a imagem em estações
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!1 A imagem em estações - Observações sobre “Margens”, de Carlito Azevedo – Flora Süssekind Talvez o “drama de estação”, com a sua tensão entre itinerância intrasubjetiva unificado
(em
dramatúrgica,
e
quadros e
estacionários,
desdobramento
episódios ajude
e
a
coral,
perspectiva
e
um
modo
espelhamentos)
de
construção
compreender
certas
não-
mudanças
de
inflexão (em especial nos processos de figuração de Carlito Azevedo) que se tornam particularmente evidentes num poema como “Margens”, de 2003, cuja importância, em seu trabalho, já foi, de certo modo, sugerida pelo próprio poeta (ao anunciar ter tomado emprestado dele o título de um novo livro, ainda em preparo). Não que haja traços diretamente strindbergianos
ou
expressionistas
no
texto.
Nele,
pelo
contrário, a única referência teatral explícita aponta em direção bem outra – a das peças de Gertrude Stein. Lembrese,
porém,
que,
numa
das
peças
de
Stein,
The
King
or
Something (The Public Is Invited To Dance), na qual todas as falas são ditas por páginas, uma delas, a página XCIV, a certa
altura,
anuncia:
"Você
pode
criar
estações.
Posso
criar estações aqui”1. E
há
uma
espécie
de
teatralidade
relutante,
mas
insistente, que tem se manifestado, de diversas maneiras, na poesia de Carlito Azevedo, sobretudo desde Versos de Circunstância
1
(pequeno
livro,
de
tiragem
limitada,
Cito a tradução de Júlio Castañon Guimarães, “O Rei ou Alguma Coisa (Convidase o Público a Dançar)”. In: O Percevejo. Ano 8. N.9. Rio de Janeiro, Departamento de Teoria do Teatro/PPGT, UNIRIO, 2000, p. 250.
!2 publicado em 2001). Curiosamente, porém, uma inclinação à teatralização que se realiza em estreita ligação com certos modos narrativos de composição poética – em particular com a
do
poema
figurado
como
percurso
–
o
que
acontece
em
textos como “O Poeta”, “Margens” ou no ainda inédito “O Tubo”,
por
exemplo.
dramatizações atual
da
são
se
nem
exclusividade
literatura
mostrado
E
narrativizações,
do
brasileira,
fundamental
na
poeta, sua
produção
ou
do
conjunção
recente
de
nem
momento tem
se
Carlito
Azevedo. Este ensaio procura contextualizar e compreender essa mudança
e
sua
formas
de
intensificação,
manifestação
de
registrando
um
método
algumas
das
crescentemente
conflituoso e dilatório de composição no trabalho do poeta. E observando, em particular, o modo como esse movimento (à beira
da
contradição)
entre
expansão
e
parcelamento
tem
emprestado aos seus processos de figuração, sobretudo nos poemas dos últimos anos, uma dinâmica dissociativa bastante peculiar,
marcada
pela
tendência
a
extrair
da
imagem
exatamente o que a rigor costuma definir sua eficácia – a impressão
de
visibilidade,
o
potencial
ilustrativo
ou
evocativo, a imediatez da apreensão. Seus exercícios de figuração se recusam a funcionar assim,
no
funcionem mostrem
sentido como
chaves
capazes
determinado
da
de
sentido
captura
de
imagens-síntese
interpretativas totalização,
essencial,
de
único,
internas,
que
que
se
apresentação
de
central,
para
o
poema. É em direção oposta (a da indeterminabilidade, a da diferenciação)
que
parece
se
encaminhar,
na
poesia
de
Carlito Azevedo, o acúmulo de imagens-em-sucessão que se desdobram,
por
vezes
sem
maiores
analogias,
umas
das
!3 outras.
Exercícios
de
figuração
que
trabalham,
com
freqüência, múltiplas formas de adiamento ou de indefinição da imagem, que se vê barrada pela neblina, pela fumaça, por portas
de
ferro
fluxo,
ou
pela
batidas
na
dificuldade
cara,
por
mesma
de
formas
várias
encontrar
de
qualquer
método aceitável de fixação ou de inteligibilidade. É exemplar, nesse sentido, o poema “Uma tentativa de retratá-la”,
no
qual
sucedem-se
cenários
(o
dancing,
a
biblioteca, o carro, a calçada, a cama), todos possíveis (“Talvez,
talvez”),
todos,
à
primeira
vista,
bastante
razoáveis para o exercício desejado de figuração, e, no entanto, mal enunciados, vão sendo todos eles (assim como a hipótese
mesma
do
retrato),
sistematicamente
postos
de
lado. “Por quê, pintor, figurar-me uma face/ e sujeitar uma deusa do vazio?”, parece indagar o poema à maneira do "Eco de Ausonius", de Augusto de Campos. E ao mesmo tempo em que, no texto de Carlito, essa contigüidade espacial e essa dinâmica
de
negações,
identificação
e
o
se,
retrato
por
como
um gran
lado,
recusam
finale,
e
a
mantêm
lacunar o objeto-em-fuga, em eco, de toda a perseguição, complexificam, por outro, nesse processo, o exercício de figuração, que, de ação direcionada, definitória, em mão única, se converte num jogo em que planos descontínuos de sentido
se
produzem
e
contradizem
num
campo
relacional
contrastivo. A isso é que talvez se possa chamar aí de teatro. Nada que
se
reduza
poéticas. entendimento
à
Nada
invenção que
realmente
convencional
intersubjetivos,
de
figuras
do
um se
drama,
conjunto
de
aproxime baseado
empaticamente
bem
personae de
em
certo
diálogos
definidas,
histórias, com começo e fim, urdidas como seqüências de
!4 momentos voltados teleologicamente para formas diversas de clímax. Nada cuja apreensão exija imediata exteriorização, encenação, locução. E, no entanto, trata-se de algo que envolve formas de ver e ouvir, como disse John Cage, numa das muitas definições de teatro ensaiadas por ele. Mas não apenas visão e escuta. Ou as contradições possíveis entre imagens
óticas
e
visuais.
Mas
algo
que
demandaria
uma
“situação de circo”, diria o compositor, especificando, em seguida, que se tratava, na verdade, de criar uma situação em que se pudesse contar com “uma pluralidade de centros”2. Sua
idéia
de
teatro
apontando,
segundo
comentário
de
Marjorie Perloff, para a criação de “um campo de ação” que evitaria, necessariamente, “o movimento unidirecional”3. É, de certo modo, exigência semelhante que o método poético
de
Carlito
Azevedo
vem
dramatizando
nos
últimos
anos. Daí, talvez, a necessidade da clara explicitação, no poema, de seu modo narrativo e a ampliação da sua extensão de
modo
diretamente
decomposição
proporcional
imagética
contrastantes),
e
a
(em um
à
intensidade
diferentes
movimento
planos
de
de
sua
figurais
flexibilização
semântica realizado por meio de recorrente justaposição e interferência de zonas de sentido diversas e ressonantes. Uma das manifestações mais características e melhor realizadas dessa conjunção entre o poema-percurso e o seu recorte em imagens ativas, e a rigor independentes, não se pode
dizer,
no
entanto,
que
“Margens”
se
distinga,
inteiramente, na obra de Carlito Azevedo, pela extensão, 2
Observação de Cage em Roaratorio, referida por Marjorie Perloff em “John Cage’s Living Theatre”(In: Puchner, Martin e Ackerman, Alan (eds.). Against Theatre: Creative Destruction on The Modernist Stage. New York, Palgrave, 2006, p. 133-148). 3
Id. Ibid.
!5 pelo relato intervalar ou pela função efetiva (por vezes de esgarçamento interno) que cabe aí à figuração e à paisagem. Tampouco pela itinerância. Pois estes são elementos que se acham presentes (com alcance e dinâmica diversos, porém) desde o seu primeiro livro, Collapsus linguae, de 1991. Intensificam-se, entre
esses
porém,
dados,
e
as o
formas
seu
possiveis
potencial
de
de
conflito
deformação
e
refiguração interna do poema. Cabe observar, então, como emerge,
nessa
poética
marcadamente
narrativa,
o
poema-
percurso, espécie de quadro urbano expandido, em diálogo com
o
qual
dialetizar, processo
caberia
a
uma
decisivamente, de
em
composição,
teatralização sua
obra
mais
expansiva recente,
encaminhando-o
para
o
uma
“pluralidade de centros” semelhante à designada por Cage. Quadros urbanos Uma vezes,
narrativização
ainda
nos
problemática,
primeiros
livros,
dramatizada
pelo
confronto
muitas entre
momento e movimento, já se manifestaria, por exemplo, num poema como “A Morte do Mandarim”, do livro de 1991. Nesse caso,
na
imagem
de
um
hipotético
damasqueiro
em
flor,
tremulando sob a brisa, que se vê contrastada à de um corpo nu em repouso, à de certa moça adormecida. Um contraste que, por sua vez, espelharia a tensão entre uma dicção meditativa
(e
a
auto-exposição
de
um
pensamento
em
movimento), de um lado, e, de outro, o quadro estático “que só na mente germinou”, o desejo de que “não passe o tempo, não/
corra
o
rio,
não
cintilem/
novos
atritos”,
dobras
antagônicas de que, no entanto, parece resultar o poema.
!6 Quanto à extensão, ao trabalho com o poema mais longo, não se trata, igualmente, de nada incomum quando se pensa na poesia de Carlito Azevedo. Há, desse ponto de vista, toda a sucessão de “Banhistas” do seu segundo livro, de 1993,
mas,
nesse
caso,
o
que
domina,
em
diálogo
especialmente com as de Cézanne e de Félix Vallotton, são as muitas voltas a um mesmo tema, a estruturas semelhantes, é a série que se acha aí sob escrutínio poético e que serve de recurso privilegiado de formalização. Em
Sob
a
noite
física,
de
1996,
para
ficar,
a
princípio, num único exemplo, há um poema como “Ao Rés do Chão”, que parece uma espécie de avesso fraterno de “A Morte do Mandarim”. Nele é um menino que passa, em meio à ventania na praça, e às mudanças do dia, imagem de um quase laceramento no tempo, de uma brevíssima epifania (quando, entretanto,
registra
o
poema,
“o
momento
passou
de
epifanias”), imediatez contrariada, porém, por sua expansão narrativa
ao
longo
do
poema.
Lembrando,
sem
dúvida,
a
“visão/ só na mente originada”, de “A Morte do Mandarim”, seria, igualmente, como uma espécie de “mobilidade fixa” que se definiria a poesia em “Ao rés do chão”. Mas, em vez do repouso (como no poema mais antigo), agora se sublinham (em conflito com o “acosso da quietude”) o alvoroço, a vertigem, e um desejo de que “a palavra ativa/ congele a vida, enfim, mas a conviva”. Ao lado desses conflitos temporais, outras formas de não-unificação, de “crítica em ato da significação”4, para empregar a caracterização de Bernard Dort da teatralidade
4
Dort, Bernard. “La représentation émancipée”. In: Féral, Josette et alii. Théâtralité, écriture et mise en scène. Québec, Éditions Hurtubise, 1985, p. 78.
!7 contemporânea, se manifestariam em sua exploração de uma poética narrativa. Das versões em contraste ou seqüência (como nas “3 Variações Cabralinas”), e dos “temas e voltas” às seriações e dípticos (como “De uma foto”), dos retornos temáticos (como o lixo, a convulsão, o belo que fere) ou estruturais exposição
(“Avenida
Rio
intencional
da
Branco: posição
afluentes”) do
a
sujeito,
certa
como
em
“Leopoldo María Panero”, e a uma reiterada “aspiração do exterior”5,
que
se
estende
por
uma
sucessão
de
quadros
urbanos, “passantes” e aparições. Talvez seja o caso, então, de uma consideração mais extensa
desses
percurso,
na
quadros
poesia
urbanos,
de
lugar
Carlito.
por
“Dê
uma
excelência caminhada
do
pelo
centro da cidade, note como ela, a cidade, entra pelos seus cinco
sentidos,
sabores
pelo
suas
paladar,
formas seus
e
cores
rumores
pela
pela
visão,
seus
audição,
seus
esbarrões ou carícias pelo tato, seus odores doces ou acres pelo olfato, sinta isso e faça poemas”6: este é um dos últimos
comentários
do
poeta
na
décima
aula
da
Oficina
Literária que ministrou online no “Portal Literal”. E é na relação com a cidade que sua “aspiração do exterior” se afigura particularmente intensa. É em meio a esse rastro urbano
que
exercita
configura
travas
que,
e se
desfaz não
pecursos
e
paisagens
necessariamente
de
e
ordem
dramática, sugerem uma espécie de disputa no interior do poema entre a exigência da forma e um metódico ceticismo
5
Sarrazac, Jean-Pierre. “L’intime et le cosmique: Théâtre du Moi, Théâtre du Monde” In: Théâtres Intimes. Actes Sud, 1989, p. 68. 6Cf.http://portalliteral.terra.com.br/oficina/oficina-poetica-on-line.
O material da Oficina online de Carlito Azevedo foi divulgado originalmente entre dezembro de 2005 e maio de 2006.
!8 artesanal que exercita modos diversos de testá-la e levá-la a algum ponto de quase ruptura. Esse rastro urbano, no entanto, se constante em sua poesia, raramente assume dimensão descritiva mais extensa, raramente
a
cidade
funciona
como
cenário
definido,
detalhado. O que não deixa de ser curioso, tendo em vista os belos exercícios descritivos do poeta. Nada, também, que mimetize o diálogo com o Tietê, de Mário de Andrade, ou o de Manuel Bandeira com o Beco. Não é propriamente como espaços-símbolo da cidade ou de uma geografia íntima que bairros e acidentes geográficos entram em seus poemas. Pelo
contrário,
parece
ser
quase
sempre
meio
de
relance que neles se avista ou percebe a cidade. Como se de tão
presente
ela
pudesse
se
mostrar
quase
muda.
Mas
servindo, ao mesmo tempo, de termo potencial de comparação, dobra
imagética
de
que
se
pode
fazer
uso
a
qualquer
momento. “Teu corpo gira na ponta/ de uma labareda negra/ mais
alta
que
o
Pão
de
Açúcar”:
lê-se
em
“3
variações
cabralinas”. “Repara/ como anda, não lembra/ uma onda morta de medo/ pouco antes de/ desabar sobre a areia?”: o mar servindo de dado analógico em “Por ela”. Noutros
momentos,
a
cidade
funciona
como
simples
evidência geográfica, lugar de trânsito, e nada mais. E então
se
“Vento”.
vêem E
atletas
há
o
na
oceano
Lagoa e
e
as
no
Arpoador,
pedras
em
como
em
“Vers
de
circonstance”, a praia, em “Vaca negra sobre fundo rosa”, a Lagoa, em tantos poemas (a ponto de dar nome a um deles), a Rua Lopes Quintas e o Jóquei Clube, que aparecem, meio rápido, em “Paisagem japonesa para Aguirre”, as casas e ruas suburbanas de “Pálido Céu Abissal”, a Urca, o Aterro e a Praia de Botafogo em “Paisagem com figuras de amigos” e
!9 em tantos outros textos. Dentre ele, “Margens”, onde também é na “noite escura da Marina da Glória” que desaparece completamente o cachecol cuja perda serve de marco inicial do percurso e da leitura. E se pode oferecer símiles propositadamente “fáceis”, meio em bruto até, à maneira de quase interferências (daí o ruído do mar e tantas ondas, montanhas, barcas, e tanto, tanto vento), o poeta também faz exatamente da recusa à analogia espécie de motor de muitos desses quadros urbanos. Pois
neles
não
há
tipificações,
e
mesmo
suas
banhistas
atritam pintura e cidade, alumbramento e seriação. E se estão lá, se o Rio de Janeiro está no texto, é, sobretudo, como indicação de percurso, quase exigência de percurso, desenhando-se
e
dissolvendo-se,
nessas
referências,
uma
sucessão de itinerários possíveis. Não
à
toa
multiplicam-se
os
ecos
deambulatórios
baudelairianos, os tableaux e encontros ao acaso. E são muitas as passantes de Carlito. Só que ele às vezes se diverte em chamá-las de banhistas. Às vezes não, como a que tem o nome da cidade tatuado pelo vento. Às vezes deixando, em sua passagem, a paisagem com “qualquer coisa de tão boticellano
quanto
num
crepúsculo
mediterrâneo”.
Ou
passando por metamorfose nada idílica, como em “Pálido Céu abissal”, divulgado no primeiro número da revista Modo de Usar, de novembro de 2007. Nesse caso, poema que retoma o topos baudelairiano, e cujo céu, perversamente em abismo, lembra o céu baixo e pesado, como a tampa de um caixão, que alimenta
e
sugere
o
spleen.
Um
poema
que,
parecendo
lembrar, igualmente, “O bicho”, de Bandeira, o encontro com a louca e as figuras entrevistas no túnel em direção ao cemitério São João Batista (para lembrar alguns poemas de
!10 Sebastião
Uchoa
adicional,
pois
Leite), agora,
acrescenta
em
meio
à
a
eles
escuta
da
prosaização “desconexão
absoluta de todas as falas do mundo”, é com uma ratazana (que lembra “Debra Winger/ abandonada no deserto”), e não mais com uma banhista, o encontro ao acaso do poeta. É como “poeta itinerante”7, portanto, para lembrar o belo ensaio de Antonio Candido sobre “Louvação da Tarde”, de Mário de Andrade, que Carlito Azevedo arma essas visões urbanas. O que ajuda a emprestar a elas formas diversas de trânsito, de instabilização - daí os poemas-limiares, as divisões
seriais
de
figuras
(banhistas)
e
paisagens
(os
afluentes da Avenida Rio Branco), e tantas metamorfoses. Uma itinerância que, do ponto de vista da auto-figuração do poeta,
no
entanto,
caminhadas
se
românticas
próxima, e
de
pela
algumas
mobilidade, de
suas
das
revisões
modernas, ao contrário destas, não parece sublinhar maiores interiorizações, ou reforçar, em diálogo com uma paisagem em fuga, o eu meditativo que a contempla. Pois, na poesia de Carlito Azevedo, as coisas do mundo se acham dotadas de forte potencial invasivo ou decompositório. Lembre-se, em “Por trás dos Óculos Abaulados”, o sujeito se “debatendo no carpete”,
“convulsionado”
fluorescentes: janelinha
do
fluxo avião;
e
sua
dúvida
cínico
que
ou
justamente/
que
eu
–“aqueles
peixes
acompanhava/ me
da
seguia?
Assustadoramente/ me seguia?“. Pois não é só a paisagem que se
vê
meio
afiguram
em
muitas
fuga, vezes
ou
as
diversas
inalcançáveis,
passantes
que
também
sujeito
o
se
parece vazado, de certo modo, por essa sucessão instável de
7
Cf Antonio Candido. “O poeta itinerante”. In: O discurso e a cidade, São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1993, p. 257-278.
!11 fluxos,
ecos
e
perdas,
arriscando-se,
ele
mesmo,
nesse
movimento, a se perder. Voltando,
então,
marioandradina, distinções
a
talvez
entre
Antonio
seja
essas
Candido
possível
e
à
louvação
enfatizar
itinerâncias.
De
algumas
“Louvação
da
Tarde”, observa o crítico, que remontaria tanto “aos poemas ingleses
de
tipo
reflexivo
com
referência
à
natureza”
quanto “às meditações em verso branco da nossa literatura pré-romântica nessa
e
relação
importante
no
romântica”8, entre
caminho
marcando,
modernidade do
modernismo
nessa
conjunção,
e
tradição,
e
na
etapa
trajetória
de
Mário, cuja poesia, a partir de então, se “construirá cada vez mais em torno do próprio eu, numa linha meditativa e analítica acentuada”9. A itinerância, no caso de Carlito Azevedo,
contém,
como
se
viu,
orientação
diversa.
E
se
dialoga intensamente com a tradição moderna, com a beleza convulsiva
surrealista
e
com
a
dicção
meditativa
do
Drummond de Claro Enigma, por exemplo, procura resistir, na mesma
proporção
ao
centramento
subjetivo,
a
uma
interiorização via andanças e derivas, divertindo-se, ao contrário, em sublinhar por vezes certa anonimização e em emprestar dimensão meditativa às mais diversas matérias, ao que está sobre, sob e em volta do itinerante, aos bichos mais baixos e objetos mais cotidianos. E a deixar que se desoriente a observação e o foco, do sujeito, passe para o que antes era observado por ele. Pois como diria Carlito em 2006, citando o dramaturgo Valère Novarina: “O poeta parece admitir que o tão falado ‘interior’ é o ‘lugar não do MEU,
8
Id.Ibid., p. 258.
9
Id. Ibid., p. 257-258.
!12 não do EU, mas de uma passagem, de uma fresta por onde um sopro de fora nos toma’”10. “Do lixo da esquina partiu/ o último vôo da varejeira” (Limiar);
“Vultos
no
breu
convulso:
latas
de
lixo”
(Na
Noite gris); as “contraluzes de dois faróis”, “dois gêmeos na
bolsa
d’água”
(Na
noite
física”):
é
conflituosa
a
paisagem percorrida, é em crise, convulsão, que se registra mesmo o mais cotidiano. Não é mais no limite entre cidade e campo,
como
o
caminhante
de
Rousseau,
ou
como
nas
meditações românticas, não é tampouco em identificação com a
multidão,
como
homem
poemas-percursos
de
da
multidão,
Carlito.
Nem
que
se
definem
nostálgicos,
os nem
aderentes, sua dimensão histórica, suas margens são outras. E a cidade, lugar por excelência da deambulação, pode, então, de caminho se contrair em figura, de itinerário se recortar
em
imagem.
A
de
uma
ratazana,
em
“Pálido
Céu
abissal”, ecoando aí não só Baudelaire, mas texto de Max Jacob caro a Carlito Azevedo - “O Que a Flauta nos traz”. Já em “Lagoa”, a cidade, que dá asas à “menina com o gato”, é
como
uma
espécie
de
apêndice
animalizado
que
se
manifesta. “Tendo às costas/ (como asas pensas que a tarde abre e fecha) o dorso cobreado da/ montanha e os reflexos de cobre da lagoa”: lê-se no poema. Perde-se, portanto, de certo
modo,
possibilidade
mesmo do
que
o
“como”,
advérbio da
ainda
geografia
de
esteja fundo
lá, ou
a da
comparação, e sucedem-se sobreposições e metamorfoses. E o mar vira precipício em “Do latim: Tam Magnu”. A árvore vira torso, em “Metamorfose”. E, voltando a “Uma tentativa de retratá-la”, parece se constituir, por vezes, uma espécie
10
Cf.http://portalliteral.terra.com.br/oficina/oficina-poetica-on-line.
!13 de porosidade negativa na passagem de um espaço a outro. Do dancing às bibliotecas, de dentro do carro aos operários na calçada, não parecendo haver mais lugar, na cidade, para qualquer tipo de repouso figural. Apenas para algo que, fugindo da identificação, mais parece extraído de um outro plano, o da mutação teatral. Por “Olhe
vezes
ao
escapa
redor,
lançados
na
até
mesmo
estamos
paisagem
no
a
Rio
complexa
de
evidência de
geográfica.
Janeiro/
um
conto
ou
fomos
tradicional
chinês?”, pergunta-se em “Margens”. Podem se misturar as cidades. E algo que poderia se dar numa delas indica, na verdade, outra – Kuala Lumpur, Euskadi, Barcelona – para citar a geografia de algumas paisagens de pesadelo dos “3 poemas em prosa”, de “KL”, de “Hipercolagem”, todos textos escritos pelo poeta nos últimos anos. Às vezes todas elas, as “cidades populosas”, parecendo mesmo se assemelhar, num “mundo todo ele com cara de Bosch” , como diz o poeta (via Milosz,
via
Ferlinghetti
e
Leminski)
em
“Teoria
das
Portas”. Todas
elas
batendo
suas
“portas
de
ferro
contra/
nossas caras e pretensões democráticas”, diz o poema. E, no entanto,
implicando
com
a
própria
homogeneização,
com
a
escalada analógica presente no texto, conclui-se que “tudo o que podemos ver por trás de nosso/ humilde balcão pósmetafísico é a hesitação do/ encanador e da pantera” frente a duas portas de banheiro de boate. A redução escatológica de escala (ao se passar do paisagístico, e das cidades populosas,
aos
banheiros
de
casas
noturnas
nada
nobres)
prosaizando, subitamente, o quadro e detendo o movimento do poema.
!14 Então,
se
multiplicam, narratividade
os
itinerários
emprestando poética,
eles
e
quadros
urbanos
motivo
temático
parecem
se
se
para
achar
a
dotados,
simultaneamente, de dobras (ou travas) imagéticas efetivas ou potenciais. E o que, neles, é fundamentalmente da ordem do percurso pode subitamente se destemporalizar e deter em figura. E figura capaz de contradizer, travar ou congelar o percurso.
Daí
apresentando
os
muitos
alguma
“versos
situação
de
de
circunstância”
limiar
convulsivo,
apontando para “essas horas em que/ o acaso me afronta com/ o lixo convulsivo de mais um poema”. E, nesse limiar, o que se afigurava “tableau” pode virar coisa um pouco diversa, e,
num
espelhamento
duplo,
desdobrar-se
em
relato
e
tensionamento do próprio processo de formalização poética. Vide
“Sobre
começa
com
uma o
fotonovela
relato
de
uma
de
Felipe
Nepomuceno”,
derrapagem,
com
um
que
carro
avariado junto de uma moita e termina com o poema que vai “crescendo,/ lataria,
como
junto
à
a
ferrugem
moita
de
nas
pontas
espinhentas/
espinheiros,/
logo
após
da a
derrapagem”. Dramatizações O poema-percurso emerge, na poesia de Carlito Azevedo, como uma espécie de antídoto anti-epifania. Como um par antagônico que, se não dissolve ou barra de todo certas cristalizações pregnantes, sobretudo as que se nutrem de analogias, ao menos conflitua, pela temporalização, pelo caráter de relato, seu processo de figuração. Daí muitas de suas indagações sobre o momento e o movimento, sobre a figura
e
sua
fuga,
se
converterem
em
experimentos
narrativos, alguns beirando às vezes a dicção meditativa,
!15 outros
forjando
perspectiva
historietas
itinerante,
e
acasos
envolvendo
diversos.
Em
manifestações
circunstanciais de vistas e coisas do mundo, ao lado de registros
reiterados
acabariam
por
forçariam
o
se
de
percurso,
multiplicar
poeta
a
em
os
sua
intensificar
quadros
obra.
E
urbanos meio
que
heterogeneizações,
a
produzir formas suplementares de antagonização. Se, como
contra
o
tensionamento
repouso à
imagético,
própria
poética
forjara
percursos,
narrativa,
passa
a
forçar dobras internas – histórias que se partem em outras, imagens
autodubidativas
organização
do
relato
e
ou do
capazes método
de
perturbar
representacional
a do
poema. Pois, ao que parece, foi se intensificando, ao longo dos anos, na experiência poética de Carlito Azevedo, uma espécie
de
má-vontade
metódica
com
relação
ao
exercício
mesmo da poesia, uma forte desconfiança envolvendo não só a veiculação dos próprios textos, mas também a precisão, a capacidade
de
formalização,
que,
característicos
ao
seu
trabalho, se acham agora postos sob suspeita e submetidos a exigências cada vez mais rigorosas e a crescente demanda pelo que “difere”. Não
é
primeiros
de
estranhar
livros
foram
que,
enquanto
publicados
os em
seus
três
intervalos
relativamente breves, entre Sob a noite física e Margens, o livro agora em preparo, já se tenham passado doze anos. Interrompidos apenas pela divulgação, em 2001, em tiragem de
apenas
cem
exemplares,
dos
doze
poemas
que
compõem
Versos de Circunstância. Registre-se, porém, a citação de Czeslaw Milosz com que se encerra o livrinho: “poemas devem ser escritos poucas vezes e sempre de má-vontade”. Comparese a referência à epígrafe de Trakl de Sob a noite física:
!16 “Esgotou-se
a
fonte
reafirmação
de
certa
despotencialização ainda,
travo
dissolvido
de
dos
dias”.
impossibilidade
das
levemente
no
ouro
livrinho
epifanias, nostálgico. que
fecha
evidente
lírica,
esse O
Se
limiar
que
com
de
certa
guarda,
parece
Milosz
a
ter
e
com
se uma
figurinha de Zuca Sardana, na qual um poeta em forma de sátiro,
e
olhando
com
expressão
pouco
animada
para
o
leitor, se encontra parado bem na beira de um penhasco. O escrever a contragosto de Carlito Azevedo vai, no entanto, em direção oposta à de qualquer tipo de descaso com a forma. Pois é nela que essa má-vontade se transforma em
exigência
fundamental
de
uma
poética
sombreada
pela
perda de lugar social e de potencial crítico da literatura que é produzida hoje no Brasil. E pela vontade de imbricar sua
prática
experiência
exatamente
na
contemporânea
difícil
de
convivência
desencanto
com
político
e
a de
aparente desnecessidade histórica da poesia. A exigência interna
a
que
submete
o
seu
trabalho
funcionando
como
resposta corrosiva a essa situação, como criação de uma margem para o exercício literário. E é por meio de uma intensificação diferenciada de resistências no interior da composição - à figuração epifânica
(via
narrativa);
ao
fluxo
(via
recorte
imagético); à estabilização (via antagonização de planos)que se conjugam, de modo mais acentuado em seus textos mais recentes, teatralização e instabilização crítica da forma. Não que faltassem de todo referências teatrais ou emprego eventual
de
dramatizações
em
sua
obra
anterior.
Basta
pensar, em Sob a Noite física, seu terceiro livro, numa breve e repetida referência ao teatro em “Coppélia”, poema
!17 todo ele estruturado como um comentário à expressão “cai o pano”. Nele, no entanto, é ao fim da apresentação, é ao “cair o pano” que se associa a possibilidade de um retorno a um “plano demasiado humano”. Como se o teatral estivesse em pólo oposto. Uma observação que se aproxima de comentário presente em “Ao Rés do Chão” – segundo o qual seria, de certo modo, próprio à natureza da poesia “congelar a vida”, levando
o
sujeito
a
desejar,
diante
da
inevitabilidade
desse destino, que a palavra pudesse ao menos “conviver” com
ela.
“Coppélia”
parece
regido,
todavia,
por
uma
intransitividade irredutível entre o plano da representação e
o
“demasiado
humano”.
E,
no
entanto,
caberia
a
uma
teatralidade de outra ordem um exercício, no trabalho de Carlito, exatamente de ruptura de planos, funcionando como uma espécie de campo negativo interno por meio do qual se conflitua e reinventa o processo de composição do poema. Não mais referência, mas movimento dialógico é o que se
ensaia
em
poema
anteriormente.
Em
do
livrinho
“Sobre
uma
de
2001
fotonovela
mencionado de
Felipe
Nepomuceno”, não se fala em teatro, mas na possibilidade de se tratar de um pesadelo. Uma fala corta a história pelo meio, sugerindo a hipótese, mas, de fato, mudando o foco do poema, criando uma segunda voz, em meio ao relato e às conseqüências da derrapagem. Na verdade, mais do que sobre a narrativa, é sobre a composição que incide o corte. Fala bem
marcada,
graficamente
marcada,
entre
aspas
(“disse
Aníbal”), com indicação clara do emissor, cabe a ela operar uma
troca
tendência
de que,
registro, no
e
entanto,
uma
dramatização
logo
se
retrai.
do
relato,
Mantém-se,
porém, a instabilização da perspectiva sugerida pela outra
!18 voz. E, entre a derrapagem e o pesadelo, a primeira e a segunda voz, o poema continua crescendo, indiferente, como inevitável ferrugem. Outros textos de “Versos de Circunstância” se veriam invadidos por falas recortadas por aspas ou travessões, nas quais se adivinham ou indicam diretamente outras vozes que não a do poeta. Algumas dominam literalmente o poema, como num dos “Vers de Circonstance” que dá nome ao livro, e no qual, em clima onírico, se fala de um passeio até a Lagoa. Ou como em “São fotos? Serão mentiras”, onde uma fala, longa,
descreve
nominalmente Carlito
dá
recorte,
o a
mas
fotos
poeta mão
a
e
em
dá
a
suas
descrições.
Rajeev”-
persiste
a
impressão
é
assim
dúvida
que
de
incluir
“Nesta se
aqui
inicia
(sublinhada
o
pelas
interrogações do título) se são fotos ou mentiras. Mesmo essas
pequenas,
rachaduras
talvez
enunciativas,
circunstância, composição,
e
presentes
incidem
reforçando
certa
pouco
sobre
aparentes,
nos o
Versos
resto
indecidibilidade
de da
quanto
ao
sentido a priorizar no poema. Fotos ou mentiras, derrapagem ou pesadelo, mais do que uma resposta é da duplicação da voz,
e
do
tensionamento
mútuo
dos
planos
de
sentido
sugeridos por elas, que se trata aí. Assim como da tensão entre esboço
enredo de
mínimo,
mínimos
dramatização
que
pedaços se
sugere
de
história
por
meio
e
um
dessas
intromissões. Quanto aos textos ainda não reunidos em volume, chamam a atenção, do ponto de vista da inflexão teatral (que passa a ser determinante em sua estruturação), poemas como “Um poeta”, “Hipercolagem” (que parece ter incorporado trecho
!19 de um outro, ”KL”, também inédito em livro) e “Tudo pelos ares”. O primeiro deles, como “Margens”, também envolve um trajeto
bem
particular
específico, da
vida
do
e,
neste
caso,
personagem
que
num
momento
serve
de
bem
eixo
ao
poema. Trata-se, aí, de uma caminhada drummondiana pelo Rio de
Janeiro,
em
1987,
depois
da
morte
da
filha
Maria
Julieta, e duas semanas antes da sua, cruzando a avenida Rio
Branco,
o
aterro,
a
enseada,
o
túnel
do
Morro
do
Pasmado. O poema é quase um monólogo dramático. Definem-se nitidamente exposto,
a
ocasião
emprestam-se
características,
particular, a
ele
o
personagem
preocupações,
reconhecíveis,
e,
a
ser
expressões
todavia,
falta,
na
verdade, ao poema, elemento essencial – a fala em primeira pessoa por um outro que não o poeta. A não ser em breve trecho ao final, mas ainda aí põe-se em dúvida se seriam mesmo
essas
as
palavras,
se
elas
de
fato
teriam
sido
enunciadas: “Tudo somado, talvez esteja recitando”. Dúvida que,
na
verdade,
se
transfere
para
todo
poema,
para
a
impressão de primeira pessoa que se consegue criar, quando, ao
contrário,
é
como
objeto
de
relato
alheio
que
se
descreve o passeio enlutado de Drummond. É, portanto, de um falso monólogo dramático que se trata aí. E, no entanto, chegam a se armar uma duplicidade enunciativa, um jogo de empatias e ironias, aproximações e diferenciações, como os que costumam mover esses monólogos. Pois é de “Relógio do Rosário”, poema de Claro Enigma sobre a dor de existir, que Carlito rouba toda a estrutura do seu falso
monólogo
de
Drummond.
Vinte
e
dois
dísticos
se
repetem nos dois, assim como diversos motes drummondianos – Itabira,
o
mundo
caduco,
o
“choro
pânico
do
mundo”
!20 repercutindo nas paredes do Outeiro da Glória. E não faltam também os complexos espelhamentos que a fala impura desses monólogos a duas vozes (uma delas quase muda) vai tecendo aos poucos. Com a diferença de que a grande indecisão em “Um Poeta” não diz respeito a quem fala, mas à forma do poema. Enquanto o monólogo dramático finge, ao pretender apresentar a fala de quem não é, de algum personagem que serve de máscara para o poeta, o falso monólogo dramático de Carlito finge pretender ser outro, finge a máscara. E, nesse sentido, acaba emprestando ao escritor mais jovem, dentre
outras
coisas,
a
referência
ao
som
dos
ônibus
lotados em direção à periferia, que parece substituir aí o som do relógio do Largo do Rosário, assim como a conjunção de dor individual e do choro do mundo e a dúvida mesma sobre o que poderá mover ainda a sua poesia. Já
em
“Hipercolagem”
há
entrecruzados.
Escrito
fragmentária
interrogatório
de
sob
de a
fato
dois
forma
da
judiciário,
monólogos
transcrição e
tendo
como
pano explícito de fundo o começo da guerra civil espanhola, mantém
dobra
enunciativa
contrastante.
De
um
lado,
em
itálico, e entre parênteses, há uma espécie de memória do começo da Guerra Civil espanhola. De outro, fragmentada, em textos
marcados
compõe-ser
uma
por visão
travessões, de
dentro,
e
falas
curtas,
e
relata-se,
duras,
com
certa
casualidade, a tentativa de homicídio de Eduardo S.R. “Tudo pelos ares” (como “Margens” e “Hipercolagem”) mantém
uma
atmosfera
de
guerra,
com
chamas,
explosões,
botinas, referências a perseguições e execuções sumárias, ao “cheiro terrível que emanava daquilo”. E se, nele, ainda é
mais
difícil
recompor
fiapos
de
história
do
que
no
registro duplo de “Hipercolagem”, mantém-se um anonimato
!21 semelhante das vozes, que não mais se imbricam, mas se alternam e mantêm relativa independência em cada um dos blocos que,
de
como
textos.
Em
os
seções
das
certos
momentos,
10
e
12
de
sugerem
diálogos,
“Margens”,
parecem
propositadamente escritos “à maneira do teatro de Gertrude Stein”.
E
que,
enredo
partido,
teatralizam, diferenças, movediça
a
das
tensionados
em
frases meio
a
própria
“Quase
qualquer
sensação
de
repetições de
“Quase
isso”:
jogo
incompleto
partidas,
perda
imagens.
altura.
pelo
é
e
dialogização,
movidas
referentes, isso”,
nessa
a
a
que
provocada
mínimas
dissolução
repete-se
incerteza
reconhecimento
entre
a
certa
esbarra
por
essas
vozes radiofônicas. (Falso) monólogo dramático (“Um poeta”), acoplado a uma caminhada pelo Rio de Janeiro; histórias dialogizadas em dois registros (“Hipercolagem”), envolvendo violências de ordens distintas; dialogização expansiva (“Tudo pelos ares”), nos três casos, exercícios narrativos diversos que se imbricam em “Margens”, onde o que domina, a princípio, é certo clima inóspito (refrões militares, minas terrestres, feridos, incêndios), ao lado da impressão de uma colagem de vozes anônimas. Não as curtíssimas, como que entreouvidas, presentes anônimo
em que
mini-monólogos povoa
a
dramáticos,
poesia
de
espécie
Francisco
de
coro
Alvim.
Mas
recortadas mesmo – sabe-se lá por vezes de onde – às vezes noutra
língua,
conversas completar.
ou E
às
vezes
pedaços que,
de
se
em
aparentes
histórias envolvem
que
transcrições não
memórias
chegam
a
de se
aparentemente
reunidas meio à força, se acham mescladas ao relato de uma caminhada
ao
cair
da
tarde,
a
rigor
amena
(apesar
do
escuro, da impressão de fuga, da perda do cachecol), pela
!22 praia de Botafogo e pelo Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Margens O
título
do
poema
remete
diretamente
à
revista
Margens/Márgenes que pedira um poema a Carlito Azevedo para publicação no seu quarto número (o que de fato ocorreria). O fato de guardar o título e ainda reservá-lo para livro futuro, porém, sugere mais do que a interlocução imediata com o periódico editado pela Universidade Federal de Minas Gerais em colaboração com a Universidade de Buenos Aires. Mas um texto publicado, em 2002, na mesma revista, por Josefina
Ludmer,
adicional
para
a
parece escolha
sugerir de
indiretamente
Carlito
Azevedo.
motivação Lembre-se,
nessa linha, o artigo “Temporalidades do Presente”, no qual ela se perguntava, dentre outras coisas, justamente sobre formas eficazes de resistência crítica sobretudo diante do apagamento das margens, e de uma ausência de espaços fora do neoliberalismo, da globalização, do mercado. São margens como essas, no âmbito da prática poética, que o texto de Carlito se esforça em definir. Opto, em seguida, por uma leitura passo a passo de suas doze seções, para retornar, por fim, ao modo como (em tensão
com
redefinem
uma
construção
figuração
e
imagética
itinerância
no
em
estações)
poema.
se
Observe-se,
então, em primeiro lugar, a estrofe inicial, que, como em “Um Poeta”, indica, de saída, o mote a partir do qual de
organiza a composição:
!23 “Nem procurar, nem achar: só perder.
Como o tremulante cachecol florido de Andi
a flutuar no céu por alguns segundos
antes de desaparecer completamente na
noite escura da Marina da Glória, onde,
por causa da névoa, os barcos ancorados,
com nomes como Estrela-Guia e Celacanto,
também pareciam querer fugir de si mesmos.”
O primeiro verso, segundo o próprio poeta, tem uma fonte dupla. De um lado, a declaração de Picasso, em sua primeira entrevista, em 1923, de que, ao pintar, o seu objetivo não era mostrar o que ainda estava buscando, e sim o que já achara. Pois, em arte, como no amor, as intenções, as razões, não seriam suficientes, só os atos, pois só o que se faz é que de fato contaria. apropriação artístico
da
E há, por outro lado, a
observação
de
Picasso
em
latino-americana
no
qual
converte
se
um
manifesto o
“Não
procurar, achar” em "Nem procurar, nem achar: inventar". A essa
cadeia,
Carlito
Azevedo
acrescenta
transformação
a
mais: “Nem procurar, nem achar: só perder”. E são de fato a perda, a ausência, e modos particulares de trabalhá-las, que parecem mover o poema e fundamentar as referências que o recortam – o filme Shoah, de Claude Lanzmann, o “Memorial do Holocausto”, de Rachel Whiteread, que se encontra na Jugenplatz, em Viena, as permutações e o jogo composicional de Gertrude Stein. Mas
há
uma
perda
inicial
–
o
“tremulante
cachecol
florido de Andi” – flutuando no ar, que em meio à sua desaparição é que se dá a ver, na “noite escura da Marina da Glória”. É ele o “objeto visível” que parece mostrar “a perda, a destruição, o desaparecimento dos objetos ou dos
!24 corpos”11.
No
que
se
assemelha
a
outras
figurações
em
ausência presentes na poesia de Carlito Azevedo. Como o menino na ventania, de “Ao Rés do Chão”, ou o casaco (que, enfim, sequer se perdera) de Liliana Ponce em “Do livro das Viagens”.
É
o
cachecol
que,
em
“Margens”,
inicia
a
seqüência de desaparições. E a ele se seguem os barcos ancorados, que logo se vêem escondidos pela névoa. A não ser pelos faróis, como se lê na segunda estrofe: "De modo que a lanterna deste aqui por um instante deixa de brilhar para como que reaparecer mais adiante, mais fulgurante, na popa daquele outro ali. Olhe ao redor, estamos no Rio de Janeiro ou fomos lançados na paisagem complexa de um conto tradicional chinês?"
Mais uma vez, é com a ausência em obra que se ensaia a figuração. É de modo intermitente que se observam as luzes, e a própria cidade parece sob risco iminente de desaparecer ou bifurcar-se, convertendo-se em cenário de conto chinês. E retorna-se, na terceira seção, ao percurso incerto do cachecol
que
parece
passar
agora
por
uma
série
de
metamorfoses – hélice, seta, foto – durante a sua fuga, o seu itinerário no ar: “(O cachecol, ainda)
Ele rodopiou
no ar e desenhou com uma das extremidades
vários círculos dourados, uma espécie de hélice.
Parecia seguir para o mar, mas uma lufada o
lançou para o outro lado: uma seta acesa e
maleável sobre o canteiro de gerânios, na
11
Didi-Huberman, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo, Editora 34, 1998, p. 35.
!25 direção das pistas de alta velocidade
do Aterro do Flamengo. Batemos uma foto
e prometemos voltar amanhã. Não à Marina,
mas ao Museu de Arte Moderna, e ver a
“Biblioteca sem nome”, o Monumento
do Holocausto da Judenplatz,
de Rachel Whiteread.”
O poema-percurso nomeia os marcos da cidade – o Aterro do Flamengo, O MAM, a Marina da Glória. E sugere uma data para o passeio – o período em que a exposição de Rachel Whiteread estava no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – de dezembro de 2003 a fevereiro de 2004. E, no entanto, se a ida à exposição fica adiada, a referência ao monumento abriria
uma
trilha
própria
no
interior
do
poema,
introduzindo-se, em bruto, nas seções seguintes, flashes, trechos do filme de Lanzmann:
“Por isso esse poema não começa com um menino,
com um menino cantor sobre uma barca,
com uma barca cortando a água e o nevoeiro,
com um nevoeiro adensado por árias do folclore polonês
e refrões militares prussianos na voz de uma menino cantor.”
O filme Shoah começa com a barca que desliza pelo rio, com uma canção, com o menino judeu poupado pelos nazistas porque
sabia
cantar.
E
opera,
nas
suas
dez
horas
de
duração, uma “arqueologia fúnebre” (como o define Beatriz Sarlo) todos
das os
lembranças, possíveis
dos
restos
vestígios, dos
campos
das de
paisagens,
de
concentração.
“Filma despojos com a idéia de poder extrair um sentido da insistência sobre esses restos”12, diz Sarlo. Talvez, no
Sarlo, Beatriz. “A História contra o Esquecimento”. In: Paisagens Imaginárias. São Paulo, Edusp, 1997, p. 36. 12
!26 entanto, se possa contradizê-la um pouco, pois o cineasta, de certo modo, recusa essa hermenêutica, optando por um inventário material de restos, pela “nudez implacável da violência”13. O
poema
também
insiste,
em
sua
quinta
seção,
na
repetição, apropriando-se inclusive do incêndio dos corpos nos campos de extermínio:
“Quando chegamos ao nosso acampamento,
comemos alguma coisa, e nossas garotas logo
foram se deitar. Nós ainda nos demoramos um pouco
vendo tevê, fumando, e pela janela não cessávamos
de ver o fantástico fundo de chamas
de todas as cores imagináveis:
vermelho, amarelo, verde, violeta,
e de repente...”
E se passa, no poema, do testemunho ao monumento abstrato da Judenplatz, uma biblioteca invertida cujas paredes são longas fileiras de livros dos quais não se vêem as lombadas, apenas a sucessão, o lado não identificável dos volumes. E à resistência à sua construção na Áustria num depoimento inventado pelo poeta com base em registros das reações negativas ao trabalho de Whiteread:
“Vai ficar mais difícil estacionar carros
aqui na Judenplatz e não é um monumento bonito
e eu teria preferido que tivessem por fim se decidido
a utilizar aquela solução anti-spray pois ninguém também
vai gostar de ver suásticas pintadas sobre ele, eu não
gosto dele, mas já que está aí eu e ninguém vai
querer ver suásticas pintadas sobre ele.”
Volta-se, então, na sétima e na oitava seções a Shoah, com mais algumas histórias recortadas do filme:
“Ele me pergunta se minha garota já foi casada
e eu: ‘Não. Mas esteve muito apaixonada antes.
13 Apud
Stuart Liebman (ed.). Claude Lanzmann’s Shoah. Oxford/NY, Oxford University Press, 2007, p. 8.
!27 Aquele que ela amava foi ferido, gravemente,
seus órgãos saíam-lhe do corpo. Ela os
recolocou com suas próprias mãos, levou-o
para o hospital. Ele morreu. Puseram-no na
vala comum, ela o exumou, deu-lhe uma
sepultura.’ Para ele, este simples
episódio é o cúmulo da virtude.”
“Ele me perguntou: ‘e se ela começa a gritar
muito alto você usa as mãos para cobrir
sua boca ou deixa que ela grite o quanto
tiver para gritar?’ Depois ele me perguntou:
‘E o que ela faz da vida?’, e eu: ‘Trabalha numa
editora alpina’. E ele: ‘Ah, sim?’, e eu: ‘Sim, sim.
Ela escreveu e publicou guias de montanha. Ela
editou uma revista alpina.”
E retorna-se, mais uma vez, a Whiteread, em trecho mínimo de
entrevista,
comentando
a
demora
em
inaugurarem
o
memorial: “Rachel Whiteread (ao ver seu monumento finalmente inaugurado): - Foram cinco anos de inferno.”
Na décima seção, o poema, que se bifurcara entre três percursos imagéticos fundamentais – o passeio pelo aterro, o
vôo
do
cachecol,
as
figurações
(im)possíveis
do
Holocausto -, parece mudar de tom subitamente. Depois de um começo que anunciava epifanias em meio a séries de perdas – cachecol, barcos, faróis -, e a uma sucessão de recortes imagéticos do filme de Lanzmann ou do noticiário sobre o Memorial do Holocausto, a dicção agora é outra:
!28 “Estou falando de dias ensolarados, estou falando de dias escuros, quer dizer, estou falando de flores, sim, de lombadas de livros, portanto de douraduras, isso quer dizer, de crianças brincando e nadando na água da inundação, de queimar as cartas do escritor famoso, da fumaça subindo e deixando aquela mancha no teto, eu não estou falando das colinas de Berkeley mas dos entregadores de pizza porto-riquenhos de Berkeley, dos entregadores de pizza húngaros de Santiago, dir-se-iam livros que não se abrem, de portas que não se abrem, de sonhos que não, de um pesadelo recorrente, de uma resina, um cavalo correndo, não são livros de areia.”
E lombadas
de
aí
se
misturam
Whiteread,
e
a
resina,
os
livros
a
biblioteca
com
lombadas
sem de
Berkeley, o incêndio dos corpos, de livros, e, em meio ao cotidiano norte-americano, outras margens, definidas pela exclusão econômica, pelas condições de vida dos imigrantes – e surgem os entregadores de pizza, as portas que não se abrem, os livros que não se abrem. O que parece permitir um outro retorno pendular ao Memorial e sua rejeição em Viena, exposta por meio de trecho de artigo, extraído tal qual de uma revista na internet. O emprego do espanhol ficando por conta talvez do caráter binacional da revista Margens e da poeta Andi Nachon, presença fundamental no percurso: “Con frecuencia, en artículos publicados en la prensa o en los mismos intercambios de la calle, los vienenses cuestionaban tanto la "oportunidad" como la misma "necesidad" de recordar el Holocausto. Tras el estudio de los distintos proyectos, el jurado seleccionó la propuesta de la joven escultora británica Rachel Whiteread. En el camino quedaban múltiples obstáculos: desde la
!29 insistente
oposición
coalición
de
gobernante),
la
ultraderecha
hasta
las
(ahora
mismas
sumada
a
la
organizaciones
de
sobrevivientes (insatisfechos con el diseño de Whiteread por su contenido excesivamente "abstracto"). Ellos argumentaban que las víctimas del extermínio "no murieron en abstracto".
Como na décima seção do poema, o segmento final adota ritmo e jogo composicional bastante diversos dos das outras
estrofes,
recomposições
operando,
como
na
no
série
entanto, de
com
elementos
recortes ligados
e ao
Holocausto. Eles, por sinal, retornam aqui nas referências à Guerra Civil Espanhola e à própria Gertrude Stein (judia, que,
se
francês
aceitaria durante
a
proteção ocupação
de
amigo
alemã,
colaboracionista
escreveria,
ao
mesmo
tempo, “Mrs Reynolds”, sátira anti-fascista). A diferença é que
a
conta
indeterminação, de
neste
insistências
anafóricas,
similitudes
de
trecho, outra
sonoras
fica
ordem
sobretudo –
por
repetições
contraditórias,
jogos
pronominais, advérbios em uso insólito. A gramática e o andamento são outros, criando, no interior do poema, uma espécie de terceira trilha composicional, que não é nem a do poema-percurso inicial, nem a da colagem estrita, que se segue a ele, mas a de uma fala meio inventada, de uma “composição
em
ato”,
de
uma
formalização
inconclusa,
movimento. Veja-se, então, a seção 12:
“(epílogo, à maneira do teatro de Gertrude Stein) Dir-se-iam pétalas. Aquelas? Estas.
em
!30 Antes profusão. Dir-se-iam montes de merda. Dir-se-iam céus. Camuflagens. O que é a Legião Condor? Dir-se-ia fixo? fúcsia? Dir-se-ia farpado? Figuração. Troncos. Cepos. Minas terrestres (mas aqui, aos teus pés, crescem agora essas florezinhas azuis e roxas). Dir-se-iam maiúsculas. Toda a tarde? Entre lobo e cão. Dir-se-iam pescadores. Nada assemelha. Um chamado à ordem, e no entanto trovões. Hematomas no lago, dir-se-ia entrever. Dir-se-ia chuva de ouro? Eram vagões? Ali, hipoglicêmico.”
O que, no entanto, mais parece se impor, como eco, no trecho
final
anacronizante,
de
"Margens"
quase
cômica,
é
a
expressão
cabendo
à
sua
"dir-se-ia", repetição
a
ênfase numa indeterminação estrutural como fator ativo na composição. E a lista de possibilidades de significação – da chuva de ouro aos montes de merda, de pétalas e céus a maiúsculas
–
faz
da
permutação
um
elemento-chave
cuja
!31 atuação
se
intensifica
nessas
micro-unidades
imagéticas,
mesmo mostrando-se presente, em escala ampliada, na sintaxe tripartida do poema. Em meio a seus quadros em seqüência, a suas várias estações, e em constantes idas e vindas a cada uma delas, três
sistemas
de o
organização
mutuamente
–
percurso
materiais
ligados
ao
se
(no
alternam
Aterro),
Holocausto),
e
a
o
interferem
colagem
(de
desdobramento
permutacional (nas seções 10 e 12, sobretudo). E se os três parecem ter na perda, na meta figural sempre em fuga, um dado básico e responsável em parte pela rarefação interna de
relatos
e
associações,
esse
elo
de
ligação,
não
os
orienta no sentido da articulação, da homogeneização. Justo o oposto. É no sentido de uma dramatização interna, de uma decomposição textual segmentada, ativa, relacional, que se travam
propositadamente
tanto
os
percursos
e
suas
teleologias quanto as analogias abrangentes. E, nesse deslocamento, em meio às imagens do horror, o poeta se permite até mesmo sonhar de novo com a flor azul. Aquela com a qual não se pode sonhar mais, como diz Walter Benjamin
nas
suas
primeiras
notas
sobre
o
surrealismo.
Aquela que, verdadeira imagem do “sonho kitsch”, funciona como marca anacrônica da impossibilidade mesma da poesia lírica
segundo
Adorno.
“Florezinhas
azuis”,
crescendo
a
teus pés, ousa o poeta entre parênteses. Lembre-se, porém, que a maior explosão de cores do poema é exatamente a dos corpos incendiados de sua quinta seção. E que essa nota encapsulada
parenteticamente,
se
cumpre
função
de
antagonização figural, e de fragilização – ao absurdo – do belo
(que,
termos,
no
outra
entanto, margem,
fere), outro
lembra
talvez,
apontamento,
o
de
em
outros
Rimbaud,
!32 anotando, sobre flores e mares, na sua cópia da “Estação no Inferno”: “Não há tal coisa”. Não à toa ressurge, igualmente, no último segmento do poema,
eco
das
aporias
drummondianas
expostas
em
Claro
Enigma, por meio de referência a “Entre Lobo e Cão”, que, se marca o momento do dia simultaneamente de mais luz e maior
escuridão,
marca
também
uma
espécie
de
impasse
estrutural, desejado, um processo de formalização que se alimenta desses movimentos contraditórios, dessa semântica em ato, teatralizada no poema. E é quase uma provocação, em meio
à
violência
das
imagens
do
Holocausto
e
da
marginalização social nos grandes centros urbanos, em meio ao
compromisso
mimético
da
literatura
brasileira,
que
Carlito Azevedo aponte como interlocutores, nesse poema, trabalhos como o de Claude Lanzmann, que recusa as imagens de arquivo, em prol de “restos de restos”, e o de Rachel Whiteread, que busca a tangibilidade do que não está lá e que tenta capturar essa ausência com seus moldes de resina. Nos dois casos é o que está à margem que passa a ocupar a atenção. Agindo como se não houvesse centro – vide Gertrude Stein. Ou melhor: multiplicando os núcleos de focalização. ------------------
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