A insustentabilidade da civilização contemporânea: a visão catastrófica de John Gray

June 13, 2017 | Autor: Artur Roman | Categoria: Corporate Social Responsibility, Responsabilidad Social
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A insustentabilidade da civilização contemporânea: a visão catastrófica de John Gray Artur Roman [email protected] Resumo Este artigo apresenta conceitos de sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa predominantes na literatura e os confronta com as ideias apocalípticas de John Gray. Para o filósofo inglês, a humanidade se engana ao acreditar que ocupa um lugar de destaque no universo, que pode controlar seu destino e que algum dia será capaz de construir um mundo melhor. A partir da leitura das últimas obras do pensador inglês, exploradas neste artigo, é possível afirmar que não há condições de sustentabilidade para a civilização contemporânea e que a raça humana está condenada a desaparecer do planeta.

1. INTRODUÇÃO A Ilha da Páscoa está situada na Polinésia, região do Pacífico Sul. Visitada por turistas do mundo todo, exerce fascínio por conta de mistérios que envolvem a sua história e pela beleza das gigantes estátuas de pedras, os Moais. Estudos mostram que, por volta do ano 400 D.C. época em que os polinésios chegaram à Rapa Nui, nome atribuído à ilha pelos primitivos habitantes, ela era inteiramente coberta por florestas. A sociedade da Ilha da Páscoa prosperou durante vários séculos, atingindo uma população estimada em 16.000 pessoas. (DIAMOND, 2005, p. 3 a 10) Quando os europeus lá chegaram em 1722, encontraram uma ilha completamente desmatada, a não ser por umas poucas árvores nas regiões mais altas, e uma população miserável de algumas centenas de sobreviventes apenas. Hoje, a Ilha da Páscoa é habitada por cerca de 2.000 pessoas. A principal atividade econômica da ilha é o turismo.

2 Diamond quebra o romantismo que envolve as hipóteses para a redução da população daquela ilha. A explicação apresentada pelo autor baseada em diversos estudos é simples: os nativos acabaram com os recursos naturais da ilha e tornaram inviável sua sobrevivência. (DIAMOND, 2005. p. 3 a 10) A principal fonte energética era a madeira, retirada da densa floresta que cobria grande parte da ilha, para cozinhar, para construir barcos e casas e especialmente para mover as pesadas estátuas. Aos poucos desapareceram as grandes árvores, com as quais poderiam ser construídas canoas que permitiriam levar os ilhéus para pesca no mar ou mesmo para procurar alimento em outras ilhas. A ilha se tornou uma prisão para o povo de Rapa Nui. Ossadas humanas misturadas às dos golfinhos, encontradas pelos arqueólogos, podem sugerir que, por conta da escassez de alimentos, os nativos tiveram que recorrer desesperadamente à prática do canibalismo. A trágica história do povo da Ilha da Páscoa tem sido muitas vezes usada como metáfora para a história da própria humanidade. Assim como os antigos habitantes de Rapa Nui, nós também estamos ilhados em nosso planeta e dispomos de uma quantidade finita de recursos naturais. Porém, não somos apenas 16.000 mil e não temos apenas ferramentas rústicas e músculos como fonte de energia. O que pode fazer a humanidade hoje, constituída de bilhões de pessoas com tecnologia e poder de interferência na natureza em uma dimensão jamais sonhada pelo homem? O objetivo deste artigo é apresentar a resposta que John Gray daria a essa e a outras perguntas sobre a sustentabilidade civilizacional. Este artigo foi elaborado a partir da leitura das duas obras do autor publicadas no Brasil, além de entrevistas, materiais descritos na bibliografia.

3 2. SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL Preocupação com a sustentabilidade do sistema capitalista existe desde o século XVIII e XIX, quando são lançadas as bases desse modo de produção. A partir da segunda metade do século passado, e, mais fortemente e de forma sistematizada, nos anos 70 e 80, passa, porém, a fazer parte da agenda dos governos e dos empresários. As discussões sobre a sustentabilidade do sistema, e por conseguinte das empresas, incorporam, a partir de então, além da tradicional preocupação com a sobrevivência econômica, as dimensões social e ambiental, no bojo das reformas ocorridas nos países em desenvolvimento que seguiram as diretrizes do chamado Consenso de Washington1. Quanto à dimensão ambiental, a preocupação com a sustentabilidade se dá a partir da constatação de que a forma de exploração dos recursos naturais está levando à catástrofe ambiental. O esvaziamento da capacidade de investimento do Estado, por conta das reformas realizadas à luz da cartilha neoliberal, teve como uma de suas consequências a fragilização da autoridade do Estado, com repercussão na dimensão social. Reduziram-se as condições de atuação do poder público na área de segurança, já precarizada com o aumento da violência e da criminalidade, causadas pela concentração de renda e miserabilização de grande parcela da população dos países em crescimento, que não pode ser absorvida pelo mercado. Se o conceito de sustentabilidade apoia-se nas dimensões econômica, social e ambiental, empresa socialmente responsável, portanto, é aquela cujas ações

são

socialmente

includentes,

ambientalmente

responsáveis

e

economicamente viáveis.

1

Em 1989, o International Institute for Economy, de Washington, promoveu uma reunião, com a participação do governo americado, FED, Banco Mundial , FMI, BID, BIRD, cujo objetivo era discutir as reformas para a América Latina, assolada pela inflação, recessão e dívida externa. Como os organismos presentes pensavam o mesmo sobre os trilhos que deveriam ser seguidos, chamou-se de Consenso de Washington o programa de reformas proposto, que incluía desregulação dos mercados, abertura comercial, flexibilização das leis trabalhistas, rigoroso ajuste fiscal, privatizações e redução do Estado e de sua participação na economia.

4 De acordo com o Business for Social Responsibility (BSR)2 a expressão RSC (Responsabilidade Social Corporativa) se refere, de forma ampla, a decisões de negócios tomadas com base em valores éticos que incorporam as dimensões legais, o respeito pelas pessoas, comunidades e meio ambiente. A BSR, sediada nos EUA, é a principal entidade mundial na área de CSR (Corporate Social Responsibility). Reúne cerca de 1.600 empresas que representam um faturamento total de cerca de 2 trilhões de dólares, empregando mais de 6 milhões de trabalhadores em todo o mundo. Parceira de várias instituições na Europa e América, inclusive do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, a BSR “conduz projetos e programas em nível global, buscando incentivar empresas a alcançarem sucesso em seus negócios

implementando

práticas

que

respeitem

comunidades e o meio ambiente.” (Destaque nosso)

pessoas,

3

O Sustainability Index, da Dow Jones, enfatiza também a necessidade de integração dos fatores econômicos, ambientais e sociais nas estratégias de negócios das empresas. Embora

as

discordâncias

sejam

apenas

de

superfície,

não



unanimidade quanto ao alcance das ações de RSC. O Prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, pensador da Escola de Chicago, foi quem, no inicio dos anos 70, estimulou a polêmica ao publicar: Há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre do que a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para seus acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva. Se homens de negócios têm outra responsabilidade social que não a de obter o máximo de lucro para seus acionistas, como poderão eles saber qual seria ela? Podem os indivíduos decidir o que constitui o interesse social? (FRIEDMAN,1988, p.121).

2

“Business for Social Responsibility (BSR) is a global organization that helps member companies achieve success in ways that respect ethical values, people, communities and the environment. BSR provides information, tools, training and advisory services to make corporate social responsibility an integral part of business operations and strategies. A nonprofit organization, BSR promotes cross sector collaboration and contributes to global efforts to advance the field of corporate social responsibility.” In www.bsr.org (Acesso em 15.09.06)

3

www.ethos.org.br (acesso em 09.09.06)

5 A essa citação antológica de Friedman deve ser acrescida outra mais recente em que o pensador americano reafirma que a responsabilidade social das empresas é buscar lucros, mas sem cometer fraudes. Além disso, aceita que empresas invistam em ações sociais para melhorar sua imagem, pois terão como consequência o aumento de seus lucros (MACHADO FILHO, 2006, p.78). De acordo com os seguidores dessa escola, a responsabilidade social da empresa consiste única e exclusivamente em aumentar o seu lucro e maximizar os seus

retornos. Logo, tudo o que se faz na empresa e nos

negócios

objetivo

tem

por

o

cumprimento

dessa

responsabilidade.

A

preocupação com os empregados, com o bem estar da comunidade, enfim, tudo o que se faz pelos stakeholders, justifica-se apenas se a ação resulta na maximização dos resultados dos negócios. Vale destacar que esses pensadores não defendem a exploração do empregado, tampouco más condições de trabalho. Acreditam sim que a capacidade auto-reguladora do mercado livre pode corrigir essas reconhecidas distorções.

2.1 O capitalismo purificado A subjetividade, o relativismo e mesmo as imprecisões quanto ao conceito de RSC encontrados na literatura e nos documentos corporativos não são relevantes. Especialmente quando consideramos que essa preocupação mobiliza empresas de todos os continentes com os caminhos e descaminhos do modelo de desenvolvimento em curso. Estamos afirmando que não se percebem contradições de fundo, mas apenas diferenças de superfície quanto à abrangência da responsabilidade corporativa no mundo dos negócios. É possível afirmar que há algo em comum em todas as iniciativas: a consciência corporativa de que se devem lançar olhares para o ambiente em que está inserida a empresa, além dos números dos balanços.

6 Até mesmo porque esses números poderão ficar comprometidos caso o ambiente se deteriore. A sobrevivência do capitalismo e das empresas é a grande preocupação. Deixando de lado, portanto, alguma possível incompatibilidade de ordem doutrinária, parece haver concordância generalizada de que sustentabilidade refere-se à ação do homem no mundo que contemple preocupações com as pessoas, com o meio-ambiente e com a viabilidade econômica, de forma a não comprometer as gerações futuras. A literatura predominante de RSC não questiona as bases do modelo de desenvolvimento. E não são encampadas pelas empresas propostas de mudanças radicais. A premissa é que vivemos em um modo de produção capitalista que não cabe ser questionado e sim viabilizado. A intenção é purificar o sistema, afastando o que ele tem de ruim. A ideia central da iniciativa é construir, gradualmente, uma rede de relações capaz de agregar um valor diferenciado à empresa e a seus diversos públicos, ao mesmo tempo em que considera questões relevantes para a sociedade contemporânea. Trata-se de construir uma gestão que envolva os diferentes níveis hierárquicos da organização com o comprometimento de minimizar causas e impactos de questões que afligem a sociedade contemporânea (no caso brasileiro – geração de empregos, melhoria na distribuição de renda, erradicação do trabalho infantil, educação, dentre outras), contribuindo para a formulação e o controle de políticas públicas, integrando grupos de trabalho com diversos outros atores sociais e contribuindo de forma complementar a partir do conjunto de competências corporativas disponíveis. A mudança nada mais é que fazer tudo aquilo que já se faz, mas de um jeito diferente, sustentável (URSINI et al, 2006 – Destaque nosso).

Autores como David GRAYSON e Adrian HODGES (2002) conseguem reduzir a questão da RSC a estratégias de gestão e de comunicação, produzindo uma obra didática para orientação aos gestores. Este livro surge também numa época de manifestações e protestos constantes contra a distribuição desigual dos benefícios resultantes da liberalização dos mercados. Em nossa opinião, no entanto, as empresas são a força motriz do mundo e os mercados abertos contribuem para o desenvolvimento socioeconômico sustentável. Quanto às atividades das empresas, é importante que gerentes e executivos aprendam a aumentar suas repercussões positivas e a reduzir seus impactos negativos. (...)

7 Para nós, a linha de frente na batalha para suplantar a desigualdade, a pobreza, as doenças e a poluição não é formada por uma multidão de manifestantes com máscaras em Seattle, Gênova ou Washington, mas pelas legiões de gerentes que contribuem dia após dia para a criação de riqueza (GRAYSON et al, 2002, p. 6 - Destaque nosso).

Percebe-se, subjacente a esses argumentos, a premissa de que a questão da sustentabilidade é um problema de gestão empresarial. Não há qualquer

questionamento

à

ordem

das

coisas

ou

ao

modelo

de

desenvolvimento.

3. JOHN GRAY - O PROFETA DO APOCALIPSE Segundo John Gray, nem o keynesianismo tampouco o neoliberalismo oferecem

solução

para

a

catástrofe

anunciada,

pois

ambos

oferecem

alternativas para o modo de produção capitalista, construído a partir da ideia do consumo e da expansão infinita. O desenvolvimentismo está no cerne do capitalismo. Não há como purificá-lo. A civilização contemporânea erigiu-se sobre essas premissas. John Gray não propõe um novo modelo para a civilização. Preocupa-se sim em afirmar que o existente condena a civilização ao desaparecimento. John Gray, Professor de Pensamento Europeu na London School of Economics, é inglês (58 anos), cursou Filosofia na Universidade de Oxford e tem

14

livros

publicados.

Participa

de

um

grupo

de

pensadores

contemporâneos que apresenta uma visão pessimista quanto ao futuro da humanidade, apoiado, dentre outras, em releituras de Darwin. Politicamente, já manifestou apoio tanto à Margareth Thatcher quanto a Tony Blair, mas já rompeu com ambos, afirmando que abandona suas teses sempre que conclui que elas estão equivocadas. A RSC, como vimos no capítulo anterior, deve ser compreendida como parte da articulação das forças econômicas neoliberais que buscam amenizar os flagelos que elas mesmas criaram. RSC é, portanto, num primeiro

8 momento, alívio para a consciência pesada das empresas. Num segundo momento, porém, deve ser incorporada às estratégias das empresas e aos seus valores organizacionais, pois é uma das possibilidades de sobrevivência do capitalismo em sua versão contemporânea. Até quando? John Gray sugere que essa data não está distante. A leitura de John Gray nos permite ir à raiz dos problemas e questionar o conjunto de valores que sustentam a ordem econômica que gerou essas demandas por práticas de responsabilidade social.

John Gray quer mostrar

que as bases do “sistema” estão corroídas e que não há salvação. Não há como, na visão de John Gray, “fazer tudo aquilo que já se faz, mas de um jeito diferente, sustentável” como propõem as bem intencionadas autoras citadas anteriormente (URSINI et al, 2006). O modelo atual está comprometido com o fracasso.

3.1 Os limites do humanismo A tese central dos mais recentes trabalhos de Gray é a de que a humanidade se engana ao acreditar que ocupa um lugar de destaque no universo, que pode controlar seu destino e que algum dia será capaz de construir um mundo melhor. A tradição do pensamento ocidental foi baseada em crenças arrogantes e equivocadas sobre o lugar dos seres humanos no mundo. Filosofias como o Liberalismo e o Marxismo pensam a humanidade como uma espécie cujo destino é transcender seus limites naturais e conquistar a Terra. A sempre defendida superioridade humana é apenas ilusória e a alardeada civilidade do mundo não passa de um conceito falso. Neo-darwinista, Gray lembra que somos iguais aos outros animais e que “as espécies são apenas aglomerados de genes interagindo aleatoriamente uns com os outros e com seus ambientes em permanente mudança” (GRAY, 2005, p.19). Portanto, os humanos, assim como qualquer outro animal, não podem ser senhores de seu destino. A ideia da supremacia do homem e do “progresso da

9 humanidade”, denuncia Gray, é uma abstração reforçada pelo cristianismo e que não deveria ser levada a sério. Espécies não podem controlar seus destinos. Espécies não existem. Isto aplica-se igualmente aos seres humanos. Mas, isto é esquecido quando as pessoas falam do “progresso do ser humano”. Puseram sua fé em uma abstração que ninguém pensaria em levar a sério se não fosse constituída a partir da crença cristã (GRAY, 2005, p. 19).

Reclama, porém, o pensador inglês, não apenas do cristianismo e do humanismo secular, segundo ele “uma versão do cristianismo sem Deus”. Critica a sotereologia tanto do cristianismo quanto do islamismo, pois ambos tentam fazer o homem acreditar que tem papel central no universo e que o aguarda a salvação em outra vida. John Gray investe contra a crença nos poderes ilimitados do homem sobre as forças da natureza e em sua capacidade ilusória de resolver todos os problemas gerados pelo desenvolvimento. A recusa inicial do presidente americano de não aceitar o Protocolo de Kyoto, por exemplo, tem subjacente a crença fundamentalista de que caberá à humanidade do futuro construir soluções para os problemas deixados pela civilização contemporânea. Esse pensamento é sustentado na ideia de que o homem evolui indefinidamente. Portanto, o futuro será sempre melhor de que o passado e os problemas gerados hoje serão solucionados no futuro. O desafio do presente seria produzir para atender a demanda por consumo; o desafio para a próxima geração seria resolver os problemas ecológicos causados por essa produção. Cada problema a seu tempo. A teoria econômica subjacente ao livre-mercado global rejeita a própria ideia de escassez de recursos. Se a demanda exceder a oferta, os recursos ficarão caros. Em consequência, novas fontes serão encontradas ou vão se desenvolver alternativas tecnológicas. Nesta concepção, enquanto o sistema de preços de mercado funcionar e a inovação tecnológica prosseguir, o crescimento econômico não poderá ser descarrilado pela escassez. Para todos os propósitos práticos, os recursos naturais são infinitos (GRAY, 2004, p.74)

10 Desde o século XVIII, especialmente por conta dos ideais Iluministas, passou-se a acreditar que a expansão do conhecimento científico

e a

emancipação da humanidade andavam de mãos dadas. Os positivistas reforçaram a crença de que com o poder conferido pela ciência, a humanidade seria capaz de criar um mundo novo. Gray denuncia esse mito do desenvolvimentismo iluminista, como ilusão nociva que faz crer que a humanidade avança inexoravelmente para uma condição melhor, ou seja, em uma evolução teleológica que levaria à perfeição.

3.2 Os limites da ciência Gray é cético quanto às conquistas da ciência: “Se existe alguma coisa certa sobre este século, é esta: o poder conferido à ‘humanidade’ pelas novas tecnologias será usado para cometer crimes atrozes contra ela” (GRAY, 2004, p. 30). O uso indevido das maravilhosas ferramentas criadas pelo espírito humano se deve à fraqueza moral da natureza humana. E, segundo, o autor, “esse problema é insolúvel” (GRAY, 2005, p.31). De Marx a Lenin, passando pelos Positivistas e chegando a Francis Fukuyama, segundo Gray, todos desenvolveram suas propostas para a civilização a partir dessa premissa comum de que, com o uso da ciência a humanidade conseguiria dominar as forças da natureza e venceria o desafio da escassez de recursos. Gray discorda: A ciência nunca será usada prioritariamente para a busca da verdade ou para aprimorar a vida humana. Os usos do conhecimento serão sempre tão instáveis e corrompidos como o são os próprios humanos. Os humanos usam o que sabem para satisfazer suas necessidades mais urgentes – mesmo que o resultado seja a ruína.(...) A ciência não pode ser usada para reformar a humanidade de acordo com um molde mais racional. Qualquer nova versão da humanidade apenas reproduzirá as conhecidas deformidades de seus autores.” (GRAY, 2005, p.45).

O autor afirma com crueza que a ciência pode, no máximo, dar uma aparência mais agradável à loucura humana. Afirma que,

aos inegáveis

11 progressos alcançados pelo homem nas áreas da ciência e tecnologia, não correspondeu um aprimoramento da moral e da ética e não amenizou a pulsão humana para a destruição.

3.3 O problema é o bicho homem. Para Gray, os seres humanos diferem dos animais principalmente pela capacidade de acumular conhecimento, mas não utilizam a sabedoria acumulada para viver melhor. Embora o conhecimento humano muito provavelmente continuará a crescer e com ele o poder humano, o animal humano permanecerá o mesmo: uma espécie altamente inventiva que é também uma das mais predadora e destrutiva. Nesses aspectos, somos como os demais seres. Através dos séculos, o ser humano não foi capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu eliminar seu instinto destruidor, predatório. Por isso, afirma Gray, o mundo só estará bem quando o homem desaparecer da face da terra. Para Gray a moralidade é mais uma das superstições criadas pelo humanismo. E cita os vários genocídios perpetrados pelo homem no decorrer da história. O genocídio é tão humano quanto a arte ou a prece.(...) Assassinato em massa é um efeito colateral do progresso tecnológico. Desde o machado de pedra, os humanos têm usado suas ferramentas para trucidar uns aos outros. Os humanos são animais fazedores de armas e com uma insaciável inclinação para matar” (GRAY, 2005, p.108)

Afirma Gray que “Os humanos são como qualquer outra praga animal. Não podem destruir a Terra, mas podem facilmente danificar o ambiente que os sustenta.” (GRAY, 2005, p.28). Uma população mundial que se aproxima de oito bilhões só pode ser mantida devastando a Terra. O planeta somente ficará livre da “praga” representada pelo homem, portanto, com a redução da população que se dará, possivelmente, com as tragédias decorrentes das

12 mudanças climáticas, surgimento de novas doenças, queda da fertilidade e efeitos colaterais das guerras por recursos energéticos. Em 1600 a população humana era de cerca de meio bilhão. Só na década de 1990, ela cresceu esse mesmo tanto. As pessoas que têm hoje mais de quarenta anos viveram um período em que a população humana dobrou. Para elas, é natural pensar que esses números serão mantidos. Natural, mas equivocado – a menos que os humanos sejam realmente diferentes de todos os outros animais. (GRAY, 2005, p. 27)

E os humanos, do ponto de vista darwinista, adotado por Gray, não são. Interessante observar que John Gray não culpa o capitalismo pelos flagelos da humanidade: A destruição do mundo natural não é o resultado do capitalismo global, da industrialização, da “civilização ocidental” ou de quaisquer falhas em instituições humanas. É a consequência do sucesso evolucionário de um primata excepcionalmente rapace. Ao longo de toda a história e pré-história, o avanço humano coincidiu com a devastação ecológica (GRAY, 2005, p. 23).

Gray não dá trégua aos ecologistas, os “verdes”, pois apenas apresentam uma outra versão do humanismo, foco do combate incansável do pensador inglês. Os verdes imaginam um mundo em que os homens cuidarão com responsabilidade dos recursos naturais, com vistas à sustentabilidade. Esse pensamento, que é comum também entre os defensores do “capitalismo purificado” e está subjacente a muitas das ações de RSC, coloca nas mãos dos humanos a tarefa de cuidar dos recursos do planeta. Para Gray, é absurda e arrogante a ideia de que o planeta pode ser salvo pelos humanos. E também equivocada, pois não tem sentido colocar a Terra aos cuidados de quem a está destruindo. Segundo Gray, o homem não tem utilidade para o planeta. A Terra estará salva quando a raça humana for descartada, ou reduzida à sua insignificância como espécie, o que significa que o homem será mais um na natureza e não o seu senhor. Segundo ele, a contagem regressiva para a humanidade deixar a Terra já começou. E poderá estar zerada antes do próximo século.

13

4. Conclusão Nos estudos sobre sustentabilidade, a tendência predominante hoje parece ser aquela que busca acomodar as posições extremadas representadas pelos ultraconservadores que acreditam nos poderes mágicos do mercado e em sua capacidade auto regulatória e, de outro lado, os ecologistas que criticam intransigentemente o crescimento econômico como um mal absoluto, quaisquer que sejam as suas modalidades e os usos sociais do seu produto. John Gray foge dessa dicotomia entre bom e mau desenvolvimento, mas não se afina com a posição conciliatória. Prefere criticar a própria ideia de desenvolvimento, indo até, como visto, a um questionamento radical da validade da existência da humanidade. O desenvolvimento, quer seja sustentável ou não, é colocado pelo pensamento dominante, como um caminho para a humanidade do qual não se pode desviar. John Gray questiona essa ideia, pois critica as bases desse pensamento. Para John Gray não há como discutir a sustentabilidade como um caminho para a civilização. Para o autor, não há saída. Estaríamos condenados como os nativos da Ilha de Páscoa. Seduzidos por nossos mitos, destruímos as condições de sobrevivência na face da terra. A partir da leitura de Gray não é difícil concluir que prudência ecológica e bom uso da natureza é algo que não se pode esperar da sociedade capitalista humanista. Desde Platão, com a República, o homem vem imaginando formas de como se deveria viver no mundo e propondo modelos de organização da sociedade. Desenvolvimento sustentável, para John Gray, seria a utopia deste século: não é uma alternativa, tampouco uma saída, pois a sustentabilidade do planeta prescinde do ser humano. Os humanos, perturbaram o equilíbrio da Terra, por isso serão expurgados.

14 Se não há o que fazer para mudar o estado de coisas, resta-nos ficar com a utopia de Manoel Camilo dos Santos, poeta popular brasileiro que, em 1947, dava a sua contribuição, propondo um modelo de sustentabilidade em singelos versos. Mesmo sabendo que São Saruê é um lugar que não existe, posto que é utopia, não custa alimentar esse sonho que habita nossa imaginação. VIAGEM A "SÃO SARUÊ"4 "Doutor mestre pensamento me disse um dia: - Você Camilo, vá visitar o país "São Saruê" pois é o lugar melhor que neste mundo se vê. (...) Lá existem tudo quanto é beleza tudo quanto é bom, belo e bonito, parece um lugar santo e bendito ou um jardim da divina Natureza: imita muito bem pela grandeza a terra da antiga promissão para onde Moisés e Aarão conduzirão o povo de Israel, onde dizem que corriam leite e mel e caia manjar do céu no chão.

4

Viagem a São Saruê, escrito em 1947 por Manoel Camilo dos Santos (1905-1987), é considerado um dos maiores clássicos da literatura de cordel.

15 Tudo lá é festa e harmonia amor, paz, benquerer, felicidade descanso, sossego e amizade prazer, tranquilidade e alegria... (...) -oBIBLIOGRAFIA FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1988. Gray, John. Cachorros de Palha. Rio: Record, Rio, 2005 ._____. Al-Qaeda e o que significa ser moderno. Rio: Record, 2004. ._____. Entrevista para a Revista Veja - Edição 1932, 23.11.05. ._____. Entrevista para a Revista Época - Edição 397 - 26.12.05 DIAMOND, Jared. Colapso - Como as sociedades optam entre o fracasso e a sobrevivência. Rio: Record, 2005. ._____. Armas, germes e aço – os destinos das sociedades humanas. Rio: Record, 2006 GRAYSON, David e HODGES, Adrian. empresarial. São Paulo: Publifolha, 2002.

Compromisso

social

e

gestão

MACHADO FILHO, Cláudio Pinheiro. Responsabilidade social e governança: o debate e as implicações. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006. URSINI, Tarcila Reis e BRUNO, Giuliana Ortega. A gestão para a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável Revista da FAT (FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA), edição Jun/Jul/Ago 2005. Disponível no link Artigos em http://www.uniethos.org.br – Acesso em 09.09.06.

Curitiba – Outubro 2006

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