A independência de Moçambique vista de fora. O 25 de Junho longe dos confins nacionais

July 12, 2017 | Autor: Luca Bussotti | Categoria: African Studies, Communication, Mozambique
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http://www.oplop.uff.br/ A independência de Moçambique vista de fora. O 25 de Junho longe dos confins nacionais quinta-feira, 25 de junho de 2015

Por Luca Bussotti O completamento de quarenta anos de independência de um país africano nunca deve ser considerado como evento banal ou ordeiro; sobretudo se estes quarenta anos referem-se a Moçambique, um país que viu a sua independência constantemente ameaçada, primeiro ao nível político pelo regime da África do Sul e pelo clima geral de «guerra fria» dos anos Oitenta, depois pelas políticas de ajustamento estrutural levadas a cabo por parte dos organismos financeiros internacionais nos anos Noventa.

Que não fosse evento vulgar é testemunhado por todas as reacções que ao nível internacional registaram-se, desde os chefes de estado de vários países até a imprensa escrita. É quanto tenciono fazer, duma forma resumida e incompleta, nesta breve contribuição em relação a este evento marcante da história do país.

Nos dias em volta da proclamação oficial da independência, a 25 de Junho de 1975, os maiores jornais mundiais reportaram a notícia de que esta antiga colónia portuguesa tinha alcançado a sua independência política. Havia muita admiração, na altura, relativamente à luta que a Frelimo e o seu popular líder, Samora Machel, tinham travado contra o regime português para chegar a esta meta, assim como dúvidas e preocupações, por parte dos jornais (e dos países) mais moderados no que diz respeito ao futuro posicionamento político do novo Moçambique.

Nos Estados Unidos, a potência provavelmente mais preocupada pelo rumo que Moçambique estava assumindo com a independência, a larga maioria da imprensa – de tendências democráticas - simpatizava claramente com a luta da Frelimo. «The New York Times» falou de «new era forSouthern Africa» entusiasticamente. O outro grande jornal, «Los Angeles Times», também descreveu a entrada de Samora Machelem Lourenço Marquesduma forma pomposa,

sublinhando que ele «returned triumphantly» na cidade. E que Moçambique estava preste a transformar-se num «Africa’s newest black State». Poucos meses antes o jornal cristão, «The Christian Science Monitor», tinha lançado uma reflexão para propor uma mudança de rumo da política americana em relação a Portugal e África Austral. Quem demonstrou receio foi o moderado «Washington Post». Entretanto, mesmo a imprensa moderada não pôde mostrar uma firme preocupação para com o novo governo, uma vez que este já tinha assinado um acordo no ano anterior (Acordos de Lusaka, 07/09/1974) com o governo português, que posicionou-se de imediato no seio da Aliança Atlântica. O Presidente Geral Ford emitiu portanto um comunicado oficial endereçado ao Presidente Samora Machel, a reconhecer o novo Moçambique e dando luz verde para estabelecer relações diplomáticas entre os dois estados. Este comunicado foi escrito e divulgado no próprio 25 de Junho de 1975, realçando as dificuldades que o novo país terá de enfrentar para manter a sua independência. Assim escrevia Ford: «hard-won individual liberty and national independence can be preserved only by unremitting labor and sacrifice».

Uma vez que os Estados Unidos optaram para reconhecer Moçambique, os outros países ocidentais tomaram a mesma decisão. E na imprensa destes países há um reflexo imediato desta posição.

Um dos países que mais enfaticamente cobriu a independência de Moçambique foi a França. Principalmente o esquerdista «Le Monde» enviou uma equipa de jornalistas e fotojornalistas que quase que diariamente produziam reportagens de todos os cantos do país, de Manjacaze a Beira até Maputo (ou Lourenço Marques). Este jornal fez várias reportagens sobre o destino dos portugueses ainda residentes em Moçambique, realçando todavia de forma crítica algumas medidas que o governo de transição presidido por Chissano tinha tomado: por exemplo, relativamente ao Corredor da Beira, a fronteira tinha sido fechada por motivos políticos (não se podia ter relações com o regime de Ian Smith). O jornal realçava, na altura, o prejuízo económico que esta decisão podia levar pela economia de Sofala (principalmente o Porto da Beira) e ainda mais de Manica. Na edição de 27 de Junho de 1975, «Le Monde» publica uma longa reportagem sobre Samora Machel, «Un chef carismatique»: nela, tecem-se as glórias do novo Presidente, descrito como «jovem, o olhar vivo, a barba abundante, mal escondendo o rosto cavado». E extremamente popular, tão que tem passado os últimos trinta dias anteriores à independência a dar voltas para o país para que todos os Moçambicanos conhecessem o novo líder e o novo Estado.

Portugal já era considerado como sendo país amigo. O maior jornal lusitano, o «Diário de Notícias» envia também uma equipa no terreno, enaltecendo a obtenção da independência. No dia da independência, este jornal titula: «Moçambique independente e livre/com o apoio e a amizade de Portugal». Foi a manchete naquele dia do «Diário», com ao pé um editorial a decantar a «vitalidade revolucionária» de Moçambique.

Outro país que desde sempre revelou-se crucial para Moçambique foi a Itália. O jornal do então Partido Comunista Italiano (PCI), «L’Unità», durante vários dias enalteceu o evento e a figura de Samora Machel, realçando que a ligação

entre PCI e Frelimo «favorece um fecundo relacionamento com Moçambique». Na edição de 2 de Julho, «L’Unità» enfatiza mais uma vez o papel do Presidente Machel, devido à sua «ligação com as massas».

O Papa, Paulo VI, quis pronunciar e publicar no dia da independência de Moçambique um discurso importante. A Igreja Católica «olha com simpatia e expectativa» à independência, desejando um caminho de paz e tolerância, simbolizado pelo acordo com a antiga colónia portuguesa. O Papa apontava já na altura o possível papel que Moçambique poderia ter ao nível do continente africano: destacando «a grandeza do território e a abundância dos recursos naturais a serem valorizados». E conclui com um desejo às autoridades civis, no sentido de edificar «uma sociedade justa e próspera, para o bem de todo o povo». Uma mensagem ecumênica, em que não se vislumbra a mínima crítica ou preocupação para o rumo marxista que o regime já estava a tomar, invocando unidade, paz e tolerância.

Este breve quadro testemunha de como a independência de Moçambique foi lida de fora do país como um evento importante, positivo e marcante da história da África, além que de Moçambique. Hoje em dia, a reflexão que se impõe é como é que esta independência foi «aproveitada» nestes 40 anos, e quais os desafios para fortalecer a unidade nacional, muito além das retóricas nacionalistas que de várias partes continuam a caracterizar o discurso político interno.



Este artigo foi originalmente publicado, em 26/06/2015, no semanário moçambicano Sol do Índico.

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