela Santos, Chefe de Divisão de Turismo e Cultura da Câmara Municipal de Sesimbra, conversas informais realizadas em 2005, Sesimbra. José Manuel de Sousa, técnico de museografia do Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, entrevista realizada em 19/06/2007, Olho de Boi, Almada. Mafalda, técnica administrativa do Museu Oceanográfico, conversas informais realizadas em Maio/Junho/2007, Portinho da Arrábida. Maria José Santos, técnica superior do Serviço Educativo (coordenadora interina) do Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, entrevista realizada em 15/06/2007, Olho de Boi, Almada. Miguel Henriques, técnico superior do Parque Natural da Arrábida, entrevista realizada em 12/06/2007, Portinho da Arrábida.

Guião de Entrevista



Para cada unidade: Breve mas pertinente indicação dos antecedentes [no tempo e no espaço]. Localização [envolvente espacial, natural, humana: cartografia. fotos]. Data e modo de criação da unidade – eventuais fases da sua criação. Actuais temas dominantes ou aspectos de tema desenvolvidos, em complementaridade ou em contrapeso, pela unidade. Colecções próprias ou partilhadas com outras unidades do mesmo organismo. Modo de inscrição na estrutura funcional e disciplinar do organismo em que está inserida [investigação, documentação, conservação, exposição, educação, divulgação não-expositiva: equipamentos, programação]. Modo de inscrição [+ ou – centralizada/descentralizada, espacial e/ou funcionalmente] na estrutura orgânica em que está inserida (ref. à equipa). “Ancoragem” institucional [se “autónoma”: estatuto da unidade e relação com a tutela; se “não-autónoma, estatuto da unidade e modo de inscrição no organismo em que está inserida/estatuto e relação com a tutela do organismo em que está inserida]; posição do/da responsável no organismo de tutela. Modo de circulação/atribuição/partilha/mobilização de informação e de recursos financeiros, humanos, tecnicologísticos]. Principais actividades levadas a cabo pela unidade, desde a sua criação – actividades em curso e em perspectiva [da preparação à divulgação]: estrutura de acções exemplares nos diferentes domínios funcionais, públicos visados, fracção de colecções/património priveligiadas(o), materiais de divulgação, acções conexas, no interior, no exterior, colaborações/parcerias, documentos legislativos de suporte. NB – não esquecer, entre os vários patrimónios, o património gestual (exemplos: sua presença, na unidade expositiva do Seixal, no vídeo/gesto+instrumento), velejar na moita, transmissão entre indivíduos/gerações).

∗”Grelha de inquirição e de análise” elaborada e aplicada em diferentes contextos museológicos pelos investigadores M. Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henry Campagnolo.

A- 81

ANEXO X Organograma da Câmara Municipal de Almada

A- 82

A- 83

ANEXO XI

Fotografias das unidades museológicas estudadas: Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra, Museu Oceanográfico do Parque Natural da Arrábida, Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada e Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal

A- 84

Fotografia 1 – Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra. Foto: A. Domingues 1998

Fotografia 2 – Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra, aspecto geral da exposição Museu do Mar, à direita diorama da arte de pesca Armação à Valenciana. Foto: A. Domingues 1998 A- 85

Fotografias 3 e 4 – Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra, exposição Museu do Mar, dioramas com reprodução de diversas artes de pesca. Foto: A. Domingues 1998

A- 86

Fotografia 5 – Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra, exposição Museu do Mar, bote embarcação auxiliar da Armação Varanda. Foto: A. Domingues 1998

Fotografia 6 – Núcleo Marítimo do Museu Municipal de Sesimbra, exposição Museu do Mar, estrutura de escritório da Sociedade de Pesca Caldeira & Filhos. Foto: A. Domingues 1998 A- 87

Fotografia 7 – Museu Oceanográfico (Arrábida), exposição Luís Gonzaga do Nascimento. Foto: A. Domingues 2007

Fotografia 8 – Museu Oceanográfico (Arrábida), exposição de aquários com exemplares vivos da fauna e flora marinhas da costa da Arrábida. Foto: A. Domingues 2007 A- 88

Fotografia 9 – Museu Oceanográfico (Arrábida), exposição temporária sobre a Pesca fantasma. Foto: A. Domingues 2007

A- 89

Fotografia 10 – Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, exposição de longa duração Almada e o Tejo. Foto: A. Domingues 2007

Fotografia 11 – Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, pormenor da exposição de longa duração Almada e o Tejo. Foto: A. Domingues 2007 A- 90

Fotografia 12 – Núcleo Naval do Museu Municipal de Almada, pormenor da exposição de longa duração Almada e o Tejo. Foto: A. Domingues 2007

A- 91

Fotografia 13 – Embarcações tradicionais do Ecomuseu Municipal do Seixal, bote de fragata Baía do Seixal e varino Amoroso. Foto: EMS/CDI

Fotografia 14 – Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal. Foto: EMS/CDI A- 92

Fotografia 15 – Núcleo Naval do Ecomuseu Municipal do Seixal, exposição de longa duração Barcos, memórias do Tejo. Foto: EMS/CDI

A- 93

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.