A indústria dos lanifícios na freguesia da Castanheira vista pelo jornal O Figueiroense em 1902

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16 . Colaboradores Miguel Portela Investigador

A indústria dos lanifícios na freguesia da Castanheira vista pelo jornal O Figueiroense em 1902

transitáveis, para exercerem o commercio de fazendas de lã nas feiras dos districtos de Coimbra, Castello Branco, Leiria e Santarém. Com 6 kilometros de estrada ligava-se o Coentral á estrada districtal n.º 120. Auxiliar a energia dos seus naturaes seria uma obra justa e bem merecida. No verão, como todas as povoações das serras, é encantadoramente pittoresca. Frescas hortas e viçosos milharaes. Muito férteis e bem cultivados os seus terrenos: o castanheiro e o carvalho tem aqui dimensões gigantescas. Há exemplares de dez metros de circumferencia no tronco e troncos de trinta metros d’altura. As estações sanitarias de mais nomeada, como as da Suissa e entre nós a Serra da Estrella, não tem melhores ares, nem melhores aguas, o que se prova pela edade avançada em que morrem a maior parte dos seus habitantes. Não há ali memoria de ter fallecido alguem de tuberculose. Tem-se fallado em construir na Serra da Louzã um senatorio para tratamento d’esta doença. Devia dar bom resultado. Se o nosso povo fosse de rasgada iniciaFigura 1 - Estrada para a Lousã. Postal ilustrado de Castanheira de Pera. tiva, teria reclamado a arborisação da Serra, o A 2 de agosto de 1902, este periódico publica o que certamente a tornaria rival da sua visinha ao primeiro texto que caracteriza as potencialidades da norte» (Jornal O Figueiroense, ano 5.º, edição n.º serra e da região mais a norte do distrito de Leiria, 256, de 2 de agosto de 1902). Na semana seguinte, a 9 de agosto, o mesmo sobretudo da Serra da Lousã e do território de Castanheira, aludindo à beleza paisagística, à fertilidade periódico publicava outro texto, dando o seu autor dos vales, à riqueza da floresta, aos bons ares que realce à hulha branca - correntes de água artificialaí se respiravam ou ainda à qualidade das águas que mente aplicadas como potenciais atuantes e movente -, que considerava ser o principal motor das 12 por aí brotavam. Transcrevemos o conteúdo desse texto, que foi fábricas de lanifícios existentes nesta região. Inicia publicado na primeira página desse periódico: «Na esse documentário com a caracterização das várias mais alta vertente da Serra da Louzã, ao sul e a pou- fábricas que existiam nesse ano, sobretudo a fábrica cos metros do Alto Trevim, rebenta entre pedras um de Manuel Antunes Cepas, dando conta de alguns pequeno jorro d’agua d’excellente qualidade, mais factos da vida deste industrial no exercício dessa atividade. fresca e limpa do que a própria neve. Para melhor compreendermos o que acabámos O sitio onde nasce chama-se Cavatete que dá de referir, passamos a transcrever o segundo texto o nome á ponte. Tem aqui origem a Ribeira de Pera por ser a nas- publicado nesse jornal: «Ás correntes d’agua artificente mais afastada da sua foz. Quasi á mesma al- cialmente applicadas como potencias actuantes e tura da Serra brotam em diversos pontos, muitas moventes póde dar-se-lhe o nome expressivo de – outras nascentes de modo que a tres kilometros de hulha branca, em comparação com o carvão de distancia, formam todas já uma corrente regular, ora pedra, quando applicada para os mesmos effeitos. precipitando-se d’altos penhascos em catadupas, for- Tem sobre este a vantagem de não custar dinheiro e mando lindas cascatas, ora descendo brandamente ade se transportar por si, como se fóra um semono fundo dos vales, semelhante a uma corrente de vente, em direcção ao local em que é aproveitada; prata, em ziguezagues, até entrar no Zêzere, perto não obstante o carvão de pedra poder ser transporde Pedrogam. Terá approximadamente 30 kilometros tado para onde melhor convenha utilizar-lhe a sua força, o que não acontece facilmente com as corrende percurso na direcção de norte a sul. A primeira povoação que encontra na passagem tes d’agua. O mineraes d’hulha branca, que, brotando da é o Coentral, que, com mais quatro pequenos logarejos, forma a freguezia do mesmo nome. Demora Serra da Louzã, formam a corrente d’agua denomin’um fundo valle formado pelos mais altos montes nada a Ribeira de Pera, constituem a principal rida Serra, os quaes a cercam, apertando-a por todos queza da região adjacente, conhecida pelo mesmo os lados e tornando-a de difficil accesso excepto pelo nome. A machina iniciou para as povoações que assenlado da Castanheira. Não obstante os seus montes, erguendo-se alti- tam nas margens da Ribeira, um regimen de provamente, provocando os astros quasi cortados a gresso que, a despeito dos seus inimigos, não será prumo: apezar das tempestuosas intempéries pró- facil entorpece-lo. A principal d’essas provoações é prias das grandes serras: tufões medonhos, chuvas Castanheira de Pera. Precavenham-se os seus initorrenciais, por vezes espessas camadas de neve e migos, se poderem, porque, emquanto essa hulha outras, fortes trovoadas, os seus habitantes, mais branca fôr capaz de fazer entrar em laboração mais atrevidos do que a própria natureza, num labutar 12 fabricas de lanificios, o seu progesso será ineviquotidiano atravessam a Serra constantemente em tavel. Talvez esses inimigos podessem… desviar todas as direcções por veredas aspérrimas quasi in- para longe a direcção da corrente. Entre agosto e setembro de 1902 foi publicado no jornal O Figueiroense um conjunto de textos respeitantes à indústria de lanifícios, cujas fábricas se localizavam na freguesia de Castanheira, pertencente, nesse ano, ao concelho de Pedrógão Grande. Enquanto fonte documental, estes textos revestem-se de manifesta importância, pois descrevem de forma precisa e minuciosa essas fábricas de lanifícios, sobretudo no que respeita aos seus proprietários e ao estado em que elas se encontravam nesse ano, entre tantas outras informações. Porém, permanece obscuro o nome do autor desses escritos, que demonstra um conhecimento pormenorizado das informações descritas, levando a crer que se tratava de alguém que contactara de perto com essa realidade e com esses industriais, ou pelo menos, alguém que teve o cuidado de obter tais elementos junto de quem os conhecia de perto.

Pertencem ao distincto artista e energico commerciante, sr. Manuel Antunes Ceppas, de Castanheira de Pera, as duas primeiras fabricas da Ribeira de Pera contadas de norte a sul. Ficam junto a um logarejo denominado Sernadas, a pequena distancia uma da outra, cada uma em sua margem da Ribeira, ao fundo d’um dos mais altos e pittorescos montes da Serra, denominado o Cabelo da Safara. Comportam grande numero d’operarios e fabricam-se ali chales lindissimos e outras fazendas de primeira qualidade. O sr. Ceppas, é digno de todos os louvores, pela maneira persistente, intelligente e audaciosa com que sempre se conduziu no exercicio da sua profissão. Filho de gente pobre, logo em tenra edade revelou vocação e habilidade extraordinarias para lidar com machinismos. Ainda muito novo havia machianas que só com elle se entendiam. Foi empregado na importante fabrica dos Esconhaes, então pertencente a seu tio Visconde de Castanheira de Pera, e ahi occupou, por vezes, os logares de maior responsabilidade. Construiu ao norte da Castanheira a fabrica do Covão da Salada, devorada por um incendio pouco depois de entrar em laboração. Arrastado por um talento e vocação superiores para o exercicio da industria fabril, foi depois d’esse facto desgraçado occupar os logares mais importantes nas melhores fabricas de Portalegre e Covilhã. Mas o seu mais ardente desejo era ter uma fábrica sua, em que a sua vontade melhor podesse expandir a sua bella intelligencia. Com uma persistencia inexcedivel, conseguiu a realização do seu desideratum, e nós fazemos votos pelas prosperidades das suas fábricas, como merece» (Jornal O Figueiroense, ano 5.º, edição n.º 257, de 9 de agosto de 1902). O Figueiroense, na edição de 16 de agosto de 1902, revela mais um documentário sobre estas fábricas, sobretudo das fábricas do Bolo, da Várzea e do Safrujo, fazendo referência à beleza paisagística que as rodeia, às riquezas da região e ao que considera ser o potencial económico e o progresso que se esperava nessa época dos investidores e proprietários da região. Eis o que escreveu o anónimo autor nessa edição: «Para melhor coordenação do que temos a escrever, continuaremos a tractar das fabricas da Ribeira de Pera, pela ordem tipographica. Deixando as fábricas do sr. Ceppas e descendo ao longo da Ribeira encontramos a seguir a fábrica do Bollo. Foi fundada por cinco cavalheiros dos mais prestimosos e honrados da localidade, os quaes eram: Dr. João Moraes, do Bollo; Joaquim José de Carvalho, do Casalinho; José Joaquim de Carvalho, do Torgal, João Luiz de Gouveia, da Gestosa Cimeira e Manuel José de Carvalho, de Pera. É de cardação, fiação e tecelagem, gosando do melhor crédito pela perfeição dos seus produtos. Dos seus fundadores não existe já senão o sr. João Luiz de Gouveia. Tem um defeito d’origem, que consiste em a empresa ter sido fundada com número demasiado grande de fundadores, aggravado hoje esse numero pela morte d’estes. Uma das dependências da fábrica foi roubada e incendiada pelos célebres Veras, a maior parte dos quaes desappareceu já na Africa nas prisões. Continuando a descer para outras fábricas, e agora já sem custo, porque o solo é menos accidentado, correndo por isso aqui a Ribeira mansamente através de prados viçosos e inebriantes de frescura no verão, encontramos a fabrica da Várzea fundada pelos srs. Domingos Alexandre, do Villar, Caetano Henriques, do Torgal, José Alves da Silva, da Pa-

lheira e Bernardo Rodrigues Ventura, do Torgal. Hoje é pertença dos dois primeiros e dos herdeiros do terceiro. É, como a antecedente, de cardação, fiação e tecelagem, porém com maior desenvolvimento do que aquella. Tem uma machina a vapor para auxiliar o motor hydraulico nos mezes da estiagem. Tem sido muito bem administrada, conservando-se ali alguns empregados desde a primitiva, e com o auxílio d’ella cada um dos seus empresários tem feito boa fortuna. Torna-se indispensável que a todos os actos da vida prezida a boa administração, mas muito principalmente tractando-se de emprezas de caracter permanente e para cujo movimento são necessários grandes capitães. Um pouco abaixo da fábrica da Várzea, muito próximo d’esta, nas immediações da pequena povoação do Torga, assenta no requebro d’uma curva formada pela Ribeira, a importante fabrica do Safrujo, actualmente pertencente ao sr. Domingos Alexandre, do Villar, anteriormente referido a propósito da fábrica da Várzea. Cercada por uma veiga lindíssima, constituída por terrenos de primeira qualidade, o Safrujo, além de possuir um local magnífico para a indústria a que está adaptado, póde converter-se em uma vivenda principesca, digna de ser invejada. O seu dono actual é competentíssimo para fazer d’ella tudo quanto d’ella se poder, e que é muito. Foi fundada pelo Dr. João Moraes á sociedade com seu cunhado Francisco Xavier. Por fallecimento do primeiro passou a parte respectiva para o filho Adrião Alves de Carvalho Moraes, e ambos passaram-na ao sr. José Alves Pereira, da Castanheira, até que por compra ao sr. Arcediagado José Simões Dias, de Coimbra, pertence ao dono actual acima referido. Dá os mesmos produtos das duas anteriores e tem também machinismos para ultimação das fazendas, uma das partes mais importantes da fábrica. Está substituindo muito regularmente, n’esta parte do fabrico, a fábrica dos Esconhaes. É também movida a vapor nos mezes de verão. Oxalá que progrida, como é de esperar, pois que, pela índole dos habitantes da Ribeira de Pera, inteiramente dados á vida commercial, é do progresso das fábricas que fazem o progresso d’esta região» (Jornal O Figueiroense, ano 5.º, edição n.º 258, de 16 de agosto de 1902).

Figura 2 - Fábrica de Lanifícios de Safrujo. Postal ilustrado de Castanheira de Pera. A 23 de agosto de 1902, o periódico que vimos citando publicava mais um escrito, referenciando, desta vez, a fábrica de lanifícios dos Pereiros, dando conta, de forma sucinta, da história e dos contornos familiares dessa unidade fabril. Realça-se a importância do emprego de uma máquina a vapor que, segundo as indicações contidas nesse texto, garantia o funcionamento da fábrica quando a força do motor hidráulico não fosse suficiente. Transcrevemos, uma vez mais, e de modo a acompanharmos o documentário sobre a história da indústria dos lanifícios nesta região, esse texto na íntegra: «Próximo de Castanheira de Pera, na margem opposta da Ribeira está a fábrica dos Pereiros. Continua na próxima página

Colaboradores . 17 compra a seus irmãos, aos quaes tambem havia sido doada pelos srs. Viscondes, e uma sexta parte ao sr. Manuel Correia de Carvalho, por compra em hasta pública. Desde os primeiros mezes d’este anno que se encontra totalmente parada…. seu irmão, já fallecido, Domingos Alves Bebianno. O Magóa e não há ninguém que, uma só vez, tigénio emprehendedor, a energia audaciosa do sr. vesse visto a vida da fabrica dos Esconhaes, se não Visconde não eram de molde a poder adaptar-se aos sinta invadido por profunda melancholia ao vê-la limites acanhados d’uma sociedade mesquinha e agora reduzida ao silencio absoluto, nas vésperas sem vida. de talvez d’um montão de ruinas! Alguns telhados O seu temperamento tenassissimo não toleraria estão já a desabar e os machinismos, por não haver de bom grado que qualquer obstáculo impedisse a quem trate d’elles, oxidando-se constantemente. É marcha arrojada dos seus passos de gigante em lamentável que assim succeda, porque havia e há busca do desenvolvimento próprio e do progresso da quem dê de renda liquida annual por parte d’esses sua terra. machinismos dois contos de reis, obrigando-se a enFilho e paes humildes, pelo meio em que nastrega-los no mesmo estado em que os tivesse receceu, havia de necessariamente ser destinado ao bido. É duplo prejuízo para a massa falida, além do exercício da indústria commercial. Na maior pujança dos operários que ali podiam ganhar o pão sem conda vida, quando inda para a existência humana tudo tar a perda dos lucros dos commerciantes que a são phantasias cheias de illusões, fez commercio de estes vendiam os géneros e objectos do seu comfazendas de lã na Província do Douro. mercio. Logo então mostrou que o seu génio não era São coisas de muitos, porque muitos são realpara ser applicado a coisas de pequena monta. Simente os credores da massa falida… multaneamente com o commercio de fazendas de lã Voltaremos a fallar do sr. Visconde de Castamontou uma empreza de vinhos do Douto. N’esta nheira, quando tratarmos dos melhoramentos d’esta empreza não foi feliz, porque successivas colheitas povoação» (Jornal O Figueiroense, ano 6.º, edição abundantes o obrigaram a prejuízos em vez de lun.º 260, de 30 de agosto de 1902). cros, e talvez porque, n’esses tempos, ainda de boa O último texto deste conjunto foi publicado a 6 consciência, não se fabricavam… vinhos. de setembro de 1902. Partilha o seu autor, nestas Arrastado então pela sua estrella para onde menotas, alguns pormenores sobre a fábrica da Retorta, lhor podesse ser aproveitada a sua excepcional eneros seus fundadores e proprietários, assim com sobre gia, resolveu ir para o Brazil. a fábrica da Foz, afirmando a esse respeito que a mesma estaria parada há já dez anos, estando nesse ano em ruína. Refere ainda, a fábrica da Abelheira, a qual teria sido fundada em 1861 por José Antão e Manuel Henriques dos Santos, dando nota, ainda, da fábrica dos Rapos. Esta terá sido fundada pelo Visconde de Castanheira de Pera. Citemos Figura 3 - Fábrica de Lanifícios dos Esconhais. Postal ilustrado de Castanheira de Pera. uma vez mais o texto que

A indústria dos lanifícios na freguesia da Castanheira vista pelo jornal O Figueiroense em 1902 Continuação da página anterior Jacintho Baeta das Neves, em commum com dois parentes, foi o seu fundador; mas a breve trecho da sua fundação, a sociedade não poude continuar, passando a ser pertença exclusiva d’aquelle cidadão. Cheio de popularidade pelo seu desprendimento e tracto affavel, gozando o melhor dos créditos pela sua seriedade e rigoroso cumprimento dos seus contractos e com bons meios de fortuna, a sua fábrica dos Pereiros desenvolvia-se e progredia com boa nomeada, quando, passado pouco tempo da sua fundação, a morte veio surprehender, ainda muito novo, arrebatando-o aos carinhos da família e á estima unanime de todos os seus concidadãos. Devem ser decorridos aproximadamente 20 annos e ainda o seu nome aqui é lembrado com viva saudade. A fábrica dos Pereiros ficou pertencendo á viúva (excellente senhora, irmã do actual Bispo do Funchal) e a alguns de seus filhos, e por algum tempo foi administrada sob a direcção do sr. Albano Baeta Bissaya Barreto (um dos herdeiros), actualmente residente em Cuba, no Alemtejo, onde exerce a industria commercial em grande escala e com óptimo nome. Pelo facto da ausência do sr. Bissaya para Cuba, passou a exploração da fabrica dos Pereiros para a direcção de outro coherdeiro - o intelligente pharmaceutico d’esta localudade sr. Albino Ignacio Rosa. Este cavalheiro pelo seu talento e senso criterioso, é, um dos castanheirenses justamente merecidos. A direcção superior com que se houve na exploração da fábrica dos Pereiros deu a melhor prova de quanto vale a sua capacidade e de como são maleáveis os seus recursos intellectuaes. É pena que não continue a applicar a sua actividade no exercício da indústria fabril. Succedeu-lhe na direcção e exploração da referida fabrica o sr. Manuel Alves Bebianno. Compellido por uma energia e faculdades de trabalho inigualáveis, o seu primeiro cuidado ao tomar conta da fábrica, foi ampliar-lhe a laboração, acrescentando-lhe outros machinismos e entre elles uma machina a vapor para auxiliar o movimento da fabrica quando a força do motor hydraulico não fôr sufficiente. É de cardação, fiação, tecelagem, tinturaria e ultimação, gosando de boa fama pela perfeição dos seus productos e tendo, portanto muita clientela. O sr. Manuel Alves Bebianno, com a competência que todos lhe reconhecem, continuará a fazer progredir a fábrica dos Pereiros. São esses os nossos sinceros votos» (Jornal O Figueiroense, ano 6.º, edição n.º 259, de 23 de agosto de 1902). Considerada como uma das mais importantes fábricas de lanifícios de Portugal, a fábrica dos Esconhais, fundada pelo Visconde da Castanheira de Pera e pelo seu irmão, Domingos Alves Bebiano, produzia fazendas de lã de excelente qualidade, rivalizando com as melhores congéneres do país e até do estrangeiro. Esta fábrica possuía três grandes máquinas a vapor que trabalhavam em simultâneo com vários motores hidráulicos, dispondo essas instalações de fabrico industrial de lavadouro mecânico, fiação, cardação, tecelagem, tinturaria e ultimação. De acordo com O Figueiroense de 30 de agosto de 1902, é exposta esta notícia da seguinte forma: «A melhor fabrica d’esta região e uma das mais importantes do Paiz é a dos Esconhaes. Fica ao sul da Castanheira a um kilometro de distancia pouco mais ou menos. Principiou a sua fundação á sociedade pelo actual sr. Visconde da Castanheira de Pera com um

Tão admiravelmente soube conduzir-se nas terras de Santa Cruz que pelo seu talento e pelo seu casamento com uma senhora distincta pelas suas virtudes, pertencente a uma família rica do Brazil, conseguiu voltar para Portugal com explendida fortuna. Quando voltou esta já principiada a fabrica dos Esconhaes. Passado pouco tempo, desfeita a sociedade com o irmão, esta fábrica desenvolvia-se de uma maneira assombrosa, tomando as proporções de um verdadeiro colosso industrial, tal vez incompatível com o nosso meio. Pasma como um só homem tivesse coragem e envergadura para tanto. No género, como empreza exclusiva d’um homem talvez não haja no Paiz nenhuma que possa comparar-se-lhe. É uma verdadeira povoação, pelos muitos edifícios que a compõe. Deve ter gasto na sua fabrica, sem exagero, mais de 500 contos de reis, e elevou a laboração d’ella a uma intensidade tal que chegou a empregar mais de 300 operários. Tem machinismos para o fabrico de fazendas de lã mais aperfeiçoados, e ali se fabricaram algumas que rivalizaram com as melhores congéneres do Paiz e até do estrangeiro. Desde a lavagem da lã até ao último labor para a collocação d’este em peças de fino gosto há machinas para tudo: lavadoiro mecânico, fiação, cardação, tecelagem, tinturaria e ultimação. Estes machinismos são movidos por três grandes machinas a vapôr e simultaneamente por diversos motores hydraulicos. Actualmente pertence em parte á massa fallida do sr. João Alves Bebianno que a havia adquirido por doação de seus paes e por

consta das páginas deste periódico, precisamente na edição de 6 de setembro: «A seguir descendo, como até aqui, ao longo da Ribeira, encontra-se a fábrica da Retorta, fundada pelos srs. Domingos Correia de Carvalho, Manuel Alves Bebianno, José Joaquim Rodrigues Correia e Domingos da Encarnação Coelho, todos de Castanheira de Pera. Dos quatro existe o primeiro e com excepção do segundo eram todos cunhados. Pelo fallecimento dos fundadores, Manuel Alves Bebianno, de José Correia e Domingos Coelho, passaram as partes respectivas para os seus herdeiros, sendo actualmente pertença de 13 pessoas. É uma necessidade, a bem de todos e do público, liquidar de facto a sociedade da fábrica da Retorta, pois que de direito se acha a mesma dissolvida pelo falecimento da maior parte dos sócios fundadores. Como está, é impossível continuar. Estamos convencidos, e como nós todas as pessoas de senso na Castanheira que, se não fôra o prestígio, respeito, consideração e energia do socio sr. Domingos Correia de Carvalho, já d’há muito estaria em ruinas. É preciso acrescentar que não é por falta de meios dos restantes donos, que todos os têm mais do que sufficientes para o movimento da fábrica. O número d’elles é que é demasiado grande para a sua exploração, principalmente pela forma como esta se faz (um certo numero de arrobas por cada sócio). É muito bem situada, com bom local e óptima queda. É de cardação, fiação e ultimação em pequena escala, podendo facilmente converter-se n’uma fábrica de maior importância. Segue-se-lhe a da Foz, fundada por Jacinto

Baeta das Neves, Manuel das Neves Júnior e José Fernandes, todos da Castanheira de Pera, a qual fica muito perto da anterior. Tem estado parada há mais de 10 annos e ultimamente estava quasi em ruínas. Foi comprada há pouco tempo pelos srs. José Alves Bebianno e Julião, aquelle da Castanheira e este do Troviscal, que estão procedendo á sua restauração e ampliação. São dois artistas distinctos. O sr. José Alves Bebiano foi empregado da fábrica dos Esconhaes, de seu tio Visconde de Castanheira de Pera, aonde adquiriu fama de tintureiro consagrado, e o sr. Julião é o mestre das cardas na importante fábrica dos Rapos. Agoura-se bom resultado á fábrica da Foz, pelos elementos especiaes que concorrem nas pessoas dos donos actuaes, aguardando-se com bons desejos que venha a tornar-se uma fábrica importante. Oxalá.

Figura 4 - Fábrica de Lanifícios da Abelheira. Postal ilustrado de Castanheira de Pera. Edição Manuel Lopes Bruno. Abelheira é o nome da fábrica mais antiga que existe na Ribeira de Pera. Data de 1861, fundada por José Antão e Manuel Henriques dos Santos, da Gestosa Fundeira. De pequeno movimento, tinha somente cardação e fiação. Pertence aos srs. Manuel Fernandes de Carvalho, de Castanheira de Pera e António Fernandes Júnior, de Gestosa Fundeira. No mesmo local há mais duas fábricas, também de pequeno movimento, uma pertence ao sr. José da Silva Júnior e outros do Troviscal, e a outra em ruinas, por um incendo, haverá pouco mais ou menos um anno e é pertencente á família Henriques dos Santos, da Gestosa Fundeira. Na ordem topographica no sentido norte-sul existe a fabrica dos Rapos, a ultima n’essa mesma ordem, que não na sua importância, pois deve valer quantia superior a quarenta contos de reis. Foi fundada pelo sr. Visconde de Castanheira de Pera, e já duas vezes devorada por dois pavorosos incêndios. É administrada, como todos os bens do sr. Visconde, pelo seu genro o sr. Dr. Baeta Neves. Sob a administração do sr. Dr. Baeta Neves foi beneficiada com um lavadoiro, moinho de fazer farinha e deposito para as lãs dos freguezes constandonos que pretende melhora-la com illuminação a luz eléctrica. Merece todos estes melhoramentos. É de cardação e fiação e a de maior producção actualmente em toda a Ribeira» (Jornal O Figueiroense, ano 6.º, edição n.º 261, de 6 de setembro de 1902). Termina o autor dessa crónica com um breve resumo do número das fábricas nesta freguesia: «Recapitulando temos na Ribeira de Pera as seguintes fábricas de lanifícios: = Duas nas Sernadas, uma no Bollo, uma na Várzea, uma no Safrujo, um nos Pereiros, a dos Esconhaes, a da Retorta, a da Foz, três na Abelheira e a dos Rapos, sem contar com as casas dependências d’estas» (Jornal O Figueiroense, ano 6.º, edição n.º 261, de 6 de setembro de 1902). A importância das fábricas de lanifícios nesta região levaria a um aumento considerável da sua população, criando emprego e desenvolvendo o tecido económico e social de todo o norte do distrito de Leiria. Foi esse um dos motivos que justificou os anseios da população em elevar Castanheira a concelho, em 1914.

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