A História Oral Temática como recurso na pesquisa com profissionais do Jornalismo Cultural

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A História Oral Temática como recurso na pesquisa com profissionais do Jornalismo Cultural1

ALFONSO, Luciano (doutorando)2 UFRGS/RS

Resumo: O artigo aborda a história oral e o uso da entrevista – sustentados pelo estado da arte no jornalismo – como metodologias significativas para a proposta de uma tese em andamento que visa problematizar a percepção de jornalistas de veículos e assessores de imprensa atuantes no campo das artes visuais sobre processos de mediação e ethos profissional na contemporaneidade. Acreditamos poder evidenciar neste trabalho o quanto os depoimentos orais podem ampliar a compreensão dos processos transformadores que vêm ocorrendo no universo profissional dos jornalistas de cultura brasileiro e, também, traçar um painel singular de constituição e pertencimento a uma identidade jornalística; problematizar e compreender as interligações entre rotinas de produção e fontes; percebendo inter-relações entre lugares, falas, temporalidades. Palavras-chave: história; história oral; entrevista; jornalismo; jornalismo cultural

O presente artigo é parte de pesquisas para uma tese em andamento que visa problematizar a percepção de jornalistas de veículos e assessores de imprensa atuantes no campo das artes visuais sobre processos de mediação e ethos profissional na contemporaneidade.

Nesta direção, acreditamos que é significativo para o

desenvolvimento do trabalho recorrermos ao uso da história oral temática e da entrevista como metodologias. Assim, o artigo busca refletir sobre a relevância, benefícios e implicações de tais recursos metodológicos. Também se realiza um estado da arte para documentar trabalhos recentes no Brasil e no exterior que fazem uso destas ferramentas. Pelo percurso empreendido aqui, acreditamos poder evidenciar o quanto os depoimentos

Trabalho apresentado no GT de Historiografia da Mídia, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM-UFRGS). É jornalista na Fundação Piratini - Rádio e Televisão. Email: [email protected] 1

orais podem ampliar a compreensão dos processos transformadores que vêm ocorrendo nas últimas décadas no universo profissional dos jornalistas de cultura brasileiro e, também, traçar um painel singular de constituição e pertencimento a uma identidade jornalística; problematizar e compreender as interligações entre rotinas de produção e fontes; percebendo inter-relações entre lugares, falas, temporalidades. A história contemporânea ou do tempo presente ainda sofre alguma resistência como objeto da história, mas sua contribuição à sociedade é inegável. E, neste contexto, o reconhecimento e a legitimidade do uso de fontes orais é fator importante. Ferreira (1994, p. 9-12), nos aponta duas linhas de trabalho distintas de uso da história oral. Uma que prioriza os depoimentos orais como instrumentos para o preenchimento de lacunas deixadas pelas fontes escritas, garantindo o máximo de veracidade e de objetividade aos depoimentos através de entrevistas bem roteirizadas; e outra abordagem que interessa mais de perto, privilegiando o estudo das representações e atribuindo um papel central às relações entre memória e história. Algo mais sutil, subjetivo e que quer resgatar vivências, emoções, onde “as distorções da memória podem se revelar mais um recurso do que um problema, já que a veracidade dos depoimentos não é a preocupação central”. Tanto para a pesquisadora como para nós, o método da história oral nos seduz como “um instrumento importante no sentido de possibilitar uma melhor compreensão da construção de estratégias de ação e das representações de grupos ou indivíduos em uma dada sociedade” e especificamente na tese3 em construção. Para compreendermos mais amplamente questões propostas na pesquisa, pretendemos realizar um recorte de corpus, destacando para entrevistas dez jornalistas e assessores de imprensa contemporâneos, numa amostra intencional, ou seja, acreditando na relevância da atuação destes profissionais e na abrangência de suas produções no contexto do jornalismo cultural e das artes em especial. Academicamente, entendemos que contemporaneamente a questão da utilização 3

A tese tem como estrutura central depoimentos de profissionais de veículos e assessores de imprensa que ocupam um espaço de trabalho com dois contratos comunicativos: um estratégico (da assessoria de imprensa) e outro jornalístico (do veículo), num universo amplamente complexo, principalmente em decorrência de uma série de processos sociais e interpessoais incorporados às formas de atuação no e do campo comunicacional. A pesquisa se desenvolve dentro das atividades do Núcleo de Estudos em Jornalismo e Publicações Culturais do Laboratório de Edição, Cultura e Design (LEAD), que desde 2007 realiza projetos sistemáticos com o intuito de compreender a lógica do jornalismo em relação dinâmica com o sistema cultural, especialmente em estudos de viés histórico, por meio da análise de publicações e da ação de agentes como jornalistas, editores e críticos.

de depoimentos orais é parte do escopo técnico-metodológico de grande número de pesquisadores, principalmente das ciências sociais. Como afirma Aceves Lozano (1996, p. 15), abordar o fenômeno da oralidade é focar no processo da comunicação, aspecto central da vida dos seres humanos, “o desenvolvimento da linguagem, a criação de uma parte muito importante da cultura e da esfera simbólica humanas”. Desta forma, almejamos evidenciar neste artigo o quanto os depoimentos orais podem ampliar a compreensão dos processos no universo profissional dos jornalistas de cultura brasileiros. Tal empreitada parte da afirmação da escolha da história oral por esta não pertencer a um domínio estrito do conhecimento. Ela se presta a diversas abordagens, o que torna complexa sua conceituação e a precisão do uso. Assim, a necessidade de esclarecermos suas aplicações, pois seus limites esbarram com categorias de diversas disciplinas das ciências humanas, como biografia, tradição oral, memória, linguagem falada, métodos qualitativos etc, e sua definição não se estabelece facilmente: ora constitui método de investigação científica, ora fonte de pesquisa, ora ainda técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados (ALBERTI, 1989, p. 1).

Também para a autora, fazer uso dos depoimentos orais é um método de pesquisa que vai estudar instituições, grupos sociais ou categorias profissionais, a partir de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam. Embora tais depoimentos tenham sido fortemente utilizados, inicialmente, pelos estudos acadêmicos da antropologia, da literatura e da sociologia, é na história que eles ganham visibilidade através da história oral. Com a aplicação deles é possível constituir novas fontes de pesquisa, significando “produzir conhecimentos históricos, científicos, e não simplesmente fazer um relato ordenando da vida e da experiência dos outros”, garante Lozano (1996, p. 17, 18). Desta forma, a história oral está presente hoje em várias áreas do conhecimento científico, através de várias tendências, concepções ou modalidades de uso. As restrições predominantes ao uso do método enfatizam que “a oralidade vertida em depoimentos e tradições, relatos e histórias de vida, narrações, recordações, memória e esquecimentos, etc., todos estes rotulados como elementos subjetivos de difícil manejo científico”, salienta também a mesma autora. Como proposta de investigar a realidade através de estatutos próprios e objetivos

definidos, a história oral é importante na reflexão e na maior compreensão como método e nos possíveis diálogos com o campo do jornalismo, entendendo de antemão que ambas as áreas se constituem a partir do presente. Interdisciplinarmente, no caso do jornalismo, esclarece Maciel (2007), “a atualidade é o seu foco e é só para compreendê-la, num recorte sincrônico, que se apresentam os fatos do passado e se projetam os acontecimentos do futuro”, enquanto na história oral há ainda o fato de a atenção estar voltada para “as experiências do passado atualizadas pela memória do presente”. Outro aspecto diz respeito aos personagens apresentados pelas duas áreas. São “sujeitos históricos, diretamente envolvidos tanto com a realidade imediata em que se situam quanto com um ‘passado’ que constitui suas referências e sua memória”. Para o presente estudo reafirmamos a história oral como abordagem metodológica, pois tem como ponto de partida central a utilização da entrevista, recurso fundamental também para o jornalismo, tanto prática como conceitualmente. Assim, enfatizamos a entrevista na história oral pensada não apenas como uma coleção de frases reunidas em uma sessão dialógica que se esgota em si, mas como destaca Meihy (2007), trata-se de centralizar os testemunhos como ponto fundamental, privilegiado, básico, das análises; formular as entrevistas como epicentro da pesquisa. Em termos acadêmicos, buscar refletir sobre a importância do trabalho do profissional jornalista e as profundas transformações que ocorrem no universo midiático, através da utilização da história oral, é um percurso extremamente rico e singular, principalmente tratando de jornalistas ligados ao campo cultural. Estaremos construindo e interpretando o passado, contemporaneamente, por meio da linguagem falada. Sobre a cientificidade e a subjetividade do que nos propomos concordamos que É sabido que jamais poderemos apreender o real como ele é; apesar disso, insistimos em obter uma aproximação cada vez mais acurada dele, para aumentar qualitativa e quantitativamente nosso conhecimento.... O trabalho do cientista, contudo, é também um ato de criação, do qual participa o subjetivismo (ALBERTI, 1989, p. 6).

Delgado (2003, p. 22) nos lembra que se as narrativas, sejam elas sob a forma de depoimentos registrados de maneira escrita ou oral, são caracterizadas pelo movimento peculiar à arte de contar, a contemporaneidade marcada “pela cultura virtual e pela velocidade muitas vezes descartável das informações, tendem a desaparecer os narradores

espontâneos, aqueles que fazem das lembranças, convertidas em casos, lastros de pertencimento e sociabilidade”. Crescem a quantidade e a qualidade de trabalhos que investigam os reflexos do mundo contemporâneo sobre as práticas e o perfil do profissional jornalista. Parte significativa da produção acadêmica está centrada na compreensão de como o avanço tecnológico afeta processos industriais e de conteúdos. Outras pesquisas, aqui e fora, ampliam o leque. No caso brasileiro porque “transformações estruturais do capitalismo combinaram-se à política de expansão do ensino superior, à redemocratização do país e a mudança na regulamentação profissional e produziram um ambiente em que se reconfiguraram por inteiro as possibilidades de atuação dos jornalistas (MICK; LIMA, 2013, p.15). Um segmento de pesquisadores em crescimento no país quer entender, além dos aspectos citados, como o jornalista, enquanto indivíduo de um campo que se profissionalizou num período recente da história, percebe a si no universo de trabalho em que está inserido. Quais seus valores, competências e outros aspectos ligados a este campo de conhecimento e de reflexão das práticas sociais e profissionais, fortemente influenciado pelo do mundo social. No entanto, constatamos que pesquisas e diagnósticos no jornalismo cultural são raros. A singularidade e o ineditismo desta pesquisa estão centrados no trabalho direto com profissionais atuantes no jornalismo cultural brasileiro e com a mediação do discurso específico das artes visuais. Em função disto, apontamos trabalhos que dialogam com a proposta de pesquisa no uso da entrevista e da história oral como recursos para a obtenção de informações adicionais, sejam da história do jornalismo ou de questões profissionais específicas. Isto porque tais métodos que usam a história de entrevistados para descortinar determinados fatos oferecem, a partir dos dados obtidos, uma flexibilidade de interpretações. Vejamos algumas pesquisas que seguem este caminho. Nas primeiras páginas do livro Entrevista: o diálogo possível, Medina (2008, p. 8) ressalta que não devemos entender como uma atitude idealista desenvolver a técnica da entrevista nas suas virtudes dialógicas. Pensada pela autora, a partir de sua complexidade psicossocial, “é uma técnica de interação social, de interpenetração

informativa, quebrando assim isolamentos grupais, individuais, sociais; pode também servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação”. Mas podemos compreendê-la, também, como uma ferramenta de coleta e registro de dados, ou ainda como um método de coleta e registro de narrativas e histórias de vida. Golin (2002, p. 21) lembra a situação assimétrica revelada pela entrevista, pois “apenas um dos sujeitos é objeto do conhecimento; ao outro cabe apenas o papel de indagar, pontuando com exclamações, interrogações ou comentários o discurso alheio”. A autora destaca que a entrevista como forma discursiva pode aproximar-se de um ritual confessional foucaultiano para narrar, por exemplo, uma história de vida, onde “o entrevistado e o entrevistador firmam um pacto biográfico que será transmitido, no momento da publicação, ao leitor”, tendo “uma mensagem de dois protagonistas dirigida a um destinatário virtual”. Isto sem deixar de enfatizar as diferenciações das entrevistas temáticas para as de história de vida. Já Pereira (2013, p. 37) percebe a entrevista pelo viés de uma interação social onde “se negociam pontos de vista, sentimentos e motivações, interpretações sobre o mundo, estatutos e identidades sociais”, dimensão útil para percebermos a entrevista como um processo de negociação entre as partes, quando não mais envolve dois jornalistas (entrevistado e entrevistador), detentores da técnica aplicada neste processo. Com clareza podemos perceber o pensamento crítico sobre a entrevista jornalística na pesquisa no trabalho coletivo organizado por Marocco (2012). Jornalistas e pesquisadores apresentam aspectos da entrevista que vão da definição no âmbito científico, passando pelos tipos, as vantagens da utilização da mesma no campo jornalístico como recurso essencial e basilar, seja para a produção da notícia ou para o entendimento do que é ser jornalista. Ao possibilitar tais informações, a obra já encaminha para questões do âmbito científico, onde a entrevista deve ser percebida como um recurso de obtenção de informação por meio de “uma conversa profissional com uma pessoa especializada para um estudo ou investigação” (2012, p. 15). Como conversa e um encontro único, a entrevista exige cuidados que passam por questões como distanciamento e proximidade, onde neutralidade é algo inexistente. Uma das autoras de Entrevista na prática jornalística e na pesquisa destaca as vantagens da utilização da entrevista: Ela permite maior flexibilidade nas perguntas, percepção da

validade das respostas, possibilidade de se chegar mais perto da intimidade do entrevistado, dar a ele mais tempo para responder, adaptá-la a cada entrevistado em particular, seja em termos de linguagem quanto de conteúdo, e tratar, de forma mais cuidadosa, questões delicadas. Para isso, a relação de confiança estabelecida entre entrevistador e entrevistado é fundamental (TRAVANCAS, 2012, p. 16).

Assim, como espaço privilegiado de reflexão, a entrevista é aquele momento em que uma verdade sobre alguém ou sobre algo está sendo construída. Neste processo vários autores chamam a atenção para questões diferentes e importantes. Elas dizem respeito principalmente à escuta ou à aptidão para decifrar a mensagem do entrevistado; ao estatuto de “informantes-chave” do mesmo; e às narrativas individuais que estabelecem histórias de vida. Mas como a técnica da entrevista pode ser precisa quando a abordagem é de um jornalista entrevistando outro? Broustau et al (2012) destacam que “conduzir estudos sobre o jornalismo apresenta, em vários momentos, o ar de um metadiscurso sobre uma prática social”; se pensarmos do ponto de vista científico, conforme vários pesquisadores contemporâneos o fazem, o jornalismo como uma prática discursiva. A utilização das falas dos jornalistas se tornou progressivamente um material a partir do qual os pesquisadores conduzem suas análises e tentam compreender as representações, normas, mutações, intenções e processos em curso. Ao fazerem isso, as entrevistas permitem ordenar e reconstruir experiências, buscando criar sistemas coerentes de narração e interpretação de fatos (BROUSTAU et al., 2012, p. 16).

Este encontro com profissionais da fala e do discurso é algo que necessita análise, pois a fala dos jornalistas como profissionais é igual à de outras categorias, ou seja, uma produção coletiva, um traço da história de grupo e expressão de uma individualidade, lembram os pesquisadores. E enfatizam que “o ponto central da realização de entrevistas é justamente o de atribuir novamente às falas geradas o status de dados a serem desconstruídos e analisados” (2012, p. 17). Entrevista com jornalistas na pesquisa acadêmica Amplia-se o panorama de pesquisas, tanto no exterior como no Brasil, que faz uso da entrevista. Na pesquisa sobre o jornalismo brasileiro, temos trabalhos acadêmicos que fazem uso da entrevista com jornalistas – sejam eles também assessores de imprensa, escritores e críticos – como método. Seja para estabelecer um mapeamento identitário ou

para a compreensão da importância do método, ou até para vislumbrar quais as perspectivas da entrevista no jornalismo impresso contemporâneo. Entre os pesquisadores brasileiros destacamos Travancas (1993, 2001), Abreu (2003), Mühlhaus (2007), Pereira (2011) e Adghirni (2013). Nas produções deles encontram-se sintetizadas algumas questões-chave da reconfiguração do trabalho e do profissional de jornalismo no Brasil das últimas décadas. Isabel Travancas tem dois momentos significativos de pesquisa como entrevistadora. Em 1991 ela produz uma dissertação, transformada em livro dois anos depois, apresentada na Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como ponto central do trabalho está o interesse em pensar como se constitui a identidade do jornalista e em que ela está ancorada. O corpus traz 50 jornalistas entrevistados, divididos em dois grupos, sendo um de profissionais experientes e outro de jovens. Como parte da conclusão da pesquisa, surge a constatação do quanto a profissão é um elemento importante nas vidas e trajetórias destes entrevistados e como estabelece uma identidade singular. Da construção da identidade profissional dos jornalistas brasileiros, Travancas trabalha depois numa tese em Literatura Comparada, em 1998, com suplementos literários do Brasil e da França. Ali, entrevista jornalistas e editores para análise de destacados cadernos dos jornais destes países e utiliza duas vertentes principais: a leitura crítica e a consequente seleção dos suplementos publicados no período de 1990 a 1996 nos dois países; e a análise de 40 entrevistados franceses e brasileiros, entre os quais jornalistas de outros veículos, assessores de imprensa de editoras, críticos literários e professores universitários. Os resultados, numa perspectiva multidisciplinar, trazem a visão própria de cada veículo através dos suplementos literários e dos discursos que os autodefinem. Outra pesquisa é de Alzira Alves de Abreu, vinculada a Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, desde 1975. Ela desenvolve ampla pesquisa sobre a história da imprensa no Brasil, a partir da década de 50, no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)4. Entre as obras publicadas destacamos as 4

O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) é a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Criado em 1973, tem o objetivo de abrigar conjuntos documentais relevantes para a história recente do País, desenvolver pesquisas em sua área de atuação e promover cursos de graduação e pós-graduação. Trata-se do mais importante acervo de arquivos pessoais de homens públicos do Brasil, totalizando cerca de 1,8 milhão de documentos. Ainda com o

que fazem uso da entrevista como método. Em Eles mudaram a imprensa: depoimentos ao CPDOC (2003) com outros autores, Abreu reúne depoimentos de seis jornalistas e diretores de redação que reformularam ou criaram significativos órgãos de imprensa brasileiros nas últimas três décadas do século XX. Já em Elas ocuparam as redações: depoimentos ao CPDOC (2006), juntamente com Dora Guimarães de Mesquita Rocha, apresenta o jornalismo cada vez mais como uma profissão feminina. Elas reúnem depoimentos de dez jornalistas onde mostram os enfrentamentos e desafios tanto nas redações quanto fora delas para ocupar espaço no jornalismo brasileiro. Além dos livros citados, outro trabalho recente da pesquisadora utiliza depoimentos orais de jornalistas. Em Um novo olhar sobre os jornalistas – Os depoimentos orais, Abreu (2012, p. 96-101) destaca a possibilidade de explicação sobre as mudanças ocorridas na mídia brasileira entre 1964-1985 através de uma análise dos principais jornais e revistas do eixo Rio-São Paulo, a partir das editorias de economia e das mudanças introduzidas na imprensa. Para isto, 58 jornalistas foram ouvidos na busca não só sobre a influência da mídia no processo de redemocratização do Brasil, mas também como as histórias de vida destes profissionais foram determinantes na construção do período histórico, do exercício da profissão, da identidade destes jornalistas e da imprensa brasileira. Mühlhaus (2007) também transforma em livro, a exemplo de outros pesquisadores, a dissertação na Escola de Comunicação da UFRJ. Nela, a autora entrevista dez conhecidos jornalistas e escritores brasileiros com o objetivo de compreender como estes grandes entrevistadores5 percebem o papel da entrevista, quais os processos envolvidos e as perspectivas futuras deste recurso que vai muito além de uma técnica de obter informações. Mühlhaus (2007, p. 41) concentra-se na entrevista impressa como foco para o estudo, pois vê neste registro algo mais perene do que em outras mídias, e que “guarda pedaços maiores da história, da cultura e da sociedade. Sempre as percebi como documentos, no sentido estrito da palavra: provas escritas de

intuito de registrar a história contemporânea brasileira foi iniciado, em 1975, o Programa de História Oral que, desde então, vem recolhendo depoimentos de personalidades que atuaram no cenário nacional. Conta atualmente com mais de 5.000 horas de gravação, correspondentes a quase 1.000 entrevistas. 5 Ana Arruda, Artur Xexéo, Benício Medeiros, Carlos Heitor Cony, Joaquim Ferreira dos Santos, Joel Silveira, José Castello, Paulo Roberto Pires, Sérgio Cabral e Zuenir Ventura.

momentos e personagens fundamentais”. Assim, enfatiza que é por meio da entrevista que a mídia constrói modelos de identidades e sustenta subjetividades. Há também na pesquisa um percurso histórico que situa as origens da entrevista e a retórica no campo do jornalismo mundial; o porquê de estudar a entrevista, e outros aspectos ligados ao conhecimento, como a memória. Exemplo de trabalho coletivo, desde 2009, o Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT/ ECA-USP), coordenado pela professora Roseli Fígaro, a partir do binômio comunicação–trabalho, utiliza entre suas metodologias a entrevista, buscando “compreender como a comunicação organiza, constrói e transforma redes de sentido num mundo do trabalho em permanente mudança”. Outro dado importante a destacar neste artigo é o desenvolvimento nos últimos anos de trabalhos de pesquisa através da Rede de Estudos sobre Jornalismo (REJ) entre França, Quebec, Brasil e México6. Salientamos como parte deste grupo dois pesquisadores – Zélia Adghirni e Fábio Pereira – que, sistematicamente, utilizam a entrevista com jornalistas como recurso. Zélia Leal Adghirni, jornalista, doutora pela Universidade de Grenoble (França) e professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB), é referência nos estudos e pesquisas sobre sociologia do jornalismo e questões da fala dos jornalistas como objeto de estudo da profissão. Juntamente com pesquisadores franceses e brasileiros, Adghirni tem mapeado mudanças estruturais no jornalismo e desdobramentos na identidade profissional. Uma das mais recentes pesquisas envolve o jornalista sênior nas empresas de mídia. Adghirni (2013) faz entrevistas com 20 jornalistas7 com mais de 50 anos de idade em atividade regular nas empresas jornalísticas brasileiras e que respondem a sete perguntas. Em termos parciais, a pesquisadora traz um panorama de mudanças significativas de ver e fazer jornalismo, a partir de interrogações, observações e reflexões destes profissionais que fizeram a travessia do jornalismo tradicional para o digital. Segundo ela, os dados apontam para a não existência de espaço para velhos no novo

REJ - http://reseau-etudes-journalisme.com A rede objetiva “reunir pesquisadores de diversas origens para produzir conhecimento em uma área definida da realidade social: jornalismo no espaço público”. 7 Ancelmo Gois, Adriano Lafetá, Alberto Dines, Cláudia Safattle, Clóvis Rossi, Conceição Freitas, Irlam Rocha Lima, João Domingos, José Luiz Chiarelli, Liana Sabo, Mauro Zafalon, Nilson Souza, Núbia Silveira, Roberto Godoy, Rosângela Bittar, Rosamaria Urbanetto, Rogério Mendelski, Ricardo Noblat, Ribamar Oliveira e Severino Francisco. 6

jornalismo, o que respalda informações obtidas em outro trabalho de Mick e Lima (2013). Outras indicações da pesquisa são: um predomínio de mulheres jovens no campo de trabalho; a não existência de sinais de uma identidade comum que crie um ethos entre geração mais velha e os jovens; existência de uma elite de jornalistas, prestigiada e bem paga com altos cargos nas empresas, fruto da capacidade de adaptação, adesão ideológica à empresa e espírito de invenção permanente. Fábio Henrique Pereira, professor da UnB, desde 2002 pesquisa na área de sociologia do jornalismo e identidade profissional. Orientado no doutorado por Adghirni, Pereira (2011), na tese Jornalistas-Intelectuais no Brasil, percorre os caminhos da construção identitária de dez jornalistas-intelectuais8 brasileiros, entendidos como “os indivíduos que dividem a vida entre a prática das redações e outras atividades intelectuais, como a produção de obras artísticas e literárias, o pensar sobre o mundo e o engajamento em questões políticas e sociais”. Para adentrar no universo dos profissionais elencados, o autor faz um percurso histórico a partir da segunda metade do século XX, com as transformações no meio jornalístico, para mostrar como o novo cenário trouxe alterações definitivas sobre a noção de jornalista-intelectual. Assim, também revela como as histórias de vida dos entrevistados estão intimamente ligadas às trajetórias individuais e a uma transformação mais abrangente no meio político cultural brasileiro. “É a partir dessas mudanças que passamos a associar o jornalismo a uma competência técnica, distinta da visão romântica que tendia a lhe atribuir um caráter humanístico” (PEREIRA, 2011, p. 174). Como é possível perceber, poucos trabalhos citados têm o foco ou tratam somente do jornalismo cultural, mas aproximam-se significativamente do jornalismo como campo amplo da cultura. Ou pelos perfis dos entrevistados e suas identidades mescladas pelo universo intelectual, ou porque há, também, cruzamentos e aproximações com outros campos, como a sociologia das profissões e a história oral. Uso da História Oral na bibliografia internacional sobre jornalismo cultural Na realização deste estado da arte, um trabalho aponta diretamente para tendências

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Adísia Sá, Alberto Dines, Antônio Hohlfeldt, Carlos Chagas, Carlos Heitor Cony, Flávio Tavares, Juremir Machado da Silva, Mino Carta, Raimundo Pereira e Zuenir Ventura.

da pesquisa em jornalismo cultural. Golin et al (2014), a partir de busca nas bases de dados Scopus, Web of Science, Scielo e Dialnet no período que abrange de 1992 a 2012, detectam 40 textos que indicam pesquisas recentes produzidas em alguns pontos do planeta. Das tendências verificadas surgem quatro vertentes, quais sejam, pesquisas empíricas longitudinais e de cunho histórico; problematização do gênero crítica; discussões acerca da identidade do profissional especializado; e proposições teóricas sobre a constituição do jornalismo cultural. Das quatro dezenas de textos analisados na pesquisa pinçamos quatro títulos que trabalham a reflexão sobre a crítica e a identidade profissional a partir da prática do jornalismo cultural. O inglês Forde (2001), através de entrevistas com jornalistas, editores, editoreschefes e assessores de imprensa, faz uma observação das mudanças das revistas inglesas de música nos anos 90. Busca saber as consequências desta nova realidade, desencadeada ainda na década anterior e que afeta tanto a produção textual dos jornalistas especializados como resulta numa fragmentação do mercado. A constatação de que neste mercado saturado de ofertas os leitores não se filiam a títulos ou a jornalistas em especial leva as empresas a aproximarem-se do mercado desejando conquistá-lo. Seja através de estratégias de marca, fidelização de públicos específicos ou mesmo pela preocupação com a sustentabilidade delas. As entrevistas realizadas também reforçam que o uso do freelancer evita a existência de um jornalista contratado que venha a ter uma voz indesejada ou destoante do discurso da empresa, e que quase sempre apresenta uma escrita conservadora e sem surpresas. Por isto, o estudo sustenta que a grande mídia não deseja ter profissionais com pontos de vista e autonomia, ficando também cada vez mais difícil distinguir outras vozes entre determinada publicação e seu leitor específico. Harries e Wahl-Jorgensen (2007), da Universidade de Cardiff, examinam a autoimagem que jornalistas de artes ou jornalistas que trabalham com a crítica de teatro, música clássica, ópera e dança têm de si mesmos em relação aos outros jornalistas. Isto por meio de entrevistas com 20 destes profissionais no Reino Unido, entre abril de 2004 e fevereiro do ano seguinte, com o objetivo de compreender a cultura profissional de uma forma ampla e as diferenciações entre aqueles que trabalham como empregados em veículos e os contratados como freelancers. As informações obtidas através da pesquisa oferecem diversas conclusões sobre a autoimagem dos profissionais de cultura. Algumas como: eles acreditam produzir um jornalismo que exige conhecimentos específicos; o

jornalismo das artes é algo qualitativamente diferente e mais importante do que a agenda de notícias convencional; os jornalistas de cultura enfatizam uma responsabilidade especial em levar ao público a apreciação das artes, num discurso feito para seus iguais. Outro estudo é de Hellman e Jaakkola (2011) que analisam as páginas de artes do maior jornal finlandês, Helsingin Sanomat, a partir de documentos de planejamento estratégico da administração do jornal, de conteúdo longitudinal no período de 30 anos, além de entrevistas temáticas e observação dos jornalistas culturais. Quinze jornalistas foram entrevistados em 2004 para esta pesquisa. Com o objetivo de compreender, como ocorre em outros países, quais são as alterações estruturais, de valores e ideais pelas quais passa também na Finlândia o jornalismo cultural. Isto porque entendem que as mudanças estão refletidas no conteúdo das páginas culturais e na autoimagem de jornalistas de artes. Considerações finais Mesmo cientes da escassez de estudos específicos sobre o jornalismo cultural, fica clara a necessidade ou vitalidade do princípio de mediação artística com a sociedade. Uma questão crucial e ao mesmo tempo problemática, pois entendemos que a mediação cultural promovida pelo jornalismo é fundamental. Legitimado socialmente, ele é essencial como promotor da intercessão discursiva entre a realidade e o público, o fato cultural e a sociedade. A partir das perspectivas expostas neste artigo constatamos também que, metodologicamente, a história oral temática é um tratamento adequado para a pesquisa que empreendemos, pois tem como ponto de partida central a utilização da entrevista, recurso fundamental também para o jornalismo, tanto prática como conceitualmente. Ela nos possibilita uma análise das falas de maneira interpretativa. Ao trabalharmos com as respostas dos entrevistados é possível agruparmos os testemunhos em núcleos temáticos de sentido, buscando perceber, nas trajetórias individuais, indícios de processos de formação (formação familiar, ensino formal e informal, formação de competência), questões profissionais (maneiras pelas quais aderem à ideologia profissional, valores do campo jornalístico, disputas de segmentos específicos), além de posturas diante de novas rotinas de trabalho e das relações com fontes e leitores. Metodologicamente buscamos com a pesquisa encontrar pistas que possam abrir

múltiplas janelas sobre a construção do papel de mediador jornalístico no âmbito da arte e da cultura e, talvez, de uma nova formatação relacionada ao ethos profissional. No conjunto, poderemos traçar paralelos entre as respostas, perceber simetrias e discordâncias em torno das discussões propostas. Trata-se de um processo em construção que é feito a cada análise do material coletado, no qual a metodologia enfatizada aqui se mostra como um recurso rico e útil. Referências Abreu, A. A (2012). Um novo olhar sobre os jornalistas: os depoimentos orais. Sur le journalisme, About journalism, Sobre jornalismo. Vol. 1, n°1. URL:http://surlejournalisme.com/rev. Acesso em: 25 janeiro 2015. Abreu, A. A; Rocha, D. G. M (2006). Elas ocuparam as redações: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Editora FGV. Abreu, A. A.; Lattman-Weltman, F.; Rocha, D. (2003). Eles mudaram a imprensa: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Editora FGV. Abreu, A. A (2003). Jornalistas e jornalismo econômico na transição democrática. In: Abreu, A. A., Lattmann-Weltman, F., et Kornis, M. (Orgs). Mídia e política no Brasil: jornalismo e ficção. Rio de Janeiro: Editora FGV. Aceves Lozano, Jorge Eduardo (1996). Prática e estilo de pesquisa na história oral contemporânea. In Ferreira, Marieta de Moraes & Janaína Amado (coord.) Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV. Adghirni, Zélia Leal (2013). O jornalista sênior nas empresas de mídia. 11º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo/SBPJor. Artigo. Brasília: UNB. Alberti, Verena (1989). História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora FGV. Delgado, Lucília de Almeida Neves (2003). História oral e narrativa: tempo, memória e identidades. Revista História Oral – Dossiê Tempo e Narrativa – nº 6. Disponível em: http://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=article&op=view&path% 5B%5D=62&path%5B%5D=54# Acesso em: 25 janeiro 2015. Ferreira, Marieta de Moraes (2000). História do tempo presente: desafios. Petrópolis: Cultura Vozes, v. 94, nº 3, p. 111-124. Ferreira, Marieta de Moraes (1994 - coord.). Entre-vistas: abordagens e usos da história oral, Rio de Janeiro: Edição da FGV. Forde, Eamonn (2001). From polyglotism to branding: on the decline of personality journalism in the British music press. Journalism Studies, vol. 2, edição 1, pp. 23–43. Golin, Cida; Cardoso, Everton; Sirena, Mariana; Linhares, Bruna (2014). Jornalismo cultural: Pesquisa internacional sobre artigos registrados em bases de dados. Juiz de Fora: Lumina. Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Vol. 8, nº 2. Golin, Cida (2002). Mulheres de escritores: subsídios para uma história privada da literatura. São Paulo: Annablume; Caxias do Sul: Educs. Harries, Gemma; Wahl-Jorgensen, K. (2007). The culture of arts journalists: elitists, saviors or manic depressives? Journalism. vol. 8, edição 6, pp. 619-639.

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