A instrumentação de actuação na cidade (histórica)

September 11, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Arquitectura, Ciências Sociais, Arquitetura, Arquitetura e Urbanismo, Ciencias Sociales, Arquitectura y urbanismo
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A instrumentação de actuação na cidade (histórica) Cláudia Alves1 Universidade da Beira Interior (Portugal)

A reabilitação urbana é um tema inevitavelmente presente, no discurso dos vários intervenientes, quando se pretende intervir na cidade (histórica). O próprio conceito remete a uma evolução enquanto âmbito e proposta de intervenção. No contexto actual, face às dinâmicas urbanas associadas a factores políticos, económicos e sociais, importa enumerar e interpretar os instrumentos disponíveis e a acção dos seus intervenientes. O entendimento da cidade (histórica) enquanto processo contínuo de (re)formulação reporta a uma clarificação do papel e acção dos instrumentos de actuação disponíveis. Nesta medida, propõe-se um enquadramento do Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, relacionando-o com o Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, colocado como substituição (ou continuação). Palavras-chave: Cidade, Reabilitação Urbana, Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU), Municípios.

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Arquitecta pelo Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DARQ/FCTUC), Mestre pela Faculdade da Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), Doutoranda em Arquitectura no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura da Universidade da Beira Interior (DECA/UBI).

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1. REABILITAÇÃO URBANA: O CONTEXTO INTERNACIONAL Na primeira metade do século XX surgem várias atitudes face à cidade existente nas propostas urbanísticas desenvolvidas por algumas figuras do Movimento Moderno. A realização em Atenas, em 1931, da Conferência Internacional sobre a Conservação e o Restauro dos Monumentos Históricos marca o despertar de uma consciência internacional sobre a necessidade de protecção do património arquitectónico e urbano. Desta conferência resultou a redacção da Carta de Atenas para o Restauro dos Monumentos Históricos, onde foram enunciadas resoluções genéricas sobre a protecção e conservação dos monumentos. Inicia-se aqui um percurso de produção de documentos visando a protecção do património e que, de uma concepção inicial aplicada essencialmente à arquitectura monumental, acaba mais tarde por abarcar os conjuntos urbanos e os sítios. Nesta época produtiva em reflexão teórica e doutrinária, a aproximação à cidade existente era também abordada através de uma outra via. Em 1933, realizou-se um encontro entre os congressistas que iram participar na quarta assembleia do Congresso Internacional de Arquitectura Moderna (CIAM). Desta conferência resultou a redacção da “outra” Carta de Atenas, apologista da uma ordem internacional aplicada ao urbanismo resumida em quatro palavras-chave: Habitar, Trabalhar, Recrear-se, Circular. Esta visão, funcionalmente segregacionista com tradução no zonamento urbano incompatibiliza-se, desde logo, com a cidade existente, onde a mistura de funções constituía uma das suas principais características. Numa perspectiva contrária, a temática patrimonial era igualmente abordada, defendendo-se a manutenção dos valores arquitectónicos (edifícios isolados), desde que fosse possível conciliar a sua presença com as necessidades da vida moderna e que, como tal, não significasse a manutenção das populações em condições insalubres. Década de 50: o pós-guerra e a reconstrução das cidades Após a Segunda Guerra Mundial, a necessidade de construção em massa de habitações, devido à destruição das cidades, acentuou a distância entre a periferia e a cidade AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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existente. A cidade sofre uma mudança qualitativa e a consciencialização da destruição da cidade originou a generalização de operações de reconstrução.2 A reconstrução das cidades europeias não só motivou o debate sobre a intervenção nas áreas destruídas pelo conflito mundial, como deu início a uma série de acções de renovação urbana que passaram a dominar as intervenções urbanísticas até os anos setenta. Década de 60: as políticas públicas de intervenção A transição entre as décadas de cinquenta e sessenta representa, para o pensamento arquitectónico e urbanístico, a procura em restabelecer as bases da identidade urbana. Inicia-se a redacção de legislações especificamente tendentes para a salvaguarda do património urbano, ameaçado pelas fortes pressões urbanísticas. Em 1953, na Inglaterra, com a Lei do Património Inglesa, é cria a “Conservation Area”. Em 1962, a França avança com uma nova lei destinada a proteger o património nacional, que ficou conhecida como Lei Malraux, e com esta são criados os “Secteurs sauvegardés”. Ainda que a legislação desenvolvida nestes países da Europa não afaste a perspectiva monumental, a protecção abrange agora áreas urbanas que, mesmo não possuindo um valor monumental, podem ser protegidas pelo seu valor de conjunto. Década de 70: o regresso à arquitectura da cidade No início da década de setenta começa a desenvolver-se a discussão relativamente à conservação da cidade histórica, reflexo das críticas à cidade e urbanismo modernos. Inicia-se um longo percurso de encontros internacionais e neste seguimento destaca-se o lançamento, em 1975, do “Ano Europeu do Património Arquitectónico”.

2 Findo o conflito, as principais cidades polacas apresentavam um cenário de destruição, como por exemplo, o centro da cidade de Varsóvia sujeito a um elevado de nível destruição. A municipalidade de Varsóvia optou pela reconstrução integral dos edifícios como tentativa de recuperar a sua história e a sua dignidade. Seguiu-se o princípio da recuperação dos conjuntos urbanos de particular valor histórico e cultural, de modo a recriar a proporção espacial e o ambiente perdidos. Acompanhando a reabilitação física, foi criado um programa de reutilização funcional, misturando usos, de modo a integrar os quarteirões reabilitados na cidade, evitando a sua transformação em peças museográficas. Deste modo privilegiou-se a reutilização residencial, introduzindo-se também funções administrativas, culturais, de apoio social, assim como as actividades económicas e de lazer. O restauro dos edifícios obedeceu a um critério de fidelidade, proporcional à importância histórica dos edifícios e dos conjuntos, assim como obedeceu à informação disponível sobre os mesmos, existente na forma de inventário, monografias ou material iconográfico. Foram utilizadas as técnicas tradicionais de construção conjugadas com as modernas, de modo a adaptar os edifícios às necessidades de conforto contemporâneas. Os conflitos surgidos entre a necessidade de adaptação à vida moderna e o respeito pelo princípio da verdade histórica, eram resolvidos caso a caso, com maior ou menor sucesso. Nesta medida, a reconstrução de Varsóvia, tem de ser equacionada como um esforço de modernização, ainda que o importante desta experiência seja a enorme operação de tentativa de repor uma continuidade memorial interrompida pela guerra.

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Esta campanha, concebida com uma filosofia de base global, parte de um conceito que considera, para além de abarcar o património dito monumental, também os conjuntos e os bairros das cidades e vilas afirmando-se como um ponto simbólico de viragem no percurso evolutivo da reabilitação das cidades e dos seus centros históricos. O conceito de “conservação integrada”, vagamente emergente na Carta de Veneza de 1964, é aqui desenvolvido, passando a ser considerado como um objectivo primacial do planeamento urbano e do ordenamento do território. Este conceito “mais do que uma metodologia preconizava-se uma política geral de intervenção, pela qual todos são responsáveis, incluindo o comum cidadão, cujo empenho é considerado imprescindível para implementar com sucesso esta nova filosofia de conservação.”3 Passa-se para uma realidade mais ampla, onde a conservação desdobra-se nas diversas componentes: técnica, jurídica, administrativa, financeira e social, sendo esta última a que “reveste-se da maior importância, porquanto se considera a manutenção do tecido social, no âmbito das operações de reabilitação urbana, como um dado fundamental e inalienável, o que constitui certamente um dado novo na salvaguarda do património.”4 “Reabilitação urbana”: o conceito Em 1976, o Comité de Ministros do Conselho da Europa define pela primeira vez o conceito de reabilitação. A reabilitação é definida como a forma pela qual se procede à integração dos monumentos e edifícios antigos (em especial os habitacionais) no ambiente físico da sociedade “(…) através da renovação e adaptação da sua estrutura interna às necessidades da vida contemporânea, preservando ao mesmo tempo, cuidadosamente, os elementos de interesse cultural.”5 A reabilitação deveria ser realizada segundo os princípios da “conservação integrada” e constituir um dos aspectos fundamentais a ter em conta no planeamento urbano,

3 FLORES, Joaquim António de Moura – Planos de Salvaguarda e Reabilitação de Centros Históricos em Portugal. Lisboa: Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa, 1998. Dissertação de Mestrado em Reabilitação da Arquitectura e Núcleos Urbanos, p.87. 4 FLORES, Joaquim António de Moura, cit. 3, p.87. 5 Resolução (76) 28, sobre a adaptação de leis e regulamentos às exigências da conservação integrada do património arquitectónico. Comité de Ministros do Conselho da Europa, Secção I, Art.º2.

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introduzindo-se o conceito de “reabilitação urbana” na medida em que amplia esses princípios associando outros de âmbito mais alargado: (i) âmbito social; (ii) âmbito democrático; (iii) âmbito ambiental. O conceito de “reabilitação urbana” assume um papel mais amplo, na medida em que não basta intervir nos edifícios e espaços públicos, sendo necessária uma abordagem estratégica e integrada que actue sobre os diversos âmbitos. Década de 80: a cidade e o seu território A revisão do modernismo e a crítica à cidade pós-industrial, desenvolvidas a partir dos anos sessenta, estabilizam-se na década de oitenta. O pós-modernismo, como movimento arquitectónico e de produção urbana, aparece disseminado em vários sub-movimentos cuja base comum é constituída pela oposição ao internacionalismo e pela forte contextualização das intervenções. Em 1985, com a Declaração de Amesterdão, a cooperação neste domínio entre os Estados Membros do Conselho da Europa é reforçada com a realização da “Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa”, na cidade de Granada. Fundamentada nos textos finais do “Ano Europeu do Património Arquitectónico” e na Carta de Veneza, são apontados dois objectivos fundamentais: I. Promover os regimes jurídicos de protecção do património nos Estados Membros signatários; II. Desenvolver uma concertação entre os governos com vista à adopção de políticas de bom senso, na área territorial da cultura europeia, baseada no intercâmbio de homens e ideias.6 Década de 90: novos paradigmas No início da década de noventa, a protecção e valorização ambiental, a racionalização dos consumos energéticos e a aposta na inovação tecnológica, apresentaram-se como alguns dos objectivos presentes nas intervenções de reabilitação urbana.

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Enumeração extraída: FLORES, Joaquim António de Moura, cit.3, p.98.

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A reabilitação dos núcleos centrais das cidades assume uma importância fundamental, constituindo uma alternativa à urbanização extensiva e ao consumo desnecessário de um recurso não renovável fundamental, que é o solo. É reforçada a integração do discurso da conservação urbana e, nesta medida, definem-se políticas de desenvolvimento sustentável, que enquadram a filosofia de reabilitação dos centros históricos, na perspectiva da recuperação da qualidade de vida nas cidades.

2. REABILITAÇÃO URBANA: O CONTEXTO NACIONAL Durante a década de sessenta, começou a assistir-se em Portugal a um progressivo despertar para uma nova perspectiva de intervenção na cidade existente. Prova desta nova postura foram os vários colóquios realizados em Portugal ligados à temática do urbanismo e do património. Nesses colóquios destacaram-se comunicações de alguns dos protagonistas desta nova corrente que desafiavam as práticas vigentes que tinham por base a Lei nº2030, de 1948, à data ainda em vigor.7 Colóquio de Urbanismo (1961) Em 1961, realiza-se em Lisboa, o Colóquio de Urbanismo8 de onde se destaca a comunicação do Arq.to Mário Laginha, então técnico da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU), sob o título “Renovação Urbana”. Criticando o preceituado na Lei nº2030, de 1948, defende que sejam considerados “os valores existentes, tanto físicos (qualidade dos imóveis em sí próprios e em relação ao conjunto em que se integram), como económicos, como ainda históricos e estéticos.”9 Colóquio para a Salvaguarda dos Sítios Históricos e da Paisagem (1967)

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Lei nº2030, DR I Série Nº143 (22-06-1948); pp.529-538. Este diploma postulava os princípios da renovação, ou seja, a substituição arbitrária e lucrativa do “antigo” pelo “novo”. O conceito de renovação urbana, subjacente a esta corrente, de demolir para construir do novo, vamos encontrá-la na Lei 2030, publicada em 1948, onde se confere à Administração a possibilidade de expropriar por utilidade pública, face à inércia dos respectivos proprietários, “as casas que reconhecidamente devam ser reconstruídas ou remodeladas, em razão das suas pequenas dimensões, posição fora do alinhamento ou más condições de higiene ou estética.” (De acordo com alínea c) Art.18º) 8 Organizado pelo Ministério das Obras Públicas e pela Direcção Geral dos Serviços de Urbanismo (MOP-DGSU), com o patrocínio do Instituto da Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian. 9 LAGINHA, Mário – Renovação Urbana. In MOP-DGSU – Colóquio sobre Urbanismo, p.437. Citado por PINHO, Ana Cláudia da Costa – Conceitos e Políticas Europeias de Reabilitação Urbana. Análise da experiência portuguesa dos Gabinetes Técnicos Locais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Maio 2009. Tese de Doutoramento em Planeamento Urbanístico, p.798.

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Em 1967, realiza-se em Lisboa, o Colóquio para a Salvaguarda dos Sítios e da Paisagem. Deste colóquio resulta a elaboração de um relatório final onde são expressas as ideias da Carta de Veneza, de 1964, onde é “veiculada a ideia de restabelecer e assegurar a continuidade do património arquitectónico mediante a sua utilização, organização e transmissão às gerações futuras, e não pela sua mera preservação a título exemplificativo.”10 Colóquio de Urbanismo (1969) Em 1969, realiza-se no Funchal, o Colóquio de Urbanismo de onde se destaca a comunicação do Arq.to Joaquim Cabeça Padrão, técnico da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU), sob o título “Defesa e recuperação da paisagem urbana de qualidade”. A salvaguarda deveria ser fundamentada: (i) num estudo de pormenor, baseado num inquérito edifício a edifício; (ii) num estudo de viabilidade económica. Igualmente, no final da década de sessenta, destacam-se dois estudos pelo seu carácter inovador na abordagem das questões do tecido urbano existente tanto ao nível da metodologia como dos princípios abordados. “Estudo de Prospecção e Defesa da Paisagem Urbana do Algarve” Trata-se do “Estudo de Prospecção e Defesa da Paisagem Urbana do Algarve”, desenvolvido pelo Arq.to Joaquim Cabeça Padrão, dirigente da Secção de Defesa e Recuperação da Paisagem Urbana (SDRPU) da DGSU.11 O estudo centrava-se nas questões de salvaguarda e recuperação da paisagem enquanto elemento de contemplação e não como sistema onde se insere a dimensão física e humana. As propostas de intervenção no edificado limitavam-se a um tratamento superficial procurando restabelecer uma possível imagem desejada.

10 PINHO, Ana Cláudia da Costa – Conceitos e Políticas Europeias de Reabilitação Urbana. Análise da experiência portuguesa dos Gabinetes Técnicos Locais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Maio 2009. Tese de Doutoramento em Planeamento Urbanístico, p.799. 11 “Foi ainda nos anos 60 que a administração central deu mostras de reconhecer o interesse estratégico de integrar políticas de salvaguarda do património construído no ordenamento do território com a criação, no âmbito da DGSU, da Secção de Defesa e Recuperação da Paisagem Urbana (SDRPU). Esta Secção veio posteriormente a dar origem à Divisão de Estudos de Renovação Urbana, da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico (DGPU).” In PINHO, Ana Cláudia da Costa, cit. 10, p.800.

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“Estudo de Renovação Urbana do Barredo” Na mesma década, realizou-se um outro estudo, trata-se do “Estudo de Renovação Urbana do Barredo” realizado pela Direcção de Serviços de Habitação – Repartição da Construção de Casas da Câmara Municipal do Porto, sob a coordenação do Arq.to Fernando Távora, de1969. Conforme enunciado no estudo, o mesmo tinha como objectivo “através do estudo de um caso típico e concreto e utilizando a experiência adquirida, definir as bases em que a acção municipal poderá exercer-se mais amplamente e não apenas nos sectores das ilhas mas em todos os outros sectores da Cidade que representem condições deficientes de habitação – tantas vezes mais graves do que as das ilhas – e a consequente proposta de um diploma legal que substitua o Decreto-Lei nº40616.”12 O estudo propunha como abordagem metodológica a elaboração de um projecto-piloto possível de ser implementado em outras zonas degradas da cidade, capaz de impulsionar uma política municipal de reabilitação urbana. 13 A sua implementação visava complementar a actuação que já vinha a ser feita nas “ilhas” propondo, inclusivamente, a codificação da abordagem com o objectivo de substituir o Decreto-Lei nº40.616, de 20 de Maio de 1956 que tinha aprovado o “Plano Geral de Melhoramentos” da cidade do Porto.14 No estudo são já enunciadas duas preocupações próprias da abordagem da reabilitação urbana: a dimensão social e a dimensão funcional do património urbano, assumindo-se este estudo como a primeira proposta, em Portugal, em que aborda a “reabilitação urbana”, e não a “renovação urbana”. Esta abordagem reflecte-se na metodologia proposta ao longo de todo o estudo, nomeadamente no levantamento fotográfico onde é caracterizado o ambiente de vida

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CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO- DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE HABITAÇÃO – Estudo de Renovação Urbana do Barredo. Porto: CMP, 1969, p.1. 13 Este estudo vinha propor uma nova abordagem de intervenção afastando-se das prerrogativas dos planos anteriores apresentados para a mesma área. Planos anteriores para a mesma área de intervenção: a) Estudo de arranjo e salubrização do Barredo (1949); b) Estudo de Reconstrução a Longo Prazo (1954); c) Proposta do Plano Director da Cidade do Porto (1962). 14 “O Decreto-lei nº40.616, de 20 de Maio de 1956, tinha origem na Lei nº2030, que como já foi referido, permitia a promoção de acções de substituição do tecido urbano. Logo, o Decreto-Lei nº40.616 direccionava o problema das ilhas do Porto com base numa abordagem de renovação urbana, concedendo meios jurídicos e financeiros à Câmara do Porto para estas intervenções. O Estudo de Renovação Urbana do Barredo tinha assim por objectivo substituir a politica municipal de renovação urbana por uma política de reabilitação urbana na cidade do Porto.” In PINHO, Ana Cláudia da Costa, cit.10, p.807.

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quotidiana da população, bem como no levantamento do edificado onde é representada a ocupação dos espaços.15 O “Estudo de Renovação Urbana do Barredo” abriu caminho para uma política local de reabilitação urbana sem configurar-se como “plano” mas enquanto “programa de acção” incluindo em todo o processo as várias componentes inerentes a este tipo de intervenção garantindo, desta forma, uma base sustentada enquanto proposta de intervenção e de aceitação da mesma.

2.1 DISPOSIÇÕES LEGISLATIVAS: OS PRIMEIROS INSTRUMENTOS Decreto-Lei 560/71 e Decreto-Lei 561/71 PU e PP No início da década de setenta, são lançados dois diplomas com implicações para o ordenamento do território. Trata-se do Decreto-Lei nº560/71, de 17 de Dezembro, e o Decreto-Lei nº561/71, de 17 de Dezembro, que visavam regulamentar os “Planos de Urbanização” e os “Planos de Pormenor”. O quadro jurídico criado por estes diplomas legais veio permitir ao capital financeiro dominar, em parte, a produção de solo urbano e a promoção de habitação, particularmente nas áreas de concentração urbano-industriais e nas áreas turísticas. Neste contexto, o papel activo da Administração na produção de solo urbano reduziu-se à satisfação parcial das necessidades habitacionais das populações de menores recursos. Decreto-Lei 8/73 “Plano de Pormenor de Renovação Urbana” Posteriormente, o Decreto-Lei nº8/73, de 8 de Janeiro,16 vem responsabilizar as câmaras municipais e o então Fundo de Fomento da Habitação (FFH) da elaboração e execução 15 Relativamente à proposta de intervenção, é feita uma coordenação das várias áreas enquanto abordagem pluridisciplinar (algo que começou a ser defendido entre o final da década de oitenta e o início da década de noventa no contexto europeu com a entrada em cena do conceito de exclusão social), igualmente verifica-se a articulação entre serviços camarários e a cooperação entre a câmara e o governo central, bem como o envolvimento de várias instituições exteriores à câmara (o levantamento que serviu de base ao Estudo foi realizado por alunos do Instituto de Serviço Social e da Escola Superior de belas Artes do Porto). 16 Este diploma “teve na sua base a proposta de diploma legal formulada pelo “Estudo de Renovação Urbana do Barredo. Este Decreto-Lei fazia eco de um conjunto de disposições avançadas na proposta, nomeadamente: (i) a elaboração de Plano de Pormenor de Renovação Urbana para qualquer área urbana degradada ou em declínio, com base nos indicadores da proposta; (ii) a consagração do direito à habitação e à protecção social das pessoas mais desfavorecidas; (iii) o reflexo dos custos das obras privadas nos contratos de arrendamento (se bem que em moldes muito diferentes dos da proposta) e o apoio do Estado ao arrendamento nos casos de necessidade; (iv) a consagração da obrigação do governo incentivar a promoção social e económica das populações afectadas pelas intervenções.” In PINHO, Ana Cláudia da Costa cit.10, p.822.

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de “Planos de Urbanização” e “Planos de Pormenor” que promovessem a renovação de áreas urbanas sobreocupadas ou com más condições de salubridade, solidez e estética. Este diploma instituiu a figura do “Plano de Pormenor de Renovação Urbana”17 a ser elaborado segundo os termos definidos no Decreto-Lei nº561/71, de 17 de Dezembro. O conceito de renovação urbana aqui colocado já difere da anterior proposta da Lei nº2030, de 1948, de substituição do “antigo” pelo “novo”, pois pressupõe planeamento, iniciativa pública e reconhecimento de protecção dos direitos dos habitantes locais, contudo, não coloca como princípio de intervenção a conservação do património perdendo, desta forma, o carácter de instrumento de reabilitação urbana.

2.2 O PERÍODO PÓS REVOLUÇÃO Com a revolução de 25 de Abril de 1974, o prolongamento da crise económica e as mutações na política e na sociedade portuguesa levaram ao abandono das perspectivas de desenvolvimento e à consequente procura de soluções que respondessem às necessidades da população e valorização do seu quadro de vida, revolucionando os objectivos, meios e instrumentos de planeamento. A necessidade de descentralização e o reforço do poder local alargaram as competências das autarquias, conferindo-lhes um maior protagonismo no desenvolvimento socioeconómico e na transformação do território, exigindo modificações profundas das acções de planeamento, gestão e controlo municipais. Na década de oitenta, o processo de planeamento é marcado tanto por atitudes de passividade como de algum intervencionismo. São lançados programas de acção específica de reforço dos poderes municipais em promover uma consciencialização dos valores locais. Na década de noventa, a maioria das iniciativas de reabilitação urbana foram implementadas através de actuações específicas de carácter excepcional, com uma delimitação física e temporal pré-definidas.18 17

De acordo com Art.1º, DECRETO-LEI Nº8/73, DR I Série Nº6 (8-1-1973); p.24-26. “Alguns exemplos deste tipo de inciativas foram o Valis, a EXPO’98, o Urban, o Interreg, o PER, o Proqual, o Luda e mais recentemente o POLIS:” In PAIVA, José Vasconcelos; AGUIAR, José; PINHO, Ana (coord.) – Guia Técnico de Reabilitação Habitacional. 1.º ed. Lisboa: INH / LNEC, 2006, p.49.

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Os primeiros “Planos de Salvaguarda” Nos finais da década de setenta e inícios da década de oitenta, com o lançamento de nova legislação para o planeamento urbanístico, a Administração Central elabora vários planos para áreas históricas. Estes planos foram promovidos em simultâneo por dois organismos da Administração Central, a Direcção Geral do Planeamento Urbanístico (DGPU) e a Direcção Geral dos Equipamentos e da Recuperação Urbana (DGERU) que definiam duas orientações distintas19. Por um lado a DGERU promoveu a elaboração de planos tendo como base jurídica o Decreto-Lei nº8/73, de 8 de Janeiro, onde estava instituída a figura do “Plano de Pormenor de Renovação Urbana”, por outro lado, a DGPU promoveu a elaboração de “Planos de Salvaguarda” cuja figura ainda não se encontrava instituída juridicamente. Esta segunda modalidade de plano, os “Planos de Salvaguarda”, dada a ausência de corpo legal, sustentaram-se na legislação em vigor20, ou seja, eram elaborados como se de PP ou de PU se tratassem para, desta forma, procurar “face ao relativo vazio de especificações legais, integrar-se dentro da estrutura formal dos planos tradicionais, ensaiando enquadrar os novos conceitos da reabilitação urbana na tipologia legal do planeamento então existente.”21 O “Plano de Recuperação do Centro Histórico de Ponte de Lima” e o “Plano de Salvaguarda e Recuperação do Centro Histórico de Beja” são dois planos elaborados à luz destes preceitos.22 Sendo esta considerada a primeira geração de “Planos de Salvaguarda” com poucas referências nacionais enquanto apoio técnico, contudo encontravam-se já em execução intervenções nos tecidos antigos, nomeadamente as

19 “Com efeito a extinção da DSGU deu origem à DGPU e à DGERU, sendo atribuídas a ambas as instituições competências ao nível da realização dos Planos Pormenor de Renovação Urbana.” In PINHO, Ana Cláudia da Costa, cit.10, p.830. 20 Os diplomas em vigor eram o Decreto-Lei nº560/71, de 17 de Dezembro e o Decreto-Lei nº561/71, que regulamentavam os Planos de Urbanização e os Planos de Pormenor. Estes planos orientavam-se para as áreas de expansão e não para a intervenção em tecidos urbanos consolidados. 21 PAIVA, José Vasconcelos; AGUIAR, José; PINHO, Ana (coord.), cit.18, p.44. 22 Estes dois planos foram elaborados no âmbito da Campanha para o Renascimento das Cidades. “(…) a Campanha Europeia para o Renascimento das Cidades, lançada em 1981, pelo Conselho da Europa, no seguimento do Ano Europeu do Património Arquitectónico (1975). Os objectivos desta campanha eram: (i) melhorar a qualidade do ambiente urbano, reabilitando os edifícios e habitações dos bairros antigos; (ii) criar actividades sociais, culturais e económicas; (iii) promover o desenvolvimento e participação comunitária e estudar o papel dos poderes locais.” In PAIVA, José Vasconcelos; AGUIAR, José; PINHO, Ana (coord.), cit.18, p.43.

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intervenções do CRUARB23 que tinha de base o “Estudo de Renovação Urbana do Barredo”, já referido. Lei 13/85 A figura jurídica dos “Planos de Salvaguarda” A Lei do Património Cultural Português, Lei nº13/85, de 6 de Junho, veio criar formalmente a figura do “Plano de Salvaguarda”. Esta tipologia de plano destinava-se, de acordo com o diploma, a ser aplicado nas áreas delimitadas pelas diversas hierarquias de poder, nacional e local, e que se destinavam a proteger os conjuntos e os sítios.24 O Decreto-Lei nº69/90, 2 de Março, veio regulamentar o planeamento urbano em Portugal, fazendo referência à Lei nº13/85, de 6 de Junho,25, na tentativa de articular a política de conservação do património arquitectónico com a política de ordenamento do território e do urbanismo. Foi necessário decorrer cinco anos para que fossem introduzidas novidades legislativas referentes aos “Planos de Salvaguarda”. Com o Decreto-Lei nº151/95, de 24 de Junho, relativo aos “Planos Especiais de Ordenamento do Território”26, estabilizou-se a regulamentação relativa a este planos, com os demais planos de iniciativa da administração directa ou indirecta do Estado, definindo o respectivo regime jurídico de elaboração e aprovação. Ficava assim revogado o Decreto-Lei nº69/90, 2 de Março, relativamente aos “Planos de Salvaguarda” contudo, dada a disparidade de relação entre estes planos, um ano depois é publicada a revogação do diploma, eliminando os “Planos de Salvaguarda” do conjunto de “Planos Especiais de Ordenamento do Território”. Desta forma, o “Plano de Salvaguarda” é remetido novamente para a incógnita da Lei do Património Cultural.

23 O Comissariado para a Renovação Urbana da Área Ribeira-Barredo (CRUARB) foi criado em Outubro de 1974, no período pós revolução, como resposta à necessidade e reivindicações sociais pelo direito à habitação através do Despacho Conjunto do Ministério da Administração Interna e Ministério do Equipamento Social e do Ambiente, de 28 de Setembro de 1974, publicado no DR II Série Nº233 (07-10-1974). O CRUARB fundamenta as suas intervenções no “Estudo de Renovação Urbana do Barredo”, permitindolhe ter um arranque de iniciativas logo desde o início da sua criação. Desta forma, coloca em prática as premissas invocadas no Estudo onde a dimensão social era trabalha a par das questões do edificado garantindo, e invocando, a identidade do lugar que deveria ser preservada. O CRUARB privilegiou uma actuação direccionada para a conservação do património urbano com o objectivo da melhoria das condições de vida das populações residentes com um apoio articulado de assistência social. 24 “Nº1-A delimitação da área dos conjuntos e sítios será fixada pelo Ministério da Cultura, no caso de bens de valor nacional ou internacional, através dos serviços competentes, ouvidas as autarquias, com a colaboração, quando necessária, de outros serviços do Estado, excepto se já existirem planos directores aprovados dos quais constem delimitações entretanto operadas. Nº2- Para os bens de valor local é competente a assembleia municipal respectiva, que poderá recorrer à colaboração de outras entidades, sempre que julgada útil.” De acordo com Nº1 e Nº2, Art.º21, LEI Nº13/85 – D.R. I Série. Nº153 (06-06-1985); p.1865-1874. Património Cultural Português. 25 “Nº2-Os planos de salvaguarda e valorização para as zonas de protecção de imóveis ou conjuntos classificados, previstos na Lei nº13/85, de 6 de Julho, serão objecto de regulamentação especial.” De acordo com Nº2, Art.º2, DECRETO-LEI Nº69/90 – DR I Série Nº51 (2-03-1990); p.880-887. 26 Os Planos Especiais ai indicados eram: os Planos de Ordenamento Florestal, os Planos de Ordenamento e Expansão dos Portos, os Planos Integrados de Habitação e os Planos de Salvaguarda do Património Cultural.

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3. A INSTITUIÇÃO DE PROGRAMAS NACIONAIS DE IMPLEMENTAÇÃO LOCAL Na década de oitenta, a reabilitação urbana desenvolve-se de uma forma mais consistente. A nova política de intervenção é comandada por duas ideias fundamentais: I. A preocupação com o património histórico-arquitectónico; II. A manutenção da população nos centros das cidades. Na sequência do relançamento do “Programa de Recuperação de Imóveis Degradados” (PRID)27, inicia-se um outro programa de características muito específicas: o “Programa de Reabilitação Urbana” (PRU). PRU (1985) – extinto Em 1985, é lançado o Programa de Reabilitação Urbana (PRU), criado pelo Despacho nº4/SEHU/85, da responsabilidade da Secretaria de Estado da Habitação e Urbanismo (SEHU),28 que visava apoiar, técnica e financeiramente, as câmaras municipais promovendo a criação de gabinetes técnicos locais (GTL) dirigidos para o lançamento e gestão de processos de reabilitação urbana. Apesar de o programa ser apresentado como um instrumento da política da habitação visava “não só actuar sobre os edifícios mas ainda sobre as áreas urbanas em que estes se inserem”29reflectindo, desta forma, uma nova abordagem aos problemas do edificado e da cidade passando a incluir como tema de abordagem os problemas sociais inerentes à intervenção de modo a manter as estruturas sociais existentes.30 O PRU continha em si duas vertentes:

27 Como forma de inverter a fraca intervenção municipal e privada na reabilitação do parque habitacional, em 1976, com a publicação do Decreto-Lei nº704/76, é lançado Programa de Recuperação de Imóveis Degradados (PRID). O programa foi relançado, em 1983, com a publicação do Decreto-Lei nº449/83, de 12 de Dezembro, complementado pela Portaria nº 1077/83,de 31 de Dezembro, apresentando-se com novos moldes, prevendo a concessão aos municípios de empréstimos a longo prazo. A aplicação do PRID teve muito pouco sucesso, atingindo um grau de realização muito baixo, devido à grande morosidade dos trâmites processuais de acesso ao crédito e à dificuldade de recuperação, em tempo útil, dos investimentos envolvidos. 28 DESPACHO Nº4/SEHU/85 - D.R. II Série Nº29 (4-2-1985); p.1158-1159. Programa de Reabilitação Urbana. 29 De acordo com 7º Parágrafo do Preâmbulo, DESPACHO Nº4/SEHU/85 - D.R. II Série Nº29 (4-2-1985); p.1158-1159. Programa de Reabilitação Urbana. 30 “O facto de ter sido criado um instrumento de apoio à reabilitação de áreas urbanas em vez de reforçados os instrumentos de apoio à reabilitação de edifícios evidencia uma consciencialização que «não importa somente actuar sobre os edifícios mas ainda sobre as áreas urbanas em que se inserem». Existiu um outro factor que influenciou a criação deste instrumento no âmbito da política de habitação. Com efeito, é entre os anos setenta e oitenta que se começa a fazer sentir em Portugal o despovoamento dos centros urbanos. O Barredo, por exemplo, cuja elevada taxa de sobreocupação na década de sessenta foi já referida anteriormente [elevada] nos anos oitenta já tinha um número crescente de alojamentos subocupados e devolutos – e estava a ser alvo de uma intervenção de reabilitação desde 1974. A publicação em 1984 dos Censos de 1981 veio comprovar que o número de edifícios e alojamentos desocupados nos centros das cidades aumentava enquanto, simultaneamente, se estava a financiar a construção nova na periferia. Esta situação era assim um elemento que reforçava a importância de uma aposta na reabilitação urbana por parte da política da habitação.” In PINHO, Ana Cláudia da Costa, cit.10, p.839.

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I. Apoio técnico que se concretizava através de um contrato de assistência técnica (CAT) que permitiam constituir gabinetes técnicos locais (GTL) constituídos por equipas pluridisciplinares; II. Apoio financeiro que se concretizava através de um contrato de colaboração financeira (CCF) que se fundamentavam em montantes trienais de comparticipação da Administração Central nas obras municipais de infra-estruturas, na instalação de equipamentos e na recuperação de habitações.31 O programa foi lançado, numa fase inicial, a título experimental, tendo sido feita uma selecção de um conjunto de municípios que tivessem estudos necessários e suficientes à constituição dos processos de candidatura. Esta fase inicial propôs-se como experimental pretendendo, face a uma implementação em casos concretos, aferir a adequação do programa e reestruturação do mesmo, se necessário. Mais tarde, em 1988, o PRU foi relançado com novo nome e novos moldes através da instituição do “Programa de Recuperação de Áreas Urbanas Degradas” (PRAUD). PRAUD (1988) Em 1988, foi publicado o Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Degradadas (PRAUD) pelo Despacho nº1/SEALOT/85, da responsabilidade da Secretaria de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (SEALOT)32 visando, à semelhança do PRU, apoiar técnica e financeiramente as câmaras municipais promovendo a criação de gabinetes técnicos locais (GTL) dirigidos para o lançamento e gestão de processos de reabilitação urbana. O programa tinha como objectivo estabelecer parcerias entre a Administração Central e Local promovendo operações de reabilitação ou renovação de áreas urbanas degradadas, através de apoio técnico e financeiro.

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“5 - O apoio financeiro para o primeiro ano e a sua programação para os 2 anos seguintes será definido no contrato de colaboração financeira, a rever anualmente para os 3 anos subsequentes, de acordo com o orçamento e programação apresentados pelo gabinete técnico local e aprovados pelos órgãos competentes do município. 6 – O contrato de colaboração financeira compreende: a) A programação trienal das dotações PRID afectas à execução do programa de reabilitação pela entidade financiadora, com o acordo do INH; b) O montante da comparticipação nos custos das obras de infra-estruturas até 50% dos mesmos; c) As comparticipações específicas de outros organismos centrais na construção ou aquisição e adaptação de espaços para a instalação de equipamentos; d) O montante do financiamento acordado pelo INH, a conceder ao município, para aquisição e realização das obras, nas habitações consideradas indispensáveis à boa execução do Programa.” De acordo com Ponto 5 e 6, DESPACHO Nº4/SEHU/85 - D.R. II Série Nº29 (4-2-1985); p.1158-1159. Programa de Reabilitação Urbana. 32 DESPACHO Nº1/SEALOT/88 - D.R. II Série Nº16 (20-1-1988); p.493-494. Programa de Recuperação de Áreas Urbanas Degradadas.

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O PRAUD apresentava duas vertentes distintas: I. Uma, de cariz instrumental, que apoiava a criação de gabinetes técnicos local, formados por equipas pluridisciplinares, que na dependência das câmaras municipais asseguravam a elaboração de estudos, projectos e acções que preparavam e antecediam as operações de reabilitação e conservação abrangidas pelo programa – (PRAUD/GTL); II. Outra, relativa a operações materiais de reabilitação ou renovação de áreas urbanas degradadas traduzia-se numa comparticipação dos custos da operação, suportados pela autarquia – (PRAUD/OBRAS). Abrangendo mais de meia centena de localidades por todo o país, o PRU e PRAUD promoveram o surgimento de estruturas técnicas locais, concentradas sobre a problemática da reabilitação urbana, o que permitiu uma adequada formação de técnicos e uma maior sensibilização dos autarcas.

4. A INSTITUIÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL Os Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT), que compreendem os Planos Directores Municipais (PDM), Planos de Urbanização (PU), e Planos de Pormenor (PP), foram estabelecidos pelo Decreto-Lei nº69/90, 2 de Março, que tinha por objecto regular a elaboração, aprovação e ratificação destes planos. Os PMOT tiveram um crescimento exponencial a partir de 1994/95, devido ao facto de, em 1994, ter sido lançado o programa PROSIURB33, “Programa de Consolidação do Sistema Urbano Nacional e de Apoio à Execução dos Planos Directores Municipais” que gerou uma elaboração massiva de PDM por todo país. Em 1998, é publicada a “Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e do Urbanismo”34 a qual define o quadro da política de ordenamento do território e do urbanismo, bem como os instrumentos de gestão territorial que a concretizam.35

33

DESPACHO 6/94 DR II Série Nº21 (26-1-1996); p.716-718. Programa de Consolidação do Sistema Urbano Nacional e Apoio à Execução dos PDM (PROSIURB). LEI Nº48/98 – DR I Série – A Nº184 (11-8-1998); p.3869-3875. Estabelece as bases da politica do ordenamento do território e de urbanismo. Um dos fundamentos instituídos pela Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território determina que um dos seus fins consiste na racionalização, reabilitação e modernização dos centros urbanos e na promoção da coerência dos sistemas em que se inserem. De acordo com alínea f), Art.º3, LEI Nº48/98 – DR I Série – A Nº184 (11-81998); p.3869-3875. Estabelece as bases da politica do ordenamento do território e de urbanismo

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Os PMOT são enquadrados no novo sistema de planeamento e, no que respeita ao modo de funcionamento do sistema, os instrumentos de gestão territorial dividem-se em dois grupos, pertencendo os PMOT ao grupo de instrumentos que vinculam directamente os particulares para além das entidades públicas. Decreto-Lei 380/99 Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial O Decreto-Lei nº380/99, de 22 de Setembro, veio estabelecer o “Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial” (RJIGT) e desenvolver as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal. Os PMOT são definidos como instrumentos de planeamento territorial, de natureza regulamentar, que estabelecem o regime de uso do solo, os modelos de ocupação e parâmetros de aproveitamento do solo que vinculam os particulares.36 No âmbito dos PMOT, diferenciam-se três níveis: os Planos Directores Municipais (PDM), os Planos de Urbanização (PU) e os Planos de Pormenor (PP). No que se refere ao PP, este desenvolve e concretiza propostas para uma área específica do território municipal contudo, considerando a redacção que lhe é conferida por este diploma, está vocacionado para a “produção” de solo urbano e não para a intervenção em tecidos urbanos consolidados. Para uma resposta específica do PP, o Decreto-Lei nº380/99, de 22 de Setembro, institui modalidades simplificadas, designadamente: I. Projecto de intervenção em espaço rural; II. Plano de edificação em área dotada de rede viária, caracterizando os volumes a edificar; III. Plano de conservação, recuperação ou renovação do edificado; IV. Plano de alinhamento e cércea, definindo a implantação da fachada face à via pública;

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Entre os vários objectivos estabelecidos na concretização dos PMOT é referenciado o estabelecimento de princípios e regras de garantia da qualidade ambiental e da preservação do património cultural.

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V. Projecto urbano, definindo a forma e o conteúdo arquitectónico a adoptar em área urbana delimitada, estabelecendo a relação com o espaço envolvente.37 Desta enumeração de PP de regime simplificado claramente destacam-se duas questões: I. A figura do “Plano de Pormenor de Salvaguarda” ficou excluída, não sendo feita qualquer referência específica ao mesmo, remetendo exclusivamente para a Lei nº107/2001, de 8 de Setembro; II. Não são diferenciados os planos de conservação dos planos de renovação tendo sido enquadrados os dois tipos de intervenção no mesmo âmbito, sem clara distinção de conceitos. Decreto-Lei 316/2007 Alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial O Decreto-Lei nº316/2007, de 19 de Setembro, visou a alteração do Decreto-Lei nº380/99, de 22 de Setembro, onde no âmbito do PP faz, em artigo próprio, um cruzamento articulado entre as diversas modalidades simplificadas, designadamente: I. Plano de intervenção no espaço rural; II. Plano de pormenor de reabilitação urbana; III. Plano de Pormenor de Salvaguarda.38 O Decreto-Lei nº316/2007, de 19 de Setembro, retoma a figura do “Plano de Pormenor de Salvaguarda”, tal como acontecia no Decreto-Lei nº69/90, 2 de Março, remetendo, na definição de conteúdo, para legislação específica. Igualmente, introduz a figura específica de “Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana”, antevendo a publicação do Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, que veio revogar Decreto-Lei 104/2004, de 7 de Maio, enquadrando este instrumento, que ainda não se encontrava legitimado, no leque dos instrumentos de gestão territorial.39 37 De acordo com Nº2, Art.º91, DECRETO-LEI Nº380/99 DR I Série - A Nº222 (22-09-1999); p.6590-6622. Estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. 38 De acordo com Art.º91-A, DECRETO-LEI Nº316/2007, DR I Série Nº181 (19-09-2007); p.6617-6670. Altera o Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro que Estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. Refere-se o Decreto-Lei nº309/2009, de 23 de Outubro, que veio estabelecer o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do Plano de Pormenor de Salvaguarda. Conforme estabelece o diploma, o Plano de Pormenor de Salvaguarda estabelece as orientações estratégicas de actuação e as regras de uso e ocupação do solo e edifícios necessários à preservação e valorização do património cultural existente na sua área de intervenção desenvolvendo restrições e os efeitos estabelecidos pela classificação do bem imóvel e pela zona especial de protecção. 39 Refere-se que a figura de “Plano de Reabilitação Urbana” constava já do programa definido para o PROSIURB, nos tipos de acção elegíveis no domínio da “Reabilitação e renovação urbanas” que enquadravam acções de protecção e recuperação do património construído (edifícios, conjuntos edificados, centros históricos) e acções de recuperação de espaços urbanos degradados, preferencialmente associados a intervenções de reabilitação e renovação de habitação, eram definidos dois tipos de PP a elaborar, nomeadamente: (i) Planos e Pormenor das Áreas Urbanizáveis; (ii) Planos de Pormenor de Reabilitação Urbana. De acordo com Anexos, DESPACHO 6/94 DR II Série Nº21 (26-1-1996); p.716-718. Programa de Consolidação do Sistema Urbano Nacional e Apoio à Execução dos PDM (PROSIURB).

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Em termos da área de actuação, o “Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana”, de acordo com o Decreto-Lei 316/2007, de 19 de Setembro, abrange solo urbano corresponde à totalidade ou parte de: I. Um centro histórico delimitado em PDM ou PU eficaz: II. Uma área crítica de recuperação e reconversão urbanística (ACRRU); III. Uma área de reabilitação constituída nos termos da lei.

5. A INSTITUIÇÃO JURÍDICA DA “REABILITAÇÃO URBANA” O sector da construção civil e das obras públicas em Portugal teve um peso económico relevante nas décadas de oitenta e noventa orientado fundamentalmente para a construção de edifícios novos, predominantemente de habitação, e para a construção de novas infra-estruturas rodoviárias. O incentivo da Administração para aquisição de habitação, paralelamente à inexistência de um mercado de arrendamento, conduziu a um aumento da procura e ao crescimento da produção de habitação nova, destinada a aquisição. A expansão dos aglomerados urbanos e a transferência das populações para a periferia fez aumentar a pressão de ocupação urbana dos solos e sobre infra-estruturas existentes com a consequente diminuição da qualidade de vida das populações assistindo-se a uma progressiva desertificação dos centros urbanos em detrimento das zonas periféricas e ao crescimento do número de alojamentos vagos, em mau estado de conservação e devolutos. A constatação do estado de degradação dos centros urbanos mobilizou a Administração para a criação de instrumentos indispensáveis para uma efectiva política de reabilitação urbana evidenciando uma mudança de paradigma no sentido da promoção da “contenção” em detrimento da “expansão”.

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5.1 Decreto-Lei 104/2004 Regime Jurídico Excepcional da Reabilitação Urbana O Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio40, veio regular o “Regime Jurídico Excepcional da Reabilitação Urbana” de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística propondo-se como uma iniciativa geradora de grandes expectativas no sentido da dinamização do processo de reabilitação urbana dos centros urbanos com reflexos, que se pretendiam muito positivos, no redireccionamento do sector da construção. O diploma enumerava os seguintes princípios: I. Cabe aos municípios promoverem o procedimento de reabilitação urbana com a possibilidade de constituírem empresas municipais integrando a designação de “SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana” e ter a sua zona de intervenção definida para efeitos de atribuição de poderes de autoridade e de polícia administrativa. II. Na sequência da constituição das empresas municipais, ou na opção de intervenção directa dos municípios, a necessidade de conceder meios efectivos de intervenção e, desta forma, accionar o processo de reabilitação urbana através das etapas de constituição da operação, desde a delimitação das “Unidades de Intervenção” até à elaboração dos “Documentos Estratégicos”. III. Entendendo que todo este processo, no campo do domínio dos poderes públicos, assume todos os passos que o procedimento de reabilitação implica; IV. A procura de um equilíbrio entre os direitos e obrigações dos proprietários que, preferencialmente, deverão ser os primeiros responsáveis das acções de reabilitação urbana podendo no entanto, na falta de acordo, as SRU assumirem a intervenção forçada ou a expropriação, estando assegurado aos antigos proprietários ou arrendatários, concluídas as obras, o direito de preferência;

40

Com a Lei nº106/2003, 10 Dezembro, o Governo foi autorizado a aprovar um regime excepcional de reabilitação urbana como forma de promover a reabilitação urbana nas zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, permitindo que aos municípios de criar empresas municipais de reabilitação urbana nas quais detenham a totalidade do capital social denominadas por SRU (Sociedades de Reabilitação Urbana).

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V. Promover o incentivo económico à intervenção dos promotores privados no processo de reabilitação e, desta forma, facilitar o quadro negocial introduzindo a figura do contrato de reabilitação urbana; VI. Em todo o processo está subjacente um princípio de celeridade procedimental e da certeza quanto ao tempo de duração dos procedimentos enquanto elementos essenciais ao envolvimento dos agentes económicos. Desta forma, afirmou-se como um diploma que visou instituir dinâmicas transversais, exigindo o envolvimento de diversos agentes e actores assumindo-se como um instrumento de actuação na criação de estruturas de teor empresarial que passavam a estabelecer o controlo de todo o processo de reabilitação, contudo não retirando ao município a possibilidade de assumir todo o procedimento. Entidade “SRU” Com o Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, reconheceu-se a responsabilidade dos municípios pelo procedimento da reabilitação urbana que se traduzia na possibilidade de poderem constituir as Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU) com o objectivo de promoverem operações de reabilitação urbana em áreas específicas revestindo-se de interesse público urgente. Às SRU é reconhecido um papel fundamental na promoção de acções de reabilitação urbana pois, conforme determinava o diploma, não lhes competia fazer reabilitação mas sim promovê-la, motivando o envolvimento dos proprietários e dos agentes económicos neste processo. A constituição de uma SRU41 remetia para uma estrutura organizativa, que se demarcava da estrutura municipal sendo que a constituição da mesma exigia ao município a capacidade de subscrever o capital social. A incapacidade de muitos municípios em reunir condições para avançar com uma empresa municipal não perspectivou uma via imediata de aplicação do diploma.42

41

A aprovação da criação das SRU da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal. De acordo com Nº1, Art.º8, LEI Nº53-F/2006 – D.R. I Série Nº249 (29-12-2006); p.9021 – 9028. Regime Jurídico do Sector Empresarial Local. Para um levantamento das SRU constituídas e quadro de competências e execução referencia-se o levantamento elaborado em: ALVES, Cláudia – A cidade (histórica) enquanto processo contínuo de (re)formulação. As Sociedades de Reabilitação Urbana como proposta de reabilitação urbana. Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2010. Dissertação de Mestrado em Metodologias de Intervenção no Património Arquitectónico. 42

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Importa referir que os municípios podiam assumir todo o processo de reabilitação urbana, sem que para tal, fosse necessária a constituição de uma SRU sendo esta apresentada como facultativa. As opções definidas para cada SRU constituída foram decisivas enquanto estratégia e directrizes de actuação, determinando a abrangência e profundidade da mesma na definição de regras e o cuidado na preparação, concepção e execução das intervenções que ditarão a qualidade do resultado final. As SRU constituídas ao abrigo do Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, diferenciaram-se sob vários aspectos, designadamente: I. Do objecto de base na criação das mesmas; II. Da área de intervenção e suas especificidades; III. Da estratégia de actuação. Área de intervenção Com a delimitação, em sede de PDM, das zonas históricas ou das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística (ACRRU), podiam os Municípios proceder à indicação destas áreas em sede de constituição de SRU com jurisdição sobre as mesmas.

5.2 DECRETO-LEI 307/2009 Novo Regime Jurídico da Reabilitação Urbana O Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro43, procede à revogação do Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio44, instituindo o “Regime Jurídico da Reabilitação Urbana” de forma a dar resposta a cinco desafios na área de intervenção da reabilitação urbana: I. Articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infra-estruturas das áreas urbanas a reabilitar;

43 Autorização legislativa: LEI Nº95-A/2009 – D.R. I Série Nº170 (2-9-2009); p.5860-5861. Autoriza o Governo a aprovar o regime jurídico da reabilitação urbana e a proceder à primeira alteração ao Decreto-Lei nº157/2006, de 8 de Agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados. 44 Procede igualmente à revogação do Capítulo XI do Decreto-Lei nº794/76, de 5 de Novembro, referente à constituição das ACRRU. De acordo com Art.º83, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana.

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II. Garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas “áreas de reabilitação urbana” cuja delimitação incumbe aos municípios e nas quais se intensificam os apoios fiscais e financeiros; III. Diversificar os modelos de gestão das intervenções de reabilitação urbana, abrindo novas possibilidades de intervenção dos proprietários e outros parceiros privados; IV. Criar mecanismos que permitam agilizar os procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas de reabilitação; V. Desenvolver novos instrumentos que permitam equilibrar os direitos dos proprietários com a necessidade de remover os obstáculos à reabilitação associados à estrutura de propriedade nestas áreas.45 Devendo estes desafios contribuir, de forma articulada, para a prossecução dos objectivos propostos, designadamente: I. Assegurar a reabilitação dos edifícios que se encontram degradados ou funcionalmente inadequados; II. Reabilitar tecidos urbanos degradados ou em degradação; III. Melhorar as condições de habitabilidade e de funcionalidade do parque imobiliário urbano e os espaços não edificados; IV. Garantir a protecção e promover a valorização do património cultural; V. Afirmar os valores patrimoniais, materiais e simbólicos como factores de identidade, diferenciação e competitividade urbana; VI. Modernizar as infra-estruturas urbanas; VII. Promover a sustentabilidade ambiental, cultural, social e económica dos espaços urbanos; VIII. Fomentar a revitalização urbana; IX. Assegurar a integração funcional e a diversidade económica e sócio-cultural nos tecidos urbanos existentes; X. Requalificar os espaços verdes, os espaços urbanos e os equipamentos de utilização colectiva; 45

De acordo com o enunciado em Preâmbulo, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana.

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XI. Qualificar e integrar as áreas urbanas especialmente vulneráveis, promovendo a inclusão social e a coesão territorial; XII. Assegurar a igualdade de oportunidades dos cidadãos no acesso às infraestruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas; XIII. Desenvolver novas soluções de acesso a uma habitação condigna; XIV. Recuperar espaços urbanos funcionalmente obsoletos, promovendo o seu potencial para atrair funções urbanas inovadoras e competitivas; XV. Promover a melhoria geral da mobilidade, nomeadamente através de uma melhor gestão da via pública e dos demais espaços de circulação; XVI. Promover a criação e a melhoria das acessibilidades para cidadãos com mobilidade condicionada; XVII. Fomentar a adopção de critérios de eficiência energética em edifícios públicos e privados.46 È igualmente importante o destaque que o diploma faz à distinção dos diferentes deveres no âmbito da reabilitação urbana, diferenciando: a. Dever de “promoção da reabilitação urbana”: incumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais assegurar, no quadro do presente decreto-lei e dos demais regimes jurídicos aplicáveis, a promoção das medidas necessárias à reabilitação de áreas urbanas que dela careçam;47 b. Dever de “reabilitação de edifícios”: (i) os proprietários de edifícios ou fracções têm o dever de assegurar a sua reabilitação, nomeadamente realizando todas as obras necessárias à manutenção ou reposição da sua segurança, salubridade e arranjo estético, nos termos previstos no presente decreto-lei; (ii) os proprietários e os titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre edifício ou fracções não podem, dolosa ou negligentemente, provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, provocar a sua deterioração ou prejudicar o seu arranjo estético.48

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De acordo com o enunciado Art.º3, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. De acordo com o enunciado Art.º5, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. De acordo com o enunciado Art.6, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana.

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O diploma estrutura as intervenções de reabilitação urbana com base em dois conceitos fundamentais: a. O conceito de “área de reabilitação urbana”49, cuja delimitação tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma; b. O conceito de “operação de reabilitação urbana”50, correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva “área de reabilitação urbana”. Área de Reabilitação Urbana (ARU) O conceito de “Área de Reabilitação Urbana” (ARU) por definição dada pelo diploma, consiste na “área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infra-estruturas, dos equipamentos de utilização colectiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização colectiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada.”51 As ARU podem abranger, designadamente, áreas e centros históricos, património cultural imóvel classificado ou em vias de classificação e respectivas zonas de protecção, áreas urbanas degradadas ou zonas urbanas consolidadas.52 A delimitação desta área implica a definição de objectivos, bem como da estratégia de intervenção e do tipo de “operação de reabilitação urbana” a realizar, sendo esta delimitação promovida pelos municípios e estabelecida em instrumento próprio53 ou corresponder à área de intervenção de um “Plano de Pormenor de Reabilitação

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“Regime das áreas de reabilitação urbana” Capitulo II - DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. De acordo com Art.º8, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. 51 De acordo com o enunciado alínea b), Art.º2, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. 52 Refere-se que a figura da ARU encontra-se já instituída enquanto área de intervenção operativa no Art.91-A referente às “Modalidades especificas” de Planos de Pormenor, onde no Nº5 enumera: “O plano de pormenor de reabilitação urbana abrange solo urbano correspondente à totalidade ou a parte de: a) Um centro histórico delimitado em plano director municipal ou plano de urbanização eficaz; b) Uma área crítica de recuperação e reconversão urbanística; c) Uma área de reabilitação urbana, constituída nos termos da lei.” De acordo com LEI Nº46/2009 – D.R. I Série Nº36 (20-02-2009); p.1168-1205. Procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. 53 “A delimitação das áreas de reabilitação urbana em instrumento próprio é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.” De acordo com, Nº1, Art.º14, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. 50

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Urbana”54, sendo correspondente a cada delimitação de ARU uma “operação de reabilitação urbana”. A aprovação de uma ARU obriga, a respectiva entidade gestora, a promover a “operação de reabilitação urbana”, tendo o município que definir os benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT). 55 Por outro lado, confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou fracções nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana56, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural. O dever de reabilitação que impende sobre os proprietários e titulares de outros direitos, ónus ou encargos sobre os edifícios ou fracções compreendidos na ARU é reforçado em função dos objectivos definidos na estratégia de reabilitação ou no programa estratégico de reabilitação urbana.57 Regra geral, ou seja, tanto para uma ARU delimitada em instrumento próprio como a definida em “Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana", a ARU vigora por quinze anos no máximo podendo, terminado este prazo, ser determinada nova operação de reabilitação que abranja a área em questão.58 Desta forma, delimita-se o “contorno físico” e “contorno temporal” da “operação de reabilitação urbana”. Operação de Reabilitação Urbana A “operação de reabilitação urbana” corresponde à estruturação completa das acções a executar no interior da respectiva ARU. O diploma permite dois tipos distintos de “operação de reabilitação urbana”: 54 “O plano de pormenor de reabilitação urbana obedece ao disposto no regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo Decreto-Lei nº380/99, de 22 de Setembro, com as especificidades introduzidas pelo presente decreto-lei.” De acordo com nº1, Art.º21, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. 55 Em sede de impostos municipais, “os prédios urbanos objecto de acções de reabilitação são passíveis de isenção de imposto municipal sobre os imóveis (IMI) por um período de cinco anos, a contar do ano da conclusão da reabilitação podendo ser renovada por um período adicional de cinco anos”. De igual forma, são passíveis de isenção de IMT as aquisições de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, na primeira transmissão onerosa do prédio reabilitado, quando localizado em ARU. 56 Existência de incentivos fiscais que visam promover a reabilitação urbana, como por exemplo a taxa de IVA a 5,0% aplicada às empreitadas de reabilitação. 57 Tratando-se respectivamente de uma “operação de reabilitação urbana simples” (de acordo com Art.º29) ou de uma “operação de reabilitação urbana sistemática” (de acordo com Art.º33). Refere-se que a delimitação de uma ARU, quando aplicada uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem efeito directo e imediato a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes, bem como da constituição de servidões necessárias à execução da operação de reabilitação urbana. 58 De acordo com Art.º18, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana.

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I. A “operação de reabilitação urbana simples”, que é dirigida essencialmente à reabilitação do edificado num quadro articulado de coordenação e apoio da respectiva execução; 59 II. A “operação de reabilitação sistemática” que assenta na vertente de intervenção integrada, dirigindo-se à reabilitação do edificado e qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva com o objectivo de requalificar e revitalizar o tecido urbano, associada a um programa de investimento público. 60, “Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana” (PPRU) O PPRU obedece ao disposto no Decreto-Lei nº380/99, de 22 de Setembro61, com as especificidades introduzidas pelo Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro. O PPRU, por definição, estabelece a estratégia integrada de actuação e as regras de uso e ocupação do solo e dos edifícios necessárias para promover e orientar a valorização e modernização do tecido urbano e a revitalização económica, social e cultural na sua área de intervenção.62 A elaboração do PPRU compete à Câmara Municipal, por iniciativa própria ou mediante proposta apresentada pelos interessados, sendo determinada por deliberação, a publicar no Diário da República e a divulgar através da comunicação social e na respectiva página da Internet, que estabelece os respectivos prazos de elaboração e do período de participação pública preventiva.63 No que se refere ao acompanhamento dos PPRU aplica-se o disposto no Decreto-Lei nº380/99, de 22 de Setembro. A pronúncia favorável das entidades da Administração 59

De acordo com nº1, Art.º8, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. De acordo com nº2, Art.º8, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. “1 — O plano de pormenor pode adoptar modalidades específicas com conteúdo material adaptado a finalidades particulares de intervenção previstas nos termos de referência do plano e na deliberação municipal que determinou a respectiva elaboração. 2 — São modalidades específicas de plano de pormenor: a) O plano de intervenção no espaço rural; b) O plano de pormenor de reabilitação urbana; c) O plano de pormenor de salvaguarda. (…) 5 — O plano de pormenor de reabilitação urbana abrange solo urbano correspondente à totalidade ou a parte de: a) Um centro histórico delimitado em plano director municipal ou plano de urbanização eficaz; b) Uma área crítica de recuperação e reconversão urbanística; c) Uma área de reabilitação urbana constituída nos termos da lei.6 — O plano de pormenor de reabilitação urbana pode delimitar áreas a sujeitar à aplicação de regimes específicos de reabilitação urbana previstos na lei. 7 — O conteúdo do plano de pormenor de salvaguarda é definido nos termos previstos na Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.” De acordo com Art.º91-A, LEI Nº46/2009 – D.R. I Série Nº36 (20-02-2009); p.1168-1205.Procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. 62 Caso a área de intervenção do PPRU contenha ou coincida com a área previamente delimitada como ARU em instrumento próprio, conforme definido em diploma, a ARU considera-se redelimitada de acordo com a área de intervenção do plano. Uma outra situação será, quando a área de intervenção do plano não abrange a totalidade da área da ARU delimitada em instrumento próprio, neste caso deve proceder-se à redelimitação ou revogação da área não abrangida pela área de intervenção do plano em simultâneo com o acto de aprovação do PPRU. 63 “Na deliberação que determina a elaboração do plano é estabelecido um prazo, que não deve ser inferior a 15 dias, para a formulação de sugestões e para a apresentação de informações sobre quaisquer questões que possam ser consideradas no âmbito do respectivo procedimento de elaboração.” De acordo Nº2, Art.º77, LEI Nº46/2009 – D.R. I Série Nº36 (20-02-2009); p.1168-1205. Procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. 60 61

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Central ou o acolhimento das suas propostas de alteração determinam a dispensa de consulta dessas entidades, em sede de controlo prévio das operações urbanísticas conforme previstas no plano. 64 Os planos de pormenor em elaboração, à data de entrada em vigor do Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, podem ser aprovados sob a forma de PPRU, devendo a câmara municipal, para o efeito, adaptar o projecto de plano de pormenor às regras estabelecidas no diploma. Disposições transitórias: ACRRU’s / SRU’s / ARU’s (REARU - Lei nº67-A/2007, 31-12) O Decreto-Lei 307/2009, de 23 de Outubro, na sua implementação vê-se confrontado com figuras já instituídas nos termos de vários diplomas, que convergem no mesmo âmbito de intervenção. A figura de ACRRU, instituída pela Lei de Solos, configura muitas das áreas de intervenção das SRU constituídas ao abrigo do Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio. Igualmente, a figura de ARU definida no Regime Extraordinário de Apoio à Reabilitação65 e que, actuando paralelamente à figura da ACRRU, repercute-se especificamente nos benefícios fiscais a aplicar sobre a respectiva área. O Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro debruçou-se especificamente sobre estas figuras criando um regime de conversão específico para cada.

64 “1 — O acompanhamento da elaboração dos planos de urbanização e dos planos de pormenor é facultativo. 2 — No decurso da elaboração dos planos, a câmara municipal solicita o acompanhamento que entender necessário, designadamente a emissão de pareceres sobre as propostas de planos ou a realização de reuniões de acompanhamento à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente ou às demais entidades representativas dos interesses a ponderar. 3 — Concluída a elaboração, a câmara municipal apresenta a proposta de plano, os pareceres eventualmente emitidos e o relatório ambiental, à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente que, no prazo de 22 dias, procede à realização de uma conferência de serviços com todas as entidades representativas dos interesses a ponderar, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 75.º -B e devendo a acta respectiva conter o parecer da comissão de coordenação e desenvolvimento regional sobre os aspectos previstos no n.º 4 do artigo 75.º -A. 4 — São convocadas para a conferência de serviços as entidades às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano. 5 — A convocatória da conferência de serviços é acompanhada das propostas de plano de urbanização e de plano de pormenor, bem como dos respectivos relatórios ambientais, e deve ser efectuada com a antecedência de 15 dias.” De acordo com Art.º75-C, LEI Nº46/2009 – D.R. I Série Nº36 (20-02-2009); p.1168-1205. Procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. 65 “A entrada em vigor do presente decreto-lei não prejudica a aplicação do Regime Extraordinário de Apoio à Reabilitação Urbana, aprovado pela Lei nº67-A/2007, de 31 de Dezembro, ou do disposto no Art.º71 do Estatuto dos benefícios Fiscais.” De acordo com Art.80, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.79567975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana.

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Entidade Gestora As “operações de reabilitação urbana” são coordenadas e geridas por uma entidade gestora, podendo o município optar por assumir directamente a sua gestão ou definir como entidade gestora uma empresa do sector empresarial local.66 No caso de a entidade gestora ser uma empresa do sector empresarial local, o município delega nesta poderes que lhe são cometidos no termos do Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, devendo os actos de delegação de poderes acompanhar a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana. As empresas do sector empresarial local consideram-se investidas nas funções de entidade gestora e nos poderes que lhe sejam delegados a partir do início da vigência da ARU podendo, inclusive, assumir funções em mais do que uma “operação de reabilitação urbana sistemática” e acumular a gestão de uma ou mais “operações de reabilitação urbana simples”. No caso de a câmara municipal pretender criar uma empresa municipal para assumir a qualidade de entidade gestora de uma operação de reabilitação urbana, deve aprovar a respectiva criação67 simultaneamente com a aprovação da ARU. Relativamente às SRU em funções, estas devem ser extintas sempre que: (i) estiverem concluídas todas as operações de reabilitação urbana a seu cargo; (ii) ocorrer a caducidade da delimitação da área ou de todas as áreas de reabilitação urbana em que a SRU opera.68 Desta forma, verifica-se que o papel dos intervenientes públicos na promoção, condução e coordenação das medidas necessárias à reabilitação urbana é um vector fulcral neste novo diploma, mas não deixa de se destacar o dever de reabilitação dos edifícios ou fracções que é da responsabilidade dos respectivos proprietários.

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É aplicável às empresas do sector empresarial local o regime jurídico do sector empresarial local, aprovado pela Lei nº53-F, de 29 de Dezembro. “A criação das empresas, bem como a decisão de aquisição de participações que confiram influência dominante, nos termos da presente lei, compete: a) As de âmbito municipal, sob proposta da câmara municipal, à assembleia municipal.” De acordo com Nº1, Art.º8, LEI Nº53-F/2006 – D.R. I Série Nº249 (29-12-2006); p.9021 – 9028. Regime Jurídico do Sector Empresarial Local. 68 De acordo com Art.º38, DECRETO-LEI Nº307/2009 – D.R. I Série Nº206 (23-10-2009); p.7956-7975. Regime Jurídico da Reabilitação Urbana. 67

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6. DL 104/2004, 7 DE MAIO VERSUS DL 307/2009, 23 OUTUBRO A reabilitação urbana passou de “regime excepcional” instituído para um “regime tendencialmente global”, na medida em que converge para disposições específicas de diplomas que regem matérias de amplitude diversa. Face à observação feita tanto do Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, como do Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, importa agora proceder a uma análise comparada em algumas das matérias estruturais de ambos os diplomas. As matérias estruturais dos dois diplomas encontram-se sistematizados no seguinte quadro: Quadro │ DL 104/2004, 7 de Maio versus DL 307/2009, 23 de Outubro – Análise comparada DL 104/2004, 07-05

DL 307/2009, 23-10

ENTIDADE

- Município - SRU

TEMPO

A SRU extingue-se quando estiver concluída a reabilitação urbana da zona de intervenção.

ÁREA DE INTERVENÇÃO

- Zona Urbana Histórica (PDM) - ACRRU (delimitação de “Unidade de Intervenção” com aprovação de “Documento Estratégico”) a) Documento Estratégico (Após delimitação da Unidade de Intervenção) (Com a definição de conteúdo próprio)

- Município - Entidade Gestora (Entidade Empresarial Local) (não necessariamente uma SRU / Objecto Social) a) A ARU delimitada em instrumento próprio vigora pelo prazo fixado na estratégia de reabilitação urbana ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com possibilidade de prorrogação, não podendo, em qualquer caso, vigorar por prazo superior a 15 anos; b) A ARU definida em PPRU vigora pelo prazo de execução do mesmo, não podendo, em qualquer caso vigorar por prazo superior a 15 anos. - ARU

INSTRUMENTOS

b) PP (A SRU deve notificar a CM para que se pronuncie sobre se entende por conveniente ou necessária a elaboração de PP) Modalidade Simplificada/ DL380/99, Nº2, Art.º91: c) Plano de conservação, recuperação ou renovação do edificado;

OPERAÇÃO

Operações de Reabilitação Urbana A reabilitação urbana deverá ser prioritariamente levada a cabo pelos proprietários e demais titulares de direitos reais sobre os imóveis a recuperar. As SRU deverão: - apoiar os proprietários na execução e execução das acções de reabilitação - informar os proprietários, demais titulares de direitos reais e arrendatários sobre os respectivos direitos e deveres no processo de reabilitação urbana, nomeadamente comparticipações financeiras publicas ou bonificações de crédito a que os mesmos podem aceder.

(delimitação através de “instrumento próprio” ou “PPRU”) a) Instrumento Próprio (Quando são assumidas as disposições dos planos superiores vigentes) (São definidas Unidades de Intervenção) b) PPRU (Quando são alteradas as disposições dos planos superiores vigentes) (São definidas Unidades de Execução) I) Modalidade Simplificada/ DL380/99, com alterações introduzidas pelo DL316/2007, alínea b), Nº2, e Nº5, Art.º91- A: PPRU abrange solo urbano correspondente à totalidade ou parte de: a) Um CH delimitado em PDM ou PU eficaz; b) Uma ACRRU; c) Uma ARU. II) PPS – L107/2001 / DL309/2009: Sempre que a área de intervenção do PPRU contenha ou coincida com património cultural imóvel classificado ou em vias de classificação e respectivas zonas de protecção, que determine, nos termos do L107/2001 a elaboração de um PPS cabe ao PPRU a prossecução dos seus objectivos e fins de protecção, dispensando a elaboração daquele. a) Operações de Reabilitação Urbana Simples: - Reabilitação edificado; - Menos instrumentos de política urbanística disponíveis; - Devem ser realizadas Preferencialmente pelos proprietários. MODALIDADES: - Execução pelos proprietários com apoio da Entidade Gestora; - Execução através de “Administração Conjunta” (aguarda-se publicação). b) Operações de Reabilitação Urbana Sistemática: - Intervenção integrada de uma área; - Mais instrumentos de politica urbanística disponíveis; - Devem ser activamente promovidas pelas respectivas Entidades Gestoras. MODALIDADES:

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- Execução directa da Entidade Gestora; - Execução através de “Administração Conjunta” (aguarda-se publicação). - Execução através de parcerias com entidades privadas.

Entidade promotora da reabilitação urbana O Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, instituiu as SRU como entidade efectiva de promoção e condução da reabilitação urbana e sendo uma entidade de cariz empresarial a sua constituição decorre da decisão dos órgãos municipais. Contudo, faz referência em como a reabilitação urbana deverá ser prioritariamente levada a cabo pelos proprietários. No Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, o papel dos intervenientes públicos na promoção e condução da reabilitação urbana surge mais clarificado não deixando, no entanto, de se destacar o dever de reabilitação dos edifícios como incumbência dos respectivos proprietários. Em ambos os diplomas é dada a possibilidade ao município de constituir uma entidade gestora para gerir a “operação de reabilitação urbana” de uma ARU contudo é conferida a possibilidade de os próprios municípios assumirem a promoção e gestão das operações de reabilitação urbana sendo esta última mais reforçada no Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro. Área de intervenção / instrumentos da operação de reabilitação urbana Na definição das áreas de intervenção os dois diplomas diferenciam-se pela especificidade da sua área respectiva. No Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, a área de intervenção remete-se particularmente à “zona urbana histórica” (classificada pelo PDM) ou à ACRRU (publicada em DR, por decreto). No Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, a área de intervenção remete-se à ARU, a ser delimitada através de instrumento próprio ou através de PPRU, em qualquer área do território municipal, sendo a competência desta delimitação do município sob aprovação da assembleia municipal. Igualmente, a operatividade de cada área de intervenção distingue-se pelo tipo de instrumentação dado por cada diploma.

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Nesta medida, no âmbito do Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, estando à partida definida a área de intervenção, ou “zona de intervenção da SRU”, rapidamente se procede à delimitação das “Unidades de Intervenção” (normalmente definidas por quarteirão) e à elaboração e aprovação do respectivo “Documento Estratégico” sendo a operação de reabilitação urbana única, ou seja, não era diferenciada intervenção entre edificado e não edificado. Podemos concluir que este procedimento, desde a delimitação da “Unidade de Intervenção” à elaboração e aprovação do respectivo “Documento Estratégico”, instituía uma metodologia que tinha por base a concretização isolada da operação de reabilitação urbana correndo o risco de se perder uma visão global e estratégica, inclusivamente ao nível do planeamento da cidade. O Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, vem reforçar a responsabilidade dos municípios na melhor integração entre políticas de planeamento urbanístico municipal e as políticas de reabilitação urbana. Com efeito, no acto de delimitação ARU, o município terá que optar por uma operação de reabilitação simples ou sistemática. À delimitação das ARU associa-se a definição, por parte dos municípios, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução. Operações de Reabilitação Urbana O Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, diferencia duas modalidades de “operação de reabilitação urbana”, conforme já referido. Ao nível do planeamento urbano cria-se uma oportunidade de intervir a uma escala “intermédia”, entre o PDM e o “quarteirão”, instituindo uma “estratégia de reabilitação urbana” ou um “programa estratégico” onde são definidos os objectivos, as acções a implementar e a programação da execução. Pelo conteúdo obrigatório do “programa estratégico”, pode-se concluir que o DecretoLei nº307/2009, de 23 de Outubro, no âmbito das operações sistemáticas, prevê uma abordagem mais articulada, abrangendo não só o edificado, mas também o espaço

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público, entre outros, combinada com um conjunto de instrumentos para a sua operacionalização. Apesar das vantagens introduzidas ao nível do planeamento urbano o Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, estabelece procedimentos mais morosos do que o Decreto-Lei nº104/2004, de 7 de Maio, prejudicando a celeridade que se deseja para o processo de reabilitação urbana, contudo, tem como condição positiva a introdução dos factores “tempo” e “articulação” como imprescindíveis neste tipo de operações. Nesta medida, o Decreto-Lei nº307/2009, de 23 de Outubro, veio substituir um regime que regulava essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das SRU por um outro modelo que procede ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução.

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RENOVAÇÃO URBANA, MEMÓRIA E TEMÁTIZAÇÃO

BIB#LIOGRAFIA ALVES, Cláudia – A cidade (histórica) enquanto processo contínuo de (re)formulação. As Sociedades de Reabilitação Urbana como proposta de reabilitação urbana. Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2010. Dissertação de Mestrado em Metodologias de Intervenção no Património Arquitectónico. AGUIAR, José – Cor e Cidade Histórica: estudos cromáticos e conservação do património. 1.ª ed. Porto: FAUP Edições, 2002. CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO – DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE HABITAÇÃO – Estudo de Renovação Urbana do Barredo. Porto: CMP, 1969. PINHO, Ana Cláudia da Costa – Conceitos e Políticas Europeias de Reabilitação Urbana. Análise da experiência portuguesa dos Gabinetes Técnicos Locais. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Maio 2009. Tese de Doutoramento em Planeamento Urbanístico. FLORES, Joaquim António de Moura – Planos de Salvaguarda e Reabilitação de Centros Históricos em Portugal. Lisboa: Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa, 1998. Dissertação de Mestrado em Reabilitação da Arquitectura e Núcleos Urbanos. PAIVA, José Vasconcelos; AGUIAR, José; PINHO, Ana (coord.) – Guia Técnico de Reabilitação Habitacional. 1.º ed. Lisboa: INH / LNEC, 2006. Vol.1 e 2.

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AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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