A iniciação à vida cristã na era digital: como viver e educar para a fé na internet?

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ESPECIAL

I GR EJ A & COMUNICAÇÃO

“A Pastoral Familiar procura agir para promover um olhar misericordioso sobre os dramas e os sofrimentos vivenciados pela pessoa, ajudando-a a compreender também a verdade revelada por Jesus Cristo sobre o ser humano” (Padre Moacir Arantes)

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Considerações finais Em suas palavras finais, Paiva faz um convite aos movimentos, aos bispos, às diversas pastorais para que conheçam a realidade dos homossexuais por meio do grupo de trabalho em evidência da diversidade. Ele destaca que existe uma força, a do amor, “que sobrevive apesar da ridicularização e da refeição cultural”. E conclui: “Podemos discordar sobre a definição do casamento civil e do matrimônio. Podemos discordar sobre a finalidade da atividade sexual em um relacionamento homossexual. Mas também podemos, para começar, simplesmente reconhecer o amor que Deus tem por cada um de nós. Se conseguirmos isso, acreditamos que o Espírito Santo nos ajudará com o resto. Nós, os cristãos católicos LGBT, temos a tarefa muito importante de viver à luz do sol nossa vida, respeitando nossa consciência e nossa natureza. Nós cremos que serão nossas vidas que finalmente vão ajudar a Igreja a mudar de atitude em relação à homossexualidade”. “O amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1 Jo 4,7b). Com esse versículo, Ramires complementa: “Hoje estamos atravessando uma revolução deixando de ver a dupla conjugal formada por um homem e uma mulher, isto é, o casal heterossexual, e então passamos a entender que existem outras formas legítimas de união afetiva (e dentro dela, as relações eróticas) cujo ingrediente primordial e imprescindível é

A iniciação à vida cristã na era digital

o amor”. E conclui: “Jesus é a expressão da misericórdia do Pai, que nos criou e que nos ama infinitamente e nos perdoa sempre”. Ao concluir essa caminhada na abordagem do tema Pastoral da Diversidade, não se trata de chegar a um fim, mas ao começo de um novo entendimento que há por trás da maneira de ser e agir do ser humano, em que, muitas vezes, as consequências são favoráveis ou não; ora trazem felicidades, ora ou outra, tristezas; algumas proporcionam o êxtase, outras vezes demonstram a total fragilidade. Não se trata de defender qualquer que seja a opinião de um e outro, mas evidenciar um assunto que nos leve a refletir a importância do ser humano no convívio familiar, profissional, social e religioso. É respeitar a Sagrada Escritura como os documentos da Igreja, é estar aberto à escuta. A caminhada é longa, já sabemos, porque Deus não revela quando e como será a luta por direitos e deveres, o preço que se paga por acertos e erros, mas que se deve caminhar em busca de respostas. No Antigo Testamento, Abraão, em sua missão de servo de Deus, ouviu a seguinte recomendação de Iahweh: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei” (Gn 12,1) e, ele, simplesmente agiu: “Abrão partiu como lhe disse Iahweh” (v. 4a). Que a luta continue e que o futuro reserve a todos o bom senso, seus direitos, suas obrigações, a razão de suas lutas, a resposta por suas decisões.

como viver e educar para a fé na internet? (Parte 1)

NOTAs DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. 2 JOÃO PAULO II, Papa. Catecismo da Igreja Católica: edição revisada de acordo com o texto oficial em latim. São Paulo: Paulus, 2001. 1

Fábio Galhardi Repórter

Igreja digital, 2015, James Yang

‘cristão avulso’, sem vinculação institucional”. Ele complementa dizendo que teve uma participação de curta duração na Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), porém não prosseguiu porque “sentia falta da liturgia católica e sua profusão de símbolos e gestos”. E conclui tal questionamento: “Portanto, o problema que vejo é que boa parte das lideranças e agentes de pastoral não cuida, não vai atrás, dessas ‘ovelhas desgarradas’. Há exceções, inclusive de padres e religiosos/as que fazem um belíssimo trabalho de acolhimento. Mas as autoridades eclesiásticas são pródigas em não permitir que se dê visibilidade a essas iniciativas”.

Arquivo pessoal

vidas, mas não é fácil vencer a barreira do preconceito e da condenação”. Ele também questiona a visão de muitas pessoas para com a homossexualidade, que a entendem até mesmo como uma doença. “Há muitos grupos que promovem ‘orações de cura’, como se a orientação homossexual fosse uma doença. Isso foi rechaçado pela Organização Mundial da Saúde e também pela própria Igreja. O ingresso dos homossexuais ao sacerdócio também foi vetado pela Igreja, por meio de uma instrução da Congregação para Educação Católica. Outros são impedidos de assumir coordenações ou catequeses pelo fato de serem homossexuais; há até um caso de um abaixo-assinado para se remover um jovem gay de seu serviço voluntário na paróquia. Esses são alguns exemplos de como nossa Igreja, na maioria das vezes, não é uma comunidade aberta às pessoas LGBT, contribuindo para nossa marginalização e também para situações mais trágicas, como o suicídio de um garoto gay de dezesseis anos, filho de uma família católica da cidade de Poá (SP) e que vivia esse conflito em sua comunidade. Portanto, o afastamento de uma pessoa homossexual ocorre por causa de inúmeras experiências de exclusão e preconceito que vivenciamos, ou que assistimos a outros como nós viverem, e não apenas por um receio hipotético de sofrer tal discriminação”, esclarece Paiva. Ramires não acredita que o preconceito contra os homossexuais parte deles próprios, mas muitas vezes se sentem induzidos a sentir essa reação. “Na verdade, essas pessoas – porque se enxergam com os olhos dos outros – acabam por ter uma imagem negativa de si mesmos, pois se consideram desviantes, pervertidos, doentes, pecadores, não merecedores do amor de Deus. Um número significativo de adolescentes, inclusive, tentará o suicídio (como foi o caso relatado pelo Lucas) e alguns o consumarão, infelizmente. Por isso, o mais comum é que a pessoa se afaste, mesmo que não tenha sido repreendida diretamente. É o meu caso! Em dado momento, percebi que não cabia naquela roupagem. Não perdi a fé e sempre cultivei os valores fundamentais do Evangelho e durante mais de vinte anos fui um

C

omo ambiente da vivência cotidiana de crianças, adolescentes e jovens de hoje, as redes sociais digitais favorecem várias possibilidades de comunicação e de relação em sociedade. Para o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil (DCIB)1, “isso exige que o comunicador cristão descubra métodos adequados ao O Mensageiro de Santo Antônio Março de 2016

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As diversas linguagens que vão surgindo na cultura hodierna, especialmente entre os jovens, nos ambientes digitais, também podem “permitir que a riqueza infinita do Evangelho encontre formas de expressão que sejam capazes de alcançar a mente e o coração de todos”, como disse o papa emérito Bento XVI (1927-), em sua “Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais” de 2013 tanta facilidade para acessar, produzir e fazer circular informações, aqui e agora – onde quer que seja esse “aqui” e quando quer que seja esse “agora”. Nesse sentido, as redes sociais digitais podem ser um ambiente para despertar o interesse pelo aprofundamento e pelo estudo sobre os diversos aspectos essenciais da fé cristã, tanto como parte da formação dos catequistas, quanto da aprendizagem dos catequizandos. Por isso, no processo pedagógico da catequese, o recurso à internet como “banco de dados” simbólico, cultural e religioso é de grande relevância – não sendo nem indispensável, nem meramente acessório, na cultura de hoje. Na infinidade de materiais disponíveis em rede, catequistas e catequizandos podem encontrar elementos para enriquecer a experiência do

discipulado de Jesus. Diversos sites e aplicativos católicos também oferecem inúmeros conteúdos específicos voltados para a formação na fé e para a experiência religiosa, com linguagens novas e mais compreensíveis por parte de crianças, adolescentes e jovens. Tais materiais podem contribuir para tornar os encontros catequéticos mais “conectados” com a vivência cotidiana dos catequizandos, por serem parte de sua cultura comum. E mais: as diversas linguagens que vão surgindo na cultura hodierna, especialmente entre os jovens, nos ambientes digitais, também podem “permitir que a riqueza infinita do Evangelho encontre formas de expressão que sejam capazes de alcançar a mente e o coração de todos”, como disse o papa emérito Bento XVI (1927-), em sua “Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais” de 2013. Contudo, vale frisar que se torna ainda mais necessário prezar por um bom discernimento por parte dos catequistas. Mesmo em contextos católicos, são variadas as teologias propostas, assim como são diversos as imagens de Deus e os pontos de vista sobre a Igreja. Como diz dom Claudio Celli, arcebispo presidente do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, há sites católicos que são até mesmo intolerantes com quem é diferente, “sites que mordem, em vez de dialogar”3. Ao contrário, na Igreja de hoje, com o papa Francisco (1936-), o desafio é construir uma cultura do encontro, marcada pela ternura e pelo diálogo. “E dialogar” – afirma o pontífice em sua “Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais” de 2014 – “significa estar convencido de que o outro possui algo de bom para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista, às suas propostas. Dialogar não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e absolutas”. Graças à digitalização, também se fala muito de um processo de “infoxicação”, ou seja, de intoxicação informacional, por causa das imensas quantidades de informação que recebemos a todo o momento. Isso é bastante relevante no âmbito catequético, pois, do ponto de vista pedagógico, a informação é apenas parte

de um processo mais amplo e complexo. A catequese não se restringe a uma “transmissão e recepção” de “conteúdos” ou de “informações” sobre a fé e a doutrina, como uma teoria desligada da realidade. Como afirma o DNC, o conteúdo da catequese não é apenas a formulação da fé, mas sua interação com a experiência da vida. Por isso, busca-se cada vez mais um “deslocamento de uma catequese simplesmente doutrinal para um modelo mais experiencial” (DNC n. 13), que possa gerar conhecimento de vida, relacionando informações, organizando-as em um quadro de sentido, recombinando-as com os contextos pessoais, coletivos e sociais. Daí a importância do papel do educador e de sua relação com o educando, na construção de sentido a partir (e para além) dos meros dados e informações disponíveis. O que importa é como tais informações (em bits abundantes e infindáveis no caso da internet) são articuladas, contextualizadas e organizadas por crianças, adolescentes e jovens em sua vida pessoal: isto é, como cada um de nós “significa” o mundo em que vive, dando-lhe sentido. Por outro lado, dentro da perspectiva da Igreja Católica no Brasil, que vê a catequese como “transformadora e libertadora”,

em que a mensagem da fé ilumina a existência humana, “forma a consciência crítica diante das estruturas injustas e leva a uma ação transformadora da realidade social” (DNC n. 13), o ambiente digital pode contribuir, também, para que a realidade do mundo se faça presente no contexto catequético. Por ser resultado de uma construção colaborativa, a internet e as redes sociais digitais também são expressão da sociedade contemporânea, de seus desejos, de suas necessidades e de seus anseios mais profundos. “Nesses espaços” – já dizia o papa Bento XVI em 2013 – “não se partilham apenas ideias e informações, mas em última instância a pessoa comunica a si mesma”. Dessa forma, textos, imagens, áudios e vídeos disponíveis na internet e na cultura digital podem enriquecer a compreensão de inúmeras situações humanas no mundo, que encontram eco nos relatos evangélicos e na experiência de Jesus. Os assuntos que mais circulam nas redes sociais ou em aplicativos móveis também podem ser iluminados a partir do confronto com a Palavra de Deus. O catequista pode se deixar provocar e, por sua vez, provocar os catequizandos a lerem tais fenômenos a partir da perspectiva cristã.

Diante de tais informações e situações, o que catequistas e catequizandos, como discípulos-missionários de Jesus, em formação permanente na fé, têm a dizer e a fazer? Como Deus se “encarna” nessas realidades? Pois, como já dizia Santo Inácio de Loyola (1491-1556), é preciso “procurar e encontrar Deus em todas as coisas”, também nas redes. NOTAS CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil. Brasília, DF: Edições CNBB, 2014. n. 99. (Documentos da CNBB). 2 ______. Diretório Nacional de Catequese. Texto aprovado pela 43a Assembleia Geral. Itaici – Indaiatuba, 9 a 17 de agosto de 2005. 9. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. n. 84. (Documentos da CNBB). 3 “Me da mucha pena cuando veo sitios católicos que ‘muerden’ en lugar de dialogar”. Aleteia, Roma, 19 nov. 2014. 1

Moisés Sbardelotto Jornalista, autor do livro E o verbo se fez bit: a comunicação e a experiência religiosas na internet (Santuário)

Arquivo pessoal

ambiente digital para desenvolver a evangelização e a ação pastoral” (DCIB n. 178). A partir desta edição, queremos propor algumas reflexões em torno da comunicação na catequese, como processo de iniciação à vida de fé, articulando um diálogo entre o DCIB e o Diretório Nacional de Catequese (DNC)2, ambos aprovados pelos bispos do Brasil. Não temos a pretensão de definir uma “receita de bolo” facilmente empregável pelos catequistas, pois o processo educativo na caminhada de fé não é algo simples, automático ou instantâneo. É permanentemente desafiador, demandando certa artesanalidade criativa diante das diversas experiências de vida dos catequizandos e uma grande criatividade comunicativa em torno das formulações da fé cristã no contexto atual. Portanto, como um processo complexo, a educação para a fé é transversal a várias dimensões da experiência humana, pois a catequese é “comunicação da Boa Notícia e dos valores que dela derivam para a felicidade humana” (DNC n. 88). Por isso, um dos principais desafios da catequese, segundo o próprio DNC, é “formar catequistas como comunicadores de experiências de fé, comprometidos com o Senhor e sua igreja, com uma linguagem inculturada que seja fiel à mensagem do Evangelho” (n. 14). Essa inculturação também passa pela tentativa constante de “valorizar e assumir os valores da cultura, a linguagem, os símbolos, a maneira de ser e de viver do povo nas suas diversas expressões culturais” (DNC n. 13), especialmente hoje, com o avanço e os desdobramentos da cultura digital. Neste primeiro artigo, queremos abordar alguns aspectos da dimensão didático-informativa da catequese em sua relação com o ambiente digital. Atualmente, com as redes digitais, a produção mundial de informações exponenciou-se. A internet converte-se, cada vez mais, em uma grande “memória social”, em que é arquivada quase toda a produção cultural e simbólica do mundo inteiro, em dados, textos, áudios, imagens ou vídeos. Não é por acaso que a sociedade contemporânea ganhou o apelativo de “sociedade da informação”. Nunca como hoje se teve

Bíblia e smartphone, Fotomontagem MSA

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