A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE TEATRO

June 4, 2017 | Autor: Luiz Renato Moura | Categoria: Actor Network Theory, Stage lighting, Mise-En-Scène, Visuality, Stage Lighting Design
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

LUIZ RENATO GOMES MOURA

A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE TEATRO

NATAL/RN 2014

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LUIZ RENATO GOMES MOURA

A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para a obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas. Linha de pesquisa: Pedagogias da Cena: corpo e processos de criação. Orientador: Dr. José Sávio Oliveira de Araújo.

NATAL-RN 2014

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Catalogação da Publicação na Fonte

UFRN / CCHLA/ DEART Biblioteca Setorial do DEART Moura, Luiz Renato Gomes. A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro / Luiz Renato Gomes Moura– Natal, RN, 2014. 132 f. : il. Orientador: Prof.º Dr. José Sávio Oliveira de Araújo. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Departamento de Artes. 1.Teatro – Iluminação Cênica. 2. Engenharia cênica. 3. Ator – Teatro. 4. Teatro – Sala de Ensaio. I. Araújo, José Sávio Oliveira de. II. Título. RN/UF/BSDEART

2014/06

CDU 792.022

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AGRADECIMENTOS À Cecília Raiffer, minha esposa, com a qual fundei a Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Aos meus pais, Antônio Faustino e Cristiane Gomes Moura, pela confiança. Aos meus irmãos Raul Moura e Rhenam Moura. Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGArC – UFRN. Ao Professor Dr. José Sávio Oliveira Araújo, pelas orientações precisas. À Professora Dra. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco, pela generosidade oferecida na qualificação. Ao professor Dr. Eduardo Tudella. Ao Professor Dr. Robson Carlos Haderchpek, pelo encorajamento. Aos discentes e docentes do PPGArC-UFRN pela troca de experiências em sala de aula. Ao Professor Ms. Benedito Genésio Ferreira, pelo exemplo de pesquisador. Ao Professor Dr. Fábio José Rodrigues da Costa, pela orientação na escrita do projeto da presente dissertação. Ao professor Ronaldo Costa pela atenção e orientação. Ao colega de turma Mauricio Motta pela colaboração. Ao Professor Alysson Amâncio, por ter me apresentado o edital de seleção do mestrado e ter me encorajado a tentar. À professora Dra. Antônia Pereira Bezerra, pelos endereçamentos iniciais na minha vida de pesquisador acadêmico. Ao Grupo Ninho de Teatro, com o qual a Cia. de Teatro Engenharia Cênica realizou o espetáculo “O Menino Fotógrafo”, na Casa Ninho, na cidade de Crato, no Ceará. Ao Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri – URCA. A CAPES pela concessão de bolsa, que me possibilitou a elaboração dessa pesquisa.

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RESUMO A presente pesquisa tem como foco principal, investigar como a iluminação cênica pode ser articulada no processo de criação do ator de teatro. Para chegarmos a essa reflexão, se faz necessário compreendermos o espaço da sala de ensaio, no qual o ator trabalha, como um lugar em que sua formação, recebe influências dos demais artistas, que estão também criando o espetáculo. São analisados três processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, com intuito de compreendermos que o teatro colaborativo potencializa o cruzamento e a troca de experiências na sala de ensaio, colaborando ativamente para a formação dos sujeitos envolvidos na criação do espetáculo. A pesquisa propõe uma investigação de como o processo criativo da iluminação cênica ganhou espaço na sala de ensaio na linguagem da encenação teatral, evidenciando principalmente sua criação “co-evolutiva” com o processo criativo do ator.

PALAVRAS CHAVES: Sala de ensaio; Iluminação Cênica; Ator; Teatro Colaborativo

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ABSTRACT

This research aims to investigate how the stage lighting can be articulated in the creation of theater actor process. To we reach this reflection, it is necessary to understand the space of the rehearsal room, where the actor works as a place where their function receives influences of other artists who are creating the spectacle.Collaborative processes are analyzed three Cia de Teatro Engenharia Cênica: Irremediável, 2007; Doralinas e Marias , 2009; O Menino Fotógrafo, 2011, aiming to understand the collaborative theater potentializes, the intersection and the exchange of experiences in the rehearsal room, collaborating actively for the training of persons involved in creating the show. The research proposes an investigation of how the creative process of stage lighting is gaining ground in the rehearsal room in the language of theater directing, showing mainly how is your "co-evolutionary" creation with the creative process of the actor.

KEY-WORDS: Rehearsal Room, Stage Light, Actor; Collaborative Theater

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................08 CAPÍTULO 1: A SALA DE ENSAIO E OS PROCESSOS COLABORATIVOS DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA: “IRREMEDIÁVEL”; “DORALINAS E MARIAS” E “O MENINO FOTÓGRAFO”...................................................................................................13 1.1 – Teatro: a arte do encontro no espaço cênico da Sala de Ensaio................................................................................................................14 1.2 – A Cia. de Teatro Engenharia Cênica: processos colaborativos?.............18 1.3 – A Imagem Propulsora...............................................................................26 1.3.1 – “Irremediável”.........................................................................................31 1.3.2 – “Doralinas e Marias”...............................................................................38 1.3.3 – “O Menino Fotógrafo”.............................................................................45 1.4 - Improvisação e imagem propulsora..........................................................52 CAPÍTULO 2: O PROCESSO CRIATIVO DA ILUMINAÇÃO CÊNICA NA SALA DE ENSAIO.......................................................................................................56 2.1 – A iluminação cênica como linguagem ativa na era da encenação.........................................................................................................56 2.2 – Apropriações da iluminação cênica no processo criativo.........................69

CAPÍTULO 3: A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE TEATRO............................................................................................................74 3.1 – O trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos.....75 3.2 – O ator-iluminador......................................................................................83 3.3 - A criação da iluminação cênica nos processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.................................................................................87 3.3.1 – “Irremediável” – o encorajamento.........................................................90 3.3.2 – “Doralinas e Marias” – o desafio...........................................................98 3.3.3 – “O Menino Fotógrafo” – a investigação de uma poética......................108 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................113 REFERÊNCIAS...............................................................................................118 ANEXO............................................................................................................124 ANEXO A - HISTÓRIA DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA..........125

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INTRODUÇÃO

À atividade artística é indispensável uma poética explícita ou implícita, já que o artista pode passar sem um conceito de arte mas não sem um ideal, expresso ou inexpresso, de arte. (...) uma poética é eficaz somente se adere à espiritualidade do artista e traduz seu gosto em termos normativos e operativos, o que explica como uma poética está ligada ao seu tempo, pois somente nele se realiza aquela aderência e, por isso, se opera aquela eficácia. (PAREYSON, 2001, p. 18).

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A presente dissertação de mestrado propõe uma investigação da poética de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, com a finalidade de compreender a concepção da iluminação cênica em consonância com o trabalho do ator na sala de ensaio, partindo exclusivamente de três processos colaborativos: “Irremediável”, Sobral – CE, 2007; “Doralinas e Marias”, Salvador – BA – 2009 e “O Menino Fotógrafo”, Crato – CE – 2011. A Cia. de Teatro Engenharia Cênica se torna o grande ponto de partida para o desenvolvimento da pesquisa, porque eu, autor da presente dissertação, sou fundador da Cia., e venho ao longo dos seus oito anos de existência, participando ativamente dos seus processos criativos e da produção de seus projetos culturais. Nos espetáculos, “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, trabalhei como ator-iluminador cênico, competência que fui adquirindo ao

longo dos três

processos colaborativos,

uma

relação

interdisciplinar, da qual parto para desenvolver a dissertação, na tentativa de compreender a relação entre a iluminação cênica e o trabalho do ator de teatro na sala de ensaio. A diretora e também fundadora da Cia., Cecília Raiffer, desenvolveu em 2009, uma dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia – PPGAC/UFBA, intitulada Cena e Jogo: o imaginário na carne, na qual aborda o processo de criação do espetáculo “Irremediável”. Sua análise se baseou na investigação dos percursos trilhados no processo, a partir de cadernos de bordo, dos rascunhos e das várias versões da dramaturgia. Essa pesquisa é de extrema importância para a presente dissertação, sobretudo na articulação de conceitos utilizados ao longo da escrita, e sem dúvida é um importante referencial para a compreensão da espinha dorsal da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Para chegar à reflexão sobre a iluminação cênica no trabalho do ator, precisaremos fazer um percurso metodológico que compreendo ser necessário para entendermos como o ator, se utiliza da iluminação cênica no seu processo criativo e como sua atuação no processo de concepção da iluminação, deve ser ativa. Essa relação é extensível a todos os elementos cenográficos que

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influenciam de maneira determinante o sentido do espetáculo e que fortalecem o processo de significação do trabalho do ator em cena. A metodologia se dá em três etapas, ou seja, em três capítulos que se estruturam da seguinte forma: 

CAPÍTULO 1 - Apresenta a investigação da sala de ensaio como

um espaço que agencia as experiências dos artistas, tendo-as como fontes inesgotáveis de conhecimento, que quando exercidas dialogicamente por meio da ação-reflexão-ação, acabam por contribuir para a formação de todos os que estão presentes no processo criativo. Um lugar que investe na construção de diálogos colaborativos como processo de formação. Refletiremos, portanto, sobre a poética de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, nas montagens de três espetáculos: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”. Desse modo exploraremos o conceito de Imagem Propulsora (FERREIRA, 2009, p. 49), como a base inicial para a criação, especificamente como se dá o seu processo de mudança e de materialização cênica, ou seja, quando passa de apenas uma ideia para à cena propriamente dita. 

CAPÍTULO 2 -

Passaremos a analisar na “era da encenação”

(DORT, 1977, p. 61), alguns aspectos de como a iluminação cênica passou a ser articulada nos processos criativos, possibilitando o entendimento da mesma como uma “linguagem ativa” (ARTAUD, 2006, p. 92), de extrema importância para a construção de um espetáculo teatral. Elaboramos essa base para investigarmos a iluminação cênica e o seu processo de criação “co-evolutivo” (CAMARGO, 2005, p. 11) com o trabalho do ator. O objetivo principal é a análise da concepção, montagem e execução da iluminação cênica, em estreita colaboração com o trabalho do ator. 

CAPÍTULO 3 - Apresenta uma análise sobre o processo criativo

do ator na sala de ensaio e principalmente como acontece sua relação com os processos

criativos

dos

elementos

cenográficos

(cenário,

iluminação,

maquiagem, figurino e som). Na continuação, nos deteremos aos processos criativos da iluminação cênica nos espetáculos “Irremediável”, “Doralinas e

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Marias” e “O Menino Fotógrafo”, sobretudo, como se deu o processo de criação da personagem em estreita consonância com a iluminação cênica na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Algumas questões são levantadas para uma melhor fundamentação da experiência, são perguntas que serão estendidas também às considerações finais desta dissertação, quais sejam: como um ator pode conceber a iluminação de um espetáculo em que ele atua? A criação da personagem contribui para a concepção da iluminação ou vice-versa? Que especificidades podem ser desenvolvidas no trabalho de um ator que também concebe a iluminação? Como se dá a criação colaborativa da iluminação na sala de ensaio? Observemos que a Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o escopo central da pesquisa. Logo no primeiro capítulo, ela é trazida como uma espinha dorsal, que sem a qual, não seria possível estruturar os capítulos subsequentes. Compreendi que manter-se firme sobre um recorte de pesquisa, no caso a Cia., me ajudaria muito na escrita e principalmente me colocaria em um lugar de onde pudesse experimentar teoria sem ter medo de errar. A presente dissertação investiga uma poética, tentando esclarecer os caminhos que as experiências nos levam a percorrer, observando como uma prática pode agir interdisciplinarmente com outras dentro da sala de ensaio, estabelecendo diálogos geradores de pesquisas. Nesse sentido, percorro os caminhos dissertativos, ora em primeira pessoa, quando me refiro especificamente aos processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, pois não consigo falar de fora porque sou o próprio processo também. Por vezes me coloco de maneira distanciada na escrita, principalmente quando abordo conceitos dos quais me utilizo para a fundamentação teórica. Essa pesquisa recebeu influências de muitos artistas que, na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, trocaram suas experiências comigo, nos três espetáculos analisados, no decorrer da escrita, o nome desses artistas aparecerão para serem devidamente creditados. São de grande relevância também os diálogos que estabelecidos com o orientador deste

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trabalho, prof. Dr. José Savio Oliveira Araújo, cuja produção se concentra, nos últimos seis anos, no CENOTEC – Laboratório de Estudos Cenográficos da Cena, DEART, UFRN, espaço esse que abriu minha atuação para o universo conceitual da iluminação cênica, a partir de seu vasto acervo bibliográfico, concentrado na área dos elementos cenográficos. E por fim, tive importantes contribuições dos demais professores do PPGARC nas disciplinas que cursei, ao longo dos dois anos de mestrado, pois pude dialogar com diferentes estratégias de pesquisa, e, sobretudo, com diversas poéticas de criação, fosse na dança ou no teatro, o pensar e o fazer arte, fortalecia o meu objetivo para esta dissertação.

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Capítulo 1

A sala de ensaio e os processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica: “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”.

Assim, cada sujeito, ao desenvolver suas aprendizagens, deve ser estimulado a refletir, articular e reinventar os saberes com os quais estará lidando para, assim, desenvolver suas potencialidades criativas, seu discernimento crítico, suas habilidades de socialização e seu crescimento pessoal, instrumentalizando-se para as ações que pode exercer como agente transformador de sua própria história. (ARAÚJO, 2005, p.122)

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1.1 – Teatro: a arte do encontro na sala de ensaio. A sala de ensaio é por sua vez o cadinho1 onde se fundem as ideias que levam um grupo de artistas a pensarem e a criarem um espetáculo cênico. É o lugar em que os erros são sempre o melhor caminho para a criação. Os artistas no processo criativo em teatro utilizam a sala de ensaio, “como o espaço enquanto ferramenta” (BROOK, 1994, p. 201) onde a criação acontece na intersecção de pensamentos, na profusão de proposições e, sobretudo, na troca de experiências, que estão contidas na sala de ensaio ou trazidas para ela. Para o artista sempre haverá a necessidade desse lugar onde ele gesta, durante todo o processo criativo, sua obra e consequentemente sua poética. Na sala de ensaio os artistas envolvidos na elaboração de um espetáculo teatral, se relacionam em diferentes dinâmicas, e muitas vezes, de maneira ritualística, acabam instalando atmosferas, através da expressividade e da contracena de corpos, que fogem da noção de realidade. O diretor é quem conduz todo o processo e “os ensaios devem criar uma atmosfera na qual os atores sintam-se livres para mostrar tudo que puderem trazer para a peça.” (Ibidem. p. 20), não só os atores, mais também iluminadores, cenógrafos, figurinistas, sonoplastas e etc. que desejem participar colaborativamente para o processo de criação do espetáculo. A sala de ensaio devido a essa capacidade de fazer com que artistas interajam a partir dos seus saberes, em prol da construção de um espetáculo, faz da mesma, um ambiente pedagógico em que todos são aprendizes um dos outros e de si mesmos, pois descobrem e aprimoram suas poéticas, na medida em que estabelecem contato uns com os outros. Uma prática teatral educativa não se caracteriza por uma única ação isolada e sim como uma ação artística, que articula diversos atos de conhecimento, cujas particularidades e competências específicas produzem articulações entre si e com o todo da cena, constituindo os instrumentos de intervenção dos sujeitos na construção de uma representação teatral (ARAÚJO, 2005, p. 59-60).

Dessa forma, a reflexão de Araújo compreende que a formação de sujeitos acontece através da relação dialógica, mediados pela realidade

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Recipiente utilizado na química para misturar substâncias.

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partilhada. Na sala de ensaio as diferentes poéticas possibilitam a criação e estabelecem o percurso por onde o processo criativo caminhará. Mesmo que o diretor tenha com muita precisão os seus objetivos práticos, como marcações, intenções e etc., ele sempre caminhará por percursos incertos, uma improvisação ou uma proposição de um cenógrafo, de um iluminador, pode mudar o caminho da criação, atualizando o processo incessantemente. Na sala de ensaio não existe um pensamento uno, mas sim, uma coletividade que pensa e age a partir da relação do “eu” com o “tu”, como nos propõe Paulo Freire, ao se referir à “co-laboração”, como um pressuposto para a relação dialógica que gera a formação dos sujeitos: O eu dialógico [...] sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – não-eu – esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na teoria dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu. (1981, p. 196)

O espectador comum quando assiste ao espetáculo, não consegue imaginar o processo criativo do mesmo, somente se detêm a apreciar um universo que se desenrola dentro de uma pluralidade de significações, produzido pela interdisciplinaridade dos elementos cenográficos que estão presentes na cena, quais sejam: atuação, cenografia2, encenação e dramaturgia. O teatro é uma arte feita a partir do encontro, como nos propõe o emblemático e revolucionário pensador do teatro moderno Jerzy Grotowski: O âmago é o encontro. (...) A essência do teatro é um encontro. (...) O teatro é também o encontro entre pessoas criativas. Sou eu, o diretor, que me defronto com o ator, e a auto-revelação do ator me dá a revelação de mim mesmo. (...) O encontro resulta de um fascínio. Implica numa luta, e também em algo tão idêntico, em profundidade, que existe uma identidade entre aqueles que tomam parte do encontro. (1971, p. 40-41-42).

O processo criativo na linguagem teatral é uma busca em que todos os artistas constroem o encontro com o espetáculo. A partir do momento que passam a colocar suas ideias, e com isso, as suas experiências, as formações de todos se ampliam. Vejamos por exemplo o caso do ator: quando o mesmo

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Cenografia na presente pesquisa é entendida como os elementos que compõem a organização do espaço da cena, a saber: iluminação, figurino, maquiagem, cenário e som.

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começa a interagir com o processo criativo da luz, passa a entendê-la como uma constituinte de uma gramática da cena, que contribuirá para criação de sua personagem, principalmente no que diz respeito, aos aspectos de atmosfera, tempo e emoção. Esse mesmo processo de troca do ator pode ser estabelecido com todas as demais linguagens, trata-se de uma fusão de experiências, de uma mistura, que passa a compor sua poética e que reverberará em muitos outros processos criativos que vier participar. A sala de ensaio é, portanto, o lugar do encontro, do “tateio lúdico” (FERREIRA, 2009, p. 68) e sua natureza é volátil, transmuta-se a cada vez que os artistas se encontram para continuar a criação do espetáculo. É como um atelier no qual o pintor experimenta suas combinações de pigmentos ou um escultor se integra à argila em busca de uma escultura ou “tal como um oleiro molda seu vaso, o autor escreve seu livro, o cineasta faz seu filme “

(BROOK,

1994, p. 24). No caso do teatro há um grande diferencial, o fato do espetáculo não ser um objeto que ficará guardado na sala de ensaio enquanto os atores, diretor, e demais artistas da cena, voltam para suas casas. O que é gerado na sala de ensaio é uma combinação de corpos, de vidas, de experiências, que unidas presencialmente, dão substancialidade ao processo. Os artistas quando vão embora, levam consigo a criação, essa por sua vez, deixa de ser pensada numa esfera coletiva e passa a ruminar na individualidade, o que faz do processo criativo em teatro, algo ininterrupto. Pensar dessa forma nos faz compreender que o conceito da sala de ensaio é extensível aos corpos dos artistas, que envolvidos de maneira intrínseca com o processo criativo, vivem associando, refletindo, burilando... Como um ator que ensaia sempre que tem uma oportunidade, ou simplesmente em pensamento, vai percebendo e conhecendo sua personagem, num intenso diálogo entre arte e vida, que gera conhecimento e auto-revelação. O homem que realiza um ato de auto-revelação é, por assim dizer, o que estabelece contato consigo mesmo. Quer dizer, um extremo confronto, sincero, disciplinado, preciso e total – não apenas um confronto com seus pensamentos, mas um encontro que envolve todo o seu ser, desde os seus instintos e seu inconsciente até o seu estado mais lúcido. (GROTOWSKI, 1971, p. 41).

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O aprendizado do artista de teatro é gerado nos ensaios de muitos espetáculos, nos encontros estabelecidos com diversos outros artistas, nas salas de ensaios de todos os processos criativos de sua vida. Essas vivências são experiências que sempre serão levadas consigo num intenso processo de atualização. A sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o ponto de partida para a presente dissertação, investigaremos na mesma, os elementos necessários para discutirmos a relação interdisciplinar entre iluminação e interpretação, portanto, cabe a essa pesquisa, pelo menos, apontar os princípios técnicos adotados pela Cia., para compreendermos a sua poética de criação, que permite que artistas possam agenciar funções dentro dos seus processos criativos, e dessa forma, ampliarem as suas competências para a criação teatral.

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1.2 – A Cia de Teatro Engenharia Cênica: processos colaborativos? A Cia. de Teatro Engenharia Cênica tem pesquisado uma maneira de criar os seus espetáculos na sala de ensaio, que aproximaremos com o teatro colaborativo. Não é nossa intenção afirmar ou enquadrar a Cia. dentro de um procedimento técnico, até porque em se tratando de processos colaborativos, isso é impossível. Acreditamos que a Cia. tem experimentado outras poéticas de criação3, mas em se tratando dos espetáculos, “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, encontramos pontos de ligação dos princípios adotados pela Cia. com os debates e as discussões acerca do teatro colaborativo. A presente dissertação reflete e identifica o Teatro Colaborativo, como uma

entre

as

várias

possibilidades

de

construção

cênica

na

contemporaneidade, que potencializa o imbricamento entre vida e arte. Faz-se a partir do amálgama entre reflexões e ações que emergem na sala de ensaio, geradas através da junção de artistas-colaboradores: encenador, ator, cenógrafo, iluminador, figurinista, maquiador, etc. Reunidos em um mesmo espaço para gerar tessituras criativas em torno de uma ideia, leitmotiv, imagem propulsora, temática, etc. A expressão processo colaborativo começou a ser usada na segunda metade da década de 90 dentro de um contexto de retomada do movimento de teatro de grupo na cena paulistana. O retorno desta perspectiva grupal, que aparece quase como um contraponto à hegemonia do encenador no teatro brasileiro da década anterior, vai, aos poucos, ganhando uma dimensão nacional. Não que os grupos tenham deixado de existir após a década de 70 – entre outros coletivos importantes e atuantes nesse período, poderíamos destacar o Grupo Galpão, o Imbuaça, o Ponkã ou ainda o Oi Nóis Aqui Traveiz – mas o forte da produção nacional orbitava em torno dos encenadores. São, desse período, montagens importantes de Gerald Thomas, Ulysses Cruz, Bia Lessa, Gabriel Vilella, entre outros. (ARAÚJO, 2002, p.57) 3

Como por exemplo, a montagem do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” (2012), obra de Nelson Rodrigues, que foi encenada na íntegra, ou seja, um processo criativo que tinha uma dramaturgia definida e que o seu procedimento de criação foi diametralmente oposto aos processos criativos dos espetáculos analisados nesta dissertação. Maiores informações vide anexo.

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O termo “teatro colaborativo” passa a ser conhecido a partir das pesquisas e trabalhos realizados pelo encenador Antônio Araújo, no grupo de Teatro da Vertigem, da cidade de São Paulo, subvertidas dos primeiros espetáculos do grupo: “Paraíso Perdido”, “O Livro de Jó”, “Apocalipse 1.11”4. Esses

processos

colaborativos

foram

desenvolvidos

dentro

de

uma

metodologia de trabalho que articulava a criação total dos espetáculos na sala de ensaio, ou seja, a criação colaborativa que se pauta na troca e na experiência de cada artista presente na sala de ensaio. É um percurso coerente de experimentação de ideias em espaços públicos, que se inicia com Paraíso Perdido, em 1992, e se desenvolve em processo colaborativo até Apocalipse 1.11, estreado em 2000. A marca mais radical dessa proposta é a concepção do teatro como pesquisa coletiva de atores, dramaturgo e encenador em busca de resposta a questões urgentes do país, especialmente das grandes metrópoles brasileiras, projetadas, porém, num pano de fundo amplo, retalhado de inquietações metafísicas, ligadas a uma tradição de teatro sagrado que, nesse caso, paradoxalmente, dramatiza a insegurança social e a criminalização sistemática das questões públicas. (...) todos consideram o processo teatral uma pesquisa coletiva, que só tem sentido se experimentada em parceria e, em geral, criam a cena em simbiose com o ator, ainda que haja distinções marcantes na concepção. (...) a concepção cênica (...) funciona como uma espécie de edição das contribuições individuais dos parceiros de criação. (FERNANDES, 2010, p. 61-62)

Devido ao espaço propositivo aberto a todos na sala de ensaio, a criação colaborativa gera um processo pedagógico, porém caótico, cheio de crises. Estamos tratando de processos que geram espetáculos com uma polifonia estética “que pode ser qualificada como agonística” (Ibidem. p. 6-7.). A encenação é construída a partir da justaposição de textos, que acabam por 4

Esses três espetáculos foram realizados em espaços públicos da cidade de São Paulo. O primeiro foi apresentado na Igreja de Santa Ifigênia, esse fato ocasionou um movimento por parte de fieis católicos fanáticos contra a temporada do espetáculo, porque acreditavam que tudo não se passava de profanação do templo sagrado de Deus. Antônio Araújo, bem como o elenco, receberam ameaças, inclusive cartas anônimas exigindo o cancelamento da programação, além de ameaças de morte. Depois de uma apresentação fechada para representantes da Igreja católica de São Paulo, foi constatado que o espetáculo não conturbava a imagem e muito menos profanava o nome de Deus, pelo contrário, o fato de o espetáculo tratar da história de um anjo decaído, segundo os padres e bispos, era de extrema importância que o homem contemporâneo pudesse assistir ao espetáculo, para assim, refletir sobre sua condição. Já “O Livro de Jó” foi apresentado no hospital desativado Humberto I, localizado na parte central de São Paulo e “Apocalipse 1.11” aconteceu no presídio do Hipódromo e a mobilização principal para a criação do espetáculo foram fatos brutais que aconteceram no Brasil como a queima do índio pataxó, em Brasília, e principalmente o massacre dos cento e onze detentos no presídio do Carandiru.

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estruturar uma dramaturgia que mais está para uma colagem e que foge dos princípios aristotélicos de começo, meio e fim. Uma cena que de acordo com Bernard Dort (apud FERNANDES, 2010, p. 7) “supõe uma luta pelo sentido, luta da qual o espectador é juiz”.5. Os processos colaborativos começam, sobretudo, a partir da década de 90, em consequência de um movimento intitulado “Criação Coletiva” das décadas de 70 e 80 no teatro brasileiro, que se tratava da reunião de um grupo de artistas que montavam um espetáculo na sua totalidade, assumindo todas as funções, negando, portanto, uma hierarquia na sala de ensaio, todos dirigiam, atuavam, produziam, concebiam luz, cenografia, maquiagem, figurino. Essa metodologia gerava um processo caótico e bastante complexo no seu acontecer, pois era necessário um grande exercício de democracia dentro da sala de ensaio, pois todas as contribuições deveriam ser acatadas e colocadas de alguma forma no espetáculo. O que vale a pena salientar é que esses grupos se estruturam para pensar um modos operandi de fazer teatro, fortalecendo o movimento de teatro de grupo no Brasil. O que diferencia o teatro colaborativo da criação coletiva, é que por mais que o espetáculo seja fruto do trabalho de todos na sala de ensaio, no final há uma hierarquia que define as funções. Vários outros aspectos são comuns aos dois tipos de processo, como por exemplo, o principal talvez, a ausência de uma dramaturgia como um elemento que determina todos os procedimentos da construção do espetáculo. Os artistas vão para a sala de ensaio apenas com uma ideia central, uma temática, e a partir dela, é que se desenvolve todo processo de criação do espetáculo. É preciso identificar que essa ruptura da não utilização de uma dramaturgia 5

pré-definida

para

a

montagem

de

um

espetáculo,

e,

Um grande exemplo dessa nova perspectiva de encenações no teatro brasileiro é o encenador Gerald Thomas, que na década de 80, revolucionou poeticamente a forma como se pensava e se produzia teatro no nosso país. Encenações que se apoiavam em justaposições de textos e que geravam um espetáculo intitulado de “teatro de imagens” que se contrapunha a ideia Wagneriana de unidade entre os elementos utilizados na cena, em Thomas o foco era exatamente ressaltar a independência de cada um, gerando espetáculos em “que o espectador é convidado a progredir através de imagens, sons e movimentos que o obrigam a olhar as coisas de maneira inédita. Em todos eles há um princípio de negação que inverte os significados tradicionais e mostra um processo de investigação transgressora, que submete o teatro de seu tempo a uma prova de instabilidade” (FERNANDES, 2010. p, 11).

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principalmente, a junção de artistas para a formação de um grupo, pautado numa poética de fazer teatro coletivamente, se tornou um diferencial, uma ousadia, no teatro brasileiro feito na década de 1980, onde o diretor “funcionava como principal eixo de concepção dos espetáculos e concebiam uma escritura cênica autoral, de grafia inconfundível, às vezes altamente formalizada” (FERNANDES, 2010, p. 62). Essa força motriz do encenador, muito serviu para que o conceito e o entendimento da “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61), mudasse as estratégias de criação de espetáculos no Brasil na segunda metade do século XX6, sobretudo no entendimento do teatro como pesquisa. São expoentes desse movimento o TBC7, como também o Arena8 e o grupo Oficina de Teatro9, coletivos que são grandes referências para se discutir uma concepção

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A encenação teatral é um movimento que se iniciou na Europa no final do séc. XIX e será discutido no segundo capítulo, porém em se tratando de Brasil, esse conceito só começa a reverberar na cena teatral do nosso país, no final da década de 1940 com a encenação de Ziembinski para a peça O Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. 7 Teatro Brasileiro de Comédia é isso o que significa a sigla, fundado pelo empresário Franco Zampari com o objetivo de realizar espetáculos teatrais de qualidade e que pudessem colaborar para uma profissionalização e principalmente para uma mudança de paradigma no teatro brasileiro. De fato, é graças a essa Cia., que temos uma ruptura na cena brasileira, pois a mesma passa a ter o contato e a aprofundar o conceito de encenação teatral desenvolvido na Europa, que devido às duas grandes guerras mundiais, principalmente pelo motivo da não comunicação entre países durante esse período, o Brasil não teve contato com esse movimento que mudou a forma como se fazia e se pensava teatro no ocidente. O TBC foi uma grande escola para os atores brasileiros a partir do final da década de 40, que espalhados pelo movimento teatral, foram reunidos para pesquisar e experimentar com encenadores estrangeiros, trazidos exclusivamente para dirigirem os espetáculos. Um momento de grande contato com a dramaturgia produzida lá fora e com as pesquisas desenvolvidas em torno da criação de cenários, iluminação, maquiagem, figurino e etc. A importância do TBC é grandiosa na colaboração para o desenvolvimento da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e também para a formação de vários grupos após o final de sua existência. 8 Importante grupo da história do teatro brasileiro que passa a surgir na década de 1950, cujo seus principais componentes saíram da formação oferecida pela EAD- Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita. Segundo SANT’ANNA (2012, p. 156-157) “tinham iniciado atividades em 1953, experimentando seu palco inovador em apresentações em escolas, fábricas e outros espaços, até constituírem sede própria em 1955, ainda com um repertório semelhante ao do TBC, embora com encenações bem mais econômicas. Em 1958, a partir do sucesso da encenação de Eles Não Usam Blacktie, de Gianfrancesco Guarnieri – inspirada em A Moratória, de Jorge Andrade -, com o enfoque de operários em grave, o grupo sentiu ali o caminho certo e promoveu um Seminário de Dramaturgia, visando descobrir e/ou formar atores nacionais que trouxessem à cena os problemas contemporâneos da realidade do país. (...) O Arena visava criar uma dramaturgia que, além de tudo, pudesse formar um novo público, o popular, que, por sua vez, exigiria mais tarde outra dramaturgia.”. 9 Sobre o grupo, prefiro citar as primeiras páginas da edição 26, da revista Dionysos, publicada em 1982: “O Oficina foi organizado em 1958 na Faculdade de Direito (Largo São Francisco) em São Paulo. Mas sem qualquer vínculo direto com o centro Acadêmico XI de Agosto. O que permite supor: sem relações com questões de política estudantil. Estreou no bairro Bexiga num prédio onde antes funcionava um teatro espirita. Em 1980, ameaçado de despejo sumário (o local seria vendido ao grupo econômico de Sílvio Santos), o grupo empreende uma batalha, em diversas fontes, procurando obter recursos para

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de experimentação e de pesquisa inovadora na cena teatral brasileira contemporânea. O que vale ressaltar é que todo esse movimento gerado por esses grupos, e por esses encenadores no Brasil, consolidou-se como uma base muito forte, que deu suporte para o surgimento de vários artistas e grupos que passaram a realizar processos criativos com novas abordagens e procedimentos técnicos particulares, que diversificaram e enriqueceram de poéticas o teatro brasileiro. Os processos colaborativos geram na cena contemporânea brasileira, um procedimento que não se trata de uma metodologia cartesiana com manual de regra a ser seguido para se criar um espetáculo. É mais um modelo do que até mesmo um referencial estético. Apresenta-se muito mais como princípio técnico, e que por isso, a interpretação e articulação é multidisciplinar. O encenador é quem geralmente conduz o processo colaborativo, acaba criando um próprio método, uma forma particular de coordenar a criação. A força motriz nesse tipo de processo está nas experiências que são trocadas na sala de ensaio, nesse lugar em que as competências técnicas são alargadas, todos são coautores do espetáculo/encenação/dramaturgia da cena. O que se estabelece na sala de ensaio é um espaço propositivo horizontal, sem uma hierarquia fixa, e sim, como propõe ARAÚJO (2002, p. 56) “hierarquias momentâneas ou flutuantes” que abrem um espaço de proposição para todos os que estão envolvidos no processo criativo e transforma a criação em um work in progress que se articula através de: Redes de leitmotiv, da superposição de estruturas, de procedimentos gerativos, da hibridização de conteúdos, em que o processo, o risco, a permeação, o entremeio criadorobra, a interatividade de construção e a possibilidade de incorporação de acontecimentos de percurso são as ontologias da linguagem. (COHEN, 2006, p. 2)

comprar definitivamente o terreno e a casa de espetáculos. Sensibilizou diferentes áreas, inclusive oficiais, e acabou vencendo. (...) Ainda no principio afirmou-se diante da crítica lançando um novo autor que logo em seguida encerraria sua promissora carreira como dramaturgo para transformar-se no mais criativo e corajoso, controvertido e polêmico, encenador do teatro brasileiro contemporâneo (José Celso Martinez Correa). (...) Depois de conturbadas discussões internas o grupo abandonou o amadorismo e, nas pegadas do Teatro de Arena, assumiu o profissionalismo. Estabeleceu sede própria, na rua Jaceguai 520. Transformou-se na mais expressiva companhia de teatro do país através de um trabalho contínuo marcado por permanente inquietação e sempre surpreendente renovação da linguagem cênica. (PEIXOTO, 1982, p. 37)

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O que ganha força no teatro colaborativo é o projeto artístico-pedagógico gerado por um grupo que se forma para criar seus espetáculos num espaço de proposição horizontal, onde todos participam e colocam o seu pensar e fazer, o que leva a construção de uma cena ampliada por diversas experiências e pontos de vista, enriquecendo o processo de criação e gerando um grupo que tem como força o diálogo e o cruzamento de culturas. É nesse jogo de fronteiras entre os partícipes do processo, em que um atua na área específica do outro, que atores acabam por descobrir potencialidades para também serem pensadores de cenografias, de figurinos, luz, assim como cenógrafos para serem atores, e diretores arriscam-se como atores e vice e versa, sucessivamente. Quem ao final assina a concepção das linguagens10? É nessa área de acordos que se estabelece um elo de confiança entre os participantes do processo colaborativo e o trabalho individual ganha estrutura ampliada para a concepção do espetáculo. É importante entender que mesmo a criação no teatro colaborativo se dê num campo propositivo aberto, alguém sempre se responsabiliza pela concepção final de cada elemento, por exemplo, um cenógrafo define com qual material irá trabalhar e de que maneira ele tornará expressiva as suas ideias. Cabe aos profissionais envolvidos e responsáveis por suas funções, imbricar todas as vontades e desejos do coletivo, mas, sobretudo materializar cenicamente a concepção final. No entanto, é preciso reconhecer que a autoria no processo colaborativo está localizada numa zona de fronteira, de acordos delicados e tensos, pois tenta lidar com as exigências do coletivo, ao mesmo tempo em que reclama o reconhecimento individual. Trata tanto da autoria de grupo, à medida que todos são criadores e agentes de múltiplas apropriações e transformações, quanto da autoria particular, que acontece quando determinado artista opera a reunião, a filtragem ou a organização dos materiais apresentados pelo coletivo. (RINALDI, 2006, p. 136). 10

Nesta dissertação compreendemos que a cenografia, iluminação cênica, figurino, interpretação, maquiagem, sonoplastia e etc., são linguagens distintas, “ativas”, como nos propõe Artaud (2006), que possibilitam, individualmente, um vasto campo de pesquisa e técnica, porém, o mais significante é entendermos que a atuação desses elementos em um espetáculo é determinante na concepção da encenação. Nos próximos capítulos ressaltaremos ainda mais essa reflexão a respeito da importância de articulação dessas linguagens no processo criativo de uma encenação.

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O teatro colaborativo embora seja uma matriz cada vez mais utilizada para montagens de espetáculos, carrega uma singularidade e que merece um enfoque: cada grupo ou companhia, de acordo com suas vontades para a criação, estabelecem seus próprios princípios criativo-metodológicos. Esses grupos ao longo de anos de trabalho, apuram através das experiências, uma forma de condução que se torna a sua poética, que faz com que o processo criativo ganhe movimento e se estruture a cada novo encontro na sala de ensaio. No caso do Teatro da Vertigem, por exemplo, embora todos participem ativamente dos processos criativos de todos os elementos, no começo as funções já são ocupadas, o dramaturgo é convidado para o processo, sabendo que sua função será a de construir a dramaturgia, assim como o iluminador, o figurinista, os atores e etc. o que é característico no caso da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, é que as competências são aproveitadas na sala de ensaio, ou seja, se um ator tem experiência na área de iluminação cênica, se já desenvolve pesquisa e se dedica a entender os caminhos para a criação da luz no teatro, sua função dentro do processo será também a de conceber a iluminação do espetáculo. Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, as questões que se referem à autoralidade dentro da sala de ensaio, são ainda mais aberta. No começo cada sujeito tem uma função previamente estabelecida, mas no decorrer do processo criativo, esse artista poderá não somente colaborar com os outros processos, mas também assumir a concepção final da cenografia, dramaturgia, iluminação e etc., em alguns casos, até três funções na criação do espetáculo. Essa informação é importante de frisar, porque potencializa o entendimento de que cada grupo que desenvolve processos colaborativos tem o seu próprio procedimento na construção de espetáculos. É exatamente nesse ponto que aparece uma relação dentro da sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, que incentiva e fomenta a possibilidade de um ator poder ser também o iluminador cênico. Dessa forma, os demais artistas passam a colaborar nos

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outros processos criativos, e com isso, acrescentam às suas competências, diferentes experiências que enriquecem sua poética de criação. A sala de ensaio é um espaço que oscila entre o que podemos compreender por espaço trivial, ou seja, um lugar comum, geralmente aberto, sem muitos móveis e objetos e ao mesmo tempo, é um lugar que se transforma com os ensaios, pois instalam diferentes atmosferas a partir da expressão corporal dos atores, que se mantêm em estado alterado e ainda assim, refletem, burilam, constroem o espetáculo em total diálogo colaborativo com todos os artistas da cena. Esse entendimento da sala de ensaio unido ao processo colaborativo, é que abre caminho para irmos adiante.

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1.3 – A Imagem Propulsora. A imagem para a criação artística tem caráter impulsionador. Os processos criativos em teatro estão ligados à construção e elaboração de imagens, sejam elas pictóricas ou corporais, sempre abrangem signos que levam a múltiplas compreensões. Michael Chekhov apresenta alguns exemplos na história da arte em que as imagens são fontes de inspiração para a criação: Estou sempre cercado de imagens”, disse Max Reinhardt. Ao longo de toda uma manhã, Dickens permaneceu sentado em seu gabinete de trabalho esperando que Oliver Twist aparecesse. Goethe observou que imagens inspiradoras surgem diante de nós por sua própria iniciativa, exclamando: “Aqui estamos!” Rafael viu uma imagem passar diante dele em seu quarto, e essa foi a Madonna da Capela Sistina. Michelangelo exclamou, em desespero, que imagens o perseguiam e o forçavam a esculpir suas figuras na pedra (2003, p. 27)

O embate entre artista e imagem é extremamente dinâmico. A imagem vai se transformando na medida em que ela é trabalhada pelo artista, ela “muda sob seu olhar indagador, transforma-se repetidas vezes, até que, gradualmente (ou subitamente), você se sente satisfeito com ela” (Ibidem. p. 29). No caso do teatro, a busca é de materialização da imagem em cena. Na sala de ensaio ela vai possuir uma corporeidade, que bifurcará gerando outras imagens, cria narrativas e personagens, num processo constante de retroalimentação, pondo em movimento o processo criativo e constituindo um arcabouço de signos imagéticos que é o próprio espetáculo se construindo. Nessa perspectiva o corpo se torna o lugar onde as imagens ganham movimento. O ator é também uma imagem na cena que é responsável por articular outras imagens e construir sentido para tudo que o espetáculo pretende representar. Para Bergson (2006, p. 20) o corpo é a imagem central “sobre ela regulam-se todas as outras; a cada um de seus movimentos tudo muda, como se girássemos um caleidoscópio”, portanto quando uma imagem é fonte primeira para a criação, ela se torna um elemento que se modifica a cada vez que o artista a manipula e por isso constitui-se num universo de descobertas que ampliam o sentido e a imaginação.

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No caso da Cia. De Teatro Engenharia Cênica a palavra propulsão está acompanhada da palavra imagem, exatamente porque dentro da Cia. essa imagem criada e elaborada, funciona como o primeiro impulso para que todos os integrantes possam agir na sala de ensaio, ou seja, quando a ideia passa a ser materializada cenicamente. É importante informar que essa imagem propulsora não corresponde a uma pintura ou uma fotografia, ou seja, não está relacionada

a

algo

que

seja

pictórico

bidimensionalmente

ou

tridimensionalmente, nos processos da Cia. Engenharia Cênica ela é um hipertexto que apresenta uma narrativa sobre a qual se definem a temática e o sentido para a construção do espetáculo. Esse texto é considerado imagem exatamente por ser ele uma projeção de como se dará o espetáculo. Os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica (“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”) apresentam em comum, processos que têm a imagem propulsora, como princípio norteador para criação. De acordo com a pesquisa de FERREIRA (2009) 11, a partir da analise do processo de criação do espetáculo Irremediável (Sobral, CE, 2007), define-se a imagem propulsora como: ...uma bússola que norteia a criação, mas ela é apenas uma diretriz para o caminho, o percurso será trilhado ao longo das descobertas que serão interpostas no decorrer do processo de criação na sala de ensaio. Compreendo esse processo como um labirinto de possibilidades que se abrem em encruzilhadas de encaminhamento poético. Testamos as possibilidades e as escolhemos dia-a-dia. Esta escolha é movida por nossas percepções e individualidade. (FERREIRA, 2009, p. 49 e 50)

Se tratando dos espetáculos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, a imagem propulsora é responsável por abordar todo o discurso do espetáculo. Pode ser um pequeno texto narrativo, como uma única frase que apresenta diretamente todo o universo pelo qual o processo do espetáculo caminhará no que diz respeito à criação e também ao campo epistemológico fundamentador da pesquisa e que dá sentido à estrutura dramatúrgica do espetáculo. No grupo de Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo no Brasil, temse o conceito de workshop como o lugar da imagem inicial, ou seja, do ponto 11

Diretora da Cia. de Teatro Engenharia Cênica (nome artístico Cecília Raiffer)

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de partida para a construção do espetáculo, assemelhando-se ao conceito de imagem propulsora. Segundo (RINALDI, 2006, p. 136) atriz e pesquisadora do referido grupo, o workshop “é uma cena criada pelo ator em resposta a uma pergunta ou um lema lançados em sala de ensaio”. Diversos grupos se identificam com a criação teatral a partir de processos colaborativos. Muitos fatores contribuem para o crescimento de espetáculos que são criados na contemporaneidade a partir desses processos, podemos dizer que a relação com o texto é uma questão, pois o encenador ou ator não encontrando mais uma dramaturgia que apresente um lugar, uma motivação, ou antes, uma possibilidade de realização do seu desejo, passa a escrever seu próprio texto, partindo de improvisações ou de outros princípios, sempre caminhando dentro de um percurso norteado por um sentido, pela imagem propulsora, que gera no sujeito a necessidade de se lançar no processo de experimentação, para a descoberta do espetáculo no seu corpo, potencializando o imbricamento artista-vida-obra. A criação na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica gera uma dramaturgia em processo. A cada improvisação12 as personagens emergiam em gestos, atitudes, verbos, ações que eram bases para a construção do texto. A diretora dos espetáculos, Cecília Raiffer, assumia a função de dramaturga, cabia a ela ficar atenta às possibilidades textuais que surgiam no jogo entre atores e imagem propulsora. O texto que é elaborado dessa forma, sempre acaba adquirindo uma estruturação fragmentária que possibilita uma maior mobilidade no que se diz respeito a uma narratividade. Nos três processos analisados nesta pesquisa, a dramaturgia só se definia após varias organizações, cenas que seriam o começo passaram para o meio ou até mesmo o fim do espetáculo, o trabalho na sala de ensaio de um processo colaborativo é incógnito, imprevisível, a cada novo encontro tudo se amplia, trata-se, portanto, no que se diz respeito à dramaturgia, de um jogo de descobertas.

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Ainda nesse capítulo discutiremos a respeito da improvisação como técnica de articulação da imagem propulsora.

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No processo colaborativo, como ainda não há um todo a ser analisado, e sim uma progressão de cenas que vão sendo elaboradas ao longo dos ensaios, a análise é feita de maneira inversa: tem-se somente alguns segmentos, a princípio independentes. Praticamente às cegas, vai-se intuindo um encaixe das cenas apresentadas na tentativa de formar um todo coerente – é como um quebra-cabeça do qual se vai recebendo as peças aos poucos, sempre com a certeza de que haveria um sem número de possibilidades de outras configurações/imagens finais. E essa coerência, essa unidade pretendida, normalmente tem como norteadora a proposta inicial do grupo – geralmente o tema eleito pela equipe, sempre amparado pelas pesquisas e discussões. É importante que se tenha em mente esse objetivo geral que possa guiar a análise – tema, proposta formal – um fator que fica de fundo na hora do trabalho analítico. A proposta da cena, ela sim, pode ser decomposta pelo dramaturgo, analisada em suas diferentes partes, recomposta e compreendida num processo de fragmentação do que já é um fragmento. A cena é analisada como um todo, num primeiro momento, e depois pode ser decomposta e analisada em vários aspectos entre os quais ação, fábula, unidade, personagens, situação, conflito, núcleo dramático, pertinência quanto ao tema, relevância no contexto geral. (NICOLETE, 2005, p. 50)

O tema do qual a pesquisadora se refere, no caso dos processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, se trata da imagem propulsora que na sala de ensaio torna-se um elemento que gera crise para a criação do espetáculo. Articula-se na sala de ensaio através do trabalho improvisacional do ator que gera cenas que se tornam as bases para a concepção da iluminação, cenografia e etc. Nesse entrelaçamento de experiências entre os profissionais (iluminador, cenógrafo, encenador, ator, maquiador, sonoplasta e etc.) emerge uma pedagogia pautada na troca, confiança e na colaboração, fatores que possibilitam o surgimento de artistas híbridos, pois são criadores de todas as partes do espetáculo, agentes ativos nas bifurcações, sujeitos significadores de suas próprias formações. No momento inicial dos espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias e O Menino Fotógrafo, foram realizados encontros para debate, pesquisa e construção de ideias, para só assim, iniciar o processo de materialização das cenas. O processo do espetáculo “Irremediável” teve duração de 09 (nove) meses, “Doralinas e Marias” teve 09 (nove) e “O Menino Fotógrafo” 12 (doze) meses. Como se tratam de Processos Colaborativos, essa etapa específica voltada para a pesquisa, para o levantamento de imagens propulsoras,

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assemelha-se ao momento em que O Teatro da Vertigem, grupo de São Paulo, referência na linha de Teatro Colaborativo, desenvolveu o espetáculo “Paraíso Perdido”: Pretendíamos garantir e estimular a participação de cada uma das pessoas do grupo, não apenas na criação material da obra, mas igualmente na reflexão crítica sobre as escolhas estéticas e os posicionamentos ideológicos. (ARAÚJO, 2002, p. 102).

Percebemos na fala de Silva que a pesquisa é no Teatro Colaborativo base para todo o processo se desenvolver. As leituras são os caminhos para a construção de ideias, o debate na sala de ensaio desenvolve reflexões em volta da ideia, da imagem propulsora, e assim o espetáculo se estrutura, num processo em que a pesquisa prática e teoria sedimentam a criação cênica. [...] a pesquisa é um dos principais fatores a colocar todos os componentes em pé de igualdade para a criação. A partir da leitura dos mesmos textos, da análise dos mesmos filmes, da visita aos mesmos lugares, o grupo desenvolve um vocabulário comum e forma um manancial de imagens que serão reelaboradas e traduzidos cenicamente. Nessa etapa inicial, cada elemento da equipe pode acrescentar ao material pesquisado os conteúdos pessoais e sua própria interpretação de informações, o que vai gerar uma infinidade de cenas e situações propostas [...] Enfim, o que se vai pesquisar e como isso vai ser feito pode se configurar de um sem-número de formas. Incontestável parece ser a necessidade da pesquisa, já que é preciso conhecer satisfatoriamente o tema que se quer abordar, e isso durante todo o processo. A pesquisa, em suas diversas formas e intensidades, está presente em todas as etapas, não só no início. A ela cabe, muitas vezes, o aprimoramento contínuo e a busca de solução para questões surgidas ao longo do trabalho. (NICOLETE, 2005, p. 44-45)

Quando os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica são levados à fruição do público, o ciclo da criação se fortalece. A partir da recepção dos espectadores, buscamos estratégias de mediação para entendermos os resultados gerados.

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1.3.1 – “Irremediável” 13. A indefinição do nome do espetáculo apresenta o quanto caótico e crítico o processo foi no princípio. No primeiro encontro na sala de ensaio não tínhamos uma dramaturgia pronta, nem mesmo personagens ou “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7)

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definidos, apenas uma imagem propulsora que

girava em torno de questionamentos sobre o homem contemporâneo e a sua condição de vida. Nessa época a Cia. não sabia ainda conceitualmente da existência do teatro colaborativo. Essa realidade é a mesma de vários grupos que no Brasil se estruturaram ao longo das décadas de 70, 80 e 90 para criarem seus espetáculos a partir de ideias, de imagens, sem estarem ligados diretamente a uma dramaturgia, simplesmente os artistas se reúnem na sala de ensaio e paulatinamente criam seus espetáculos desde a dramaturgia à construção de personagens e atmosferas através do cenário e da iluminação. No espetáculo “Irremediável”, após refletirmos demasiado sobre a condição do homem contemporâneo, buscamos referenciais teóricos e exemplos de personagens que pudessem ser fontes inspiradoras

e

alimentadoras da imagem propulsora para que pudessem ser criadas ações, cenas, possibilidades de espaços cênicos, atmosferas e principalmente personagens. Foi então que surgiu uma imagem propulsora que estabeleceu claramente os caminhos e definiu um lugar teatral que significava um dos principais

pontos

filosóficos

sobre

a

condição

do

homem

na

contemporaneidade: “a prisão irremediável do homem contemporâneo – aprisionado, vigiado e perdido na terra que gira.” (FERREIRA, 2009. p. 30). O espaço no qual os atores atuavam no espetáculo, era um losango de 3m², que 13

Espetáculo realizado através do Prêmio Myrian Muniz de Teatro da FUNARTE 2006. Estreou em Sobral no teatro municipal da cidade: Theatro São João, em seguida através de um apoio do SESC-CE o espetáculo circulou pelas suas principais instituições (SESC) situadas no estado. Foi apresentado na mostra competitiva do FETAC (Festival de Teatro de Acopiara) onde ganhou cinco prêmios: melhor direção, ator (Luiz Renato), sonoplastia, iluminação e conjunto cênico; foi apresentado da XII Mostra SESC Cariri de Cultura e no Festival Nordestino de Guaramiranga; além de realizar uma temporada na cidade de Fortaleza capital do estado, e participar da Mostra Nacional Palco Giratório, tudo no ano de 2007. 14 Entender “lugar teatral” como o espaço que é próprio do espetáculo. Anna Mantovani no seu livro intitulado “Cenografia”, do ano de 1998, apresenta a diferença entre espaço cênico e lugar teatral, segundo o seu pensamento todo espaço serve para a cena acontecer, mas o que se instala nesses espaços é o lugar do espetáculo, ou seja, o espaço criado e elaborado na sala de ensaio para o seu discurso dramatúrgico, visual , atmosférico e sígnico.

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impunha limites para a movimentação cênica dos atores. A imagem propulsora, depois de muitas escolhas e desapegos ganhou a seguinte estruturação: [...] três pontos iniciais inspiradores, três linhas paralelas [...]: Vida de Galileu de Bertolt Brecht – a certeza que a terra não é o centro do universo e que as estrelas não estão presas a uma esfera de cristal abala as convicções da humanidade; Vigiar e punir de Michel Foucault – somos diuturnamente vigiados, conduzidos e elaborados pelo sistema que obriga, sufoca e desnatura; O Mito de Sísifo de Albert Camus – a humanidade carrega absurdamente uma pedra para o cume de uma montanha, quando lá chegamos, “a pedra sempre rola” e tudo começa novamente. Quando a razão deixa de ser razão e o homem perde-se de si, dos seus sonhos, da sua vida. Quando a certeza da existência de bilhões de sóis e bilhões de galáxias é comprovada. Quando o humano deixa de ser humano... Realidade irremediável da vida. (FERREIRA, 2009. p. 30)

Analisando a imagem propulsora é possível apontarmos caminhos pelos quais o espetáculo foi trilhando ao longo do processo criativo. Os personagens eram agentes ativos do espetáculo “Irremediável”, pois eram responsáveis de instalar na cena, o homem aprisionado. Porém, a iluminação cênica passou a ter uma ação expressiva e determinante na construção de significados do espetáculo, sobretudo, porque editava dentro do pequeno losango, o espaço cênico das personagens15. O espetáculo “Irremediável” começou então a ser estruturado a partir da imagem propulsora. Os personagens foram inspirados nas figuras de Galileu e de Sísifo, ambos, sujeitos da história da humanidade, que foram aprisionados por um sistema que não possibilitava escapatória. 16 Na dramaturgia de Cecília Raiffer, seus nomes eram “Cego” e “Aleijado”, e em nenhum momento do espetáculo eram pronunciados em cena, serviram muito mais para o trabalho dos atores, na construção de “ações físicas” (STANISLAVSKI, 2001, p. 2), para a compreensão da identidade desses personagens. Em cena apenas dois jovens homens presos, tentando se livrarem daquele lugar, inventando uma fabulação ou um universo imaginário como estratégia de livramento, com o passar dos ensaios o espetáculo ganha a seguinte estruturação dramatúrgica: 15

Analisaremos no terceiro capítulo o processo criativo da iluminação do espetáculo Irremediável em consonância com o trabalho do ator na criação de cenas e personagens. 16 Na peça de Bertolt Brecht, Galileu abjura de sua descoberta para não ser morto pela Inquisição. Sísifo foi condenado por Ades a rolar uma pedra até o cume de uma montanha, depois de chegado ao objetivo, a pedra rolaria novamente e Sísifo continuaria irremediavelmente a rolar a pedra.

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Irremediável (2007). Dois homens de identidade desconhecida habitam um espaço inóspito, na solidão diária buscam estratégias de salvamento para as suas existências continuarem valendo. Um rapaz, o Cego, espera o vento que sopra do norte e passa toda a vida construindo bonecos, barcos e caixas de papel para serem colocados no rio que corre quando o esperado vento chegar. O outro rapaz, o Aleijado, apresenta surtos psicóticos, toma vários remédios, fala do universo e das estrelas – “elas estão livres e sem amarras”; quer ir para a cidade das portas, mas ao contrário do outro rapaz não produz possibilidades de saída. Finalmente o vento que sopra do norte chega, os dois rapazes vão para a sonhada cidade das portas, mas são bombardeados pela plateia, e o barco que estava no rio que corre é queimado, a luz cai em resistência, a sonoplastia continua até a última centelha, silêncio e fim!17

Outros signos foram criados para enfatizar ainda mais a condição de vigilância e de punição para os personagens. A sonoplastia do espetáculo foi criada por Daniel Glaydson Ribeiro que na época do processo de criação do espetáculo, além de estudante de letras era também DJ de músicas eletrônicas, o fato de ele experimentar a técnica computadorizada de produzir variados tipos de sonoridades, fez com que de imediato surgisse um convite para ele colaborar na sala de ensaio na criação da trilha do espetáculo. A sonoplastia acabou se tornando um elemento que intensificou sobremaneira as atmosferas de aprisionamento e de desespero por parte das personagens. A movimentação cênica dos atores ganharam sonoridades, ruídos, dialogando com

as

emoções

que

se

materializavam

cenicamente,

os

ruídos

acompanhavam as sensações, o que possibilitava uma construção ainda mais ampliada das noções de personagem. Toda a trilha era operada ao vivo, portanto, era necessária a presença do DJ em cena, respirando o espetáculo a cada apresentação. Essa necessidade acabou levando para a cena um signo que ressaltou ainda mais a construção desse espaço enclausurado e principalmente presentificou os personagens que vigiavam, pois colocando o sonoplasta na cena o operador de luz também ocupou seu espaço no meio da plateia, portanto entre os espectadores existiam os sujeitos com suas mesas de luz e 17

Rubrica retirada da dramaturgia, acervo pessoal da diretora Cecília Raiffer. No primeiro semestre de 2014 será lançado o livro “Três pontos sem ponto final” que reunirá o texto dos três espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias e O Menino Fotógrafo, objetos de analises da presente dissertação.

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pick up. A iluminação cênica foi também um elemento de aprisionamento para as personagens. Editava o espaço cênico com seus recortes em formato de losango, ampliava e o diminuía constantemente, a luz era fria para ressaltar a atmosfera de solidão e quente quando os surtos de ambos os personagens na tentativa de saírem dali se presentificavam. Trilha sonora e iluminação dialogavam cenicamente. Luz e som acompanhavam todo o ritmo da interpretação dos atores, não existia um momento de silêncio no espetáculo. Para melhor compreensão do espetáculo Irremediável, principalmente no que se diz respeito ao seu “lugar teatral” (MANTOVANI, 1998, p. 7), bem como a encenação, faz-se necessário observar uma fotografia retirada por Hudson Costa na primeira temporada do trabalho no Theatro São João na cidade de Sobral – CE. O ator Jander Alcântara – Personagem: Cego, representação de Galileu Galileu de Bertolt Brecht – Atrás um guarda-chuva feito de contas para simbolizar a via láctea e as estrelas.

Operador de luz Maicon Rocha

Ator Luiz Renato – Personagem Aleijado, representação de Sísifo de Albert Camus.

Pick-up e notebook do sonoplasta Daniel Glaydson Ribeiro Figura 1- foto Hudson Costa: Lugar teatral em formato de losango, o público sentava-se exatamente em volta do losango sobre almofadas pretas evidenciando o aprisionamento e o estado de vigilância. As bolas distribuídas pelas almofadas eram utilizadas na cena final pelo público como bombas.

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A presença desses dois artistas (operador de luz e sonoplasta) se deu desde o meio do processo, quando o espetáculo já apresentava cenas construídas. Entraram na sala de ensaio para colaborarem com todos os outros elementos da cena, dialogavam com todas as esferas da criação que se desenvolviam a partir da relação com a imagem propulsora. Todos tinham espaço para propor e refletir sobre as cenas elaboradas, contribuíam com suas colocações no sentido de mostrarem outras possibilidades. Mesmo com esse espaço de proposição aberto, no final a diretora Cecília Raiffer sempre é quem coordenava o processo, era a responsável por ligar os elementos um ao outro e nessa teia de agenciamentos, construir o sentido geral da encenação.

Figura 2 – foto Hudson Costa: Cena em que o personagem criado por Luiz Renato que se chama Aleijado (Sísifo), de pé, tenta construir um barco para fugir do aprisionamento, no chão o ator Jander Alcântara com o personagem Cego (Galileu), em um transe gerado pela ação do Aleijado.

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Figura 3 – Foto Hudson Costa: Momento de grande desespero quando os dois personagens buscam estratégias para saírem do lugar teatral claustrofóbico.

Figura 4 – Foto Hudson Costa: Cena em que o personagem Cego, representação de Galileu Galilei, através de um guarda-chuva repleto de contas e pedras semipreciosas, faz referência a Via-Láctea.

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Uma forte característica desse processo é o fato de que não tínhamos ainda noção dos processos colaborativos. Alguns elementos como a cenografia, por exemplo, foi concebida por todos, não existiu no processo alguém que se responsabilizasse por essa concepção, o que levou a uma criação coletiva, ou seja, todos foram os autores desse elemento. Esse processo apresenta um caos em sua totalidade, pois não tínhamos condições de entender até quando teríamos condições de criar na sala de ensaio. A cada novo encontro, surgiam muitas possibilidades de continuação, o que levou a Cia. em alguns momentos a desistir, dar pausas longas para que pudéssemos assimilar o caminho que estava sendo trilhado pelos artistas envolvidos. Foi com muitas dificuldades, sobretudo na finalização da dramaturgia e consequentemente da encenação que o espetáculo chegou a uma estrutura final.18·.

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Uma análise mais elaborada a respeito do processo criativo do espetáculo Irremediável encontra-se na dissertação: FERREIRA, Cecília Maria de Araújo. Cena e jogo: o imaginário na carne. 2009. 163f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. Disponível no acervo do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC/UFBA, no seguinte endereço eletrônico: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9434.

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1.3.2 – “Doralinas e Marias”19 . Diferente do espetáculo “Irremediável”, o processo de criação de “Doralinas e Marias” em 2009, na cidade de Salvador, BA, a Cia. Engenharia Cênica (núcleo fixo) já sabia, a partir da experiência adquirida com o “Irremediável”, o caminho que deveria ser percorrido, no que diz respeito, à criação de todo o espetáculo. A imagem propulsora já era algo aceito por todos, tínhamos em mente que sua elaboração era de extrema importância para que o processo pudesse ser iniciado. A Engenharia Cênica com a experiência do primeiro processo de criação, em que só tínhamos a convicção de que um grupo de artistas reunidos numa sala de ensaio, agenciando experiências a partir de uma ideia, estruturaria um espetáculo, fez com que em “Doralinas e Marias” começássemos a perceber os caminhos pelos quais o seu processo de criação se guiaria e principalmente reconhecer que nesse novo trabalho, estávamos consolidando uma poética, mas também um pensar, um refletir do “como”. Foi então que em “Doralinas e Marias” a Engenharia Cênica passa a ter conhecimento do que é o Teatro Colaborativo e encontra no mesmo, sua poética criativa, tal como os grupos Teatro da Vertigem da cidade de São Paulo e os Finos Trapos20 da cidade de Salvador, que embora tenham processos criativos conduzidos de forma absolutamente diferentes, apresentam um processo de construção total do espetáculo dentro da sala de ensaio, lugar este que unirá uma equipe em torno de uma ideia, de uma imagem propulsora,

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Sob a direção de Cecília Raiffer, Doralinas e Marias foi realizado através do Prêmio Manoel Lopes Pontes da Fundação Cultural do Estado da Bahia na categoria montagem de espetáculo. Sua temporada de estreia se deu nos teatros Martim Gonçalves da Escola de Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de agosto) no ano de 2009. O espetáculo fez participação no Festival Internacional de Artes Cênicas - FiacBa ano 2 nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra SESC Cariri de Cultura 2009 nos dias 14 de outubro no Memorial Padre Cícero em Juazeiro do Norte e no dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes na cidade do Crato-Ce; e em março de 2010 participou da Mostra SESC-ATU de Teatro de Uberlândia em Minas Gerais. 20 No caso do grupo Finos Trapos da cidade de Salvador-Ba, podemos citar a pesquisa de mestrado do diretor Roberto Ives Abreu Schettini intitulada O TEATRO COMO ARTE DO ENCONTRO: dramaturgia da sala de ensaio, uma abordagem metodológica para a composição do espetáculo “Genesius – histriônica epopeia de um martírio em flor” junto ao grupo Finos Trapos.

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e fará a cada novo encontro se descortinar através da colaboração: a dramaturgia, personagens, cena, cenografia, iluminação e etc.21. A imagem propulsora do espetáculo “Doralinas e Marias” é a seguinte: A mulher e sua relação com o tempo – O tempo de espera, o tempo de chegada e o tempo de partida. Para inspiração e estruturação da imagem propulsora foram utilizadas algumas obras que foram fontes de pesquisa, ou seja, um campo de encontro do imaginário de toda a equipe e que trazem relações de sujeitos com o tempo, no caso, adaptado para a figura da mulher: O livro “Casa e Tempo” de Sônia Rangel; O poema “O Caso do Vestido” para a investigação do Tempo de Espera; A música “Valsinha” de Chico Buarque de Holanda para a investigação do Tempo de Chegada; A música Triste Partida de Patativa do Assaré cantada por Luiz Gonzaga para a investigação do Tempo de Partida. A partir dessas obras estabeleceram-se três pontos centrais que serviram como base para a criação do espetáculo: tempo de chegada, tempo de partida e tempo de espera. Cada um desses temas estavam ligados a uma personagem, quais sejam: Alice, Doralina, Sofia, Doralice (mãe de Doralina que no espetáculo é luz) e Manoel, o único personagem masculino que simbolizava o próprio tempo das mulheres. O espetáculo estreou com a seguinte estruturação dramatúrgica: Doralinas e Marias (2009): Quatro mulheres e uma casa. Essas mulheres fazem parte da mesma família. Doralice é mãe de Doralina, Sofia é filha de Doralina e Alice é filha de Sofia. Esse laço familiar traz a relação dessas 21

Podemos citar as pesquisas do diretor do Teatro da Vertigem Antônio Araújo que refletem o fazer desse grupo através da trilogia bíblica “Paraíso Perdido”, “Livro de Jó” e “Apocalipse 1.11” todos desenvolvidos colaborativamente na sala de ensaio.

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personagens a partir de ciclos de 17 anos de idade entre uma personagem e outra. Assuntos como o nascimento e a morte, a espera e a chegada, a maternidade e a desilusão do amor compõem o texto do espetáculo. Doralina, representa o tempo de chegada, após viver muito, deseja ficar em sua casa, no jardim, e lá descansar até a morte; Sofia simbolizando o tempo de espera, aguarda na janela o marido que foi, mas disse que ia voltar e não volta; Alice traz o tempo de partida, uma jovem de 17 anos, vive na varanda da casa em contato com a lua e o seu maior desejo é o de voar para “o vasto e grande mundo”; Doralice morreu quando paria Doralina aos 17 anos, sua narrativa e presentificação desenvolve-se através da iluminação num jogo que estabelece através da luz a contracena com as demais personagens; Manoel é o menino e velho tempo, rege essas mulheres nas suas vidas diárias.22

Figura 5 - foto Zélia Uchôa: Em primeiro plano no lado esquerdo a atriz Adriana Amorim, personagem Sofia, carregava uma longa trança que simbolizava o tempo de espera da vinda do seu amado; no lado direito a atriz Meran Vargens, personagem Doralina, vivia no seu jardim embaixo do “pé de goiaba branca misturado com goiaba vermelha”, desse lugar não quer mais sair, vive tomando chá e simboliza o tempo de chegada; em segundo plano a atriz Daniele França com a personagem Alice, a jovem de 17 anos que quer conhecer o mundo, simbolizava o tempo de partida; o ator Luiz Renato com o personagem Manoel, esse nome significa em hebraico “Deus presente”, Manoel é a materialização do tempo, é o senhor absoluto na narrativa das personagens femininas, ele dorme velho e acorda criança. 22

Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer que será publicado no primeiro semestre de 2014.

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Cada personagem possuía um lugar específico dentro da casa. Doralina vivia no jardim, Sofia na janela a esperar e Alice na varanda. Esses lugares foram materializados a partir da iluminação cênica de maneira que para cada um, foi criada uma atmosfera específica de acordo com as emoções geradas pelas personagens nas suas narrativas atreladas ao tempo. No jardim a cor amarela simbolizava um tempo vivo e pulsante, na janela um âmbar esmaecido provocava a sensação de um lugar antigo e na varanda um azul-claro quase branco foi utilizado para simbolizar a luz da lua.

Figura 6 - foto Zélia Uchôa: Doralina no seu jardim escrevendo no seu diário

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Figura 7 - foto Zélia Uchôa: Sofia sentada na cadeira de frente para a janela a esperar Leonam seu marido que se foi e que disse que voltaria

Figura 8 - foto Zélia Uchôa: Alice na varanda, através de uma lira alça seus voos imaginários em direção à lua.

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Figura 9 - foto Zélia Uchôa: o ator Luiz Renato com o personagem Manoel que tinha todo o controle do tempo e da ação da luz através de gestos e movimentações, controlava o tempo das três mulheres.

Figura 10 – Foto Zélia Uchôa: cena inicial do espetáculo quando a personagem Doralina conversa com o público sobre os desconhecidos que permeiam nossas vidas.

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Figura 11 – Foto Zélia Uchôa: Cena em que Alice domina Manoel que no espetáculo é a metáfora do tempo. Ao fundo Doralina observando as ações da neta.

O que deve ser ressaltado e que tem uma grande importância no processo colaborativo de “Doralinas e Marias”, é a tomada de consciência da Cia. de Teatro Engenharia Cênica em relação à pesquisa e o começo de um amadurecimento conceitual e metodológico na maneira como cria os seus trabalhos, aprofundando e investigando o teatro colaborativo e elaborando os seus próprios princípios para a criação dos seus espetáculos.

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1.3.3 – “O Menino Fotógrafo”. A primeira coisa que se deve falar é sobre a junção de dois grupos para a criação desse espetáculo. A parceria com o Grupo Ninho de Teatro surgiu porque o mesmo gostaria de ter uma experiência com um processo colaborativo, e o fato da Engenharia Cênica estar situada desde 2011, na região do cariri cearense, exatamente no trecho CRAJUBAR, que se refere a três cidades muito próximas, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, foi que se tornou possível essa colaboração de dois coletivos para a pesquisa e montagem do espetáculo “O Menino Fotógrafo”. O Grupo Ninho de Teatro tem sede própria na cidade do Crato, especificamente na Casa Ninho e a Engenharia Cênica na cidade de Juazeiro do Norte, a distância entre um lugar e outro é de aproximadamente 11 km. Com a decisão de montarmos um trabalho, passamos então a buscar estruturar a primeira etapa do processo, exatamente a que corresponde à escolha daquilo que gostaríamos de abordar cenicamente, um contexto, uma ideia, precisamente uma imagem propulsora. A região do Cariri, sobretudo a cidade de Juazeiro do Norte é permeada por um imaginário religioso muito forte, isso em decorrência da presença da figura de Padre Cícero Romão Batista, um grande visionário que através da fé e da política, segundo nos conta a história, é protagonista de casos de milagres como o da hóstia que virou sangue na boca da beata Maria do Araújo, fato que reverberou intensamente por todo o nordeste, fazendo com que muitos romeiros migrassem para essa região a procura de curas, milagres, realização de sonhos e fé. Todo esse movimento acabou aumentando sobremaneira a população local que em quase total maioria, ainda é, muito religiosa. Devido a isso se foi construindo em torno dessa região um universo mítico-religioso, que para o espetáculo “O Menino Fotógrafo” se tornou base de pesquisa e observação. Os dois grupos sentiam a necessidade de trabalhar com essas temáticas religiosas que permeiam essa região, investigando principalmente o percurso que vai do nascer ao morrer. Podemos então dizer

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que esse percurso tornou-se inicialmente uma frase que impulsionou a estruturação da imagem propulsora. No decorrer da pesquisa nos deparamos com dois fatos que simbolizavam exatamente a vida e a morte, quais sejam: o movimento messiânico Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, dos anos 30 do século XX, e os Campos de Concentração da mesma época. O primeiro surge na região do cariri cearense. A mando de Padre Cícero, cria-se na chapada do Araripe um pequeno lugarejo comandado por Frei Lourenço que abrigaria exatamente parte dessa população de romeiros que chegavam à região do cariri, sem trabalho, sem moradia, sem dinheiro. Nesse local o grupo de pessoas que chegou a contabilizar um número de mil, viveram em prol da comunidade, através do trabalho, plantaram e colheram a própria comida, tudo era absolutamente dividido entre todos e a religiosidade era à base de sustentação. Até que o governo do estado do Ceará na época, acreditando ser um movimento comunista que começara a se formar e que isso prejudicaria a política do estado, manda, a partir de um ataque aéreo, bombardear o local, matando quase todos que ali se encontravam. Os Campos de Concentração, por sua vez, são também conhecidos como Currais do Governo. Sua existência está ligada às duas grandes secas que assolaram o Ceará (1915 e 1932). Estes “campos” são considerados por estudiosos como um ato político, patrocinado pelo governo, de extrema desumanidade contra os flagelados da seca. O objetivo principal desses Currais era sitiar, em um mesmo local, esses cearenses, com a intenção de evitar uma manifestação de grande porte na capital do estado, Fortaleza, contra a precária situação em que estavam inseridos em decorrência da seca. Estrategicamente, esses campos foram construídos em cidades que possuíam linhas férreas, pois facilitavam tanto o deslocamento das forças armadas quanto o envio da miserável alimentação disponibilizada para os flagelados concentrados. Segundo Cordeiro: a comida era composta de alguma variedade de alimentos – farinha de mandioca, macarrão, arroz, feijão e sardinha, mas apenas aqueles de menor valor nutricional e financeiro chegavam aos destinatários. No campo, a única comida disponibilizada era farinha de mandioca antiga e de baixa qualidade. A maioria dos retirantes, que lá era confinada

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desnutrida, adoecia com indigestão, empanzinada pela farinha. Sem higiene, pesteados e abandonados, muitos morriam e eram enterrados em valas comuns. Paralelamente, o Caldeirão oferecia guarita para uma multidão de flagelados famintos: alimentação suficiente, água, moradia, remédios, trabalho para os que quisessem ficar e amparo espiritual. Isto fez com que, após a seca, sua população tivesse aumentado bastante. Era uma “comunidade” auto-sustentável. (2008, p. 05)

O que nos chamou a atenção foi exatamente a potência de vida que existia no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e a morte latente que abarcava os Campos de Concentração. Criamos então o percurso que vai da possibilidade de vida à possibilidade de morte, com base nessas duas referências, buscamos histórias de vida, relatos, estudos históricos que nos apresentassem a realidade de ambos os casos. A imagem propulsora ganha então a seguinte estrutura: O percurso da vida para a morte: Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e os Campos de Concentração. E apresenta a seguinte estrutura dramatúrgica elaborada pela diretora Cecília Raiffer para o programa do espetáculo: “O Menino Fotógrafo é uma dramaturgia simbolista-fantástica, entrecortada por fragmentos de cenas simultâneas, tudo é contado/vivido pela íris de um velho que um dia foi criança, viu os Dentes-de-Leão no céu azul sem nuvens, mas viu também nuvens de fumaça formadas pelos pássaros de fogo em um ataque aéreo que ceifou parte da sua família, história e memória. A narrativa cênica é composta por dois núcleos em ação simultânea, o plano do sonho composto por aparições, projeções do passado, lembranças e personagens imaginárias – Inês, a mulher com o olho de flor e as facas na saia, nas lembranças um amor perdido para a inexorável morte; a menina Alva com os seus incessantes Cata Ventos e os seus sopros... O do coração e dos ventos, uma metáfora da morte; a velha Víbia tece os fios da vida, canta as melodias da existência, metáfora ao correr da vida. No outro núcleo complementar encontram-se Sampro e Amanda, vendedores ambulantes de quinquilharias e máquinas fantásticas, fazem ventos, porções de amor, aprisionam almas com

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as suas invencionices. Na vila, debaixo de um enorme Pé-de-Juazeiro, Manoel e Ulisses, avô e neto, dividem a existência entre Dentes-de-Leão e confissões de um tempo que já passou.” 23

Figura 12 – foto Verônica Leite: Cenário do espetáculo O Menino Fotógrafo que faz citação ao universo mítico religioso da região do cariri cearense, inspiração para a criação.

23

Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer a ser publicado em livro no primeiro semestre de 2014.

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Figura 13 – foto Verônica Leite: Cena que faz citação as almas do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e dos Campos de Concentração.

Figura 14 – foto Verônica Leite: Cena das facas, momento em que a figura do sertanejo é citada com a presença de sua única arma para lutar contra os ataques, retrata sua vida através da fé e da morte.

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Figura 15 – foto de Verônica Leite: Cena em que Ulisses (Luiz Renato) olha para o céu e observa o ataque aéreo.

Figura 16 – Foto de Nívea Uchôa: Cena que simbolizava a felicidade dos habitantes do Sítio Baixa Dantas, conhecido como Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. A atriz Zizi Telécio portadora de necessidades especiais participava do espetáculo fazendo a personagem Víbia, nesta fotografia, sendo levantada pelo ator Elizieldon Dantas que faz o personagem Sampro.

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O processo criativo de “O Menino Fotógrafo” já apresentou um percurso metodológico mais consciente devido às duas experiências passadas. A Cia. de Teatro Engenharia Cênica aprofundou os seus princípios criativos dentro da criação colaborativa nesse espetáculo, e passou a observar com mais foco a forma como se estruturam dramaturgia, personagens, cenas, cenografia e iluminação cênica, etc. com a intenção de sempre alcançar uma nova reelaboração dos seus princípios técnicos que se modificam principalmente na sala de ensaio no jogo entre encenador, atores e imagem propulsora. A cada novo espetáculo, uma nova temática, uma nova imagem propulsora que apresenta uma situação dramatúrgica específica, e que devido a isso, instala um campo de atuação para os artistas que exige estratégias de trabalho condizentes com esses elementos, isso faz com que os princípios técnicos para os processos colaborativos da Cia. Engenharia Cênica se transformem a cada novo trabalho.

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1.4 - Improvisação e imagem propulsora. Com a construção das imagens propulsoras definidas, a próxima etapa do trabalho foi a que se realizou na sala de ensaio, no encontro entre encenador-dramaturgo e atores. O processo de busca nessa etapa foi a da materialização das imagens em cena. Investigaram-se os verbos que possibilitavam a construção de ações físicas, geradas principalmente nos jogos improvisacionais, que podiam ser individuais (diretamente voltados para a construção da personagem) como coletivos (personagens agindo

na

construção de cenas). As experimentações práticas não seguiam um modelo de jogo teatral que tem como característica o estabelecimento de regras e uma plateia que assiste. A pesquisa prática se pautava na livre criação que aos poucos foram se transformando em ações físicas, estruturas cênicas com personagens em processo, marcas, texto, iluminação, cenografia e etc.. Esse processo é exatamente a materialização da imagem propulsora em corpo, vida, realidade. Tal pensamento aproxima-se dos conceitos de reinterpretação e interpretação proposto por Jacques Lecoq, sobretudo no que se refere a essa busca inicial que tem como ponto de partida a própria vida do ator, encenador, iluminador e demais artistas. Por meio da reinterpretação psicológica silenciosa, abordamos a improvisação. A reinterpretação é a maneira mais simples de restituir os fenômenos da vida. Sem nenhuma transposição, sem exagero, o mais fiel possível ao real, à psicologia dos indivíduos, [...] sem preocupar-se com o público. [...] A interpretação vem mais tarde, quando o ator, consciente da dimensão teatral, dá um ritmo, uma medida, uma duração, um espaço, uma forma à sua improvisação, agora para um público. (2010, p. 59).

A improvisação foi de fato a técnica-base para a criação dos três espetáculos (“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”) exatamente pelo motivo de que a mesma transformava o processo num campo aberto para a experimentação, que embora estivesse norteada por uma imagem propulsora que delimitava o campo de atuação, apresentava uma natureza de liberdade para que os atores pudessem, principalmente, criar um

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imaginário que correspondesse tanto ao subjetivo como a corporalidade das personagens. [...] podemos chamar de improvisação, como algo inesperado ou inacabado, que vai surgindo no decorrer da criação artística, aquilo que se manifesta durante os ensaios para se chagar à criação acabada. Com a conjugação do espontâneo e do intencional, o improviso vai tomando forma para alcançar o modelo desejado, passando a ser traduzido numa forma inteligível e esteticamente fruível. (CHACRA, 1991, p. 15).

Essa primeira etapa que diz respeito à “livre exploração e investigação” (ARAÚJO, 2002, p. 106), trata-se de uma etapa em que as questões centrais da imagem propulsora são pesquisadas na prática, através de improvisações que geram reflexões que não foram possíveis de serem feitas no momento em que a ideia era só escrita, palavras. Com o corpo do ator em ação, temos uma mudança de percurso, a imagem propulsora começa a se desdobrar em outras leituras e a sinalizar como se dará o levantamento do material cênico, ou seja, as cenas. Era nesse momento que a encenadora-dramaturga Cecília Raiffer, ficava atenta ao que devia ser aproveitado para o espetáculo. Com a experimentação as cenas começavam a surgir e com elas vinham o texto, o espaço, atmosferas, personagens, enfim, percursos para a construção dos elementos cenográficos do espetáculo. Tudo era criado junto, portanto, os artistas ali envolvidos no jogo da improvisação, dialogavam com esses campos, propondo, modelando-os, organizando-os dentro de um percurso, que nas etapas iniciais, era duvidoso, volúvel, incógnito. Não se tinha o certo e o errado, apenas a necessidade de descobrir o espetáculo no corpo. A encenadora-dramaturga Cecília Raiffer era o olhar de fora que coordenava, estimulava os atores com proposições e norteava o caminho da improvisação para que não se perdessem materiais cênicos e o foco na imagem propulsora. Sua atenção era voltada para a construção da cena que resultava imediatamente em proposta dramatúrgica. Ao fim das improvisações uma reflexão se fazia necessária para que pudéssemos registrar os momentos de maior importância, as sensações, impressões e novamente, agora com o pensamento já editado pela conversa e com o foco mais objetivado,

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voltávamos a repetir para que as cenas pudessem ganhar uma estruturação definida. Nessa etapa a repetição passava a ser a forma de consolidação das cenas e “de estruturação dramatúrgica”, ou seja, “em que ocorre a seleção do que foi levantado, visando à criação de partituras de ação, esboços de cena e, em seguida, à roteirização propriamente dita.” (ARAÚJO, 2002 p. 106) fazia com que surgissem as primeiras versões das dramaturgias, que nessa etapa tratava-se de uma sequência de cenas que oscilavam durante o processo de criação dentro da ordem do próprio espetáculo, tudo mudava a cada novo encontro na sala de ensaio. A improvisação foi nos processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, a força motriz, através dela surgia o embate da criação entre ator e imagem propulsora. Dessa relação estruturaram-se os caminhos para a construção das personagens, que na ação dos atores, criavam ativamente a dramaturgia, e com isso, um complexo de atmosferas que estabeleciam planos de ação e mudanças de energia, possibilitando o campo de atuação para os demais profissionais envolvidos, como o iluminador, o cenógrafo, por exemplo, fazendo dos mesmos, improvisadores e criadores ativos de todo o espetáculo. A improvisação cênica gera a ampliação da imaginação criativa. Através do jogo os atores e o diretor podem conectar os seus universos imaginário-expressivos. Quando este estado de prontidão é alcançado, configura-se um lócus laboral de criação, retroalimentação e elaboração das imagens poéticas em torno de uma ideia inicial. A conexão dos universos criativos só é realizada mediante a aptidão de reagir aos impulsos e propostas dos outros artistas na hora do jogo, no calor da cena. (FERREIRA, 2009, p. 53)

A imagem propulsora é o que sustenta os processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Essa imagem quando abordada pelo trabalho do ator, a partir da improvisação, se dissipa em várias bifurcações, gerando múltiplas possibilidades de construções cênicas o que acaba configurando o processo como uma estrutura caótica, em crise, um sistema que pulsa em busca de uma organização: o espetáculo.

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O fato é que no início dos processos criativos dos espetáculos (“Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”), existia uma ideia inicial, um centro de gravidade onde se encontravam também todos os princípios para a criação dos demais elementos da cena, foi na sala de ensaio, através da improvisação, que se estabeleceu o jogo, e dessa forma, a imagem propulsora bifurcava, sinalizando e construindo variados caminhos para a criação do espetáculo, ao mesmo tempo em que ela norteava a escolha, evidenciando por onde o processo deveria caminhar.

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Capítulo 2

O processo criativo da iluminação cênica na sala de ensaio

[...] a luz cênica deve ser entendida não como um elemento separado, mas como um processo que deve fazer parte da construção da cena, isto é, luz e cena necessitam ser pensadas como um processo vivo e co-evolutivo. Não há como compreender o papel que a luz desempenha nesse processo sem levar em consideração a relação de trocas que ela estabelece com a cena, e vice-versa (CAMARGO, 2006, p.11).

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2.1- A iluminação cênica como linguagem ativa na era da encenação. Para compreender os processos de criação da iluminação cênica no teatro, sobretudo na perspectiva de entendê-la como linguagem, requer que reflitamos sobre a “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61). Um movimento europeu que repensou o fazer teatral no ocidente, a partir do final do século XIX, e principalmente ao longo do século XX.

Nesse período aconteceram

grandes avanços tecnológicos na área da iluminação cênica que aprimoraram tecnicamente os refletores, possibilitando cada vez mais opções de utilização dos mesmos e pesquisas que se voltaram para entender o papel da luz no espetáculo, tanto tecnicamente como artisticamente.

A encenação fez

perceber “que a função da iluminação não é apenas dar visibilidade ao espetáculo, mas sim, e principalmente, compor juntamente com outros instrumentos do espetáculo, um discurso cênico coerente e articulado” (ARAÚJO, 2005, p. 124). Historicamente sabemos que a lâmpada elétrica foi criada no século XIX, e que logo após de ter sido descoberta, foi sendo aprimorada para que o seu uso pudesse ser ampliado para todos os lugares em que o ser humano habitava.24 Esse processo tecnológico que se desenvolveu com a luz a partir do advento da eletricidade, unindo-se à força do movimento da encenação, possibilitou o surgimento de um novo olhar para o entendimento da iluminação cênica teatral, o que potencializa a ideia de que “enquanto for registrada a presença da luz, será imprescindível sua abordagem como sujeito estético” (TUDELLA, 2012, p. 14). [...] as técnicas nascidas do progresso e da investigação científica, das fórmulas propostas pela indústria, introduziramse, a pouco e pouco, no teatro, a partir do final do século passado. E, sobretudo, a luz, depois de ter sido apenas um meio de iluminar, tornou-se um dos fatores essenciais da encenação, um dos principais elementos do espetáculo. (BABLET, 1964, p. 290) 24

Sabe-se que antes da lâmpada elétrica em 1849 já se utilizava a de arco-voltaico que produzia uma luz muito branca e só poderia acender e apagar de uma vez. Já a lâmpada incandescente o seu fluxo de elétrons pode ser controlado o que permite uma graduação de intensidade do escuro à claridade total.

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Podemos analisar alguns pontos na “era da encenação” (DORT, 1977, p. 71) que vão de maneira determinante transformar o fazer e o pensar teatro no século XX. O primeiro é o surgimento do encenador que passa a ser considerado como “o gerador da unidade, da coesão interna e da dinâmica da realização cênica. É ele quem determina e mostra os laços que interligam cenários e personagens, objetos e discursos, luzes e gestos.” (ROUBINE, 1998, p. 41). Age a partir de um ideal, de um conceito e principalmente de um sentido particular, que se coletiviza, para compor o espetáculo. Seus propósitos para a criação cênica têm objetivos claros. Complexo é o caminho das descobertas na sala de ensaio. Segundo Bernard Dort, antes do surgimento do encenador: Ainda no século XIX era muitas vezes um ator que, segundo suas afinidades, gostos literários pessoais ou segundo a autoridade que tinha sobre seus companheiros, se encarregava da organização material do espetáculo, daquilo enfim que chamaremos sua “direção” (ou esta função era assumida pelo cenógrafo, pelo diretor do teatro, ou pelo maquinista chefe). Hoje esta confusão de funções não mais existe: a encenação não vem se acumular a outra função. [...] é uma atividade em si, geralmente, assumida por alguém que a ela se dedica integralmente, excluindo-se de qualquer outra tarefa. (1977, p. 62)

Na

encenação

tudo

que

compõe

o

espetáculo

precisa

estar

rigorosamente dentro de um sentido, exatamente a força motriz, a ideia central, ou seja, o elo de comunicação entre cena e espectador. Esse pensamento gera uma compreensão que entende que os elementos cenográficos não devem ser postos no palco de maneira a decorar a cena, pelo contrário, tudo precisa agir em torno do sentido da encenação. É nessa perspectiva que passaram a surgir artistas-pesquisadores com um olhar voltado para o processo criativo da iluminação e demais elementos, tais como cenografia, maquiagem, figurino e etc. Dessa forma iluminadores, cenógrafos, figurinistas tornaram-se artistas presentes no processo criativo dentro da sala de ensaio. O grande diferencial é que as concepções passam a ser norteadas pelo mesmo sentido que impulsiona o encenador, o que de fato vai mover a criação na sala de ensaio, é a interação de diálogos e de experimentações práticas,

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orquestradas pelo um mesmo objetivo, um mesmo desejo que constantemente é atualizado devido a incessante pulsação da criação. O encenador é então a figura que sinaliza percursos para o processo criativo da encenação e os demais artistas o encorajam gerando um elo de confiança e de proposições que fortalecem a criação na sala de ensaio. [...] reconhecemos o encenador pelo fato de que a sua obra é outra coisa – e é mais – do que a simples definição de uma disposição em cena, uma simples marcação das entradas e saídas ou determinação das inflexões a gestos dos intérpretes. A verdadeira encenação dá um sentido global não apenas à peça representada, mas à prática do teatro em geral. Para tanto, ela deriva de uma visão teórica que abrange todos os elementos componentes da montagem: o espaço (palco plateia), o texto, o espectador, o ator. (ROUBINE, 1998, p. 24)

Dentro da perspectiva histórica e, sobretudo, para termos um exemplo, podemos analisar o Teatro da Corte de Meiningen, mantido e dirigido pelo duque George II, na Alemanha25, considerado no final do século XIX, pioneiro e de grande importância para a compreensão do conceito de encenação, principalmente, no que se diz respeito à relação mais elaborada e processual dos elementos cenográficos que compõem o espetáculo. [...] foram os grandes inovadores: a autenticidade dos seus cenários, figurinos e objetos de cena não só é pioneira como influenciou, com as suas famosas tournées pela Europa, vários encenadores como Stanislávski e Antoine, dando início à era das reconstituições arqueológicas e ao realismo histórico, que terá grande influência nas técnicas do espetáculo [...] Em relação à iluminação havia o mesmo esmero técnico e cuidado com a precisão na escolha do posicionamento dos equipamentos, visando maior realidade nos ângulos de incidência da luz. [...] Mas a grande inovação dos Meininger, que pontua uma mudança fundamental de procedimento em relação à iluminação cênica, se deve ao fato do Duque Georg II ensaiar com a luz pronta (assim como cenário e figurinos), permitindo uma relação pensada e experimentada entre o espaço e a sua ocupação, entre a luz e a marcação do espetáculo. Essa necessidade de ensaiar com a luz de cena, que na prática significa o ineditismo de ensaiar a própria ação da luz, diferia dos costumes da época, onde a iluminação só encontrava com os intérpretes, na hora apresentação. (FORJAZ, 2008, p. 70)

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Em funcionamento até os dias de hoje.

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O fato da Cia. Meiningen ensaiar com os elementos cenográficos pensados, construídos e elaborados de acordo com a encenação, descortinou um caminho de descobertas sobre o processo criativo da luz, por exemplo, ressaltando o quanto é necessário e importante que toda a equipe do espetáculo, sobretudo o ator, tenha contato com a cenografia, iluminação, figurino para estar cada vez mais imbuído do sentido global da encenação. É nessa perspectiva que entendemos que é extremamente necessário que os processos criativos na sala de ensaio interajam em todas as etapas, para que todos

os

artistas

estejam

envolvidos

conscientemente

com

a

ação

dramatúrgica da iluminação, bem como com a compreensão do papel da cenografia, figurino e maquiagem na execução do espetáculo. Em se tratando especificamente da luz no século XX, o conceito de encenação se modificava e principalmente se ampliava a cada nova vanguarda. No caso do teatro naturalista, por exemplo, percebemos nas pesquisas que abordam os trabalhos de grandes encenadores tais como André Antoine e Constantin Stanislávski, que pelo fato do espetáculo ser uma tentativa mimética da realidade, exige que a iluminação tivesse uma atuação mais determinante e limitada nos processos de significação da cena, sua função era meramente descritiva. É preciso reconhecer que em se tratando do realismo, de fato, não podemos nos utilizar de alguns efeitos de luz ou de cores na cena, pois não é possível de maneira repentina, um foco de luz em formato de círculo ou retangular, atravessar o teto de uma casa e se fazer presente numa sala de jantar, a não ser que algo aconteça para que esse efeito possa ter uma ação justificada e contundente na cena. Os espetáculos teatrais que são criados nessa perspectiva do realismo na contemporaneidade, estão cada vez mais buscando estratégias de apresentarem, não somente uma luz que torne visível a cena, mas que possa também construir significados e ter uma ação expressiva na construção cênica. Ainda no século XX temos no simbolismo uma compreensão da construção cênica diametralmente oposta ao que o naturalismo entendia. A diferença principal é que o simbolismo no teatro se dedica a criação fabulosa e fantástica, numa perspectiva que instala cenicamente ambientes mais diversos

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e distantes possíveis da noção de realidade. A poesia é levada à cena através da dramaturgia, da interpretação e, sobretudo, a partir dos elementos cenográficos que conseguem na estética simbolista uma atuação expressiva, totalmente importante para a compreensão sígnica do espetáculo teatral. Para (CAMARGO, 2006, p. 13), na estética simbolista é que “Pela primeira vez, foi possível perceber que a luz trocava informações com a cena”, deixando de ser um elemento apenas pictórico, no sentido de descrever cenograficamente um espaço, e atingindo “uma concepção de luz diretamente vinculada à dinâmica, à mobilidade do fenômeno cênico”. Adolph Appia foi um grande pensador da luz no teatro influenciado pelo simbolismo, que evidenciou a iluminação na perspectiva de considerá-la como um elemento aglutinador dos elementos cenográficos. Refletia sobre a cena como um lugar em que todas as suas partes se amalgamavam para produzir uma unidade viva, pulsante, absolutamente contundente e mantenedora de um mesmo sentido. A iluminação para Appia não deveria ser apenas descritiva ou simuladora da realidade, sua atuação no espetáculo é muito mais que criar paisagens pictóricas para sugerir um determinado espaço. A questão principal é investigar o fenômeno da luz como elemento integrado ao fluxo da cena, àquela realidade física que se apresenta num dado momento e com a qual a luz negocia, troca informações, como parte de um organismo vivo. Em outras palavras, não basta criar uma luz que possibilite vislumbrar a cena enquanto paisagem, quadro ou fotografia, com a intenção de imitar a realidade ou simbolizá-la de algum modo. É necessário entender a luz como algo que vibra e acompanha o fluxo da cena e não como um elemento de representação que obedece às didascálias do texto ou às „deixas‟ e marcas preestabelecidas na mesa de operação. Appia refere-se à luz como aglutinador de todos os elementos cenográficos. Segundo ele, nenhum dos códigos visuais do teatro dispõe de autonomia. Ao contrário, todos se complementam, produzindo uma unidade viva. (CAMARGO, 2006, p. 55-56)

Outra questão sobre a encenação é a que corresponde “a explosão do espaço” refletida e abordada por Jean-Jacques Roubine (1998, p. 81). É preciso que entendamos o espaço sob duas perspectivas, a primeira no sentido de uma popularização do teatro, ou seja, o espetáculo deixa de ser algo absolutamente fechado para a elite, e, passa a ser, um lugar para a apreciação

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de um trabalho artístico oferecido para toda a população; e em segundo lugar, a noção de cena ampliada, podendo ser qualquer espaço o lugar para que o fenômeno teatral possa acontecer “cuja natureza extrapola o campo da materialidade e opera a travessia entre aquilo que consideramos concreto e aquilo que consideramos existir apenas no nosso imaginário” (ARAÚJO, 2005, p. 84). Algumas encenações durante o século XX é que vão elucidar esse pensamento e por isso modificaram a relação espacial entre espetáculo e espectador. Os trabalhos de Jerzy Grotowski no teatro das 7 Filas em Wroclan na Polônia, são exemplos de espetáculos que mudaram de maneira determinante a relação do espectador com a encenação: “Renunciamos a uma área determinada para o palco e para a plateia: para cada montagem, um novo espaço é desenhado para os atores e para os espectadores. Dessa forma, torna-se possível infinita variedade no relacionamento entre atores e público. Os atores podem representar entre o espectadores, estabelecendo contato direto com a plateia e conferindo-lhe um papel passivo no drama (por exemplo, as nossas montagens de Cain, de Byron, e de Shakuntala, de Kalidasa). Ou os atores podem construir estruturas entre os espectadores e dessa forma incluí-los na arquitetura da ação, submetendo-os a um sentido de pressão, congestão e limitação de espaço (como a montagem de Acropolis, de Wyspianski). Ou os atores podem representar entre os espectadores, ignorando-os, olhando “através” deles. Os espectadores podem estar separados dos atores – por exemplo, por um tapume alto que lhes chegue ao queixo (como a montagem de O Príncipe Constante, de Calderón); dessa perspectiva radicalmente inclinada, eles olham para os atores como se vissem animais numa arena, ou como estudantes de Medicina observando uma operação (além disso, o olhar para baixo confere à ação um sentido de transgressão moral). Ou então a sala inteira é usada como um lugar concreto: a última ceia de Fausto, no refeitório de um mosteiro, onde ele recebe os espectadores que são convidados de uma festa barroca servida em enormes mesas cujos pratos são episódios de sua vida. A eliminação da dicotomia palco-plateia não é o mais importante: apenas cria uma situação de laboratório, uma área apropriada para a pesquisa.” (GROTOWSKI, 1971, p. 6)

A iluminação cênica na encenação passa a ser “A Fada Eletricidade, [...] deslumbrando o espectador, facilmente conquistado pela magia do efeito e da ilusão de um mundo irreal." (BABLET, 1964, p. 289), ou seja, é a capacidade

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de reinvenção do espaço cênico no sentido de criar sobre ele inumeráveis possibilidades de “lugares teatrais” (MANTOVANI, 1989, p. 7) 26. O público durante todo o século XX se deparou com uma propulsão de espetáculos ligados a variados conceitos vanguardistas. Estamos refletindo sobre um período de grandes reviravoltas sociais que vão influenciar diretamente a arte. Os movimentos de vanguarda tais como o simbolismo, expressionismo, o teatro épico e moderno modificaram intensamente, cada um a seu modo, os procedimentos de criação da encenação em todos os seus aspectos. A iluminação cênica por sua vez, na medida em que foram sendo aprimorados os seus equipamentos, constituiu-se como um elemento cênico de grande importância que pode “modificar” (SERRAT, 2006, p. 44) o espetáculo, tanto no seu aspecto visual, mas principalmente, na sua semântica. A possibilidade de controlar a luz através de mecanismos elétricos faz com que o homem se volte para a iluminação cênica com um olhar criativo e, sobretudo, de pesquisador. A luz começa a ganhar movimento na cena, ajuda na criação de paisagens, edita os espaços escondendo e revelando a cenografia e o ator, constrói focos em diversos formatos geométricos e sua intensidade pode ser da escuridão à claridade total. Essas novas dinâmicas é que começam a despertar um novo olhar para a construção cênica da luz no século XX, especialmente, para o seu entendimento sígnico no teatro. É nessa perspectiva que acreditamos ter iniciado de maneira mais enfática a compreensão da iluminação cênica como uma linguagem de incomensurável importância para a criação teatral, e, devido a isso, o seu processo de criação passa a ter rigor e valor na sala de ensaio. Antonin Artaud, artista de teatro, poeta, dramaturgo que viveu de 1896 a 1948, presenciou a “linguagem da encenação teatral” (ROUBINE, 1998) no seu auge de transformação ininterrupta. A partir dessa experiência escreveu um livro intitulado “O Teatro e seu duplo” que apresenta apontamentos críticos ao teatro feito no ocidente, através de uma comparação com o do oriente e, além 26

A luz elétrica só foi utilizada no palco no ano de 1849 na ópera Meyerbeer. Sua função foi a de criar e demonstrar o sol nascente, fato que maravilhou o público. Os experimentos de utilização da luz apenas como um elemento que passará a possibilitar criar ambientes da realidade vai fazer com que essas técnicas se espalhem ligeiramente pela Europa.

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disso, reflete sobre o processo de criação no teatro, evidenciando o potencial semântico que tem os elementos cenográficos, sobretudo a iluminação. Artaud (2006, p. 92) se refere a uma luz “que não é feita apenas para colorir ou iluminar e que traz consigo sua força, sua influência, suas sugestões”, ou seja, é compreendida como uma linguagem que não está ligada a uma expressão verbal para ser entendida, sua natureza é física e sensorial, não estabelece significação por meio de palavras, age na cena teatral através de uma compreensão que se dá na sensibilidade do espectador. Esse agir pelo sensível se trata de uma “linguagem concreta” que se articula no teatro através da “música, dança, artes plásticas, pantomima, mímica, gesticulação, entonações, arquitetura, iluminação e cenário”, reconhecendo que cada um desses elementos tem uma “poesia própria, intrínseca” (ARTAUD, 2006, p. 38). Embora Antonin Artaud esteja no seu livro fazendo uma crítica ao teatro ocidental, sobretudo ao naturalismo que “obedece à expressão através dos discursos, das palavras” (Ibidem. p. 35), ele nos possibilita alargar os níveis de compreensão dos elementos cenográficos que estão presentes na cena, reconhecendo-os como fatores que se estabelecem como “linguagens ativas”, ou seja, que são responsáveis pela significação do espetáculo tanto quanto a palavra. A forma como a luz é concebida, organizada e colocada em prática, requer princípios criativos específicos, ou seja, os percursos criados e elaborados estrategicamente para que a iluminação consiga dialogar com a cena instalando uma ação determinante na encenação. A luz intervém no espetáculo; ela não é simplesmente decorativa, mas participa da produção de sentido do espetáculo. Suas funções dramatúrgicas ou semiológicas são infinitas: iluminar ou comentar uma ação, isolar um ator ou um elemento da cena, criar uma atmosfera, dar ritmo à representação, fazer como que a encenação seja lida, principalmente a evolução dos argumentos e dos sentimentos etc. Situada na articulação do espaço e do tempo, a luz é um dos principais enunciadores da encenação, pois comenta toda a representação e até mesmo a constitui, marcando o seu percurso. Material milagroso de inigualáveis fluidez e flexibilidade, a luz dá o tom de uma cena, modaliza a ação cênica, controla o ritmo do espetáculo, assegura a transição de diferentes momentos, coordena os outros ritmos cênicos colocando-os em relação ou isolando-os. (PAVIS, 2008, p. 202).

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Todos esses pontos históricos tocados até agora à respeito da iluminação cênica no teatro, demonstram que houve um processo longo para que pudéssemos entendê-la como um sistema determinante na construção da semântica teatral. Durante o teatro moderno, período que corresponde até meados do século XX, é que vamos ter um olhar ainda mais apurado para essa questão, ou seja, a luz passa a ser um elemento utilizado intensamente para ajudar a compor as noções de significação de um espetáculo, principalmente as que estão ligadas às questões de tempo e espaço da encenação. Em se tratando de Brasil, muitos artistas se profissionalizaram na condução criativa da luz e passaram a se dedicar sobremaneira ao seu processo minucioso de ação na cena. É no modernismo do teatro que a encenação vai iniciar uma propulsão de novos iluminadores para suprir a demanda significativa da luz para a construção de espetáculos, isso abriu espaços para se desenvolverem pesquisas e pensamentos que objetivam construir uma epistemologia para se compreender a luz enquanto linguagem. A linguagem da luz [...] interrompe a ação, quebra a lógica linear, fragmenta a narrativa. Mais do que isso, na medida em que a luz rege o que é visível, e como é visível, ela pode iluminar várias ações ao mesmo tempo, porém de forma diferente, separando e multiplicando os planos de realidade. A luz coloca em cena vários tempos em um mesmo espaço, ou vários espaços visíveis ao mesmo tempo. Muitas vezes, em não-lugares ou não-tempos, outras vezes, aqui e agora, convidando a plateia a uma quebra da própria ideia de espaço e tempo. (FORJAZ, 2010. p. 154)

A iluminação no teatro contemporâneo além de dialogar diretamente com a citação, adota com mais rigor, as questões criativas da luz desde o primeiro momento da criação, exatamente quando o espetáculo ainda está nas ideias. As criações da iluminação, e de todos os outros elementos cenográficos que compõem a cena, são realizadas paulatinamente a cada novo ensaio, como um ator que cria seu personagem. A cena é pensada em sua totalidade onde todos os elementos cenográficos agem juntos construindo a cena. Mesmo que não haja cadeira, mesa ou qualquer objeto que comporá o cenário há sempre uma busca de tentar materializar nos ensaios, aquilo que será de fato a cenografia do espetáculo. Do mesmo modo se dá com o processo da iluminação. Podemos ensaiar com luz mesmo que os refletores não estejam

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presentes. É preciso compreender a iluminação cênica como um processo que se desenvolve concomitante a criação das cenas. Na medida em que se definem os aspectos cenográficos do “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7) do espetáculo, se definem as atmosferas e as noções de tempo da dramaturgia. Nessa perspectiva podemos até pensar a iluminação cênica como um elemento que está completamente imbricado à cena. É claro que essa compreensão só pode ser articulada num processo criativo, se os artistas compreenderem que toda e qualquer cena desenvolvida por um ator, já contém presente uma luz possível, uma ambiência, uma atmosfera que sugere uma ação da iluminação. A sala de ensaio na criação teatral é o lugar onde as trocas de experiências acontecem a partir do desenvolvimento do processo criativo. O diálogo entre os artistas que nela se encontram, é enriquecedor nas suas mínimas especificidades. Estamos falando de um espaço absolutamente pedagógico e artístico, em que o conhecimento é construído em coletivo, a partir de um objetivo que é o de compor a encenação. É na sala de ensaio que se inicia a criação da cena e com isso de todos os elementos cenográficos que constituem o espetáculo. O ator ao iniciar o seu trabalho na “construção da personagem” (STANISLAVSKI, 2005, p. 28), estabelece princípios espaciais e filosóficos que dão provimento para a criação dos demais elementos da cena. Esse trabalho quando observado pelo iluminador, resulta na concepção de uma possível iluminação para as cenas que emergem da atuação ativa e viva do ator. A presença do iluminador na sala de ensaio pode estimular um interesse no ator para entender a luz na cena em que atua, uma consciência que só é possível, se ultrapassarmos o pensamento de que a iluminação só pode ser compreendida se estiver materializada através da eletricidade e dos refletores. Estamos propondo pensar uma luz que antes de sua tecnologia é sensação, emoção, leitmotiv, atmosfera, a própria cena. É na relação que se estabelece na sala de ensaio entre ator e iluminador, cenógrafo e figurinista, maquiador e ator, e depois uma interação geral entre todos, que se pode identificar um processo pedagógico que entende

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que o teatro é uma arte do encontro entre pessoas que têm experiências, histórias de vida e que cada artista tem o seu espaço criativo dentro do espetáculo, ou seja, uma função da qual a obra necessita para se fazer existir no seu sentido pleno almejado. Na sala de ensaio todos colocam suas questões, seus desejos e inquietações para serem transformadas em teatro. Para que possamos entender a sala de ensaio como um lugar em que se estabelece uma pedagogia entre os participantes, é necessário que rompamos com os limites que são, às vezes, impostos, por um pensamento que restringe o ato de ensinar e aprender somente à sala de aula. Um processo criativo estabelece uma união de conhecimentos que se articulam através de um diálogo intenso, gerador de uma complementaridade entre todas as partes do espetáculo. Essa interação potencializa as dimensões pedagógicas que existem dentro de uma sala de ensaio. Os conhecimentos são as ferramentas para o trabalho e por isso são colocados na prática, gerando um agenciamento de experiências que se constitui como um arcabouço de ensinamentos e aprendizagens, que possibilita

a

transculturalidade,

que

gera

um

espaço

em

que

a

interdisciplinaridade é o elemento que põe em movimento a troca e o processo criativo do espetáculo. Esta rede de conhecimentos, relações, sentidos e significados, encontram na ideia de Encenação, enquanto espaço de representação e síntese do fenômeno teatral, o meio pelo qual o teatro se apresenta como forma estética, poética e semântica, cuja produção é capaz de mobilizar uma ação cultural educativa, articulando diferentes saberes, conhecimentos, técnicas, tecnologias, funções e razões. (ARAÚJO, 2005, p. 57)

Essa troca de experiências na sala de ensaio faz com que o processo criativo alargue as noções de autoralidade e de aprendizado, possibilitando que a interdisciplinaridade entre os conhecimentos, desperte interesses, entre os artistas participes do processo, em experimentar o universo criativo de outros elementos cenográficos. O que pode acontecer naturalmente é que algum artista possa hibridizar a concepção de linguagens dentro de um mesmo processo, ou seja, podem emergir “atores dramaturgos” como “encenador cenógrafo”

“maquiador

figurinista”

e

assim

sucessivamente,

infinitas

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possibilidades para o artista se aventurar nos caminhos criativos na sala de ensaio. Essas hibridizações é que potencializam o sentido da formação de artistas de teatro dentro da sala de ensaio. É no percurso da criação, às vezes complexos, que as experiências de um iluminador, por exemplo, se tornam a formação de um ator que não sabe dialogar com os princípios criativos da luz ou vice-versa. O que não podemos deixar de reconhecer é essa natureza absolutamente pedagógica e artística que existe na sala de ensaio e que possibilita a construção e a formação de artistas. Partiremos agora para um recorte que objetiva compreender como a iluminação cênica é articulada dentro desse espaço, como os demais profissionais se relacionam com o seu processo criativo e, sobretudo como a sua linguagem contribui para o desenvolvimento da construção cênica dos demais elementos do espetáculo.

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2.2 – Apropriações da iluminação cênica no processo criativo. Para (CAMARGO, 2006, p.10), em um espetáculo teatral “a luz cênica deve ser entendida não como um elemento separado”, o seu processo criativo desenvolve-se concomitante ao processo de criação, ou seja, “luz e cena necessitam ser pensadas como um processo vivo e co-evolutivo”.

Nessa

perspectiva compreendemos que a iluminação cênica não se articula em um espetáculo teatral como uma linguagem à parte, mas sim, como algo que está completamente imbricado e presente no momento em que a criação na sala de ensaio, gera cenas e constitui paulatinamente o espetáculo. Em muitos espetáculos de teatro são perceptíveis à ação da iluminação cênica desconectada da cena, se desenrola por meio de uma narrativa que acaba por constituir uma apresentação à parte. Esse problema é muitas vezes decorrente de dois aspectos: da falta de uma compreensão dos artistas envolvidos no processo criativo, da importância da iluminação cênica ser articulada na sala de ensaio, desde o primeiro ensaio; ou quando existe um iluminador que não entende que o seu trabalho é fazer significar junto com a encenação o “um sentido global” (ROUBINE, 1998, p. 24). O pensamento de Eduardo Tudella nos acrescenta outras questões que levam a iluminação cênica para fora da sala de ensaio. Ainda hoje se tem notícia de espetáculos contemporâneos que estreiam sem um único ensaio para a luz. Em parte, por pressões de natureza econômica que obrigam um diretor e sua equipe a levar à cena um espetáculo por amadurecer. Afinal, pode não ser suficiente ensaiar exaustivamente fora do teatro – ou local onde o evento vai ocorrer – chegando aí apenas num momento tão próximo da estreia que não permite qualquer amadurecimento da visualidade, o que inclui ensaios de luz. (2012, p. 20)

Existe um pensamento hermético que contribui para a ausência da criação da iluminação cênica, desde o princípio do processo criativo. Trata-se de um entendimento que não é na sala de ensaio, mas em outro lugar, que se encontram os refletores e toda a estrutura elétrica para poder assim ter de fato a luz. Esse pensamento, portanto, compreende que para se criar ou pensar

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uma iluminação cênica para um espetáculo, é de extrema importância que se saiba de eletricidade. Sabemos que essa realidade está mudando. É muito fácil de notar, basta olharmos as fichas técnicas de espetáculos durante um festival de teatro e perceberemos que atores estão se propondo a exercer outros processos criativos no espetáculo em que atuam, assim como cenógrafos que concebem o figurino e etc., ou seja, os elementos cenográficos ganham espaço no processo criativo na sala de ensaio. Compreendemos que a ação da iluminação cênica no teatro se dá principalmente, por meio dos signos estabelecidos na construção da cena. Opõe-se ao caminho que compreende que só se pode pensar iluminação através de sua técnica e passa a entendê-la pela sensorialidade, onde as emoções despertadas no jogo da cena são as “imagens propulsoras” (FERREIRA, 2009, p. 49) para a criação atmosférica da luz. Qualquer artista na sala de ensaio que se permitir a entender sobre esse último aspecto, saberá expressar suas impressões para o processo criativo da luz cênica e com isso criar intersecções com o seu processo criativo. Na sala de ensaio todos precisam mirar um mesmo foco. As ligações que são estabelecidas entre o trabalho de um artista e de outro, são absolutamente necessárias para a construção da encenação. Quanto mais o iluminador entender dos processos criativos das personagens, da cenografia, figurino, maquiagem e demais elementos cenográficos, mais ele estará caminhando dentro de um percurso que evitará a criação de uma iluminação que demonstre somente as qualidades tecnológicas dos refletores, ou que não se apresente como um elemento que constrói a narrativa da cena. O que se estabelece entre todos os envolvidos no processo criativo é um jogo que está para ser jogado através da imaginação. Para que o elenco entenda as ideias de um iluminador na sala de ensaio é necessário se deixar levar pelo fluxo das imagens que as proposições do mesmo despertam. Evidentemente a luz não será imaginada tal qual se passa na mente do iluminador, mas pelo menos suas bases estéticas e sensoriais são minimamente transmitidas para enriquecer os processos criativos dos demais elementos cenográficos do espetáculo.

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Podemos pontuar duas estratégias que permeiam o processo criativo da iluminação cênica na sala de ensaio, uma em que o iluminador aparece somente nos momentos finais do processo de criação e a outra em que o iluminador participa ativamente do processo, desde o primeiro dia de ensaio. Nas duas metodologias o trabalho criativo da luz cênica deve se fazer presente de maneira rigorosa, uma opção não é a mais correta do que a outra. Em ambas as alternativas a iluminação é desenvolvida de acordo com os princípios estéticos

da

encenação,

dando

provimento,

principalmente,

para

a

compreensão da cena, fazendo parte inteiramente dos seus sentidos e emoções, deve tornar-se uma luz que se integra ao ponto de se fazer imperceptível. Tanto em um modelo como no outro, o iluminador na sala de ensaio, precisará expor suas ideias de maneira concisa e principalmente se deixar invadir com novas propostas que possam vir a ser discutidas numa roda de conversa. O elenco durante os ensaios, principalmente nos momentos finais do processo criativo, tem sede de retornos, feedbacks, quanto mais pessoas assistirem aos ensaios, mais a equipe tentará sugar desse espectador as suas compreensões e impressões, portanto, o iluminador, que está presente na sala de ensaio é sempre um espectador com uma fonte de novas reflexões sobre o constructo cênico, ele necessita ao máximo possível estabelecer uma pluralidade de possíveis leituras para assim desenvolver o seu desenho de luz. O iluminador muitas vezes é tido pelo elenco como aquele sujeito que vai apresentar um discurso sobre as atmosferas, as cores, a maneira como a luz envolverá a cena e principalmente como ela passará a ser um elemento completamente imbricado e ser o próprio espetáculo. Um discurso que não deve ser distante e muito menos incompreensível pelos demais artistas, se um encenador, por exemplo, não souber compreender imageticamente a proposição de um iluminador, o jogo para a criação é de alguma forma estagnado, ou seja, é necessário que todos tenham minimamente algumas noções básicas de iluminação, tanto no sentido técnico, ou seja, compreender o que é um foco ou um corredor de luz, como também no aspecto criativo nas composições de atmosferas, penumbras, luzes frias ou quentes.

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A intenção da presente dissertação não é impor que os artistas da sala de ensaio da criação teatral façam cursos técnicos ou busquem uma formação na área da luz, se houver uma disponibilidade para entender o processo criativo do iluminador, já será aí uma grande escola. Quando o iluminador não está presente desde o início do processo na sala de ensaio, suas estratégias se modificam, principalmente no que diz respeito a um processo criativo mais objetivo, pois muitas vezes só lhe restam algumas semanas para concluir um desenho de luz para o espetáculo. O iluminador vai ao ensaio e assiste uma passada do trabalho na íntegra. Muitos fazem anotações e já pensam as melhores estratégias de angulação dos refletores para conseguir determinados desenhos; registram possíveis cenas que devem ter uma pontuação de iluminação diferenciada; ficam atentos às suas sensações e impressões advindas da sua reação em relação às cenas assistidas para extrair as noções de emoções que podem se transformar em possíveis atmosferas. O processo de criação do iluminador após se debruçar e se permitir fazer presente na sala de ensaio, e, principalmente, se compreender como agente ativo da equipe, vai se tornar potente na sua vida, pois o processo vai tomar os seus percursos e tudo o que estiver à sua volta poderá ser inspiração para a construção da luz. Trata-se, portanto, de um processo que dialoga em um mesmo tempo com as questões sensíveis da criação e a tecnologia dos refletores, esses, serão os instrumentos que possibilitarão expressar os anseios e inquietudes do iluminador. O seu trabalho vai do que é meramente subjetivo ao que é físico e químico, o iluminador para expressar sua arte se transforma num filtro que decanta a ideia para a materialidade da luz. Esse processo em que um iluminador conversa com o elenco de atores para expor suas questões, pode ser analisado pelo viés pedagógico como uma sala de ensaio-aula, pois todos passam a apreender as funções da luz somente a partir das ideias do iluminador. É importante frisar que toda a equipe de um processo criativo está trabalhando em torno de uma encenação que tem seus objetivos específicos e que devido a isso se constroem limites para a criação, ou seja, existe uma consciência sobre por quais caminhos o processo criativo deve caminhar, o que facilita o diálogo e a compreensão das proposições entre

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todos os participantes, que vão pensar a criação dos elementos em torno de um mesmo foco. A troca de experiência é sempre um passar de memória, portanto de sabedoria. Mesmo que não exista a presença de um iluminador durante todo o processo criativo do espetáculo “o grupo pode encontrar ou discutir soluções de iluminação para as cenas, tornando a luz mais próxima ao contexto de criação do espetáculo” (COSTA, 2010, p. 47).

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Capítulo 3

A Iluminação cênica no trabalho do ator de teatro.

A cena é um espaço vazio, mais ou menos iluminado e de dimensões arbitrárias. Uma das paredes que limitam esse espaço é principalmente aberta sobre a sala destinada aos espectadores e forma, assim, um quadro rígido, para além do qual a ordenação dos lugares é rigidamente fixada. Se o espaço da cena espera sempre uma nova ordenação e, por consequência, deve ser apetrechado para mudanças contínuas. É mais ou menos iluminado; os objetos que lá se colocam esperam uma luz que os torne visíveis. Esse espaço não está, portanto, de qualquer maneira, senão em potência (latente) tanto para o espaço como para luz. - Eis dois elementos essenciais da nossa síntese, o espaço e a luz, que a cena contém em potência e por definição. (APPIA, s/d, p.32)

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3.1 – O trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos. A arte teatral se dá pela união de vários conhecimentos que interdisciplinarmente constroem, por exemplo, uma encenação, cujo objetivo é comunicar um sentido global gerado através de um discurso “polifônico” (MALETTA, 2005, p. 50). O espetáculo que chega ao espectador se constitui e instala os signos, a trama, as atmosferas, as emoções, a teatralidade. Para Artaud (2006, p. 38), os elementos cenográficos são “linguagens ativas” que possuem uma gramática própria e que cada um oferece um vasto campo para a experimentação e para pesquisa acadêmica, quais sejam: a iluminação cênica, o cenário, a maquiagem, o figurino, o som e o ator. O teatro se constitui como uma arte que é resultante do diálogo entre outras artes. No entanto, sabemos que essa interdisciplinaridade, na história do teatro, dificilmente foi utilizada como pressuposto para o processo criativo na sala de ensaio, quase sempre foi negada. No século XIX o teatro por muito tempo esteve destinado somente às questões dramatúrgicas, os elementos cenográficos, apenas contribuíam de maneira muito simplistas, ou seja, sem uma concepção criativa determinante no conceito da representação. A partir da encenação teatral, os elementos ganham espaço para se colocarem como artes autônomas, e passam a possuir uma poética essencial para a criação. Passamos de uma concepção do teatro herdada do século XIX, na qual o texto dramático estava no centro da representação, a uma prática na qual os diferentes sistemas de signos (entre os quais o espaço, a imagem, a iluminação, o ator em movimento, o som) passam a ter, cada um, maior peso no trabalho final apresentado ao espectador. (RYNGAERT, 1998, p. 66).

Nessa perspectiva do autor, podemos afirmar que esses sistemas só chegam ao espectador como elementos autônomos,

se participarem

ativamente do processo criativo do espetáculo, na sala de ensaio. A partir do momento que a iluminação cênica passa a ter um espaço diferenciado nas criações de cenas, na construção de personagens, sua ação no espetáculo teatral se apresentará de maneira mais contundente, pois haverá um diálogo entre as partes na busca de uma construção única, de uma encenação norteada pela orquestração dos elementos cenográficos.

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No teatro o ator por sua vez, é o responsável por conduzir a ação cênica. Sua ação é a força viva, o ânima que faz com que tudo que esteja em cena possa ter sentido. O ator no teatro dramático27 dedica-se a construir um personagem que enfatiza as ações dos elementos cenográficos na cena. Há uma relação aí que faz com que compreendamos que a criação de um cenário ou de uma iluminação, por exemplo, parte da cena, mas antes de termos a cena, temos um ser que vive e que instala com o seu viver o universo a sua volta. Porém não podemos pensar que a personagem é um elemento fora da encenação, deslocado. Quando criado, necessita da atuação dos elementos cenográficos para construir o sentido de sua própria existência. É necessário que ampliemos o conceito de personagem para algo que extrapola a simples construção de “um, outro”, e vislumbrar a possibilidade de entendê-la para além do corpo do ator, ou seja, os elementos cenográficos que estão em sua volta instalando atmosferas, construindo “lugares teatrais” (MANTOVANNI, 1989, p. 7), contribuindo para as emoções, são como suas extensões que se articulam para criar um todo com minuciosos detalhes, esse todo é o espetáculo. Para Stanislavski (2001), o trabalho do ator é regido por uma “dupla função” (p. 67), que corresponde à ficção e a realidade ao mesmo tempo. Por um lado ele defende com sua personagem a cena, seus paroxismos, cria percursos elaborando uma dramaturgia que é recebida pelo espectador, e o mesmo, tece o sentido do espetáculo. O ator age, portanto, dentro de um universo ficcional que convida o espectador a concordar e a aceitar viver a mesma situação. Por outro lado, o ator é um ser humano comum, está em cena com uma máscara, sem a mesma, ele é alguém que observa o seu público, sente as reações que vêm da plateia e com isso se vê, faz um pacto com os seus espectadores para que juntos possam enveredar nas teias da imaginação. O ator é rachado em dois pedaços quando está atuando. [...] o ator vive, chora, ri, em cena, mas enquanto chora e ri ele observa suas próprias lágrimas e alegria. Essa dupla existência, esse equilíbrio entre vida e atuação, é que faz a 27

Diferenciamos teatro dramático do pós-dramático porque as relações conceituais sobre a personagem se modificam de acordo com a concepção cênica.

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arte. [...] essa divisão não prejudica a inspiração. Pelo contrário, uma coisa estimula a outra. (STANISLAVSKI, 2005, p. 237)

O trabalho do ator há muito tempo deixou de ser apenas decorar um texto, ir para uma sala de ensaio e aprender as marcações. Cada vez mais sua arte se alarga como conhecimento. Durante o processo de criação de um espetáculo, o ator que se preocupa em entender como se dão os outros processos criativos, que se preocupa com a criação e dedicação dos demais componentes da equipe, evidencia o seu caráter de observador e potencializa o seu campo de atuação, na medida em que compreende os motivos pelos quais os seus companheiros constroem uma cenografia especifica ou uma iluminação. Com essa atitude o próprio ator entende o caminho que o espetáculo percorre para atingir um todo. Identificamos em um ator que trabalha dessa forma, uma ética para com os demais artistas envolvidos no processo, mas também, uma relação mais ampliada com o seu fazer, com o seu construir. Da mesma forma que um ator deve estar completamente envolvido na construção de seu personagem, é importante que esteja também ligado ao papel da iluminação cênica na cena em que atua. Qualquer cena, por mais improvisada que seja, apresenta uma estrutura de tempo, espaço, luz, cenário, figurino etc.. Esse grau de percepção amplia a relação entre ator e criação, no sentido de que ele precisa ser o primeiro a reconhecer, que em sua volta, na cena, os elementos cenográficos atuam na construção da narrativa do espetáculo. Quando o ator preocupa-se em entender para além do seu personagem, o como uma cena se articula, o seu trabalho ganha amplitude. Um ator que se deixa imbuir pelo sentido global do espetáculo, contribui ainda mais para a narrativa do seu personagem. Se o ator compreende as atmosferas que a iluminação instala, por exemplo, a luz do ambiente em que sua personagem está vivendo, ou seja, se ele supera o entendimento de que a luz somente serve para iluminá-lo, sua atuação se constituirá ainda mais potente para o espectador, pois estará assumindo com sua personagem a ação, a emoção, o sentido e o significado da luz sobre ele. O cenário, os adereços e todos os elementos externos da produção só têm valor na medida em que acentuam a expressividade da ação dramática, da atuação (...) a luz e o som (...) [Em cena], porém, só são eficazes quando estão

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impregnados de verdade artística, (...) O importante é que tanto o cenário quanto toda a produção de uma peça sejam convincentes (...) para o público e para os atores. (...) O ambiente exerce uma grande influência sobre os seus sentimentos. (...) Se for capaz de produzir o estado de espírito ideal, será mais fácil, para o ator, dar uma conformação aos aspectos interiores de seu papel, influenciando todo o seu estado psíquico e toda a sua capacidade de sentir. Em tais condições, o cenário é um poderoso estímulo às nossas emoções. (STANISLAVSKI, 2001, p. 43-44-45)

Esses elementos cenográficos precisam de ensaios para fazer sentido na cena. Os ensaios criam para o espetáculo, momentos em que a iluminação terá uma ação mais expressiva e desencadeará alguma outra ação, para isso é necessário que o ator compreenda esse fato como se existisse outro ser vivo do seu lado, que ele entenda que é necessário deixar a iluminação cênica agir, não só porque ela foi ensaiada para executar tal ação em determinado momento, mas compreender que essa ação é de extrema importância para a construção da sua ação. Com essa reflexão o ator passa a deixar de pensar que o teatro é somente a sua arte, o seu potencial criativo, ou somente sua boa personagem, um espetáculo não se resume a isso, ele tem um todo que é feito por muitas linguagens que se unem mutuamente para conseguir um trabalho eficaz, completo. O ator não precisa dominar tecnicamente a construção de cenografias e nem entender a tecnologia dos refletores para compreender a atuação dos elementos cenográficos na cena, basta que ele tente construir um ponto de encontro entre o trabalho que faz com a personagem e esses elementos. Esse ponto de encontro que se dá entre os elementos cenográficos e o trabalho do ator, se estabelece também através de vias sensitivas, sensoriais, físicas, emocionais e não somente técnicas. Essa compreensão por parte do ator, em relação a uma noção maior dos meios de criação de um espetáculo, é conquistada na medida em que sua participação nos processos criativos dos elementos cenográficos seja ativa, ou seja, que ele discuta os desenhos de cenografia, luz, figurino, maquiagem e etc. para se utilizar das ideias, das projeções, como “imagens propulsoras” (FERREIRA, 2009, p. 49) para uma construção da personagem mais profunda,

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e, que, objetiva, a conscientização no corpo de um espetáculo na sua totalidade, nos seus meios de fazer realizar o imponderável. Estamos a analisar essa relação entre ator e elementos cenográficos a partir de uma encenação que apresente uma concepção de luz, de figurino, de maquiagem, de cenografia e etc. É necessário evidenciar esse fato porque temos linhas de pensamentos que se contrapõem ao espetáculo que apresente uma ação dramática dos elementos supracitados, como é o caso das reflexões de Jerzy Grotowski, quando se refere ao “teatro rico”. Para ele o ator e o público são as chaves principais para que o teatro possa acontecer. Mas em todos os seus trabalhos são perceptíveis à utilização de cenografia, como por exemplo, a grande mesa para o espetáculo Fausto ou o tapume que ficava na frente do espectador em O Príncipe Constante, e até mesmo os seus atores estavam sempre vestidos, portanto, apresentavam um figurino. O que podemos extrair de reflexão sobre os princípios que Grotowski trabalhava é de que esses elementos cenográficos não podem suprimir o trabalho do ator, não devem significar mais do que ele, mas sim, estabelecer diálogos. Façamos, porém uma análise do seu pensamento em relação à iluminação cênica no “teatro pobre”: Abandonamos os efeitos de luz, o que revelou amplas possibilidades de uso pelo ator, de focos estacionários, mediante o emprego deliberado de contrastes entre sombras e luz forte. É particularmente significativo que, uma vez que o espectador esteja colocado numa zona iluminada, tornando-se assim visível, passe ele também a tomar parte na representação. Ficou também evidente que os atores, como as figuras das pinturas de El Greco, podem “iluminar” com sua técnica pessoal, transformando-se em fonte de “luz espiritual”. (GROTOWSKI, 1971, p. 6-7).

Em relação ao espetáculo, a partir da citação, podemos identificar que não existe uma iluminação cênica com uma ação expressiva, o que fica entendido é que o espaço cênico que envolve público e espetáculo é iluminado de maneira que não há uma separação entre cena e público, o que nos faz questionar: essa luz da forma como está citada, não se trata da luz concebida para o espetáculo? Dizer que não existia iluminação nos espetáculos de Grotowski é incorrer no mesmo erro de dizer que no teatro Greco também não tinha luz. Não podemos esquecer que a iluminação cênica de um espetáculo,

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independentemente se ela foi concebida ou não, se ela é natural ou não, é a luz do momento presente, que fará parte da cena no seu sentido, na sua significação. Grotowski com esse pensamento se opôs ao teatro moderno que utilizou os mecanismos do cinema e da TV para a construção cênica, o que levava o esquecimento do ator e do sentido da encenação, dando margem somente aos efeitos da iluminação, que pareciam desconectados do trabalho, que se colocavam em cena como um espetáculo à parte, não existia a menor ligação entre todos os elementos cenográficos, o que constituía um teatro “sem espinha dorsal ou integridade”. (GROTOWSKI, 1971, p. 5) Concordamos que a integridade dos elementos cenográficos é algo que deve ser elaborado com muito afinco. O teatro é uma arte do encontro entre muitas linguagens para se constituir uma única. A sala de ensaio configura-se no lugar onde essa “espinha dorsal” proposta por Grotowski é construída, é nela, portanto, que as dúvidas devem ser sanadas, que o ator compreende a ação de cada elemento presente na cena, por menor que seja ela, tudo tem um sentido para que tudo possa acontecer. Não existe um responsável para designar que o ator deva dialogar com os processos criativos dos elementos cenográficos, essa ação tem que partir dele. Sua investigação na criação de um personagem deve ser ampla, alargada para além de uma movimentação, ou entonação vocal, e atingir todos os elementos cenográficos, mesmo que tudo não passe de projeções articuladas pela imaginação. Tendo em vista o Teatro como uma Arte essencialmente polifônica, o ator, que é certamente uma das vozes da partitura cênica, deveria apropriar-se das diversas outras vozes responsáveis pelos vários discursos que acontecem simultaneamente no ato teatral: a voz do autor, do diretor, do diretor musical, do diretor corporal, do cenógrafo, do figurinista, do iluminador, etc. Assim, ao incorporar conscientemente, ao seu próprio discurso, vários outros discursos, apropriando-se deles, o ator se tornaria, portanto, um artista polifônico. Em síntese, por tudo que foi exposto, entende-se por ATOR POLIFÔNICO aquele que, tendo incorporado os conceitos fundamentais das diversas linguagens artísticas (literatura, música, artes corporais, artes plásticas, além das teorias e gramáticas da atuação), é capaz de, conscientemente, se apropriar deles, construindo um discurso polifônico através do contraponto entre os múltiplos discursos provenientes dessas

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linguagens; ou seja, pode atuar polifonicamente apropriando-se das várias vozes autoras desses discursos: os outros atores, o autor, os diversos diretores (cênico, musical, vocal, corporal), o cenógrafo, o figurinista, o iluminador e os demais criadores do espetáculo. (MALETTA, 2005. p. 53)

Esse pensamento muito corrobora para o objetivo central dessa dissertação, exatamente o que compreende que essa relação no qual o ator estabelece dentro da sala de ensaio com os demais processos criativos dos elementos cenográficos, é que desenha uma formação diferenciada para ele próprio. O ator deve entender sua arte como um desafio da observação, deve assimilar o seu trabalho através de uma criteriosa análise que o leve a perceber até onde vai sua vida e a personagem que constrói, ou seja, sua capacidade de interpretação é vivida de maneira distanciada, sem que haja uma mistura entre ele e sua personagem ao ponto de embaralharem-se as questões sensíveis e emocionais como já nos propunha Diderot: É a extrema sensibilidade que faz os atores medíocres; é a sensibilidade medíocre que faz a multidão dos maus atores; é a falta absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes. (1973, p. 462).

O oficio do ator é de investigar inumeráveis possibilidades de construir a fantasia, o ilusionismo da arte teatral, portanto, se há essa compreensão na interface entre ator e personagem, por que não haver a mesma na relação com a iluminação cênica e os demais elementos cenográficos? Por que o ator não observa a criação da iluminação cênica no espetáculo que atua? Por que o ator não se coloca como agente ativo de proposições para a criação dos demais elementos cenográficos? Essas indagações já podem ser compreendidas como respostas se retirarmos o sinal de interrogação, para termos exclamações diretas que dialogam precisamente com o objetivo da presente dissertação. Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, tratando do trabalho do ator nos processos colaborativos, de imediato, podemos destacar, a ausência de personagem, o que leva a uma compreensão pós-dramática. É no contato com a “imagem propulsora” na sala de ensaio, que o ator passa a construí-la, dando nome, texto, peso, tamanho, idade, comportamentos psicológicos, cria suas relações, descobre percursos variados, se envolve num emaranhado de dúvidas, até que ele possa chegar a uma estrutura de personagem, que por

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mais construído, sempre estará em processo. O ator cria uma relação forte com essa personagem porque o mesmo foi extraído do seu corpo, de suas memórias e experiências, o ator tem total domínio dessa personagem, conhece-a em todos os seus aspectos de maneira que pode rememorá-la para além do texto e da marca. As emoções dos personagens são vividas e geradas na improvisação, tem a força de algo que não foi editado e estimulado porque no primeiro momento é real, é a própria vida que depois virará cena construída. O impacto dessa emoção fica latente no corpo do ator e sempre terá uma ação expressiva quando levada ao público com o seu trabalho.

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3.2 - O Ator-Iluminador. A presente pesquisa já apontou caminhos que sedimenta uma reflexão a respeito do trabalho do ator em consonância com os elementos cenográficos, mas como se estabelece especificamente a relação entre ator e iluminação cênica? E o que é esse ator-iluminador? O ator quando em cena instala uma integração entre todos os elementos que compõem um espetáculo teatral “é, por excelência, um dos elementos dêiticos do espetáculo. Todo espaço e tempo se organizam a partir dele, como uma espécie de auréola que não o abandona jamais” (PAVIS, 2008, p. 88). Sua movimentação cênica faz com que o tempo e o espaço se tornem dramático, gerando uma rede de significações a ser observada, sentida e experimentada pelo espectador. Nessa perspectiva concordamos com Adolphe Appia que nos propõe entendermos o teatro como uma arte que “dirige-se [...] aos nossos olhos, aos nossos ouvidos, ao nosso entendimento - em suma, à nossa presença integral. (s/d, p. 29). Essa presença do ator em cena é possível graças ao processo criativo do espetáculo, que faz com que ele saiba exatamente os seus percursos durante toda a encenação, ou seja, o ator já domina e tem consciência do começo do meio e do fim, assim, o espectador é guiado por ele nas tramas da imaginação. Podemos então afirmar que o domínio que o ator tem sobre o espetáculo é fundamental para a construção de uma encenação contundente, firme, sem insegurança, fatores que contribuem para um adentrar do espectador na obra. Analisamos a questão do domínio na relação ator e encenação, ou seja, com o todo, porém é importante ressaltar que a mesma pode ser analisada especificamente se nos propusermos a entender, por exemplo, quais são os aspectos entre o ator e o cenário ou com a sonoplastia, a indumentária e etc.. Essa proposição alarga as potencialidades da presente pesquisa, no entanto nos deteremos a entender esse domínio na relação ator e iluminação cênica, não só porque este é o objetivo central da dissertação, mas também porque compreendemos que estabelecer um pensamento global sobre esses pontos é

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tarefa complexa para apenas uma dissertação, digamos que quase impossível, pois acreditamos que a experiência do artista-pesquisador é de extrema importância para a consolidação de uma reflexão potente, e sabemos que a existência desse artista que faz tudo na criação de um espetáculo é duvidosa. Quando nos referimos a esse ator-iluminador, nos propomos a pensar essa relação sob dois aspectos. Primeiro, estamos sugerindo um ator que também concebe a iluminação cênica, que participa ativamente do processo criativo da mesma, sugerindo, interferindo, experimentando, imaginando, ou seja, um ator que é responsável pela criação total da iluminação do espetáculo que atua. Nesse caso um ator que além de dominar os seus princípios criativos de interpretação, conhece e desenvolve pesquisas práticas e conceituais sobre a iluminação cênica. Esse ator domina a técnica dos instrumentos utilizados para a construção de uma luz cênica, conhece os refletores e suas finalidades, bem como filtros de cor e acessórios que o ajudam na decisão final da concepção da iluminação. É importante ressaltar que o conhecimento da iluminação cênica não se trata apenas de seus equipamentos, é necessária a capacidade artística de conjugar esses instrumentos com a cena, de maneira a enfatizar as narrativas dramatúrgicas propostas pelo espetáculo. No segundo aspecto propomos aquele ator que não tem o conhecimento técnico da iluminação cênica, ou seja, que não domina a tecnologia dos refletores e demais instrumentos e que devido a isso torna mais complexa a possibilidade desse ator de se responsabilizar pela concepção final da luz cênica. Porém nada disso inviabiliza dele ser na sala de ensaio alguém que procura entender o processo criativo da iluminação e mais que isso, colabora ativamente com proposições, compreendendo dessa forma toda a dramaturgia da iluminação durante todo o espetáculo. Há algo ainda mais interessante em ambos os aspectos. Se esse ator se interessa pelo papel da iluminação no espetáculo em que atua, em termos de interpretação, teremos uma ligação entre ator e luz cênica, um diálogo que fortalece o sentido da encenação fazendo com que o contato com o público seja ainda mais pulsante. Trata-se, portanto, de um diálogo intenso entre ator,

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iluminação e público, um ir e vir de informações e significações, tal como a essência da xilogravura Laço de Moebius I, proposto por M. C. Escher: Uma fita sem pontas está cortada longitudinalmente. Ambas as partes estão um pouco separadas, de maneira que, em toda a extensão, há entre elas um espaço intermédio. Na verdade, a fita teria de desfazer-se em dois círculos isolados, mas consiste, no entanto, numa só tira. É formada por três peixes, abocanhando-se cada um deles na barbatana caudal do seguinte. Eles percorrem duas vezes a roda, antes de novamente alcançarem o seu ponto de partida. (1994, p.12)

Figura 17 – Laço de Moebius I, xilogravura (1961) de M. C. Escher.

Para que o ator-iluminador possa fazer sentido dentro de um processo criativo, é de extrema importância um processo formativo que possibilite a esse ator, uma aproximação com as questões específicas da iluminação cênica. Essa formação pode ser adquirida em diversos lugares, inclusive dentro da sala de ensaio no contato com iluminadores. Em relação ao primeiro aspecto, quando o ator também concebe a iluminação, é evidente que sem uma práxis criativa com a iluminação cênica, ou seja, sem um conhecimento técnico dos instrumentos que a mesma dispõe, fica complicado materializar as suas proposições na cena.

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Na tese do professor Ernani de Castro Maletta, intitulada “A Formação do ator para uma formação polifônica: princípios e práticas.”, o autor afirma que: Uma importante diferença deve ser evidenciada: o Teatro é, por essência, uma arte polifônica. O ator não. Principalmente porque já está descartada, desde o início do presente estudo, a ideia do dom, do talento como uma estrutura inata, fruto exclusivo da genética. Portanto, o ator precisa aprender a se apropriar de diversos discursos para a elaboração de um discurso polifônico; e isso não depende apenas da sua vontade, mas de uma preparação múltipla, que o habilite a reconhecer, incorporar e a tomar para si os diversos elementos e conceitos das várias linguagens artísticas presentes no fenômeno teatral. (2005, p. 54).

Na continuação de sua pesquisa o autor propõe uma análise a respeito do ensino superior no teatro, na tentativa de identificar como as diversas modalidades da arte teatral são aplicadas como disciplinas, fato que contribui para uma formação polifônica do ator. Embora sua análise esteja voltada para as universidades, concordamos que independente disso, depende do ator o desejo para a investigação dos diversos discursos do espetáculo teatral, mas é evidente que se a universidade oferece essas possibilidades, fica mais fácil a presença de atores que não se preocupem somente com o seu desempenho rumo à virtuose, e sim, atores polifônicos, capazes de compreender que seu trabalho em cena coletiviza todos os elementos cenográficos para unificá-los na construção de uma encenação. O trabalho do ator além de treinar o seu corpo ou construir bons personagens, ele precisa ser um agente pensante, ativo na criação total da encenação, ou seja, é de extrema importância que ele estabeleça diálogos com todos os demais processos, sobretudo com os elementos cenográficos, pois são esses que estarão em cena, no contato com o público, construindo e defendendo o discurso central da encenação. Esse ator que propomos, “polifônico”, como nos sugere Maletta, considera o outro ator na contracena, mas também a ação da cenografia, da iluminação cênica, do figurino e da maquiagem que o veste, bem como a sonoplastia que o envolve. É nessa perspectiva que compreendemos a especificidade do ator-iluminador.

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3.3 - A Criação da Iluminação Cênica nos Processos Colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. A criação da iluminação cênica nos espetáculos “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, dialogou diretamente com o trabalho do ator. A Cia. de Teatro Engenharia Cênica acredita que a construção da iluminação se dá em consonância com a criação de todos os outros elementos cenográficos, podemos dizer que o tempo inteiro a luz é pensada, inclusive como ponto de partida para criação de cenas. A imagem propulsora também foi o norte para a criação da dramaturgia da iluminação nos três espetáculos, sobretudo na orientação dos percursos para a construção de atmosferas, lugares teatrais. O trabalho do ator na Cia. de Teatro Engenharia Cênica não se limita em apenas construir uma personagem (na contemporaneidade existem reflexões que já discutem essa questão) e executar as marcas, ou simplesmente decorar um texto, sua atuação é ativa na criação de todos os elementos cenográficos, sua relação com a iluminação é dinâmica, tenta compreendê-la através da imaginação, potencializa o seu sentido, enfatiza através do diálogo, a cena, assumindo a luz que o aglutina, e não somente entendendo-a como um elemento que torna o espetáculo visível, mas sim, como uma linguagem que articula os significados e constrói o sentido do espetáculo. Os processos criativos das iluminações cênicas nas encenações “Irremediável”, “Doralinas e Marias” e “O Menino Fotógrafo”, partiram também da “imagem propulsora” (FERREIRA, 2009, p. 49), pois nas mesmas encontramos as primeiras pinceladas de uma dramaturgia da luz. Na medida em que as improvisações aconteciam, e logo após eram registradas, fixadas e repetidas para se tornarem marcas, a iluminação era discutida por todos os artistas envolvidos no processo, uma luz com total ação expressiva na condução do trabalho do ator e na narrativa do espetáculo. Nessa perspectiva, todos os que estavam envolvidos na sala de ensaio pelo processo criativo, acabavam por dialogar e a colaborar para a concepção da iluminação cênica. Mesmo que um ator não soubesse tecnicamente lidar com os refletores, a partir

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da improvisação e da percepção da cena elaborada, podia propor através das suas sensações e impressões, possíveis ideias de atmosferas, que contribuía para o processo criativo da luz no espetáculo. Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica a interdisciplinaridade entre saberes é a base para a criação. A interdisciplinaridade, do ponto de vista da laboração sobre o conhecimento e elaboração do mesmo, corresponde a uma nova consciência da realidade, a um novo modo de pensar, que resulta num ato de troca, de reciprocidade e integração entre áreas diferentes de conhecimento, visando tanto a produção de novos conhecimentos, como a resolução de problemas, de modo global e abrangente. A partir deles, e com o sentido de alargá-los, como uma práxis, isto é, um processo de reflexão-ação, a interdisciplinaridade ganha foro de vivência (escapando à disciplinaridade) e estabelece a hominização em seu processo. O pensar e o agir interdisciplinar se apoiam no princípio de que nenhuma fonte de conhecimento é, em si mesma, completa e de que, pelo diálogo com outras formas de conhecimento, de maneira a se interpenetrarem, surgem novos desdobramentos na compreensão da realidade e sua representação. A interdisciplinaridade também se estabelece a partir da importância e necessidade de uma contínua interinfluência de teoria e prática, de modo que se enriqueçam reciprocamente. (LÜCK, 1994, p. 63)

Essa relação interdisciplinar nos processos colaborativos da Cia., resulta em diversos desdobramentos nas funções dos partícipes na sala de ensaio, pois, devido ao espaço colaborativo, surgem artistas híbridos, ou seja, que através do diálogo com os companheiros de criação, experimentam várias linguagens que compõem o espetáculo, dessa forma, o sujeito pode vir a ser um encenador-dramaturgo, ator-figurinista, ator-iluminador e tantas outras possíveis de serem combinadas, criando diferentes poéticas. Essa liberdade para a troca na sala de ensaio nos remete a outro ponto simbólico dos processos criativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, que é o do aproveitamento das competências que cada artista envolvido no processo possui. Se um ator tiver experiência na área da dramaturgia, pode vir a se tornar um dos responsáveis pela construção do texto, tornando-se um “atordramaturgo”. No teatro colaborativo esses agenciamentos só se tornam possíveis, porque essa linha de criação permite exatamente a quebra das hierarquias na sala de ensaio. Os profissionais (ator, encenador, cenógrafo e etc.), quando

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juntos na sala de ensaio, participam da construção do espetáculo por completo, todos contribuem com ideias para o figurino, cenário, luz, ou seja, para a encenação como um todo, podendo até, um ator, propor a dramaturgia de toda uma cena, como marcações, cenários, figurinos, proposições que sempre serão discutidas e analisadas por todos, gerando um diálogo interdisciplinar, que se transforma, pois através das colaborações, são acrescentados mais elementos advindos dos outros artistas. Os processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica são permeados pela formação dos seus componentes. A cada novo trabalho se torna mais claro os caminhos a serem trilhados. Processos que tem a pesquisa como matéria pulsante, advinda da necessidade de investigar o mundo e as coisas através da criação cênica, construindo um lugar de agenciamentos de experiências e da experimentação de artistas híbridos, um campo de atuação para um ator-iluminador, um ator-encenador, um ator-sonoplasta, etc. Partiremos agora para uma análise de como se deu a relação entre o processo criativo da iluminação cênica e o trabalho do ator. A análise apresentará em alguns momentos reflexões em primeira pessoa do singular, exatamente porque atuei nos três espetáculos e concebi a iluminação cênica, portanto, minhas memórias passam a ser o ponto de partida para a investigação da formação da dupla função ator/iluminador. O objetivo é conseguir através de minhas experiências, enfatizar a reflexão sobre a importância do ator no seu trabalho, assimilar e compreender os processos criativos dos elementos cenográficos, especificamente da iluminação cênica.

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3.3.1 – “Irremediável” – o encorajamento. No processo criativo do espetáculo “Irremediável” (2007) nos deparamos com inúmeras questões, as mais complexas eram exatamente aquelas que correspondiam à criação dos demais elementos da cena, tínhamos na sala de ensaio apenas dois atores (Jander Alcântara e eu) e uma diretora (Cecília Raiffer). As dúvidas mais frequentes eram de como iríamos resolver a iluminação, a cenografia, a dramaturgia, o figurino e a maquiagem do espetáculo. É preciso reconhecer que na cidade de Sobral, no interior do estado do Ceará, onde esse espetáculo foi realizado, no ano de 2006, ainda não tinha uma prática teatral que possibilitasse encontrar artistas com experiências nas respectivas áreas. O processo precisava iniciar e esses problemas estavam causando uma barreira que estagnava a laboração dentro da sala de ensaio, foi então que começamos a reconhecer que a imagem propulsora e, principalmente, as improvisações, apresentavam leituras que correspondiam a proposições para a concepção da cenografia, maquiagem, figurino e iluminação. A diretora Cecília Raiffer começou então a se dedicar intensamente ao processo criativo da dramaturgia e percebeu que o seu trabalho como diretora, no ato de conduzir as improvisações, já desenvolvia situações dramatúrgicas, portanto a construção do texto. Todas as novas possibilidades de texto eram anotadas e desenvolvidas, uma dramaturgia fragmentada, em processo, que se modificou ao ponto de chegar a um número de sete versões. O ator Jander Alcântara também propôs para a criação da dramaturgia, no que resultou uma cena do espetáculo. Temos aí nessas exemplificações uma prática interdisciplinar que resulta num processo formativo dentro da sala de ensaio para os artistas envolvidos no processo colaborativo, ou seja, o ator que antes nunca tinha escrito dramaturgia, passou a entender os percursos para a criação de um texto, trata-se, portanto, de uma nova experiência na vida desse artista, que alarga sua relação de entendimento com o processo criativo em teatro. No processo criativo do espetáculo “Irremediável” foi onde iniciei a minha atuação como ator-iluminador. Tive a oportunidade de trabalhar no Theatro São

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João28, durante dois anos, através desse emprego, desenvolvi uma experiência técnica no manuseio de refletores, compreendendo-os tecnicamente. No processo colaborativo do espetáculo, do qual havia sido convidado para trabalhar como ator, fui aos poucos propondo ideias para a iluminação de cenas, foi quando percebi que conhecer os instrumentos tecnicamente é uma coisa, e que aplicar esse conhecimento artisticamente acontece de outra forma. A iluminação cênica do espetáculo “Irremediável” não foi assinada em sua totalidade por mim, isso porque estamos falando do primeiro processo de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, ou seja, era a primeira vez que as competências estavam sendo conhecidas. Como já mencionado nessa dissertação, nesse processo não sabíamos de nada, nem mesmo onde iríamos chegar com o espetáculo. O processo foi ganhando corpo e ao longo do tempo fui propondo cada vez mais pensar a iluminação cênica em concomitância com o meu trabalho como ator, no fim, o desenho da iluminação, no que se diz respeito à definição dos instrumentos técnicos, dependeu exclusivamente da experiência que eu possuía. A iluminação cênica do espetáculo “Irremediável” tinha como principal objetivo aprisionar os personagens dentro de um losango que não apresentava uma ideia clara de “lugar teatral” (MANTOVANI, 1989, p. 7) e nem uma leitura fechada de onde a trama acontecia... Poderia ser qualquer espaço. A iluminação era absolutamente feita em quase sua totalidade de recortes em formatos geométricos, feito com refletores elipsoidais, exatamente o tipo mais utilizado para construir formas na luz. Essa preponderância de desenhos foi criada para ressaltar ainda mais a noção de aprisionamento e também para editar o olhar do espectador. Em se tratando das vanguardas artísticas, podemos associar a dramaturgia da iluminação com os conceitos abordados n expressionismo.

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Teatro municipal da cidade de Sobral –CE. É o segundo mais antigo do estado, sua construção se deu a partir dos meados do século XIX ficando pronto no ano de 1880. É um teatro inspirado no Santa Isabel da cidade do Recife –PE. O Theatro São João foi construído através da União Sobralense que era um grupo dos principais homens de influência na cidade, dentre eles o escritor Domingos Olímpio e o filósofo Farias Brito. Esse grupo visava o crescimento cultural e intelectual de Sobral e como na época uma cidade era considerada de alto-nível se possuísse algumas qualidades, dentre elas um teatro para sediar espetáculos e para servir de ponto de encontro para a elite e pessoas cultas.

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O estilo deixado como herança pelo Expressionismo, trouxenos a cultura do foco fechado, de chamar a atenção para a expressão da face ou qualquer outra parte do corpo, como um zoom cinematográfico, procuram-se novos ângulos para os feixes de luz envolver o ator com 'deformações' propositais da face, bem como a luz se empenha em explorar as zonas de sombras no espaço e no corpo do ator, além de utilizar fortes contrastes na intensidade e no "brilho" de cada cena, buscando causar 'impressões' na retina dos espectadores, ressaltando as tensões dramáticas. Todos esses recursos de afinação de luz procuram criar na cena imagens que evoquem a subjetividade das personagens no contexto em que desenrolam suas ações. Essas imagens geradas no palco procurarão, às vezes, despertar respostas emocionais na plateia. [...] essa iluminação busca mais do que meras imagens plásticas requintadas de exploração do binômio luz-sombra, mas principalmente atua no decorrer da apresentação criando rupturas de tempo e de espaço, aproximando ou distanciando as ações entre as personagens [...] (FIGUEIREDO, 2007, p. 44-45)

As fotografias a seguir são bons exemplos que evidenciam a utilização de recortes na iluminação que construíam luminosidades e sombras. A dramaturgia da iluminação nesse espetáculo, para mim, no meu trabalho como ator, foi determinante para que eu construísse uma segurança capaz de me encorajar na minha criação como ator, do meu personagem, pois dizia textos que referiam diretamente a uma prisão e perceber que a iluminação materializava essa ideia que eu construía com meu corpo, era extremamente interessante.

Figura 18 - Foto de Husdon Costa: A iluminação delimitando e aprisionando os dois personagens. O Cego em pé e o Aleijado que nessa cena faz incessantes cambalhotas em volta do losango, que tem como imagem o ciclo mítico de Sisifo de subir com uma pedra até o cimo de uma montanha e de lá a pedra rolaria para baixo e assim irremediavelmente essa ação se repetiria.

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Figura 19 - Foto de Hudson Costa: Momento inicial do espetáculo quando o público entrava já se deparava com os dois atores, Jander Alcântara (em primeiro plano) e Luiz Renato (ao fundo) posicionados e já recortados por dois focos de luz em formato de losango.

Figura 20 - Foto Husdon Costa: cena em que o público é envolvido na prisão dos dois personagens através de uma luz com intensa saturação de laranja.

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Figura 21 – Foto Hudson Costa: cena épica em que público e personagens interagem questionando a condição de aprisionamento do homem contemporâneo. Luz aberta.

Os focos foram mantidos em formato de losango exatamente para criar uma leitura de que o espaço maior diminuía, aprisionando cada vez mais as personagens. Com essas mudanças repentinas de uma iluminação que abrangia uma área maior para depois ir para uma menor, causava no público uma sensação de que todos ali estavam perdidos na noção espacial. A cenografia por sua vez ajudava nessa questão por ser na sua totalidade de cor preta, na medida em que aconteciam os movimentos de luz, todo o espaço em volta dos focos ficava na escuridão total, a intenção era de frisar que todos ali estavam presos no mundo artificial do espetáculo, por mais que se escondessem, por mais que corressem, a circunstância geográfica da cena jamais mudaria. A

iluminação

cênica

no

espetáculo

“Irremediável”

dialogava

intensamente com o sentido da encenação, e teve como inspiração a imagem propulsora, que por vezes era filosófica, pois questionava a condição de existência do ser humano na contemporaneidade, apontava para reflexões que indagavam os motivos que nos fazem existir e principalmente para onde

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iremos. O espetáculo apresentava uma estética expressionista na sua totalidade, o próprio texto, absolutamente fragmentado, discutia questões simples, que quando colocadas em reflexão, transcendiam a simplicidade e tornavam-se problemas sem solução. Vejamos a seguir uma cena que elucida essa noção na dramaturgia do “Irremediável”: Cena 1: PORTAS E JANELAS, TEMPO, RELÓGIOS E HORAS O CEGO – E as janelas? O ALEIJADO – Eu já disse que as janelas são como as portas. O CEGO – Mas há uma diferença, não há? Se não houvesse diferença portas seriam janelas, só que porta é porta, e janela é diferente de porta. Janelas são janelas, não é possível que tudo seja igual ... tem de haver uma diferença. O ALEIJADO – Quando eu digo que você é uma janela fechada, você não consegue compreender? O CEGO – Quer dizer que as janelas são ... O ALEIJADO - ... piores que as portas. As portas possibilitam o fluxo, através delas pode-se sair e entrar, ocupar outros espaços. Já a janela é uma ligação de mundo, apenas visual. Elas existem para mostrar que há um mundo interno e outro externo. Apenas isso. As pessoas ficam nas janelas, apenas vislumbrando o passar das horas, jamais sairão pelas janelas, elas tem grades. O CEGO - Sou uma janela fechada. Você diz coisas que eu não compreendo... queria poder... O ALEIJADO – Esquece. O CEGO – Como você sabe todas essas coisas se sempre estivemos aqui?! O ALEIJADO – Você sabe que não. Não me faça perguntas. Já falei mais do que devia... (FERREIRA, 2009, p. 61)

É nessa profusão de questionamentos que se estruturou a dramaturgia desse espetáculo. Essa característica fragmentada inspirou completamente a criação da luz. Uma luz que definia para onde o olhar do público devia ser direcionado, editava o espaço físico das personagens, por ora os mesmos necessitavam ir em direção à luz para sair da escuridão, mas quando chegavam ao foco, esse por sua vez, novamente escapava. Uma luz claustrofóbica que gerava uma atmosfera por vezes insuportável. Mesmo que a iluminação tivesse um papel determinante nesse trabalho, não fugia de um objetivo sempre potencializado na sala de ensaio, exatamente o sentido do espetáculo, a mensagem, a imagem propulsora, o motivo pelo qual os artistas se dedicaram intensamente para adentrar na imanência da criação. A ação da

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iluminação foi construída para estar completamente contundente aos outros elementos da cena sem que se destacasse como um espetáculo a parte.

Figura 22 – Projeto de iluminação do espetáculo

Sem dúvida o processo criativo do espetáculo “Irremediável” foi o impulso inicial das investigações cênicas da Cia. de Teatro Engenharia Cênica e foi revelador para mim no que diz respeito a entender que é possível para o

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ator, ter a iluminação cênica como uma linguagem que pode contribuir intensamente para o seu trabalho de criação.

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3.1.2 – “Doralinas e Marias” – o desafio. Depois dessa primeira experiência com o espetáculo “Irremediável”, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica passou a reconhecer uma poética de criação.

Embora

nesse

processo

tenha sido

absolutamente

confuso,

possibilitou que em “Doralinas e Marias”, fosse mais claro, mais consciente, sobretudo nas dúvidas e nas conduções norteadoras das criações dos elementos cenográficos. No caso de “Doralinas e Marias”, a iluminação foi assinada na sua totalidade por mim, além de ter trabalhado também no espetáculo como ator. Esse agenciamento de experiências se consolidou justamente porque houve no “Irremediável”, um processo de encontro com uma competência que gerou uma formação, justamente a do ator-iluminador. Para “Doralinas e Marias”, a diretora Cecília Raiffer continuou a desenvolver a dramaturgia do espetáculo, e os demais atores, devido ao fato de serem convidados e por estarem pela primeira vez se deparando com um processo criativo na Cia., tiveram muitas dúvidas e questionamentos, sobretudo pela ideia de que algumas funções seriam exercidas por um mesmo artista. A participação das atrizes na criação de todos os elementos foi sendo conquistada a partir da vivência e da percepção de como se articulava a construção da engenharia da cena na sala de ensaio da Cia. Aos poucos foram se sentindo encorajadas para proporem ideias para os elementos cenográficos e

com

isso

alargavam

a

construção

de

suas

personagens,

pois

compreendendo as noções espaciais e atmosféricas do espetáculo, elucidavam ainda mais as emoções que cada um apresentava. Nesse processo tivemos que chamar um cenógrafo para criar a cenografia, bem como um sonoplasta para conceber a trilha sonora e não foi diferente para o figurino e maquiagem, isso porque não tínhamos na sala de ensaio artistas que pudessem assumir a concepção dessas linguagens. A luz nesse espetáculo dialogava com o simbolismo, no que diz respeito, a um grande uso de cores para a instalação de atmosferas e a sua dramaturgia na cena era um jogo de recortes e de movimentos que editava a narrativa do espetáculo, conduzindo sempre o olhar do público para a cena. Sobre a iluminação simbolista Laura Maria Figueiredo acrescenta:

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No âmbito do desenho de luz teatral, podemos ver que desse estilo teatral em luz ficou-nos também a técnica de pensar os espaços cênicos como atmosferas especialmente preparadas para sensibilizar os sentidos do espectador, onde as cores utilizadas podem estabelecer camadas de percepção e significância simbólicas. Em iluminação a questão da construção simbólica se apoia enfaticamente num imaginário que possa ser compartilhado entre o espectador e a cena, e construído, literalmente, com imagens e 'sensações' a serem despertadas utilizando toda a capacidade que esse encontro vivo entre palco-platéia tem para ser, potencialmente, emocionante e impactante num nível de comunicação que vai além da palavra e do enredo; e onde essas instâncias da encenação (opsis), podem adquirir maiores poderes de expressão por meio da liberdade de criar 'maneiras de olhar' o espetáculo, nos mais diversos contextos técnicos. (2007, p. 39)

A iluminação em “Doralinas e Marias” tinha uma ação dramática muito precisa. A condução da narrativa dependia exclusivamente da luz. Nesse espetáculo

existiam

três

tempos,

três

ambientes

que

dialogavam

simultaneamente, para cada um desses espaços (jardim, janela e varanda) foi pensada uma atmosfera que correspondesse principalmente às emoções das personagens que nele habitavam. O espetáculo se constituía de cores, iluminação e atmosferas. Outro fator determinante para a construção simbólica foi a trilha sonora original do sonoplasta Luciano Salvador Bahia, que optou pelo piano como instrumento para dialogar com as emoções vividas pelas personagens. A cenografia de Zuarte Júnior era feita de fios de perolas brancas, que desenhavam no espaço, uma grande árvore do jardim de Doralina. A delicadeza foi investigada no processo criativo, principalmente na ação das personagens em consonância com o universo simbólico instaurado pelo espetáculo. O simbolismo se encaixa na análise de Doralinas e Marias por todos esses elementos, porém o que demarcou definitivamente essa característica foi a dramaturgia elaborada de diálogos metafóricos e poéticos que se articulavam na relação familiar entre essas mulheres.

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Figura 23 – foto de Zélia Uchôa: nessa imagem temos em perspectiva dois dos três planos de atuação. No primeiro, temos a varanda da casa, lugar onde ficava a personagem Alice, interpretada por Daniele França e temos também a presença do personagem Manoel, interpretado por Luiz Renato. Em segundo plano, temos as personagens Sofia, interpretada pela atriz Adriana Amorim que está sentada, e de pé, a Atriz Meran Vargens, com sua personagem Doralina, esse lugar se tratava do jardim, sempre ensolarado, enquanto que a varanda era sempre noturna devido à relação direta de Alice com a lua.

Podemos observar na descrição da fotografia que em uma mesma cena temos espaços que se diferenciam nas suas atmosferas, como é o caso da varanda sempre iluminada pela luz da lua e do jardim com o sol o tempo inteiro a pino. No centro do palco entre esses dois espaços, ficava localizada a janela, lugar da incessante espera de Sofia pelo seu marido Leonam. Para esse ambiente a luz concebida remetia a um entardecer fixo, que não se modificava, como se o tempo tivesse parado para essa personagem, afinal, na dramaturgia ela estava a esperar por dezessete anos por esse homem, carregava uma trança enorme como símbolo dessa espera.

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Figura 24 - foto Zélia Uchôa: A atriz Adriana Amorim com sua personagem Sofia a esperar na janela pela volta de Leonam. Nessa cena os outros dois espaços (varanda e jardim) ficavam no escuro para que pudesse ser evidenciada a espera de Sofia. Sentada numa cadeira, ao olhar pra frente, sempre fazia menção a uma janela, que no caso, era materializada através da ação da luz. A cor utilizada foi o âmbar #321 da Roscolux, exatamente porque esse filtro corresponde à luz solar quando está entardecendo.

Figura 25 - Foto Zélia Uchôa: Fotografia do momento final do espetáculo. O cenário era composto por uma árvore de pérolas que muito contribuía para a construção simbólica do espetáculo. A iluminação nessa imagem traz um desenho de galhos retorcidos por todo o chão, efeito criado pela utilização de um gobo. A atmosfera era de despedida das personagens. O personagem Manoel (Luiz Renato) sentado na lua de Alice e Doralina (Meran Vargens) no seu jardim que ficará noturno.

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A forma como a concepção da iluminação cênica foi articulada na sala de ensaio, esteve sempre ligada a uma compreensão que era necessariamente entendida por todos. Não conseguíamos pensar a cena sem que refletíssemos sobre o como seria a ação dramática da iluminação. O espetáculo “Doralinas e Marias” tem uma grande importância para a Cia. de Teatro Engenharia Cênica porque definiu estratégias para a criação, que permanecem até os dias de hoje. Em “Doralinas e Marias” foram encontrados os percursos que se configuram como uma poética que se fortalece a cada novo encontro na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica Por mais que uma experiência tenha sido gerada, cada espetáculo tinha suas especificidades. Obviamente somente pelo motivo de que cada peça tinha sua temática, mesmo assim os problemas se mantiveram na construção da dramaturgia, das personagens e de todos os elementos cenográficos. O que ficou de um trabalho para o outro foi uma experiência que não nos deixava temer, que nos dava liberdade para experimentar, que nos dava uma perspectiva

de

como

o

processo

se

desenvolveria.

No

espetáculo

“Irremediável”, trabalhávamos sem saber onde iríamos parar, sem saber ao certo quais eram os nossos objetivos; em “Doralinas e Marias”, começamos a aprender, a controlar, a ter certeza do possível caminho e o objetivo que o espetáculo chegaria. Como acreditamos que a iluminação cênica não está dissociada do processo criativo da cena, todos os problemas enfrentados reverberavam na concepção da iluminação, tudo se resolvia junto, não tínhamos como ter uma cenografia, ou um figurino fechado, por exemplo, se não tivéssemos a cena construída dentro do sentido que a encenação vislumbrava. Era a primeira vez que a iluminação seria em sua totalidade assumida por mim. Diferente do “Irremediável” que tinha a criação elaborada por toda a equipe. Em “Doralinas e Marias”, a concepção e materialização final da iluminação cênica, bem como todo o processo de condução e articulação de proposições na sala de ensaio, foi de minha responsabilidade. É neste trabalho que encontramos as principais reflexões sobre como o processo criativo da luz

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pode ser determinante no trabalho do ator. Essa compreensão parte primeiramente do entendimento de que é no ato da improvisação de uma cena, que o espetáculo começa a desenhar possibilidades para se pensar a iluminação cênica. O constructo cênico que é gerado nesse jogo não se restringe somente a uma improvisação que vise somente à elaboração de marcas e textos, mais também de imaginar atmosferas possíveis em torno da mesma, um processo que quando tomado por consciência no trabalho do ator, enfatiza ainda mais as qualidades emotivas e sensoriais na sua atuação, através da ampliação do objetivo do seu trabalho na construção de sua personagem, não somente no seu tipo físico, na forma como se veste, na forma como fala, mais também na conscientização do espaço que ele vive e principalmente as qualidades atmosféricas desse lugar. Ao dominar a luz na sua improvisação, o ator pode jogar com o tempo da mesma, a partir do momento em que ele identifica possíveis momentos em que possa haver uma ação da iluminação, dando espaço para que a mesma elucide, sedimente e ressalte as proposições advindas nos aspectos textuais, espacial e, sobretudo emocional. Essa interação quando desenvolvida no processo da sala de ensaio se reflete nas apresentações do espetáculo. Em muitos trabalhos percebemos que o ator parece estar em cena atuando sozinho, não é perceptível no seu trabalho uma ligação com os demais elementos cenográficos. Isso acontece muitas vezes porque esse ator não esteve interessado durante o processo criativo do espetáculo, na criação dos demais elementos, não se ateve a perceber como os mesmos vão agir na construção da narrativa do espetáculo. A partir do trabalho que desenvolvo como ator-iluminador na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, ressalto o quanto é importante que o ator dialogue com a criação do espetáculo na sua totalidade, para que a encenação possa ser construída numa junção consciente e ensaiada da atuação de todos os elementos, e, principalmente perceber a relação intrínseca entre os mesmos. O ator quando consciente da dramaturgia da iluminação, não permitirá em cena entender que está somente sendo iluminado, pelo contrário, ele reagirá às

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cores, aos recortes, afirmando a dinâmica da iluminação e a sua potencia na construção do sentido do espetáculo. O processo criativo de “Doralinas e Marias” aconteceu no âmbito das dependências da escola de teatro da Universidade Federal da Bahia-UFBA, lugar onde circulam importantes pesquisadores da arte teatral. De alguma forma o processo se relacionava com essas pessoas, assim como todos os outros trabalhos que acontecem num ambiente como esse, pois é preciso reconhecer que em se tratando de uma faculdade de teatro, o evento cênico não é somente assistido como entretenimento, mas principalmente como algo a ser analisado, criticado, entendido dentro dos conceitos e estratégias que fazem a arte teatral. Em decorrência dessa comunicação surgiram muitas dúvidas sobre a possibilidade de um ator ser também o iluminador do espetáculo em que atua, as principais perguntas que se faziam eram: “Como pode um ator que está em cena conceber a luz do próprio espetáculo que atua? Ainda mais se tratando de uma peça em que os atores não saem de cena, como ele faz se não pode assistir as marcas e os pontos que necessitam de uma ação mais enfática da iluminação? Como ele vai saber se sua concepção de fato funciona quando o espetáculo estiver sendo apresentado, já que o mesmo não pode assistir?” Essas questões só me colocavam medo. Mas o que me fortalecia é que durante todo o processo criativo do espetáculo “Doralinas e Marias”, desenvolvi anotações e proposições para a iluminação, inclusive sinalizando os movimentos entre uma cena e outra, portanto não havia o que temer, pois houve uma dedicação e todo um trabalho na sala de ensaio que era o suficiente para encorajar e colocar em prática a concepção final da iluminação do trabalho. Mesmo assim no último momento pensei em desistir, mas já não havia saída se não distribuir os refletores de acordo com o projeto de luz e experimentá-los para ver se atingiriam as propostas elaboradas durante o processo. Foi então que no passo a passo, nos pequenos testes fui percebendo que tudo já estava pronto, que a iluminação tinha sua atuação

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muito bem construída, que o projeto de iluminação era fruto disso, portanto as dúvidas só eram presentes porque enfim a iluminação não estava tecnicamente posicionada, afinada e artisticamente gravada. Percebi que o que gerava medo era a ansiedade em perceber que são muitas etapas para que uma iluminação cênica fique totalmente pronta, e que esse caminho é longo, requer muita paciência e principalmente confiança em si mesmo e em todos os envolvidos no processo.

Figura 26 – Projeto de iluminação da frente de luz do espetáculo Doralinas e Marias.

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Figura 27 – Projeto de iluminação da área interna da caixa cênica

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Existe outro fator que potencializou a minha formação como atoriluminador dentro da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Durante o meu bacharelado em Interpretação Teatral na ETUFBA (Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia) no período de 2008 a 2010, participei a cada semestre de uma montagem pedagógica realizada de acordo com a temática estudada e abordada no âmbito das disciplinas que compunham o semestre. Esse contato com a universidade possibilitou o encontro com a pesquisa teórica e prática sobre a arte teatral e, sobretudo, com a que se refere aos estudos da iluminação cênica. A cada semestre, era montado, com direção de um docente, um espetáculo como resultado da pesquisa prática de atuação dos alunos29. Em todas as montagens participei como ator-iluminador, exatamente porque na sala de aula, eu era o único que trabalhava com iluminação e mais uma vez essa minha competência foi aproveitada, continuando assim o enriquecimento interdisciplinar na minha vivência teatral, na interface entre iluminação cênica e o trabalho do ator.

29

No período de 2008.1 a 2010.2 foram montados 06 (seis) espetáculos, quais sejam: Ser Veja, direção de Iami Rebouças; A Lira dos Vinte Anos, de Paulo César Coutinho, direção de Paulo Cunha; Odisseia, de Homero, adaptação de Marcos Barbosa, direção de Meran Vargens e Érico José; João o Venturoso, de Bertolt Brecht, direção de Érico José; Tudo no Timing, de David Ives, direção de Jacyan Castilho; Quatro Luas Pelas Pedras, a partir do universo de Federico García Lorca, espetáculo de formatura, direção de Lilih Cury.

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3.3.3 – “O Menino Fotógrafo” – a investigação de uma poética. No processo de criação do espetáculo “O Menino Fotógrafo” a Cia. de Teatro Engenharia Cênica, investigou os procedimentos adotados nos dois trabalhos anteriores como estruturação base, na esquematização do percurso criativo. Esse espetáculo foi o primeiro da Cia. que acontecia em um espaço alternativo, exatamente um casarão velho que hoje é conhecido como Casa Ninho e é sede do Grupo Ninho de Teatro, que também participou da montagem, ou seja, esse trabalho é fruto da junção de duas equipes que se aventuraram durante um ano, na imanência de um processo colaborativo em teatro. A iluminação no espetáculo “O Menino Fotógrafo” se deu de maneira diferenciada. Por se tratar de um espaço alternativo tive que montar desde a estrutura mínima que é um quadro de energia com potência para ligar os refletores, como também fazer toda a ligação e esquematização para que tivéssemos uma estrutura de energia que pudesse dar provimento para o espetáculo. Trabalhar em espaços não convencionais é sempre um grande desafio, em especial para o iluminador, pois quase sempre não há recursos como um teatro propriamente dito, o seu trabalho inclui sempre a busca por alternativas que possam materializar suas proposições. Como o espetáculo tinha uma temática voltada para as manifestações religiosas do cariri cearense, a vela por ser um elemento de grande utilização nas grandes romarias, realizadas ao longo de todo o ano na região, foi o princípio para a elaboração de toda a iluminação do espetáculo. Durante o processo criativo, logo na primeira cena que se remete a uma romaria, foi imprescindível a utilização do elemento fogo, isso porque além de iluminar, tem uma grande potência em criar atmosferas, sobretudo as que estão ligadas a rituais religiosos. Em romaria o elenco saia da Casa Ninho com várias velas na mão ao encontro com o público que sempre esperava do lado de fora da Casa Ninho. Quando os atores começavam a contracenar com os espectadores, distribuíam as velas, aumentando ainda mais a romaria que adentrava na Casa

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Ninho em direção a um altar com muitas imagens de santos e elementos que dialogavam com a religiosidade. Todos que estavam com velas, depositavam as velas nesse altar, como se estivessem fazendo uma oferenda, isso tudo acontecia ao som de cânticos religiosos, que quando cantados pelos atores, comoviam o público e todos se uniam em uma só voz.

Figura 28 - Foto Nívia Uchôa: Fotografia do altar do espetáculo com velas espalhadas pelo chão e que através de arames eram elevadas criando uma enorme cortina de fogo sobre as imagens, as orações e, sobretudo, criando uma atmosfera que se mantinha até o final do espetáculo.

Figura 29 – Foto de Nívea Uchôa: Momento em que os atores saem da Casa Ninho para irem ao encontro do público para formar a grande Romaria rumo ao altar.

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Figura 30 – Foto de Nívea Uchôa: Público e atores em contraluz produzida pela iluminação das velas indo em direção ao altar.

Figura 31 – Foto de Nívea Uchôa: Cena em que o sertanejo usa sua principal arma para se defender, o facão. Guerra de facões.

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O Menino Fotógrafo foi realizado dentro da Casa Ninho desde o início do seu processo criativo e pelo fato do espaço ser um corredor de 11m de profundidade por 4m de largura, toda marcação do espetáculo foi elaborada a partir dessa especificidade. A iluminação teve que ser comprada porque a Casa Ninho não possuía nenhum tipo de refletor, foram fios, mesa de luz, lâmpadas, refletores, tomadas, ou seja, todo o material mínimo para se construir uma estrutura básica de luz. Essas especificidades reverberaram fortemente no processo de concepção da luz, pois tínhamos que trabalhar com o mais simples para poder conseguir criar uma iluminação que não deixasse de significar junto ao espetáculo.

Figura 32 – Projeto de iluminação no formato corredor.

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Nesse espetáculo pude alargar a minha competência como atoriluminador, porque tive que dialogar com os princípios técnicos para a criação de uma iluminação cênica para um espaço alternativo. Considero, portanto, que é nesse trabalho que consigo estruturar um pensamento sobre o trabalho do ator-iluminador, função essa que precisei experimentar ao longo de três processos criativos, que correspondem a cinco anos de trabalho, para poder propor a presente dissertação de mestrado.

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Considerações finais.

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Tendo como ponto de partida todo o percurso desenvolvido nos capítulos dessa dissertação, chego à conclusão de que a iluminação cênica apresenta-se como uma linguagem de grande importância na cena teatral. Sua articulação na sala de ensaio constrói percursos criativos, e se afirma como um elemento base para a compreensão do sentido do espetáculo. A atmosfera, construção de um espaço metafórico, sinestésico, é um princípio que se conjuga no tempo da ação dos atores, em diálogo com os elementos cenográficos, se instala por vias que não são necessariamente físicas, articulase dentro de uma esfera de sensações que aglutina o espectador ao espetáculo e vice-versa. Quando na sala de ensaio, compreendi que a iluminação é uma linguagem que possibilita pensar caminhos, que enfatiza as concepções cênicas, os processos colaborativos foram enriquecidos de novas ideias e proposições. Essa afirmação é completamente pertinente aos processos criativos da cenografia, maquiagem, figurino, sonoplastia, todos podem oferecer ao trabalho de criação teatral, contribuições indispensáveis. A iluminação é uma das grandes responsáveis por estabelecer atmosferas através da utilização de variadas possibilidades de afinação dos refletores e, sobretudo, a partir da extensa gama de filtros30 de cores frias, quentes, saturadas e tons pastéis. Utilizando esses instrumentos, a iluminação cênica atua através da criação do simples ato de iluminar, mas também cria sombras, decide o que deve ser visto pelo público, conduz diversos tipos de narrativas, não se atrela a uma estética, é completamente utilizável em qualquer espetáculo, constrói sua dramaturgia. Instala atmosferas que podem ser lidas do grotesco ao belo, da indignação à felicidade, não importa somente tornar visível a cena, mas enfatizá-la, sedimenta-lá, para que a dramaticidade se consolide, a luz joga e propõe diversas estratégias de jogo com os atores e com o público. Passado esse percurso da dissertação, chego à conclusão ainda mais convencido de que a iluminação cênica não pode chegar aos nossos processos 30

Nos termos técnicos filtro é a mesma coisa que gelatina. Um material sintético, feito a partir de policarbonato resistente a temperaturas elevadas, tem em diversas cores.

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criativos, como uma linguagem que aparece no final para completar algo. É necessário levar o iluminador cênico para dentro da sala de ensaio para que ele possa ser também um propositor, seu trabalho criativo pode ser revelador para o conceito de encenação, suas soluções de iluminação podem ajudar a resolver questões como marcas, transições de cenas, construção de personagens e fortalecimento do sentido do espetáculo. A iluminação cênica não se restringe somente às questões técnicas, no que diz respeito, aos refletores e seu funcionamento elétrico. A iluminação cênica que propus na dissertação, se articula por meio de sensações e atmosferas que são geradas no jogo da criação de cenas na sala de ensaio. Penso iluminação a partir das possíveis emoções, dos níveis de energia que uma improvisação oferece, do jogo entre corpos na cena. É nessa perspectiva que propus analisar o processo criativo do ator em consonância com a iluminação, isso porque não poderia, aqui, abordar, todas as outras relações, mas acredito que o que desenvolvi a partir da relação interdisciplinar entre a iluminação e o meu trabalho como ator, é, perfeitamente extensível a todas as outras possíveis relações. A presente dissertação pode ser um ponto de partida para análises a respeito de artistas híbridos que se desenvolvem em salas de ensaio, tais como atores-figurinistas, encenadores-dramaturgos, cenógrafosmaquiadores, são tantas relações possíveis que podem extrapolar o agenciamento de duas para até mais linguagens. É evidente que a experiência técnica no que se refere aos instrumentos disponíveis para constituir uma iluminação de um espetáculo é de extrema importância, pois no processo criativo alguém terá de se responsabilizar por decidir com quais instrumentos (refletores, acessórios e filtros) será alcançado o projeto de luz da encenação. Reconheço essas especificidades e concordo que são complexas, pois cada refletor conforme características técnicas, só podem ser compreendidos por aqueles que se dedicam a estuda-los, experiência que muitas vezes leva anos para ser adquirida. Ressalto que a presença de um iluminador cênico nos processos criativos é de extrema importância para mediar proposições, pois muitas vezes aparecem ideias que não podem ser realizadas. Nesse caso, cabe ao iluminador, que teoricamente

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está familiarizado e identifica os aspectos técnicos dos equipamentos, acatar as proposições e modifica-las na tentativa de torná-las possíveis. Outro fator que abordo é o fato de que de que essas relações interdisciplinares possam acontecer em outros processos que não sejam necessariamente colaborativos. O encontro entre experiências acontece em qualquer linha de pesquisa da linguagem teatral, independe de estética ou de metodologia, a formação entre os artistas sempre acontecerá e suas competências se ampliarão na medida em que se propuser a dialogar e compreender o universo criativo dos demais elementos da cena. O que proponho é a fomentação da troca de experiências, todos só têm a ganhar em suas formações. Em se tratando do meu trabalho como ator-iluminador na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, pude perceber que essa intersecção entre duas linguagens, possibilita abordagens diferenciadas ao trabalho do ator, através de sua relação e do entendimento das atmosferas, emoções, espaços cênicos e, sobretudo, aponta para uma contracena que pode ser estabelecida com a iluminação, através da construção de diálogos entre movimento e dramaturgia da iluminação, se isso acontece, evidencio a união de duas linguagens que fortalecerão de maneira determinante a encenação e a compreensão por parte do público. „Na cena teatral contemporânea cada vez mais os artistas trabalham de maneira polifônica. São atores que cantam, interpretam, concebem luz, cenário, figurino, ou seja, as fronteiras entre as linguagens são maleáveis e essa característica nos faz compreender que os artistas na sala de ensaio podem se interessar por mais de um processo criativo, pois a questão não é também só a de agregar experiência, o fundamental é que compreendo que o artista agindo polifonicamente, sua contribuição para a construção do sentido da encenação, será potente, pois assumirá as narrativas dos elementos cenográficos no seu processo. Para chegar a uma ideia sobre a iluminação cênica no trabalho do ator, passei por um percurso que apresentou o processo criativo de três espetáculos

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da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Foi necessário abordar conceitualmente o teatro colaborativo e os princípios técnicos da Cia. para que pudesse chegar a um lugar seguro de reflexão, exatamente o da minha experiência empírica, pois me seria muito difícil tratar da questão central desta dissertação, sem um lócus de onde pudesse a partir de uma experiência, observar a importância da iluminação no trabalho do ator. Concluo que esta dissertação oferece a análise de uma poética de criação desenvolvida por uma Cia. de teatro e que tem como especificidade a investigação o meu trabalho como ator-iluminador nos espetáculos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. Esta pesquisa poderá ser utilizada por muitos pesquisadores que têm as suas poéticas de criação como ponto de partida para a reflexão. O que fica firme para mim nos momentos finais desta escrita, é que a presente dissertação não se restringe somente as questões da iluminação cênica no trabalho do ator, ela é ampla e não fecha um ciclo, pelo contrário, abre outras possibilidades de desenvolvimento e de compreensão.

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Teatralidades

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São

Paulo:

FORJAZ, Cibele. A linguagem da luz: a partir do conceito de pós-dramático desenvolvido por Hans-Thies Lehmann. In: O Pós-dramático: um conceito operativo? São Paulo, Perspectiva, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. GIL, José. Movimento total: corpo e a dança. Lisboa. Relógio D‟água Editores, 2001. GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Tradução de Aldomar Conrado. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1971. GUINSBURG, J; FERNANDES, Sílvia (Orgs.). O Pós-dramático: um conceito operativo?. São Paulo, Perspectiva, 2010. GUINSBURG, J; FARIA João Roberto; LIMA, Mariângela Alves. Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva, 2006. LECOQ, Jacques. O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral. São Paulo: Editora Senac, 2010.

121

LEVI, Clovis. Teatro brasileiro: um panorama do século XX. Rio de Janeiro: FUNARTE; São Paulo: Atração Produções Limitadas, 1997. LÜCK, Heloísa. Pedagogia interdisciplinar: metodológicos. Rio de Janeiro: Ed. Petrópolis, 1994.

fundamentos

teórico-

MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: Global, 1997. MANTOVANI, Anna. Cenografia. São Paulo: Ática, 1989. MEYERHOLD, Vsevolod. Teoria teatral. Madrid: Editorial Fundamentos, 1986. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo, SP: Ed. Martins Fontes, 2001. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008. PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo: Ed. USP, 1999. RATTO, Gianni. Antitratado de Cenografia. São Paulo: Editora SENAC, 2001. RINALDI, Miriam. O Ator do Teatro da Vertigem: o processo de criação de Apocalipse 1,11, Sala Preta: revista da Escola de Comunicação e Artes da USP, v.6, p. 127-133. 2006. ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998. RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. ______. A construção da personagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. ______. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. ______. Manual do ator. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ______. Minha vida na arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. SANT‟ANNA, Catarina. Metalinguagem e teatro: a obra de Jorge Andrade. São Paulo: Perspectiva, 2012. TORMANN, J. Caderno de iluminação: arte e ciência. 2 ed. Revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Música Tecnologia, 2008. VALLIN, Beatrice Picon. A cena em ensaios. São Paulo: Perspectiva, 2008.

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DISSERTAÇÕES E TESES CONSULTADAS: ARAÚJO, José Sávio Oliveira. A Cena ensina: uma proposta pedagógica para a formação de professores de teatro. Tese (doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação – UFRN, Natal - RN, 2005. ARAÚJO, Antônio. A Gênese da Vertigem: O Processo de Criação do Paraíso Perdido. Dissertação de mestrado. Departamento de Artes Cênicas da ECAUSP. São Paulo, 2002. CAMARGO, Roberto Abdelnur. Luz e cena: processos de comunicação coevolutivos. 181f. 2006. Tese (doutorado). Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC, São Paulo, 2006. COSTA. Ronaldo. A Oficina de Iluminação e a Construção do Espetáculo: anotações para uma proposta pedagógica. 2010. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênica, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Natal-RN. FERREIRA, Cecília. Cena e jogo: o imaginário na carne. 2009. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia. FISCHER, Stela Regina. Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos 90. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Artes/ Unicamp, 2003. FIGUEIREDO, Laura Maria. Luz: a matéria cênica pulsante. 160f. 2007. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Artes, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2007. FORJAZ, Cibele Forjaz. À Luz da Linguagem: A Iluminação Cênica: de Instrumento de Visibilidade à „Scriptura do Visível‟ (Primeiro Recorte: do Fogo à Revolução Teatral). 2008. 232 f. Tese (mestrado em artes) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. MALETTA, Ernani de Castro. A formação do ator para uma atuação polifônica: princípios e práticas. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação / UFMG, Belo Horizonte, 2005. NICOLETE, Adélia. Da cena ao texto: dramaturgia em processo colaborativo. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. PEREZ, Valmir. Desenho de iluminação de palco: pesquisa, criação e execução de projetos. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação: Multimeios, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.

123

RIBEIRO, D. G. Condições e forjaduras da linguagem para a poesia épica moderna em Altazor de Vicent Huidobro. 2011. Dissertação (Mestrado). SANTOS, Clóvis Domingos. A cena invertida e a cena expandida: projeto de aprendizagem e formação colaborativas para o trabalho do ator. Dissertação (mestrado). Programa de Pós Graduação da Escola de Belas Artes, UFMG, Belo Horizonte-MG, 2010. SERRAT, Barbara Suassuna Bent Valeixo Mont. Iluminação cênica como elemento modificador dos espetáculos: seus efeitos sobre os objetos de cena. 93f. 2006. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.

ARTIGOS DE REVISTAS: CORDEIRO, Domingos Sávio Almeida. Caldeirão da Santa Cruz: memórias de uma utopia comunista no nordeste brasileiro. Lisboa, 2008. TUDELLA, Eduardo. Design, cena e luz: anotações, A[L]BERTO #3. São Paulo, v. 3, p.11-24, dez 2012.

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Anexo.

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ANEXO A – A Cia. de Teatro Engenharia Cênica A história da Cia. de Teatro Engenharia Cênica se resume a deslocamentos por três cidades do estado do Ceará e uma do estado da Bahia. O seu local de criação foi na cidade de Sobral em 2005, pela diretora Cecília Raiffer e o ator Luiz Renato, ambos fundadores e coordenadores até os dias atuais. Colaboraram nesse início de criação da Cia. o ator Jander Alcântara, o sonoplasta Daniel Glaydson Ribeiro e o técnico de luz Maicon Rocha. O primeiro trabalho desenvolvido em Sobral foi em 2005 e se tratava de uma performance intitulada “Fragmentos”, que tinha como objetivo realizar uma intervenção na Boulevard do Arco do Triunfo, local de referência na cidade, onde muitos cidadãos encontram-se após as missas e cultos, ou para frequentarem os restaurantes no decorrer dos dois lados de toda a praça. O discurso que possibilitou a criação da performance foi o de fazer com que as pessoas pudessem refletir sobre a realidade, através de uma intervenção lúdica, que apresentava cerca de oito atores, completamente vestidos e pintados de branco, que no decorrer da caminhada pela praça, interagia com as árvores, postes e indivíduos, recitando os aforismos de Léo Macklene. No centro da praça foi estendido um tecido branco de 30m de comprimento e 2,00m de largura, e em seguida, os atores pegaram bacias de tintas, e começaram a performar em cima do tecido, pintando uns aos outros e oferecendo as tintas para os espectadores, para que os mesmos também interagissem com o ato. Anterior à realização da performance houve um período equivalente há um mês para a pesquisa do conceito, ideia, construção dos figurinos que acabou sendo feita com roupas brancas que foram modificadas e também a construção das tintas, a partir de uma oficina ministrada pela professora Regina Raiki, da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Todos os artistas envolvidos na “Fragmentos” estavam matriculados em diferentes cursos da UVA, tais como Ciências Sociais, Letras, Pedagogia, História, Educação Física e Biologia.

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Figura 33: Fotografia do Arco de Nossa Senhora de Fátima, Boulevard, local onde foi realizada a performance “Fragmentos”. Sobral, CE. Foto de André Adeodato. Fonte: http://flickr.com/photos/73431654@N00/306262926/

Figura 34: Atores caminhando pelo público. Imagem boa para visualizar figurinos e maquiagem.

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Figura 35: O ator Luiz Renato interagindo com um poste.

No ano de 2006 a Cia. montou o espetáculo “Duas Vidas... Um grande amor” feito a partir dos poemas de Dinorah Ramos. O espetáculo era uma homenagem à poetisa e falava da sua história, de seus familiares, causos e curiosidades, e era permeado pelo amor que vivia com o seu marido Dr. Ramos, um importante farmacêutico da cidade de Sobral.

Figura 36: Fotografia do espetáculo teatral Duas Vidas... Um Grande Amor. Jander Alcântara ao lado das imagens de Ribeiro Ramos e Dinorah Ramos. Theatro São João. Sobral – CE. Maio de 2006. Foto: Hudson Costa. Fonte: www.photografiadigital.com.br

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Figura 37: No primeiro plano o ator Luiz Renato e Jander Alcantâra e a atriz Cecília Raiffer. Theatro São João, Sobral – CE, maio de 2006. Foto: Hudson Costa. Fonte: www.photografiadigital.com.br

A Engenharia Cênica no ano de 2006 teve a oportunidade de realizar um espetáculo a partir de um prêmio de incentivo à cultura (Myrian Muniz Funarte 2006) que possibilitou um processo criativo de nove meses de pesquisa dentro da sala de ensaio. O espetáculo que fora intitulado como “Panoptico”, “Galileu e Sísifo”, teve como nome final “Irremediável”. Foi criado pelos três artistas fundadores da Cia., quais sejam: Cecília Raiffer diretora, Jander Alcântara e Luiz Renato como atores. O espetáculo “Irremediável” é um dos objetos de pesquisa da presente dissertação. O espetáculo realizou uma temporada de apresentação durante todo o ano de 2007. A partir do ano de 2008, a Cia. passa a ser sediada na cidade de Salvador no estado da Bahia, em virtude do ingresso dos coordenadores da mesma na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Cecília Raiffer entra no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC, para investigar o processo de criação do espetáculo “Irremediável” o que resultou na sua dissertação intitulada “Cena e Jogo: o imaginário na carne”, importante referencial para o desenvolvimento da presente dissertação. Luiz Renato entrou no bacharelado de Interpretação Teatral.

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Sob a direção de Cecília Raiffer, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica desenvolve o espetáculo “Doralinas e Marias” que também é objeto de pesquisa da presente dissertação e que nos próximos capítulos será melhor discutido. Contava com a participação das atrizes Meran Vargens, Adriana Amorim, Daniele França e do ator Luiz Renato. Foi realizado através do Prêmio Manoel Lopes Pontes da Fundação Cultural do Estado da Bahia na categoria “montagem de espetáculo”. Sua temporada de estreia se deu nos teatros Martim Gonçalves da Escola de Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de agosto) no ano de 2009. O espetáculo teve participação no Festival Internacional de Artes Cênicas FiacBa ano 2 nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra SESC Cariri de Cultura 2009 no dia 14 de outubro no Memorial Padre Cícero em Juazeiro do Norte e no dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes na cidade de Crato-Ce; e em março de 2010 participou da Mostra SESC-ATU de Teatro de Uberlândia. A Cia. permanece em Salvador até o ano de 2010 e a partir de 2011 passa a residir no Cariri cearense na cidade de Barbalha, no sul do estado. A atuação da Cia. passa a ser no trecho conhecido como CRAJUBAR, uma conurbação de três cidades, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, separadas por poucos quilômetros de distância. No começo de 2011 a Cia. volta para a sala de ensaio e passa a montar o espetáculo “O Menino Fotógrafo”. Foi realizado em parceira com o Grupo Ninho de Teatro31 na cidade do Crato-Ce. É também nesse ano que a Cia. se constitui juridicamente com o nome de “Engenharia Cênica Instituto de Arte, Educação, Pesquisa, Criação, Recepção e Produções Artísticas” Sob o CNPJ: 14.731.680/0001-28. Outro trabalho realizado no ano de 2012 na cidade de Barbalha foi o espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” de Nelson Rodrigues, montado na ocasião do edital “Prêmio Funarte Nelson Brasil do Anjo Pornográfico”, que premiou 17 grupos ou Cias. nacionais para que cada uma montasse uma 31

Trata-se de um grupo que surge em 2007 na cidade do Crato, na região do Cariri no estado do Ceará que tem como fundadores Alana Morais, Edceu Barbosa, Elizieldon Dantas, Jânio Tavares, Joaquina Carlos, Rita Cidade e Zizi Telécio. Avental Todo Sujo de Ovo (2009) de Marcos Barbosa e Charivari (2009) de Lourdes Ramalho, são alguns dos trabalhos criados pelo referido grupo.

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dramaturgia de Nelson Rodrigues para serem apresentadas no âmbito do festival “Agosto de Nelson” no Rio de Janeiro – RJ. Com esse trabalho os coordenadores invertem as funções e a direção foi de Luiz Renato com a participação dos atores João Dantas, Jerônimo Vieira e Flávio Rocha, bem como das atrizes Carla Hemanuela, Cecília Raiffer, Faeina Jorge e Rita Cidade.

Figura 38: Cartaz do espetáculo. Arte de Max Pettersson e fotografias de Diego Linard.

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Figura 39: cena do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” em que o personagem Gilberto recebe sua família em casa, e passa, a saber, que foi traído pela sua esposa. Um dos paroxismos mais importantes do texto. Fotografia de Diego Linard. Local Teatro Patativa do Assaré, SESC Juazeiro do Norte – CE, junho de 2012.

Figura 40: cena com os personagens Madame Luba (Cecília Raiffer) e Pola Negri (Jerônimo Vieira) ela cafetina, dona de uma casa de prostituição só para deputados “que oferece meninas de 14, 15 e 16 anos de idade”. No plano de trás as personagens Glorinha à esquerda (Faeina Jorge) e Nair (Rita Cidade), ocasião em que estão indo até o prostíbulo para iniciar a vida de Glorinha no mundo da prostituição. Fotografia de Diego Linard. Local Teatro Patativa do Assaré, SESC Juazeiro do Norte – CE, junho de 2012.

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No ano de 2013, a Cia. de Teatro Engenharia Cênica estreou o espetáculo “O Evanescente Caminho” no mês de agosto. O espetáculo é uma livre inspiração e adaptação da Divina Comédia de Dante Alighieri. A direção é de Cecília Raiffer com atuação das atrizes Amanda Lima, Lorenna Gonçalves, Lucivânia Lima e dos atores Luiz Renato, Nilson Matos e Raimundo Lopes. Esse espetáculo é fruto de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida desde 2011 no grupo de pesquisa Laboratório de Criação e Recepção Cênica – CNPQ da Universidade Regional do Cariri – URCA, no departamento do curso de Licenciatura Plena em Teatro.

Figura 41: fotografia de Emanoel Siebra retirada para a criação da arte do material gráfico do espetáculo “O Evanescente Caminho” na cidade de Juazeiro do Norte - CE.

Pelo fato da Cia. ter apenas dois integrantes fixos, ou seja, os seus coordenadores Cecília Raiffer e Luiz Renato, fez com que fosse criada uma metodologia para as montagens dos espetáculos. Os demais atores e atrizes sempre são convidados para compor o restante do elenco e com isso formar um núcleo flutuante, que não faz parte efetivamente da Engenharia Cênica, mas somente do trabalho para qual foi convidado para participar. Ao longo de oito anos de trabalho, passaram pela Cia. cerca de 50 artistas de teatro, envolvendo

elenco

de

atores,

cenógrafos,

sonoplastas,

figurinistas,

maquiadores e etc. Essa característica potencializou sobremaneira o processo de formação dos seus coordenadores, devido ao fato de que a cada novo

133

trabalho, novos artistas, novas experiências que contribuíram e contribuem imensamente para o conhecimento e para a construção de uma poética de criação própria da Cia. de Teatro Engenharia Cênica.

Figura 42 - Foto de Verônica Leite - Apresentação na Assossiação de Dança Cariri, ADC, Juazeiro do Norte, 2013.

Figura 43 - Foto de Verônica Leite - Apresentação na Assossiação de Dança Cariri, ADC, Juazeiro do Norte, 2013. Um brinde para finalizar.

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