A indústria papeleira na região de Leiria no Portugal oitocentista

October 8, 2017 | Autor: Miguel Portela | Categoria: Historia, Historia Economica, História de Portugal, Industria Del Papel, Leiria
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Cadernos de Estudos Leirienses – 3

A indústria papeleira na região de Leiria no Portugal oitocentista Miguel Portela*

São abundantes as notícias sobre o fabrico de papel entre o século XV e princípios do século XX na região centro do nosso país, nomeadamente no distrito de Leiria. O início do fabrico do papel em Portugal, documentado de acordo com o conhecimento atual, é-nos dado a conhecer através da instalação dos primeiros moinhos de papel junto ao rio Lis, em Leiria, por uma carta datada de 29 de abril de 1411. Este diploma régio autorizava Gonçalo Lourenço de Gomide a construir um engenho justamente em Leiria, junto à ponte das Olhalvas (Caniços), destinado ao fabrico de papel. Entre as décadas de 1430 e 1440, várias notícias aparecem referenciadas em Leiria: em 1433, aí habitava João Peres do Papel. Nas Cortes de Lisboa de 1439, os procuradores desta cidade não sabiam que imposto deviam aplicar ao engenho de papel, cujas águas eram também aproveitadas como força motriz para movimentar um pisão de moer o trapo. Entre 1438 e 1440, o Mosteiro de Alcobaça comprava resmas de papel a mercadores judeus de Leiria. Uma carta de 1441 privilegiava um homem que acarretasse trapos para Fernão Rodrigues, a fim de serem usados em moinhos de papel pertencentes aos filhos de João Gonçalves de Gomide. Em 1464, noticiava-se que Gil Afonso do Papel residia em Leiria, e, em 1501, João Pires, trapeiro. Mais tarde, em 1519, Alcobaça aforaria a Galiote Pereira um moinho que se situava na «dicta villa abaixo do moinho do papel junto do Açude e abaixo da levada principal» (GOMES, 1996: 441-442). Vários autores defendem a existência de um engenho de papel na Batalha em 1514, citando como fonte documental as palavras de Sousa Viterbo * Investigador.

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sobre o assunto. Todavia, este autor diz que se deve tratar, como de facto se trata, do moinho de Lourenço de Gomide, junto do qual se documenta uma propriedade, no Tombo dos Bens do Mosteiro da Batalha, intitulada de «Olival do moinho do papel que traz Pero Alvares, ou o chão dos moinhos do papel». Não se trata, deste modo, de alusão a um moinho de fabrico de papel na vila da Batalha, mas antes a propriedades do Mosteiro da Batalha localizadas no sítio junto à cidade de Leiria já então devidamente designado por Moinho do Papel. Sabe-se que existe uma referência, em 1537, a um outro engenho em Alcobaça, localizado na Ribeira de Fervença. Esta referência consta de um emprazamento daquele ano feito pelos religiosos de Alcobaça a Manuel de Góis, irmão de Damião de Góis. Em meados do século XVII é a vez de Figueiró dos Vinhos conhecer a produção de papel no contexto da dinâmica gerada pelas Reais Ferrarias da Foz de Alge e da Machuca, sob a superintendência de Francisco Dufour e Pedro Dufour (PORTELA, 2014: 17-18). Francisco Dufour deu início ao fabrico de papel junto a esta vila, na verdade, conforme sabemos através de um alvará emitido em junho de 1663, pelo período de 6 anos. Um pouco antes desse momento, todavia, já se fabricava papel nesta vila, mais concretamente no lugar da Água d’Alta, pelas mãos de João Silveiro - sem, no entanto, ser conhecido até à presente data qualquer alvará ou licença elaborados para o efeito (PORTELA, 2012: 1-3). A primeira referência documental conhecida relativa ao fabrico de papel em Alcobaça no século XIX consta do mapa do estado das fábricas deste concelho, datado de 14 de novembro de 1843, onde se arrola que a fábrica do proprietário João Pedroso havia sido estabelecida em julho de 1842. Sabemos que esta fábrica laborou entre 1842 e 1850, de acordo com os mapas expedidos pelo concelho de Alcobaça ao Governador Civil de Leiria (Quadro 1). O seu proprietário, João Pedroso, exercia também as funções de mestre papeleiro. Reconhecemos que se tratava de uma fábrica pequena onde o proprietário era auxiliado por homens, mulheres e rapazes (A.C.G.C.L., M.F.P., 1840-1850). O número de operários oscilou, nesses anos, entre cinco a sete, conforme se pode constatar no Quadro 1. Entre 1840 e 1850 fabricava-se papel em Rio Alcaide, concelho de Porto de Mós, conforme se atesta nos mapas concelhios, sendo João Coelho o proprietário dessa fábrica. Todavia, é possível que esta ou outra entidade já produzissem papel em 1838, pois a existência de marcas de águas com um 182

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Data 1843.11.14 1845.02.14 1849.12.15 1850.01.26

Proprietário João Pedroso João Pedroso João Pedroso João Pedroso

Operários Mulheres Homens Rapazes 3 1 1 3 1 1 1 1 5 1 1 5

Mestres do Papel João Pedroso João Pedroso João Pedroso João Pedroso

Quadro 1 – Fábrica de Papel em Alcobaça.

castelo e o nome de Porto de Mós é visível nos livros paroquiais da freguesia de S. João Batista dessa vila relativos a esse ano. Conhecem-se alguns mestres de papel que nela laboraram, entre os quais o próprio João Coelho, António Branco e seu irmão José Branco, João Jorge e António Bernardes. Importa referir que o número médio de trabalhadores no período referido era, em média, de sete pessoas (Quadro 2). Data Proprietário Mestres do Papel 1840.11.03 João Coelho João Coelho 1841.11.20 João Coelho António Branco e João Jorge António Branco e seu irmão 1843.11.27 João Coelho José Branco 1844.12.18 João Coelho António Branco e José Branco 1845.02.14 João Coelho António Branco 1849.12.29 João Coelho António Bernardes 1850.01.26 João Coelho António Bernardes

Operários Mulheres Homens Raparigas Rapazes 6 2 0 3 0 4 0 2 0

2

4

1

4 0 4 4

5 2 3 3

0 0 0 0

0 5 0 0

Quadro 2 – Fábrica de Papel em Porto de Mós.

O inquérito industrial de 1852 registava, nesse ano, um total de 27 fábricas de papel, sendo que se distribuíam da seguinte forma nos diferentes distritos: duas em Braga, quinze em Aveiro, duas em Coimbra, duas em Leiria, duas em Lisboa e quatro em Santarém. Podemos, assim, fazer constar que havia somente duas fábricas a laborar no distrito de Leiria, nesse ano. De acordo com D. António da Costa Macedo, na sua obra Estatistica do Districto Administrativo de Leiria, publicada em Leiria, no ano de 1855 continuam a figurar duas fábricas de papel: em Alcobaça e em Porto de Mós – uma em cada um dos concelhos. Através da sua obra, no mapa resumo n.º 18, colhemos a informação relativa a essas duas fábricas (MACEDO, 1855: 335). Podemos constatar que a fábrica de Alcobaça tinha doze operários, sendo que seis deles eram mulheres, produzindo cerca de 1200 resmas de papel branco e 600 resmas de papel pardo; enquanto a fábrica de Porto de 183

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Mós, apesar dos seus nove operários, entre os quais quatro mulheres, produzia cerca de 300 resmas de papel (Quadros 3 e 4). Objetos que se fabricaram Quantidade e qualidade Valor em réis 1200 resmas do branco, e 1.140$000 600 do pardo 300 resmas 215$000

Concelho Alcobaça Porto de Mós

Valor das matérias-primas em réis 250$000 70$000

Quadro 3 – Estatística das fábricas de papel em 1855 (quantidade, valor produzido e custos da matéria-prima). Concelho

Comércio por quantidade dos produtos No distrito Externo

Alcobaça

1000

800

Porto de Mós

150

150

Preço dos produtos réis 800 o branco, 300 o pardo 800 o branco, 300 o pardo

Operários

Salário por cabeça em réis

12

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9

200

Quadro 4 – Estatística das fábricas de papel em 1855 (comercialização do produto final, número de operários e valor salarial).

No ano de 1855, José Silvestre Ribeiro publica, na Secção do Contencioso Administrativo, algumas notas breves sobre as fábricas de papel que laboravam em Portugal. De acordo com este autor, no distrito de Leiria a produção de papel localiza-se nos concelhos de Alcobaça e Porto de Mós, onde o número total de operários era, naquele ano, de 28 trabalhadores. Tenhamos presente que a grande produção papeleira de Portugal, nesta data, estava situada no norte de Portugal, distrito de Aveiro, localizando-se na Feira (Santa Maria da Feira) o maior número de fábricas de papel, 11

Figura 1 - Fábricas de Papel em 1855, segundo José Silvestre Ribeiro.

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Figura 2 – Castelo de Porto de Mós in Occidente, n.º 420, de 21 de agosto de 1890.

ao todo, que empregavam um total de 286 operários; a par de Paiva, com 4 fábricas num total de 71 operários. No distrito de Braga, o único centro fabril referenciado localizava-se em Guimarães, com duas fábricas e um total de 53 operários. Para além do distrito de Coimbra, onde existiam duas fábricas de papel - uma em Góis, onde laboravam 84 operários, e outra na Lousã, com 23 operários -, existiam no distrito de Santarém quatro grandes unidades fabris: duas localizadas em Tomar, com um total de 158 operários, e outras duas em Torres Novas, empregando 62 operários. Por fim, no distrito de Lisboa, duas grandes fábricas produziam papel: uma em Alenquer, empregando 84 operários, e outra nos Olivais – Abelheira, com 104 operários. Existia, assim, no ano de 1855, um total de 27 fábricas de produção de papel, com um total de 963 operários. De todas estas fábricas, apenas as pertencentes ao distrito de Lisboa possuíam motor a vapor: Alenquer – com força de 8 cavalos; e Abelheira – com força de 50 cavalos. Nas restantes fábricas do país, os motores eram movidos a água ou a força braçal (RIBEIRO, 1855: 238-239). Em 1862, o número de fábricas de papel em Portugal quase que duplicou, registando-se, nesse ano, a existência de 52 unidades fabris. A maior 185

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concentração industrial de papel situava-se no distrito de Aveiro, com 26 fábricas, surgindo outras noutros distritos, nomeadamente: seis fábricas em Santarém, uma em Viseu, cinco fábricas em Lisboa, quatro em Coimbra, duas em Leiria, duas também no Porto, e seis unidades fabris no distrito de Braga (MARTINS, 2010: 25). O ano de 1863 é marcado pelo começo de uma nova geração de fabricante de papel em Alcobaça. Um genovês de nome José Lázaro Gambino, papeleiro, surge na época como fundador de uma fábrica de papel nesta vila. Na realidade, essa fábrica era propriedade de João Ferreira da Silva Rino e, anos mais tarde, de seu genro, Francisco Xavier de Figueiredo Orial Pena. Francisco Xavier tinha 23 anos quando casou, a 29 de abril de 1885, em Alcobaça, com D. Maria da Nazaré Pereira Rino da Batalha (A.D.L., L.N.A., 1896: 33v-35). Na verdade, terá sido apenas em 10 de agosto de 1865 que João da Silva Ferreira Rino arrendou a José Gambino um «conjunto à levada nesta villa, aonde está a maquina de distilação, e outra casa contigua aos moinhos que possue na rua de Santo Antonio, d’esta mesma vila pelo tempo de dez annos que já comessarão no primeiro último pelo preço do primeiro prédio, de cem mil reis, e o segundo, cincoenta mil reis annoaes (…) Que elle rendeiro não poderá dar às ditas propriedades outra appelicação que não seja para o uzo de fabrica de papel» (A.D.L., L.N.A., 1865: 115V-116). Podemos, ainda, aceitar essa asserção pelo requerimento que Jaime Narciso da Costa, de Lisboa, fizera a 25 de janeiro de 1905, quando solicitava licença para laboração dessa fábrica, que ainda se encontrava ativa nesse ano (F.P.A., 1905: 2-2v; ALMANACH, 1886: 145). Revelamos ainda, o facto de, no enlace entre José Bernardes, 24 anos, natural de Rio Maior, fabricante de fósforos, e Henriqueta Maria, de 26 anos, natural de Cela, celebrado a 22 de janeiro de 1863, em Alcobaça, terem sido testemunhas José Gambino e João Martins Poiares, fabricantes de papel justamente de Alcobaça (L.P.A.C., 1863: 28v-29). No batismo de seu filho Abel, celebrado a 9 de setembro de 1867, José Bernardes surge já como papeleiro de profissão (L.P.A.B., 1867: 2v). Todavia, volta a figurar como fabricante de fósforos no batismo de um outro seu filho, de nome Francisco, realizado a 9 de maio de 1870 (L.P.A.B., 1870: 28v-29). José Bernardes, papeleiro, viria a falecer de desastre, a 9 de março de 1877, na casa da rua da Levada, fábrica de papel, em Alcobaça (L.P.A.O., 1877: 9v-10). A 7 de março de 1864, na vila de Alcobaça, Francisco Henriques do Rosário, casado, oficial de papel, foi padrinho de um recém-nascido de nome 186

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Figura 3 – Planta para a fábrica de papel de Francisco Gambino. Autos de Concessão, LRA-Piso-1/Dep.III/79/C/3-79/D/2, PT/ADLRA/AC/GCLRA/E/097-014 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Leiria).

José (L.P.A.B., 1864: 6v); e, a 11 de junho de 1868, foi padrinho de batismo de Júlia, sendo averbado como fabricante de papel (L.P.A.B., 1868: 11). De igual modo, a 13 de fevereiro de 1869, no batismo de um Francisco, é arrolado como padrinho Francisco Baptista, solteiro, fabricante de papel (L.P.A.B., 1869: 4). Reconhecemos, também, que a circulação de mestres papeleiros entre os diversos centros da indústria de papel em Portugal se fazia com alguma frequência, motivada pela dinâmica empresarial da época e por falência, abertura ou reabertura de algumas fábricas na região centro do nosso país. Veja-se o caso de João Martins, fabricante de papel, natural da freguesia de S. Silvestre da Lousã, casado com Ludovina da Costa, natural de Tomar, e que, 187

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a 15 de agosto de 1866, trabalhava em Alcobaça, batizando nessa data seu filho José, e a 8 de setembro de 1869, batizando sua filha Ana (L.P.A.B., 1866: 23v). Neste último registo, a madrinha de batismo foi Ana Gambino, solteira, que vivia em casa de seus pais, José Lázaro Gambino e Carolina Mendes (L.P.A.B., 1869: 14). O mesmo se pode aferir sobre Joaquim Rodrigues, papeleiro na fábrica de Rio Alcaide, em Porto de Mós, casado com Maria de Jesus, ambos naturais do lugar do Espinho (c. Miranda do Corvo), e que, a 31 de maio de 1885, se encontravam justamente em Porto de Mós a batizar o seu filho José, tendo sido padrinho José Simões, casado, papeleiro, morador em Rio Alcaide (L.P.P.M.B., 1885: 191-191v). Conhecemos alguns dados relativos à família Gambino através do enlace celebrado a 6 de fevereiro de 1848, na paróquia da freguesia da S. Miguel de Carregueiros, entre José Lázaro Gambino e Carolina Rosa, residentes, à data, na Pedreira, concelho de Tomar (L.P.P.C., 1848: 55v). Dessa união nasceu, entre outros, Ana Gambino, a 17 de maio de 1854, tendo sido batizada a 5 de junho desse ano na Capela da Pedreira. Neste assento, seu pai surge aludido como José Lázaro, assistente nesta freguesia e natural do Reino e cidade de Génova, freguesia de Santo António de Mele, filho de Pelegro Gambino e de Benedita Barbarussa (L.P.P.B, 1854: 40v-41). Ana Gambino casou com 24 anos em Alcobaça, a 30 de outubro de 1878, com José António de Sousa, de 22 anos, natural da Golegã e caixeiro de profissão (L.P.A.C., 1878: 10v-11). Deste enlace, nasceu, a 19 de fevereiro de 1880, Áurea, cujo registo de batismo se emitiu a 29 de março desse ano - José António de Sousa surge, então, como empregado na fábrica da Fervença (L.P.A.B., 1880: 48v-49). Não é de excluir a possibilidade de José Lázaro Gambino ter também trabalhado na fábrica de Papel do Prado, dada a proximidade desta freguesia à referida fábrica, e atendendo ao facto de os padrinhos de batismo terem sido «Nicolao Testa e sua irmã Ana, ambos do Prado, junto a esta dita Pedreira.» Estes eram primos de José Lázaro Gambino, uma vez que sua mãe, Antónia Gambino, casada com Bartolomeu Testa, era irmã de Pelegro Gambino, seu pai. Nicolau Testa, natural de Génova, casou em Carregueiros a 30 de junho de 1844 com Inocência Maria de Alviobeira, concelho de Tomar. Porém, a 3 de novembro de 1852, já viúvo e assistente no Prado, casava na mesma freguesia com Emília da Costa, filha de José Costa e de Florência Maria 188

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Figura 4 - Pormenor da fábrica de papel em Alcobaça em 1905. Autos de Concessão, LRA-Piso-1/Dep.III/79/C/3-79/D/2, PT/ADLRA/AC/GCLRA/E/097-014 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Leiria).

(L.P.P.C, 1844: 51; L.P.P.C., 1852: 61). A 10 de fevereiro de 1861, celebrou-se o batizado de sua filha Maria - Nicolau Testa surge já como proprietário, residindo com sua esposa, Emília da Costa, na sua fábrica de papel, no Sobreirinho, em Tomar (L.P.P.B., 1861: 4). Poucos meses de vida teve Maria, que viria a falecer a 30 de maio desse ano. Todavia, a 29 de junho de 1862 batizou sua filha Iria, onde se arrolou que seus avós paternos residiam «em sua fabrica de papel ali no rio» (L.P.P.O., 1861: 2v; L.P.P.B., 1862: 8v-9). 189

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José Lazáro Gambino poderá ser um descendente de familiares de José Gambino, que, a 5 de maio de 1710, contratualizou com Bartolomé Piombino fabricar papel em Faramello, na Galiza (GAYOSO, 1965: 193-223; LARRUGA, 1790: 257-291). Sabemos que a 24 de dezembro 1871 nascera Maria, filha do fabricante de papel Francisco André Pereira, e que, no seu batizado, se apresentaram como padrinhos João Baptista Gambino, fabricante de papel, e sua esposa, Maria do Nascimento Jordão (L.P.A.B., 1871: 14v-15). Na Chorographia Moderna, publicada em 1876, alude-se à existência de duas fábricas de papel localizadas no distrito de Leiria: uma em Porto de Mós e outra em Alcobaça (BAPTISTA e OLIVEIRA, 1876: 7-10; 150-151). Em Alcobaça terão trabalhado António Francisco Carolino, papeleiro, que tinha 23 anos em 1873, quando casou nessa vila com Ana Marques, a 12 de dezembro (L.P.A.C., 1873: 40v-41); e António Francisco Júnior, papeleiro, morador numa casa na rua de Baixo da dita vila, casado com Ana da Conceição, conforme se regista no óbito de seus dois gémeos, de 5 de dezembro desse ano (L.P.A.O., 1877: 16). Terão ainda trabalhado nessa fábrica Joaquim Luís dos Santos, papeleiro, casado com Ana do Rosário, moradores na Rua da Pissara, em Alcobaça, de acordo com a verba de óbito de um seu filho, Francisco, de 7 de setembro de 1878 (L.P.A.O, 1878: 23); e António José Lisboa Júnior, papeleiro, natural e morador nesta freguesia, de 26 anos, em 1878, conforme registo de seu casamento com Delfina da Conceição, celebrado a 13 de fevereiro desse ano (L.P.A.C., 1878: 7v). A 20 de julho de 1880 fora batizado em Porto de Mós um filho de António Branco, oficial do papel, e de Maria Vitória, ambos naturais da freguesia de Pedrógão, concelho de Torres Novas e moradores em Rio Alcaide, onde trabalhavam. Os padrinhos desse batismo foram Francisco Gambino, solteiro, fabricante de papel, e Isabel Mendes da Costa, casada com Pelegro Gambino, ambos moradores em Rio Alcaide (L.P.P.M.B, 1880: 22-22v). Comprovamos, assim, que a família Gambino se destacara na região centro do país enquanto fabricantes de papel, mormente no Sobreirinho, no Prado, em Porto de Mós e em Alcobaça. A 2 de fevereiro de 1881 temos registo de que um Francisco Justino, solteiro, servente na fábrica de papel em Alcobaça, terá sido padrinho de batismo de Francisco, nascido nessa vila. Todavia, ele aparece como papeleiro, a 25 de março desse mesmo ano, no batismo de um outro Francisco, e como fabricante de papel a 15 de agosto de 1883, sendo padrinho de 190

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batismo de uma Beatriz (L.P.A.B., 1881: 37v e 44v-45; 1883: 70v-71). A matéria-prima necessária para o fabrico de papel provinha da comercialização de trapos feita por alguns negociantes que residiam em Alcobaça, como no caso de João Coelho e de seu tio Manuel António Lourenço, ambos empregados no negócio de trapos e metal nesta vila, em 1882 (L.P.A.B., 1882: 52v-53). A 6 de outubro de 1883, José Gambino procedeu ao trespasse da sua fábrica de papel, com o papel, trapos e utensílios nela existentes à data, a seu filho António Gambino, por um valor superior a dois contos de réis, sendo que uma das condições do trespasse acordado entre ambos foi a de António Gambino conceder sociedade a seu irmão Francisco Gambino logo que este atingisse a maioridade (A.D.L., L.N.A., 1883: 48-49). No Almanach Commercial de Lisboa de 1886, temos referência a duas fábricas de papel no distrito de Leiria, sendo que uma se refere à fábrica de José Gambino em Alcobaça, cuja fundação se regista justamente em 1863, como aludimos anteriormente; e a outra corresponde a uma fábrica de papel pertencente a Ângelo da Silva Coelho, localizada em Porto de Mós (ALMANACH, 1886: 145). Ângelo da Silva Coelho foi proprietário e fabricante de papel em Rio Alcaide, Porto de Mós, tendo sido casado com Guilhermina Rita da Conceição, conforme se averbou no batismo de seu filho João, a 15 de julho de 1883, na freguesia de S. João Batista dessa vila (L.P.P.M.B., 1883: 79v-80). É de referir que a produção de papel teve um papel importante na sociedade local, contribuindo para o desenvolvimento de algumas atividades em Alcobaça, como sejam as tipografias. Atestamos nesta vila, a 26 de novembro 1887, a presença de António Coelho da Silva, proprietário tipográfico, e de António Miguel de Oliveira, auxiliar de tipográfico, sendo este último referido, a 24 de junho de 1889, no batismo de seu filho Acácio, já como tipógrafo (L.P.A.C., 1887: 42v-43; L.P.A.B., 1889: 12v-13). A 30 de novembro de 1897, Francisco Gambino, solteiro e proprietário, morador em Alcobaça, requeria ao Administrador do Concelho licença para instalar uma fábrica de papel para embrulho nessa vila (F.P.A, 1897: 2). Deste requerimento, passamos a reproduzir um excerto: «O papel é feito de trapo de algodão, empregando no seu fabrico dois trituradores de madeira e ferro, uma machina de fazer papel, tudo movido por uma roda hydraulica no rio Alcôa. O papel serve unicamente para embrulho. O edifício fica situado na Cerca de Dentro, proximo a Alcobaça, e confronta do norte com valla, sul 191

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com Augusto Rodolpho Jorge, nascente com o rio Alcôa, e do poente com o Dr. Francisco Baptista d’Almeida Pereira Zagallo, e à distancia de 200 metros das habitações mais próximas. Terá a area de 280m2 e o perímetro de 42m.» A 20 de dezembro desse ano, Francisco Gambino requerera a anexação ao processo para instalação da referida fábrica, da planta de localização da mesma (F.P.A, 1897: 4). António Faustino dos Santos Crespo, bacharel em Direito e administrador do Concelho de Alcobaça, ordenara, a 24 de dezembro de 1897, a um dos oficiais dessa administração que no prazo de dez dias se fizesse publicar no jornal dessa vila o anúncio da instalação da fábrica de papel de Francisco Gambino. Foi, assim, publicado na Semana Alcobacense, edição n.º 393, datada de 2 de janeiro de 1898, o anúncio para concessão de licença para laboração de uma fábrica de papel de embrulho com motor hidráulico. Reproduzimos um pequeno excerto desse anúncio: «Por esta Administração do Concelho d’Alcobaça correm uns autos administrativos a requerimento de Francisco Gambino, d’esta villa, para concessão de licença para a laboração d’uma fabrica de papel de embrulho com motor hydraulico, situada na cerca de Dentro d’esta villa, (…) que tem por inconveniente algum cheiro desagravel (…).» Decorridos os trinta dias indicados nos editais de publicação, e de acordo com um pequeno excerto da certidão passada a 24 de janeiro de 1898, atesta-se que ninguém se opôs a este pedido: «sem que fosse apresentada nesta Administração opposição alguma contra a concessão de licença». A 24 de março desse ano era emitido o alvará de licença para a instalação da fábrica de papel de embrulho (F.P.A, 1897: 1-7). Com o falecimento de Pelegro Gambino e de José Lázaro Gambino, em Alcobaça, a 7 de agosto e a 19 de setembro desse ano, respetivamente, a indústria papeleira em Portugal perderia dois grandes mestres papeleiros italianos que, deixando a sua pátria, souberam contribuir para o engrandecimento e riqueza da região centro do nosso país (L.P.A.O., 1898: 10v-11, 13). No Almanach Palhares de 1903, por seu turno, há referência ao fabrico industrial de papel na vila de Porto de Mós, sem que, no entanto, saibamos se havia uma ou mais fábricas (PALHARES, 1903: 603). Tratar-se-á, talvez, das duas fábricas que se referenciam no Annuario Comercial de Portugal, de 1904, sendo que uma era propriedade de Afonso Dias Moreira Padrão e a outra de Luiz António Rodrigues Gaivoto (ANNUARIO, 1904: 1583-1584). Também em Alcobaça se continuava a fabricar papel nesse ano de 1903, existindo duas fábricas: uma era propriedade de António Marques Trindade, a outra de 192

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Figura 5 - Fábrica de papel em Alcobaça em 1905 Autos de Concessão, LRA-Piso-1/Dep.III/79/C/3-79/D/2, PT/ADLRA/AC/GCLRA/E/097-014 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Leiria).

José António de Sousa, esposo de Ana Gambino (PALHARES, 1903: 10381039). Na primeira década do século XX, o concelho de Alcobaça e a sua vila prosperavam economicamente, havendo diversos empresários que investiam o seu capital nesta região. Nessa época, tinham sido solicitadas algumas licenças para a instalação de indústrias, tais como: uma fábrica de papel, requerida por Jaime Narciso da Costa, na rua 16 de Outubro, em Alcobaça; um forno de cozer telha requerido por Manuel do Couto Marques, no lugar de Barroca da Rainha, no concelho de Alcobaça; outro forno de cozer telha e tijolo, no mesmo lugar, requerido por Manuel Marques; e uma fábrica de louça de barro na estrada de Alcobaça, à Nazaré, no limite da vila, requerida por Manuel Ferreira da Bernarda Júnior (F.P.A., 1905: 1). A 25 de janeiro de 1905, Jaime Narciso da Costa, casado, proprietário, residente em Lisboa, solicitava licença para laboração de uma fábrica de papel em Alcobaça. Citamos um excerto do requerimento em que se solicitava essa licença, esclarecedor a este propósito: «tomou de arrendamento a Francisco de Xavier de Figueiredo Orial Pena, d’Alcobaça, uma antiga fabrica de papel, que este durante muito annos havia arrendada a Francisco Gambino, 193

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tambem d’Alcobaça, fabrica situada na rua 16 d’outubro, d’esta villa, e cujas confrontações constam da planta junta. Já há mais de quarenta annos que a referida fabrica se encontra em laboração, mas sem que os seus proprietários ou gerentes se tivessem prenunciado da neccessaria licença, e por isso vem o supplicante requerer, que nos termos da Lei de 21 d’outubro de 1863, V.Ex.ª se digne conceder-lhe a competente licença para a continuação da laboração da aludida fabrica» (F.P.A., 1905, 2-2v). Jaime Narciso da Costa era, à época, morador na cidade de Lisboa, pelo que havia passado um procuração, a 11 de março de 1905, a António Marques Trindade, morador em Alcobaça, para que este tratasse do processo de legalização (F.P.A., 1905: 5). No jornal Semana Alcobacense de 19 de março de 1905, n.º 764, surge-nos a publicitação do anúncio relativo à concessão de licença para esta fábrica de papel, sita na rua 16 de Outubro, em Alcobaça. Sabemos que a 12 de abril desse ano foi apresentada uma exposição pelo advogado Silvino António Henriques Vila Nova, cuja fábrica confrontava com a sua propriedade, e que, pela sua importância documental, expomos aqui, na sua quase totalidade: «Diz Silvino Antonio Henriques Villa Nova, solteiro, maior, advogado provisionario, residente em Alcobaça, que tendo Jayme Narcizo da Costa, cazado, proprietario, residenFigura 6 – Marca de água da fábrica de papel de Alcobaça em 1850 (Livro aberto a 20 de setembro de 1850 e encerrado a 5 te em Lisboa, impetrado de abril de 1851). Registo de óbitos da freguesia de Alcobaça por esta Administração licença para a continuação 1856-1860. LRA/Dep. IV-24-B-10, PT/ADLRA/PRQ/PACB01003/0010 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Leiria). da laboração de uma fa194

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brica de papel estabelecida em um predio pertencente a Francisco Xavier de Figueiredo Orial Pena, sito na rua Desasseis de Outubro, em Alcobaça, o qual confronta pelo norte com o predio urbano do supplicante, e em que habita, sul com os moinhos que fazem parte do mesmo predio, nascente com Silvino dos Santos Carvalho, e do poente com rio Baça, vem, dentro do prazo legal, reclamar contra a concessão d’essa licença nos termos em que se pede. (…) // [fl. 11v] (…) É certo que já há alguns annos, menos dos que se alega se acha estabelecida no referido predio uma fabrica, sem que até hoje, como se confessa no proprio pedido de licença, se tenha regulado a sua existencia, mas a verdade, a rigorosa verdade, é que n’esse estabelecimento, desde a sua fundação até hoje, sómente se tem fabricado papel de embrulho e pardo e que houve há apenas um anno, se tanto fôr, é que n’elle alem de outras innovações prejudiciaes para os vizinhos, se assentou uma caldeira para fabrico de colla, pondo em grave risco a salubridade publica e de incendio as construcções urbanas que a confrontam, caldeira que, até então, se achava em lugar muito distante da fabrica. (…) Mas, ou seja para fabrico de papel, como se pede, ou de papel de embrulho e pardo, como se tem fabricado, e / / [fl. 12] quer se considere a existencia de tal estabelecimento desde 16 de Outubro de 1904, quer anterior ou posteriormente a esta data, para todos os effeitos legaes, o supplicante, como dono e possuidor do predio urbano, em que habita, junto e que pelo norte confronta com o predio em que tal fabrica está estabelecida, e portanto, pessoa ligitima para reclamar, reclama contra o pedido da licença, pelos seguintes fundamentos: 1.º Porque há cerca de um anno, se tanto fôr, no mesmo estabelecimento foi assente uma caldeira para fabrico de colla, que, pela forma que labora e se acha assente, sem qualquer resguardo, põe em grave risco a salubridade publica e de incendio as construcções urbanas juntas e que a confrontam, entre as quaes a caza de rezidencia do reclamante; 2.º Pelo constante mau cheiro eschalado dos trapos e demais materia prima empregada no fabrico, sem previa desinfecção; 3.º Porque não há qualquer chaminé n’essa fabrica, sahindo o fumo, quando a caldeira labora, pelas intersticiais das telhas do telhado do predio; E como um telhado é em nível inferior às janellas do predio do reclamante o fumo invade este predio; 4.º Pelo ruido ou barulho, quer no corte da materia prima e redução d’ella a massa, quer no alizo e compressão a massa do papel, o que torna incomunado para os vizinhos; // [fl. 12v] 195

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5.º Porque desde Novembro de 1904, quando a fabrica labora, ou porque os apparelhos empregados no fabrico e machinas foram modificados e ampliados n’aquella epoca, ou porque se acham deteriorados desde então, o predio do reclamante está em constante oscilação. (…) e da invazão do fumo, devida á falta de “Chaminé”.» Das palavras deste advogado, podemos concluir, fazendo fé na exposição apresentada, que esta fábrica possuía uma caldeira, instalada por volta de 1904, e que servia para a produção de cola, necessitando, segundo ele, de uma chaminé, pois o fumo que resultava do seu funcionamento saía pelas telhas do telhado onde se encontrava, invadindo a sua residência. Da sua exposição, embora de uma forma genérica, podemos aferir que o processo de fabrico de papel desta fábrica, assim como a maquinaria usada, provocava ruído ou barulho, e que, por isso, incomodava os vizinhos. A 17 de maio de 1905 o procurador António Marques Trindade respondia ao reclamante nos seguintes termos: «Que a fabrica em questão, e cuja existencia e laboração no mesmo local onde actualmente se encontra data de há mais de quarenta annos, successivos e ininterruptos (…) como é publico e notorio, sempre se fabricou, álem do papel de embrulho e pardo, a que se refere a portaria de 26 de Outubro de 1904, papel branco; e sito sem opposição ou reclamação de pessoa alguma, inclusivé dos visinhos e confinantes da referida fabrica.» Dizia, ainda, que a caldeira da cola era de «existencia remota na fabrica, não offerecendo a sua laboração e assentamento, risco de incendio, nem affectando a salubridade publica.» Na questão da matéria-prima, asseverava: «não há exhalações putridas dos trapos e demais materia prima empregada no fabrico, como tambem se affirma, visto que tudo é sujeito a previa e rigoros desinfecção por meio do chloreto, o qual tambem, e em grande quantidade se emprega no fabrico.» Por fim, na sua exposição de contestação, dava conta que «sempre houve, e desde o seu principio, chaminé na dita fabrica, como tambem é publico e notorio, e nem o contrario seria licito supôr; não apresentando nunca essa chaminé, apesar de antiga, o defeito que o reclamante aponta; e sendo ainda certo que, ha já tempo, a tiragem da chaminé se faz por um tubo de ferro, adaptado externamente a uma das paredes da fabrica, e suffisientemente largo e comprido para o fim a que se destina.» Concluía a explanação afiançando «Que a massa para o fabrico do papel não é comprimida a masso, como ainda se afirma, mas sim calandrada» (F.P.A., 1905: 14-15v). Relembremos, uma vez mais, que António Marques Trindade surge, em 1903, como proprietário da fábrica 196

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de papel que consta no Almanach Palhares, conforme já referimos anteriormente. No decorrer deste processo, a 15 de abril de 1905, no escritório do notário Carlos Augusto Scola, sito na Rua da Madalena, n.º 75, 1.º andar, em Lisboa, tinha-se procedido à escritura de venda desta fábrica pela quantia de 450 mil réis. Jaime Narciso das Neves Costa, casado, industrial e morador na rua Açores, n.º 8, r/c, em Lisboa, vendia a sua fábrica de papel a uma sociedade constituída por Mário Antino Salvado da Costa, solteiro, maior, comerciante, morador na rua de S. Pedro d’Alcantara, n.º 13, 1.º andar; e Filipe Augusto Stofell, casado, comerciante, morador na Travessa do Arco de Jesus, n.º 22, 3.º andar, ambos da cidade de Lisboa. Na escritura de venda, Jaime Narciso das Neves da Costa asseverava que era proprietário de uma fábrica de papel para embrulho e do seu respetivo maquinismo e utensílios. Situava-se essa fábrica na rua de Santo António, afirmando ele que a «tem tido de arrendamento, e que é pertencente a Francisco Xavier de Figueiredo Oriol Pena.» Comprovamos, assim, que esta fábrica é a mesma que, em 1863, estava arrendada a José Gambino e que, até 1904, vinha sendo arrendada a mestres papeleiros. Sabemos, também, como se regista na referida escritura, que: «esta fábrica foi ella adquirida por compra feita a sua mãe [de Jaime Narciso das Neves Costa] e padrasto, Dona Carolina Joanna das Neves Costa Ramos e marido Francisco Archanjo Ramos, conforme escriptura de dois de maio de mil novecentos e quatro, lavrada a folhas trinta e quatro do livro numero quatrocentos e quinse no cartorio do notario d’esta comarca Soares de Brito.» Da relação de maquinaria que compunha a fábrica de papel, à data da escritura de venda da mesma, faziam parte: uma roda hidráulica, duas entroses, um carretão, um carreto, um cilindro e duas platinas, uma prensa de ferro e pertences, duas prensas de madeira, um caldeiro de cobre, uma alavanca, tinas, três pares de formas, um maço de ferro, uma balança decimal e pesos, entre outros objetos. Sabemos, assim, que, a 19 de abril de 1905, já esta fábrica estava na posse da empresa Mário Costa & Companhia, com sede na Rua Augusta, n.º 76, 2.º, em Lisboa (F.P.A., 1905: 15v-16). Apesar da constestação apresentada por Silvino António Henriques Vila Nova, e após terem sido pagas as contas e selos, a 30 de maio de 1905, o processo é remetido para o Governador Civil de Leiria, considerando-se que não tinham sido encontradas irregu197

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laridades processuais. Por fim, e a 14 de junho desse ano, o Delegado de Saúde de Leiria pronunciava-se sobre o processo, afirmando que não havia «inconveniente para a hygiene na concessão da licença». A 4 de setembro de 1905 dava-se por concluído todo este processo, após ter a Commissão Districtal, em sessão de 8 de agosto desse ano, dado parecer favorável para se conceder a respetiva licença (F.P.A., 1905: registo 847846).

Figura 7 - Marca de água da fábrica de papel de Porto de Mós em 1841, Cartório Notarial de Porto de Mós, 1.º Ofício, III/10/E/10, PT/ADLRA/NOT/CNPMS1/001/0010 (Imagem cedida pelo Arquivo Distrital de Leiria).

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Nos finais do século XIX, e para além de Alcobaça e Porto de Mós, os industriais do norte do distrito de Leiria procuraram também estabelecer algumas fábricas para produção de papel. Todavia, pouco se sabe nos dias de hoje sobre a sua história. Uma delas situava-se em Castanheira de Pera, sendo seu proprietário António Alves Bebiano; e a outra fábrica localizava-se na Ponte de Pera, em Pedrógão Grande, propriedade de Manuel Rodrigues (PINTO, 1883: 692; HENRIQUES, GOMES, MOURÃO, 2007: 10 – carta topográfica). Como se pode concluir de forma clara, o distrito de Leiria ficará na História da Indústria em Portugal como aquele que iniciou e marcou o arranque do fabrico de papel nacional. Fontes e Bibliografia Fontes Manuscritas Arquivo Distrital de Leiria Administração Central Governo Civil de Leiria Mapas das Fábricas de Papel, 1840-1850 Autos de Concessão, Fábrica de Papel de Alcobaça, 79-C-3, 1897; 79-D-1, 1905 Livros Paroquiais de Alcobaça Batismos, 1864, 1866, 1867, 1868, 1869, 1870, 1871, 1880, 1881, 1882, 1883 Casamentos, 1863, 1873, 1878, 1885 Óbitos, 1877, 1878, 1898 Livros Paroquiais de Porto de Mós Batismos, 1880, 1883, 1885 Livros Notariais de Alcobaça 1863, Dep. V-5-D-27 1883, Dep. V-4-B-25 1896, Dep. V-4-C-32 Arquivo Distrital de Santarém Livros Paroquiais da Pedreira Batismos, 1854, 1861 Casamentos, 1844, 1848, 1852 Óbitos, 1861, 1862 Fontes impressas – Almanach Commercial de Lisboa, CAMPOS, Carlos Augusto da Silva. Lisboa:Typografia Universal, 1886.

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– Almanach Palhares, Burocratico, Commercial e Industrial do Continente, Ilhas e Ultramar, Propriedade de PALHARES, A. e MORGADO, A., Coordenado por SANTONILLO e MORGADO, A. Lisboa: Typographia da Papelaria Palhares, 1903, 5.º Ano. – Annuario Commercial de Portugal, Ilhas e Ultramar da Industria, da Magistratura e da Administratura ou Annuario dos 600:000 Endereços em Lisboa, concelhos do reino, ilhas e colonias, Diretor: PIRES, Caleira, Editor Proprietário: SILVA, Manoel José da, XXIV-Ano de publicação, 1904. – BAPTISTA, João Maria, Coadjuvado por seu filho, OLIVEIRA, João Justino Baptista de – Chorographia Moderna do Reino de Portugal. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1876, vol. IV. – LARRUGA, D. Eugenio – Memorias Políticas y Económicas sobre los Frutos, Comercio, Fábricas y Minas de España. Madrid: En la oficina de Don Antonio Espinosa, 1790, t. XLIV. – MACEDO, D. António da Costa Souza de – Estatistica do Districto Administrativo de Leiria. Leiria: Typographia Leiriense, 1855. – RIBEIRO, José Silvestre – Secção do Contencioso Administrativo, Colligidas e Explicadas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855, t. II. Imprensa Regional Semana Alcobacense (1898), 2 de janeiro, 9.º Ano, n.º 393 (1905), 19 de março de 1905, XIV Ano, n.º 764 Bibliografia – GAYOSO, Gonzalo – “La fabricación del papel em Galicia del Siglo XVIII a nuestros días”, Investigación y Técnica del Papel, n.º 4, 1965. – GOMES, Saul António – “Notas sobre a produção de sal-gema e de papel em Leiria e em Coimbra durante a Idade Média”, Revista Portuguesa de História. t. XXXI- Coimbra: 1996, vol. I. – HENRIQUES, Aires. B., GOMES, Ana Cristina da Costa, MOURÃO, José Augusto, FRANCO, José Eduardo (Coordenação) – Espiritualidade e Sociedade em Portugal ao Tempo de Frei Luís de Granada. Casa de Pedrógão Grande: 2007. – MARTINS, Luís Filipe Correia – Rota do Papel do Vale do Ceira e Serra da Lousã. A fábrica de Papel do Bosque, Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Arquitetura. Coimbra: 2010, vol. I. – PINTO, Albano Anthero da Silva, FARINHA (Visconde), Augusto Romano Sanches de Baêna e – Resenha das Famílias Titulares e Grandes de Portugal, F. A. da Silva, 1883, 2.ª Reimpressão, 1991, vol. I. – PORTELA, Miguel – O Fabrico do Papel em Figueiró dos Vinhos no séc. XVII. Edição do autor, 2012. – PORTELA, Miguel – “Houve ou não fabrico de papel na Batalha no Século XVI? Notas sobre o fabrico de papel no Distrito de Leiria”, Boletim Semestral da Comunidade Concelhia da Batalha, Edição n.º 2. Batalha: 2014.

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