A importância do estudo do grafismo infantil para a formação do pedagogo na UFC

September 30, 2017 | Autor: Luciane Goldberg | Categoria: Education, Arts Education
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III Encontro Internacional sobre Educação Artística, 2014 – Juazeiro do Norte – CE

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO GRAFISMO INFANTIL PARA A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NA UFC

Luciane Germano Goldberg; Ana Caroline Sales Introdução Arte não é apenas básica, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano. (BARBOSA, 2010, p. 4)

Como é de conhecimento geral, é notória a fragilidade da formação do pedagogo na área de arte, em virtude da precária formação ofertada nos cursos de graduação no país. Segundo resultados de pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia – GPAP, liderado pela prof. Dra. Miriam Celeste Martins, há casos em que nem há disciplinas voltadas para a arte ou arte-educação nos currículos dos cursos de pedagogia. Aqui trataremos, especificamente, do Ceará, no caso, do município de Fortaleza, na Universidade Federal do Ceará - UFC. Podemos observar a fragilidade da área a começar pelo currículo do curso de Pedagogia, dos cursos diurno e noturno, em que só temos uma disciplina obrigatória de 4 créditos de Arte e Educação (64h), que obviamente não da conta do universo amplo e complexo de uma formação que prepare verdadeiramente o pedagogo para o trabalho em arte na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, em que, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de Graduação em Pedagogia, Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006, no Artigo 5º, parágrafo VI, o pedagogo deve “ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano”. Desde 2011 buscamos um programa para a disciplina que procure dar uma base teórico-prática para a construção de uma visão de mundo em que a arte surja como um elemento primordial para o desenvolvimento humano, especialmente na infância, desconstruindo a visão que se tem de que a arte é algo supérfluo, sem importância, apenas para o lazer, diversão ou a serviço das demais áreas. Durante esses últimos anos, observamos que, inicialmente, mais do que construir conhecimentos é preciso desconstruir tais preconceitos e visões estereotipadas sobre arte na escola que os estudantes de pedagogia carregam de suas trajetórias de vida, desta forma, optamos pelo trabalho com as narrativas de 1

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vida em que eles são convidados a compartilhar suas experiências formativas em arte da infância até os dias de hoje. Essa atividade, denominada “Linha do Tempo” tem sido nosso objeto de estudo e pesquisa desde então, gerando algumas publicações e reflexões extremamente importantes a respeito do estudo do histórico do ensino de arte no Ceará e da precariedade da arte na escola, especialmente na Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (GOLDBERG et al, 2012, GOLDBERG e BEZERRA, 2012, GOLDBERG e SALMITO, 2013). Após, aproximadamente, mais de 400 narrativas de vida compartilhadas nos cursos de pedagogia, licenciatura em dança e teatro da Universidade Federal do Ceará – UFC foi possível observar que a arte na escola, no que se trata de experiências formativas na infância, ainda remonta a práticas extremamente arcaicas e tecnicistas, quase em uníssono, com as práticas e modelos prontos nas datas comemorativas, as pinturas de “capinhas de prova”, as “dancinhas” no dia das mães, os “teatrinhos”, etc. São muito comuns os relatos de traumas vividos na infância, situações em que as professoras expõem as crianças, julgando, comparando e até mesmo ridicularizando seus trabalhos artísticos, ou por não usarem as cores “corretas” ou por não atenderem ao que está pré-estabelecido pela atividade proposta, como pintar fora da linha do contorno das figuras, responder com outras representações que não as esperadas. Quando se trata de experiências formativas em arte, ao resgatarmos as trajetórias de vida dos estudantes em formação, encontramos um eco de práticas que carregam marcas e traços das pedagogias tradicional, nova e tecnicista, especialmente na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que permeadas pela história da educação no nosso país explicam o ensino de arte na escola formal hoje. Podemos então observar que os vestígios da LDB 5.692-71 são ainda extremamente presentes nas práticas atuais. É contrastante observarmos que a arte, elemento de potencial criativo, transformador e promotor de singularidade se converte na escola em atividades pontuais, de cópia, reprodução e repetição. Na escola narrada não existe espaço para a criação e a invenção, é preciso pintar dentro da linha, em um só sentido, na cor imposta, um desenho que já vem pronto, e essa é a “aula de arte”! É preocupante observar as marcas da Pedagogia Tecnicista na escola de hoje e como isso reverbera no ensino de arte de forma negativa. Toda a carga de atividades advinda dessa pedagogia está pautada na reprodução e na cópia. A arte vista como uma “atividade” pode ser qualquer coisa, pode ser um desenho livre, pode ser pintar um desenho pronto na capa da prova, pode ser colar algodão no papai-noel, pode ser pintar o cartão do dia das mães 2

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e pode não ser exatamente ‘nada’. As palavras criação, expressão, invenção, diferente, singular estão fora do ambiente escolar formal:

Apesar de uma trajetória conceitual curta, a concepção de ensino da arte como atividade cristalizou no ensino de arte diferentes práticas pedagógicas, que encontramos, ainda hoje, nas escolas brasileiras, tais, como: (1) cantar músicas da rotina escolar e/ou o canto pelo canto; (2) preparar apresentações artísticas e objetos para a comemoração de datas comemorativas; (3) fazer a decoração da escola para as festas cívicas e religiosas; entre outras. Isenta de qualquer conteúdo de ensino, a concepção de ensino da arte baseada exclusivamente no “fazer artístico” contribuiu muito para relegar a arte a um lugar inferior na educação escolar (SILVA & ARAÚJO).

Cito apenas alguns exemplos para ilustrar esses relatos, como uma situação em que uma estudante compartilhou seus “modelos prontos” coloridos por ela e em caneta vermelha o escrito da professora “quase bom”, ou o caderno de desenho com observações como “regular” ou “podia melhorar” sobre os grafismos das crianças. Em outro caso um estudante trouxe uma exposição inteira de figuras prontas em que atrás delas as crianças teriam garatujado, feito seus “rabiscos”, mas que ao serem coladas no TNT eram escondidos. Há sempre a situação em que o trabalho é ridicularizado e depois amassado ou rasgado pela professora, até casos em que a criança é colocada de castigo e os pais chamados à escola – como pode um profissional da educação agir dessa forma perante a criação de uma criança? Estes exemplos ilustram atitudes extremamente autoritárias que levam à frustração das crianças para o resto da vida, não é à toa que tais relatos são tão presentes nas narrativas de vida dos estudantes universitários hoje. Geram marcas profundas, ficam gravadas na memória e, de certa forma, contribuem para que muitas crianças desistam de desenhar, de se expressar artisticamente. Por incrível que pareça, esses exemplos são a maioria e surgem espontaneamente nos relatos dos estudantes de pedagogia, em suas narrativas de vida e também durante os estágios supervisionados realizados ao longo de sua formação. Após a disciplina de Arte e Educação eles despertam para essa problemática e se sensibilizam com a precariedade da arte na escola, demonstrando interesse e vontade de mudar essa realidade, de intervir e evitar essas práticas e metodologias, buscando novas possibilidades que permitam à criança maior liberdade de criação e expressão na infância. Em boa parte das situações a total falta de conhecimento sobre as fases do grafismo da criança contribui para posturas e atitudes que são prejudiciais à criança, portanto consideramos importante que esses conteúdos cheguem aos licenciandos em pedagogia.

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Em virtude dessas questões e a partir de vivências e experiências anteriores na graduação e em projetos de pesquisa optamos por trabalhar, durante a disciplina de Arte e Educação conteúdos sobre o grafismo infantil, como forma de iluminar, informar e sensibilizar os futuros pedagogos, como veremos a seguir.

Metodologia

As etapas a serem descritas aqui, enquanto defesa da importância do estudo do grafismo infantil para a formação do pedagogo e metodologias empregadas são derivadas de experiências proporcionadas ao longo da formação no curso de Educação Artística – Artes Plásticas nos anos 90, especificamente no projeto Arte-Pré-Arte, idealizado e conduzido pela prof. Dra. Cleusa Peralta Castell. Tais experiências derivaram na elaboração da monografia de conclusão de curso “Arte-pré-arte: um estudo sobre o descongestionamento da expressão gráfica” (GOLDBERG, 1999) e a publicação do texto “Arte-Pré-Arte: memórias, metodologias, desdobramentos e implicâncias de uma vivência-formação” (GOLDBERG, 2013 in MEIRA et al.). Em ambos compartilhamos a metodologia do projeto Arte-Pré-Arte, origem das práticas desenvolvidas junto aos estudantes de Pedagogia da Faculdade de Educação (FACED), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Para o estudo do grafismo infantil na disciplina de Arte e Educação no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará – UFC realizamos as atividades: (1) desenho diagnóstico; (2) Oficinas do Grafismo (GOLDBERG, 2013); (3) Panorama das Fases do Grafismo segundo Viktor Lowenfeld e Cleusa Peralta-Castell e (4) Portfolio do Desenho Infantil como descreveremos brevemente a seguir. (1) Desenho “diagnóstico”:

Como toda a disciplina é constituída a partir das experiências formativas dos estudantes solicitamos aos estudantes que desenhem uma figura humana completa, do jeito que sabem e conseguem, sem ser o famoso “boneco palito”. Inicialmente há um grande pânico nos estudantes que afirmam só saberem desenhar o famigerado boneco palito. Por um instante, vemos estudantes de 17 a 45 anos voltarem à infância, rindo dos seus desenhos, dos desenhos dos colegas, escondendo os desenhos, colocando-os no final da pilha ao entregarem seus desenhos. Percebe-se que este simples exercício vai muito além de diagnosticar uma fase gráfica, mas conecta o estudante ao seu próprio processo de criação, que na maioria das vezes, 4

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foi interrompido ainda na infância. Por alguns momentos é como se viajássemos no tempo, momento em que os estudantes se conectam com sua história e seu desenho, resgatando-o onde parou. Ao final do estudo das fases do grafismo eles próprios observam os desenhos do grupo e tentam organizá-los nas fases, observando em qual fase se enquadram. Como podemos ver nas imagens seguintes:

Em boa parte dos casos os desenhos revelam a predominância da fase de “Esquema”, que de acordo com Lowenfeld & Brittain (1970), ocorre a partir dos 6 ou 7 anos, fase em que se dá a alfabetização escolar e, em consequência, o “bloqueio do grafismo infantil”, onde surge o “eu não sei desenhar”. São poucos os casos em que aparecem desenhos em fases anteriores ou posteriores, desta forma, fica evidente o que ocorreu com a expressão gráfica de cada um. Podemos ilustrar isso em alguns desenhos realizados pelos estudantes:

Estudante 1: 21 anos

Estudante 2: 22 anos

Estudante 3: 22 anos

Estudante 4: 28 anos

Solicitamos que escrevessem atrás do desenho uma palavra que represente o que significou realizar esse desenho. Estas palavras trazem muitos sentimentos como “frustração”, “angústia”, “vergonha”, “trauma”, “medo”, “preocupação”. Em poucos casos encontramos 5

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sentimentos positivos relativos à “infância”, “alegria”, “resgate” e “recordação”. Para muitos, ser adulto e desenhar como criança é sinônimo de vergonha, é expor-se ao ridículo ao tentar retomar algo que foi abandonado e que esteve por tanto tempo perdido. No entanto, ao se depararem com a informação de que não existe “eu não sei desenhar”, mas que havia um processo que foi interrompido e que pode ser retomado a qualquer momento, muitos sentemse capazes de transgredir e de retomar seu processo gráfico. São muitos os casos em que os estudantes voltam a desenhar após a disciplina de Arte e Educação, aceitando seu desenho de onde parou e se permitindo partir daí, aprender e desenvolver o que havia sido interrompido. O desenho diagnóstico permite um processo de autoconhecimento, pois representa um momento de encontro consigo mesmo, com seu próprio processo de criação o que leva a reflexões extremamente férteis ao educador como: “o que aconteceu comigo quando eu era criança?”, “porque não sei desenhar?”, “eu posso voltar a desenhar”?, “como posso evitar que mais crianças parem de desenhar”?, “como evitar a interrupção/bloqueio do grafismo infantil?”. Tais questionamentos levam, futuramente a observações mais conscientes em seus estágios e práticas pedagógicas, assim como a mudanças de postura profissional para aqueles que já atuam em sala de aula. Os feedbacks recebidos são muitos, durante e depois da disciplina e das experiências proporcionadas pelo estudo do grafismo infantil.

(2) Oficinas do grafismo:

As Oficinas do Grafismo foram criadas e desenvolvidas no projeto Arte-Pré-Arte, idealizado e coordenado pela profa Dra Cleusa Peralta-Castell como resultado de pesquisas e projetos realizados a partir das questões relacionadas à arte/educação e ao resgate da capacidade criadora. A metodologia desenvolvida é fruto de anos de experimentos e foi testada com grupos diversos e está embasada em três módulos, representados pelos eixos temáticos: pensamentos Cinestésico, Imaginativo e Simbólico (PERALTA, 2004; PERALTACASTELL, 2012), sequencialmente, assim como nas etapas da evolução do grafismo infantil. O indivíduo adulto revive a essência das etapas do desenvolvimento gráfico infantil por meio de atividades específicas para o descongestionamento da expressão artística (GOLDBERG, 2013). O termo Arte-Pré-Arte, nas palavras de Peralta, representa um universo: “um espaço intermediário entre a produção de arte como um objetivo em si e a produção artística incipiente que emerge de um trabalho terapêutico, portanto interdisciplinar, de recuperação do potencial de expressão plástica inerente a todos” (GOLDBERG, 1999).

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O termo ‘Pré’ afirma que o objetivo não é formar artistas e sim realizar atividades ou experimentos que permitam àquelas pessoas que tiveram seu processo de desenvolvimento gráfico interrompido, expressar-se por meio de linguagens artísticas, especialmente por meio da pintura. A artisticidade dos trabalhos não é o objetivo maior, porém, frente aos resultados já obtidos, pode-se observar a eficácia desta metodologia, a qual ajuda o integrante no resgate de sua expressão perdida no tempo, ao mesmo tempo em que o produto final é tratado com qualidade técnica e esmero, na medida das possibilidades. No decorrer da disciplina, após a realização do desenho diagnóstico iniciamos as Oficinas do Grafismo, tendo como eixos os Pensamentos Cinestésico e Imaginativo: As atividades iniciam pelo exercício do Pensamento Cinestésico, no qual os adultos garatujam. A atividade das garatujas apresenta diferentes etapas, todas acompanhadas de estímulo musical, de preferência instrumental. A passagem do Pensamento Cinestésico para o Imaginativo é feita quando os participantes são levados a projetar formas representativas em suas próprias garatujas (GOLDBERG, 2013, p. 92).

No eixo do Pensamento Cinestésico não há controle motor, o uso da cor é aleatório, não há preocupação com a figuração e o prazer é unicamente sensorial, baseado no movimento. Segundo READ (1958), a cinestesia surge do prazer que a criança tem nos seus movimentos de braços e no traço visível dos movimentos deixados no papel, representa uma atividade espontânea dos músculos, a expressão de um ritmo corporal inato, que se torna gradualmente controlada, repetitiva e conscientemente rítmica. O objetivo é vivenciar as primeiras fases do grafismo, definidas por Lowenfeld e Brittain (1970) como “garatujas”. Vivenciamos desta forma a “garatuja desordenada” e a “garatuja ordenada ou controlada”. Para tal usamos alguns recursos que permitem maior envolvimento na atividade, como as vendas, que permitem maior sensibilidade quanto ao movimento e a música que auxilia no ritmo do movimento. Os estudantes são convidados a rabiscar com giz de cera, sem escolher a cor, sobre uma folha ao sabor da música com os olhos vendados. Nas duas etapas iniciais os estudantes rabiscam com a mão que não coordenam e com as duas mãos ao mesmo tempo, para vivenciarem o descontrole e a insegurança do movimento. Na etapa seguinte usam a mão que coordenam e agora sentem maior domínio, controle e ritmo em seus movimentos fazendo uma transição da garatuja desordenada para a ordenada. Ao rabiscarem com as duas mãos sentem com mais intensidade a falta de controle e a dificuldade com relação ao espaço do papel. Podemos observar nas figuras abaixo:

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A experiência gráfica resultante da oficina aproxima-se muito dos desenhos infantis nas fases iniciais, desta forma o estudante apreende as características das fases de forma vivencial, entendendo como ocorre esse processo de desenvolvimento do grafismo que parte do puro movimento e prazer sensorial para a imaginação e, posteriormente a representação simbólica. Pelas vivências eles mesmos concluem que na garatuja desordenada não há controle nenhum dos movimentos, os traços são tímidos, leves e inseguros e não ocupam quase nada do espaço do papel. Como a escolha da cor pode ser aleatória nessa fase, eles também não puderam escolher a cor na realização do desenho. Já na fase seguinte, da Garatuja Ordenada ou Controlada, em que experimentam o rabisco com a mão que coordenam, eles observam que há mais controle, domínio do movimento, intencionalidade, precisão e segurança, portanto os rabiscos tornam-se mais intensos, mais fortes, mais ritmados e repetitivos, caracterizando movimentos circulares e longitudinais, exatamente como ocorre com a criança. A etapa seguinte é a transição para o Pensamento Imaginativo, momento em que são convidados a procurar formas/figuras nos seus rabiscos, procurando destacá-las, contornando ou preenchendo. A turma é convidada a compartilhar seus achados e percebem que o processo imaginativo também é algo individual, pois eu posso estar vendo algo que ninguém consegue ver, além de ser um processo criativo, pois não basta encontrar a forma, mas acabamos dando vida ou qualidades a ela, como por exemplo, achamos um “cachorro com fome”! É exatamente assim que opera a fase seguinte e última das Garatujas definida por Lowenfeld e Brittain (1970), a Garatuja Nomeada, fase em que a criança descobre o círculo e começa a imaginar nomeando seus rabiscos, sem ainda representa-los figurativamente. Essa 8

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fase é muito delicada, pois a criança insiste em apresentar e nomear figuras que estão em sua imaginação, mas ainda não se encontram representadas no papel, o que a maioria das pessoas não entende e tende a criticar ou tentar corrigir impondo modelos e desenhos para a criança imitar. No geral as oficinas trazem grande prazer e importantes descobertas, como podemos observar no depoimento de um dos estudantes: A oficina do grafismo permite a sensação de liberdade, diante dos traçados sem a preocupação com formas, reformulação dos conceitos de beleza, aguça outros sentidos pela venda nos olhos. A experiência e dificuldades dos primeiros rabiscos das crianças verifica a importância das garatujas para o seu desenvolvimento psicológico, e seu devido estudo na interpretação dos desenhos diagnósticos (Estudante 5).

(3) Panorama das Fases do Grafismo:

Nesta etapa estudamos as fases do grafismo descritas por Lowenfeld (1970) relacionadas aos eixos temáticos desenvolvidos por PERALTA-CASTELL (2012): Pensamento Cinestético; Pensamento Imaginativo e Pensamento Simbólico. Vemos cada fase detalhadamente, ilustradas por desenhos infantis que são divididas em: 1. Garatujas 2. Pré-Esquema 3. Esquema 4. Realismo 5. Pseudonaturalismo

(4) Portfolio do Desenho Infantil:

Posteriormente as etapas anteriores, os estudantes são convidados a elaborarem um portfolio ilustrado com a descrição das fases do grafismo acompanhadas de desenhos originais de crianças a adultos. O portfolio pode ser realizado individualmente ou em duplas, em meio físico ou digital. Aqui também ampliamos o estudo teórico incluindo autores como Derdyk (1989), Moreira (2009), entre outros. O portfolio reúne resultados de todo o processo, incluindo reflexões sobre as vivências nas Oficinas do Grafismo e o Desenho Diagnóstico. Por meio do portfólio podemos avaliar o aprendizado dos estudantes. Durante sua elaboração prestamos orientações para a identificação das fases dos desenhos, o que nem sempre é fácil 9

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de realizar, visto o desenho não ser um processo estanque, mas somativo. Os estudantes aproveitam para exercitar sua criatividade na produção de belíssimos portfolios. No semestre passado realizamos uma exposição de portfolios do desenho infantil sob forma de compartilhar os belíssimos trabalhos dos estudantes, como podemos ver em algumas imagens abaixo:

Complementamos com alguns depoimentos dos estudantes a respeito do aprendizado de realizar o Portfolio do Desenho Infantil para a formação do pedagogo:

Durante as aulas de Arte e Educação e durante a elaboração do portfólio sobre o grafismo infantil foi onde, de fato, pude compreender a importância do desenho no desenvolvimento, tanto cognitivo quanto afetivo, da criança. E, ainda, a necessidade do professor do infantil e das series iniciais conhecer e observar as etapas do grafismo infantil (Estudante 6).

A criação do portfólio nos mostrou, primeiramente, as deficiências que os profissionais e as escolas têm em implantar todas as atividades de artes. Aprendemos todas as fases do grafismo e por meio dessa atividade, que foi pegar os desenhos em campo, até a criação com as teorias, aprendemos a diferenciar cada fase do desenho, desde as garatujas desordenadas até o pseudonaturalismo. Isso nos mostrou e ensinou as atividades que devem ser feitas nas salas de aula com as

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III Encontro Internacional sobre Educação Artística, 2014 – Juazeiro do Norte – CE crianças, por exemplo, saber preparar atividades de desenhos que estimulem as crianças no seu aprendizado, sabendo todas as fases e idades que isso ocorre e fazer um processo avaliativo que não atrapalhe nesse desenvolvimento (Estudante 7). O resultado do trabalho do portfólio foi de suma importância para compreender o quanto a arte pode contribuir para o desenvolvimento da criança, possibilitando a estimulação da criatividade e a produção de algo genuinamente da criança. Também nos possibilitou um resgate de nossos desenhos que ficaram congelados no tempo e nos trouxeram lembranças de como desenhar era prazeroso. Percebemos a função diagnóstica do desenho que contribui para elaboração de conceitos por parte dos alunos (Estudante 8).

Atualmente estamos pesquisando os resultados dessas atividades de forma mais sistemática, o que irá resultar na primeira monografia sobre o tema no curso de Pedagogia da UFC realizada pela estudante Caroline Sales que atuou como monitora no Projeto de Iniciação a Docência – PID por 2 anos e é também autora desta comunicação.

Resultados e Discussão

Com base nas vivências proporcionadas ao longo da disciplina, desde o contato com as narrativas de vida dos estudantes compartilhados na atividade “Linha do Tempo”, processo em que temos acesso às experiências formativas em arte e, posteriormente, como resultado das atividades realizadas para o estudo do desenho infantil é possível constatar os traumas e as dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento do grafismo. Boa parte dos estudantes chega à universidade sem vivências e conhecimentos artísticos significativos, além do processo de grafismo interrompido aos 6 ou 7 anos, período em que são alfabetizados e a linguagem do desenho acaba sendo substituída pela linguagem da escrita. Conceitos e julgamentos como “feio” e “bonito” acompanham o “eu não sei desenhar”, “eu não sou criativo”, “eu não tenho talento para a arte” e estas são representações que revelam posturas e visões construídas no período escolar, desde a infância. Nosso intuito é desconstruir tais julgamentos e revelar que todos são capazes sim de criar e de retomar seu processo gráfico. Já podemos ver os efeitos dessas metodologias quando estudantes de pedagogia, após a disciplina, retomam seus desenhos, buscam formação na área de arte, fazem cursos de desenho, fotografia, pintura voltam a dançar ou a encenar. O processo de resgate da capacidade criadora é proporcionado no instante em que se deparam com suas trajetórias de vida, se reconhecem, compreendem que ainda é possível continuar a partir daí, entendendo que houve algo interrompido, mas que pode ser retomado.

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No portfolio acessamos o resultado de seus aprendizados, como foi elaborar o desenho diagnóstico, como foi vivenciar as oficinas e conhecer as fases do grafismo. Em suas palavras recebemos os resultados positivos e os feedbacks desse aprendizado, o quanto foi significativo e a importância desses conteúdos para sua formação em pedagogia. Há um aprendizado muito significativo em todo o processo, que vai além do autoconhecimento, mas proporciona uma reflexão a respeito de seu papel enquanto futuros educadores da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, como podemos ilustrar com alguns depoimentos:

É necessário repensar sobre a postura de alguns profissionais de educação que consideram o desenho realizado por uma criança como uma atividade que não tem muito valor. Entretanto, ressaltamos que o desenho infantil não pode ser considerado como uma atividade para passar o tempo destituído de significados, mas como uma linguagem peculiar à criança, que faz parte do desenvolvimento da sua infância. É importante compreender que é através do desenho que a criança pode se expressar, comunicar e atribuir sentido aos seus sentimentos, pensamentos e sensações (Estudante 9).

Compreender as características e saber distinguir as fases foi algo que me chamou bastante atenção, porque ao observar o processo do desenvolvimento das crianças com que trabalho, foi imprescindível para entendê-las e não mais critica-las e sim estimula-las ao desenho sem ter aquele modelo pronto, passando a desenhar agora a partir do seu imaginativo, ou com suas simples garatujas. Excelente em todos os aspectos (Estudante 10).

Dentro deste cenário não podemos deixar de comentar sobre a importância do educador que atua durante esse processo, no quanto ele pode influenciar de forma positiva ou até mesmo causando um efeito contrário, ele precisa ter um olhar livre de conceitos que bloqueiem as manifestações imaginativas de seus alunos, pois é só com o passar das experiências que a criança se tornará capaz de perceber e assimilar as coisas, não pelo julgamento alheio, mas sim por percepção própria, basta que se respeite o seu momento (Estudante 11).

A disciplina pode não dar conta de atender a tudo que gostaríamos e que é necessário à formação do pedagogo em arte, mas nos realizamos ao ver que as concepções iniciais, os estereótipos e os traumas abrem portas e janelas para novos olhares e novos significados que certamente levarão a novas práticas – essa é nossa expectativa e nossa esperança. O primeiro passo é reconhecer aquilo que não deve mais ser feito para, a partir daí buscar o que podemos fazer. Quem sabe, num futuro próximo possamos receber nas “Linhas do Tempo” dos pedagogos em formação relatos felizes com o contato das artes.

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Luciane Germano Goldberg Professora de Arte e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Doutoranda em Educação Brasileira (UFC), Mestre em Educação Ambiental e Graduada em Educação Artística - Licenciatura Plena em Artes Plásticas, ambos pela Universidade Federal do Rio Grande FURG - RS. http://lattes.cnpq.br/9917247618926283. Ana Caroline Sales Estudante de graduação do curso de Pedagogia – FACED – UFC

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