A história da ética como objeto de estudo em Jornalismo

July 22, 2017 | Autor: C. Cardoso de Que... | Categoria: Jornalismo, Ética, ética Jornalística
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A história da ética como objeto de estudo em Jornalismo 1 COUTINHO, Iluska (doutora)2 GOUVÊA, Allan (mestrando)3 CARDOSO, Caio (graduando)4 Universidade Federal de Juiz de Fora, MG

Resumo: A produção acadêmica acerca do jornalismo pode abordar temas diversos, como aspectos ligados à rotina de produção, sobre o conteúdo, sobre o produto jornalístico apresentado, dentre outros. Neste artigo, partimos de uma busca sobre a ocorrência da ética como palavra chave dos trabalhos nos últimos cinco anos nos encontros nacionais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom – e da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJor. Com isso, procuramos compreender quais são as ocorrências sobre Ética que atravessam a produção acadêmica sobre jornalismo, e qual papel que ela ocupa dentro do panorama das discussões destes encontros atualmente. Dentro dessa perspectiva, olhamos para os artigos publicados buscando o papel desempenhado pela ética, as condições em que ela se faz presente na discussão e qual o ideal ético apresentado pelos autores. Palavras-chave: jornalismo; ética; história.

1. Introdução Situar a atuação do jornalismo em uma reflexão ética é colocar o foco de algumas questões elementares da prática profissional em discussões sobre o papel da profissão na sociedade hoje em dia. É uma iniciativa que pode ter por referência um documento, um código de ética – ou deontológico –, mas que pode transcender a análise dos códigos, princípios e declarações já estabelecidas, e colocar-se na busca de um sentido mais amplo para a profissão e o entendimento do que ela pode estar fazendo. Os estudos sobre a ética, ou seu exercício e aplicação no Jornalismo possuem uma 1 Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Orientadora. Jornalista diplomada, doutora em Comunicação, professora do Curso de Jornalismo da Facom-UFJF e do PPGCom-UFJF, e líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação da UFJF, email: [email protected]. 3 Jornalista diplomado, mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCom-UFJF), com bolsa Capes, e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação da UFJF, e-mail: [email protected]. 4 Graduando na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista MEC/SESu do Programa de Educação Tutorial – PET Facom e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação da UFJF, e-mail: [email protected].

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trajetória, que pode ser percebida, e recontada, a partir da produção acadêmica na área, foco desse trabalho. A reflexão sobre o jornalismo, partindo de parâmetros éticos de análise, sempre levanta uma tensão entre o potencial do seu “dever” e seus modos da rotina de produção. Aspecto sempre ressaltado em torno dessas problematizações éticas da prática jornalística sempre surge em função dos papéis de espaço público de poder e estabelecimento de áreas de discussão, desempenhados pelo jornalismo. Em razão da defesa da função social da prática jornalística, dos deveres morais e éticos envolvidos na prática profissional, diversos organismos internacionais passaram a elaborar códigos de ética para os jornalistas. Karam em seus trabalhos recupera o código de ética para a profissão criado em 1910, em Kansas (EUA) e cita também o Código de ética dos Jornalistas Franceses, datado de 1918. No contexto brasileiro, o autor lembra o Código de ética dos jornalistas brasileiros, editado pela primeira vez em 1985 e o código de ética da Associação Nacional de Jornais, de 1991. A ética jornalística e a análise dos códigos deontológicos mobilizados na profissão também são objeto de análise acadêmica, e é este o foco de entendimento deste trabalho. Dentre a delimitação do corpus de análise do presente trabalho, que abarca a produção científica publicada nos anais de congressos da Intercom (em seus encontros nacionais) e da SBPJor nos últimos cinco anos, foi possível organizar os 40 trabalhos em três tipos principais: (1) os que chegam às questões e discussões éticas da prática jornalística de modo tangencial, sendo esta discussão um desdobramento da análise desenvolvida (somando oito trabalhos); (2) aqueles trabalhos que se utilizam de aporte teórico e discussões éticas como pano de fundo para a “aplicação” de princípios e valores éticos a casos específicos na produção jornalística (que chegaram a 20 publicações); e (3) análises que tinham a ética jornalística como objeto de estudo per se, fazendo discussões acerca deste aspecto de modo central (totalizando 12 artigos com tais características). Para este trabalho, nosso foco de análise se concentra basicamente neste último grupo, dada a centralidade que o aspecto ético ganha em detrimento de outras discussões. Procuramos entender qual é e como a ética desempenha seu papel de estímulo às discussões basilares da prática jornalística. Trata-se de uma proposta de breve historiografia da pesquisa recente da ética enquanto objeto de estudo em Jornalismo, a partir dos trabalhos publicados em anais de congressos nacionais consolidados no meio acadêmico. Em alguma medida, este estudo também se pretende 2

como um exercício de “vigilância” acerca dos trabalhos dedicados ao debate científico da ética no exercício profissional do jornalista.

2. Dados metodológicos Tomando universo para extração do recorte empírico os anais dos congressos nacionais da Intercom e da SBPJor, foram selecionados os artigos que tinham, em seu título ou nas palavras-chave, menção às palavras ética e/ou rotinas produtivas 5. Todos os trabalhos encontrados foram listados e posteriormente categorizados, da maneira como explicamos anteriormente. Delimitados seus agrupamentos temáticos, eles passaram por leitura e análise crítica e qualitativa, com relação ao conteúdo apresentado pela publicação. As 12 publicações destacadas serão apresentadas nesse artigo segundo sua ordem cronológica de publicação. Nossa análise tem como proposta responder as seguintes indagações: como cada trabalho é apresentado? Trata-se de um estudo de caso? Qual o veículo de comunicação observado pelo(s) pesquisador(es)? Existem estudos de revisão bibliográfica? Apresenta recorrência de autores? Há privilégio de alguma mídia ou período histórico? Quais as metodologias empregadas? Qual o conceito de ética que emerge? São referenciais regulares? Nota-se alguma evolução no tratamento científico do assunto ao longo do período de análise (últimos cinco anos)? Em todas as edições de cada congresso, há pelo menos um trabalho que faz referência explícita ao fato de apresentar uma discussão de natureza ética. Observa-se uma regularidade no número de trabalhos, ou seja, poucas variações em termos quantitativos, como se pode verificar no esquema abaixo: SBPJor

Intercom

2008

3

2

2009

3

7

2010

4

4

2011

4

6

2012

1

6

Totais

15

25

40

Tabela 1: Número de trabalhos publicados nos anais de cada congresso ao longo das últimas edições 5

Alguns trabalhos apresentavam termos como “estética”, que entraram na pesquisa pelo sistema de busca dos portais. Tais trabalhos foram identificados e devidamente preteridos na contagem e, consequentemente, na análise qualitativa.

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A diferença no número de trabalhos entre os dois congressos pode ser atribuída ao tempo de existência e à dimensão do evento e da sociedade científica promotora. Ambos os congressos possuem mais de dez edições consecutivas, demonstrando a sua consolidação no âmbito acadêmico; entretanto, a Intercom promoverá, em 2013, a 36ª edição do seu congresso anual, enquanto a SBPJor, a sua 11ª. Ainda assim, a diferença parece-nos razoável, sendo necessária uma observação mais atenta e detalhada em torno dos estudos propriamente ditos; como se verá a seguir.

3. Análise dos trabalhos selecionados No primeiro dos artigos selecionados, chamado “O Repórter Infiltrado: Algumas Questões Éticas e Epistemológicas para a Prática do Jornalismo” a pesquisadora Sylvia Moretzsohn trabalha com a figura do repórter infiltrado, na busca por identificar as origens e a lógica da legitimação dessa prática. Seu objetivo está voltado para a urgência do debate em torno da definição de limites éticos para o jornalismo. Portanto o trabalho procura articular essa questão ética a uma abordagem de cunho epistemológico, que indaga sobre o tipo de conhecimento que pode ser produzido pelo repórter que se disfarça para “viver” uma determinada situação, apostando na sua sensibilidade e desprezando o trabalho realizado em outros campos do conhecimento. Com isto, a ética da prática profissional ganha destaque na análise que busca contribuir para a prática de um jornalismo mais qualificado, crítico e coerente com o seu propósito de esclarecer o público. Outro trabalho publicado no Encontro Nacional da Intercom de 2008 é o artigo “Encontros e desencontros da ética jornalística: Resultados de uma pesquisa de campo” da pesquisadora Jacqueline da Silva Deolindo com seu orientador à época, Hugo R. Lovisolo. O trabalho apresenta alguns resultados de uma pesquisa de campo realizada com jornalistas, estudantes de jornalismo e outros profissionais da área para verificar sua convicção pessoal acerca da ética jornalística. Este é o caso de trabalho de pesquisa que coloca a ética com papel de centralidade dos estudos, como item de profunda importância nos aspectos de rotina de produção.Os autores apresentam, ainda, observações de que “o código deontológico nem sempre apresenta regras fáceis ou coerentes, mas, nisso os teóricos do jornalismo estão de acordo, estabelece-se, ao menos, um ideal” (DEOLINDO; DEVISOLO, 2008, p, 7). A análise dos resultados foi sustentada por uma fundação teórica pautada no entendimento do jornalismo enquanto um serviço público e no código de ética dos 4

jornalistas brasileiros. Esta publicação é, na verdade, uma versão resumida da pesquisa de mestrado da autora, orientada pelo Prof. Dr. Hugo Lovisolo. Neste caso, a pesquisa ficou restrita aos participantes de um encontro de jornalistas que reuniu profissionais das regiões Norte, Noroeste e Lagos do Estado do Rio de Janeiro, no Brasil, em dezembro de 2007. Os pesquisadores ressaltam que “Diante da realidade da qual se originam os entrevistados na pesquisa de campo e dos limites da ética impostos pelas particularidades das rotinas produtivas, é plausível, então, refletir sobre como é possível assumir o compromisso moral de realizar um jornalismo ético a partir em uma redação de equipe enxuta, cujos membros correm contra o tempo, travando verdadeiras batalhas com até cinco pautas para desenvolver num único dia, tendo o telefone e uma agenda como principais aliados.” (DEOLINDO; DEVISOLO, 2008, p, 13)

Apesar de apontar essa percepção por parte dos entrevistados, os autores ressaltam que nada disso exime o jornalista da responsabilidade social de equilibrar a reflexão e a calma do pensamento e da organização de ideias em torno de princípios éticos. Eles argumentam ainda que “se é difícil articular as representações do jornalismo ideal, previstas nos códigos deontológicos e a práxis profissional [...] preferimos considerar que a realidade dada não precisa ser perpetuada, que é possível rebelar-se contra o modelo, questioná-lo” como uma forma de renovar as práticas e conhecimentos jornalísticos em prol de um jornalismo de qualidade. Nos anais do encontro da SBPJor no ano seguinte, em 2009, há o trabalho “Currículos comparados: Ética Jornalística nos modelos da Unesco e nos cursos superiores brasileiros”do pesquisador Rogério Christofoletti. Este trabalho trabalha com os aspectos deontológicos enquanto itens essenciais na formação profissional dos jornalistas. Partindo da ideia de que os conteúdos desta natureza constam de todas as organizações curriculares de instituições de ensino formal, sua análise se fixa nas formatações que o ensino superior tem dado a esse aspecto, tomando como norte os modelos de ética jornalística da Unesco. Se nos cursos superiores brasileiros, existem disciplinas com denominações distintas, mas que abordam esses aspectos, variam também a localização dessas disciplinas nas matrizes curriculares e as unidades de ensino que as estruturam. Nesta publicação, se compara a dimensão formativa deontológica em “Model Curricula for Journalism Education” (Unesco, 2007) com os vinte cursos universitários de Jornalismo mais antigos e tradicionais do Brasil. Com isso, os resultados apontam para diálogos e distanciamentos entre as duas realidades observadas, buscando compreender quais 5

dimensões podem ser mais ou menos “prejudicadas” por essas alterações dentro do processo formativo do jornalista. O trabalho aponta que, “de maneira geral, há grande dispersão na estrutura e na concepção didático-pedagógica das disciplinas brasileiras que deveriam tratar de deontologia” (CHRISTOFOLETTI; 2009, p. 13). Ele identifica ainda que, “por vezes, os conteúdos são muito amplos; por outras, desviam-se da ética profissional para desaguar em áreas vizinhas, como o Direito” (CHRISTOFOLETTI; 2009, p. 13). Realizando uma discussão que aproxima as questões éticas do jornalismo àquelas vivenciadas nos novos contextos de produção noticiosa, está o texto “As encruzilhadas da ética em tempos de „nova mídia‟” da pesquisadora Sylvia Moretzsohn. No trabalho, ela afirma que a disseminação da tecnologia digital, que permite (em tese) a qualquer pessoa a veiculação de informações via internet, é uma grande e dramática novidade para a questão da ética no mundo contemporâneo. Ela destaca que, em especial, esses conflitos se voltam para os preceitos que tradicionalmente orientam o exercício do jornalismo. O artigo aborda alguns dos principais dilemas que o jornalismo enfrenta nesse novo contexto e apresenta indagações quanto à possibilidade de respeito a limites sobre o que pode e deve ser tornado público, diante da perda desse controle por causa principalmente dessas novas tecnologias de compartilhamento de dados e informações, além da briga pelo espaço de divulgação da notícia instantânea. Tudo isso altera dramaticamente o papel classicamente exercido pela mediação jornalística e “impõe” que o pensamento acerca da ética da divulgação de fatos e dados seja uma discussão ampla, já que, para ela, “discutir ética significa exatamente discutir o estabelecimento de limites. Entretanto, na era da „nova mídia‟, em que (em tese) qualquer um pode dispor de uma ferramenta para comunicar em escala infinita, a discussão sobre ética ultrapassa largamente o âmbito da prática jornalística” (MORETZSOHN, 2009, p.11). A pesquisadora Josemari Poerschke de Quevedo traz, em seu trabalho “Credibilidade jornalística – Uma compreensão teórica”, publicado no Encontro Nacional da Intercom em 2009, um aspecto relacional entre a necessidade de credibilidade jornalística e alguns dos aspectos de produção de produção da notícia. O artigo em questão foi selecionado dentro deste grupo de trabalhos porque discute o aspecto profissional, a partir das Teorias do Jornalismo, dentro de um sistema ético jornalístico. Este sistema ético envolve situações diversas a partir de uma mesma responsabilidade e é o ponto de partida da autora, que se utiliza das discussões acerca da 6

ética profissional como primeiro plano de seu trabalho. Segundo a autora, a “abordagem conceitual para discutir a credibilidade jornalística tem a noção de que a notícia é o fluxo do ato de informar, ancorada numa zona de tensão entre uma reflexão ética interrogativa e crítica e a deontologia profissional” (QUEVEDO, p.2). Ela localiza a profissão tanto em um plano midiático/empresarial, enquanto comunicação realizada em instituições públicas de governo. Em comum entre os dois, há a responsabilidade com o interesse público, ponto básico dos códigos deontológicos. Nesse sentido, descreve-se situações referentes à produção jornalística nesses níveis e os aspectos a se ter em conta em prol da credibilidade jornalística, fazendo com que o trabalho não seja um estudo de caso, mas uma análise de situações a partir do referencial de estudos. Uma revisão bibliográfica e documental é compilada pelo pesquisador Aldo Antonio Schmitz no artigo “A ética de lado a lado: fontes de notícias e jornalistas frente a frente”, presente nos anais do 8° Encontro da SBPJor, promovido em 2010. O estudo reúne diversos referenciais teóricos que abordam a temática da relação, muitas vezes conflituosa, entre jornalistas e fontes de informação e, ainda, retrata as orientações presentes nos manuais de redação de três jornais impressos: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora. O autor levanta diversas situações analisadas por outros pesquisadores, incluindo dados de pesquisa e citações, mas não se propõe a estabelecer um trabalho empírico e também não se configura como projeto de natureza epistemológica. As conclusões permitem, no entanto, compreender as características do papel das fontes e dos jornalistas: “essa relação [fonte-jornalista] está imbricada num processo complexo, simultaneamente conflitante e conveniente a ambos” (SCHMITZ, 2010, p. 10). A ética profissional do jornalista é usada como base de estudos do trabalho “Jornalismo, ética e humanização: reflexões sobre a tríplice tessitura”, da pesquisadora Criselli Montipó. Seu trabalho foi publicado nos anais do encontro nacional da Intercom em 2011 e se volta para as formatações mais humanizadas da narrativa jornalística a partir da base ética. Ela afirma que a complexidade das relações atuais têm trazido novos sentidos e novas funções ao fazer jornalístico. Segundo ela, “os jornalistas passaram a ser mediadores de um cotidiano cada vez mais diversificado e mutável” (MONTIPÓ, 2011, p 1). A partir daí, estratégias para a aproximação do público com esta realidade em constante transformação, dado o desenvolvimento e a mercantilização do jornalismo. 7

O trabalho aponta a ocorrência de um distanciamento da instância motivadora de toda informação, que é a vivência humana, objetiva e subjetiva. O artigo sugere, então, algumas reflexões acerca da humanização na narrativa jornalística, para que, embasada na ética profissional, possa oferecer um jornalismo mais próximo da realidade humana. O trabalho “Jornalismo Local: A Ética da Convicção e a Ética da Responsabilidade na Proximidade com as Fontes” foi publicado no mesmo congresso pela pesquisadora Carla Algeri. Em seu objetivo estava a reflexão sobre conceitos éticos e deontológicos da prática jornalística no jornalismo local, ou seja, em veículos de comunicação de caráter empresarial e de circulação restrita a um território geográfico. Como aporte teórico, a autora partiu da discussão suscitada por Weber (2008) e retomada por Cornu (1999) sobre a ética da convicção e a ética da responsabilidade, refletindo sobre esses conceitos a partir da problemática do relacionamento com as fontes. Citando Cornu (1999), a autora explica a diferença entre as formações éticas diversas e, como colocado pelo autor, estabelece-se que

No campo da informação, esta distinção é útil, porquanto opera a separação entre um jornalismo de convicção, preocupado com a única missão de dizer, e um jornalismo de responsabilidade, que relacionaria a informação com as consequências da sua difusão, em particular com as suas repercussões sobre a vida física e a integridade moral das pessoas (CORNU, 1999 apud ALGERI, 2011, p. 3).

Foram entrevistados jornalistas de dois jornais locais catarinenses, o Diário do Oeste Catarinense, de Concórdia, e o Diário do Iguaçu, de Chapecó. Dessas entrevistas, “observou-se uma imprensa por um lado „amarrada‟ aos interesses econômicos e políticos, pela escassez de mercado anunciante e pela configuração da política local. Ao mesmo tempo, encontrou-se jornalistas comprometidos com a comunidade” (ALGERI, 2011, p.13). Ou seja, de maneira geral, os profissionais se demonstraram preocupados com as consequências dos fatos divulgados, medo de sanções, como processos judiciais, muito decorrentes do despreparo profissional e ainda da autocensura. Para a autora, “A ética de convicção fica subentendida na divulgação de fatos oficiais, dos poderes públicos, quando o jornalista está condicionado a divulgar tudo o que vem dessas fontes, sem muita reflexão” (idem). A discussão central do texto “Jornalismo, ética e opinião pública no Brasil: a ação da mídia justiceira na fase inicial do caso Isabella Nardoni” baseia-se no tensionamento existente entre as questões do Direito, direcionadas para um 8

acontecimento criminal, e a ampla cobertura da mídia, em abrangência nacional. O artigo foi interposto ao Intercom Nacional de 2011 e foi elaborado pelos professores Edson Dalmonte e Malu Fontes. O debate científico concentra-se na abordagem pela Revista Veja, a partir de quatro edições consecutivas que retratam o caso Isabella Nardoni, que morreu ao ser atirada do 6° andar do prédio no qual moravam o pai e a madrasta. É um estudo de caso analítico sobre o fazer jornalístico de cobertura do caso, que mobilizou a opinião pública de todo o país. A análise leva em consideração os sentidos produzidos pelo discurso jornalístico, os elementos (info)gráficos e emerge o conceito de ética que prevê a manutenção dos direitos do cidadão, sobretudo em relação ao de ampla defesa e à presunção de inocência. Segundo os pesquisadores, a opinião pública de condenação do casal Nardoni foi mediada pela imprensa, como fica evidenciado na terceira edição do periódico observado, por conta da construção imagética dos acusados; apesar de o processo, à época, não houvesse sequer iniciado na esfera da Justiça. Como pano de fundo, as contribuições teóricas sobre o papel dos mass media para os assuntos de ordem moral, reverberadas pela conjuntura social atual. Os casos apresentados permitem uma conclusão relevante e pertinente para a compreensão do modus operandi dos profissionais do jornalismo na sociedade brasileira hodierna: De instância provedora de informação, passou a prover sentenças, fato que nos faz ver a mídia como lugar da “ação justiceira”. Percebe-se, no Brasil, a falta de um nível de orientação deontológico marcado pela preocupação de distinguir os limites à atuação da imprensa em relação ao seu campo de ação, ou seja, limites claramente definidos, reservando à justiça a investigação e sentenciamento dos crimes. (FONTES; DALMONTE, 2011, p. 12)

Numa perspectiva ética motivada pela emergência dos meios de comunicação digitais, o projeto “Ética hacker e deontologia jornalística em redes sociais”, de Rogério Christofoletti, submetido à SBPJor em 2011, “persegue” três ideias principais: a de que “a crise é mais que a crise”; a de que “o jornalismo vem se modificando também na sua ética”; e a de que “as redes sociais compõem o ambiente que apressa uma nova ética jornalística” (CHRISTOFOLETTI, 2011, p. 2). O pesquisador parte da hipótese de que, com as modificações nos modos de como os meios e os jornalistas lidam com as fontes, os concorrentes e os públicos, a ética também deve ser modificada. Para ele, “o que parece certo é a insustentabilidade do modelo atual, pela sua

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impossibilidade de dar conta de desafios futuros e de velhos dilemas travestidos de novas cores” (idem, p. 6). O autor realiza um mapeamento das diversas redes sociais surgidas a partir do final da década de 90, dos blogs aos avançados dispositivos móveis, como o iPhone e o iPad. Nessas experiências, as novas relações imbricadas na produção e no consumo das informações que, segundo o pesquisador, trouxeram mais potencialidades que motivos de preocupação para o jornalismo. Os avanços alargaram o campo profissional, abriram novos mercados, multiplicaram as formas de expressão jornalística e forçaram uma reaproximação com os públicos. Mas as boas práticas não são tudo no jornalismo. Deslizes éticos e violações legais são, diversas vezes, facilitadas pelas condições tecnológicas. É o caso do plágio e da invenção deliberada de personagens, situações ou histórias inteiras. (ibidem, p. 9)

Nesse panorama, vicejam diversas recomendações por um ética jornalística no uso das ferramentas sociais digitais, haja vista a variedade de casos brasileiros e estrangeiros que renderam até demissões de profissionais, por conta da divulgação de notícias equivocadas, e da criação de perfis falsos etc. Dessa forma, o estudo reclama a necessidade do estabelecimento de uma ética para o webjornalismo, sob pena de manter os velhos deslizes da prática social, só que com uma nova roupagem; a exemplo da liberdade de expressão, da falta de transparência entre relato e opinião e da carência de instrumentos de controle da qualidade da informação. Os meios de comunicação do Brasil e do mundo já emitiram instruções internas, mas ainda não se tornaram códigos. Christofoletti (2011) defende que “compreender a situação, adequar-se a ela e superar insuficiências parece uma agenda complexa, mas positiva e necessária para os jornalistas” (p. 14). O trabalho “Direitos, valores e cuidados na era da transparência: uma volta ao mundo em códigos deontológicos”, realizado em 2012 e submetido ao 10° Encontro da SBPJor, de autoria de Rogério Christofoletti e Isadora Mafra Ferreira, é uma proposta de sistematizar os valores e critérios éticos inscritos nos códigos jornalísticos de 30 países do mundo inteiro. Trata-se de uma pesquisa que busca construir “uma síntese a partir de múltiplas realidades, na tentativa de fazer emergir contribuições para um cenário mais detalhado da compreensão das normas de conduta para jornalistas” (CHRISTOFOLETTI; FERREIRA, 2012, p. 6). A escolha dos documentos se deu a partir dos índices demográficos de cada continente do planeta, tendo ainda como parâmetros a proporcionalidade, a amplitude, a antiguidade e a legitimidade dos códigos. 10

Após a seleção, o projeto voltou-se para a tradução dos documentos para que, por conseguinte, fossem estabelecidos os critérios de análise, que levou em conta dados quantitativos e qualitativos. Foram constituídos quatro conjuntos de categorias para caracterizar os documentos: natureza; evidência de direitos no documento; cuidados nos processos de apuração e produção jornalísticas; e cuidados no tratamento das fontes. Desses quatro conjuntos, os pesquisadores elencaram 20 categorias de observação. A ideia do trabalho é tentar dar conta dos dispositivos éticos vislumbrados pelos diferentes países na contemporaneidade. No entanto, o documento da França e do Japão, por exemplo, datam de 1938 e 1946. Além disso, o olhar sobre as demais civilizações está embutido por uma perspectiva cultural – a brasileira/ocidental, mas evocando as contribuições teóricas do assunto, tanto de autores brasileiros como de estrangeiros. A discussão suscita, portanto, questões de ordem histórica, cultural e social de alguns países, uns com mais informações e outros menos.Nesse sentido, parece que o conceito de ética empregado é o mais amplo possível, a fim de abranger quaisquer elementos plausíveis de serem encontrados. As

críticas

elencadas

acolhem

possivelmente,

assim,

determinadas

subjetividades empíricas, ao identificar, a título de exemplo, que a maioria dos documentos é “aconselhadora e idealista”. Haveria uma valorização universal da verdade e também uma emergência pela observação de questões recentes, motivadas pelo avanço tecnológico. O próprio estudo verifica que os documentos não estão alicerçados apenas nas vinte categorias determinadas e conclui, de modo indicial, que há sinais de “lacunas e insuficiências contemporâneas” (idem, p. 18). “Será que todos os jornalistas têm consciência de que, ao fazerem uso de câmera escondida e mentirem ou omitirem a sua identidade, estão ferindo o Código?” (SOUZA et al., 2012, p. 2) é a pergunta problema que norteia as discussões do paper “Uso de câmera escondida e omissão da profissão: repensando a liberdade de imprensa e a ética dos jornalistas”, de Carlos Henrique Medeiros de Souza et al, apresentado ao Intercom Nacional em 2012. Os pesquisadores pretendem confrontar o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros com as práticas jornalísticas contemporâneas, tendo como focos centrais o uso das novas tecnologias, a liberdade de imprensa e as técnicas de despistamento. Como corpus de análise para estudo de caso, privilegiam-se duas matérias televisivas exibidas pelo dominical Fantástico, da Rede Globo: uma que, resumidamente, apresenta imagens do jogador de futebol Vagner Love com escolta de 11

bandidos armados para participar de uma festa na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro; e outra que flagra a venda de uma menina, pela própria mãe, por uma quantia de R$ 500, no estado do Pará. Em ambos os casos, os repórteres se valem da câmera escondida, apesar da recomendação do Código de Ética brasileiro de que “o jornalista não pode divulgar informações obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração” (Código de Ética dos Jornalistas, cap. III, art. 11, item III). A pesquisa critica o primeiro produto porque seria uma questão de pouca relevância social, pouco interesse público e que esbarra em direitos de privacidade, além de denegrir a imagem de uma figura pública. No segundo caso, os jornalistas participam do acontecimento, fazendo-se passar por interessados em “comprar” a menina. Embora não se tenha discutido dessa maneira no artigo, o caso reflete um exemplo efetivo do jornalismo enquanto elemento de construção social da realidade. O trabalho debate, ainda, os direitos dos envolvidos nas situações e procura confrontar com a função social do jornalismo, de denunciar, fiscalizar. Outra discussão mobilizada no texto coloca em xeque as próprias resoluções do Código de Ética, partindo do pressuposto de que existem agressões corriqueiras a ele: “O problema está na ação antiética dos jornalistas ou na “defasagem” do Código?” (SOUZA et al., 2012, p. 4). Além disso, os autores indagam se os jornalistas, ao saberem da existência do compromisso com a verdade, se há respeito por ele; ou, ainda, se os profissionais de comunicação colocam em prática o Código, todos os dias e a todo tempo. Questões importantes que não são contempladas neste estudo e que demandam um trabalho científico de maiores proporções.

4. Considerações finais Partimos de uma busca sobre a ocorrência da ética profissional como palavrachave dos trabalhos acadêmicos publicados nos últimos cinco anos nos encontros nacionais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom – e da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJor. Com isso, procuramos compreender quais são as ocorrências sobre ética que se fazem presentes nessa produção que trata sobre jornalismo, e qual papel dela dentro do panorama das discussões destes encontros atualmente. 12

Em alguma medida, pudemos observar que a ética profissional entra em discussão de maneira muito forte quando atrelada a aspectos da rotina de produção e às contingências do mercado jornalístico. Em muitos trabalhos a busca de compreensão da ética do jornalista escapa à deontologia da profissão, ou seja, neles o estudo se dá na relação travada entre os profissionais do jornalismo e os ideais de correção da sua profissão, extrapolando os limites da deontologia enquanto conjunto de regras. Muitos foram os trabalhos que exploraram o aspecto de formação de algum grau identitário da profissão de jornalista por meio da delimitação de quais são os critérios éticos por esta manifestados. Conflitos colocados entre jornalistas infiltrados, uso de câmeras escondidas e outras práticas tidas como comuns na vida do jornalista são vistas pelo viés ético, sobretudo. Também nesses casos os conflitos se davam em torno de uma tensão entre os conflitos éticos reais, dados, e os códigos de éticas da profissão, como se a rotina produtiva e as relações entre a produção jornalística, o pouco tempo e a falta de condições estruturais não estivessem previstas num código deontológico. Também o aspecto formativo dos jornalistas com relação às práticas éticas da profissão passou por análise. Este exame sobre a formação jornalística tem seu destaque colocado na capacidade crítica como ferramenta fundamental à ética profissional e que tem condições de se fazer mais presente por meio de estímulos que se iniciem na formação do aluno de jornalismo. Estas discussões também se remetem ao espaço público ao qual este estudante de jornalismo está sendo direcionado quando se tornar um profissional. Além disso, a ética apareceu ligada às novas tecnologias, altamente relacionadas a esse espaço do profissional de jornalismo. Dadas as condições de multimidialidade e potencial amplificado de produção de conteúdo e compartilhamento, a questão ética dos limites do ato de compartilhar, além das influências desses materiais na prática jornalística, são colocadas em questão. As maneiras com as quais o jornalista pode lidar em ambientes abertos e mais visíveis, onde procurar suas fontes de informações confiáveis e quais limites cruzar em busca da informação são conflitos éticos válidos desde sempre, mas que passam a ganhar uma abrangência de discussão amplificada. O estudo da ética pela academia, portanto, pretende dar conta das mudanças pelas quais o jornalismo vem (e continuará) passando; enaltecendo algumas delas, em detrimento de outras. Muitos dilemas da profissão, como identificado por alguns autores, em determinados casos, permanecem os mesmos de tempos atrás, reivindicando a necessidade de uma reflexão crítica e atentando para a necessidade de adotar como 13

referência os exemplos obtidos pelas experiências e os próprios dispositivos dos códigos de ética e deontológicos. No universo estudado, percebeu-se a reincidência de vários pesquisadores se dedicando à análise do tema. Seria interessante, desse modo, que novos e mais estudiosos pudessem contemplar o assunto, de modo a fornecer novos olhares e novas perspectivas para o enriquecimento das competências científicas do campo. Por fim, não é possível afirmar – categoricamente – que há uma “evolução” nesse tipo de pesquisa dentro do período analisado, mas o desenvolvimento de algumas tentativas de dar conta das demandas atuais, contemplando os dilemas éticos que envolvem o exercício profissional do jornalismo.

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