\"A Homofobia no Desporto; o caso de estudo (exemplar?) da NBA\" (Comunicação \"IV Congresso História e Desporto - Desporto & Sexualidade\")

July 16, 2017 | Autor: F. Soares de Oliv... | Categoria: Homophobia, Homofobia, Homossexualidade, Homophobia and sports
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“IV Congresso História e Desporto – Desporto & Sexualidade” Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) & Universidade de Coimbra (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX) Tema: “A Homofobia no Desporto” Título: “A Homofobia no Desporto: o caso de estudo (exemplar?) da NBA” Palavras-chave: Homossexualidade / Publicamente / (Des)mistificação

Com esta comunicação, pretendo, acima de tudo, mostrar, através do exemplo da NBA (National Basketball Association – a liga profissional de basquetebol masculino dos Estados Unidos), que a homofobia no desporto está tão presente quanto camuflada mas cuja desmitificação é já bem real e que começa a homossexualidade a ser, em particular publicamente, progressivamente muito mais aceite pelos seus intervenientes. A NBA é, provavelmente, a liga desportiva com mais sucesso em todo o mundo e, seguramente, das mais inovadoras ao nível das regras do jogo, dentro e fora do campo. Para este sucesso e para esta inovação em muito contribuiu David Stern, comissário (o cargo directivo mais elevado na NBA) durante 30 anos, de 1984 a 2014. David Stern introduziu, ao longo destes 30 anos, mudanças várias no funcionamento da NBA, como por exemplo: •

Introdução de testes anti-drogas e de tectos salariais para as equipas (em 1980, quando ainda era “apenas” vice-presidente executivo);



Celebração do primeiro contrato multimilionário com uma marca de roupa desportiva, no caso, a Nike (em 1984);



Criação da WNBA – liga profissional de basquetebol feminino (em 1996);



Integração de sete novas equipas, incluindo duas sediadas no Canadá (em 2004);



Implementação de um código de indumentária (em 2005);



Realização de jogos oficiais noutros países que não os Estados Unidos e o Canadá, como o México, a Inglaterra, a Espanha e até a China, num total de 20 países diferentes;



Transmissão de todos os jogos da época regular e dos playoffs para 215 países em todo o mundo em 47 línguas diferentes;



Criação de projectos sociais como a NBA Cares (“A NBA preocupa-se” – de apoio às comunidades mais carenciadas), NBA Green (“A NBA

verde” – de preocupação ecológica) ou NBA Hoops for Troops (de apoio aos veteranos de guerra).

Quanto à questão da homofobia na NBA, David Stern teve que começar a lidar com ela, pelo menos de forma pública, a partir de Fevereiro de 2007, quando John Amaechi, antigo jogador da NBA de 1995 a 2003, assumiu publicamente a sua homossexualidade. Na altura, as reacções foram muito variadas, desde incredulidade, passando pelo desconforto (LeBron James, quatro vezes MVP – jogador mais valioso – da época regular, declarou-o publicamente), até ao incentivo. Na altura, na sua biografia “Man in the Middle”, Amaechi acusou de homofóbicos o melhor jogador (Karl Malone), o treinador (Jerry Sloan) e até o dono (Larry Miller) da equipa (os Utah Jazz) onde terminara a carreira. Os três viriam publicamente dizer que as divergências que tinham com Amaechi eram puramente do foro desportivo. Quanto a David Stern, Amaechi diz que falou com ele e que recebeu o seu apoio. Mas também teve, David Stern, de lidar directamente com a questão da homofobia na NBA em 2011, quando Rick Welts, presidente dos Phoenix Suns, assumiu publicamente a sua homossexualidade. Pouco tempo depois deste anúncio, a NBA lançou uma campanha anti-linguagem anti-gay com jogadores precisamente da equipa de Phoenix, incluindo o duas vezes MVP e capitão de equipa Steve Nash que, na altura, declarou “Pensava que toda a gente já sabia que o Rick era gay”. E, ainda, em Janeiro de 2013, no âmbito de uma entrevista, e quando questionado se pensava que a homossexualidade alguma vez seria um tema não tabu na NBA, David Stern proferiu uma frase verdadeiramente profética: “Vai ser duro mas vai acontecer, não tenho dúvidas sobre isso”. E eis que apenas três meses depois, Jason Collins declarava publicamente a sua homossexualidade com as seguintes palavras: “I’m a 34 years old NBA center, I’m black, and I’m gay”. Tornar-se-ia, poucas semanas depois, capa da Time magazine enquanto uma das personalidades mais influentes da semana. Atleta com doze anos de experiência na liga, muito respeitado pela qualidade do seu jogo, sobretudo a nível defensivo, e pela sua personalidade, sobretudo dentro do balneário, encontrava-se, Collins, na altura do seu anúncio, desempregado. Após a sua declaração, os Brooklyn Nets (a sua primeira equipa, na altura New Jersey Nets, enquanto profissional e, à data, treinada pelo seu ex-colega Jason Kidd) acabariam por contratá-lo, em Fevereiro de 2014, até ao final da época. Jason Kidd disse, aliás, “a

sexualidade do Jason não muda o facto que ele é um grande amigo e foi um grande colega”. As reacções nos EUA àquela declaração e, sobretudo, depois desta contratação, foram globais e transversais: •

De jogadores e ex-jogadores; o Kobe Bryant, um dos melhores jogadores de todos os tempos e ainda no activo, escreveu no seu twitter: “Não sufoques quem és só por causa da ignorância dos outros” (e Kobe tinha sido multado, em 2011, por um comentário anti-gay contra um árbitro durante um jogo); o Por outro lado, o famoso e habitualmente contundente ex-jogador Charles Barkley, declarou que: “já se sabia há anos que havia jogadores gays na NBA e que os colegas não têm nenhum problema com isso”;



De árbitros e treinadores; o Violet Palmer, que se tornou em 1997 a primeira mulher-árbitro da NBA, declarou, em Julho de 2014, publicamente, a sua homossexualidade, na sequência, segundo a própria, do anúncio de Jason Collins; o Mark Jackson, então treinador dos Golden State Warriors, foi o único treinador que, publicamente, se declarou desconfortável, e é um eufemismo, com a situação, e declarou mesmo “Como homem cristão, tenho as minhas crenças e por isso as minhas preces vão para a família de Jason”. Curiosamente, depois de guiar os Golden State a dois playoffs consecutivos pela primeira vez em 19 anos, e mesmo tendo um contrato multimilionário de mais 4 anos, viu este seu contrato terminado no final dessa época. Os donos dos Golden State referiram que “a equipa está melhor desde que Mark tomou conta dela mas sentimos que precisamos de outro treinador para nos levar à conquista do campeonato”. A verdade é que os Golden State este ano, com o novo treinador Steve Kerr, obtiveram o melhor registo da NBA da época regular e estão já na final;



De comentadores televisivos e personalidades públicas; o O analista principal da NBA da cadeia de televisão especializada em desporto ESPN Chris Broussard declarou, em directo na televisão, que “a homossexualidade é um pecado”, vindo mais tarde a justificar a sua afirmação, perante as inúmeras queixas de associações americanas várias

de defesa dos direitos sexuais, que “apenas estava a defender o seu ponto de vista enquanto cristão”; o Por outro lado, Bryan Fischer, antigo director da American Family Association, acérrimo defensor anti-aborto e anti-casamento gay, foi, posteriormente, destituído de porta-voz oficial daquela organização, na sequência das suas afirmações anti-gay acerca de Jason Collins. o Um dos comentários mais “poéticos” veio de Spike Lee, famoso cineasta e fanático adepto dos New York Knicks, que escreveu no seu twitter “Céus laranjas e azuis saúdam Jason Collins”. •

De presidentes de clubes e do próprio comissário da NBA; o Mark Cuban, empresário multimilionário e presidente dos Dallas Mavericks (equipa campeã em 2011) referiu-se ao assunto de uma forma que eu considero que resume bastante bem qual deveria ser a atitude certa a tomar neste contexto: “Já sabemos todos que há mais jogadores gays na liga. Todos os desportos profissionais têm os seus percalços homofóbicos ao longo da história; esta é uma nova era, uma nova geração e um jogador gay seria bem aceite. Penso que estamos a começar a derrubar essas barreiras, pelo menos à superfície. Isto não deveria ser uma grande notícia”. o E, claro, o comissário David Stern: “A família da NBA está muito orgulhosa do Jason ter assumido a liderança nesta matéria tão importante”. Mas afinal de contas, tratava-se do primeiro jogador no activo das quatro

maiores ligas desportivas profissionais dos EUA a assumir-se pubicamente como homossexual. Embora tenha sido a sua última época como profissional (afinal de contas, a sua idade assim o justificava, pese embora 34 anos não ser propriamente uma idade avançada para um jogador da NBA – os já referidos Steve Nash e Kobe Bryant jogaram, ao mais alto nível, até aos 38 e 36 anos, respectivamente), o facto de Collins assumir a sua homossexualidade publicamente ainda no activo causou uma onda de solidariedade quase consensual, tornando-o um genuíno percursor numa matéria envolta desde sempre numa grande mistificação, embora com alguns avanços históricos pontuais na sua desconstrução, aliás em mais desportos que não somente o basquetebol:

o Gareth Thomas, então capitão da selecção galesa de rugby, declarou publicamente a sua homossexualidade em 2009; o No mesmo desporto, o rugby, tradicionalmente considerado como dos desportos mais viris, o árbitro, ainda no activo, também galês, Nigel Owens,



em

2008,

havia

declarado

publicamente

a

sua

homossexualidade. o Mas os exemplos mais famosos e mediáticos são, nas senhoras, Martina Navratilova (no ténis) e de, nos homens, Greg Louganis (nos saltos para a água) que, respectivamente, em 1981 e em 1994, declararam, publicamente, a sua homossexualidade. O exemplo de Jason Collins é, de facto, um caso de estudo pois os antecedentes nesta matéria – a da declaração pública de um desportista no activo da sua homossexualidade – nunca foram propriamente pacíficos nem consensuais mas, neste caso, o consenso foi comprovadamente açambarcador e isso fica provado pelos seguintes factos, todos ocorridos depois de Collins ter feito a declaração pública: •

Apenas um jogador da NBA no activo se dirigiu a Collins proferindo insultos anti-gay (Collins nunca disse quem foi);



Quando voltou a jogar em Los Angeles, recebeu uma ovação de pé de todo o pavilhão;



Quando voltou a jogar em Brooklyn, o pavilhão inteiro entoou o seu nome;



A camisola usada por Collins, número 98 dos Brooklyn Nets, foi a mais vendida de sempre na loja on-line da NBA;



E, passadas poucas semanas do anúncio, no final de um treino ou de um jogo, Collins já não tinha nenhuma solicitação da imprensa.

Parece-me, francamente, analisadas todas estas circunstâncias e todos estes exemplos, que a homofobia no desporto, no caso concreto da NBA, continua a sofrer de uma certa mistificação mas que, na verdade, ao nível da mentalidade dos seus intervenientes e, público em geral incluído, ela, a mistificação, vai sendo, publicamente, desconstruída e a homossexualidade naquele meio genuinamente aceite. Como disse Mark Cuban, “é uma nova era”, e eu acrescento, pelo menos, certamente, na NBA.

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