A imagem como recurso de identidade: Análise Semiótica das Fotografias Publicitárias do Perfume Coco Mademoiselle 2008/09 da Chanel

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A imagem como recurso de identidade: Análise Semiótica das Fotografias Publicitárias do Perfume Coco Mademoiselle 2008/09 da Chanel

Paula de Vasconcelos LOPES
UFC - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE.

Resumo
O presente artigo é resultado do estudo feito pela autora para a disciplina de Semiótica do curso de Publicidade e Propaganda, oferecido pela Universidade Federal do Ceará. Nele, procurar-se-á apresentar peças publicitárias da campanha do perfume Coco Mademoiselle S/S 2008 e F/W 2009, mostrando a composição da imagem como recurso de afirmação da identidade da marca Chanel. Utiliza-se como metodologia a análise semiótica. As peças serão analisadas a partir da ética e da estética intrínsecas à marca, ou seja, sua identidade. As principais referências utilizadas foram os estudos de Peirce, Saussure e Lipovetsky com o objetivo de justificar a escolha e a existência de cada elemento que compõe a campanha, provando a existência de um embasamento teórico na composição da mesma.

Palavras chave: Imagem; Identidade; Marca; Semiótica.

Introdução
No universo das marcas de luxo, os consumidores são conscientes de que pagam mais caro por um produto que lhes dá em troca status, beleza, distinção e prestígio. Dessa forma, o consumo tornou-se um meio de auto realização e identificação na medida em que os consumidores já não consomem produtos, mas sim o significado simbólico destes produtos, a imagem relativa a eles que será compartilhada com o seu usuário. O luxo consiste, pois, em produtos de alto valor pecuniário que, muitas vezes, não implica excesso ou sacrifícios pela ostentação, mas faz parte do cotidiano e do modo de vida de quem o consome. Tal engajamento do consumidor em relação à identidade de uma marca é diretamente proporcional ao engajamento desta última em relação a seus valores e ideais, refletidos da articulação de sua ética e sua estética.
Sendo assim, uma marca fiel a si mesma, quando realiza até a mais simples das campanhas, o faz tendo um referencial visual fundamentado teoricamente, procurando mostrar nuances que, a princípio, parecem estar em segundo plano, mas que são fundamentais para o total entendimento da mesma. Este artigo tentará mostrar, com base em conceitos semióticos, a capacidade da imagem de transmitir toda a identidade de uma marca, mesmo que em um anúncio de um único produto, e a importância e os significados de cada elemento que a compõem.

A Semiótica e o Signo
A Semiótica, de nome oriundo do termo grego semeion, que quer dizer signo, consiste justamente na ciência que estuda este e as leis que regem sua geração, transmissão e interpretação. Seu objetivo é analisar os diversos fenômenos que dão origem a significações distintas de acordo com cada momento histórico e social, ligados a qualquer forma de expressão enquanto linguagem. A semiótica, portanto, possibilita a análise das relações entre uma coisa e seu significado.
De acordo com Lucia Santaella (1983), a Semiótica ajuda a compreender a construção do significado. É uma ciência que cresce, à medida que nos aprofundamos no universo das linguagens, codificações e interpretações. O desenvolvimento do ser humano, tanto no âmbito moral quanto no social e no intelectual, molda a percepção e a importância que se dá a cada signo.
Tendo em mente que, ao perceber um objeto, imagina-se que ele existe por algum motivo e, portanto, possui um caráter representativo, pretendendo causar algum efeito específico, pode-se dizer que a semiótica está sempre presente em nosso cotidiano, mesmo que de maneira imperceptível, sendo a base para diversas conjecturas sobre o mundo à nossa volta. Baktin (1997), por exemplo, afirma que os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, refletindo sua lógica e suas leis. Portanto, a consciência adquiriria forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Em concordância, Umberto Eco (1976) salienta que todo signo só terá significação se socializado, isto é, se não for social não terá sentido.
Os pioneiros da semiótica contemporânea, que começaram a traçar as considerações primárias sobre o estudo dos signos, são o suíço Ferdinand de Saussure e o americano Charles Sanders Peirce.
Saussure denominada seu estudo como Semiologia, que é fortemente vincado às suas principais noções: denotação e conotação, significante e significado. A Semiologia, segundo ele, teria por objeto o estudo de todos os sistemas de signos na vida social, onde a Lingüística seria uma parte da Semiologia que, por sua vez, seria uma parte da Psicologia Social.
A principal característica dos estudos de Saussure se encontra na dicotomia do signo (significante versus significado) em que este é tido como unidade básica de linguagem. O signo, neste caso, é descrito como algo que une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Em resumo, o signo linguístico seria composto pela junção do significante (unidade do universo material) e do significado (unidade do universo conceitual).

FIGURA 1 – Esquema representativo dos conceitos de Saussure
Já na Semiótica de Peirse, o conceito de signo é descrito como uma relação triádica entre o signo, o objeto e o interpretante, utilizando uma concepção baseada no estudo dos fenômenos onde o homem interage com os signos.
Um signo, ou representamen, é uma coisa qualquer que está para alguém em lugar de outra coisa qualquer sob um aspecto ou a um título qualquer. Dirige-se a alguém, isto é, cria no espírito desta pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido. A este signo que ele cria dou o nome de interpretante do primeiro signo. Este signo está em lugar de qualquer coisa: do seu objecto. Está em lugar deste objecto, não sob todos os aspectos, mas em referência a uma espécie de ideia a que por vezes tenho dado o nome de fundamento do representamen. (PEIRSE, Coltected Papers, 2.228).
Ou seja, o signo é aquilo que, de alguma forma, representa algo para alguém, enquanto que a ideia de representação seria a de estar no lugar de, isto é, estar em relação tal com outro que, para certos propósitos, alguma mente o tratará como se fosse aquele outro.
"Um Signo (ou reptresentamen) é um 'primeiro' que estabelece algum tipo de relação genuína com um 'segundo' (seu Objeto), de modo a determinar um 'terceiro' (seu Interpretante". (Farias, 2002.)
Qualquer processo sígnico necessita, pois, da presença dos três elementos:
- O Signo (representamen): a face do signo imediatamente perceptível, de modo espontâneo, fazendo parte da Primeiridade.
- O Objeto: faz parte da Secundidade, da reação, da experiência existencial. É a o quê o intérprete envia um signo em um processo de semiose em que há a compreensão e a profundidade do seu conteúdo.
- O Interpretante: é o signo mediador do pensamento, da Terceiridade, que permite relacionar o signo apresentado ao objeto que ele representa.
Primeiridade, Secundidade e Terceiridade são as três categorias de elementos fundamentais presentes na consciência.
É válido salientar que o objeto, que determina o signo, não é obrigatoriamente algo tangível, ou mensurável, podendo ser de uma natureza abstrata, de modo que
Um signo possui uma materialidade da qual nos apercebemos com um ou vários dos nossos sentidos. Podemos vê-lo (um objeto, uma cor, um gesto), ouvi-lo (linguagem articulada, grito, música, ruído), cheirá-lo (diversos odores: perfume, fumo), tocá-lo ou ainda saboreá-lo. (JOLY, 1996, p.35)
Por meio da semiótica peirciana, o signo ainda pode ser dividido em símbolo, ícone e índice. Um símbolo seria algo que descreve um objeto por convenção, mas que não possui relação direto com o tal, como as letras do alfabeto. Já o ícone seria um signo convencionalizado, porém marcado por uma semelhança com o que está representando, como no caso dos hieróglifos. O índice, por fim, geraria um ato reflexo, funcionando na base da ação-reação. Um exemplo seria o botão onde se liga e se desliga de um aparelho, a partir do qual espera-se o funcionamento do mesmo.

A imagem
A imagem é a representação de algo, sendo caracterizada segundo quem a lê. Logo, cada indivíduo possui uma leitura diferente, não podendo ser definido um sentido específico à mesma. Uma imagem mental, por exemplo, corresponde à impressão própria que temos de determinado objeto, gerada com base nos valores, na cultura, no conhecimento de mundo e nas experiências individuais de quem interpreta. Sendo assim, uma imagem mental seria a elaboração de um modelo perceptivo de um objeto.
Quando se fala em "imagem de marca", pois, há referência a imagens mentais baseadas em fatores semióticos. Dessa forma, é de extrema importância o cuidado na construção dos aspectos éticos e estéticos da marca, ou seja, na construção de sua identidade, uma vez que esta será a fonte geradora das imagens mentais de seus clientes. Atualmente, a imagem está mais relacionada com ofícios que a representam materialmente, como produtos faróis de uma marca, que remetem, quase que instantaneamente, à empresa que os comercializa e, consequentemente, a seus valores e ideais.

A ética e a estética da marca
Segundo a obra de Gilles Lipovetsky juntamente a Elyette Roux (2005), uma marca de luxo pode ser definida a partir de duas ditas "dimensões-chave e indissociáveis": sua ética e sua estética próprias. A partir desse princípio, a diferenciação entre esse tipo de marca e as demais começa a ser traçada.
Enquanto os produtos de consumo concorrente proporcionam benefícios de tipo funcional, as marcas de luxo remetem a benefícios simbólicos e "experienciais", ou seja, "que implicam, no cliente, uma busca de experiência e de emoções fortes excepcionais". A imagem da marca, portanto, é construída através do conjunto de associações que permanecem na memória do consumidor (relação de Terceiridade) que, para a valorização da mesma, devem ser favoráveis, fortes e únicas. Tendo isso em vista, o marketing de uma marca de luxo deve contribuir para salientar sedução, emoções, prazer e estética, fazendo partilhar valores e ideais e não apenas evidenciando benefícios.
Outro dever das marcas de luxo é o de justificar seu valor agregado por sua legitimidade e sua identidade. A legitimidade, termo que remete, de forma geral, à autoridade, pode possuir ordens de origens diferentes: a tradição (legitimidade tradicional) ou a criação (legitimidade carismática), condições suficientes e necessárias para a consolidação e o reconhecimento mundial do poder e da supremacia das marcas de luxo francesas. A tradição está frequentemente ligada a uma base artesanal e/ou uma tradição manufatureira, onde a legitimidade é estabelecida e é mantida deliberadamente na e pela duração. Já a criação seria o talento criativo original, exclusivo e constantemente renovado do criador-fundador da marca.
Além disso, para que a marca de luxo obtenha sucesso, é necessário que a ela seja capaz de comunicar um imaginário forte, reconhecível e único, gerando uma identidade clara e legível, projetada de maneira criativa e coerente no tempo e no espaço. É interessante que ela possua um ou mais produtos faróis (criadores de imagens mentais) facilmente identificáveis e atribuíveis à marca, uma cultura inovadora e, principalmente, uma visão de longo prazo ao mesmo tempo que tem um enraizamento na atualidade, no cliente e no mercado.
A identidade, por sua vez, é o caráter do que permanece idêntico a si próprio, podendo ser reconhecido pela sua individualidade sem causar nenhum tipo de confusão, graças aos elementos que o singularizam. A identidade abrange, pois, uma dimensão de "mesmidade", que supõe a unicidade, a permanência e a continuidade, que não se definem senão na diferença. Tais características são critérios que permitem identificar o "caráter" da marca. Já a inovação, a mudança, implica que as formas de ser fiel aos valores nos quais alguém se reconhece podem ser diversas, visando assegurar "a manutenção de si", "do si" e, portanto, do ipse (o si). Assim, conclui-se que se parecer consigo mesmo é também não se parecer com ninguém mais e ser, sob maneiras variadas e constantemente renovadas, sempre fiel a seus valores, ou seja, a si. Em resumo, a identidade seria a invariância sob as variações.
Retomando as "dimensões-chave" da marca de luxo, a ética, termo que remete à ideia de costumes, pode ser definida em relação à moral, portanto, à forma de organizar sua conduta inclinando-se para a realização de seus valores próprios. A estética, por sua vez, é considerada a "ciência do conhecimento sensível", onde um objeto não mais agrada por ser "intrinsecamente" belo, mas por proporcionar certo tipo de prazer que chamamos de belo. A linguagem da estética contemporânea seria, a partir daí, a das experiências vividas. A ética e a estética são ligadas, pois, pelo fato de a última ser uma maneira original, inédita, de organizar o mundo sensível de forma a comunicar uma emoção que traduz a visão do mundo do criador, ou seja, sua ética. Observando tal análise da identidade, define-se luxo como a articulação de uma ética e de uma estética, onde
[...] o desenvolvimento e a manutenção de um imaginário coerente, identificável e único supõe que todos os elementos da cadeia do valor [...] traduzam e reforcem a ética e a estética da marca, tanto no tempo como no espaço. (LIPOVETSKY, 2005)
Dessa forma, na vasta concorrência atual, a lógica utilizada pelo consumidor será a de ser fiel à marca se e apenas se esta for capaz de lhe provar que é fiel a si própria, mesmo se renovando constantemente.

Coco Chanel
Gabrielle Bonheur Chanel, mais conhecida como Coco Chanel, nasceu em 19 de agosto de 1883, em Saumur, Paris. Vinda de uma família numerosa, Coco era uma dentre os 5 filhos de Albert Chanel, feirante, e Jeanne Devolle, doméstica. Após a morte precoce da mãe devido à tuberculose, seu pai assumiu a responsabilidade perante os filhos. Porém, este optou por entregar as três meninas aos cuidados das freiras no orfanato localizado atrás dos muros de um convento, a Abadia de Aubazine. Aos doze anos, Gabrielle nunca mais veria seu pai novamente.
A pureza românica do mundo ascético que a cercava durante toda sua infância e adolescência inspirou seu senso de austeridade e seu gosto por preto e branco. Já a opulência das vestimentas religiosas e dos objetos cerimoniais despertou seu fascínio pelo estilo barroco, pelo ouro e pelas pedras coloridas nos anos seguintes. Como dito na matéria das jornalistas Camila Lima e Ludmila Vilar sobre a estilista, publicada na edição de outubro de 2009 da revista Maria Claire,
Das lembranças da infância solitária, quando foi abandonada num orfanato, surgiram as sementes para a moda que mudaria o mundo. Enquanto as meninas ricas desfilavam com vestidos coloridos, Coco e as internas mais pobres tinham direito apenas a um uniforme preto. O mesmo preto do hábito das freiras, que também usavam grandes chapéus brancos. Foi assim que ela aprendeu a apreciar o contraste, a combater o claro com o escuro. E assim o fez durante seu reinado na Maison. Uniu o preto ao branco, o marinho ao cru. Os sapatos que criou são exemplos disso.
Em 1903, aos 20 anos, teve êxito em sua fuga do orfanato e começou a trabalhar como costureira em uma loja de enxovais. À noite, cantava em bares onde passou a ser chamada de "Coco" devido à canção que costumava interpretar, "Who has seen Coco?".
Coco era uma jovem mulher com jeito de menino. Ela se vestia como ninguém, se inspirando em roupas masculinas e inventando novos estilos de chapéus, mais simples, leves e chiques. Suas primeiras clientes foram moças trabalhadoras, ativas, mas logo a sociedade as seguiu. Por volta de 1910, na capital parisiense, Coco conheceu o homem de sua vida, o milionário inglês Arthur Capel. Boy Capel, como era chamado, ajudou-a a abrir a sua primeira loja de chapéus. A loja Chanel tornou-se um sucesso e aparecia nas revistas de moda mais famosas de Paris. Com este relacionamento, Chanel aprendeu a frequentar o meio sofisticado da Cidade Luz. Coco, então, decidiu abrir suas primeiras boutiques em Paris, Deauville e Biarritz. Ela queria trabalhar para conquistar sua liberdade.
A revolução Chanel principiou com a transformação da silhueta feminina. Coco encurtou vestidos, revelou tornozelos, libertou a cintura, eliminou os espartilhos, reviveu o Jersey, cortou os cabelos e bronzeou a pele. Modernizou, também, as roupas das amazonas, antes completamente desconfortáveis para a equitação – uma das paixões da estilista. Chanel encerrou uma era e lançou um novo século de moda. Em 1918, abriu sua primeira casa de alta costura em Paris, comercializando chapéus roupas desportivas para ir à praia e para montar a cavalo. Pioneira, também inventou as primeiras calças femininas. Antes de libertar as mulheres, ela havia libertado a si mesma.
Além de confecções próprias, Coco desenvolveu perfumes com sua marca, como seus tailleurs, que são referência até hoje. Em 1921, criou sua primeira fragrância, o Chanel Nº 5, perfume que se mantém em primeiro lugar mundial de vendas até hoje, mesmo após 92 anos. Coco Chanel não entendia por que as mulheres tinham de cheirar a plantas. Por isso, passou grande parte de sua vida estudando as combinações de essências. Queria um perfume que traduzisse a mulher, a sensualidade, a independência e a limpeza. Coco, então, alcançou uma fragrância impecável e a descreveu como "um perfume de mulher com cheiro de mulher".
Gabrielle Bonheur Coco Chanel faleceu no Hotel Ritz Paris em janeiro de 1971. Karl Lagerfeld, estilista alemão reconhecido como um dos mais influentes no mundo da moda do século XX, tornou-se designer e diretor de criação da maison Chanel. Lagerfeld levanta explicitamente a questão da identidade estilística de Chanel nos diferentes desenhos e pranchas que foram seus documentos de trabalho. O total look Chanel como identidade visual constitui o objeto de uma cuidadosa análise semiótica.
Chanel deixou um estilo, algo que podemos identificar num segundo, que é ao mesmo tempo atemporal, mas que deve estar na moda. Seu estilo é um estilo de uma outra época, mas que sobreviveu e que soube se adaptar à modernidade de todas as décadas sucessivas. [...] A elegância de Chanel é uma atitude, um espírito, é uma certa renúncia de uma feminilidade cheia de "frou-frous". [...] Quando compramos um produto Chanel, nós compramos uma ideia, mais ou menos inconsciente, seguindo o conhecimento que você tem dessa história. O estilo da Chanel é uma ideia, mas essa ideia está gravada na mente numa espécie de memória universal e isto é ainda uma coisa rara. É uma lenda visível. (LAGERFELD, Karl).

Chanel S.A.
Chanel é uma das referências universais do luxo, mantendo-se entre as "cinco mais" das marcas de luxo até 2001 e, também, referência incontestável no espírito de suas clientes, sejam estas regulares ou ocasionais. A marca, bem-sucedida em sua transição criativa, atualiza constantemente um estilo que, para além das evoluções de tendências, torna-a extremamente reconhecível e, a certo ponto, emblemática. A revista Times de 8 de junho de 1998, por exemplo, inclui Coco Chanel entre os vinte artistas e entertainers que marcaram o século XX, declarando: "Mudando a moda, ela modificou a imagem que as mulheres tinham de si próprias". A partir daí, faz-se a análise das invariantes éticas e estéticas que levaram a efeito as criações de Chanel e qual a sua concepção da moda e da mulher (dimensão ética) e qual a sua forma única de organizar o universo sensível por uma silhueta marcantemente reconhecível (dimensão estética).
O que assegurou a perenidade da marca mesmo após a morte de sua fundadora foi uma criação renovada que estava ao mesmo tempo ancorada na identidade da marca. Identidade, tal, que se mostra até hoje forte, coerente, reconhecível e única. Exemplo disso é o fato de Chanel possuir 8 produtos faróis, não se limitando somente ao "pretinho básico" e ao botão dourado marcado com o duplo C. A marca se preocupa em fazer um futuro melhor com os elementos ampliados do passado, ou seja, o importante é saber como reconhecer e projetar essas invariantes éticas específicas no mundo contemporâneo, sempre mantendo sua visão da moda e da mulher próprios e únicos.
Chanel rejeita os signos caraterísticos da moda feminina da época, que fazia da mulher puro objeto de decoração. Ou seja, há rejeição a tudo o que não corresponde a uma verdadeira função do vestuário. Para Coco, a roupa deve servir, ser prática e confortável, pois sua clientela sempre foi de mulheres ativas e que, portanto, tem necessidade de estar à vontade em seu vestido. Assim, Chanel faz, somente, bolsos nos quais se possa introduzir as mãos, saias que permitam grandes passadas e cavas e costas de roupas suficientemente largas para facilitar os movimentos. Surge, a partir daí, a primeira dimensão semiótica do look Chanel, tendo como conteúdo narrativo recorrente a conquista da liberdade individual, e a mulher moderna e sua busca de liberdade. Sua segunda dimensão está nas peças e materiais utilizados, que não apresentam sentido no universo da época senão em oposição à moda feminina, ou seja, o trabalho e o vestuário masculino. Há, portanto, uma inversão dos significantes e dos significados da identidade sexual socialmente definida à época (século XX), dando origem a identidade distintiva e singular da marca. Sendo assim, o significado Chanel consistiria em tomar o que significa masculino e trabalho e transformá-lo no seu contrário, feminino e luxo, reivindicando valores de liberdade feminina. Em resumo, todos os seus produtos, mesmo se renovando, estão em sintonia com a identidade da marca, alimentada por criatividade, inovação e respeito.



Análise semiótica das campanhas publicitárias de Coco Mademoiselle
Criado em 1991 por Jacques Polge, o perfume Coco Mademoiselle nasceu com a missão de firmar a Chanel entre as marcas preferidas também das jovens. Seguindo a identidade das duas consagradas fragrâncias da maison, Coco e Chanel Nº 5, Coco Mademoiselle ganhou o acréscimo de notas frutais, como as de laranja e bergamota, que proporcionaram caráter mais moderno ao perfume. A estética delicada do frasco em tom rosa agrega uma atmosfera de suave e pureza juvenil, voltada a um público de mulheres entre seus 20 e 30 anos. Porém, este adota o marcante formato semelhante ao de Chanel Nº 5, não abandonando a maturidade e a sobriedade características da marca (ética). Coco Mademoiselle encontra-se na segunda posição do hanking dos perfumes mais vendidos do mundo, ficando atrás apenas do lendário Chanel Nº5. Em 2007, Chanel deu início a sua nova campanha, estrelando a atual spokes model Keira Knightley como Coco Chanel.
A semiótica, assim como afirma Leandro Baller (2006), possibilita a análise e o trabalho com imagens fotográficas, tendo-as como modos de linguagem e não apresentando-as somente como um mero material ilustrativo da pesquisa. Deve-se fazê-las comportar todo o significado e significante de determinado contexto. Sendo assim, é necessário que as imagens sejam analisadas como textos e não como simples manifestações sígnicas, levando em consideração que um texto pode ser visto como uma "galáxia de significantes", e não apenas como uma estrutura de significados. Ou seja, cada elemento presente na composição de uma imagem deve ser enxergado em sua Terceiridade e, portanto, ter seu significado reconhecido e interpretado a partir do contexto específico em que se encontra imerso e do conhecimento de mundo e experiências prévias do intérprete. "Uma obra não se apresenta nunca, nem mesmo no momento em que aparece, como uma absoluta novidade, num vácuo de informação [...]" (JAUSS, 1993, p. 66).

FIGURA 2 – Anúncio Coco Mademoiselle Fragrance S/S 2008

Com base nesses princípios, é possível perceber a peça publicitária do Coco Mademoiselle não como um mero anúncio de perfume (por apresentar tal produto) de uma marca de luxo (por suas cores e iluminação sóbrias e por se utilizar de uma atriz renomada), mas como um conjunto de elementos específicos (signos) que compõem um anúncio da marca Chanel e, consequentemente, seus valores e ideais (significados).
Inicialmente, pode-se observar a paleta de cores utilizada na peça. O preto e o branco são as cores dominantes, dividindo espaço somente com o tom da pele da atriz e a coloração suave do frasco do perfume. Essas duas cores, estando empregadas no contexto Chanel, ganham significados que vão muito além de sua Primeiridade. Elas representam o contraste intrínseco na história de Coco Chanel, desde sua infância preta e branca em meio às freiras até uma de suas marcas registradas, o "pretinho básico", que se tornou um dos símbolos da marca.
Observa-se, também, que a modelo usa o corte de cabelo estilo Chanel, criado pela estilista em 1918, e tem seu corpo coberto apenas por um chapéu preto e uma camisa branca, que repousa em seu colo. O objeto chapéu, por si só (Primeiridade), no momento em que é percebido como elemento de composição de um anúncio da Chanel (Secundidade), gera um significado que remete às primeiras boutiques de Coco e seu estilo novo e revolucionário de chapéus (Terceiridade). Já o fato de a modelo encontrar-se nua (estética) pode ser interpretado como a máxima rejeição à vestimenta feminina rígida, desconfortável e não funcional da Belle Époque (ética), significando, pois, a libertação feminina e a necessidade das mulheres ativas de sentirem-se à vontade. A camisa, por sua vez, detém o significado Chanel que, como dito anteriormente, consiste em tomar o que significa masculino e trabalho e transformá-lo no seu contrário, feminino e luxo. Por fim, o colar utilizado pela modelo fecha o ciclo representando outro segmento de produtos Chanel (joalheria), além de gerar uma relação de Terceiridade com o fato de Coco ter sido pioneira, também, no uso de bijuterias, outra marca registrada da estilista.
Em uma visão pouco mais profundada, pode-se analisar até a escolha da spokes model que representa Coco Chanel na campanha. Keira Knightley, de acordo com a entrevista que concedeu à revista Glamour France em 2009, mostrou ter uma personalidade e um estilo pessoal que casam quase que perfeitamente com os ideais de Chanel. A atriz conta que adota um estilo mais relaxado e confortável e que, atualmente, tem preferência por cores escuras, como o preto e o azul marinho. Ela também foi quem popularizou o "boyfriend jeans" entre as mulheres, calça com caimento mais frouxo, como se fosse uma peça de roupa do namorado (daí a origem do nome). "I've always preferred jeans that are a little baggy and don't constrict you all day long", comenta. Knightley ainda acrescenta que adoraria vestir as roupas que realmente são de seu namorado, mas só não o faz por este ser muito mais alto que ela, limitando-a a pegar emprestado somente suas echarpes e seus chapéus. Por fim, a atriz fala sobre seu gosto por perfumes, em que a preferência por fragrâncias masculinas sempre foi evidente, até conhecer Coco Mademoiselle:
"For a long time I preferred, and only wore, men's cologne since I find it lighter. Strangely, before I was under contract with Coco Chanel, three years ago, a friend gave me a bottle of that perfume for Christmas. I started using it right away. Fate did things well. Normally a contract forces you to wear the fragrance in question. For me, that was already the case. The difference is that now I no longer have to buy my bottles of Coco Mademoiselle. They give them to me for free (laughs)".
Vê-se, com isso, que até a escolha da modelo (em sua personalidade real) que iria representar a marca foi minuciosa e fortemente fiel a sua ética.

FIGURA 3 – Anúncio Coco Mademoiselle Fragrance F/W 2009

O segundo anúncio da campanha de Coco Mademoiselle, veiculado no período de outono/inverno, sai da atmosfera quente do primeiro anúncio, em que Knightley, além de nua, tem a pele bronzeada, parecendo emanar calor (período primavera/verão).
Agora, a atmosfera adotada é mais fresca, onde a modelo já apresenta um tom de pele mais brancoso, frio, e aparece vestida com a camisa que, antes, repousava em seu colo, e uma calça preta com suspensórios. Mais uma vez, há a representação da inversão dos significantes e dos significados da identidade sexual socialmente definida àquela época (século XX), tendo como base o vestuário masculino, voltado ao trabalho. Tanto a camisa quanto os suspensórios (significantes, em sua dimensão estética) estão frouxos em seu corpo, tendo um caimento leve, passando uma ideia de conforto e rejeição ao que é apertado e sufocante (significado, em sua dimensão ética), como eram os vestidos no começo do século passado. Já a calça feminina, assim como o colar de pérolas falsas são duas outras marcas registradas da estilista.
Quanto ao frasco do perfume, este é referência direta à fragrância símbolo da marca, Chanel Nº5. Ambos os perfumes são apresentados "num simples frasco de laboratório". Puro, austero, num minimalismo que distingue-o dos francos rococós dos anos 20. "Sóbrio, ele permanece atemporal" (Inside Chanel, Chapter 1). Sua tampa, em forma de diamante, é inspirada na geometria da Place Vendôme, onde localiza-se a sede da Maison em Paris. Pode-se dizer, pois, que até a tampa do frasco (representamen) tem um significado maior, além de sua Primeiridade, ligado à história de Chanel.

Considerações finais
Pretendeu-se, neste trabalho, mostrar, através das peças publicitárias apresentadas, a Chanel como um exemplo de marca que sabe articular sua ética e sua estética próprias com maestria, desenvolvendo e mantendo um imaginário coerente, identificável e único. Tal cuidado faz com que todos os elementos da sua cadeia de valores traduzam e reforcem a identidade da marca, tanto no tempo como no espaço. Isso pôde ser comprovado por meio da análise de um dos recursos estéticos adotados pela marca: a imagem. Com uma escolha minuciosa de seus elementos componentes, esta deixa de anunciar um mero produto e passa a anunciar a Chanel por completo. As peças apresentadas não anunciam apenas o perfume Coco Mademoiselle, mas todo um conjunto de valores e ideais, ou seja, a ética e a história da marca, mantendo-se fiel a si mesma.

Referências
LIPOVETSKY, Gilles e ROUX, Elyette. O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas, 2005.

BALLER, Leandro. Imagem Fotográfica: Possibilidades de Análise em História, 2006. Disponível em:
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