A Imprensa Republicana no Brasil: Visões do Passado e Expectativas de Futuro (1870-1889)

June 23, 2017 | Autor: Cláudia Viscardi | Categoria: Republicanism, Imprensa
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1 A Imprensa Republicana no Brasil: Visões do Passado e Expectativas de Futuro (18701889)1 Profa. Dra. Cláudia M. R. Viscardi2

Paper apresentado no XVI CONGRESO FIEALC ANTALYA- TURQUIA, 2013 Resumo: O presente artigo trata do estudo da criação, apropriação ou transmutação de conceitos políticos que marcaram a transição da monarquia para a república no Brasil (1870-1889), tendo como base a imprensa republicana. A partir da análise dos dicionários de época, dos manifestos republicanos e da imprensa do período, buscamos entender como os contemporâneos – responsáveis pela propagação dos ideais republicanos – entendiam alguns conceitos em torno dos quais se uniam: o conceito de república, de federalismo, democracia, soberania, opinião pública entre outros, alguns deles sinônimos. Fizemos uma investigação sobre a mudança sofrida pelos conceitos ao longo do século XIX no Brasil, a partir da análise de seu uso em alguns eventos políticos marcantes, anteriores à instituição do regime republicano. Tais conceitos compunham o discurso político da propaganda republicana e possuíam significados diversos do que hoje possuem. Entender os campos semânticos construídos por um projeto a princípio minoritário e emergente constitui-se parte fundamental de nossas investigações sobre a República e o Federalismo no Brasil.

Apresentação

A implantação do regime republicano brasileiro, ocorrida ao final do ano de 1889, foi acompanhada pela instalação do federalismo e pelas discussões em torno de seus limites. O novo regime resultou de um golpe civil-militar, mas foi antecedido por um período relativamente longo de propaganda em prol da necessidade de se superar o regime monárquico. O país era visto pelos principais próceres do movimento republicano como uma nação que se modernizava economicamente, mas cujas estruturas sociais e políticas ainda estavam ligadas ao Antigo Regime. Por Antigo Regime entendia-se a monarquia brasileira, alvo de intensas críticas por parte destes grupos emergentes. A partir da década de 1870 o país já se encontrava dividido entre as duas opções colocadas: monarquia x república. Formou-se uma geração que se comprometeu com o projeto republicano e por ele reuniu-se em ardorosa militância, que se manifestava através da 1

Resultado parcial de pesquisas que contaram com o apoio da Fapemig, Capes e do CNPq. Pós-Doutora em História pela Manchester Metropolitan University – Manchester – Reino Unido (2008). Doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pesquisadora do CNPq. 2

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2 imprensa, das conferências e dos comícios. Para além da divulgação de uma nova cultura política emergente, estes jovens atores também se mobilizaram pela via do associacionismo, através da criação de clubes republicanos e de partidos políticos. Tal propaganda política, ocorrida nas últimas décadas do Império, foi objeto de variados estudos, desde os contemporâneos do movimento aos anos mais recentes.3 Alguns trabalhos regionais acompanharam as reflexões surgidas nacionalmente, sobretudo em províncias dotadas de um movimento republicano mais dinâmico, como foram os casos de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. 4 A maior parte desses estudos analisa a propaganda sob a perspectiva de uma república já implantada, ou seja, o movimento republicano tem sido reiteradamente tratado como a porta de entrada para a Primeira República. Em geral este tipo de abordagem dificilmente escapa aos anacronismos. Por esta razão, ao movimento republicano foram imputadas as raízes dos principais vícios da República Oligárquica que então se implantou, como o federalismo desigual, a cidadania limitada, a ausência de um projeto de desenvolvimento econômico, entre outras mazelas. Tal modalidade de análise faz com que as décadas finais do Império se reduzam à ante-sala da república e nelas se procura as explicações para as mudanças introduzidas pelo novo regime. Ao mesmo tempo, exageram-se as rupturas da república em relação ao Império, como se um novo Brasil fosse criado a partir do golpe de 1889, omitindo-se as continuidades, que foram muitas, como não poderiam deixar de ser. Para um melhor entendimento do projeto republicano proposto, a História dos Conceitos Políticos pode prestar importante contribuição5. Sabe-se que um dos principais

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Um bom levantamento bibliográfico foi feito por Emília Viotti na década de 1960, republicado anos depois em COSTA, Maria E.V. “A Proclamação da república” In: Da monarquia à república: momentos decisivos, 5ed, São Paulo, Brasiliense, 1991. Por ocasião do centenário da república, novos debates foram realizados. Parte deles pode ser vista na Revista Resgate, Campinas: Unicamp/Papirus, 1990, n.1. Da década de 90 até anos recentes, o debate perdeu fôlego, tornando-se raras as publicações sobre o tema, em que pesem importantes reflexões como a de CARVALHO, José M. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil, São Paulo, Cia das Letras, 1990; ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002 e MELLO, Maria T. C. de. A república Consentida: Cultura Democrática e Científica no Final do Império, Rio de Janeiro, FGV, EDUR, 2007. 4 CASALECCHI, José Ênio. O Partido republicano paulista: 1889-1926. São Paulo: Brasiliense, 1987, FERREIRA, Marieta de M. (org.) A república na velha província: oligarquias e crise no estado do Rio de Janeiro (1889-1930). Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. 5 A História dos Conceitos nasceu e se consolidou em duas escolas, a de Bielefeld na Alemanha, onde se destacou Reinhart Koselleck e a de Cambridge, no Reino Unido, cujos maiores expoentes são Quentin Skinner e John Pocock. As escolas caminharam de forma independente. A este respeito já existe vasta bibliografia, produzida inclusive por brasileiros. Entre o valioso material disponível destacamos: KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos.

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3 instrumentos da propaganda republicana era a publicação de manifestos e artigos e sua ampla divulgação através da imprensa. Os jornais republicanos serviam de mecanismo de propagação das novas idéias, na tentativa de se construir uma opinião pública crítica ao regime monárquico com vistas a sua superação. Com este fim, vasto material foi produzido, parte dele disponível para consulta e análise. Conforme afirmamos, o republicanismo foi uma cultura política emergente cujo fim primordial era tornar-se dominante. Num quadro de reduzidas alternativas de comunicação com o público, os jornais foram os principais instrumentos de afirmação de novos valores. Através deles é possível ter acesso ao que pensavam e propunham os republicanos e quais caminhos eram previstos para que seus fins fossem atingidos. A simples leitura do material impresso e difundido nos oferece um panorama razoavelmente claro sobre os alicerces em que se fundava o projeto republicano, o que de certa forma já foi bastante contemplado pela historiografia brasileira. No entanto, tal análise ganha diferentes contornos a partir da contribuição da História dos Conceitos. O uso da História dos Conceitos Políticos, como alternativa à antiga “História das Ideias”, é relativamente recente no Brasil. Poucas obras dos historiadores de Cambridge ou da Escola de Bielefeld foram traduzidas para o português, o que de certa forma limitou o acesso dos pesquisadores brasileiros a uma abordagem alternativa à tradicional História das Idéias Políticas. Muito recentemente, iniciativas isoladas têm surgido e se integrado ao projeto internacional, que reúne atualmente pesquisadores de todo o mundo em torno desta discussão (History of Political and Social Concepts Group). Devemos destacar que um trabalho anterior de análise de conceitos políticos, ligado ao Projeto de Ibero-Conceitos no Atlântico, abordou, ao longo de um período cronológico anterior, parte dos conceitos com os quais dialogamos neste texto.6 Em nossa pesquisa sobre as origens e a consolidação da república no Brasil,

Revista Estudos Históricos, vol 5, n. 10, 1992. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1945/1084. Acessado em 25 de abril de 2013, POCOCK, J.G.A. O conceito da linguagem e o métier d’ historien. In: Linguagens do ideário político. São Paulo: Edusp, 2003, JASMIM, Marcelo G. História dos conceitos e teoria política e social: referências preliminares. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais - vol. 20 nº. 57, 2005 e PALONEN, Kari. The politics of conceptual history. In: Contributions to the History of Concepts. Rio de Janeiro: IUPERJ, vol. 1, número 1, março de 2005. 6

Starling e Lynch, como parte integrante do projeto Ibero conceptos no Atlântico, foram buscar a origem dos termos “república e republicanismo” para os brasileiros, no período anterior ao movimento republicano, qual seja, entre 1750 e 1850. A este respeito ver: STARLING, Heloísa e LYNCH, Edward C. República/republicanos IN: FERES Jr., João (org.) Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2009, p. 225 a 245. Da mesma obra integra o verbete Federalismo, de autoria de Ivo Coser.

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4 procuramos nos fundamentar nestes paradigmas, priorizando as análises lingüísticas sobre a escolha e o uso de determinados conceitos na construção do republicanismo brasileiro.

Os conceitos e o Manifesto

Estabelecidos tais parâmetros, nos valemos da pesquisa em dicionários de época em torno de alguns termos mais comumente utilizados nos discursos republicanos. Para a seleção prévia de alguns conceitos, fizemos uma leitura sobre o conjunto de manifestos republicanos publicados por todo o território nacional. Entre os conceitos que mais se repetiam, selecionamos para os fins deste artigo, os seguintes: república, democracia, monarquia, tirania, federalismo e confederalismo. Outros conceitos também foram pesquisados, mas ainda se encontram em processo de maturação das análises. Não limitamos nossa investigação aos dicionários, mas procuramos acompanhar os conceitos em sua utilização concreta nos manifestos e em alguns artigos encontrados na imprensa republicana disponível.7 Para os fins deste texto, priorizamos relacionar estes verbetes ao mais importante Manifesto, o Republicano de 1870. Em relação ao estudo das culturas políticas, já existem algumas contribuições historiográficas que as vinculam à chamada geração de 1870, responsável em grande parte pela difusão do republicanismo no Brasil. O positivismo, o liberalismo doutrinário e o evolucionismo eram as mais conhecidas e compartilhadas pelos pensadores brasileiros no período. As teorias de Darwin, Taine, Comte, Renan, entre outros, eram largamente difundidas entre os intelectuais brasileiros. A própria monarquia, com o fim de diferenciar-se das demais Repúblicas Latinas, procurava se aproximar das experiências européias de cientificidade e civilidade, em que pese o fato de nossos intelectuais terem tido acesso apenas

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Para a pesquisa em dicionários de época consultamos o vasto acervo pessoal de Rui Barbosa, que dispunha da maior parte dos dicionários de língua portuguesa, desde o século XVIII até o período de consolidação da república. Optamos por dividir a consulta por períodos. Para o século XVIII nos valemos do dicionário de Bluteau, que compreende um longo período, que se inicia em 1713 e avança ao longo do século. Em seguida dividimos o século XIX em blocos de aproximadamente 30 anos e fomos até o fim da primeira década do século XX. Claro que o rigor na escolha dos anos de publicação dos dicionários obedeceu à disponibilidade das publicações. Portanto, a pesquisa em intervalos exatos de tempo era inviável. Em que pese este fato, os resultados obtidos não ficaram comprometidos, uma vez que a mudança nos significados de conceitos não ocorrem de um ano para outro, mas em médias ou longas durações. Pesquisas adicionais foram feitas na Biblioteca Nacional, onde encontramos os jornais republicanos e alguns dicionários relativos a períodos que não havíamos encontrado no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa.

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5 a manuais e compilações de obras provindas da Europa, as quais nem sempre mantinham a integridade dos originais.8 É sabido que o movimento republicano possuía um caráter elitista e dele faziam parte jovens militares, políticos profissionais, jornalistas, professores, médicos, cafeicultores e bacharéis. Cada um desses grupos possuía um conjunto de interesses diferenciados e de propostas alternativas para o novo regime. Unificá-las era um desafio a mais para o movimento. Em nosso entendimento, a melhor forma de ter acesso às culturas políticas compartilhadas por este grupo é fundamentar a análise sobre os consensos por ele produzidos, os quais geralmente se encontram em seus textos partidários ou em suas imprensas oficiais, ou seja, os jornais que funcionavam como órgãos oficiais dos partidos republicanos. Para os fins deste texto, optamos por fazer uma análise do primeiro Manifesto Republicano divulgado entre os brasileiros, o Manifesto de 1870.9 Acreditamos que ele tenha resultado de um difícil consenso entre os pares, o que fez com que seu conteúdo fosse pouco explícito em relação aos compromissos que queria fundar. Chama-nos atenção a opção dos signatários por isentaremse de se posicionar em torno de questões que na ocasião dividiam a nação: a abolição da escravatura e a separação entre Igreja e Estado. Por esta razão, o texto resultante foi ácido em suas críticas de conjuntura, mas esvaziado em seu projeto de futuro. Tal Manifesto foi publicado pela primeira vez no jornal “A República”, em 3 de dezembro de 1870. O documento fundava um partido político republicano de âmbito nacional. De autoria desconhecida, foi assinado por 58 apoiadores, a maior parte deles portadores de diploma universitário. O setor produtivo estava também representado, muito embora em menor número que aqueles ligados ao setor de serviços.10 O que transparece muito claramente no Manifesto é a preocupação em colocá-lo como sendo a expressão de uma opinião pública. Não se sabe quem compunha esta opinião ou como ela fora construída. Trata-se de um ente abstrato, a manifestação de um consenso nacional (p.41 e 43).

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SCHWARCZ, Lilia. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo, Cia das Letras, 1993, p. 31. 9 O Manifesto Republicano de 1870. In: PESSOA, Reynaldo C. A idéia republicana no Brasil através dos documentos. São Paulo: Alfa-ômega, 1973, p. 39 a 62. A partir deste momento as referências ao manifesto virão entre parênteses, limitando-nos a indicar apenas às páginas do mesmo. 10 Para uma análise mais detalhada desta composição ver: VISCARDI, Cláudia M. R. Federalismo e cidadania na Imprensa republicana. Tempo, Revista de História da UFF, vol 18, n. 32. Niterói: 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141377042012000100007&lng=en&nrm=iso. Acesso em 28 de abril de 2013.

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6 É sabido que o tropo “opinião pública” é uma construção conceitual que tem por fim criar um caráter isonômico entre diferentes interlocutores, através da fragilização das opiniões particulares e da priorização do interesse comum. Por ser uma construção conceitual tem por fim legitimar a ação política e consolidar estruturas de autoridade, que se considerem portadoras de tal opinião. Para que se fortaleça, o papel da imprensa é fundamental. 11 Com o uso desta expressão, os autores do Manifesto esperavam ser ouvidos na condição de porta-vozes de uma aspiração nacional, de uma vontade coletiva ou de uma cultura política compartilhada pela maior parte da nação, o que ainda não eram. A partir da análise minuciosa do Manifesto, percebemos a presença de dois conceitos muito recorrentes no texto, o de soberania e o de democracia, que de certa forma aparecem como equivalentes. Segundo o Manifesto, democracia consistia na soberania popular, e a soberania era definida como a “coleção das vontades de um povo.” (p.59). Seus autores realçam que a democracia não poderia coexistir com monarquia. Com base neste pressuposto, ou os republicanos não conheciam a monarquia constitucional, o que é difícil de acreditar, tendo em vista as já consolidadas experiências inglesa e francesa no Ocidente, ou, o que é mais provável, omitiam tal possibilidade para reforçarem seu argumento antimonárquico, como se vê por esta afirmação: “...o elemento monárquico não tem coexistência possível com o elemento democrático.” (p.59). A incompatibilidade entre monarquia e democracia derivava do caráter hereditário da primeira, o qual se contrapunha à elegibilidade dos governantes, princípio definidor da segunda. Para eles a monarquia estaria necessariamente fundamentada no poder divino dos reis, por ser hereditária. Já na democracia, o poder fundamentava-se no povo. Pode-se então concluir, com base no texto do Manifesto, que para os seus autores, o oposto da monarquia era a democracia e não a república. Tal oposição teria sido construída como um artifício discursivo ou de fato era este o significado dos termos? Para responder a esta questão, a análise dos dicionários é muito útil. Há uma ampla discussão no campo da filosofia política sobre o significado do termo república, a qual remonta aos pensadores gregos e romanos em torno de suas próprias experiências republicanas. Não cabe neste momento realizar esta análise ao longo dos séculos, o que muito alongaria o texto. O que nos interessa no momento é saber o que os contemporâneos ao movimento republicano brasileiro pensavam ser república. Para isto nos 11

A este respeito ver: Elias, Norbert. Escritos e ensaios: Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. Volume 1 e PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália Moderna. 3ed, Rio de Janeiro: FGV, 2002.

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7 valemos de alguns dicionários de língua portuguesa, mais disseminados no Brasil pelo período. Em geral, eram dicionários que também circulavam em Portugal, pois a maioria deles era co-editada por editoras do Rio de Janeiro, do Porto ou de Lisboa. Em um dicionário do final da década de 185012, ou seja, antes mesmo do movimento republicano se consolidar no Brasil, república significava algo que pertencia ao público. Em seu sentido mais concreto para a teoria política, um Estado governado por todo o povo ou por seus representantes, desde que escolhidos por este próprio povo. O significado é muito próximo ao de democracia. No mesmo dicionário, democracia é definida como uma forma de governo na qual os “direitos majestáticos” residem no povo e são por ele exercidos. 13 De fato, não se encontra muita diferença entre os significados dos termos. Os republicanos brasileiros tinham em seu horizonte duas experiências republicanas prévias bem sucedidas: a república estadunidense e a francesa (Terceira República). As experiências de seus vizinhos mais próximos eram em geral vistas como mal sucedidas em razão dos intensos conflitos separatistas, do caudilhismo e da instabilidade política causada pelas lutas faccionistas. Quando o republicanismo foi debatido no contexto da Revolução Americana, percebese que era considerado um regime ideal para pequenos territórios homogêneos, adequando-se muito bem às 13 colônias. Da junção entre a autonomia das 13 colônias e o regime republicano surgiu a República Federativa dos Estados Unidos. No entanto, república envolvia ideias de diversidade e facção, o que punha em risco o funcionamento da democracia. Segundo o próprio texto dos federalistas:

Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, a delegação do governo, nesta última, a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, o maior número de cidadãos e a maior extensão do país que a última pode abranger.14 Ou seja, república significava o governo de poucos e democracia o de muitos. Mas como abrir mão da república em uma nação de grande extensão territorial? A fórmula

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MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. 6ed, Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1858, Tomo II, p. 712. 13 Idem, ibidem, tomo I, p. 617. 14 KRAMNICK, Isaac. Apresentação. Tradução de Maria Luiza de A. Borges. IN: MADISON, James, HAMILTON, Alexander, JAY, John. Os artigos federalistas (1787-1788). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, pp. 30-31.

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8 seria unir os conceitos de democracia e república, o que se daria pela teoria da representação e por um federalismo que garantisse a participação autônoma de todos. Koselleck nos ajuda a entender melhor esta relação, a partir de sua análise do conceito de república entendido pelos estadunidenses ao final do século XVIII:

Os americanos compreendiam a constituição de seus estados como república, ao contrário de monarquia, como república livre oposta à aristocracia. República e democracia foram entre 1776 e 1787 consideradas como termos sinônimos, como também republicano, democrata e democrático. (...) Desde 1787 na medida em que se ampliaram as diferenças entre democracia e república, quando porta-vozes dos interesses de proprietários criaram regras constitucionais como forma de se contrapor a um movimento de forças niveladoras de cunho radical democrático (...). No debate público acerca da Ratificação da Constituição, a discussão central se deu em torno da democracia direta ou indireta, da eleição ou da representação. Democracia foi reservada à democracia direta e república à democracia indireta. (...) República significaria, a partir de então, com base na tradição estadunidense, adesão a uma Constituição, a qual se basearia na soberania popular expressa através do voto e realizaria a vontade geral, respeitando os direitos humanos, por meio da divisão dos poderes, da representação e do sistema de freios e contrapesos. Todas as repúblicas, quer as aristocráticas, quer as democráticas, da Antiguidade clássica à época moderna, seriam excluídas desta compreensão de república.15 (grifos nossos)

Conforme afirma Koselleck, até o final do século XVIII, república era vista como sinônimo de democracia, o que não causa estranheza quando observamos que no Brasil os dois conceitos também eram equivalentes. O que surpreende é que quase cem anos depois, a junção de ambos os significados continuava a ocorrer no Brasil. Conforme afirma Koselleck, a separação entre os dois termos nos Estados Unidos se deu ao final do século XVIII, quando monarquia tornou-se o contrário de república e quando o conceito de democracia associou-se à democracia direta. Tal não ocorreu no Brasil com esta celeridade.

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MAGER Wolfgang. Republik. IN: BRUNNER, Otto, CONZE, Werner, KOSELLECK Reinhart. Geschichtliche Grundbegriffe: Historisches Lexicon zur politish-sozialen Sprache in Deutschland. Stuttgart: Klett-Cotta, 1972, v. 5, pp. 594-595. Tradução livre do inglês.

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9 Segundo Lynch, a partir de 1792, a palavra república assumiu o significado clássico, ou seja, de democracia. A origem estava nos ecos da Revolução Francesa. República era sinônimo de leis francesas e garantia de um governo de iguais.16 Avançando um pouco mais no tempo, a partir do uso de um outro dicionário17 publicado quatro anos depois de redigido o Manifesto (1874), encontramos a seguinte definição de república: Estado cuja constituição é democrata, em que o povo governa a si mesmo, quer imediatamente, quer por seus delegados. O significado continuava o mesmo. Há ainda, segundo o autor do dicionário, três espécies de república: aristocrática (governo nas mãos dos ricos), oligárquica (governo nas mãos de poucos) e a democrática (governo de maioria). Entretanto, percebemos uma inovação, na medida em que já se admitia neste dicionário a possibilidade de se ter uma república em que a soberania fosse exercida em benefício de uma minoria. No entanto, este significado foi colocado depois do primeiro, ou seja, o sentido corrente era de que os dois conceitos se equivaliam, embora fossem admitidas algumas variações de repúblicas, umas mais outras menos representativas. Estes poucos ocupantes do poder a que o autor se referia nas diferentes modalidades de república poderiam ser entendidos como delegados do povo, seus representantes no exercício de um poder, marcadamente democrático, o que não altera muito o significado original, mas o diferencia do que pensavam os norte-americanos. Mas, à medida que se avança no texto que compõe o vocábulo, percebe-se que o verbete é acrescido de informações que acabam por mudar bastante seu significado inicial. República passa também a ser definida como todo Estado que não é submetido às leis, quaisquer que sejam as formas de governo, e neste sentido, o autor toma como exemplo Esparta e Roma. Continuando em suas análises do mundo antigo, fala que nas repúblicas deste período o povo não tinha nenhum poder. E por fim afirma que toda a sorte de governo também pode denominar-se repúblicas. Nota-se que este verbete é amplo e eivado de contradições, o que pode apontar para mudanças que o conceito vinha sofrendo com o tempo no Brasil. Antes, limitava-se a ser sinônimo de democracia. Em 1874 poderia significar o seu contrário, governo ocupado por poucos, governo que não é limitado pelas leis ou mesmo qualquer tipo de governo. A retomada do sentido original da palavra (república como o governo do bem público) é retomada pelo autor no mesmo dicionário na definição de republicanismo, o qual se define como uma forma de governo inseparável das virtudes e do respeito aos direitos nacionais. 16

STARLING, Heloísa e LYNCH, Edward C. República/republicanos in: ---FERES Jr., João (org.) Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2009, p. 225 a 245. 17 VIEIRA, Frei Domingos. Grande dicionário português ou tesouro da língua portuguesa. Porto: Editores Ernesto Chardron e Bartolomeu de Moraes. Porto: 1874, tomo 5, p. 224-25.

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10 Acreditamos que o grande número de interpretações possíveis se explica pela variação sofrida pelo conceito ao longo do tempo. O autor procurou abordar as diversas significações a partir de uma leitura dos clássicos do pensamento político, que por sua vez, fundamentavam-se nas experiências greco-romanas. Considerando a primeira definição como a corrente ou atual, república seria ainda sinônimo de democracia, mas permitiam-se algumas variações. Em um dicionário de 1891,18 três anos depois da proclamação da república no Brasil e 21 anos depois de publicado o Manifesto, a palavra república era definida como sinônimo de Estado, independente da forma de governo. O que a diferenciava era ser um sistema político em que o chefe da nação era eleito por tempo determinado por uma Constituição. Neste momento ocorria, ao nosso ver, uma definição de república oposta à de monarquia, pelo menos no que se refere à monarquia absoluta. Desta forma, só ao final do XIX a república se definiria como o oposto à monarquia. No mesmo dicionário de 189119 fomos procurar o significado de democracia para comprovar se houve de fato uma separação entre os dois conceitos. Encontramos o mesmo sentido conferido à palavra democracia da metade do século XIX: Forma de governo em que os direitos majestáticos residem no povo. A influência e intervenção do povo no governo do Estado. O elemento novo está na definição de povo, considerado “classe operária”. Segundo o verbete, a soberania reside no povo, mas de acordo com a mesma definição, não era necessário que o povo ocupasse o poder diretamente. Um democrata poderia ser uma pessoa que tivesse posição elevada na hierarquia social, mas ao invés de ser partidário do governo de poucos (aristocracia), se mostra amigo do povo e com ele se confunde, servindo lealmente a sua causa. Por esta definição, o importante não é quem governa, mas como governa. Democracia deixa de ser o governo de todo o povo e passa a ser o regime que governa em benefício do povo. Deixa de ser a democracia direta, mas passa a se identificar com um governo constitucional, cuja sede da soberania é o povo=classe operária. Avançando sobre o verbo democratizar, no mesmo dicionário, uma nova definição aparece. Democratizar consiste em mudar costumes aristocráticos, acabando com as classes privilegiadas, não reconhecendo outras distinções senão as do mérito e da virtude e nivelando assim todos os homens pela craveira da igualdade social. O regime democrático substituiria a notabilidade pela meritocracia e o virtuosismo. São claramente definições empáticas ao conceito. Provavelmente seu autor quis afirmar o lado bom da democracia pelo valor da igualdade, o 18

ALMEIDA, Francisco de. Novo Dicionário Universal Português. Lisboa: Tavares Cardoso e Irmão, 1891, Tomo II, p. 704. 19 Idem, ibidem, Tomo I, p. 602.

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11 que até então não havia aparecido. Poderíamos caminhar mais à frente no tempo, mas dados os limites do texto não nos é possível. O que se pode destacar é um aprofundamento da reflexão sobre democracia, provavelmente influenciado pelos movimentos sociais da classe trabalhadora e pelo aumento da difusão das idéias socialistas/anarquistas no Brasil. Em 1891 república é um regime constitucional e democrático e, mais importante que isto, se separam de fato os significados de república e democracia. No Manifesto Republicano o conceito de monarquia estava relacionado às idéias de tirania ou se referia ao Antigo Regime europeu. Certamente este era um recurso dos críticos, utilizado com o fim de desqualificar o governo em curso, formando uma opinião pública favorável ao republicanismo que queriam implantar no país. Nas definições encontradas em meados do século XIX20, monarquia significava governo de um só soberano e se opunha às demais formas de governo como a democracia, aristocracia ou oligarquia. Naquelas encontradas ao final do mesmo século (1891), já visualizamos no mesmo autor uma diferença entre regimes monárquicos21. A monarquia absoluta é definida como aquela em que o monarca exerce a soberania sem nenhuma restrição, concentrando em si todos os poderes, sem o concurso do parlamento, e sem outro limite que não seja a ficção do cumprimento das leis fundamentais do país. Já a monarquia constitucional, é aquela em que o monarca tem a sua ação limitada por uma constituição, dividindo-se o poder soberano entre ele e o parlamento, que deve ser formado pelos legítimos representantes da nação, o que na visão do autor, raramente ocorria. O autor nos apresenta mais duas modalidades do mesmo regime: a monarquia hereditária e a eletiva. O verbete é concluído com esta definição: Diz-se monarquia um governo de um chefe vitalício ou hereditário em oposição à democracia, república, oligarquia, etc. Tal como no Manifesto, monarquia tem um sentido oposto ao de democracia. Mesmo nos regimes constitucionais a monarquia por definição não seria democrática. Um outro termo que aparece muito associado à monarquia brasileira é tirania. No dicionário de 185822, governo tirânico é aquele que exerce o poder contra as leis, a justiça ou a razão, oprimindo seus súditos. No passado, um tirano era um príncipe que havia usurpado o governo de sua pátria. Na ocasião, um príncipe cruel e injusto. A novidade aparece no 20

MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. 6ed, Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1858, tomo II, p. 385. 21 ALMEIDA, Francisco de. Novo Dicionário Universal Português. Lisboa: Tavares Cardoso e Irmão, 1891, Tomo I, p. 368. 22 MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. 6ed, Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1858, Tomo II, p. 951.

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12 conceito de tiranizar, que significa usurpar a soberania de um Estado republicano, ou de qualquer estado. Novamente república aparece associada ao oposto de tirania ou ao governo democrático. Nos dicionários posteriores as definições mudam pouco. Chamou-nos a atenção o fato de não ser encontrada com frequência a palavra “república” no Manifesto. À exceção do título (“Manifesto Republicano”), o regime proposto só aparece ao final do documento, em sua conclusão. Por outro lado, a palavra “democracia” é mais frequente, o que nos induz a pensar que os autores do Manifesto a vissem de fato como sinônimo de república, ou que o regime republicano fosse o único capaz de garantir a democracia, o que acreditamos ter comprovado com as análises dos dicionários. Outro termo que aparece muito no Manifesto é o federalismo. Até porque, era na ocasião a única proposta a unificar os republicanos da propaganda. Nas Américas seis países tiveram experiências federalistas prolongadas: México, Estados Unidos, Argentina, Canadá, Venezuela e Brasil. As experiências do Canadá e dos Estados Unidos foram semelhantes, pois tinham as mesmas raízes, ligadas às tradições políticas inglesas. Por esta razão, o modelo implantado foi marcado por um federalismo de províncias/estados mais autônomos. Para além das influências da Metrópole, a existência de um processo de povoamento/colonização mais descentralizado fez com que, após as lutas pela independência, esta descentralização fosse mantida nestes países. Por outro lado, nos demais países latino-americanos o federalismo sucedeu experiências centralizadoras e a implantação de um sistema mais autônomo foi dificultado. Embora tenham sido amplas as discussões travadas nos espaços constituintes e os consensos resultantes tenham integrado os diferentes textos constitucionais, as tensões entre centralização/descentralização permaneceram por longo período, nas diversas experiências do continente. Temas como a autonomia dos municípios, o papel da Suprema Corte, o poder de intervenção da União sobre os estados-federados e os limites do separatismo foram objetos de inúmeras disputas. Interessante se torna destacar, que entre os próprios “pais fundadores” dos Estados Unidos, o termo federalismo era sinônimo de confederalismo, sendo que atualmente o segundo conceito implica em maior descentralização que o primeiro. Na década de 1770 nos Estados Unidos se entendia por federalistas os defensores da consolidação do poder local contra os nacionalistas, que pugnavam por um governo central com amplas atribuições. Ao longo dos debates de 1780 (período da Ratificação da Constituição dos Estados Unidos), a denominação de federalistas foi adotada por aqueles

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13 favoráveis ao novo governo nacional, que também era federal. Tal grupo referia-se aos opositores da Constituição como antifederalistas. Isto prova que os termos eram sinônimos. No Brasil, os conceitos de confederação e federação permaneceram sinônimos até pelo menos 1911, período em que limitamos nosso levantamento, embora o texto constitucional brasileiro, o primeiro da república, fale sobre federalismo e não confederalismo. Interessante destacar que em Bluteau, dicionário difundido no Brasil e em Portugal ao longo da primeira metade do século XVIII, não encontramos o termo federalismo, confederalismo.23 Em um dicionário de 1813 aparece apenas o termo “federado”, como sinônimo de confederado.24 A palavra confederação veio da latim confederatio e foi definida em 1858 no Brasil como união de príncipes ou estados ou cidades, para algum fim comum de paz ou guerra, sentido que permaneceu o mesmo nos anos subseqüentes.25 Já o conceito de federalismo, quando encontrado no ano de 1831 26, significava a constituição ou o governo de um Estado agregado de reinos, ou províncias, as quais regiam-se por suas próprias leis. Consta também que as leis comuns a todas as províncias eram exatamente aquelas relativas à defesa da confederação ou dos confederados. Federalismo era uma união de confederados, ou uma aliança entre estados confederados. No dicionário de 185827 o termo “federativo” é abordado como uma derivação do francês fédératif, o qual significava aliança ou confederação. Desta forma, o governo federativo era um Estado composto por vários outros, unidos entre si por uma aliança geral, sujeitos em certos casos às deliberações comuns, mas cada um dos quais regido por suas leis particulares. Os exemplos citados eram as experiências da Suíça e dos Estados Unidos. Poucas mudanças ocorreram depois. Ivo Coser afirma que após a Convenção da Filadélfia em 1789, a diferença entre os termos federalismo e confederalismo no Brasil foram ficando mais claras, porque até então eram vistas como uma coisa só. A partir de 1834 os termos adquiriram maior clareza, mesmo

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BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulário Português e Latino. Lisboa: Oficia de Pascoal da Silva, 1720, tomo IV. 24 MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1813, Tomo II, p. 19. 25 MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. 6ed, Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1858, Tomo I, p. 516. 26 MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Impressão Régia, 1831, Tomo II, p. 18. 27 MORAES E SILVA, Antonio de. Dicionário da língua portuguesa. 6ed, Lisboa: Tipografia de António José da Rocha, 1858, tomo II, p. 22.

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14 afirmando que em 1823 o termo confederado permanecia sinônimo de confederado. 28 Em sua análise de documentos parlamentares, percebeu em 1831, numa proposta apresentada ao Parlamento - que transformava o Brasil em uma monarquia federativa - ficava claro tratar-se de uma federação e não de uma confederação, uma vez que o governo federal teria o poder de aprovar leis que dissessem respeito às províncias.29 Percebe-se, pela aferição de Coser, que havia entre os atores políticos uma compreensão semântica da diferenciação entre os dois conceitos – o que era possível em razão das experiências prévias ocorridas em outros países. Mas os dois conceitos mantiveram o mesmo significado nos dicionários posteriores, como foi visto. Provavelmente a mudança de significado encontrava-se em transição prolongada.

Considerações finais Keith Baker30 afirma que uma comunidade existe somente a partir do momento em que existe um discurso comum no qual seus membros se reconhecem como diferentes de outros grupos em uma ordem social dada. Dentro de tal perspectiva, a autoridade política é uma forma de autoridade lingüística. Acreditamos que esta afirmação espelha bem o que procuramos demonstrar neste curto espaço. Era fundamental aos republicanos brasileiros, enquanto grupo emergente e minoritário, unificar seu discurso a partir do estabelecimento de fronteiras em relação a seus opositores. Daí se explica a insistência de associar monarquia à tirania e ao Antigo Regime. Por outro lado, reforçar os vínculos da república com a democracia e com a liberdade. Contra a centralização considerada excessiva no Brasil, interpunham a solução federalista, reforçando o seu argumento a partir do enaltecimento do modelo dos Estados Unidos e ignorando experiências não tão bem sucedidas como a de outros países da América Latina. O discurso político para os membros da Escola de Cambridge não se limita a ser um instrumento de divulgação de idéias e de propostas. Ele é mais que isto, pois ele é uma forma de adquirir e consolidar o poder, de arrebatar o Estado. Os republicanos brasileiros apostaram na propaganda republicana como principal estratégia de ascensão, pelo menos durante os primeiros vinte anos de movimento. Acreditavam que o convencimento dos setores mais

Coser, Ivo. O conceito de federalismo e a idéia de interesse no Brasil do século XIX. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 51, no 4, 2008, p. 92 e 98. 29 Idem, p. 107. 30 BAKER, Keith M. Inventing the French Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, p. 17 28

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15 ilustrados em direção à grandiosidade do projeto republicano, garantiria a mudança do regime. A monarquia encontrava-se fragilizada internamente. Jovens estudantes, militares, jornalistas e alguns setores políticos manifestaram-se favoravelmente ao projeto mudancista. Os principais atores do movimento apostaram no discurso político como forma de mobilização e foram, até certo ponto, bem sucedidos. A república brasileira não resultou de uma emenda constitucional, conforme propunham, mas de um golpe civil-militar que se valeu de uma suposta opinião pública majoritariamente favorável à república que então se difundia por todo o país. Certamente, a História contestava o idealismo ou o pragmatismo desses atores. Longe estava o povo brasileiro, recém saído da escravidão, de compartilhar dos nobres valores democráticos explicitados largamente nos discursos da propaganda. Longe estava também a maioria da classe política deste projeto. Mas de certa forma, a construção de uma nova cultura política republicana reforçou a legitimidade do regime, em que pese a sua proclamação impositiva. Aos poucos, o discurso foi sendo transformado e difundido mais largamente para que se tornasse aceito. As resistências iniciais contra o regime foram duramente aplacadas. A família real retirada convenientemente de cena. O caminho encontrava-se aberto para a consolidação do novo projeto. Os dicionários de hoje não mais identificam república como democracia. Nem monarquia como tirania. E separam federalismo de confederalismo. Afinal, nossa república federativa já conviveu reiteradas vezes com ditaduras republicanas, capitaneadas por verdadeiros tiranos e por outras vezes por lideranças democráticas que, no entanto se esqueceram do significado original do termo república: governo que visa o bem público, locus da virtude cívica.

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