A Importância do Ornitorrinco para o Poder Judiciário: Primeiras impressões sobre a Resolução nº 226/2016, do CNJ, o coaching e os juízes professores

Share Embed


Descrição do Produto

A Importância do Ornitorrinco para o Poder Judiciário Primeiras impressões sobre a Resolução nº 226/2016, do CNJ, o coaching e os juízes professores William Douglas, juiz federal e professor

O CNJ editou a Resolução nº 226/2016, que alterou a Resolução nº 34/2007, para prever, no art. 5°-A, a proibição de magistrados exercerem as atividades de coaching e similares, que (segundo a Resolução) consistem na assessoria para progressão profissional, inclusive na disputa de concursos públicos. A primeira impressão é de que se reveste de tentativa de evitar abusos e estou certo de que esta é a intenção precípua do CNJ. Contudo, equivoca-se por divorciar-se do real significado e alcance do conceito tratado e por entender que ajudar alguém a passar nos dificílimos concursos públicos é atividade sem mérito ou sem conteúdo de magistério. Outro equívoco é chamar uma atividade evidente de ensino, logo, de magistério, de “assessoria”. Escrevo em primeiras linhas, apenas para trazer notícia imediata sobre o quanto equivocada, foi essa decisão. Ela, pelo seu grau de teratologia e irrazoabilidade que carrega, merece ser revista, a bem da ordem jurídica, do bom senso, e em especial, do respeito à Constituição Federal e aos professores e concursandos que prestigiam o serviço público e o Poder Judiciário com seus esforços. Escrevo debaixo da tranquilidade de quem está rotineiramente em primeiro lugar no ranking de produtividade produzido pela Corregedoria à qual estou submetido (TRF 2), e de quem, embora não exerça a atividade de coaching, é magistrado há mais de vinte anos e costuma estar exerce o magistério ainda há mais tempo. Uma das primeiras observações que faço é a seguinte: a Resolução fala em “assessoria individual ou coletiva de pessoas”, e isso traz perplexidade. A mesma Resolução reconhece (e não poderia ser diferente) que uma palestra ou uma conferência são atividades de magistério. Ora, onde está a diferença ontológica entre um palestrante falando para um auditório e essa tal “assessoria coletiva de pessoas”? Eu não faço coaching individual ou coletivo, mas faço palestras. Seria eu um “assessor coletivo”? Ou esta questão seria resolvida conforme o tema seja “jurídico” ou não? Então, uma palestra sobre Direito Administrativo é uma “palestra”, mas sobre como motivar seus servidores, não? Friso isto para mostrar o quão pouco técnica foi a Resolução. Uma coisa, porém, asseguro: sou professor, não sou assessor. E sou professor quando ensino Direito e quando ensino alguém a lidar corretamente com os examinadores em uma prova oral. Nos dois casos transmito conhecimento que ajuda aos meus alunos e, claro, também, ao país, pois precisamos de gente que seja aprovada nas provas. Temos vagas a preencher. Não é correto se irrogar um (inexistente) direito de julgar a aula jurídica como axiológica ou ontologicamente mais nobre, relevante ou “magistérica” do que uma aula sobre como planejar seu tempo, ou aproveitar melhor seu cérebro. Estudo neurologia e neuroaprendizagem há muito tempo para alguém dizer que ensinar funcionamento da mente não é aula. Mais que isso, tenho milhares de alunos que dizem que tais conhecimentos os ajudaram a realizar suas metas e planos. Um professor tem vários momentos, ele é um ser poliédrico: em determinado instante é mero reprodutor de conceitos, noutro é criador de ideias, noutro mentor, noutro coach, noutro apenas um amigo. Sim, claro, tanto no Direito quanto na Medicina há os professores que preferem a distância. Nada obstante o respeito que tenho por eles, recomendo assistir o filme “Patch Adams – o amor é contagioso”, ou ler a obra do referido médico, que questionou os paradigmas do ensino e da prática da Medicina. Afirmo: pegue um professor tradicional, insira doses de estudo interdisciplinar e de amor, e você terá um professor melhor, um coach, nunca um assessor. A atividade de coaching é tão recente que nem mesmo os profissionais e associações da área puderam dar a ela uma definição exata. A dificuldade de nomenclatura, tão comum no Direito, não retira,

contudo, a natureza da atividade: magistério. Um exemplo dessa singularidade é o ornitorrinco. Quando foi encontrado pelos cientistas, estes não sabiam que nome dar a ele, mas nem por isso o referido animal deixou de ser mamífero e ovíparo. Os teóricos do coaching e o CNJ podem não saber ainda como classificar o coaching, mas isso não faz a atividade deixar de ser “magistério”. A atividade é, como disse, bastante recente, o que justifica a dificuldade de classificação e recomenda maior cautela em sua regulamentação. Definir coaching é um desafio, mas nem por isso ele deixa de ter sua natureza de atividade de magistério ou, quando menos, a ela análoga. O conceito ainda está em formação, tanto que muitos confundem coaching e mentoreamento, ou mesmo coaching e assessoria. Falarei, posteriormente, dos equívocos da Resolução nº 226, mas, antes, falarei sobre coaching. Começo dizendo que o coaching é, para o magistério, o que o Uber é para o transporte público. Explico melhor: o coaching traz a modernidade e a inteligente adaptação do fornecedor de conhecimento para se adequar às necessidades do aluno. O Uber não extingue o táxi, nem mesmo pode ser dito que lhe é superior: ele apenas consiste em mais uma solução, moderna e distinta, para problemas antigos, apenas consubstancia um novo modo de enfrentar um assunto. Parte dos problemas dos que prestam concurso para a magistratura é produto de vícios que merecem urgente atenção do CNJ. Parte da necessidade de coaching vem dos concursos dificílimos, que selecionam às avessas, que fazem perguntas de algibeira, algumas, por sinal, cujas respostas são encontradas apenas nos livros dos examinadores. Entre os problemas, temos exigências que fazem a pessoa normal, o advogado militante, a pessoa que vem de baixo, aquele que tem filhos e trabalha, os que não são gênios ou não têm uma família que os financie serem praticamente proibidos de acessarem a magistratura. São concursos que querem seres de outro planeta, às vezes com perguntas e grau de dificuldade mais aptos a trazer status para o examinador do que bons candidatos para a carreira. Status de cepa ruim, mas alguns juristas gostam de ser tidos como inalcançáveis. Uma pena. Temos concursos que não perguntam as questões do cotidiano do jurisdicionado, mas teses que caberiam bem apenas em pós-doutorados em alguma lua de Saturno, e que tornam o estudo para o cargo um exercício de heroísmo. Todos os professores que cuidam desses candidatos merecem nosso aplauso e consideração, mesmo que sua atuação seja feita em modelos inovadores e diferentes da aula tradicional que nos acostumamos nos bancos da Faculdade de Direito. Anoto mais uma perplexidade: a pessoa pode estudar e fazer o concurso para ser juiz, pode ser juiz e examinador do concurso, mas não pode ser juiz e ensinar um candidato a passar no concurso? Onde está a carga viral que torna impuro o professor que ajuda o aluno a superar as (boas e ruins) dificuldades das provas? Eu publiquei um livro sobre como passar em provas e concursos justamente para ajudar as pessoas a superarem mazelas dos concursos. O livro já vendeu mais de 200 mil exemplares em sua versão original, e isto prova o quanto o conteúdo veiculado é necessário às pessoas. Ensino a se organizar, a estudar e a fazer provas, a lidar com professores, com o fracasso e com seres difíceis: os examinadores. E também fui examinador, sei bem como é difícil. Todo o conteúdo do livro abrange alguma forma de “conhecimento” e de “saber”. Ensinar isso é, portanto, parte de um processo de ensino e aprendizagem, e inclui ensinar a se organizar, a planejar, a liderar a si e a outros, a motivar-se e aos circunstantes, a administrar conflitos, a negociar acordos, a controlar o lado emocional e tudo o mais, atribuição própria de professor, não de assessor. Fui o primeiro a enfrentar esses assuntos e por isso a obra é considerada um clássico, e a matéria ali veiculada já virou tema de dúzias de novos livros, de terceiros e meus, e também disciplina obrigatória em universidades. A UNESA, por exemplo, ministra disciplina obrigatória a todos os seus alunos, de todos os seus cursos: “Sucesso profissional e planejamento de Carreira”. A Universidade, portanto, está antenada com as demandas e com as inovações. O Judiciário deveria fazer o mesmo. Ensinar a pessoa a realizar metas e gerir projetos e equipes, a fazer acordos etc. é, por sinal, algo que o próprio Judiciário reconhece como necessário. Vive querendo que façamos mutirões de conciliação e o novo CPC impõe

audiências de conciliação... Mas ensinar a lidar com as vicissitudes e sutilezas humanas... é assessoria, e não magistério? O livro que escrevi é parecido com um ornitorrinco. Fala de Direito, mas também de programação neurolinguística, fala de provas orais, mas também de autoestima. E, como o ornitorrinco, vive, funciona, respira. Não é um livro de coaching, mas de mentoreamento, coisa distinta, e ainda discorre sobre raciocínio jurídico.. Escrevi, também, um livro de coaching, em 2014, e não o refiz por falta de tempo. Alerto, porém, que bastante da morosidade e ineficiência do Poder Judiciário decorrem da falta de saber fazer planejamento, de motivação, de treinamento, de liderança e de outras coisas nas quais um bom coaching ajuda bastante. Nesse passo, está no prelo meu livro sobre Inovação na Gestão Pública, que fala justamente das diversas lições que venho transmitindo no STF, TST, AGU, Instituições Militares, TRFs, TSTs e Seções Judiciárias, sempre falando de como melhorar o funcionamento do Judiciário. Livro que será publicado em coautoria com minha Diretora de Secretaria, que além de ser excelente em Direito, também é ótima em Administração. Curiosamente, por mais que queira conciliação, mediação, ADR (Alternative Dispute Resolution), o Judiciário ainda se mostra refratário a novos modelos e paradigmas. Nesse sentido, cito que a primeira sugestão de criação dos Juizados Especais Federais foi minha, fato reconhecido pelo CJF/STJ em publicação sobre o tema, e na época, sete anos antes de aprovada a lei, os cinco TRFs rechaçaram a proposta em face da “indisponibilidade do interesse público”. Pois bem, espero que o Judiciário não feche sua mente para compreender os novos formatos e espécies do gênero “magistério”. O Judiciário já inseriu novas matérias nos concursos para a magistratura, isso além de positivo é indicativo de que ainda temos muito a aprender com outras disciplinas. A mesma sensibilidade que indicou a inclusão da Psicologia, Política, Sociologia e Filosofia nos concursos para a magistratura recomenda que se lance um olhar mais gentil com o coaching. O coaching é uma forma de ensinar, de desenvolver pessoas e, consequentemente, de melhorar a produtividade, de obter resultados em todos os aspectos, não apenas em concursos. Por essa razão, a partir do momento em que se entender o que é coaching, vamos ver que seu espaço deve aumentar no Judiciário, e não o contrário. Se o Judiciário quer vencer seus desafios, pode fazer o que os concurseiros estão fazendo: buscar nos professores que ensinam isso as ferramentas para melhorar e conseguir realizar suas metas. Trabalho típico de professor, repiso. Mas vamos falar do Uber. O fenômeno do Uber teve, entre suas consequências, mexer com os taxistas, tornando uns mais raivosos, outros mais preocupados em atender bem. E, assim como o Uber, o coaching incomoda a muita gente. Incomoda a quem não sabe o que ele é, ou não o entende, ou não sabe fazer, ou se incomoda com a rentabilidade que pode trazer, ou prefere manter tanto o magistério, quanto o Direito, quanto até mesmo os cursos preparatórios e ensino do jeito que sempre foram. Perdoem-me a rudeza, mas negar ao coaching a característica óbvia de atividade de magistério só pode decorrer de ainda não se entender bem o que é coaching. Ou não se sabe o que é coaching, ou não se sabe o que é magistério. E magistério é assunto já bastante discutido, até porque um dos desafios é buscar o melhor cumprimento do direito de os magistrados exercerem a atividade de professor, evitando abusos. Entre os problemas do magistério exercido por magistrados, por exemplo e como todos sabem, está o erro daqueles que deixam de produzir para dar aulas, ou querem ministrar aulas em horário de expediente forense. Há abusos a serem coibidos, sim. Porém, em geral, observo que os juízes que dão muitas aulas tendem a estar bem no quesito produtividade. Isto ocorre pelo ideal, ou pela necessidade, ou pela maior dinâmica de atuação desses juízes, ou até mesmo para eles se colocarem menos sujeitos às críticas. Dizem que existem invejosos que se incomodam com juízes de sucesso. Espero que seja boato. Quero crer que todas as preocupações sejam por conta de o trabalho ser bem-feito e, assim, que desse modo se resolvam: como está a produtividade do juiz, seja ele professor ou não. O juiz pouco produtivo normalmente não é aquele que é professor, uma atividade desgastante. O juiz pouco produtivo em geral está longe da observação pública, e ainda mais longe dos holofotes do magistério.

Faço aqui, ainda, o aplauso ao CNJ por estar contribuindo grandemente para combater a corrupção no Judiciário. Parabéns por isso. Quanto ao magistério, contudo, o rigor excessivo e que despreza novos formatos é algo a ser corrigido. Juiz tem que ser analisado por sua conduta pública, por sua produtividade, por seu respeito às regras. Não há regra que impeça o magistério senão quando conflita com a magistratura. Entre o que se espera das cúpulas do Judiciário e do Legislativo está garantir condições dignas para todos os magistrados. Sim, pois sempre fui professor, faço por gosto, mas conheço juízes que foram dar aulas para poder manter seus filhos no colégio, já que estavam há anos sem reajuste. Isto sim, é algo urgente a ser visto. Na qualidade de juiz já passei sete anos sem qualquer reajuste, e noutra feita, quatro anos sem reajuste. Recentemente, ao invés de cumprirem o art. 37, X, da Constituição Federal, me deram como “solução” um auxílio-moradia que me faz ser constantemente criticado e achincalhado por muita gente. Preferia que me dessem as coisas na forma da Constituição, e não me tirassem o que ela, a Constituição, assegura. Meus servidores estão há dez anos sem reajuste, e sinto falta de o STF e o CNJ zelarem pelas condições de trabalho e respeito aos serventuários, sem os quais o Judiciário nada pode produzir. O que me atrapalha a produzir como juiz não é minha atividade de professor, mas a falta de computadores, é o sistema de informática lento, o prédio ruim, o servidor desmotivado por estar há anos sem reajustes, o excesso de controles e relatórios que torna tudo mais lento, como se todos os juízes e servidores fossem dados ao mal. A falta de um corpo de peritos e de normas mais inteligentes me atrapalha mais a julgar do que a ser professor. Aliás, acho que isso é um bom caminho: não se importar tanto com o fato de o juiz jogar tênis ou dar aula, mas com o quanto o juiz produz no órgão sob sua responsabilidade. Uma análise dessas seria mais eficiente. Um dos juízes mais produtivos que eu conheço joga tênis e é professor. Em suma: nem o esporte nem o magistério são o cerne do problema, mas sim a produtividade e a integridade do magistrado. Concordo e aplaudo o controle dos abusos no magistério, mas dizer que coaching não é magistério, me perdoem, não é razoável. Não é porque uma atividade é nova que se pode negar sua natureza. Proibir genericamente não é boa solução. Se há alguém que abusa, que seja demonstrado o erro e o dano, e que apenas seja reprimida a pessoa que estiver agindo errado. A profissionalização dos cursos preparatórios para concursos foi positiva, assim como é positiva a profissionalização do respectivo magistério. Aliás, nada menos se espera de um magistrado que tenha suas atividades formalizadas. Esse formalismo e profissionalização aumentam o grau de transparência e accountabilty da atividade desenvolvida. Além disso, sendo atividades remuneradas, a formalização da atuação é ainda mais necessária. Não há qualquer vedação legal ou moral a que o professor (magistrado ou não) seja remunerado, mas seus recebimentos devem ser devidamente tributados e auditáveis. Enfim, quando estamos diante de um assunto novo, como é o caso, qualquer decisão proibitiva e rápida torna-se perigosa. Estamos diante de um fenômeno novo a ser compreendido e regulamentado, não proibido. Nesse passo, a Corregedoria do TJ/GO andou bem, regulamentando o que cabe e o que não cabe nesse formato moderno, inovador e criativo de exercício do magistério. Vou, ainda, anotar alguns pontos: 1.

A Resolução cria uma limitação da atuação do magistrado no magistério que não foi feita sequer pelo Constituinte Originário, e nem poderia, já que o surgimento e sucesso desse modelo de magistério são recentes. Proibir o que a Constituição Federal não proíbe não é positivo.

2.

Existe uma grande incongruência na decisão, que viola a isonomia. Primeiro, por tratar de forma diferente o professor que ministra aulas no modelo tradicional em oposição a outro cidadão, que também é professor, mas em modelo mais novo. Um novo modelo é forma de progresso, de evolução, e não um erro. A Constituição Federal fala em atividade de magistério, não há como a Resolução eleger alguns modelos e proibir outros. Igualmente, um novo modelo

de atuação didática não pode ser impedido, pois o Direito não pode, nem deve, querer impedir a evolução social, de práticas, costumes, tecnologias e metodologias. 3.

A Resolução admite que um magistrado participe como membro de comissão organizadora. Ora, como pode ser magistério preparar a prova e não ser magistério ensinar o concursando a fazê-la? O equívoco é ainda maior a partir do momento em que uma coisa é ser membro de banca, examinador, e outra é ser membro de instituição organizadora. A atividade de membro de organizadora é mais administrativa que propriamente magistério, é atividade correlata e mesmo assim, e de forma correta, é aceita como “magistério”’ dada sua relevância e hibridismo. Perfeito, mas como, então, não se aceitar a orientação para fazer as provas também como “magistério”?

4.

Se um candidato chegar, na prova oral, perante um magistrado da banca (ao qual se reconhece a condição de professor) e estiver vestido de forma imprópria, ou se comportar de forma indigna, a banca o eliminará. Contudo, o profissional que ensina esse mesmo candidato a se comportar (e a não ser reprovado) não é aceito como “professor”? Isso não faz sentido.

5.

A Resolução faz com que o CNJ atue como legislador, o que não é adequado.

6.

A Resolução está vedando o direito ao livre exercício de trabalho ou profissão (magistério), que só pode ser contido/delimitado por meio de lei em sentido formal, nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal.

7.

Como já disse, há desinformação sobre a atuação do coach. Como estamos diante de assunto novo, a proibição não é o melhor caminho, mas sim buscar compreender melhor a atividade. As limitações morais, legais e de compatibilidade de horário do magistério em geral já são o suficiente para exercer o controle da atividade desse modelo novo de professor.

8.

A docência não é limitada a assuntos genéricos e imóveis, inertes. O desenrolar do tempo gera a criação tanto de novas disciplinas como de novas metodologias pedagógicas. Por exemplo, o Direito Ambiental surgiu do Direito Administrativo. Então, o professor de Ambiental não é professor? Da mesma forma, o coaching é um desdobramento de outras áreas e formatos específicos do processo de ensino. Não há como definir o exato limite no qual o professor esteja ensinando, por exemplo, Técnicas e Métodos de Pesquisa ou Processo Civil, e quanto estará atuando como mentor ou coach (as três atividades se mesclam). Não há como negar que o professor do escritório modelo ou do núcleo de prática jurídica não é mero professor de Processo, mas de também de Prática, e boa parte do que um professor de Prática faz pode se enquadrar como coaching.

9.

Reparem que nos esportes tínhamos os técnicos, e pronto. Com o tempo, começaram a surgir técnicos especializados em ataque, outros em defesa, outros em treino de goleiros. O “técnico de goleiro” não tem uma regulamentação específica, mas não deixa de ser “técnico”. Ele apenas focou em um aspecto singular do esporte. Ora, um professor pode ensinar só Direito, e tudo bem quanto a isso. Ocorre que alguns ensinam sobre como se portar, como se organizar, e as pessoas gostam, pois têm essa demanda, precisam desse conhecimento. Qual o problema inserido aí? Nenhum. Não estamos diante de atividade ilícita, indigna ou reprovável, mas diante de ‘’ensino”. Quando eu criei as aulas e o livro sobre como passar em provas e concursos o que fiz foi criar um espaço para cuidar de temas essenciais e para os quais as escolas de Direito e os cursos não tinham um horário específico. Isso não me fez menos professor, ao contrário. Eu apenas sistematizei um conjunto de conhecimentos relevantes e necessários. O que o professor que se dedica ao que, em geral, se chama de coaching faz isso: ele se especializou em cuidar de determinados aspectos. A questão é que no decorrer da atividade existe o momento em que ele ensina Direito propriamente dito, como quando orienta a escolha do melhor livro para este ou aquele concurso, e momentos em que ele transmite conhecimento “não jurídico”,

mas nem por isso menos importante. Saber se vestir, motivar e comportar em um concurso ou prova não é conhecimento “jurídico”, mas faz parte das necessidades que o concursando tem para ser aprovado. Aliás, lembremos: até onde eu saiba, interessa ao Judiciário que as pessoas sejam aprovadas, que consigam superar as dificílimas provas e que tenha alguém bom a nomear. Não sei como quem ajuda estas pessoas pode ser discriminado. Quem irá ensinar os jovens e interessados a atender o que é exigido pelas bancas? Chamaremos enfermeiros, mineradores, artistas? Não! Nós precisamos chamar quem entende do assunto e, logo, é natural buscar orientação (ensino) entre os aprovados no exato concurso que a pessoa deseja. 10. As faculdades de Direito têm o departamento ou laboratório de prática, no qual consta nitidamente a atividade de orientação profissional e mentoria que se confunde com atuação típica do que hoje se chama de coaching. Esse papel não retira a natureza do magistério. Sendo assim, coaching é um ramo da atividade docente, uma especialização. Se for para ser vedada qualquer atividade não “jurídica”, então o professor de Direito Civil, e ainda mais o de Prática Jurídica, terá vedada parte razoável ou expressiva de sua cátedra. O fato de o magistrado atuar como coach não retira a natureza docente da disciplina. Professor é o gênero no qual o coaching figura como uma espécie, mais recente e ainda em formação, mas nem por isso perdendo a natureza de sua gênese. Típico caso de o acessório seguir o principal. 11. O Judiciário precisa vencer o encastelamento e desconsiderar como relevante aquilo que não é “jurídico”. Esse problema ultrapassa os limites do tema aqui tratado. Tenho produtividade acima da média, sou reconhecido como juiz correto, produtivo etc. Levo o nome do Judiciário de forma positiva a diversos lugares, tenho livros publicados e faço palestras no país e no exterior... e mesmo assim, quando desejo fazer um doutorado na área de “Liderança”, por exemplo, alguns dizem que isso “não tem relevância para o Poder Judiciário”. Ora, se minha produtividade é acima da média, se sou instrutor regular em palestras sobre inovação, qualidade e produtividade e em programas de desenvolvimento gerencial em Tribunais Superiores, TJ’s e TRF’s, e digo que isso tem relevância, como pode a Administração do Judiciário desprezar essa percepção e depoimento? Nem que seja para pesquisar a profundidade da aplicação deveria haver mais abertura para a interdisciplinaridade. Dizer que não é aula, ou que não é professor aquele que ministra aula sobre algo “não jurídico” é parte desse encastelamento e arrogância de que o Judiciário precisa se despir. E, repito: na atividade cotidiana do professor coach, não há como separar o que é uma aula “jurídica” do que é aula de “planejamento”, “organização”, “método da pesquisa” etc., ou seja, ao se querer cometer o erro de vedar a aula “não jurídica” ainda se atropela as aulas “jurídicas”, que também são ministradas. 12. A atividade do professor envolve ensinar a disciplina em si e também orientar o aluno. O bom professor, friso. Ocorre que além da disciplina em si, existe ciência, técnicas, estudos, pesquisas e tudo o mais indicando que há um conhecimento especifico sobre COMO APRENDER a matéria, como memorizá-la, como recuperá-la na memória, como anotá-la de forma mais eficaz. Igualmente, há técnicas e conhecimentos que ensinam como aumentar o desempenho em uma prova. Tudo isso também é conhecimento e todo aquele que ensina essas coisas é professor em sua mais justa e ampla expressão. Se para essa especialidade se começou a chamar alguém de coach, isso é expressão, é nomenclatura que não desnatura a essência da atividade, que é ENSINAR. 13. O sucesso dos professores que se dedicam ao coaching mostra que o modelo funciona. Eles sofrem hoje o mesmo preconceito que sofreram os cursos preparatórios para concursos, que sofriam certo ressentimento das escolas de Direito, as quais davam diploma, mas não preparavam para o sucesso nas provas. Aliás, ainda hoje aparecem acadêmicos que, de suas trincheiras, rotineiramente atiram pedras contra os professores, aulas e livros dos cursos para concursos. O que não compreendem é que tais ensinamentos são apenas o fruto da forma

como os concursos são montados. Melhorem as perguntas, senhores, e os professores, coordenadores e cursos preparatórios irão preparar as pessoas para terem sucesso nas novas provas. Isso é trabalho de professor, quer seja chamado como tal ou como coach. O fato é que os cursos preparatórios para concursos não mataram as escolas de Direito, talvez até as tenham melhorado, tal como o Uber, aos taxis. Da mesma forma, os professores tradicionais não deixarão de existir por causa dos professores que escolheram atuar dentro dessa modalidade de Direito que inclui atenção mais personalizada, orientação profissional, e aproveitamento da contribuição de outras ferramentas “não jurídicas”. Esse novo modelo, que vem sendo chamado de coaching e tem sido positivo por gerar mais um espaço para os candidatos se aperfeiçoarem e lograrem êxito nos concursos. Isso é bom, não é ruim. 14. Um modelo de professor que tem se mostrado eficaz atualmente é aquele que interage, que ouve, que orienta, que ensina o Direito não como um bloco monolítico e estanque, mas como um ser vivo, móvel, fluídico, que se amolda e sobrevive durante o cotidiano dos desafios da vida moderna. Para novos desafios, novos professores. Hoje quem ensina Direito consegue realizar melhor seu mister de ensinar/professorar acompanhando a pessoa. Humanizando o ensino, olhando o aluno não como mero receptor de fórmulas e conceitos, mas como um ser vivo que precisa ser integralmente acompanhado. Um trabalho holístico, interdisciplinar, jurídico também, embora não apenas jurídico. Esse tipo de atuação vem do futuro e atropela a figura imperial, hermética, distante e fria do professor em torres, do professor em pedestais. Nisso, volto a dizer: o Judiciário imperial, hermético, distante e frio tem muito a aprender com as outras matérias e com o coaching. 15. Os professores de cursos preparatórios, quer se utilizem ou não das ferramentas do coaching, são cobrados por resultados de uma forma diferente da que ocorre com os professores de cursos regulamentados pelo Ministério da Educação. Os alunos não estão preocupados com um diploma, apenas com a eficiência do ensino. Essa característica faz com que tais professores em geral tenham uma outra dinâmica de atuação, cobrança e validação, dispondo de uma expertise que pode somar muito ao desempenho do Poder Judiciário, bastando que o Judiciário esteja disposto a aprender com tais experiências, pondo-as a serviço de nosso Poder. 16. Apenas uma visão muito restritiva pode fazer alguém defender que o Direito se limita... ao Direito. Como já foi dito, “para ser bom juiz é preciso saber História, Filosofia, Economia, Psicologia etc., e se a pessoa souber Direito, ajuda”. Essa ideia foi prestigiada com a inclusão de matérias humanísticas nos concursos para juiz. Então, o caminho é criar um Direito mais aberto, mais interdisciplinar, mais humilde e mais permeável a outros conhecimentos. Esse mesmo fenômeno precisa ser reconhecido no magistério. Nada contra o professor tradicional, sentado à mesa, que não se vale de nenhum recurso de oratória ou motivação, claro que não. O que não pode é se criticar ou ficar incomodado, ou incomodando, o professor que ri, canta, brada. Não há um modelo único de professor, nem nenhum modelo perfeito. A diversidade deve ser prestigiada. O professor que se preocupa com o coaching é aquele que interage de forma mais incisiva, sendo talvez mais bem recebido pelas gerações Y e seguintes. 17. A Resolução menciona coaching e similares. O que seria similar? Nota-se que nem a atividade de coaching nem as similares têm definição clara, de modo que a proibição não é objetiva e nem técnica. Imagine se replicássemos isso em outros ramos do Direito Punitivo? Você não pode furtar nem fazer atividades similares, é isso? O que é “similar ao coaching”? O Direito Penal, o Tributário e qualquer ramo punitivo deve evitar o uso de termos genéricos. A “’tipicidade”’ protege. 18. A evolução da sociedade, do Direito e do ensino traz como desafios compreender os novos fenômenos. Às faculdades seguiram-se os cursos preparatórios, e eles depois de serem presenciais se tornaram por satélite, e agora online. Hoje, todos convivem. Os professores, de

formais e distantes, se tornaram mais próximos, e alguns deles passaram a utilizar ferramentas novas, em um conjunto genérico que muitos chamam de coaching. Tecnicamente, e isto os próprios professores de coaching (não os que usam as técnicas, mas que ensinam o coaching em si) revelam que os que ensinam Direito para concursos e usam as ferramentas não são exatamente um coach. Tudo isso apenas revela uma natureza híbrida de professor tradicional, coach e mentor que se criou para atender as demandas dos alunos e que, tal como o ornitorrinco, desafia a classificação, mas não desnatura a atividade. Hoje temos professores dos mais variados matizes, e até mesmo aulas em veículos novíssimos e até há pouco inimagináveis. Por exemplo, temos aulas via skype, Twitter, Periscope e Facebook. Dissociar essas mudanças da atividade do magistério é inviável. Um professor de 2, 30 ou 70 alunos, seja o ensino tradicional ou não, seja presencial ou pelo Periscope... é um professor. Essas variações de forma e modo não vulneram a espinha dorsal do processo: uma pessoa ensinando, outra aprendendo. 19. Caso o CNJ queira evoluir no tema, vale buscar as lições de professores respeitados, tais como Paulo Freire e Rubem Alves, para compreender que aquilo que se chama entre nós de “coaching” é nada mais do que a melhor expressão do que se espera de um professor. A sétima arte também pode nos ajudar nessa compreensão. Cito aqui filmes como “Ao Mestre com Carinho”, com Sidney Poitier; “Meu Mestre, Minha Vida”, com Morgan Freeman; Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Willians; “Macfarland”, com Kevin Costner e “O sorriso de Mona Lisa”, com Julia Roberts. Todos esses filmes revelam professores que exerceram suas funções com doses, maiores ou menores, de ferramentas que os colocariam como praticantes de coaching. Isto é o que fazem, em maior ou menor grau, diversos magistrados que exercem sua atividade de professor de Direito com foco em aprovação em concursos. Não creio que isto faça deles professores melhores que outros, mas igualmente não se tornam eles menores. Mais que isso: essa atuação inovadora não lhes retira a característica e a natureza de professor, a qual é atividade licita para um juiz, na forma da Constituição. 20. Espero que o CNJ e as Corregedorias criem normas para regulamentar a atividade de magistério e que as fiscalizem. Normas razoáveis. E que os juízes sejam julgados não por darem aulas ou jogarem tênis, mas por cumprirem ou não os deveres do cargo. Enquanto estiverem respeitando os limites constitucionais, a compatibilidade de horários e mantendo produção adequada, que não sejam punidos ou proibidos por ensinar, e menos ainda por ensinar de forma moderna, criativa e diferenciada. Afinal, tudo o que o Judiciário precisa é de ser moderno, criativo e diferenciado. Creio que os professores que entendem de coaching têm muito a contribuir não apenas aos candidatos, mas também em seus juízos e tribunais. 21. Finalizando, essa limitação imposta vai na contramão da necessidade de humanização do papel dos magistrados e da importância da troca de conhecimentos e de diálogo com a sociedade, bem como do combate ao encastelamento do Judiciário. As Ciências Jurídicas não têm sido capazes de diminuir a litigiosidade e, diante da impotência do Judiciário na resolução dos conflitos, o novo CPC está elevando à categoria de destaque os meios alternativos de solução de litígios. Esses caminhos alternativos já foram percebidos como positivos pelo CNJ, mais uma razão para acolher – e não repudiar – todas as ferramentas do coaching. 22. Esses juízes coaches deveriam ser, ao invés de obliterados, aproveitados. Estou certo de que, assim como ocorre na 4ª Vara Federal de Niterói e em outros juízos, o trabalho de liderança, coaching, desenvolvimento gerencial e outras ferramentas vai ajudar o Judiciário a ser o que precisa e deseja ser. 23. Ainda para falar de um Judiciário melhor, friso a necessidade de termos um pouco menos Direito (ao menos do Direito nefelibata) em nossos certames, e, nas provas, um pouco de Administração e Liderança. Ao selecionarmos e treinarmos os magistrados, temos que

reconhecer que somos ótimos em Direito, mas ainda temos muito a aprender sobre gestão. Por fim, faço votos de que o Judiciário olhe com mais carinho os professores que preparam os candidatos para os dificilímos concursos da magistratura. Eles nos auxiliam. Para isso, criaram um preparo que está mostrando resultados. Um esforço mais humanizado, personalizado e utilizando ferramentas poderosas que, infelizmente, as faculdades não usam. Ferramentas eficientes para o estudo e para a produtividade futura dos órgãos judiciários. Esses juízes professores de Direito e sabedores (e transmissores) das ferramentas de coaching são mestres que ajudam as pessoas a cruzarem os difíceis portais do castelo. O que os altos gestores do castelo poderiam entender – e sábios que são poderão fazê-lo se quiserem se abrir para novos paradigmas – é o seguinte: esses juízes podem ajudar o Judiciário a se comunicar melhor com a sociedade e, tão importante quanto, ajudar os demais juízes e servidores a melhorarem seu desempenho. Como diz a própria Resolução, farão um “aperfeiçoamento”. Há claramente uma necessidade de aproximação e de diálogo. Restringir a atuação dos magistrados se revela como uma medida bem intencionada, mas equivocada, pois limita o diálogo. Além de impedir que tais magistrados exerçam o magistério em suas searas, o pior é deixar de aproveitar estes magistrados dentro de nossos muros. O sucesso desses professores em ajudar pessoas a atravessarem o portal não deveria ser objeto de repulsa, mas de admiração e aproveitamento para que nossos portais internos sejam ultrapassados. 24. Uma sugestão. Quem sabe o CNJ não possa recomendar e/ou estimular alguns tribunais a que utilizem as ferramentas de coaching? Para isso, já temos juízes que sabem ensiná-las. Então, após seis meses ou um ano, o CNJ comparará os resultados desses juízos ou tribunais com outros grupos de controle, que não tenham passado pelo mesmo trabalho. Estou certo de que os professores de coaching (ou seja, professores que utilizam e ensinam as ferramentas do coaching) serão aplaudidos. Afinal, as ferramentas do coaching podem ser aplicadas em qualquer tipo de Organização,. É como se fossem, no Direito Penal, uma agravante ou atenuante, que podem se agregar a qualquer projeto (ou tipo legal), dando-lhe um novo tônus. Vamos deixar essa nova habilidade ser aplicada, utilizada e aperfeiçoada, vamos controlar o exercício desse novo modelo de magistério, e vamos aproveitar o que ele tem de bom para melhorar nosso Poder. Essas são impressões primeiras e rápidas, incompletas posto que produzidas de imediato, para dar uma primeira contribuição a este debate. Confiante no CNJ , como sempre fui e serei, espero que essa Resolução seja suspensa pelo próprio CNJ, confirmando a razão de sua existência: melhorar o Judiciário. Estou certo que um pouco mais de debate irá demonstrar a natureza de magistério da atividade em tela e que, mais que isso, o coaching ainda contribuirá para o Judiciário ser cada vez melhor.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.