A importância do Ato Jurídico em sentido estrito no tráfego jurídico

July 3, 2017 | Autor: João Máximo | Categoria: Direito Civil, Teoria Do Fato Jurídico, Ato Jurídico, Ato Jurídico em sentido estrito
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO

DIRP 015 – TEORIA GERAL DO DIREITO PRIVADO
(Parte Geral do Código Civil Brasileiro)
Professora Doutora Vera Maria Jacob de Fradera

A Importância do Ato Jurídico em Sentido Estrito no Tráfego Jurídico
Mestrando João Máximo Rodrigues Neto

Sumário: Introdução; 1. Evolução histórica; 2. Elementos fundamentais do Ato Jurídico em sentido estrito; 3. Diferenças entre Negócio Jurídico e Ato Jurídico em sentido estrito; 4. Classificação e Espécies de Ato Jurídico em Sentido Estrito; 5. Importância do Ato Jurídico em sentido estrito no tráfego jurídico; 6. Influência do Ato Jurídico em sentido estrito no Direito Processual; Conclusões

INTRODUÇÃO

As definições conceituais dos institutos jurídicos estão longe de representarem mera teoria. A precisão do conhecimento leva a uma prática efetiva, cujo resultado certamente não seria alcançado através de uma análise mais comum ou genérica.

Se fizéssemos, metaforicamente, uma árvore genealógica do direito, o Fato Jurídico certamente seria o ancestral mais antigo, seria a origem de todas as demais figuras jurídicas. Isso porque ele é a porta de entrada para qualquer ato ou fato da vida no mundo do direito, cuja chave é a qualificação jurídica.

Em razão desta sua variada matéria prima, são inúmeras as espécies de Fatos jurídicos, todas elas com conceitos absolutamente particulares e que permitem uma categorização muito bem organizada.

O presente trabalho tem como objeto um breve estudo justamente de uma das espécies de Fato Jurídico, que é o Ato Jurídico em sentido estrito ou Ato Jurídico Stricto Sensu.

Através de uma abordagem histórica inicial, demonstrar-se-ão as origens desta espécie de Fato Jurídico e como a sua doutrina desenvolveu-se ao longo dos anos até ser expressamente positivada no Código Civil Brasileiro.

Após, serão trazidas as diversas classificações e espécies de Ato Jurídico em sentido estrito identificadas pela doutrina, principalmente em razão da necessidade do rigor conceitual anteriormente comentado.

Ao final, mais dois pontos de extrema relevância deverão ser enfrentados, os quais trazem um interessante panorama da matéria. A importância da diferenciação entre o Ato Jurídico em sentido estrito e o Negócio Jurídico no tráfego jurídico e a influência daquele no Direito Processual. São questões muito pouco enfrentadas pela doutrina e por isso a necessidade da contribuição cada vez maior dos estudiosos do direito.

Com a conclusão, onde serão condensadas as principais ideias trazidas ao longo deste trabalho, espera-se deixar claro a relevância do estudo deste tema, que não deve se subsumir aos quadros universitários

1. Evolução histórica

O retorno ao Direito Romano, quando se propõe uma abordagem histórica dos institutos jurídicos, é inevitável. Especialmente em relação ao Direito Privado. No que tange aos atos jurídicos, no período clássico já havia o reconhecimento de uma série limitada de atos jurídicos absolutamente formais e abstratos. A vontade identificava-se com a forma. Ela era um pressuposto empírico e não estrutural do ato.

Neste período, os Atos Jurídicos eram inicialmente orais e aos poucos foram sendo reduzidos a escrito, apenas no intuito de facilitar a sua prova. Esta forma não era imprescindível para a substância do ato. O documento era um simples complemento.

Somente com o Ius Gentium este formalismo exacerbado foi abandonado, pois a vontade passou a ser entendida como elemento estrutural do ato, não mais formal. Isso fez com que surgisse uma variedade de espécies de negócio jurídico.

Porém, os romanos nunca desenvolveram uma teoria geral dos negócios jurídicos. Entendiam que o Estado deveria deixar na esfera da autonomia privada o estabelecimento de relações negociais entre os particulares. Não havia uma separação categórica entre fatos, atos e negócios jurídicos. Apenas entre fontes do direito, que eram: contrato, quase contrato, delito e quase delito. Portanto, as classificações que veremos aqui não eram conhecidas pelos romanos.

Mas, de qualquer forma, mesmo não tendo elaborado um estudo mais geral sobre o tema, importantes elementos para o desenvolvimento posterior da matéria foram retirados do direito romano.

E esse desenvolvimento iniciou-se a partir dos alemães. Especialmente dos jusnaturalistas, no Séc. XVIII, que voltaram sua atenção somente ou mais particularmente aos negócios jurídicos, em virtude da sua importância para o trafego econômico.

Ocorre que a doutrina ainda era escassa e controvertida sobre o tema. Não havia uma compreensão exatamente definida sobre o negócio jurídico, tampouco sobre as suas características essenciais.

Porém, com o tempo, alguns autores passaram a refinar os conceitos, como Savigny, Bekker, mormente Eltzbacher e Biermann. Tendo em vista a falta de legislação sobre o tema, a contribuição deles foi muito importante.

A teoria sobre os negócios jurídicos então, denotando esta preferência, passou a ser mais estruturada. Já a dos Atos Jurídicos em sentido estrito ainda era controvertida, chegando-se a pensar na impossibilidade de uma doutrina geral. O Ato Jurídico em sentido estrito sempre ficou obscuro pela maior atenção da doutrina ao negócio jurídico.

Essa falta de atenção ao Ato Jurídico em sentido estrito se deve ao fato de que ele foi classificado como aqueles atos que "sobravam" após a conceituação de Negócio Jurídico. Percebeu-se, incidentalmente, que alguns atos não se encaixavam no conceito de Negócios Jurídicos, mas eram muito parecidos. Eram atos não negociais. Talvez por isso este instituto não teve muita atenção dos estudiosos.

O Direito Francês não adotou esta dicotomia ato jurídico versus negócio jurídico. Tratou genericamente de Ato Jurídico e Fato Jurídico. Essa técnica de haver uma parte geral dos códigos advém dos alemães. O Direito Francês exerceu grande influência nas codificações elaboradas no final do Séc. XIX e início do Séc. XX. Por isso eram poucas as legislações que empregavam a expressão Negocio Jurídico. Geralmente referiam-se apenas a Ato Jurídico ou apenas a contrato. Até a metade do Séc. XX foi assim. Depois, a nomenclatura do Negocio Jurídico passou a ser largamente utilizada.

O Código Civil Brasileiro de 1916 encampou essa classificação dos franceses e por isso também não constava esta denominação. Este código tratou do Ato Jurídico no art. 81 - Todo o ato licito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico. Já o atual Código Civil trouxe a nomenclatura Negócio Jurídico e trata do Ato Jurídico em sentido estrito, seguindo o Direito Português, como "ato lícito" no art. 185 - Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. É somente este dispositivo e ele remete ao Negocio Jurídico, sinal de que há muito em comum entre estas duas figuras.

Mas, para entendermos bem estas pequenas nuances entre as duas figuras jurídicas, primeiro devemos abordar uma questão primordial: a vontade. Para a existência de um ato ou negócio jurídico precisamos de um sujeito, um objeto e uma manifestação de vontade. Em regra o modo desta manifestação da vontade é livre, mas às vezes são necessárias formas, como instrumento público, por exemplo.

2. Elementos fundamentais do Ato Jurídico em sentido estrito

Hierarquicamente, o elemento predominante é a vontade e em seguida outros que coexistem para dar validade ao ato. Porém, a vontade é o centro vital. Ela é elemento essencial. É pressuposto do negócio jurídico.

Em regra, a doutrina a diferencia como manifestação ou declaração. Manifestação seria qualquer exteriorização da vontade, ou seja, a prática de um ato, sem declará-lo, enquanto que a declaração seria dirigida a alguém. Aqui, cabe ressaltar que alguns doutrinadores utilizam esta diferenciação para distinguir Negócio Jurídico (declaração) de Ato Jurídico em sentido estrito (manifestação). No entanto, é errada esta divisão. Existem Negócios Jurídicos por meio de manifestação e vice-versa. O direito brasileiro não faz esta diferenciação.

De acordo com Pontes de Miranda, a manifestação ou declaração pode ser direta ou indiretamente conhecida. É direta quando não há interlocutor entre as partes. É indireta quanto há ou quando a manifestação é deduzida de algum evento. Podem ainda ser materializadas ou fixadas, quando registradas de alguma forma ou não materializadas ou não fixadas, quando orais.

Em razão desta diferenciação entre manifestação e declaração, existem duas teorias: teoria da vontade, para a qual o que vale é a vontade interna do agente e teoria da declaração, para a qual importa somente o que foi declarado, independente da vontade interna.

Declaração e manifestação, então, são formas de exteriorização da vontade. Não fazem parte do suporte fático, mas podem ser, como diria marcos Bernardes de Melo, completantes, complementares ou integrativas. Nos Atos Jurídicos latu sensu, portanto, são elementos essenciais, que interferem no plano da existência dos atos jurídicos.

Seriam completantes quando completam o núcleo do fato jurídico e sua ausência também determinaria a inexistência do fato. Por exemplo: entrega de coisa fungível, no caso de mútuo.

Seriam complementares quando não integram o núcleo do suporte fático, apenas o complementam. Em regra dizem respeito à perfeição dos seus elementos. Por exemplo: capacidade de agir, licitude, forma. São pressupostos de validade ou eficácia do ato.

Núcleo aqui entendido como o fato que determina a configuração final do suporte fático. Pode não estar expresso na lei, mas a sua existência é um pressuposto. Por exemplo: morte, para a sucessão.

Seriam integrativos quando não compõe o suporte fático, mas auxiliam na irradiação de certo efeito que se adiciona à eficácia normal do Negocio Jurídico. Por exemplo: registro do acordo de transmissão no registro de imóvel.

Então, na avaliação da exteriorização da vontade, deve-se analisar o conteúdo da vontade em si e a consciência em declará-la. Ela precisa ser consciente e exteriorizada de acordo com o conhecimento das circunstâncias que a caracterizam.

3. Diferenças entre Negócio Jurídico e Ato Jurídico em sentido estrito;

Porém, a vontade não é elemento diferenciador entre Ato Jurídico em sentido estrito e Negócio Jurídico, como diria uma Teoria Voluntarista, pois ela está presente em ambos. O que os diferencia é o âmbito de atuação, de abrangência desta vontade.

Enquanto no Ato Jurídico em sentido estrito a vontade é manifestada ou declarada apenas para tornar concreto o suporte fático, no Negócio Jurídico ela pode determinar a escolha da categoria jurídica desejada pelo agente. Há um autorregramento da vontade, conforme Teoria Objetiva.

Há divergência doutrinária em relação à distinção entre Atos Jurídicos em sentido estrito e Negócios Jurídicos. Alguns doutrinadores entendem que não há diferença, outros que há. Seriam duas as hipóteses: (1) não haveria traço distintivo inarredável entre ambos; (2) a distinção não teria utilidade prática, pois a disciplina dos Negócios Jurídicos seria extensível aos Atos Jurídicos também.

Em relação à primeira hipótese, haveria um apego excessivo daqueles que a defendem ao voluntarismo advindo do individualismo, equívoco praticado pelos alemães por não precisar os contornos de cada espécie. Diziam eles: (a) os Negócios Jurídicos seriam uma declaração voltada a produção de efeitos jurídicos e o Ato Jurídico em sentido estrito seria uma simples manifestação, visando a obter os efeitos já previstos em lei; (b) os efeitos do Negócio Jurídicos decorreriam da vontade (ex voluntate) e eles mesmos seriam o instrumento de produção dos efeitos queridos. Já nos Atos Jurídicos em sentido estrito os efeitos não decorreriam da vontade, mas da lei (ex lege).

Ocorre que, como dito anteriormente, existem diversas situações nas quais os Negócios Jurídicos são veiculados por manifestações e Atos Jurídicos por declarações. Além de situações nas quais em alguns Negócios Jurídicos, os efeitos independem e até podem ser contrários à vontade do sujeito.

De fato, a exteriorização da vontade não é elemento diferenciador destes institutos. São apenas complementastes do núcleo jurídico, seja do Negócio Jurídico, seja do Ato Jurídico. Se há exigência na lei do modo de exteriorização da vontade é só porque faz parte da estrutura do suporte fático para cada espécie de Ato Jurídico latu sensu.

E já que é a vontade que direciona o interesse pretendido com o Negócio Jurídico, os vícios são evidentemente prejudiciais à validade dele. Este tipo de problema não se vê nos Atos Jurídicos em sentido estrito, já que a intenção é elemento secundário. A autonomia privada não exerce influência. Ele se fundamenta em uma hipótese fática estipulada pela lei, cujo efeito esta ali previsto também, independente da vontade do agente.

Há uma diferença clara entre ambos, então, e ela está no fato de que no Negócio Jurídico leva-se em consideração o interesse do agente e a ele a ordem jurídica atribui efeitos. No Ato Jurídico em sentido estrito prevalece a função que o ordenamento atribui ao ato.

Mas, a despeito disso, por muito tempo a vontade foi pensada como o único elemento diferenciador, por meio da tese voluntarista. Já a tese objetiva entende que é a autonomia da vontade o elemento diferenciador.

Quanto à aplicação da disciplina do Negócio Jurídico aos Atos Jurídicos em sentido estrito, é parcialmente verdade que não existe diferença. As regras sobre o primeiro podem ser aplicadas por analogia ao segundo, porque não há um regime jurídico próprio aos Atos Jurídicos em sentido Estrito, mas somente normas específicas em cada caso.

Mas nem tudo na disciplina dos Negócios Jurídicos é aplicável aos Atos Jurídicos em sentido estrito. A aplicação do é possível ser aplicado não é por analogia, mas trata-se de matéria comum ao gênero Ato Jurídico latu sensu.

O ato volitivo é elemento essencial dos Atos Jurídicos latu sensu. Então, a exteriorização desta vontade precisa ser fidedigna, verdadeira, conhecida. Por isso, há a necessidade de regras de legitimidade, capacidade, representação, forma, prova da sua validade, etc.. Mas estas normas são comuns aos atos em geral e por isso também ao Negócio Jurídico e Ato Jurídico em sentido estrito.

Logo, se a norma for direcionada a características particulares de uma determinada espécie de ato, evidentemente será aplicada somente a ele. Mas se for destinada a regular algum elemento genérico, poderá ser aplicada a todas as espécies. Por exemplo, em relação à eficácia, ou seja, determinações inexas (termos e condições) e anexas (modos ou encargos), elas são próprias apenas dos Negócios Jurídicos, não sendo aplicáveis aos Atos Jurídicos em sentido estrito, pois nestes a vontade não tem escolha da categoria.

Então, não há uma diferenciação clara e relevante na disciplina aplicável ao Ato Jurídico em sentido estrito e ao Negócio Jurídico.

Os franceses não distinguem Ato Jurídico e Negócio Jurídico porque o Código de Napoleão tratou a matéria de modo bastante genérico, dividindo apenas os Fatos Jurídicos em sentido amplo em voluntários e involuntários, sendo aqueles ainda subdivididos em atos jurídicos e atos ilícitos.

Toda manifestação de vontade que vise a criar, modificar ou extinguir um direito, desde que nãp ilícita, era considerado um ato jurídico pelo Direito Francês.

Eles não conheciam a diferenciação dos Atos Jurídicos entre Atos Jurídicos em sentido estrito e Negócios Jurídicos. O que é Negócio Jurídico para os alemães e italianos, por exemplo, é apenas Ato Jurídico para os franceses.

Na Alemanha, Gustav Von Hugo foi o primeiro a traçar algumas diferenciações entre as ações humanas. Disse ele que apenas as ações jurídicas constituem negotia e só para essas é essencial um agente, um objeto e uma manifestação de vontade.

Este autor foi importante na renovação do Direito Alemão, sendo o fundador da Escola de Jurisprudência, a qual teve continuidade com Savigny. Este também distinguiu os fatos jurídicos em atos voluntários do interessado e circunstâncias causais.

Os atos voluntários poderiam ser: objetivando o nascimento ou cumprimento de relação jurídica (declarações de vontade ou negócios jurídicos) ou objetivando outras finalidades não jurídicas.

Na verdade, então, foi a Doutrina Alemã a primeira a criar uma teoria sobre o Negócio Jurídico. Houve uma sistematização da matéria. Neste período doutrinário que o contrato passou a ser classificado como uma espécie do gênero Negocio Jurídico.

No entanto, tendo em vista a falta de subsídios sobre o tema, houve muita divergência entre a doutrina sobre os próprios conceitos e características essenciais do Negócio Jurídico.

E sobre a diferença deste com o Ato Jurídico em sentido estrito da mesma forma. Apenas através de alguns teóricos do direito como Eltzbacher, Biermann e Manigk houve um estudo mais profundo sobre este problema. Para Manigk, Negócio Jurídico poderia ser conceituado como um ato que serve à autonomia privada do sujeito, que tem como pressuposto a vontade dirigida a um efeito jurídico. Aqui encaixam-se as declarações de vontade e os negócios de vontade.

Já os Atos Jurídicos em sentido estrito seriam aqueles atos, cujos efeitos, com fundamento em uma situação de fato caracterizada e regulada legalmente, operam-se ex-lege, ou seja, sem a necessidade de desejo para tanto.

É neste ponto, nos atos não negociais, que a Doutrina Alemã possui mais divergência, chegando-se a pensar ser impossível uma teoria geral para tal matéria. Em regra a doutrina dividia estes atos em atos de mera atividade material e atos que não são negócio jurídico, mas parecidos. Estes últimos era considerados os atos jurídicos em sentido estrito. Porém, tal divisão não chegou a ser unânime na Alemanha.

A figura do Ato Jurídico em sentido estrito passou a ser melhor delineada através da pandectística do Século XIX, quando o conceito de Negócio Jurídico também foi melhor identificado. No entanto, ainda era necessário ultrapassar este conceito por exclusão, ou seja, o que não era Negócio Jurídico, era Ato Jurídico em sentido estrito.

Os pandectistas dividiram os Atos Jurídicos, então, em: 1) atos que consistem na realização de uma vontade, 2) atos que consistem na realização de uma vontade, sem prévia declaração. Os primeiros são os Negócios Jurídicos. A diferença deste para os Atos Jurídicos em sentido estrito é de que existem efeitos que, mesmo previstos ou desejados, originam-se da vontade do agente. Mas há efeitos que, embora decorrentes de atos voluntários do agente, operam-se independente da vontade do agente. Os primeiros são os Negócios Jurídicos, os segundos os Atos Jurídicos em sentido estrito.

A doutrina alemã, então, iniciou uma teoria sobre o Negócio Jurídico e isso consequentemente levou a uma definição paulatina do que vem a ser o Ato Jurídico em sentido estrito, muito embora este conceito por exclusão não seja o ideal.

A Doutrina Italiana divide-se aqueles que aderem à teoria do Negócio Jurídico alemã ou não. Em relação à vontade, alguns caracterizam o negócio jurídico pela presença da vontade voltada à produção de um efeito desejado e outros ressaltam a autonomia da vontade ao regular os próprios interesses.

O Professor Nicola Stolfi menciona que o Código Italiano adotou a Doutrina Alemã no que tange à regulação do Ato Jurídico. Para os italianos também existiria o gênero Ato Jurídico, do qual fariam parte o Negócio Jurídico, mas também os atos ilícitos. Isso porque estes últimos também decorrem da vontade do agente, por mais que os efeitos não sejam aqueles por ele desejados.

Em relação ao Negócio Jurídico, lembra o Professor Nicola que no Direito Romano os Negócios Jurídicos eram reconhecidos como uma declaração de vontade voltada a originar um efeito jurídico. Se não houver a vontade deste efeito jurídico, seria um mero ato ou fato humano.

No entanto, a Doutrina Italiana entende que não há necessidade de uma finalidade jurídica, mas apenas prática. Este é o pensamento do Professor Nicola também. Veja que esta diferença é importante na teoria do Negócio Jurídico no que tange à causa e formação dos contratos. Essa relação entre vontade e declaração.

Apesar de o trabalho do Professor Nicola ter influenciado mais o Código Civil Italiano de 1865, também serve ao de 1942, pois não houve muita mudança nesta matéria.

Para o Professor Nicola Coviello, Negocio Jurídico também seria a manifestação da vontade de uma ou mais pessoas, cujas consequências visam a um fim prático. Veja-se, diz-se manifestação e não declaração para abranger também os casos onde ela não é declarada. A pluralidade também é importante para abranger, sejam os casos que dependem de uma, sejam os casos que dependem de mais de uma manifestação. A vontade deve ser voltada para um fim prático, seja ele econômico, patrimonial ou não.

Já para o Professor Emilio Betti, sobre a relação do Negocio Jurídico com o Ato Jurídico em sentido estrito, eles se identificaria mas não se misturariam. O Negocio Jurídico é diferente do exercício dos direitos subjetivos porque tem pressupostos, elementos e finalidades diferentes. O Negócio Jurídico pressupõe interesses a regular na relação com os outros. Mas não necessariamente relações jurídicas pré-existentes a serem modificadas. Ele pode incidir sobre uma situação jurídica inicial, que pode ter qualquer natureza, não necessariamente ser originada de um direito subjetivo. Assim como pode existir exercício de direito subjetivo sem negócio jurídico.

A conformidade entre os efeitos jurídicos e a vontade do sujeito é o traço comum de todos os Atos Jurídicos lícitos.

Para Betti, Negocio Jurídico é aquele preceito que tem origem na autonomia privada e não na estatal. É uma autorregularão de interesses próprios, fundada na autonomia privada.

O Professor Francesco Santoro Passarelli também estuda a vontade na diferença entre Negocio Jurídico e Ato Jurídico sentido estrito. Diz ele que conforme o ato venha assumido e regulado pelo ordenamento como auto-regulamento comprometedor ou mero pressuposto de efeitos jurídicos pré-ordenados, sem função auto-regulatória, será classificado na primeira ou na segunda categoria.
Na verdade ele fundou sobre o caráter da obrigatoriedade a diferença entre ambos. Tentou individualizar a diferença no campo do plano estrutural e outra no plano funcional. Mas foi no plano dos efeitos que foi resolvida a questão. A diferença entre Ato Jurídico em sentido estrito e Negócio Jurídico é que neste, ao contrário daquele, sempre há efeito vinculante.

O Negócio Jurídico é sempre vinculante aos envolvidos. É expressão da autonomia da vontade. Já os Atos Jurídicos em sentido estrito podem ser revogados, salvo se a modificação na situação jurídica causada não puder mais ser desfeita.

Porém, esta diferenciação com base nos efeitos é insuficiente. Primeiro porque o efeito negocial é consequência da natureza do ato, a qual está no plano da função e da estrutura. Atos Jurídicos em sentido estrito são irretratáveis.

A diferença entre ato jurídico em sentido estrito e Negócio Jurídico, então, está no plano da estrutura e função. O Negócio Jurídico serve para dispor e consiste em uma vontade preceptiva. Já o Ato Jurídico em sentido estrito não vale pelo que dispõe, mas pelo que é e os efeitos pré-ordenados não dependem da vontade do agente.

No Brasil, como dito anteriormente, o Código Civil de 1916 era omisso em uma classificação dos Fatos Jurídicos. Preocupou-se somente em definir o que se entendia por Ato Jurídico, sem mencionar a expressão Negocio Jurídico. Mas o atual Código Civil trata tanto do Ato Jurídico em sentido estrito como do Negócio Jurídico. A Doutrina Brasileira volta seus olhos à intenção negocial. Quando ela existe, há Negócio Jurídico. Já nos atos meramente lícitos ela não se vislumbra. O efeito jurídico poderá resultar até mesmo acidentalmente, sem sequer ter sido imaginado.

E de todo este material, é possível resumir que a diferença reside em ser o Negócio Jurídico um auto regulamento comprometedor e o Ato Jurídico em sentido estrito um mero pressuposto de efeitos jurídicos pré-ordenados pela lei, sem função auto-regulamentadora.

O elemento vontade não pode ser a diferença, porque em ambos ela existe. Por isso não se pode usar a Teoria Voluntarista, mas a Teoria Objetiva, que observa a essência na autonomia da vontade.

No Ato Jurídico em sentido estrito, o interesse objetivado não pode ser regulado pelo particular. É determinado pela lei. A função do ato é a realização do interesse, de cuja satisfação o ato é ordenado segundo a lei.

No Negócio Jurídico há o destaque da vontade do sujeito, sobre a qual o ordenamento prevê efeitos. No Ato Jurídico em sentido estrito prevalece a função que o ordenamento dá a ele e a finalidade do agente ao cumpri-lo.

Observa-se, então, que uma análise mais atenta denota algumas pequenas diferenças entre os institutos, apesar de compartilharem características significativas. A doutrina italiana traz importantes contribuições neste estudo. A importância desta diferenciação ficará mais clara quando abordarmos a relevância do Ato Jurídico em sentido estrito no tráfego jurídico.

4. Classificação e Espécies de Ato Jurídico em Sentido Estrito

Já sabemos que o Ato Jurídico em sentido estrito é aquele ato que gera consequências pré-estabelecidas em lei, independente da vontade das partes. Não visa a autorregulamentação. É mero pressuposto para um determinado efeito jurídico previsto em lei. Não é possível a escolha da categoria jurídica.

O Negócio Jurídico, por sua vez, é ato de autonomia privada, por meio do qual o particular regula por si os próprios interesses. Auto-regulamento comprometedor.

Agora, resta-nos verificar a classificação mais comum dos Atos Jurídicos em sentido estrito descrita pela doutrina. Segundo Maria Helena Diniz, estes atos estão classificados entre os Atos Jurídicos latu sensu, que, por sua vez, são classificados como atos voluntários humanos.

Segundo Orlando Gomes, os Atos Jurídicos em sentido estrito podem ser classificados em:

- Materiais ou reais: a prática do ato lhes dá existência imediata. Não dependem do conhecimento do destinatário ou sequer possui um destinatário. As consequências não são variáves e estão ligadas somente ao resultado da atuação. Independe também da conscientização do agente sobre os efeitos do ato. Exemplo: fixação de domicílio.

- Participações: declarações para ciência de outrem sobre intenções ou fatos. Exemplo: intimações, interpelações.

Segundo Pontes de Miranda, os Atos Jurídicos em sentido estrito são divididos em :

- Reclamativos: constituem reclamações ou provocações, como a interpelação; não contém necessariamente uma manifestação de vontade.

- Comunicativos: comunicações de vontade no intuito de dar ciência a alguém que participe de alguma relação jurídica sobre a vontade do comunicante. Esta manifestação da vontade independe da conduta de quem a recebe, o que a diferencia dos Negócios Jurídicos. Exemplo: permissão para sublocação;

- Enunciativos: simples exteriorização de conhecimento ou sentimento. Podem ser receptícias ou não. Receptícias são as comunicações ou avisos. As não receptícias independem da comunicação de alguém. Exemplo: reconhecimento de paternidade;

- Mandamentais: manifestações de vontade que visam a impor ou proibir um determinado procedimento por parte de outra pessoa. Exemplo: proprietário exige ao vizinho que repare ou efetue a demolição de um prédio em ruína.

- Compósito: manifestações que não bastam em si. Necessitam de outras circunstâncias para se complementarem. Exemplo: constituição de domicílio (residência e ânimo definitivo). Estes atos podem ser confundidos com Negócios Jurídicos. Mas haveria, na verdade, atos mistos. Se na prática de um Ato Jurídico em sentido estrito inclui-se uma manifestação de vontade característica de Negócio Jurídico, são coisas diferentes.

Estas são algumas das classificações mais comuns que se encontram na doutrina, sendo costumeiramente a mais detalhada a de Pontes de Miranda.

5. Importância do Ato Jurídico em sentido estrito no tráfego jurídico

Pelo que foi visto até aqui, é possível observar que a importância do Ato Jurídico em sentido estrito para o tráfego jurídico está justamente na sua diferenciação para o Negócio Jurídico. Isso porque aqueles atos praticados conforme hipótese legal, mas que já tenham o efeito previsto em lei não poderão ser manipulados. Não poderão ser confundidos com Negócios Jurídicos, nos quais os participantes podem dirigir os efeitos de acordo com a vontade.

Podemos perceber que ao longo da historia não houve um desenvolvimento da matéria no sentido de criar uma doutrina específica para os Atos Jurídicos em sentido estrito. A importância maior foi dada ao Negócio Jurídico, em virtude do caráter econômico. Porém, existiam atos que não eram bem Negócios Jurídicos. Ou seja, eram semelhantes. Por isso que a diferenciação é importante. Eles possuem elementos parecidos, mas não podem ser confundidos em virtude dos efeitos que a legislação atribui.

A consequência prática mais visível, talvez, diz respeitos aos vícios da vontade. Veja-se que para os Atos Jurídicos em sentido estrito não é possível pleitear a anulação do ato por vício da vontade, vez que ela não possui a mesma autonomia que nos Negócios Jurídicos. A sua influência é muito menor, já que o ato e seus efeitos já estão previstos em lei.

Logo, é imprescindível conhecer a diferença entre os institutos, a fim de que estes detalhes sejam percebidos e o operador do direito lance mão dos expedientes cabíveis quando necessário.

Além disso, não tendo a vontade uma relevância muito grande na prática dos Atos Jurídicos em sentido estrito, objetiva-se a sua efetivação, otimizando o tráfego jurídico.

Basta ao jurisdicionado praticar determinado ato previsto em lei, que os seus efeitos já estão ali pré-estabelecidos. Não há margem para dúvida, dando uma total segurança aos envolvidos.

6. Influência do Ato Jurídico em sentido estrito no Direito Processual

Na área processual, podemos observar que os atos processuais podem ter a natureza tanto de Atos Jurídicos em sentido estrito, como de Negócios jurídicos, ou até mesmo mistos. Na verdade, a maioria deles é misto, de acordo com Marcos Bernardes de Melo. A petição inicial, por exemplo, contém elementos comunicativos, de conhecimento, etc., típicos Atos Jurídicos em sentido estrito. Mas também existem Negócios Jurídicos decorrentes de declarações de vontade.

Serão Atos Processuais em sentido estrito quando recaiam em categorias pré-definidas e seus efeitos estiverem previamente regrados na lei processual (categorias e efeitos invariáveis, inafastáveis). Não há poder de escolha da categoria eficacial em que se quer se enquadrar. Há vontade de praticar o ato, mas não importa se há vontade em produzir os efeitos, pois eles são necessários, pré-fixados. Configuram imensa maioria dentro do processo, como, por exemplo, a contestação, a penhora, a interposição de recurso, as intervenções de terceiros.

Serão negócios processuais quando existir um poder de determinação e regramento da categoria jurídica e de seus resultados (como limites variados). Há vontade de praticar o ato e vontade de ingressar na categoria e produzir o resultado — enquanto que no ato jurídico processual em sentido estrito basta a vontade em praticar o ato, pois a categoria e seus resultados são invariavelmente definidos na lei.

Transpondo as concepções de Marcos Bernardes de Mello, pode-se dizer que os negócios processuais podem ser regidos por normas cogentes, quando só resta a escolha pela categoria eficacial, por exemplo, a desistência da ação ou de recurso, reconhecimento da procedência do pedido, etc.. Também podem encontrar-se no âmbito da dispositividade, quando igualmente é possível o regramento do conteúdo eficacial do Negócio Jurídico, sempre dentro de balizas legais mínimas, como por exemplo foro de eleição, convenção para substituição de bem penhorado, convenção para distribuição do ônus da prova, convenção de arbitragem, a transação, dentre outros.

Conclusões

Veja-se que mesmo tendo sido abordado ao longo da história de maneira secundária, hoje podemos perceber a grande importância da diferenciação entre os Atos Jurídicos em sentido estrito e os Negócios Jurídicos para o tráfego jurídico.

Ambos os institutos sempre foram estudados de forma paralela, dando-se maior importância aos Negócios Jurídicos em razão da sua utilização comercial. No entanto, os Atos Jurídicos em sentido estrito apresentam vantagens, pois tornam mais objetivas as relações, minorando o espectro dos vícios eventualmente possíveis.

A doutrina sobre os Atos Jurídicos em sentido estrito continua pequena, pois o foco permanece nos Negócios Jurídicos. Talvez este panorama não mude, até porque eles realmente são muito mais utilizados em virtude da autonomia que proporcionam. Entretanto, mais estudos como o presente contribuiriam para o melhor esclarecimento da matéria, demonstrando que o conceito dos Atos Jurídicos em sentido estrito por exclusão, como vimos, não combina com a importância que possuem.

















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