A integração sul-americana: cooperação, redes e produção do conhecimento (PDF)

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Os Desafios da Integração Sul-Americana: autonomia e desenvolvimento

Ingrid Sarti José Renato Vieira Martins Mônica Leite Lessa Glauber Cardoso Carvalho (organizadores)

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Copyright©2014 by Os autores e Fórum Universitário do Mercosul – FoMerco

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a devida citação Capa e Diagramação: Letra e Imagem Editora Imagem da capa: Torres Garcia

Esta é uma obra coletiva composta por artigos de autoria de participantes do XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco, realizado entre 23 e 25 de outubro de 2013, e por depoimentos dos participantes no decorrer da realização do Congresso à repórter Marilu Cabañas (Rádio Brasil Atual), gentilmente cedidos ao FoMerco. Os direitos e responsabilidades sobre os artigos e suas opiniões são dos autores que os enviaram para publicação.

D441

Os desafios da integração sul-americana: autonomia e desenvolvimento. [livro eletrônico] –

Organização: Ingrid Sarti ... [et al.] – Rio de Janeiro: Folio Digital / Fomerco, 2014. 3429k (PDF) ISBN: 978-85-61012-38-0 1. Integração regional. 2. América do Sul. 3. Autonomia. 4. Desenvolvimento. 5. FoMerco. I. Sarti, Ingrid. II. Martins, José Renato Vieira. III Lessa, Mônica Leite. IV. Carvalho, Glauber. V. Título CDU 332.135

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Sumário APRESENTAÇÃO

Integração sul-americana, os desafios de um projeto estratégico

Ingrid Sarti

I. Panorama da Integração da América do Sul DEPOIMENTOS*

Ennio Candotti Ivan Ramalho ARTIGOS Integração regional e acordos de livre comércio

Samuel Pinheiro Guimarães La integración regional como proyecto estratégico y la participación popular

Mariana Vázquez

II. Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e a nova arquitetura financeira da integração no Século XXI INTRODUÇÃO Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e arquitetura financeira

Raphael Padula DEPOIMENTO

Ricardo Canese ARTIGOS Sobre a arquitetura da integração no século XXI

André Calixtre Desenvolvimento dos recursos naturais como eixo dinâmico da Integração regional

José Carlos de Assis Por una integración que integre, por un desarrollo que libere

José Felix Rivas A construção da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo das contribuições de Nurske, Rostow, Myrdal e Furtado

Vera Alves Cepêda e Rafael Gumiero

III. Cooperação internacional, direitos e produção do conhecimento 4

INTRODUÇÃO A integração sul-americana: cooperação, redes e produção do conhecimento

Glauber Cardoso Carvalho ARTIGOS Tecnología e Innovación para la Inclusión Social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiar

Hernán Thomas, Santiago Garrido, Mariano Fressoli, Paula Juarez e Lucas Becerra Integração, defesa e outros desafios da Amazônia

Alexandre Fuccille Pensar la cooperación, integración y producción del conocimiento desde perspectivas no hegemónicas

Anibal Oruê Pozzo Institucionalidad pública para la protección y promoción de los Derechos Humanos en el Mercosur

Paula Rodriguez Patrinós

IV. Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prática INTRODUÇÃO Desafios da Democracia, desigualdades, teoria e prática

Flávia Guerra Cavalcanti DEPOIMENTO

Williams Gonçalves ARTIGOS Integração regional e democracia: processos entrecruzados na América do Sul (?)

Aragon Érico Dasso Junior Eleições para parlamentos regionais e percepção sobre a integração

Karina Pasquariello Mariano Migraciones e integración regional: el caso argentino

Susana Novick Conjuntura e mobilizações no Brasil: direitos, centavos, fumaça e vinagre

Gisálio Cerqueira Filho

V. Cultura Contemporânea na América Latina INTRODUÇÃO Cultura Contemporânea na América Latina

Leonardo Valente DEPOIMENTO

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Cultura e transição: como enfrentar o neoliberalismo**

Antonio Albino Canelas Rubim ARTIGOS Creatividad para la inclusión social en Argentina, en torno a la cuestión de los derechos culturales

Ana Wortman Punição, cultura religiosa e Direitos Humanos

Gizlene Neder De Antonio Mamerto a Gauchito Gil: estrategias de control y formas de resistencia popular en una región de frontera entre Argentina y Brasil

José Renato Vieira Martins Imagens da identidade na perspectiva da integração

Maria Luiza Franco Busse Acordos globais e existências regionais: a inserção da cultura brasileira no Mercosul, 2010-2014

Mônica Leite Lessa

Programa do XIII Congresso

Ficha Técnica

Colaboradores

* Depoimentos. Extratos de entrevistas concedidas à repórter Marilu Cabañas, Rádio Brasil Atual, no decorrer do XIV FoMerco e disponíveis em www.fomerco.com.br **Transcrição de fala do autor durante Simpósio no XIV FoMerco

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APRESENTAÇÃO

Integração sul-americana, os desafios de um projeto estratégico Este livro reúne uma seleção de textos e depoimentos que buscam analisar as implicações, os problemas e os avanços do processo de integração da América do Sul no século XXI. Foram extraídos dos simpósios e painéis realizados durante o XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco, em 2013, na Universidade Federal de Tocantins, em Palmas, 1 e agora se somam à produção originada no âmbito dos sete últimos Congressos Internacionais do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco. 2 Intelectuais e pesquisadores oriundos de diferentes instituições e nacionalidades muitas vezes divergem nas avaliações do processo da integração sul-americana vigente. Contudo, há um ponto de partida conceitual comum à literatura desenvolvida pelos colaboradores do FoMerco. Trata-se do reconhecimento de que se inaugura um ciclo virtuoso na política do continente, como estratégia de inserção soberana da região e condição de superação do tradicional papel subalterno de periferia do capitalismo a que foi relegada desde seus primórdios, quando se elege a autonomia da política externa associada ao propósito do desenvolvimento econômico-social. Em suma, um marco conceitual de integração que se apoia sobre uma noção de autonomia dada pela afirmação dos blocos regionais e pela recusa dos acordos de livre-comércio bilaterais, principalmente com as potências hegemônicas. A autonomia entendida como condição de possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano através da construção “de um bloco econômico e político na América do Sul, próspero, democrático e soberano”, como descreve Samuel Pinheiro Guimarães. 3 É certo, e convém manter em perspectiva, que um longo processo de integração na prolongada busca por emancipação do continente antecedeu o projeto vigente em distintas etapas. 4 Contudo, o que se destaca, é que desde sua posta em prática por governos eleitos no início dos 2000, quando se traçam as diretrizes de um projeto político cujas metas e policies se alinham a um campo socialista e democrático disposto a enfrentar e superar a hegemonia do mercado, a integração como política pública passa a ser um divisor de águas na história do continente. 5 Um dos marcos dessa renovação política regional foi a 4ª Cúpula das Américas, realizada em 2005 com apoio expressivo das organizações sociais e partidos políticos, que refutou a Área de Livre Comércio das Américas - Alca, projeto neocolonizador que pretendia consolidar o “novo regionalismo” aberto aos mercados mediante a realização de acordos de livre-comércio bilaterais que fortaleceriam o vínculo de dependência da região à potência hegemônica. A pretensão da Alca foi derrotada porque o Mercosul enfatizou sua proposta de superação da dimensão estritamente comercial com a ampliação da pauta e do território da integração. Porque revelou-se prioridade o desenvolvimento econômico e social com ênfase na inclusão social, na redução das assimetrias e desigualdades sociais e culturais em cada país e no âmbito das relações regionais. Essa proposta expressa também a vontade política que enseja a plena conversão da política externa soberana dos países sul-americanos à multipolaridade nas relações internacionais, impulsionada pela dupla estratégia de formação do bloco regional e aproximação a outros países emergentes da Ásia e da África. E esse traço identificatório desse modelo de integração sul-americana foi uma constante reiterada pelo representante do Itamaraty, Reinaldo Salgado, e pelos ex-chanceleres do Uruguai, Roberto Conde, e do Paraguai, Jorge Lara Castro, integrantes do painel de abertura do XIV Congresso coordenado por Geronimo de Sierra. 6 Já em sua concepção, esse projeto de integração aponta alguns importantes desafios para responder à crise capitalista que se manifesta no centro hegemônico desde 2008 e para simultaneamente assegurar uma presença marcante da região no cenário internacional. Vejamos 7

alguns deles, que serão retomados nas análises dos autores deste livro, a seguir. Numa região profundamente assimétrica, assume-se a necessidade de criação de um polo de integração de todo o continente reafirmando-se que Estado algum teria condições de, por si só, alcançar um desenvolvimento econômico igualitário e sustentável – o que tanto se aplica ao Brasil, potência emergente no mundo, como à Venezuela com sua riqueza petroleira. O desafio consiste em preservar a meta da redução das assimetrias no contexto de responsabilidades e atribuições distintas e desiguais, de acordo com as necessidades e os recursos assimétricos de cada Estado. Nesse marco inovador, levando-se em conta a fragilidade da institucionalidade da integração no continente, as divergências de interesses intranações requerem um constante diálogo político a ser viabilizado pelo exercício permanente da diplomacia presidencial. É, portanto, um modelo que, sem negar os conflitos potenciais, se reconhece no presidencialismo característico dos regimes políticos da região e como tal se declara vinculado a um projeto político de desenvolvimento da nação intrinsicamente ligado ao da região, como já observou Emerson (2014). O segundo desafio remete à importância atribuída à participação social, interna e regionalmente, em um processo de criação de mecanismos institucionais democráticos no que tange todo o processo de tomada de decisão de políticas públicas e sociais na região. No âmbito dos debates do FoMerco, sua relevância tem sido sistematicamente enfatizada por Luiz Dulci, ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência da República (2003 a 2010), em suas iniciativas institucionais de participação social, dentre as quais o Mercosul Social e o Conselho de Participação Social do Mercosul. 7 Aqui, em seus textos, autores como Mariana Vázquez, e em seu depoimento, Ivan Ramalho, também destacam o caráter estratégico de políticas sociais ancoradas na participação popular para o êxito da integração soberana e democrática. Sobre as políticas sociais em sua institucionalização no âmbito do Mercosul, 8 destacam-se também a acurada análise do processo de migrações de Susana Novick e o relato de Paula Rodriguez Patrinós sobre o mais recente empenho ao tratamento do tema dos Direitos Humanos. Os avanços obtidos nessas áreas, contudo, contrastam com as deficiências do desempenho do Parlamento do Mercosul - Parlasul, descritas por Karina Pasquariello Mariano, e com a morosidade das políticas de combate à violência e proteção à juventude frente à virulência do crime organizado, apontada por Gisálio Cerqueira Filho. Outra característica que ressalta a observação da integração sul-americana consiste na necessidade de articulação da variedade de blocos existentes desde sua origem, que será expandida com a criação de novos blocos, todos relevantes e atuantes em “processos entrecruzados”, como analisa Aragon Érico Dasso Jr. Note-se que enquanto o Mercosul completou 20 anos em 2011, a União das Nações Sul-Americanas - Unasul foi criada só em 2008. 9 E, posteriormente, a Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos - Celac, em 2010. Mais importante, entretanto, e que configura um terceiro desafio e problema que põe em xeque a autonomia da integração em marcha é a coexistência de Estados cujas práticas políticas de cooperação internacional privilegiam a realização de tratados comerciais bilaterais com a potência hegemônica, como é o caso de Chile, Colômbia e Peru. Note-se, porém, que esses mesmos Estados convergem com a integração sul-americana em outros aspectos também relevantes, como a defesa do continente com a construção estratégica de uma infraestrutura financeira, de energia e de transportes na América do Sul. O tema da infraestrutura regional também tem sido objeto de pesquisas dos colaboradores do FoMerco, 10 como em simpósio coordenado por Frederico Katz e relatado por Raphael Padula. Interrogando-se sobre as escolhas dos modelos de desenvolvimento no contexto de crise internacional e a sobre a busca de políticas alternativas na região, as questões referentes ao planejamento dos recursos naturais e às condições de construção da arquitetura financeira e de consolidação da infraestrutura foram submetidas à uma discussão aprofundada por André Calixtre, Ricardo Canese, José Carlos de Assis e José Felix Rivas. Sempre lembrada, a decisiva herança intelectual de Celso Furtado volta reiterada em texto de Vera Alves Cepêda e Rafael Gumiero. 8

Das questões das políticas de defesa contidas na agenda do desenvolvimento integrado debatidas em painel coordenado por Thomas Heye, fica o registro crítico de Alexandre Fuccille que aguarda os efeitos do Conselho de Defesa na Unasul na expectativa de um avanço expressivo nas políticas que contemplam segurança e defesa nacionais na Amazônia. 11 Ennio Candotti avalia as dificuldades na Amazônia e enfatiza a pobreza como questão estratégica premente também para o avanço da defesa, à medida que esta não permite a seus habitantes sequer operar equipamentos de comunicação: “não é defensável, não há exército que consiga defender uma terra que é habitada por gente muito pobre”. A trajetória combativa de Ennio Candotti revela-se uma vez mais em suas observações sobre o significado e a importância das tecnologias sociais: “são as que permitem não só aliviar a fadiga humana, mas que possibilitam a inclusão no mercado de trabalho e na geração de rendas para o nosso povo.” Na mesma linha, a criatividade da equipe de pesquisadores da Universidad Nacional de Quilmes (Buenos Aires) sobre a inovação do conhecimento e as relações entre desenvolvimento tecnológico e inclusão social, liderada por Hernán Thomas e composta por Lucas Becerra, Mariano Fressoli, Paula Juarez e Santiago Garrido, retorna ao FoMerco 12 para apresentar a análise crítica de um estudo no campo das energias renováveis e da agricultura familiar que questiona as estratégias de políticas baseadas na suposta “transferência de tecnologia” implantadas sem o conhecimento e o diálogo com as populações-alvo. Igualmente atentos para a importância da participação da sociedade civil nos estudos e projetos sobre desenvolvimento tecnológico, o painel sobre “Tecnologias sociais, cooperação internacional e produção do conhecimento” coordenado por Gonzalo Berrón e relatado por Glauber Cardoso Carvalho reiterou a relevância de um tema que se constitui no quarto desafio posto à integração sulamericana: a necessidade de criação de uma dinâmica de construção coletiva do conhecimento entre a comunidade acadêmica, os formuladores de políticas e os usuários de novas tecnologias, em um processo de aprendizagem e reflexão coletivo. Pensar a cooperação, a integração e a produção do conhecimento de uma perspectiva geopolítica requer conhecermo-nos mais e melhor, concordam os integrantes desse painel quando discutem os avanços no campo da educação com a criação de novas universidades – como a da Integração LatinoAmericana – Unila – e refletem sobre os inúmeros gargalos a serem solucionados. Anibal Oruê Pozzo, Daniela Perrotta e Geronimo de Sierra são alguns dos participantes que enfaticamente reiteram a importância de se sistematizar um pensamento crítico integracionista – o que o Presidente Lula denominaria de “uma doutrina da integração” para o continente. As relações de cooperação internacional, a mobilidade de alunos e professores de acordo com as especificidades de cada universidade, uma inovação da gestão universitária e o amplo reconhecimento dos diplomas são alguns dos temas de política educacional de nível superior que ainda devem ser revistos passo a passo para que as metas aspiradas sejam colimadas. Questionam-se, particularmente, os critérios de avaliação da produção científica baseados no paradigma quantitativo-competitivo de produtividade que - apesar de todas as transformações ocorridas na primeira década da integração - ainda submetem a produção do conhecimento justamente aos padrões hegemônicos que a integração repudia. Refém desses critérios, a Universidade ainda está por superar as marcas de sua etapa neoliberal para poder promover os valores e as práticas da democracia. A ênfase na produção do conhecimento como instrumento de mobilização da juventude no marco da integração foi também destaque no Simpósio “Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prática”. Encontrar novas formas de diálogo com o movimento social urbano no contexto atual de descrédito da política e, particularmente, dos partidos políticos, é mais um desafio – o quinto – que se impõe para um processo civilizatório que tem na integração um instrumento de consolidação democrática. Williams Gonçalves, ao mesmo tempo em que chama a atenção para a importância do trabalho intelectual de pesquisa para entender e propor políticas de integração que aprofundem a democracia no continente, aponta a distância entre os formuladores de políticas e os povos. O 9

Simpósio, tal como registrado no relato de Flávia Guerra Cavalcanti, uma vez mais enfatizou a necessidade de novos canais de participação e divulgação da integração regional por aqueles que a promovem. Uma integração que pretende superar a dimensão estritamente econômica e ampliar sua pauta e seu território já nasce destinada a enfrentar os temas relativos não só à produção mas à divulgação do conhecimento, tão caros à autonomia de seus povos e ao projeto de soberania em um mundo marcado por desiguais avanços científicos e tecnológicos. Em suma, enfrentar a fragmentação do conhecimento e buscar a multidisciplinaridade continuam sendo desafios para a cooperação regional em tempos de extraordinária inovação dos meios de comunicação. Mais do que transversal, o tema da cultura se impõe com relevância pois é o que nos identifica na diversidade e se deveria revelar na produção do conhecimento. No entanto, como no Simpósio de Abertura do XIV Congresso, coordenado por Mônica Leite Lessa e relatado por Leonardo Valente, constata-se que o debate sobre pensamento latino-americano e as expressões culturais do continente continuam pautados pelo poder midiático hegemônico. O papel da cultura como fator de integração regional foi resgatado desde suas versões históricas de luta por direitos, nas análises de Gizlene Neder, passando por dimensões religiosas, como a narrativa do Gauchito Gil, aqui apresentada por José Renato Vieira Martins, até as mais recentes manifestações de busca de identidade social tanto na imagem do poder, segundo Maria Luiza Franco Busse, como nas manifestações criativas de gestão e resistência cultural dos “barrios” argentinos na fatura de Ana Wortman, ou nas políticas e ações culturais estabelecidas nos marcos da integração, segundo Mônica Lessa. Se saber é poder, a América do Sul tem uma batalha a travar em muitas frentes para resistir à mídia monopolista que se perpetua na assimetria mundial em plena Era do Conhecimento. A luta pela regulamentação do poder midiático debatida com frequência nos Congressos do FoMerco (Sel, 2013) e a busca de alternativas culturais a essa hegemonia são condições de um êxito possível de cada sociedade e de todas integradas no continente sul-americano. Intelectual especialista nas relações entre poder e mídia da Universidade Federal da Bahia, atualmente Secretário de Cultura do governo da Bahia, Antonio Albino Canelas Rubim sublinha o papel estratégico da dimensão cultural na superação do neoliberalismo e revisita a trajetória bem sucedida dos governos progressistas, apontando também seus gargalos. Enfatiza a necessidade de promoção de políticas públicas que assegurem “um intercâmbio e cooperação bem mais intensos que os atuais, através de uma pluralidade de instituições, movimentos e dispositivos, que inclusive tornem mais conhecido e compartilhado o enfrentamento que tem se dado no campo cultural em cada um desses países.” À guisa de conclusão de dois dias de intensos debates, cabe observar que a trajetória recente da América do Sul revela um continente que, em plena crise do capitalismo global, se converteu em um dos pilares da autonomia e do revigoramento das instituições democráticas, do desenvolvimento econômico e da diminuição da pobreza. A integração foi a estratégia política adotada em concepção simultaneamente, econômica, política, social e cultural, que busca enfrentar e superar as assimetrias que constrangem o continente. Afirma-se a relevância das políticas sociais e se busca promover o avanço da educação, da ciência e da tecnologia em novas formas de produção do conhecimento. Contudo, a integração sul-americana, tal como concebida neste milênio, é um processo em construção e imensos desafios permanecem nesse continente ainda marcado por profundas desigualdades sociais e em contexto internacional de crise que se distancia de uma multipolaridade de fato. No âmbito do Mercosul e da Unasul, a despeito de uma vasta produção analítica, anda não dispomos de uma sistematização do conhecimento que permita o levantamento dos recursos naturais, industriais, científicos e culturais de nosso continente e propicie o diagnóstico de gargalos existentes para uma formulação de políticas mais adequada. Embora ainda incipiente, a formação de redes como o Fórum Universitário Mercosul - FoMerco, é uma pequena demonstração de que é possível refletir e propor alternativas às políticas que visam efetivamente às mudanças profundas e que requerem o avanço da integração de nossos Estados, nossos povos e culturas. O que aqui se destaca, portanto, é o imperativo 10

de uma reflexão aprofundada sobre as políticas de integração na América do Sul, cuja especificidade é chave para o debate político, público e democrático. Constata-se que, com estilos e recursos próprios – e a despeito das diversidades de cada Estado, como sugere o desenho assimétrico da geopolítica continental – em linhas gerais, na última década foram privilegiadas as políticas de inclusão social e mantida a meta da autonomia no cenário internacional impulsionada pela dupla estratégia de formação do bloco regional e aproximação a outros países emergentes de Ásia e África. Os trabalhos aqui apresentados dedicam-se a pesquisar e refletir sobre esse processo ousado que requer uma sólida e entusiasta vontade política e uma permanente renovação de suas diretrizes para que elas sejam traduzidas em políticas e planejamento de governo voltadas para a realização das metas desejadas. Inegáveis avanços que confirmam a escolha do rumo certo não escondem, contudo, o quanto ainda há que caminhar. Afinal, se hace camino al andar. Agradecemos a inestimável colaboração da jornalista Marilu Cabañas e à Rádio Brasil Atual a gravação e ampla divulgação de todos os depoimentos prestados pelos participantes do XIV Congresso do FoMerco, disponíveis em ambos os sítios. 13 Agradecemos em especial ao apoio institucional e à solidariedade de Gonzalo Berron, Rosa Freire de Aguiar e Moira Paz Estensoro, representantes, respectivamente, da Friedrich Ebert Stiftung, do Centro Internacional Celso Furtado e do Banco de Desenvolvimento da América Latina - CAF. Nas pessoas do Reitor Marcio Silva e da professora Mônica Aparecida da Rocha e Silva, agradecemos a acolhida e a colaboração dos docentes e técnicos da Universidade Federal de Tocantins - UFT. O XIV Congresso do FoMerco não teria ocorrido sem o suporte das instituições públicas brasileiras de apoio à Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – as federais CNPq e Capes e as estaduais Faperj e Fapesp –, cuja confiança agradecemos e valorizamos como reconhecimento ao trabalho que o FoMerco vem desenvolvendo há bem mais de uma década. Ingrid Sarti Rio de Janeiro, Junho de 2014

Referências CODAS, G.

O Brasil nas relações Sul-Sul e na integração regional da América do Sul: uma agenda de estudo e debate. São Paulo: Friedrich Ebert Stiftung, 2013. _______. Paraguay, 22 de Junio de 2012: un golpe contra la integración regional de América del Sur. In: Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. op.cit., 2013. COSTA, D.

A América do Sul: o destino do Brasil. In: Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. op.cit., 2013. EMERSON, G.

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Rethinking regionalisms in times of crisis: a collection of activists´perspectives from Latin America, Asia, Africa and Europe. Rio de Janeiro: Equit Institute, 2013. FORTI, A.

Cooperación hacia dentro y disuasión hacia fuera: la Defensa y los recursos naturales en Suramérica. In: “Foro de la Unión de Naciones Suramericanas sobre Ciencia, Tecnología, Innovación 11

e Industrialización en América del Sur”, Rio de Janeiro, 2013 (no prelo). LIMA, M. R. S.

Inserção Internacional e Política Externa do Governo Lula. In: ROQUE, BITTENCOURT E COSTA (org.). Pensando uma agenda para o Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Inesc, 2007. MARTINS, J. R. ALBUQUERQUE, C. E GOMENSORO, F.

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Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

MELLO, C.

Integração, democracia e tecnologias de inclusão social. In: Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. op.cit., 2013. THOMAS, H.; BECERRA, L.; FRESSOLI, M. Y BORTZ, G.

Ciencia y tecnología para la inclusión y el desarrollo: opciones de política pública para Argentina y Brasil, 2013. In: Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. op.cit., 2013. DIAS, R.

Tecnologias sociais no Brasil: análise do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). In: Por uma integração da América do Sul no século XXI. op.cit., 2013. SEL, S.

La comunicación en el Mercosur. Entre políticas nacionales y la integración regional. In: Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. op.cit., 2013. SARTI, I.

A arquitetura política e os desafios da institucionalidade na integração sul-americana. In: Cerqueira Filho, G. (org). Sulamérica, comunidade imaginada: emancipação e integração. Niterói: EdUFF, 2011. _______. L´architecture politique de l´intégration sud-americaine: le rôle du Brésil. In: DUFRESNE & MAGGI-GERMAIN (ed.). Les transformations des relations professionnelles en Europe et en Amérique Latine. Presses Universitaires de Rennes, 2014. VIGEVANI, T. E CEPALUNI, G.

A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto Internacional, vol. 29, nº 2, Rio de Janeiro, PUC-RJ, 2007.

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I. Panorama da Integração da América do Sul DEPOIMENTOS*

Ennio Candotti Ivan Ramalho

ARTIGOS

Integração regional e acordos de livre comércio Samuel Pinheiro Guimarães

La integración regional como proyecto estratégico y la participación popular Mariana Vázquez

* Depoimentos. Extratos de entrevistas concedidas à repórter Marilu Cabañas, Rádio Brasil Atual, no decorrer do XIV FoMerco e disponíveis em www.fomerco.com.br

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DEPOIMENTO

Ennio Candotti

Professor, eu gostaria que o senhor falasse a respeito da sua explanação de hoje. O senhor estava chamando a atenção de alguns professores sobre o quanto o mercado da China está sendo agressivo também. Eu parti de duas premissas: uma foi a conclusão do painel de abertura de ontem a noite em que tanto o Roberto Conde, senador do Uruguai, como o Samuel Pinheiro Guimarães insistiram que precisamos da integração latino-americana para fazer frente aos desafios da economia mundial e, sobretudo, ter uma presença marcante no cenário de intercâmbios comerciais. Acrescentei a isso o quanto a América Latina integrada representa: um mercado de 300 milhões de almas e de uma grande extensão territorial com recursos naturais importantes. Então é o mercado interno da América do Sul que está em jogo. Daí eu retirei da Folha de hoje, quinta-feira, 24/10/13, a notícia de que há em São Paulo uma exposição de produtos têxteis chineses que tem sido muito contestada pelos sindicatos que estão fazendo uma manifestação pacífica mas bastante incisiva lembrando que nos últimos cinco anos a indústria de manufaturados têxteis no Brasil reduziu o emprego de três milhões para um milhão e 300 mil trabalhadores na área. Ou seja, se perderam por conta das importações chinesas cerca de 1 milhão e 700 mil empregos. Isso é um desastre, isso é terrível. Como conciliar isto? Obviamente devemos enfrentar a China não apenas como um parceiro comprador de matérias-primas brasileiras, mas como um rival na ocupação do mercado interno brasileiro. Devemos então melhorar nossa competitividade? Devemos, mas também devemos encontrar instrumentos de governo e planejamento capazes de dar competitividade aos produtos brasileiros. Os sindicalistas e os manifestantes mostravam na manifestação que as empresas chinesas gozam de benefícios, incentivos fiscais e incentivos de governo muito superiores aos nossos, e que dessa forma os nossos não podem competir nem mesmo se zerassem o lucro e cobrassem apenas a soma dos salários, mesmo que reduzidos, e das matérias-primas. O senhor usou o termo “inimigo”... Sim, sim, um adversário respeitável! Estamos em uma situação de guerra comercial; uma guerra boa para estreitar os laços entre os produtores e para chamar a atenção do nosso governo e dos nossos parceiros na América Latina que fora da união e da colaboração não há salvação. É uma guerra comercial e a devemos enfrentar. Se não são produtos chineses, são os produtos americanos. Ontem mesmo o Samuel Pinheiro Guimarães disse que os EUA, para sair da crise, emitiram moeda e desvalorizaram o dólar e com isso tornaram seus produtos competitivos nos mercados do Sul com um artifício, que em princípio os próprios EUA e a Organização Mundial do Comércio condenam, se chama dumping. Estamos sim numa guerra comercial e nela os chineses ocupam uma posição ambígua. Por vezes são vistos como aliados na exploração das matérias-primas e são grandes parceiros comerciais na compra de minérios, mas são rivais, competidores na venda de manufaturados, usam práticas comerciais agressivas para ocupar os mercados sul-americanos. Tanto o mercado argentino no Brasil como o mercado brasileiro na Argentina. O Brasil era o principal parceiro comercial da Argentina e o principal exportador para a Argentina, e a Argentina para o Brasil. Essa posição agora está passando para a China. Isso deveria preocupar muito, não podemos ceder os nossos mercados aos chineses. Então devemos nos preparar para essa disputa comercial; amigos sim, aliados, mas os interesses nacionais devem prevalecer para preservar os empregos e o nosso desenvolvimento, senão daqui a pouco estaremos de pires na mão mendigando como um país africano abandonado por Deus e 14

pelos agentes econômicos. Então, esse era o ponto de partida. Agora, como enfrentar isso? Obviamente estávamos falando em uma mesa-redonda que tinha como título “Tecnologias sociais e a geração de conhecimento”. Então precisamos entender o que significam as tecnologias sociais: são as que permitem não só aliviar a fadiga humana, mas que possibilitam a inclusão no mercado de trabalho e na geração de rendas para o nosso povo. Não basta dizer que milhões de brasileiros foram incluídos na sociedade de consumo, é preciso incluí-los na sociedade de trabalho para que esse consumo e trabalho sejam estáveis e possam crescer e ser melhor remunerado. Isso, então, exige a produção de tecnologias específicas para esse fim. Eu poderia dizer: “eu vivo na Amazônia e faltam-nos geradores de energia capazes de funcionar com biomassa, ou produção de biocombustíveis a partir da biomassa da floresta que não deixe resíduos tóxicos”. O problema é um desafio tecnológico complexo, mas que poderia mobilizar nossos melhores laboratórios tecnológicos para resolvê-lo. Por que isso? Porque a economia de todo o povo que vive ao longo dos rios depende da pesca, dos peixes. As comunidades de pescadores estão distantes centenas de quilômetros dos centros urbanos e precisam de refrigeração, e refrigeração depende de energia. Hoje, essa refrigeração é fornecida por geradores que funcionam a diesel e gasolina. O diesel e a gasolina custam três, quatro vezes mais por litro lá no interior do que nos centros urbanos. Ou seja, são preços proibitivos para povoados e gentes que vivem muito modestamente, que vivem quase de troca, de pesca, banana e mandioca. Pescam, plantam e têm uma renda monetária muito pequena. Então a geração de energia barata representa muito, não só para o bem-estar dessas gentes, mas para a própria segurança da Amazônia. Em geral, se fala das dificuldades de defesa da Amazônia. O nosso grande desafio é que uma Amazônia ocupada por gente pobre, sem condições de operar equipamentos de comunicação, não é defensável, não há exército que consiga defender uma terra que é habitada por gente muito pobre. Então, é uma questão estratégica. É mais importante dar ao povo da Amazônia – e aí vale para a Pan-Amazônia, a Amazônia que abrange os países vizinhos, Peru, Guianas, Colômbia, Venezuela e Bolívia –, mais vale dar a eles as condições de gerar renda do que comprar os aviões Grispen ou Mirage que dificilmente vão nos ajudar na defesa da Amazônia. O sr. mencionou o papel dos indígenas na defesa do Vietnam e na derrota do exército dos EUA em 1970... Sim, aí eu lembrei, o Vietnam derrotou os EUA e impôs uma derrota humilhante graças à participação do povo que vive nos seus igarapés, nos seus rios, no interior, que se envolveu na guerra como protagonista, não apenas como soldado, mas abrindo uma rede de cumplicidade na floresta que permitiu aos exércitos vietnamitas se mover “como peixes na água” e tornaram um inferno a vida dos soldados americanos. É um exemplo magnífico para mostrar que guerras às vezes se vencem com conhecimento dos ambientes de batalha e que as bicicletas e fuzis podem vencer bombardeiros e canhões que na floresta se revelaram pouco eficientes. Basta andar na floresta para saber disso. Se essas são as premissas, quais são as soluções? Eu vejo no nosso horizonte alguns projetos que estão em sintonia com a integração política dos países amazônicos. Por exemplo, nós deveríamos ter cem mil estudantes dos países latino-americanos envolvidos nesse projeto de integração latino-americana. Que sejam brasileiros em países vizinhos, ou que sejam estudantes bolivianos, peruanos, venezuelanos, argentinos, chilenos, uruguaios, que venham ao Brasil. Então o “Ciência Sem Fronteiras”, que é uma das pérolas da coroa, poderia ser estendido, com igual escala, para os estudantes latino-americanos. Por quê? Está-se mandando os jovens para estudar engenharia lá fora para melhorar a competitividade da nossa indústria, para internacionalizar a juventude. E, com isso, pelo que dissemos antes, vemos que não bastará ser mais competitivos, precisaremos alargar, dar novas dimensões ao nosso universo cultural, científico e tecnológico para que ele seja respeitado no cenário internacional. Se nós queremos de fato ocupar uma posição de destaque entre os Brics, um Brasil com 200 milhões é ainda pequeno, mas se juntarmos os países da América Latina, chegamos a 400 milhões, um mercado de porte respeitável.

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O sr. chegou a falar de recursos hídricos... Sim. Devemos pensar em viabilizar o que foi apresentado pelo Roberto Conde ontem a noite. Que se fabrique parte de determinados equipamentos no Uruguai, parte no Brasil, parte na Argentina, que se montem no Paraguai, que a construção seja comum. Na Europa se faz assim. Uma coisa é feita na Alemanha, outra na França; os aviões da Airbus se fazem em três ou quatro lugares. Por que nós não poderíamos pensar em um sistema desses, a ser implementado em prazos longos. Devemos, para isso, unificar a formação dos recursos humanos? Há projetos desse tipo, mas são tímidos, e não podem se limitar à formação de gente, há também grande necessidade de conhecer melhor a nossa terra. Por quê? O conhecimento que temos até agora é o conhecimento funcional a um desenvolvimento da economia de mercado assim como ela está, uma economia que admite grandes bolsões de pobreza e que não foi capaz de reduzi-los até agora por meios de mercado; se eles foram reduzidos foram por específicas decisões de governo. É preciso conhecer mais e melhor o nosso povo, não só o brasileiro, o venezuelano, o boliviano, o peruano, o equatoriano. Se conhecemos pouco da Amazônia brasileira, se incluirmos a Amazônia dos outros países, a cartografia social que conhecemos é muito pobre. É muito difícil promover uma integração de territórios e comunidades mal conhecidas. Há desafios para os cientistas sociais, para os planejadores, para os políticos, para os programas multidisciplinares de ciências, para dar resposta a essas questões. Não só nas áreas humanas, desconhecemos grande parte do patrimônio genético da Amazônia, para não falar de outros biomas como o cerrado, pantanal etc. – que são compartilhados com outros países. Conhecer mais deve ser nosso propósito de integração sulamericana. É fácil explorar os recursos naturais, minerais e hídricos, mas difícil evitar a predação e melhorar o IDH regional. Um navio de ferro vale um pouco mais que uma mala de chips, ou vale o mesmo que um pequeno frasco de veneno de jararaca. Criar cobra para tirar veneno. Por que não? Os indianos fazem isso. Há um mercado de toxinas, fungos especiais que poderia ser muito bem explorado, mas é preciso investir, é preciso conhecer mais, se dedicar a isso. Os minérios... a gente vai cavando, bota num navio e manda embora ... e deixa um buraco. No caso dos recursos naturais podemos explorá-los de maneira inteligente, cautelosa, cuidadosa, e ter rendas muito superiores. O futuro depende de maior conhecimento para oferecer recursos naturais ao nosso povo para que ele possa extrair renda. Para criar aranhas e cobras é preciso ter muita habilidade, e essa habilidade nossos ribeirinhos têm de sobra. Quem não tem somos nós ou os planejadores de Brasília, que nem imaginam como se poderia entrar ou sair da floresta. Outra questão é a dos recursos hídricos. Um dos sistemas geológicos mais aglutinadores do Mercosul, hoje, é o aquífero Guarani, que tem sido estudado com cuidado e hoje se encontra razoavelmente mapeado. Mas se eu disser a você que embaixo da Amazônia toda tem um aquífero maior que o Guarani e que envolve Bolívia, Peru, Venezuela, etc., você vai dizer que nem sabe disso. Isso é o que espanta. Um dos grandes tesouros de reserva de água doce do planeta não é conhecido, não está mapeado. De Belém até Manaus temos o aquífero Alter do Chão, de Manaus até os Andes, temos o aquífero Amazonas, que se estima ser maior do que o Guarani. Não se trata de um poço ou um tanque subterrâneo de água, trata-se de rochas esponjosas impregnadas de água. Parece que ele é o responsável pela regularidade do fluxo de águas da bacia amazônica entre as épocas de seca e cheia. Então, é uma questão com importância climática e social muito grande, porque, por incrível que pareça, as comunidades ribeirinhas têm carência de água potável, uma vez que a água do rio não se pode beber, pois é contaminada por material orgânico. Não necessariamente material orgânico de origem antrópica, mas de micro-organismos que vivem e se reproduzem na água e tornam essa água imprópria para beber. É possível filtrar, mas os filtros não estão sempre disponíveis. Enfim, se pudéssemos fazer um poço e extrair água para as comunidades, vilas etc., isso seria muito importante. Então tecnologias sociais para a integração, para o desenvolvimento, para a dignidade humana. Essas são as propostas. Outra proposta que mencionei, e que também está ao nosso alcance, é ampliar de um fator pelo menos por dez os programas de divulgação científica, de popularização da ciência: semanas da ciência, programas de jardins botânicos e museus, enfim, lugares onde o povo possa ir e aprender mais, perder aquele temor que 16

tem pela ciência como um instrumento de dominação, de expropriação da paz e das poucas riquezas ao alcance de todos. Poderíamos multiplicar os programas de intercâmbio latino-americanos – existe hoje a Rede de Popularização da Ciência na América Latina, a Red Pop, inclusive dirigida pela brasileira Luisa Massarani –, que poderiam ajudar nesse projeto de integração da América Latina e da inclusão social e da mobilização não só de dez ou vinte milhões de pessoas atentas ao que acontece no mundo da ciência, mas cem, duzentos milhões que estejam atentos e mobilizados nos avanços e uso popular da ciência e da técnica. Isso é importante porque faz com que os adultos vejam com simpatia o interesse das crianças pelos avanços da ciência, por estudar, para conhecer e ser eles mesmos estudiosos da natureza, e reduzir o impacto dessas feiras de ignorância que se espalham pelas nossas vilas e comunidades mais carentes, em que vendem salvação eterna em troca de uma perseverante ignorância dos e temor perante os fenômenos naturais. Então, esse foi o segundo ponto; eram quatro: eu acho que mencionei o Ciência Sem Fronteiras para a integração latino-americana, a divulgação e popularização da ciência, a cartografia social necessária e o aumento de conhecimento sobre os recursos naturais não entendidos apenas como os recursos minerais e hídricos, mas incluindo neles toxinas micro-organismos fitoterápicos e outros possíveis. Esses eram os principais pontos.

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DEPOIMENTO

Ivan Ramalho

Nós estamos em um momento de ampliação em função do ingresso de novos sócios. Com o ingresso da Venezuela, nós demos início a uma mudança importante no mapa geopolítico do Mercosul. Como vocês sabem, há cerca de vinte anos atrás, quando o Mercosul foi criado, ele estava concentrado naturalmente no Cone Sul: Argentina, Uruguai, Paraguai e principalmente as regiões Sul e Sudeste do Brasil, que estavam mais próximas desses países, e que naturalmente participaram mais desse processo de integração. Ora, agora com a entrada da Venezuela, a região Norte brasileira passa a ter como vizinha também um Estado membro, e depois disso nós já tivemos também a confirmação da Bolívia; a decisão política da Bolívia ingressar como Estado Membro do Mercosul já foi tomada e hoje nós temos um grupo trabalhando já nas questões normativas. Naturalmente que há todo um cronograma, aprovação ainda dos parlamentos e tudo o mais. Além desses dois, há também uma perspectiva grande do Equador ingressar. Tivemos a associação também, agora recente, do Suriname e da Guiana. Todos são países vizinhos da região Norte. Então, eu tenho comigo que existe uma importância muito grande principalmente para a região Norte brasileira. Para a região Centro-Oeste também, que já era vizinha do Paraguai, agora também da Bolívia. Eu acredito que isso deve levar a uma ampliação tanto do comércio como da troca de investimentos. Isso vai ter um reflexo também nas questões sociais, nas iniciativas sociais do Mercosul, que são muitas. A gente tem que lembrar sempre que o Mercosul começou como um mercado, começou com foco principalmente na questão do comércio, mas o Mercosul tem uma agenda social, uma agenda de cidadania muito grande, muito importante e que eu acho que nós devemos sempre pedir às pessoas que conheçam mais, por exemplo, o Plano Estratégico de Ação Social; o Instituto Social do Mercosul, que tem atividades importantes, com sede em Assunção; o Instituto de Direitos Humanos, que com sede em Buenos Aires, que tem uma diretora que está participando aqui, hoje. Ou seja, são muitas as decisões, atribuições e iniciativas que existem no Mercosul, que não se restringem à questão apenas comercial, apenas de negócios. Na América do Sul, quanto representa do PIB o comércio feito pelo Mercosul? O PIB do Mercosul como um todo, que é o Produto Interno Bruto dos cinco países membros, hoje soma três trilhões e trezentos bilhões de dólares. Isso corresponde a 83% do PIB de toda a América do Sul. Mas nós não estamos ainda computando, evidentemente, a Bolívia, assim como outros países que poderão ser também Estados membros, acredito que no futuro relativamente próximo. Na sua intervenção, o senhor falou sobre dados do crescimento do Mercosul, não é? Do comércio também. Quando foi criado, nós tínhamos um comércio “intrazona”, ou seja, entre os países do Mercosul, de cinco bilhões de dólares; no ano passado, foi de 60 bilhões de dólares, ou seja, multiplicou por doze. No mesmo período, o comércio mundial, como um todo, cresceu seis vezes. Portanto, o comércio “intrabloco” dos países do Mercosul cresceu o dobro do que cresceu o comércio mundial como um todo, o que é uma prova indiscutível, do meu ponto de vista, de que a integração trouxe um benefício bastante grande da perspectiva comercial, com muitas repercussões positivas para todas as pessoas, as pessoas que trabalham, que produzem. Esse crescimento muito grande do comércio também fez com que aumentasse a troca de investimentos. Indiscutivelmente, ajudou bastante em tudo o que veio depois, principalmente da agenda social de mobilidade das pessoas, da própria mobilidade acadêmica, que as pessoas podem trabalhar em outros países, a contagem para a aposentadoria, por exemplo, se a senhora trabalha em outro país, conta tempo para se aposentar no 18

Brasil, e vice-versa, entre muitas outras: eliminação de visto, eliminação de passaporte para o trânsito das pessoas. Eu digo sempre isso para enfatizar que o Mercosul não é só um acordo de comércio, como existem muitos no mundo. O Mercosul tem propostas e objetivos muito mais profundos no que diz respeito às pessoas e particularmente de ação social.

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ARTIGO

Integração regional e acordos de livre comércio Samuel Pinheiro Guimarães

A conveniência da participação do Brasil em esquemas de integração regional e da negociação de acordos de “livre comércio” com países altamente desenvolvidos, e altamente competitivos na área industrial, somente pode ser avaliada a partir da situação real da economia mundial e da economia brasileira que se caracteriza hoje por quatro fatos principais: 1. a estratégia dos países desenvolvidos de procurar sair da crise através de políticas agressivas de abertura de mercados de terceiros países, de proteção de sua produção doméstica e de manipulação cambial, que desvaloriza suas moedas; 2. a política chinesa de expansão de suas exportações de produtos industriais e de abertura de mercados para seus produtos e para seus investimentos, em especial para a produção de commodities (produtos primários); 3. a importância do comércio intrafirma que chega a atingir 60% do comércio mundial, o que torna limitada e bastante retórica o conceito de livre comércio; 4. a presença avassaladora de megaempresas multinacionais, e de empresas estrangeiras de menor porte, na economia brasileira, não só no setor industrial, mas crescentemente no setor de serviços, tais como educação e saúde. A alternativa estratégica, para os países subdesenvolvidos como o Brasil, a uma política de inserção plena e irrestrita na economia mundial é a participação em esquemas de integração. Esta participação pode ocorrer: 1. em esquemas em que se encontram países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, como é o caso do Nafta – North America Free Trade Agreement, que inclui os Estados Unidos, o Canadá e o México; 2. ou em esquemas em que se encontram somente países subdesenvolvidos, como é o caso do Mercosul, de que participam a Argentina, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela; 3. ou através de acordos de “livre comércio” bilaterais, como o tratado de livre comércio entre o Chile e os Estados Unidos. No primeiro caso, a economia dos países subdesenvolvidos (e sua política econômica interna e sua política externa) se torna altamente dependente da economia e das políticas praticadas pelo sócio desenvolvido e sobre as quais não tem influência maior por não participar de seu sistema político/administrativo e, portanto, das decisões de política econômica que são adotadas pelo Governo do país desenvolvido. No segundo caso, os países subdesenvolvidos podem formar: 1. uma zona de livre comércio em que os países eliminam os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio intrazona enquanto mantém suas tarifas aduaneiras nacionais em relação às exportações de empresas situadas em terceiros países extrazona; 2. uma união aduaneira em que os países eliminam os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio intrazona e estabelecem uma tarifa aduaneira comum em relação às importações 20

provenientes de empresas situadas em países extrazona; 3. uma união econômica (e eventualmente monetária) em que os países integrantes da união aduaneira também estabelecem políticas econômicas (cambial, tributária, trabalhista, creditícia, etc.) comuns.

O Mercosul O Mercosul é uma união aduaneira, denominada de imperfeita, devido à dupla cobrança de impostos de importação, à exclusão de setores, às extensas listas de exceções, etc. Desde que o Mercosul foi criado, em 1991, foram os seguintes os seus principais resultados: 1. o comércio entre os países do Mercosul aumentou mais de onze vezes desde 1991 enquanto que o comércio mundial cresceu apenas cinco vezes; 2. a expansão dos investimentos das empresas privadas nacionais dos países participantes em outras economias do Mercosul; 3. o grande influxo de investimentos diretos provenientes de países altamente desenvolvidos, com excedente de capital, e da China, dirigido aos países do Mercosul; 4. o financiamento de obras de infraestrutura nos países do bloco por entidades financeiras de países do Mercosul; 5. a criação de um fundo, o Focem - Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, com contribuições diferenciadas (97% do Brasil e da Argentina) para, através de recursos não reembolsáveis, permitir a realização de obras de infraestrutura, em especial no Paraguai e no Uruguai, que recebem 80% dos recursos, com o objetivo de reduzir assimetrias entre os países membros do Mercosul e criar melhores condições para o desenvolvimento; 6. o aumento da mobilidade da mão de obra através da assinatura de acordos de residência e de previdência social; 7. a coordenação e o intercâmbio de experiências em programas sociais, em especial no campo de combate à pobreza; 8. a defesa e a consolidação da democracia. Para o Brasil, foram os seguintes os principais resultados da sua participação no Mercosul: 1. o comércio do Brasil com o Mercosul aumentou dez vezes entre 1991 e 2012 enquanto o comércio do Brasil com o mundo aumentou oito vezes; 2. 84% por cento das exportações do Brasil para os países do Mercosul são produtos manufaturados enquanto apenas 53% de suas exportações para os Estados Unidos, 36% de suas exportações para a União Europeia e 4% de suas exportações para a China são produtos manufaturados; 3. os países do Mercosul, em especial a Argentina, absorveram 21% das exportações totais de manufaturados brasileiros; 4. o Brasil teve superávits comerciais com todos os países do Mercosul nos últimos dez anos enquanto tem tido déficit, nos últimos anos, com os países altamente desenvolvidos; 5. em 2013, o saldo comercial do Brasil com o Mercosul foi mais do que o dobro do saldo total brasileiro, compensando os déficits comerciais com os Estados Unidos de 11 bilhões de dólares e com a União Europeia, de 3 bilhões de dólares; 6. as empresas de capital brasileiro realizaram investimentos importantes nos países do Mercosul, que constituem sua área natural de expansão inicial para o exterior; 21

7. os empréstimos feitos pelo BNDES para a realização de obras de infraestrutura em países do Mercosul resultam em contratos com empresas brasileiras de engenharia e na exportação de bens e serviços pelo Brasil; 8. parte importante dos investimentos diretos estrangeiros que se realizam no Brasil tem como objetivo exportar para o conjunto de países que constituem o Mercosul; 9. a participação do Brasil no Mercosul permitiu contribuir para a consolidação e defesa da democracia na região e, portanto, para a estabilidade em nossa vizinhança imediata. Apesar de todos os seus êxitos, o Mercosul é criticado diariamente pela mídia que logrou construir, em amplos setores da opinião pública, uma imagem negativa do Mercosul como sendo um acordo e uma organização fracassados, que prejudicam os interesses brasileiros, e de uma associação “inconveniente” para o Brasil com países como a Argentina e a Venezuela. Este antagonismo das grandes redes de televisão, dos jornais e das revistas de grande circulação decorre não de um exame dos fatos concretos, mas sim de uma posição ideológica que tem os seguintes fundamentos: 1. o Brasil deve dar prioridade em suas relações internacionais aos países desenvolvidos por serem eles grandes mercados, grandes fontes de capital e principais geradores de tecnologia; 2. o Brasil deve se associar aos países altamente desenvolvidos por serem estes democracias estáveis e defensores dos direitos humanos; 3. o Brasil deve se associar aos países desenvolvidos por razões de identidade cultural e afinidade ideológica. Em contraste, os países subdesenvolvidos, nesse grupo incluídos os Estados da América do Sul, seriam pequenos mercados, sem capacidade de investir e sem dinamismo tecnológico; seriam Estados politicamente instáveis, periodicamente ditatoriais e violadores dos direitos humanos; seriam sociedades cultural e ideologicamente distintas da sociedade brasileira. Assim, no campo econômico, o Brasil não deveria participar de organismos como o Mercosul ou de grupos de países tais como os Brics e o Ibas (Fórum Índia, Brasil e África do Sul). No campo comercial, os órgãos da grande mídia diariamente argumentam que: 1. o Brasil deve se associar a esquemas como a Aliança do Pacífico que reuniria economias bem sucedidas e dinâmicas; 2. o Brasil tem de se integrar, com urgência, nas cadeias produtivas mundiais; 3. o Brasil está arriscado a ficar “isolado” dos grandes processos de negociação internacional em curso, tais como a TransPacific Partnership e o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia; 4. o Brasil deve assinar acordos de livre comércio com os países altamente desenvolvidos ainda que para tal tenha de abandonar o Mercosul ou tenha de adotar uma estratégia de diferentes velocidades, omitindo que isto acarretaria o abandono, na prática, do Mercosul. A Aliança do Pacífico é constituída por quatro Estados que tem acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, quais sejam o México, a Colômbia, o Peru e o Chile. Cada um desses quatro países assinou acordos de livre comércio com dezenas de outros Estados ou blocos de Estados, tais como a União Europeia e a China, uma decorrência quase que necessária de terem negociado acordos com os Estados Unidos. O comércio entre os países da Aliança do Pacifico é de pequena importância, inclusive por não terem esses países uma oferta exportável diversificada, já que não possuem parques industriais 22

significativos (exceto o México, ainda que com características especiais decorrentes da presença das maquiladoras) e por serem competidores entre si no mercado internacional em muitos itens, em especial minérios. Apesar de terem exibido taxas de crescimento relativamente altas nos últimos anos isto não significou desenvolvimento econômico propriamente dito, pois não se diversificaram suas estruturas produtivas e nem melhoraram os seus índices de concentração de renda e de riqueza. Após assinar os acordos de “livre comércio” com os Estados Unidos, as importações do Chile, do Peru e da Colômbia, provenientes dos Estados Unidos, aumentaram muito mais do que suas exportações para os Estados Unidos e essas exportações, ao contrário do que se argumentava para defender a celebração desses acordos, continuaram concentradas nos mesmos produtos tradicionais e não se diversificaram. Ao contrário do que a grande mídia parece ignorar, voluntária ou involuntariamente, o Mercosul (e, portanto, o Brasil) tem acordos de livre comércio com o Chile, o Peru e a Colômbia em consequência dos quais já ocorreu a redução a zero da maior parte das tarifas bilaterais e, em 2019, o comércio entre o Mercosul (e o Brasil) e cada um desses países da Aliança do Pacifico será totalmente livre. Quanto à integração na economia internacional e nas cadeias produtivas mundiais, o fato de o comércio exterior brasileiro ter crescido de 108 bilhões de dólares em 2002 para alcançar 466 bilhões de dólares em 2012 e de o fluxo de investimentos diretos estrangeiros ter crescido de 26 bilhões de dólares em 2002 para alcançar 84 bilhões de dólares em 2012 revela que a economia brasileira está longe de estar isolada ou não integrada na economia mundial. Por outro lado, cerca de 40% do comércio exterior brasileiro, em especial de produtos manufaturados, é um comércio intrafirma o que significa integração do parque industrial instalado no Brasil em cadeias produtivas mundiais das megaempresas multinacionais. No caso dos produtos primários, como a soja e o minério de ferro, o Brasil se encontra integrado em cadeias produtivas ainda que isto ocorra na extremidade de menor valor agregado dos produtos finais dessas cadeias, isto é, o Brasil exporta produtos primários que são processados em países altamente desenvolvidos e o resultado deste processamento muitas vezes são produtos que vem a ser importados pelo Brasil, como é o caso de produtos siderúrgicos importados pelo Brasil da China. A integração do Brasil em cadeias produtivas globais decorre de decisões das megaempresas multinacionais que alocam diferentes etapas ou segmentos dos processos produtivos de certos produtos em diferentes países devido a diferenças de custo de insumos, inclusive trabalho, de impostos e da existência de vantagens relativas de crédito, de tributação, etc., e de localização geográfica, como é o caso do México em relação aos Estados Unidos e dos países da Europa Oriental em relação à Alemanha. Certamente, o Brasil não poderia competir com outros países, em especial asiáticos, em termos de custos do trabalho, de benefícios tributários ou de legislação ambiental a não ser que fosse promovido um extraordinário retrocesso da legislação trabalhista e da legislação ambiental, para o que não há nenhuma possibilidade de apoio político na sociedade brasileira. Não há dúvida de que os eventuais resultados das negociações entre Estados Unidos e União Europeia e das negociações da Transpacific Partnership virão a afetar o Brasil. Porém, o fato inarredável de o Brasil não ter litoral no Oceano Pacífico torna extremamente difícil reivindicar sua participação nas negociações da TransPacific Partnership enquanto que não sendo o Brasil membro da União Europeia (nem podendo ser por não estar situado naquele Continente) nem sendo parte dos Estados Unidos torna impossível participar das negociações entre a União Europeia e os Estados Unidos, para o que, aliás, ninguém pensou em convidá-lo.

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Um acordo entre a União Europeia e o Mercosul Finalmente, a mídia, organizações empresariais e economistas defendem a negociação de um acordo entre a União Europeia e o Mercosul como indispensável a uma melhor inserção do Brasil na economia internacional, o que, segundo esses advogados, permitiria a retomada de altas taxas de crescimento. Seria interessante examinar as prováveis consequências de um acordo entre a União Europeia e o Mercosul: 1. como a tarifa média para produtos industriais, cerca de 4%, na União Europeia é muito mais baixa do que a tarifa média aplicada no Mercosul, que é de cerca de 12%, a União Europeia teria no caso da eliminação recíproca da maior parte, digamos 90%, das tarifas muito maior vantagem do que o Brasil e o atual déficit brasileiro no comércio de produtos industriais com a Europa, que já é significativo e crônico, se agravaria ainda mais; o fato de o período de desgravação ser de quinze anos não afeta este argumento; 2. a redução e a eventual eliminação das tarifas de importação do Mercosul (inclusive do Brasil) não teria efeito positivo sobre o nível tecnológico atual da indústria instalada no Brasil pois, de forma geral, a importação de bens de capital já está livre de direitos quando não há similar nacional. As empresas produtoras de bens de capital, nacionais ou estrangeiras instaladas no Brasil, no caso de total liberalização do comércio sofreriam forte impacto e talvez desaparecessem; 3. como o nível tecnológico médio da indústria brasileira é inferior ao nível médio da indústria na União Europeia, aquela não teria condições de concorrer nos mercados europeus nem nos mercados do próprio Mercosul com os produtos exportados pela indústria europeia, agora livres de direitos aduaneiros; 4. um dos estímulos para os investimentos diretos industriais europeus nos países do Mercosul, que é “saltar a barreira tarifária” para produzir e competir no mercado interno do bloco, deixaria de existir; 5. em consequência, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros para a indústria no Mercosul (principalmente para o Brasil e a Argentina) diminuiria, com efeitos negativos para o emprego e para o próprio equilíbrio do balanço de pagamentos; 6. uma das consequências da eliminação de tarifas sobre as importações de produtos industriais europeus é que seria, possivelmente em muitos casos, melhor exportar para o mercado brasileiro do que continuar a produzir aqui e assim os investimentos produtivos hoje existentes poderiam regressar para seus países de origem ou não aumentar sua capacidade instalada no Mercosul; 7. as regras relativas a investimentos estrangeiros, propriedade intelectual, comércio de serviços, compras governamentais, defesa comercial se tornariam ainda mais favoráveis às megaempresas multinacionais do que se tornaram em decorrência da Rodada Uruguai, concluída em 1994, que levou à criação da Organização Mundial do Comércio; 8. a possibilidade dos Governos do Mercosul de implementarem, nacional ou regionalmente, políticas industriais, comerciais e tecnológicas se tornaria ainda menor, devido, como dizem os economistas, à redução ainda maior do policy space (espaço legal para a execução de políticas) em decorrência dos compromissos assumidos no eventual acordo; 9. a possibilidade de implementar políticas nacionais e regionais preferenciais para as empresas instaladas nos países do Mercosul nos setores de serviços, compras governamentais e outros deixaria de existir; 10. a eliminação das tarifas industriais decorrentes de um acordo União Europeia/Mercosul 24

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eliminaria a preferência de que gozam hoje as empresas situadas no Mercosul em relação às empresas situadas fora do Mercosul e, portanto, para as empresas da União Europeia, o Mercosul, cuja essência é a tarifa externa comum, deixaria de existir; a assinatura de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, ao privilegiar as empresas europeias no comércio com o Mercosul (e com o Brasil) acarretaria imediatamente solicitações de nossos principais parceiros comerciais, isto é, a China, os Estados Unidos, o Japão para que negociássemos com eles acordos semelhantes, o que seria praticamente impossível de recusar; a tarifa externa comum, essência de uma união aduaneira, que já teria deixado de existir para as empresas da União Europeia, deixaria de existir para os Estados Unidos, para o Japão, para a China e para outros países o que significaria o fim do Mercosul, como união aduaneira e como instrumento de desenvolvimento; a possibilidade de desenvolvimento industrial brasileiro a partir de empresas nacionais e estrangeiras instaladas no Brasil deixaria igualmente de existir; os efeitos sobre o emprego seriam significativos, com sérias consequências sociais para países de elevado nível de urbanização, como a Argentina e o Brasil, já que o salário médio por trabalhador na indústria é várias vezes superior ao salário médio do trabalhador na agricultura e na mineração; no que diz respeito ao comércio de produtos agrícolas, altamente regulamentado na União Europeia, que considera a proteção à sua agricultura uma questão estratégica, o acordo não levaria a uma liberalização geral do comércio e do acesso dos produtos agrícolas do Mercosul (e brasileiros) aos mercados europeus; a União Europeia estaria disposta a conceder ao Mercosul tão somente quotas de importação, livres de direitos, para determinados produtos agrícolas, o que não significa necessariamente um aumento das receitas brasileiras (e dos outros países do Mercosul) com a exportação desses produtos; segundo a informação disponível, o volume de cada uma dessas quotas oferecidas pela União Europeia poderia ser, inclusive, inferior ao volume atualmente exportado pelos países do Mercosul; esta oferta europeia beneficiaria em princípio não o Estado brasileiro em termos de aumento das receitas de exportação, pois não aumentariam os volumes exportados enquanto que os exportadores de produtos agrícolas se beneficiariam apenas na hipótese de serem mantidos os preços pagos pelos importadores.

A eventual assinatura de um acordo entre a União Europeia e o Mercosul tornaria impossíveis negociações futuras para a ampliação das quotas de importação eventualmente concedidas pela Europa já que a União Europeia já teria atingido, ao obter a eliminação de tarifas para 90% das posições tarifárias industriais, o seu objetivo estratégico que é a abertura do mercado brasileiro (e do Mercosul) para suas exportações, e ao mesmo tempo manter sua política agrícola protecionista e a sobrevivência de sua agricultura subsidiada e ineficiente. O desenvolvimento econômico e social brasileiro depende do fortalecimento de seu setor industrial enquanto que a defesa dos interesses brasileiros, políticos e econômicos, na esfera internacional, cada vez mais competitiva e conflituosa, dependem do fortalecimento do Mercosul, etapa indispensável para a integração da América do Sul. O eventual acordo União Europeia/Mercosul será o início do fim do Mercosul e o fim da possibilidade de desenvolvimento autônomo e soberano brasileiro e do objetivo estratégico brasileiro de construir um bloco econômico e político na América do Sul, próspero, democrático e soberano.

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ARTIGO

La integración regional como proyecto estratégico y la participación popular Mariana Vázquez

La idea de unidad ha estado presente en América Latina a lo largo de los 200 años de cada uno de nuestros bicentenarios. Esta idea, en su potencia más emancipatoria, ha estado vinculada siempre a los objetivos del desarrollo, la autonomía e independencia política de nuestra región. Es en este marco, pensamos, en el cual nos parece preciso instalar en este nuevo Encuentro del FoMerco, el debate sobre la participación popular en el Mercosur y en la integración regional: en el marco de un proyecto emancipatorio, integración regional, soberanía popular y participación social están irrenunciablemente ligadas. Es decir, la participación popular no es relevante para cualquier proyecto de integración. Ahora bien, en qué contexto estamos debatiendo sobre ello; cuál es la foto o, al menos, los elementos que nos gustaría destacar de esta foto. He organizado esta presentación en tres partes. En primer lugar, me gustaría compartir unas breves reflexiones sobre el contexto global en el cual pensamos nuestra integración. En segundo lugar, haré referencia a la trayectoria del Mercosur, introduciendo el interrogante acerca de si el cambio de ciclo político ha dado forma a una integración de nuevo tipo. Y, en tercer lugar, al momento actual y a algunos de sus desafíos.

Contexto global / El mundo Quisiera destacar algunos de sus elementos, significativos a la hora de reflexionar sobre la integración sudamericana: En primer lugar, la crisis, que potencialmente puede ser civilizatoria, y sus diversos componentes más o menos articulados entre sí: el económico-financiero, es decir, la crisis de un modo de acumulación basado en la especulación financiera a escala planetaria; el social; y, por último, la crisis de las formas tradicionales de la democracia, tanto en los países desarrollados como en su esquema de integración por excelencia, la Unión Europea. En segundo lugar, la transición hacia una nueva configuración de las relaciones de poder en el escenario mundial: esta transición se caracterizaría por el ascenso de nuevos poderes, del sur y del este, con China como principal protagonista. Ahora bien, esa transformación en curso no se ha visto reflejada, y entra en tensión, con las organizaciones multilaterales (OMC, FMI, ONU) que congelan el mapa de la segunda posguerra y las relaciones asimétricas, siempre asimétricas, que lo caracterizaron. En tercer lugar, el traslado de los centros dinámicos del capitalismo global: esta reconfiguración está anclada fundamentalmente en el dinamismo de estas economías, particularmente de China, que desplazan a EEUU y a la UE, no casualmente los dos últimos epicentros de la crisis y, no casualmente tampoco, protagonistas en estos días de diversos intentos de reconfiguración del mapa regulatorio del comercio mundial. Estos intentos se expresan en la negociación o profundización de nuevos acuerdos de este tipo. Me refiero, 26

particularmente, al acuerdo de asociación trans-pacífico (TPP), al acuerdo de libre comercio entre la Unión Europea y Japón, al acuerdo transatlántico sobre comercio e inversión entre los EEUU y la Unión Europea (TTIP); y al acuerdo de asociación económica integral regional (RCEP). Por último, la crisis de la Unión Europea: como proyecto económico, político y social y, sin ninguna duda, como poder normativo global, es decir, como pretendido modelo de integración para otras regiones. No tenemos mucho tiempo para desarrollarlo aquí, pero quisiera destacar que lo que entra en crisis es un modelo de integración de mercado, es decir, un modelo en el cual la política, como práctica política y como política pública orientada a una redistribución equitativa de la riqueza dentro y entre las naciones, está completamente ausente. En un mundo en transición, dónde es más que pertinente volver a hacernos una y otra vez la pregunta acerca de cuál deseamos que sea el lugar de nuestra región y cuál es el papel de nuestra integración en función de nuestros objetivos más ambiciosos.

El Mercosur El Mercosur nació en un período de hegemonía del paradigma neoliberal, base del Consenso de Washington. Se trata del conjunto de ideas que parten de la premisa de que el mercado, por sí solo, funciona adecuadamente. Esta premisa, hace tiempo ya, ha sido definida por Polanyi como “la falacia más eficaz nunca inventada”. En la práctica, responde a intereses bien concretos: los del capitalismo más concentrado, violento y predatorio. En el sur de América dio lugar, también, a una integración de mercado. El que podríamos llamar “Consenso de Asunción”, reflejado en parte en el tratado que dio origen al bloque y, fundamentalmente, en qué de él implementado (programa de liberalización), fue un instrumento para anclar en un acuerdo internacional y en estructuras regionales, las políticas de apertura y liberalización indiscriminadas encaminadas, en aquellos tiempos, en las arenas nacionales. Las consecuencias de estas políticas, en términos de exclusión, pobreza, miseria, desigualdad, profundización de las asimetrías entre los países, deslegitimación de la democracia y de la política como herramienta de transformación y, por último, de pérdida de dignidad en el concierto de naciones, son conocidas ampliamente. Desde fines del siglo XX en Sudamérica y, concretamente, en el Mercosur, desde 2003, asistimos a un cambio importante en el ciclo político regional. Una expresión sin duda central de esta nueva etapa es la firma del Consenso de Buenos Aires, por Kirchner y Lula: este mes se han cumplido 10 años de aquel acuerdo programático que daría cuenta de los nuevos objetivos políticos, destacando en su primer punto el derecho de los pueblos al desarrollo. Cada una de las afirmaciones de aquel documento se plasmará, en el transcurso de los años, en acuerdos políticos y conceptuales y en políticas concretas de una integración de nuevo tipo. Me gusta caracterizar esta nueva etapa del Mercosur a través de los siguientes elementos: La incorporación, en las políticas del bloque, de todo aquello que podría englobarse en los conceptos de “agregación de valor”, “ampliación de derechos” e “inclusión”. Políticas sociales, agricultura familiar, cooperativismo, integración productiva, políticas tendientes a disminuir las asimetrías entre los Estados y en el interior de sus territorios, estaban ausentes en la etapa previa y sólo aparecen en la agenda del bloque a partir de 2003-2004. La transformación de los objetivos políticos de viejas agendas (socio laboral, educación) desde una visión de mercado a una visión de ampliación de derechos; 27

La creación de una nueva institucionalidad, que busca dar cuenta de estas transformaciones (Instituto Social del Mercosur, Instituto de Políticas Públicas de Derechos Humanos del Mercosur, etc.); El cambio en el posicionamiento del bloque en una negociación tan trascendente como la del Alca, cambio que será la condición de posibilidad del fortalecimiento del nuevo Mercosur y de la creación de la Unasur. La puesta en valor histórico por parte del liderazgo regional, nuevamente, de la idea de la unidad.

El Mercosur hoy, en una nueva encrucijada histórica El Consenso de Buenos Aires fue el símbolo del cambio de época, es decir, el símbolo de una etapa bisagra, en la cual lo viejo comenzaba a morir y lo nuevo comenzaba a nacer. La etapa actual, una década después, requiere un nuevo Consenso. Por un lado, para consolidar las conquistas de la última década. Y, por otro lado, para profundizar las transformaciones. La entrada de la República Bolivariana de Venezuela al Mercosur es, a la vez, la continuidad de este cambio de época y una nueva etapa, en la cual el bloque se potencia y asume un nuevo estatus internacional. Con la entrada de este país, el Mercosur adquiere una nueva dimensión geopolítica y geoeconómica. El bloque pasa a ser la quinta economía mundial (luego de EEUU, China, Alemania y Japón); concentra ahora el 59% del PBI de América Latina y, con 275 millones de habitantes, representa el 47% de la población total de la región. La incorporación de Venezuela convirtió al Mercosur en una potencia alimentaria y energética. Venezuela posee la primera reserva comprobada de petróleo del mundo (297 millones de barriles en 2010). ¿Cuáles son los desafíos de esta nueva etapa? Enfrentar un proceso de transición y crisis en el sistema internacional; Enfrentar el desafío de una ampliación virtuosa; Considerar y contemplar los diversos proyectos nacionales de desarrollo en pos de su convergencia con equidad; Lograr articular con sentido colectivo el bien público que constituye la nueva situación geopolítica y geoeconómica del Mercosur; Fortalecer y cuidad a nuestra América del Sur como un espacio de democracia y paz, rechazando toda presencia neocolonial y/o militarizada en la región; Construir un nuevo pensamiento, basado en las tradiciones más nobles del ideario y teorías emancipatorias de la región, que dé cuenta de lo hecho y aporte reflexiones para los nuevos tiempos. Es lo que el ex presidente Lula ha llamado “la doctrina de la integración” y la presidenta Fernandez el “nuevo Consenso del Sur”. Es complejo intentar responder al interrogante acerca de si el cambio político ha dado nacimiento a una integración de nuevo tipo. En el Mercosur actual, lo viejo y lo nuevo coexisten. En las dimensiones no comerciales, la integración se ha profundizado y ampliado, generando un esquema de gran densidad. Importantes acuerdos políticos, instituciones y acciones coordinadas dan cuenta de ello. Sin embargo, la hegemonía de la dimensión comercial, plasmada en una estructura institucional y una lógica negociadora que no han sido modificadas sustancialmente, diluye en gran parte la fuerza de la dinámica transformadora. Sin un cambio profundo de esta herencia, se bloquean importantes avances en pos de una integración de los pueblos. 28

Es aquí, tal vez, donde más cobra sentido todo esfuerzo que promueva un mayor protagonismo popular. En la tensión entre política, democracia y burocracia, por un lado; o, por otro, la tensión entre poder popular y poderes fácticos, el protagonismo popular hace la diferencia. El fortalecimiento de los mecanismos de participación debe ser, con certeza, uno de los componentes de ese nuevo consenso. Aunque mucho se ha avanzado, en esta etapa que llamaría de “post-resistencia”, mucho nos falta a la hora de encontrar los caminos más efectivos para hacerlo. Debemos encontrar nuevas formas, instrumentos y articulaciones. Salir de las estructuras y formatos de viejas épocas, que no han resultado suficientes. Ésta reflexión es una responsabilidad conjunta de gobiernos, fuerzas políticas y movimientos sociales. El desafío más importante es crear y, sobre todo, crear juntos. Porque lo mejor que el Mercosur puede darle al mundo en esta crisis civilizatoria es mostrar una región del planeta en la cual la inclusión, la paz, el respeto a la diversidad, el respeto al derecho internacional y al Estado de derecho, a los derechos humanos, así como el rechazo a cualquier forma de dominación, abuse y neocolonialismo, son posibles. Este Mercosur sólo puede construirse con mayor participación popular.

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II. Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e a nova arquitetura financeira da integração no século XXI INTRODUÇÃO

Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e arquitetura financeira Raphael Padula

DEPOIMENTO

Ricardo Canese

ARTIGOS

Sobre a arquitetura da integração no século XXI André Calixtre Desenvolvimento dos recursos naturais como eixo dinâmico da Integração regional José Carlos de Assis

Por una integración que integre, por un desarrollo que libere José Felix Rivas

A construção da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo das contribuições de Nurske, Rostow, Myrdal e Furtado Vera Alves Cepêda e Rafael Gumiero

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INTRODUÇÃO

Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e arquitetura financeira Raphael Padula

A independência formal dos países da América do Sul não mudou a sua forma subordinada de inserção política e econômica no sistema internacional. Ao buscar manter sua riqueza e sua posição política privilegiada, suas elites políticas e econômicas se atrelaram aos interesses políticos e econômicos de potências externas expansivas, que desejavam manter uma relação econômica e política privilegiada e assimétrica com os nossos países, tendo acesso facilitado aos seus recursos naturais e mercados. Assim, nasceram Estados independentes com baixa influência política nas regras e decisões políticas do sistema internacional, e economias exportadoras de bens de baixo valor agregado (commodities), sem qualquer projeto político para mudar tal condição. Isso fez com que se formasse uma região politicamente e economicamente fragmentada, com países de costas uns para os outros, sem buscar uma articulação política e econômica robusta e consistente, mas buscando proximidade com países centrais, o que abre espaço para a projeção político-militar, econômica e ideológico-cultural destes últimos. A partir dos anos 1970, o sistema interestatal presenciou um ciclo geopolítico de aceleração de sua permanente competição entre Estados pelo controle e acesso privilegiado a territórios que contenham recursos estratégicos ou que sejam importantes rotas para a comercialização eficiente e segura destes recursos. São recursos que em termos globais são relativamente escassos e/ou concentrados em alguns territórios, predominantemente nos países de menor grau de desenvolvimento socioeconômico e poder militar, e que ao mesmo tempo são críticos para a expansão industrial e do poder militar de países ricos e militarmente fortes, com maior influência no sistema internacional. A recente aceleração se deve a uma perda relativa de poder ou “crise de hegemonia” por parte dos Estados Unidos, com a crise do padrão dólar-ouro, a necessidade de enquadrar possíveis rivais e vencer a Guerra Fria – especialmente após a invasão soviética ao Afeganistão e à revolução iraniana. Nesse período, os EUA abandonam sua “hegemonia benevolente” e retraçam sua estratégia expansiva. Ainda, no pós Guerra Fria, as potências emergentes da Ásia – com grandes populações e crescentemente demandantes de recursos – principalmente China e Índia, a retomada de uma política nacionalista da Rússia nos anos 2000, e o desejo de potências tradicionais de manter suas posições, pressionam ainda mais essa corrida dentro da dinâmica inerente do sistema estatal, onde as potências tradicionais buscam manter o status quo e um grupo de Estados almeja ascender na hierarquia política e econômica internacional. A América do Sul encerra significativos recursos estratégicos, tanto no continente quanto no seu entorno marítimo - em sua plataforma continental (mar territorial), em áreas internacionais, e alcançando a costa ocidental da África. No continente temos terras férteis e encontramos minerais mais comuns e mais raros, biodiversidade, reservas de água doce, potencial hidráulico, hidrocarbonetos (gás e petróleo), entre outros recursos de grande valia. No entorno marítimo, além de petróleo e gás, no leito marinho encontramos minerais, em crostas cobaltíferas, nódulos e sulfetos polimetálicos. Nesse sentido, podemos destacar sub-regiões no continente cujas condições geográficas levam a implicações geopolíticas: a Amazônia, a Bacia do Prata e o litoral Pacífico – além do Atlântico Sul. São áreas que despertam interesses políticos e econômicos e onde se constatam cada vez mais a intensa atuação das grandes potências e de potências emergentes de fora da região. O Brasil possui uma posição estratégica em relação a todas as áreas geopolíticas citadas, exceto o litoral pacífico, área com a qual busca maior contato e acesso facilitado. As regiões ricas em recursos 31

estratégicos tendem a ser crescentemente incorporadas como fronteiras geopolíticas da expansão capitalista, sofrendo assédio de grandes potências e suas grandes empresas (privadas e estatais). São áreas que contém recursos estratégicos para o funcionamento da economia e para o desenvolvimento econômico e militar das potências tradicionais e emergentes. Nos anos 1960 e 70, a experiência de integração da Alalc fracassou em levar adiante a integração na América Latina, tanto pela rigidez e ousadia presentes em suas regras e metas entre países desiguais, na busca de formação de uma área de livre comércio regional, quanto pelas estratégias individuais adotadas pelos governos dos países, deixando para segundo plano a esfera da integração. Assim, a Aladi substituiu a Alalc, buscando uma integração mais gradual e flexível, através de acordos parciais, que levariam no longo prazo à integração de toda região. De um ponto de vista econômico, Raúl Prebisch, em documento publicado pela Cepal em 1959, fez uma ampla reflexão sobre as possibilidades de industrialização conjunta e redução de vulnerabilidade externa dos países periféricos latino-americanos, mudando sua condição no comércio internacional e sua dependência da dinâmica do mercado internacional. O autor observa os limites de estratégias individuais e a importância da formação de um amplo mercado regional, necessário para viabilizar a implantação de indústrias tecnologicamente mais avançadas e cada vez mais complexas, que deveriam ser planejadamente distribuídas pelos países da região, formando uma divisão regional do trabalho baseada na produção e comércio de bens industriais. Para Prebisch, os países economicamente mais avançados da região deveriam ter um papel diferenciado: especializando-se na produção de bens de capital, favorecendo e financiando as exportações dos demais países da região (menos avançados) de bens manufaturados finais, para que haja ganhos recíprocos, e tendo um papel especial no financiamento do desenvolvimento dos países de menor grau de avanço. Assim, as vantagens da integração não se concentrariam em um pequeno grupo de países. No entanto, a retomada do processo de integração na América do Sul, nos anos 1980 e 1990, acabou sendo apropriada pela ideologia neoliberal, e não pela proposta de Prebisch. Apoiada na força política dos Estados centrais e também na ideologia neoliberal que prometia uma globalização homogeneizadora conduzida pelo mercado, as políticas de desregulação econômica chegaram com força na América Latina, especialmente através das recomendações do Consenso de Washington. Tal entendimento logo atingiu a concepção sobre a integração regional. Vários acordos regionais foram firmados na região sob o manto neoliberal, com viés mais comercialista, onde se destacam o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações - CAN. A concepção do regionalismo aberto, apoiada no economicismo cepalino dos anos 1990, tornou-se a visão dominante sobre integração na América Latina. Promovendo uma integração voltada para o objetivo de formar áreas de livre comércio regionais e, consequentemente, blocos políticos com capacidade de negociar de forma mais eficiente a integração econômica global, essa visão se coadunava às reformas de mercado levadas pelos Estados da região. Ao colocar a política a serviço da economia, buscava colocar os recursos naturais da região à disposição dos mercados e cadeias produtivas globais – dominadas por grandes empresas transnacionais com matrizes nos Estados centrais – aprofundando a competitividade dos países na produção e exportação de commodities de baixo valor agregado e baixa intensidade e tecnológica. Ainda, o novo regionalismo pregado pelo BID, enfatizou a importância de arranjos de integração entre países do hemisfério Sul, abundantes em mão de obra barata e recursos naturais (e oportunidades de explorá-los) mas carentes de capitais, e países do hemisfério Norte, bem-dotados de tecnologias e capitais, mas carentes de recursos. No entanto, as políticas neoliberais não trouxeram os resultados socioeconômicos esperados às populações dos países sul-americanos. Com isso, nos anos 2000, ascenderam ao poder governos mais progressistas críticos ao neoliberalismo, de diferentes matizes, que estabeleceram novas demandas à agenda regional e, sem eliminar as propostas de regionalismo aberto, impulsionaram um revisionismo aos processos de integração originados sob esta concepção – apoiada por potências de fora da região e 32

por interesses de grupos específicos dentro da região. A Unasul, fruto desta tendência revisionista, ensaiou uma aproximação entre Mercosul e Comunidade Andina de Nações - CAN no campo econômico, ainda que inviável no atual contexto de diferentes perspectivas de integração. Trata-se mais de uma iniciativa política na qual os países avançam e colocam diálogos em pauta sobre temas relevantes, e que mostrou papel importante em contextos de instabilidade interna e atentado à democracia em alguns países (Bolívia e Equador). Com a constituição da Unasul, abriram-se novas possibilidades de tratamento de temas que já vinham ganhando espaço na ampliação da agenda integracionista nos anos 2000. Entre os temas tratados, merecem destaque: a complementaridade produtiva; a resolução de assimetrias; a soberania sobre os recursos naturais e sua utilização de forma racional e favorável ao desenvolvimento das economias e à qualidade de vida das sociedades dos países da região; a integração de infraestrutura – energia, transportes e comunicações –; e o desenvolvimento conjunto dos países de forma equilibrada. Os conselhos setoriais da Unasul foram criados para tratar de temas de fundamental importância no âmbito da integração, muitos desses que vinham sendo colocados em pauta ao longo dos anos 2000. O Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças apresenta entre seus objetivos gerais: o desenvolvimento socioeconômico igualitário entre os países da região, combatendo assimetrias, mediante mecanismos concretos e efetivos para promover a complementaridade produtiva; avançar na cooperação econômica, comercial e setorial; e desenvolver propostas orientadas para pequenas e medias empresas e iniciativas de desenvolvimento local. Na esfera macroeconômica e financeira, o conselho deve promover a integração financeira – mediante a adoção de mecanismos compatíveis com as políticas econômicas e fiscais dos Estados Membros –, impulsionar o uso de moedas locais e regionais em transações comerciais intrarregionais, possibilitar a cooperação para gerar um mecanismo regional de garantias que facilite o acesso a diferentes formas de financiamento, promover estratégias e aprofundar a cooperação entre bancos centrais e a administração de reservas internacionais, desenvolver políticas e mecanismos de monitoramento de fluxos de capitais e de cooperação em caso de crises de balanço de pagamentos, e promover mecanismos de coordenação de políticas macroeconômicas. Em uma região que contenha recursos estratégicos e potenciais energéticos, são urgentes políticas que almejem o desenvolvimento e o domínio político e econômico dos recursos, buscando promover a autonomia estratégica regional. Os países devem considerar uma política conjunta de planejamento energético que leve em conta as ofertas e suas necessidades internas, separadamente e em conjunto, com suas diferentes matrizes (fontes) energéticas. Em todos os projetos energéticos, além da cooperação tecnológica, o compartilhamento do financiamento e de riscos é um fator importante. A oferta e autossuficiência energéticas são necessárias não só por motivos socioeconômicos, mas para aumentar a independência e a influência política. A energia é fator fundamental para as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico, através de uma maior disponibilidade de energia para projetos industriais de maior valor agregado, geradores de emprego e renda. Apesar da abundância de recursos energéticos, a América do Sul apresenta uma distribuição não homogênea e um subaproveitamento de seus recursos potenciais. A região é rica em potencial energético hídrico, com grande potencial inexplorado nas áreas da Amazônia e da Bacia do Prata, com significativas possibilidades de projetos conjuntos entre países. Olhando para a região como um todo, encontramos poucas interconexões elétricas e divididas basicamente em dois grupos isolados: um envolvendo os países do Cone Sul da região e outro mais ao norte entre envolvendo EquadorColômbia-Venezuela. A ainda rarefeita malha de gasodutos da região se concentra no Cone Sul. Em razão disso, vários países, especialmente no Cone Sul do continente – Argentina, Chile e Uruguai –, possuem problemas recorrentes de abastecimento energético. A razão para isso está tanto na falta de investimentos na exploração de recursos energéticos quanto na ausência da construção de uma infraestrutura de interconexão energética que integre países produtores e consumidores, enquanto o tema é tratado predominantemente a partir de uma perspectiva nacional. Sobretudo, há uma falta de 33

visão supranacional (regional) e de esquemas de integração energética regional. Iniciativas de integração energética na região tem um caráter mais bilateral, partindo da iniciativa direta e negociações dos governos, enquanto a IIRSA estabeleceu uma lógica baseada no mercado e nas privatizações ao longo dos anos 2000. O Conselho de Energia e o Conselho de Infraestrutura e Planejamento - Cosiplan, embora constituídos para mudar esta concepção, com a intenção de atribuir um caráter estratégico e um controle político dos projetos de integração de infraestrutura, promovendo a integração energética, ainda não apresentaram resultados efetivos nesse sentido, e a capacidade de alavancar e criar fórmulas de financiamento para os projetos seguem identificadas como fatores limitadores. O Conselho de Energia da Unasul vem se dedicando a traçar uma proposta de planejamento e integração energética pela autonomia dos países da região. O potencial energético não explorado e a heterogeneidade entre as matrizes energéticas e os regimes sazonais entre os países, revelam um enorme potencial na integração de infraestrutura energética regional para resolver os problemas de abastecimentos dos países da região. O processo de integração energética da região não está livre de atritos, como os interesses de potências externas em ter acesso privilegiado a recursos energéticos da região, a oposição de organizações ambientalistas (com apoio externo) a grandes projetos, a posição política de grupos mais voltados a uma visão nacional individual e a própria crise econômica internacional. A difusão da visão de que a segurança energética é estratégica, em termos socioeconômicos e de segurança militar, pode ajudar a criar prioridades e superar tais entraves no âmbito regional. Através do Conselho de Defesa Sul-Americano - CDS e do Cosiplan, ambos frutos da iniciativa brasileira, o Brasil vem tentando promover uma agenda autônoma regional, mas enfrenta tanto a influência de agendas e visões provenientes de potências externas que encontram ressonância na região, quanto suas limitações de capacidade e vontade política. O Cosiplan apresenta em seu discurso, princípios e objetivos, uma tentativa de responder às principais críticas vinculadas à IIRSA nos anos 2000. Busca, assim: aproximar os governos e dar maior respaldo político aos projetos de infraestrutura; a partir disso, ganhar maior capacidade de mobilização e alavancagem de recursos, especialmente de agregar os mais diversos tipos de instituições e mecanismos de financiamento, incluindo novas engenharias financeiras adaptadas e agentes como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, do Brasil, e o Banco do Sul (em fase de criação); não se concentrar somente nos projetos mais “maduros” e fragmentados, incluindo a variável político-estratégica, buscando privilegiar projetos de maior impacto regional, estruturantes, e com maior coerência lógica e sinergia na sua sequência de financiamentos/investimentos, como demonstra a construção dos agrupamentos de projetos estruturantes (não projetos fragmentados e dispersos); articular os projetos com a integração produtiva e com o combate às assimetrias regionais; buscar o diálogo com comunidades envolvidas, uma maior aproximação e apoio das sociedades dos países, e considerar variáveis socioambientais nos empreendimentos. Em 2011, o Cosiplan criou três Grupos de Trabalho - GT que funcionarão como instâncias de apoio ao Conselho em suas respectivas áreas temáticas, um deles sobre Mecanismos de Financiamento e Garantias. Enfrentar os problemas de financiamento e garantias não resolvidos pela IIRSA é um dos desafios centrais do Cosiplan para avançar na execução de projetos de infraestrutura. O GT de Financiamento e Garantias tem como meta definir este desafio para viabilizar os projetos da Agenda Prioritária - API do Conselho, com o apoio dos bancos de desenvolvimento nacionais e regionais, trabalhando com organismos internacionais e também com as receitas de cada um dos países. Assim, empenha-se na busca de engenharias financeiras adaptadas aos empreendimentos da API e da Carteira de Projetos da IIRSA. Assim, o Cosiplan inclui temas importantes na agenda e busca mudanças, mas ainda sem resultados efetivos e de forma limitada, pois ainda não conseguiu implantar uma visão e planejamento regional supranacional sobre a integração de infraestrutura e enfrenta dificuldades para viabilizar o 34

financiamento de suas obras prioritárias de um ponto de vista político-estratégico. Um dos principais obstáculos tem sido a presença de atores que seguem privilegiando a lógica da IIRSA, do regionalismo aberto e do papel o mercado e da iniciativa privada. Possivelmente, a constituição do Banco do Sul, como ator financeiro regional, de caráter democrático e distributivo, facilitará a capacidade e autonomia de atuação dos governos da região no longo prazo, suprindo lacunas que a atuação do BNDES não alcança. O Focem tem se mostrado uma alternativa a ser aproveitada no Mercosul, com enorme potencial e recursos tem alcançado níveis consideráveis (em relação ao tamanho das economias menores envolvidas), embora seu desembolso ainda não tenha alcançado dinâmica satisfatória. O tema da segurança na região tem importante conexão com a soberania sobre recursos naturais e a industrialização dos países. O Conselho de Defesa - CDS da Unasul busca uma maior colaboração regional e multilateralizar temas condizentes com a realidade dos países e de interesse dos governos da região, além de criar maior transparência e confiança mútua em relação aos temas militares, para criar uma zona de paz e cooperação regional. O tema do narcotráfico e de crimes transnacionais se faz presente nas agendas de segurança dos países a região. Os EUA, como maior potência global e com interesse estratégico na América do Sul, busca difundir uma agenda de segurança hemisférica utilizando não só ações bilaterais mas também a Organização dos Estados Americanos - OEA. Tal agenda busca proliferar a noção de que as verdadeiras ameaças à segurança dos países da região provêm unicamente de “inimigos internos”, as chamadas “novas ameaças” – como narcoterrorismo, crimes transfronteiriços e eventuais desastres naturais. Assim, as forças de segurança desses países (seu tamanho e funções) deveriam ser reduzidas e se dedicar e adequar a esses temas. Nesse sentido, o combate a qualquer eventual ameaça externa que possa surgir em um mundo supostamente pacífico e globalizado, ficaria a cargo da maior potência global e de organizações multilaterais (como a Otan), que usariam seu poder como guardiões da ordem e da paz internacional. Não só o narcoterrorismo, as ameaças ambientais e à democracia, mas também supostas células terroristas e principalmente ameaças de potências externas que quisessem ameaçar a soberania sobre recursos naturais dos países da região, deveriam ser combatidas através da cooperação internacional, sob a tutela da maior potência que, nesse discurso, agiria de forma benevolente e desinteressada. Obviamente, tal agenda cria uma vulnerabilidade e dependência militar e política para os países da América do Sul. A criação do CDS abre espaço para articulações que busquem um esquema de segurança autônomo para os países da região. No entanto, parte de interesses já estabelecidos e busca interagir com a agenda dominante no âmbito internacional propagada a partir dos EUA. Sem dúvida, o narcotráfico e sua ligação com atividades ilícitas, financeiras e de comércio ilegal de bens e armas, são questões fundamentais de segurança interna para vários países da região e devem figurar na sua agenda política nacional e, consequentemente, na agenda regional. No entanto, não são as únicas questões e se forem tratados internacionalmente dentro das fronteiras nacionais dos países, podem ensejar ingerências externas e oportunismos. 14 Em outubro de 2012, o ministro da defesa do Brasil, Celso Amorim fez um discurso na Bolívia (no aeroporto de Santa Cruz), na ocasião da entrega de um dos quatro helicópteros H-1H a serem doados para a luta contra o narcotráfico, no qual pregou a necessidade da América do Sul possuir uma política de cooperação dissuasiva para proteger seus recursos naturais de forças adversas de fora da região. O ministro enfatizou que em meio às crises alimentar, energética e ambiental no mundo, os países da região devem estar preparados para dissuadir a forças adversas que pretendam desconhecer a soberania das nações para acessar esse patrimônio natural e que as estratégias nacionais de defesa serão mais eficazes quando possam contar com uma articulação a nível sul-americano. 15 Uma resolução do CDS, aprovada em reunião extraordinária em novembro de 2009, trata do problema do narcotráfico e da atuação de grupos ilegais na região, mas colocando como causa e responsabilidade do problema não 35

somente os fenômenos e a postura dos governos da região, mas também os países consumidores: “Considerando la incidencia del problema mundial de las drogas y la corresponsabilidad de países productores y consumidores sobre la seguridad regional”. Posteriormente, em novembro de 2012, foi criado o Conselho Sul-Americano em matéria de Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação de Ações contra a Delinquência Organizada Transnacional. Além de sua capacidade econômico-financeira para sustentar possíveis conflitos, a força militar de um país depende de sua base industrial de defesa e de sua tecnologia, de onde provém sua autonomia estratégica militar nos campos produtivo e tecnológico. Ao mesmo tempo, a base industrial de defesa tem papel importante não somente na força militar de um país, mas também socioeconômico, pois gera tecnologias que podem se espalhar e são aproveitadas para uso civil, aproveitadas por empresas (gerando competitividade) e pela população como um todo. De forma geral, em todo mundo, e especialmente nas grandes potências, é o Estado que comanda – diretamente ou indiretamente – a produção de armamentos, por ser considerado um setor estratégico. Analisando as importações de armas dos países da América do Sul encontramos o predomínio de países de fora da região: Rússia, Estados Unidos e Israel estão nas primeiras posições, respectivamente (dados de 2010). O Brasil é o único país sul-americano que aparece neste ranking, em oitavo lugar, com vendas inferiores à metade do terceiro colocado, representando menos de um quarto do segundo colocado, EUA, e menos de um quinto do primeiro colocado, Rússia. 16 O CDS apresenta a possibilidade de se trabalhar na construção de uma base industrial de defesa sul-americana, um complexo acadêmico-industrial-militar envolvendo os países, com um mercado e encomenda estatais dos países partícipes, com participação de suas empresas na geração de produção física e tecnológica. As encomendas e o apoio do Estado garantem que o setor de defesa possa ser um bom negócio e gerar tecnologias e produção próprias (nacionais) neste setor sensível e estratégico. Uma política de exigência de maior participação de conteúdo de empresas sul-americanas nas encomendas contratadas junto às empresas estrangeiras pode impulsionar inicialmente mudanças importantes. Isto deve ser combinado a uma política de incentivos para que empresas sul-americanas sejam implantadas e/ou desenvolvidas tecnologicamente. O Brasil vem trabalhando para estimular a participação dos países da América do Sul no CDS (inclusive Guiana e Suriname), que deve ser o canal e centro irradiador de uma agenda autônoma de segurança e defesa regional. Para tanto, o Brasil deve apoiar em alguma medida à modernização da estrutura de defesa dos países da região que estejam em sintonia com um projeto de integração que promova a autonomia estratégica dos países da região. Iniciativas importantes são as de formação e treinamento militar, intercâmbio de conhecimentos, ação conjunta nas fronteiras e revitalização de equipamentos militares. Além dos recursos estratégicos no interior do continente, na Amazônia e na Bacia do Prata, que demandam políticas de industrialização e de segurança, os países da América do Sul devem atentar também para o seu entorno marítimo. A importância do Atlântico Sul compreende fatores de ordem global que afetam a segurança e o desenvolvimento dos países que compartilham seu espaço e a América do Sul. O Atlântico Sul tem importância para as rotas comerciais globais e seus recursos nos fundos marinhos despertam interesses e disputa entre as grandes potências. O controle britânico sobre o “cordão de ilhas” – que interconecta a América do Sul e a África – e o contencioso na plataforma continental argentina e o arrendamento da Ilha de Ascensão por parte dos EUA, podem representar uma ameaça aos países do Atlântico Sul e da América do Sul, especialmente os atlânticos. Não podemos esquecer temas como a exploração de áreas marítimas internacionais, no Atlântico e no Pacífico, e a projeção para a Antártica. Assim, as manobras e a presença militar de grandes potências representam ameaças nas áreas atlântica e pacífica. São questões que ultrapassam interesses econômicos e militares imediatos e regionais, e podem ser encaradas do ponto de vista da disputa de poder e da dinâmica expansiva (violadora de soberanias e em busca de relações assimétricas) das potências tradicionais e emergentes no âmbito global, da discussão sobre a geopolítica dos mares e da jurisdição das águas internacionais, assim como da atuação de outros países na África e na América do 36

Sul, que podem resultar em um quadro desfavorável. Para cuidar do Atlântico Sul, os países sul-americanos devem, além de fortalecer sua capacidade militar dissuasória, atuar em organismos internacionais e dialogar com grandes potências tradicionais e emergentes, além de se articular no âmbito regional, não só na esfera da cooperação econômica, mas principalmente no campo da segurança-militar. Tal arranjo deve envolver os países da África Subsaariana e da América do Sul. O Atlântico Sul se apresenta como um espaço em que ressurgem contenciosos associados a disputas por soberania, propostas de extensão da plataforma continental, crescente fluxo comercial, crescentes atividades científicas e de exploração de recursos (inclusive de empresas de países de fora da região), e atividades no campo militar e da segurança. Assim, é um espaço em que também passam a repercutir divergências originadas no campo geopolítico global ou em outras regiões, protagonizadas por potências tradicionais e potências emergentes. Atualmente, o Conselho de Defesa Sul-Americano e Zopacas (ou ZPACAS, Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul) são os instrumentos adequados para a promoção da cooperação regional pela paz, segurança, desenvolvimento de capacidades militares e soberania territorial e de recursos no Atlântico Sul. Ao mesmo tempo, a Bacia do Pacífico vem se destacando como espaço mais dinâmico na economia global, onde se situam e projetam as economias que mais crescem desde o fim o século XX, registrando crescentes fluxos de comércio, investimentos e acordos internacionais, originados e ligados às economias da Ásia-Pacífico, incluindo a maior potência global, os EUA. A geopolítica do Pacífico representa um enorme desafio à consolidação de um projeto regional coeso envolvendo todos os países sul-americanos, e principalmente a um projeto que impulsione a plena utilização dos recursos naturais em favor de um desenvolvimento industrial conjunto e equilibrado. A Aliança do Pacífico – envolvendo Chile, Colômbia, Peru e México – leva a uma fragmentação entre projetos de integração regional na América do Sul, ao promover uma integração aberta e principalmente conveniente ao interesse dos EUA na região, e posteriormente das demais potências do Pacífico. Esses países da costa do Pacífico têm sido espaços de influência e servem como plataformas para a penetração de potências externas, não só os EUA, já que vêm firmando TLCs com vários países, incluindo a China. Esta é uma iniciativa entre economias neoliberais sul-americanas que não possuem complementaridades e tampouco políticas para estimulá-las, seus territórios não são integrados internamente e suas economias voltadas para exportações contam com um peso econômico significativo do setor exportador de commodities nos seus respectivos PIBs. Das exportações totais destes países, é significativa a participação das exportações de bens primários: 89,2% no Chile (onde pouco mais de 60% das exportações totais são de minérios), 82,5% na Colômbia, e 89,3% no Peru (60% das exportações totais são de minérios). Seus principais mercados se encontram na região da Ásia-Pacífico. O Chile exporta principalmente cobre (quase 40% das exportações), a Colômbia exporta principalmente combustíveis minerais (66%) – petróleo e carvão – e o Peru exporta principalmente minérios (29%), pedras e metais preciosos (22%) e combustíveis minerais (12%) – ouro, cobre e outros minérios estão entre seus principais produtos exportados. A Colômbia é um aliado estratégico dos Estados Unidos na região que recebe ajuda comercial (ATPDEA) e militar (Plano Colômbia). O México está atrelado aos EUA pelo Nafta. Assim, tais países vêm aproveitando o recente período de alta do crescimento dos preços e volumes das exportações de commodities para impulsionar o crescimento de suas economias, mas não vêm utilizando suas divisas para promover mudanças estruturais, e sim aprofundando sua dependência em relação às exportações de baixo valor agregado e baixa intensidade tecnológica (commodities), dependente da demanda de marcados externos. A Aliança do Pacífico é mais uma amostra que o pós-neoliberalismo não está consolidado na região (assim como os debates dentro de instituições regionais mostram). Ainda, revela-se um projeto menor dentro do projeto mais amplo dos EUA para projetar sua influência no Pacífico e na América do Sul, onde a Trans-Pacific Partnership - TPP é o seu principal instrumento. O TPP é a pedra angular da política econômica do governo Obama na Ásia-Pacífico, atendendo os interesses de suas grandes 37

empresas. É um projeto liderado pelos EUA para projetar seu poder, conter a China, conter o Brasil e deslocar suas iniciativas regionais, e fazer valer os interesses estratégicos estadunidenses e de suas empresas competitivas globalmente, explorando recursos naturais e atuando em ramos de maior valor agregado e intensidade tecnológica. A China é sedenta por recursos naturais e pelas commodities presentes na América do Sul, como produtos agrícolas (especialmente soja), minério de ferro, cobre e petróleo. A crescente presença econômica da China na região – através de investimentos, financiamentos, acordos e transações comerciais, e de suas empresas estatais –, buscando garantir o abastecimento dos recursos naturais necessários para a sustentação de sua estratégia de crescimento, urbanização, industrialização e aumento de seu poder militar, também representam enorme desafio à integração regional. Seguindo a estratégia de going global presente no décimo plano quinquenal (2001-2005) chinês, que encorajou as suas empresas estatais a investir no exterior, os investimentos chineses na América do Sul vão principalmente para setores de recursos naturais como cobre, soja, minério de ferro e petróleo. Importante notar que a China vem utilizando como instrumento a oferta de financiamento barato em troca do acesso assegurado e de longo prazo a recursos estratégicos – conhecido como oil for loan. A crescente presença da China na região aprofunda o padrão de inserção dos países como economias voltadas para fora, produtoras e exportadoras de bens de baixo valor agregado e baixa intensidade tecnológica, e desconectadas entre si, dependentes e vulneráveis às oscilações da economia internacional. O Mercosul vem passando por mudanças ao longo dos anos 2000, incluindo crescentemente na sua agenda as dimensões social e produtiva, e tratando do tema das assimetrias entre os seus países membros. A criação do Fundo para Convergência Estrutural - Focem, em 2006, começa a tratar do combate às assimetrias, e o Programa de Integração Produtiva - PIP, criado em 2008, busca contribuir para o fortalecimento da complementaridade produtiva da região e especialmente das cadeias produtivas das Pequenas e Médias Empresas regionais e das empresas dos países de menor tamanho relativo da região. O Mercosul também vem se ampliando geograficamente. O Cone Sul representa o espaço mais desenvolvido e integrado da América do Sul e o ingresso da Venezuela pode contribuir para uma desconcentração do desenvolvimento e da integração regional, e para uma maior atenção para países e áreas de menor desenvolvimento socioeconômico, no norte da região, incluindo a região amazônica. Apesar de muitas iniciativas ainda não terem mostrado resultados efetivos, a ampliação geográfica do Mercosul e a inclusão dos temas sociais, produtivos e de assimetrias, dão vitalidade ao bloco e o colocam como um projeto contrário às iniciativas partidárias do regionalismo aberto e, sobretudo, ao projeto liderado pelos EUA na região. Negociando de forma articulada em organizações internacionais, com blocos e potências externas, os países da América do Sul podem auferir maior poder de barganha e maiores vantagens, inclusive abrindo espaço para uma política pendular entre os diferentes interesses na região. A plena utilização dos recursos naturais da região em favor do desenvolvimento de seus países é a melhor forma de afastar cobiças externas e assegurar a soberania sobre tais recursos. Para isso, além de um projeto de industrialização conjunto, formando cadeias produtivas intrarregionais de maior valor agregado, também é importante uma adequada oferta e infraestrutura e financiamento. Não se deve perder de vista que há a necessidade de se fazer um verdadeiro inventario de recursos (continentais e marítimos) e de planejar e incentivar a industrialização conjunta levando em conta as assimetrias entre os países da região e o potencial de um mercado regional. Mas isso é sobretudo um projeto político, que depende da continuidade na política externa dos Estados, algo que não tem sido registrado com as mudanças de governos na região. O Brasil, devido ao seu peso econômico e político, deve ter um papel especial promovendo uma maior coesão política e o desenvolvimento econômico conjunto na América do Sul. O governo brasileiro tem apresentado um discurso condizente, colocado em pauta temas importantes e liderado iniciativas condizentes com tais tarefas. No entanto, ao longo dos anos 2000 o Brasil desenvolveu um 38

comércio cada vez mais assimétrico, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, com os demais países da região, sendo superavitário com todos os países (exceto a Bolívia, por conta do comércio de gás). O governo brasileiro tem feito um discurso em favor de um comércio mais equilibrado e buscado compensar o desequilíbrio atual com outras iniciativas, por exemplo, através de financiamentos do BNDES e, no caso do Mercosul, através de suas contribuições ao Focem. Embora utilize um sistema de risco e juros diferenciados para os países da região, a atuação via BNDES enfrente limites, visto que o estatuto do banco só permite que este financie bens e serviços de empresas brasileiras, e que este não adota nenhum critério político-estratégico na concessão de financiamento, por exemplo, se os projetos são favoráveis à integração regional ou ao desenvolvimento conjunto dos países. Para fomentar o comércio entre os países da região, devem ser intensificados a utilização do Convênio de Créditos Recíprocos - CCR da Aladi e o comércio em moedas locais, livrando a restrição do dólar e diminuindo custos de transação. O processo de integração, especialmente entre países periféricos, deve formar um amplo mercado regional assegurado e interconectado por um eficiente sistema de infraestrutura (comunicações, energia e transportes). Assim, será possível um maior aproveitamento das potencialidades geográficas (especialmente os recursos naturais) em favor do desenvolvimento socioeconômico dos países da região. Objetivos comuns podem cimentar um projeto político de integração: a soberania e utilização dos recursos naturais para industrialização conjunta, melhora da qualidade de vida das populações, e projeção de poder no sistema internacional. Isso passa pelo domínio espacial e pela exploração racional dos recursos e potenciais geográficos da região, o que por sua vez demanda um sistema de infraestrutura para dar suporte à exploração de recursos, domínio dos espaços e formação cadeias produtivas e de um mercado – interligado de forma eficiente. Por fim, o processo de integração na região permite tanto interpretações mais otimistas quanto mais pessimistas. As mais otimistas devem considerar o avanço no diálogo e na inédita aproximação entre países da região, colocando importantes temas em pauta e construindo uma institucionalização do processo de integração regional. As visões mais pessimistas partem da constatação de que atualmente há um processo de desintegração na região e sua divisão em duas agendas básicas. A razão desta fragmentação encontra-se na combinação entre: resultados assimétricos da maior integração entre o Brasil e os demais países nos anos 2000, a projeção de potências externas, e a postura liberal de países exportadores de commodities que, na ausência de um líder regional capaz de promover seu desenvolvimento, tendem a se alinhar com os interesses de potências externas, como mostra a iniciativa do Arco do Pacífico. A projeção destas potências externas se dá através de uma política externa coerente com seus objetivos estratégicos, mesmo que custos e obrigações tenham que ser assumidos pela sua consecução; enquanto a política externa brasileira não consegue ter a mesma coerência e nem pode perseguir um projeto nacional claro, pois este inexiste. As consequências não são de ordem puramente econômica, mas sobretudo de ordem político-estratégica. Se o Brasil não for capaz de promover uma agenda de integração e desenvolvimento para os países da região, assim como uma agenda de segurança para o seu entorno estratégico, a tendência à fragmentação de projetos de integração na América do Sul persistirá, abrindo espaço para a penetração de potências externas. Países que se encontram atualmente no Mercosul podem optar pela negociação de TLCs com EUA e China e ingressar na Aliança do Pacífico, como já sinalizaram Uruguai e Paraguai através de seu ingresso na condição de membros observadores. Ao mesmo tempo, o Brasil tem mostrado capacidade de manter um eixo sólido de parceria estratégica na região, com Argentina e Venezuela – envolvendo as maiores economias da região –, de ampliar o tratamento de temas na agenda regional e de promover a institucionalização da integração regional, através de suas iniciativas. Essas questões foram o foco do Simpósio 2 do XIV Congresso Internacional do FoMerco, intitulado “Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e a nova arquitetura financeira da integração no Século XXI”, coordenado por Frederico Katz. De forma ampla, o Simpósio 39

debateu sobre as questões que interrogam as escolhas dos modelos de desenvolvimento no contexto de crise internacional e a busca de políticas alternativas na região, incluindo a polêmica primarização versus industrialização, a noção de desenvolvimentismo no mundo globalizado e as escolhas possíveis de utilização dos recursos naturais para o desenvolvimento integral. Ainda, o debate abordou a avaliação dos avanços e obstáculos na tentativa de criação de um sistema de financiamento do desenvolvimento integrado e consideração de novas propostas para o financiamento e o aproveitamento dos recursos energéticos como condição para a integração.

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DEPOIMENTO

Ricardo Canese

Los recursos naturales son fundamentales, son el futuro. Estamos viviendo en una sociedad de consumo que está acelerando el uso de todo tipo de recursos, bajo un modelo absolutamente insostenible. Este modelo está causando conflictos en todo el mundo, particularmente en el Medio Oriente, aunque también en todos los países que cuentan con recursos que hoy son cada vez más escasos y valiosos. El rol de los recursos naturales será cada vez mayor. América Latina tiene la suerte de tener una gran cantidad de agua dulce, energía, minerales, tierra fértil, biodiversidad y, en fin, todo tipo de recursos naturales de gran envergadura, potencial y sustentabilidad. Con la perspectiva cada vez más conflictiva en un futuro próximo, es importante que los recursos naturales se preserven, que se usen racionalmente, que no se estén exportando – saqueando – a bajo precio, sino que se busque agregar la mayor cantidad de valor posible, en el marco de un proceso de industrialización, de agregación de tecnología, incluso de desarrollo de tecnología propia y, de esa manera, entonces, convertir a toda nuestra región, América Latina, de unos veinte millones de kilómetros cuadrados y de 600 millones de habitantes, en una región verdaderamente integrada, apuntando a ese objetivo futuro, a ese futuro donde los recursos naturales van a ser fundamentales, a fin de tener capacidad de agregar valor, generar riqueza y distribuirla correctamente con gran equidad. Para que esto último sea posible, reforzar la soberanía de los pueblos sobre sus recursos naturales, en un marco de integración, va a ser fundamental. En este punto, ¿cómo está la cuestión política y la situación de todos los recursos naturales en el Paraguay con el nuevo – no sé si le llamo – gobierno, pero, en fin, cómo está la cosa y también como está la participación internacional en Paraguay? Nos preocupa esta situación. Sí, preocupa. De hecho, el golpe de Estado del 22 de junio del 2012 fue dado por los sectores más oligarcas del Paraguay. Es cierto, ligados a transnacionales, al Imperio, desde donde conducen, precisamente, la política inversa a la de soberanía e integración aquí manifestada. Es decir, de extraer riqueza, no de generar valor agregado, no de generar empleo de calidad, no de generar condiciones de desarrollo, sino todo lo contrario. El actual Presidente Cartes ha sido uno de los principales gestores del golpe de Estado. Él asumió hace unos dos meses (agosto del 2013) y no solamente mantiene esa línea (que ya se implementó después del golpe de Estado durante el gobierno usurpador de Franco), sino que busca profundizarla. Hay una discusión, una ley de privatización muy dura, una ley neoliberal que busca privatizar todo, menos el aire; es el agua, son los ríos, las escuelas, los hospitales, las cárceles, la energía eléctrica, las telecomunicaciones, los puertos, los aeropuertos, los ferrocarriles y todo, absolutamente todo. Donde el país, el Paraguay, dejaría de controlar, dejaría de tener la capacidad de manejar soberanamente sus recursos naturales y donde el futuro no sería nuestro, sino de las transnacionales (el proyecto de ley en discusión en ese momento, en octubre del 2013, fue promulgado, en términos incluso más duros a los entonces en discusión, en noviembre del 2013, como Ley N° 5.102/2013). Justamente es lo que expresé en esta exposición. Es el modelo que hay que superar. Desde luego, lo que plantea ahora Carter está generando una reacción muy fuerte de los sectores sociales y democráticos. Hay una huelga nacional que está convocada para el 28 de octubre (del 2013) cuando la Cámara de Diputados trate la aprobación de esta ley de privatización, llamada de “alianza público privada” (huelga que se llevó a cabo con 50.000 personas en la calle; luego se hizo el 26 de marzo del 2014 otro huelga general, de aún mayor acatamiento en todo el país). Esto también es positivo, que la ciudadanía está reaccionando para que no se remate ni se malvenda todo lo que hay de 41

valioso en nuestro país y que el Paraguay vuelva al proceso de integración con las demás naciones de América Latina. En ese sentido, es fundamental preservar los recursos naturales y también con una sustentabilidad ambiental y social. Entonces, ¿el Paraguay hoy es una excepción si comparamos con Brasil, Argentina, Venezuela? Así es y para eso dieron el golpe de Estado, desplazándole al presidente Fernando Lugo en forma ilegal, para introducir una cuña en el proceso de integración, para introducir un portaviones en un proceso de integración, para dificultar ese proceso de integración. Nosotros, como pueblo paraguayo, vamos a seguir luchando y lo importante – lo positivo – es que la mayoría del pueblo se está dando cuenta. Hay muchas manifestaciones y, finalmente, va a volver a venir un cambio democrático popular en el Paraguay de aquí a poco. ¿Usted ha logrado vencer en las elecciones? Sí, fui electo parlamentario del Mercosur. En la lista del Parlasur del Frente Guasu tuvimos una votación muy buena, casi el doble de los votos que obtuvimos la vez pasada que fui electo en el 2008 y faltaron pocos votos para conseguir el doble de parlamentarios del Frente en el Parlasur. De hecho, los grupos progresistas han más que duplicado los votos (y porcentaje) que obtuvimos en listas legislativas cuando elegimos a Fernando Lugo. En el 2008, como grupo progresistas tuvimos menos del trece por ciento (13%) en la votación para el senado (3 senadores electos), en tanto que, en estas elecciones del 2013 tuvimos más del veintiocho por ciento (28%) para las mismas listas del senado; hemos más que duplicado la votación y tenemos hoy 11 senadores (5 del Frente Guasu, 6 de otros tres sectores progresistas), casi el cuádruple de parlamentarios de lo que obtuvimos en el 2008, aunque es claro que con 28 por ciento y 11 senadores (sobre 45 senadores) no se tiene mayoría, pero tenemos una base muy importante a partir de la cual crecer y llegar a un cambio en poco tiempo más en el Paraguay. Entonces, ¿cuál es tu precisión en relación a Paraguay y el Mercosur sobre la cuestión de Venezuela? Sí, bueno, ¿qué hará el presidente Cartes? Es una incógnita, porque él, de hecho, responde a ese golpe de Estado que se dio para beneficiar a los intereses de Estados Unidos y de las transnacionales, que son contrarios a un proceso de integración de los pueblos, contrarios a preservar los intereses de los pueblos – como son los recursos naturales – y están en contra de un proceso de integración social. Nosotros, los sectores populares, progresistas y democráticos dentro del Paraguay, vamos a luchar por contrapesar y hasta impedir que se atente contra el proceso de integración y soberanía. De hecho, el pueblo está manifestándose en las calles, estamos exigiendo que se respeten los derechos humanos, los derechos sociales y que el Paraguay vuelva al Mercosur plenamente integrado (lo que se concretó en diciembre del 2013). Estamos apoyando un proceso de integración para beneficio de los pueblos. ¿No es un poco difícil? Es un poco difícil, claro, pero nosotros estamos luchando y ya hemos luchado muchas veces. Ahora, con más convicción, estamos seguros que esta vez el pueblo finalmente va a triunfar, tenemos esa convicción. Hemos crecido como izquierda en Paraguay, donde siempre fuimos débiles. Hay que entender que en el 2008 ganamos con Fernando Lugo, pero con una alianza con el Partido Liberal y una izquierda muy débil y totalmente desunida. Hoy sí, ya tenemos mucha más fuerza, como indicamos y, bueno, estamos acumulando fuerza para que se produzca el cambio en Paraguay, a favor de la soberanía de nuestros recursos naturales y una integración que genere riqueza en todos nuestros pueblos, en poco tiempo más.

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ARTIGO

Sobre a arquitetura da integração no século XXI André Calixtre

Inicialmente observo que é diferente a forma de investimento que a China faz com a América Latina e com a África, e o que ela faz com o Leste Asiático. Neste último, há acordos de preferência comercial com baixíssimo grau de institucionalização regional e há uma dinâmica de expansão da China completamente distinta da expansão para as outras regiões. A China expande-se para o Leste Asiático com déficit comercial e espraiamento de cadeias produtivas, enquanto, para a América Latina, o que se observa é um aumento da corrente de comércio – aumento de exportação e importação ao mesmo tempo – e do investimento externo, sem espraiamento de cadeias produtivas. A Europa era tida como nosso caso clássico, o objetivo de integração antes da crise, mas essa comparação sempre foi uma pista falsa. Pois a dinâmica da integração europeia tem um elemento que é fundamental que se manifesta de forma completamente distinta na integração latino-americana: a questão da soberania. A dinâmica da integração europeia é de compartilhamento de soberanias; sob liderança da Alemanha, mas um processo de compartilhamento. Isso é totalmente diferente do processo latino-americano, cujo processo é de constituição de soberanias. Então, como pode uma coisa ser comparável a outra? Eu nunca consegui entender isso. A América Latina tem uma dinâmica própria porque está marcada pela especificidade do subdesenvolvimento, tal como formulado na década de 1950 e implementado na década de 1960, desde as primeiras instituições latino-americanas. Nessa perspectiva, o subdesenvolvimento não seria autossuperável por um país só, sendo inevitável uma integração regional para se criar as escalas mínimas e conseguir superar a questão tecnológica imposta pelo capitalismo central. Não se faz isso numa só nação. No entanto, as economias regionais pouco se integraram ao longo do período compreendido pelo nacional-desenvolvimentismo, ou seja, a estratégia histórica de superação do subdesenvolvimento por meio da industrialização dirigida pelo Estado ante um projeto nacional e a constituição de núcleos tipicamente capitalistas no interior das economias agrário-exportadoras em crise durante as grandes mudanças globais promovidas pelas Grandes Guerras. Qual foi a contradição dessa integração latino-americana nas décadas de 1960, 1970 e 1980? É que ao mesmo tempo em que se construiu o discurso de que a superação do subdesenvolvimento só seria possível com a integração regional, o nacional-desenvolvimentismo é uma dinâmica de acumulação dentro das fronteiras nacionais, não está além das fronteiras. Então, ao mesmo tempo, o discurso fortemente integracionista convivia com a dinâmica de acumulação de capital desintegradora das economias, porque estavam se constituindo em planos nacionais, não em planos regionais. Esse modelo de integração dos anos 1960, 1970 e 1980 – que simbolicamente é o modelo da Alalc/Aladi – entra em crise no fim dos anos 1980 porque é o fim do modelo de acumulação do nacionaldesenvolvimentismo. Essa crise do modelo nacional-desenvolvimentista também é uma crise da forma de acumulação nacional nos países subdesenvolvidos. A introdução da necessidade, pela acumulação de capital, de criar mercados regionais como pré-condição de inserção internacional é um motor que, no plano econômico, impulsionou a integração latino-americana nos anos 1990, mesmo sob o neoliberalismo. O que os presidentes da década de 1990 falavam toda hora? “Nós precisamos fazer a Alca, a Alca é inevitável, mas antes temos que integrar nosso mercado regional”, como se fosse uma etapa, o que é exatamente a teoria da geopolítica da globalização, da contradição entre globalização e regionalização, da globalização financeira e regionalização de mercados; é exatamente a condensação 43

disso numa experiência concreta que formou, por exemplo, o Mercosul. Não é por menos que por essa lógica de mercados regionais vai-se da discussão latinoamericanista para o sul-americanismo, por uma questão de proximidade, de vantagens comparativas. Ou seja, cada vez mais a lógica dos negócios vai impregnando o processo de integração e essa foi a máquina dos anos 1990, porque de fato havia uma mudança na dinâmica de acumulação do capitalismo periférico pós anos 1980, pós crise do modelo do nacional-desenvolvimentismo. Esse novo modelo, de integração liderada pelo capital, e não mais de integração liderada pela política – grosseiramente falando – de 1990 para cá, pelo menos até a crise do neoliberalismo, foi um modelo basicamente de abertura de mercados, de criação de mercados regionais, porque isso seria a condição para a integração hemisférica. A questão é que o modelo neoliberal não foi desintegrador, ele foi um modelo integrador, esse é o grande paradoxo dos anos 1990. Por quê? Primeiro porque todo mundo adotava a mesma política macroeconômica; era uma péssima política macroeconômica, mas todo mundo tinha a mesma. Todo mundo tinha âncora cambial, controle da inflação, restrição monetária, era uma beleza. Os preços relativos estavam dolarizados, isso criou um horizonte de cálculo para o capital que facilitou muito o processo de integração. O problema disso tudo foi termos uma integração totalmente voltada para a dinâmica do mercado, ou seja, um processo, em essência, gerador de desigualdades. Portanto, eu não concordo com a ideia de que a América Latina, ou melhor, a América do Sul tenha-se desintegrado nos anos 1990, em termos econômicos não foi isso que aconteceu. Essa integração mudou profundamente sua dinâmica nos anos 2000, e aqui está uma nova contradição: a todo momento as instituições que foram montadas mesmo durante o período neoliberal são instituições, como o Mercosul, que constituíram soberanias, e não relativizam soberanias, pela própria estrutura de decisão, a estrutura de negociação e a dinâmica de funcionamento dessas instituições – que não tem nada a ver com a Europa, nada a ver com a história europeia. A estrutura sul-americanista sobreviveu à crise do neoliberalismo, mas é totalmente ressignificada. Por exemplo, o que é uma união aduaneira nos anos 1990 acaba tendo um significado nos anos 2000 completamente diferente, mas é a mesma união aduaneira. Uma união aduaneira nos anos 1990 consistia nos passos da integração: para se chegar ao mercado comum era preciso ter uma união aduaneira com uma tarifa externa comum, e assim por diante, aquele procedimento de manual porque é preciso liberalizar os mercados para criar o mercado regional. A união aduaneira nos anos 2000 significava criar um espaço comum de crescimento, o avanço da acumulação, regular esse processo e, mais recentemente – principalmente depois da crise de 2008 –, consolidar uma união aduaneira no Mercosul significa construir um instrumento regional de regulação comercial. Por quê? Porque ao unificar as listas de exceções, ao unificar a tarifa externa comum, ao unificar as arrecadações aduaneiras, consegue-se criar um mercado regional capaz de proteger-se da concorrência internacional. A mesma coisa sobre o financiamento. Foi pensado o Banco do Mercosul, aí vira o Focem - Fundo de Convergência Estrutural, e hoje a convergência estrutural não basta, é preciso ter um banco de fomento do investimento, daí a necessidade de criar o Banco do Sul, que é uma instituição que ainda não está em operação, inclusive falta a ratificação do Brasil, mas que foi criada como uma forma de avançar na integração do mercado. São as instituições neoliberais que estão avançando? Não. São as instituições dos anos 1990. O sentido delas é que está sendo alterado. É totalmente diferente usar o Mercosul nos anos 2000 do Mercosul nos anos 1990. Entender essas diferenças para mim é fundamental, porque uma coisa é fazer a discussão da integração regional no começo dos anos 2000, quando se está numa crise do neoliberalismo, numa mudança de valores; hoje é o sucesso da década de 2000 que nos desafia, e não mais o fracasso da década de 1990. No meu entender, esse é um horizonte de pesquisa muito profícuo, principalmente para quem está no governo e se quiser fazer uma discussão consequente da política 44

externa brasileira em relação à integração regional.

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Desenvolvimento dos recursos naturais como eixo dinâmico da integração regional José Carlos de Assis

Uma estratégia de desenvolvimento industrial dos recursos naturais na América do Sul, desde a extração até a comercialização, deve levar necessariamente em conta quatro estágios específicos, a saber: 1. 2. 3. 4.

Exploração dos recursos primários; Transporte/logística para os centros de exportação ou processamento; Industrialização na própria região; Comercialização interna e externa.

Desses quatro estágios, três – 1, 3 e 4 – são autofinanciáveis. Um deles, porém, fundamental – infraestrutura de transporte – implica financiamento público a fundo perdido já que, como ocorreu e ainda ocorre em todos os países industrializados avançados, redes de transporte básico constituem, em quase sua totalidade, encargos do setor público, e funcionam como agentes estruturantes do desenvolvimento dos demais setores econômicos e sociais. Em face disso, este texto trata, inicialmente, de uma proposição para o financiamento público do setor logístico regional para, posteriormente, abordar as sugestões para os outros três estágios assinalados. O problema crucial no financiamento do desenvolvimento de uma infraestrutura regional é a enorme assimetria econômica entre os países da América do Sul, o que se reflete em sua estrutura tributária grandemente diversificada. Em outras palavras, para a maioria dos países da região, é baixa a capacidade de geração de poupança interna para financiar o desenvolvimento, sobretudo a partir do setor público. É que, mesmo que haja possibilidade de financiamentos de projetos privados na medida em que tenham razoável taxa interna de retorno, no setor público não há como alavancar grandes financiamentos para investimentos de infraestrutura pois eles requerem confiabilidade a longo prazo na redução de riscos e na efetiva capacidade de pagamento dos Estados. Em razão disso, estamos sugerindo que os países da América do Sul adotem um modelo de financiamento da infraestrutura regional que provou sua eficácia e viabilidade no Brasil, nos Estados Unidos e em vários países da Europa. Trata-se de um tributo sobre a comercialização de combustíveis vinculado ao financiamento da infraestrutura de transportes. Esse tributo, no Brasil, recebeu o nome de Cide - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, sucedendo outros que historicamente incidiram sobre a mesma base e com os mesmos propósitos, e maior eficácia. O imposto vinculado ao investimento de infraestrutura de transportes, se aplicado em toda a América do Sul, seria a base de uma revolução na infraestrutura de transportes da região e no próprio desenvolvimento econômico. É importante considerar que, não obstante a imensa necessidade e as grandes perspectivas que decorrem da instituição do Banco do Sul, ele terá pouca relevância no financiamento da área estratégica de infraestrutura de transportes públicos sem uma base de garantia que transcenda os orçamentos nacionais gerais. É que os orçamentos são disputados por múltiplas áreas, e tornam-se inconfiáveis para empréstimos bancários de longo prazo. Nesse sentido, a Cide regional funcionaria, trazida a valor presente, como uma garantia de poupança permanente facilitando as decisões de liberação de empréstimos pelo Banco. A instituição desse imposto vinculado, a nosso ver, deveria partir de uma recomendação superior 46

da Unasul a todas as nações dela integrantes. O estímulo para a adesão poderia vir – e esta é uma recomendação de nosso Instituto, sem consulta ao Governo brasileiro – de um esquema de financiamento dos projetos que implicasse um subsídio direto aos países menos desenvolvidos da região. Nesse caso, poderia ser criada uma regra pela qual, por exemplo, a participação nacional no financiamento de cada projeto seria proporcional ao PIB de cada país, e não à extensão do projeto em território nacional. Com isso, os países mais pobres seriam altamente beneficiários de todo o esquema em contrapartida da criação do imposto e seriam estimulados a adotá-lo. Uma vez equacionada, dessa forma, a estrutura de financiamento da logística regional (rodovias, ferrovias e hidrovias), seria dada continuidade à revisão da IIRSA no âmbito da Secretaria Geral da Unasul de forma a definir as ligações prioritárias na região. O objetivo último seria o desenvolvimento regional dos recursos naturais, podendo, porém, por período limitado de tempo e para efeito de capitalização dos empreendimentos, admitir uma limitada porcentagem de exportação in natura sobretudo por parte dos países mais pobres, desde que essa exportação esteja vinculada a projetos de industrialização a médio prazo. A projetada infraestrutura de transportes seria articulada aos projetos de industrialização que vierem a ser definidos a partir do mapeamento dos recursos naturais. Esse mapeamento deveria ser realizado em três níveis. Primeiro, a partir de informações já existentes que possibilitassem a realização de projetos imediatos de exploração. Segundo, mediante coleta de informações mais detalhadas que ampliem o conhecimento e uma quantificação primária dos recursos existentes. E terceiro, um levantamento pormenorizado, levando ao mapeamento dos recursos, cubagem das reservas, teor, etc., com vistas ao desenvolvimento a médio e longo prazo desses recursos. Sugere-se que, para tornar irreversível a agenda que foi aprovada pelos presidentes, ainda na gestão do atual Secretário-Geral, Alí Rodríguez, seja realizado o mapeamento no primeiro nível, indicando possíveis empreendimentos em torno dos quais se pudesse iniciar negociações de caráter prático. Uma vez definidos, conceitualmente, o empreendimento e a logística, seria proposto ao país sede do empreendimento um modelo empresarial para seu desenvolvimento articulado no âmbito do Secretariado-Geral da Unasul. Tratando-se de industrialização de recursos naturais, pode-se explorar a possibilidade de um acordo guarda-chuva estratégico com a China no sentido de atrair sua participação no capital e no fornecimento, em parte, da tecnologia industrial, em contrapartida de compromisso de importação dos produtos industrializados. A possibilidade concreta de um tal acordo se baseia na intenção já percebida da China de reduzir a expansão doméstica de transformação de produtos naturais por razões ecológicas e de consumo energético, o que deverá ser compensado por importações. A América do Sul, por seu lado, tem imensa folga na produção de energia, desde os recursos energéticos fósseis aos renováveis. Resumindo os elementos básicos dessa sugestão, teríamos: 1. Identificação e criação de projetos de industrialização de recursos naturais para consumo interno e exportação; 2. Desenvolvimento articulado ao item 1 de um grande programa de infraestrutura de transportes nos três modais (rodoviário, ferroviário e hidroviário); 3. Para financiar a infraestrutura de transportes, criação de um imposto vinculado ao consumo da gasolina e outros combustíveis nos países da América do Sul interessados em participar do programa; 4) para financiar o programa de industrialização, mobilizar a poupança privada regional e fazer um acordo estratégico com a China, vinculando participação de capital nos projetos a compromissos de longo prazo de importação. Esse programa deveria seguir rigorosamente as premissas de sustentabilidade ambiental e social. Nesse último caso, as empresas dele participantes teriam de responsabilizar-se pela qualificação da mão de obra necessária seja no período de construção, seja no período de operação. O custo de cada projeto deverá incluir todas as despesas com deslocamento ou prejuízos a populações locais ou bens públicos atingidos na fase de construção e de operação. O objetivo final seria reduzir as margens de atrito entre empreendedores, populações locais, trabalhadores e sociedade civil em geral.

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Por una integración que integre, por un desarrollo que libere17 José Félix Rivas Alvarado

El proceso de integración en América Latina enfrenta un escenario complejo que combina, por un lado, la consolidación de tendencias en la economía mundial las cuales configuran cambios estructurales importantes; y por otro, el reacomodo de las propuestas basadas en el libre comercio, que cuentan con el apoyo de las instituciones financieras internacionales – IFI, que lejos de perder influencia con la crisis económica mundial, salieron fortalecidas. La viabilidad de las alternativas de integración progresistas que promueven grados de desconexión con la arquitectura económica y política dominante, basadas en la cooperación y en la consolidación de un polo de poder regional, enfrenta una contrarrevolución conservadora que ha renovado su discurso para continuar justificando su acoplamiento subordinado con la integración dependiente. En estos momentos, es fundamental profundizar la discusión sobre cuatro temas estrechamente relacionados: el modelo de desarrollo, la industrialización, el papel de los recursos naturales y la integración regional. Esta discusión es de gran utilidad para la orientación de los procesos sociopolíticos que reivindican el derecho de trazar un camino independiente y soberano. El debate sobre la integración regional nos conduce inevitablemente a contrastar las diferentes opciones de desarrollo, y el debate sobre el desarrollo nos lleva a la discusión crítica sobre el tipo de matriz productiva y el papel del manejo de los recursos naturales y de la integración financiera en esa estrategia. Actualmente en América Latina, las opciones de “desarrollo” conforman un collage de visiones, que van desde aquellas que se alinean con el paradigma dominante impuesto por las IFI, hasta las propuestas que plantean cambios radicales en el modo de vida que ha impuesto el capitalismo en nuestros países. En esta última perspectiva, podemos ubicar las experiencias que rescatan la opción por el socialismo y aquellas propuestas del buen vivir/vivir bien18. Por supuesto, entre estos dos polos existen matices, como la propuesta de “integración productiva regional” basada en la reafirmación de la reprimarización como una tendencia “natural”, es decir inevitable, de la actual división internacional del trabajo. En este último nicho, se ubican algunos enfoques, entre los cuales destacan: el resucitado “regionalismo abierto”, las propuestas neodesarrollistas y el énfasis que han tenido recientemente los planteamientos que promueven la inserción eficiente en las cadenas de valor internacional. A pesar de que el paradigma oficial de desarrollo, difundido por las IFI, todavía es el predominante; y aunque este enfoque de desarrollo capitalista demuestra una gran capacidad para mutar y adaptarse a las circunstancias críticas de la economía-mundo, muy a pesar de eso, América Latina ha tenido una década donde la esperanza renació para ella y, desde ella, para todo el mundo. América Latina se convirtió en resistencia ante la hegemonía neoliberal construyendo rutas de liberación. Las lecciones de esta historia reciente nos ayudan a discernir entre la restauración del pensamiento único o la continuidad del legado independentista.

El mapa actual: transformaciones en la economía mundial Todo parece indicar que estamos ante un proceso de reacomodo del sistema económico mundial, que asentará una división internacional del trabajo funcional a las necesidades actuales de la acumulación 48

de capital a escala planetaria. Estamos en la transición hacia un mundo donde se empezará a hacer énfasis en la re-organización mundial de la producción. El capitalismo necesita una huida hacia adelante, para garantizar su supervivencia y la consolidación de su economía mundial. Es una nueva fase del ciclo Kondratieff (MARTINS, 2013), en la cual los costos laborales y el acceso a la materia prima son determinantes, y el momento productivo se impone frente al momento financiero y especulativo. Luego de mostrarse la actual fase de la crisis capitalista mundial, los países centrales han logrado profundizar una tendencia a la reducción de las remuneraciones laborales. El ajuste fiscal, llamado eufemísticamente “consolidación fiscal”, ha logrado disminuir la participación de los ingresos al trabajo en las economías centrales en la Unión Europea, Asia y Estados Unidos. Por ejemplo, en este último país la remuneración al trabajo se colocaba por encima del 75% en los años setenta, mientras que Japón exhibía una participación laboral en torno a 80%. Durante los últimos 35 años, los trabajadores tendieron a disminuir su peso en la distribución factorial del ingreso. En 2010, se muestra como los pagos laborales, de ambas economías, mermaron su participación al ubicarse alrededor de 65%. Este mismo patrón de comportamiento lo registró Alemania, resaltando los años en los que la crisis económica mostró su mayor intensidad. Las remuneraciones al trabajo, de esa economía, padecieron la participación más baja en los últimos 40 años. Gráfico 1. Participación ajustada del trabajo en la renta en economías desarrolladas. Alemania, Estados Unidos y Japón 1970-2010.

Gráfico 2. Tendencias en el crecimiento de los salarios promedio y la productividad laboral en economías desarrolladas (Índice: 1999=100)

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La comparación entre los ingresos salariales y la productividad laboral en las economías de la tríada, representada por países desarrollados más grandes (Estados Unidos, Japón y Alemania), muestra un proceso de ampliación de la brecha entre ambos indicadores desde comienzos del presente siglo (BCV, 2013a). Es decir, el ajuste en los mercados laborales de estas economías traza un comportamiento altamente regresivo. Los trabajadores de los centros capitalistas más desarrollados retroceden, cada vez más, en la distribución de la torta que ellos contribuyen a producir. El capitalismo mundial, muestra claramente su propensión a la desigualdad en el mismo seno de las economías dominantes, y alcanza eficientemente su meta de abaratar el costo laboral. El progreso de aquellas economías que son tomadas como “ejemplo a seguir” del desarrollo capitalista, está acompañado de un sesgo altamente regresivo contra los auténticos creadores de riqueza La crisis económica mundial, develada en 2006, consolida una tendencia que muestra un progresivo rezago del crecimiento de los ingresos de origen salarial con respecto al crecimiento de la productividad laboral. Una de las principales premisas sobre la cual descansa la concepción de equilibrio neoclásico, es desnudada con la crudeza de la realidad capitalista: los incrementos salariales no acompañan, con la misma intensidad, al crecimiento de la productividad de los trabajadores. En lo que va del presente siglo, en las principales economías industrializadas, la brecha entre la compensación salarial y la productividad laboral se ha ensanchado, especialmente durante la crisis en la cual los sueldos y salarios se han estancado. Según la OIT, los salarios han aumentado a una velocidad muy pobre, lo que explica la alta conflictividad social. Este proceso acentuado de regresividad en la distribución del ingreso significa un abaratamiento de los costos laborales en los centros. Por otro lado, los precios internacionales de los alimentos y de los commodities que sirven de materias primas, han mostrado una tendencia creciente, especialmente, por la influencia de la financiarización en la fijación especulativa del precio de estos productos. Esto significa que los centros tienen que aprovechar la ventaja que implica la reducción de los costos laborales en sus territorios, y a su vez, garantizar el acceso a las materias primas, particularmente, aquellas vinculadas con el funcionamiento vital del “gran autómata”, tal como definió Carlos Marx el aparato productivo-industrial desplegado en la geografía mundial. Nos referimos en este último caso, a los productos energéticos como el petróleo y a insumos fundamentales para las industrias de alto valor agregado tecnológico, en este último caso destacan los 50

minerales estratégicos (BRUCKMANN, 2013). Gráfico 3. Índice de precios de alimentos de la FAO. (Anual)

Gráfico 4. Precio del Petróleo, Plata y Oro

Ciertamente, ante el estancamiento de la economía mundial, sobre todo de Estados Unidos como la principal potencia; las limitaciones que está enfrentando la opción bélica liderada por el complejo industrial-militar; los límites de la estrategia de financiarización y el predominio del capital financiero parasitario, se impone una posible salida para impulsar el crecimiento sobre la base del comercio mundial. Pero el campo de batalla del comercio es, en el fondo, la expresión de los cambios en el 51

núcleo principal del sistema, la lucha por el predomino comercial presupone que lo fundamental son las transformaciones en el ámbito de la organización de la producción a escala planetaria. Para consolidar este reacomodo en la división internacional del trabajo, el sistema capitalista requiere hacer un aprovechamiento creciente y acelerado de los recursos distribuidos espacialmente en el globo terráqueo y, al mismo tiempo, asegurar la acumulación de excedentes en los centros (BCV, 2013b). En los principales ejes de los centros del sistema, se consolidan tres grandes concentraciones de capital y progreso tecnológico: Estados Unidos, Unión Europea y Japón. Mientras que en la semiperiferia, esta concentración refleja grados menores de agregación. La CEPAL identifica estos ejes como “grandes fábricas” que lideran la organización de la producción de mercancías a escala mundial (CEPAL, 2013). Si incluimos a China en estas zonas de agregación como una semiperiferia de alto escalón (DOMÍNGUEZ, 2012) y, por tanto, de gran influencia en Asia y en el mundo, tenemos cuatro núcleos fundamentales del proceso mundial de acumulación de capital y concentración del progreso técnico. A partir de esa base, se estructuran lo que se ha denominado “las cadenas globales de valor” – CGV que recorren todo el planeta enlazando los centros con las periferias y las semiperiferias. En esta relación de dependencia sistémica, destaca el protagonismo de las corporaciones transnacionales, quienes comandan este proceso, donde las cadenas globales de valor constituyen un sistema productivo internacional organizado para optimizar la producción, así como el mercadeo y la innovación, “[…] localizando productos, procesos y funciones en diferentes países, buscando beneficios por diferencias de costo, tecnología y logística, entre otras variables” (PITTALUGA, 2013). Este sistema busca por tanto, compatibilizar, junto con la concentración de capital y tecnología, la provisión de materias primas, energía y mano de obra. La organización productiva del mundo, basada en las CGV, va a tener una influencia definitiva en los procesos políticos de integración regional y en las propuestas de desarrollo de los países involucrados. En el seno de los esquemas de integración, como Unasur, se empiezan a imponer propuestas de “integración productiva”, basadas en una visión subordinada, asumiendo pasivamente la necesidad de adecuación a esas cadenas globales de valor. Esta concepción “porteriana”19 de la integración al comercio internacional, tiene como base una razón pragmática, en virtud de que -en el mundo real- las grandes negociaciones de acuerdos, comerciales y de inversión, se desarrollan sobre la base de la inserción en las cadenas de valor. Los protagonistas principales de estas negociaciones son las grandes corporaciones transnacionales que ejercen su lobby directamente o a través de los representantes comerciales y de inversión de los Estados en los que se concentra la propiedad del capital de estas empresas. La integración económica regional se consolida como un coto de caza de las compañías transnacionales cuya planificación corporativa, basada en las CGV, se impone sobre la estrategia nacional de los Estados nacionales involucrados en los esquemas de integración. La transformación del patrón de acumulación mundial se corresponde con algunas tendencias que se han gestado en los últimos años en América Latina: la reprimarización; la propensión crónica y perniciosa a la exportación neta de dólares; el debilitamiento de los aparatos industriales/productivos; y la persistencia de la desigualdad (RIVAS, 2011) que acompañan a los modelos de desarrollo exógenos sustentados en patrones de acumulación basados en “impulso de ganancias” (BHADURI, 2009). Es una prioridad analizar los impactos en la periferia (y en la semiperiferia) de estas transformaciones en la división internacional del trabajo. Entre estos cambios estructurales, en nuestras realidades latinoamericanas, destaca la consolidación de una tendencia expresada en economías donde se consolida el monocultivo exportador a gran escala, construyendo sociedades basadas en la producción y distribución de una renta de la tierra, que se acompaña de patrones de consumo que configuran modelos soja-shopping u oil-shopping. Igualmente, desde el punto de vista de los marcos macroeconómicos, al basar su crecimiento en 52

este modelo de desarrollo, las economías latinoamericanas terminan en una carrera por acumular reservas internacionales, que constituyéndose en una ventaja para enfrentar las fases adversas de la actual crisis mundial, paradójicamente alimentan la vulnerabilidad de sus economías, en la medida en que son presas de la volatilidad de un mercado de productos primarios altamente financiarizado. Esta ruta conduce al retorno de esquemas de política económica regresivos, basados en la atracción de la inversión extranjera directa, es decir, políticas monetarias sustentadas en altas tasas de interés para atraer los flujos de capitales externos. Lo anterior se constituye en un “cepo cambiario”, que afianza modelos de desarrollo en los cuales la política económica entroniza mecanismos de conexión subordinados y dependientes con los centros capitalistas. Lo que le ha deparado a aquellos países de América Latina que, obedientemente han seguido la fórmula mágica de las Instituciones Financieras Internacionales (crecimiento = comercio + inversión extranjera directa + endeudamiento externo) es una bonanza exportadora basada en un dependencia primaria y el aumento de las brechas de desigualdad y pobreza.

Los retos de la integración y el desarrollo en América Latina y el Caribe En esa nueva realidad, la región tiene que enfrentar las formas de inserción a esa economía-mundo que está en pleno proceso de mutación. Si esta inserción profundiza la dependencia o, por el contrario, abre una ventana de oportunidades para consolidar los procesos nacionales de desarrollo y la conformación de un bloque de poder (a través de la integración regional), con mayores grados de autonomía, dependerá de las opciones político-estratégicas de los modelos políticos y de desarrollo planteados por los diversos países que conforman la región. En este contexto, el multilateralismo que desplegó su predominio desde los noventa, con el deseo de convertir al mundo en un gran mercado, libremente controlado por las reglas de la OMC, parece mostrase ineficiente e inútil. Se abre el espacio para el bilateralismo, para los acuerdos comerciales entre países o entre regiones, imponiendo sus propias reglas de libre comercio. Los Tratados de Libre Comercio - TLC germinaron y brotaron en la superficie regional, acelerando el proceso que, bajo el anterior esquema y ante procesos de integración previos, se resistía a cambiar. Este es el mundo y el tiempo de los acuerdos transpacífico y transatlántico, y el posible acuerdo entre Estados Unidos y la Unión Europea. Ya no es el tablero que enfrentó Chávez, Kirchner y Lula cuando derrotaron al Alca en Mar del Plata en el año 2005. La Unasur tiene un camino menos despejado, en relación con el momento de su nacimiento. A pesar de que, junto con la Celac, ha demostrado el poder de la soberanía de los pueblos, neutralizando las tensiones políticas producidas por la injerencia de las potencias extranjeras, la contrarrevolución imperial se ha encargado de minar la Unión, y colocó pequeñas Alcas - TLC y ahora está intentando hacer una detonación en cadena. Por tanto, los retos de los esquemas de integración emergentes tienen que ver con el manejo de las contradicciones involucradas en las diferentes visiones o modelos que representan a los gobiernos participantes. Dentro de la región, esta confrontación de modelos se expresa, en forma vital, de la siguiente manera: A las propuestas progresistas de procesos de complementación productiva que apoyen las políticas nacionales de desarrollo sobre la base de una integración regional, se les oponen los procesos de inserción internacional dependiente. Basados en el desarrollo de cadenas de valor globales, que apuntan a desvalorizar la capacidad productiva nacional en la medida en que se alejan de opciones que promuevan la diversificación, independencia, y una mayor autonomía del dólar y la arquitectura financiera internacional dominante; 53

De este modo, el modelo de desarrollo dependiente privilegia al capital global sobre las políticas nacionales de desarrollo e industrialización; es decir, enfrenta al Capital Global con el Estado nacional; Desde la perspectiva neoliberal de la integración, el mercado externo subordina al mercado interno; la planificación trasnacional acorrala a la planificación nacional y la somete a sus exigencias; Esta última contradicción, la planificación de las transnacionales por encima de la planificación nacional, aunque se da mayoritariamente entre una empresa extranjera y el Estado nacional, también puede ocurrir con los actores institucionalmente definidos como “nacionales”. La empresa corporativa encargada de la actividad minera o petrolera, puede adquirir gran autonomía del Estado nacional y enfrenta su estrategia como una “corporación mundial” distanciándose del interés nacional; La integración tiene que enfrentar la contradicción entre desarrollo y medio ambiente, que en el fondo es la contradicción entre capital y naturaleza. El modelo de desarrollo promovido por las IFI, al dar un protagonismo principal a las empresas transnacionales, cumple con la función de someter la extracción y comercialización de los recursos naturales a los objetivos de la acumulación de capital a escala mundial, en menoscabo de los objetivos de reproducir la vida humana y conservar la naturaleza; En este contexto, los defensores de los modelos de integración subordinados, apoyados por la burocracia de las instituciones financieras regionales, suelen presentar a la inversión en infraestructura, como una necesidad neutra a estos intereses transnacionales. Sin embargo, los grandes proyectos de inversión en infraestructura, deben responder una pregunta clave: ¿están diseñados para satisfacer las necesidades de los pueblos (incluyendo la defensa del medio ambiente) o las necesidades de las cadenas de valor trasnacional?; El diseño de la arquitectura financiera regional e internacional existente está orientada a favorecer, principalmente, los intereses del capital, y especialmente del capital financiero parasitario y especulativo, lo cual se encubre con la concepción de desarrollo que predomina en estos organismos regionales (Banco Interamericano de Desarrollo, Corporación Andina de Fomento). Uno de los obstáculos a superar, tiene que ver con un cambio sustancial en la orientación las estas instituciones regionales que adquirieron una gran autonomía con respecto a sus socios principales, al mismo tiempo que se subordinaron a la colonización impuesta por la corriente principal del pensamiento del desarrollo económico. Estas contradicciones se verán reflejadas en las diferentes opciones que se encuentran – y enfrentan – en los diversos espacios de integración.

La década de la esperanza: diez lecciones de nuestro caminar La comprensión de los cambios estructurales en la economía mundial, su impacto en nuestra región y las contradicciones en el seno de los procesos emergentes de integración, son aspectos fundamentales para vislumbrar las posibles rutas de la integración y el desarrollo. Sin embargo, es necesario complementar esta visión integral con un balance de la experiencia acumulada en estos últimos años por la corriente progresista y antineoliberal. A finales del siglo pasado, el neoliberalismo predominaba como paradigma. En los discursos de los candidatos presidenciales, los presidentes y en nuestras universidades, la hegemonía del pensamiento neoclásico del desarrollo era abrumadora. Cuando muchos pensaban que todo estaba perdido, surgieron gobiernos que se plantearon una 54

estrategia en contracorriente al neoliberalismo; los movimientos populares experimentaron un auge que se hizo notar en la región. Gobiernos populares, nacionalistas y movimientos sociales antisistémicos proporcionaron aliento a la construcción de otra realidad. Hay elementos comunes en los cuales podemos resumir las lecciones de estas experiencias. Al tomar como referencia principal el caso venezolano, podemos distinguir algunas lecciones: Lección 1: Recuperación del control soberano del recurso natural. Lo primero que se distingue de la experiencia venezolana es una política de recuperación del control soberano del recurso natural, en este caso el petróleo. La generación y la distribución de la renta estaban comandadas por sectores dominantes de origen nacional y extranjero. Se inicia una serie de reformas que logran la recuperación de la fiscalidad por parte del Estado. La estrategia neoliberal de apertura petrolera había reducido al mínimo el aporte fiscal del sector y había establecido un plan de inversiones que profundizaba la dependencia y la desnacionalización. El sabotaje petrolero, en el año 2002, permite la toma del control de PDVSA a favor de los intereses nacionales y populares. A través de ello, se profundiza la política petrolera internacional que permitió fortalecer el poder de negociación de los productores mundiales de petróleo agrupados en la OPEP. El control soberano del recurso natural y la confrontación por la renta que genera, es una de las dinámicas fundamentales del proceso de cambio. Lección 2: Reorientar el destino de la renta hacia los sectores populares, los proyectos de infraestructura y los proyectos socioproductivos. La denominada “distribución popular de la renta” ha sido el principal esfuerzo de los primeros 14 años del presente gobierno. Esto ha permitido una mejora sustancial de los indicadores sociales. Una parte mayoritaria de la población que históricamente había tenido la peor parte de la distribución del ingreso, se convirtió en objeto y sujeto principal de las políticas socioeconómicas. Igualmente, se hace un gran esfuerzo de inversión en infraestructura social, productiva y de transporte. Lección 3: Promover un modelo democrático-participativo, donde la participación activa de la gente se convierte en el objetivo y el medio de la propuesta de desarrollo. En el caso venezolano se hereda la institucionalidad de la IV República basada en la democracia representativa y el secuestro del poder político en un pacto de élites (empresarios, burocracia sindical, partidos pro-capitalistas, Iglesia y militares) que se conoce como el Pacto de Punto Fijo. Lección 4: Orientar la estrategia económica hacia el fortalecimiento de los mercados internos. Este constituye uno de los principales retos de las propuestas transformadoras en la región. Se trata de la asunción de diversas políticas económicas heterodoxas y antineoliberales que se orientan a fortalecer la matriz productiva y, al mismo tiempo, apuntalar la capacidad de compra de los sectores populares. Destacan políticas que intentan proteger y relanzar los sectores productivos con una visión en la que se combina el fortalecimiento de la economía nacional y la integración regional; los esfuerzos por reorganizar los mecanismos de distribución de bienes-salarios, para quebrar la red oligopólica que controla la reproducción de la fuerza de trabajo. Estas orientaciones contracorriente tienen diferente intensidad y son minoritarias en la región. Además de estar amenazadas por el poder del capital financiero y las tendencias que se consolidan con la reorganización de la división internacional del trabajo, como por ejemplo la creciente reprimarización y desindustrialización. Lección 5: Promover y apoyar experiencias productivas diversas y heterogéneas, en una búsqueda permanente de un sistema socioproductivo. En el caso venezolano, encontramos una diversidad de experiencias que van desde la producción agroecológica, las experiencias del movimiento 55

cooperativo, las fábricas recuperadas y socializadas, las empresas de producción social, hasta el complejo industrial de Guayana proyectado originariamente para el desarrollo dependiente y exógeno, basado en la extracción primaria exportadora. Dando por sentada la explotación petrolera como herencia histórica de nuestro modo de articulación, desde el primer tercio del siglo XX, con el sistema capitalista mundial. Lección 6: Promover el proceso de integración regional bajo criterios diferentes a la integración tradicional. Con la derrota del Alca, surgió el Alba y se promovió la Unión como concepto superior a la Integración. Un conjunto de iniciativas conforman una red de experiencias, entre las cuales encontramos Petrocaribe, la Unasur, la Celac, el Banco del Sur, que no sólo eran inexistentes a principios de este siglo, sino que sonaban quiméricas. Lección 7: Enfrentar el poder mediático del capital nacional y trasnacional. Para avanzar en la transformación política y económica, se encuentran resistiendo el inmenso poder de los medios de comunicación privado, que secuestraron y privatizaron la idea de democracia, para convertirse en un ejército colonizador que ejerce una guerra de cuarta generación contra los gobiernos que están a favor de los intereses populares. Lección 8: La defensa y valoración de la diversidad cultural. La defensa de la historia. Contra el lenguaje dominante/dominador involucrado en el término “desarrollo”; contra la carga etnocéntrica y modernizadora con que nació el concepto de desarrollo; contra la vieja y la nueva colonización que logró el control de nuestras mentes20, surgen opciones que parten de la herencia cultural de los pueblos originarios, como la propuesta del buen vivir/vivir bien, y otras propuestas vinculadas con una continuidad de la corriente histórica-social, heredada de las luchas de resistencia indígena y de la gesta independentista de Bolívar y otros héroes de la primera independencia, tal como se representa en el socialismo venezolano, bolivariano y chavista. Lección 9: La existencia y acción de los movimientos sociales que cada vez tienen una influencia determinante en las “altas decisiones” que afectan al pueblo. Lección 10: No hay receta única y general del “camino a seguir”. Cada experiencia, asume la construcción de sus alternativas sobre la base de su particularidad estructural, histórica, política y cultural. La convicción de seguir caminos trazados por nuestros propios ojos, más allá de constituir un acto de identidad, nos compromete a buscar propuestas que se alejen de los “modelos a seguir” impuestos por el poder del capital financiero y las instituciones internacionales financieras y de “desarrollo”. No ser ni calco ni copia de las miradas etnocéntricas de los dominadores. Las salidas deben ser la “creación heroica” de acuerdo con Mariátegui, el “inventamos o erramos” de Simón Rodríguez. Los asesores externos seguirán siendo foráneos porque su cosmovisión, sus deseos y sus intereses son ajenos a los deseos de nuestros pueblos y a la necesaria superación de capitalismo. Ante la crisis del pensamiento económico dominante (y dominador), urge rescatar el legado del pensamiento crítico latinoamericano. La lucha por la independencia integral pasa por enfrentar y superar el colonialismo cultural. La búsqueda de referencias conceptuales y teóricas es una tarea permanente: no podemos hablar de un modelo, y eso es lo interesante que esta experiencia no puede ser encasillada en el laboratorio de un investigador ni en las clasificaciones inflexibles de los taxonomistas económicos. Es una tarea pendiente hacer un balance y sistematizar estas lecciones. En el caso venezolano hay algunas peculiaridades propias de su estructura económica, su historia política y del hecho especial, de que el presidente Chávez declaró el carácter socialista del proceso 56

político en 2006. Dentro de este contexto, resalta la unidad Fuerza Armada-Pueblo-Gobierno. En lo que atañe a la particularidad relacionada con su estructura económica, la formación económica-social venezolana nos refiere a las economías capitalistas periféricas y dependientes, que cuentan con la captura de una renta internacional, en este caso particular, proveniente de la principal actividad productiva que la conecta con la economía mundial: la producción y la exportación de petróleo. La presencia del petróleo, en el presente modo de articulación histórico con la economía mundial, crea un problema estructural de mayor envergadura. Solo para ilustrar, lo que representa el petróleo en la economía venezolana, siendo apenas el 13% del PIB, aporta el 97% de las exportaciones petroleras y el 50% de los impuestos. La acumulación de capital en Venezuela se ha basado en la explotación capitalista, vale decir, en la apropiación privada de plusvalor, pero además cuenta con una renta internacional, capturada cada vez que se exporta el petróleo. Eso significa que la captura y privatización de la renta petrolera, por parte de los grupos capitalistas dominantes, se convierte en el centro principal del conflicto de poder y en grandes condicionamientos en la estructura productiva. El interés del Capital representado en el poder de las empresas transnacionales entra en confrontación con el interés nacional y popular de desarrollo independiente. En el caso de Venezuela, a pesar de haber sido nacionalizada la industria petrolera en los años setenta, momento en el cual surgió PDVSA, 20 años más tarde, en la década en la que reinó el neoliberalismo, la estructura gerencial de esa época definió a PDVSA como una “corporación global” con objetivos propios. Esta perspectiva corporativa, justificaba una estrategia nacional desnacionalizante y una política internacional subordinada con los intereses del capital trasnacional. A escala nacional, apoyaba una política de apertura a la inversión extranjera, llamada en ese momento la “apertura petrolera”, que de facto entregaba la empresa nacionalizada a los intereses transnacionales. En lo que respecta a la política petrolera internacional, la gerencia antinacional de PDVSA favorecía la estrategia de los países desarrollados, consistente en debilitar la capacidad de los productores para intervenir en la fijación de los precios petroleros. La experiencia histórica reciente de Venezuela, reafirma la convicción de que el cambio estructural no puede eludir la confrontación sociopolítica entre gobiernos que han optado por ser leales al pueblo y los representantes de los poderes fácticos nacionales e internacionales. Esto explica por qué, en 2002, la alta gerencia de la PDVSA controlada por los intereses del capital trasnacional, se unió al proceso de sabotaje económico y político del gobierno de Chávez. Al final, la contraofensiva chavista hizo posible que se tomara el control nacional de la empresa petrolera.

Nueva arquitectura financiera para un nuevo modelo de desarrollo Así como en el pasado se criticó el sesgo comercial (mercadista) en que quedó atrapada la integración, actualmente hay que advertir sobre el sesgo meramente financiero. La arquitectura financiera es un soporte de la base real, productiva, no puede ser un fin en sí misma. Ciertamente, empezar a erigir las bases para el financiamiento del desarrollo, y lograr grados de autonomía frente al decadente dólar, es fundamental. Puede ser un comienzo, pero se debe tener presente que lo sustantivo es la producción y reproducción de la vida. Por consiguiente, discutir la Nueva Arquitectura Financiera - NAF, nos debe llevar a analizar el Nuevo Modelo de Desarrollo o el Nuevo Estilo de Desarrollo, o pensar el “otro desarrollo”. Desde sus inicios, la integración fue justificada como una herramienta para el desarrollo nacional. Tanto para la integración europea como la propuesta de la primera Cepal, la Cepal de la postguerra, era estratégico fortalecer los Estados nacionales a partir de complementariedades regionales. En el discurso de Raúl Prebisch, la integración regional surgía como un cuarto componente 57

complementario con la estrategia de industrialización, la modernización de la agricultura y la mejora en las condiciones sociales. Partimos de la discusión sobre los posibles caminos que los países de América Latina tienen planteados para responder la interrogante sobre el modelo de desarrollo que orientará su estrategia política. En este sentido, la primera década del siglo XXI fue testigo de experiencias diversas, acotadas a los países que lideraron una corriente integracionista, que se diferenciaba de las anteriores en su mayor grado de autonomía. Sin embargo, es evidente que el paradigma neoliberal sigue teniendo un fuerte posicionamiento. En el caso de Venezuela, hay una voluntad política inequívoca que opta por el socialismo como salida. Sin embargo, esta opción “a la venezolana” no deja de compartir con el resto de América Latina algunas interrogantes vinculadas al modelo productivo. Entre estas interrogantes es fundamental pensar en: ¿cómo revertir el patrón de inserción internacional primario-exportador, que se profundizó durante el reinado del paradigma neoliberal, y que heredamos de los modos históricos de articulación con la economía-mundo?21 Una respuesta tradicional al problema de la poca diversificación y la vulnerabilidad, es la industrialización. Entonces, ¿qué tipo de industrialización se llevará a cabo?; ¿es posible una industrialización “nacional”?; ¿es posible una industrialización verde?; ¿qué escalas de producción debe tener esta industria nacional? Estas interrogantes nos llevan a la opción de la integración regional, como necesidad de plantear proyectos nacionales enmarcados en estrategias regionales y mundiales. Pero, optando por la opción de promover la integración, es pertinente poner en duda el significado mismo de lo que entendemos como “integración”: ¿cuál integración?; ¿cómo se diferenciaría de la integración que ha desintegrado nuestra América Latina y el Caribe? Si la propuesta productiva es base de una opción más integral, que pone a los cambios políticos como prioridad. ¿Cómo se involucran o se incluyen los determinantes culturales e históricos en el desarrollo?; ¿cuáles son las formas de participación, propiedad y gestión del sector laboral y las comunidades?; ¿Cuáles son las estrategias, las políticas y los instrumentos para canalizar gran parte del ingreso nacional hacia los sectores sociales protagonistas del cambio?; ¿Cuál ha sido la experiencia de los gobiernos progresistas y los gobiernos radicales en este sentido?; ¿Cómo incidimos en revertir las tendencias regresivas en la distribución primaria de la riqueza y la renta?; ¿Cuál es el Estado que debe apuntalar esta transformación?; y, ¿Cuál es el sistema político? Desde el punto de vista de un gobierno radical: ¿cuáles son las políticas económicas, macroeconómicas y sectoriales que deben apoyar la transición hacia el socialismo? Consideramos que estas son algunas de las interrogantes claves que deben ser respondidas, no sólo desde el punto de vista académico sino desde la perspectiva de los movimientos populares y los gobiernos. Para resolver estos planteamientos necesitamos no sólo la praxis sino el pensamiento crítico, propositivo, es decir el pensamiento transformador. El pensamiento dominante está en una severa crisis de credibilidad, no solo porque se demuestra su incapacidad por interpretar la realidad sino además por su escasa capacidad para ofrecer soluciones. Nuestra academia fue colonizada por ese pensamiento dominante, y tiene el reto de su descolonización. En las escuelas de economía los alumnos suelen tener bajo el brazo manuales que no sólo ignoran nuestras realidades, sino que son incapaces de dar respuesta a lo que ocurre en la realidad de la periferia capitalista. La actual crisis económica se ha visto acompañada de una crisis en los paradigmas dominantes, apologetas del capitalismo como el único sistema posible en las etapas 58

avanzadas de la humanidad. Aprovechemos ese cisma en la religión o en la ciencia-ficción dominante (HERRERA, 2012) para retomar la herencia del pensamiento crítico latinoamericano. Pero no sólo el pensamiento económico del desarrollo está en crisis, si fuera una crisis del pensamiento tendría una gran relevancia pero la discusión se limitaría al ámbito académico. Al analizar los hechos, también lo acontecido en las economías capitalistas que suelen venderse como “ejemplos a seguir”, demuestran que los mismos son un gran fraude mundial. Lo que está bajo escrutinio del pensamiento crítico es el modelo de desarrollo de la sociedad del “alto consumo” como la definía el etapista Walt W. Rostow; es que las sociedades y las economías que hasta ahora se vendían como la principal imagen a seguir, ese modelo de desarrollo de ellos, definitivamente no resuelve los problemas fundamentales de concentración de la riqueza y empobrecimiento generalizado. Un reciente estudio sobre la pobreza en Estados Unidos, muestra que entre 1993 y 2012, cómo el 1% más rico incrementó su ingreso en 86,6%, mientras que el 99% restante escaló 6,6%. Esto significó que el top 1%, capturó 68% del incremento que se dio en el ingreso. Pero, lo más sorprendente son los resultados después de la fase más recesiva de la crisis, de 2009 a 2012, el top del 1% incrementó su ingreso en 31,4%, mientras que el resto del 99%, apenas aumentó en 0,6%. Esto significó que el top 1%, aumentó su capacidad de captura de la mejora del ingreso en un 95%. El pensamiento dominante está en crisis, y la realidad demuestra descarnadamente como, el promocionado “modelo a seguir”, conduce a una sociedad cínica donde conviven funcionalmente la opulencia con la pobreza. América Latina tiene una ventaja para buscar caminos frente a la disyuntiva, tiene una herencia en el pensamiento latinoamericano y tiene la voluntad política de transformar la realidad. Solo así tomamos conciencia de que este tipo de foro (FoMerco), en el que se encuentran y se reconocen sectores dedicados al pensamiento, constituye uno de los espacios estratégicos para la construcción de ese futuro. La lucha por ese futuro, es una confrontación donde participan los gobiernos progresistas, el pueblo organizado, y, además, se decide a escala superestructural, en los espacios de la conciencia, en cada día de clase, en cada esfuerzo de investigación y en la defensa del pensamiento crítico latinoamericano.

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ARTIGO

A construção da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo das contribuições de Nurske, Rostow, Myrdal e Furtado Vera Alves Cepêda Rafael Gumiero

Introdução Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo pioneiro de teóricos, especialmente ligados ao campo da teoria econômica, se dedicou a interpretar a questão do subdesenvolvimento. Em situação similar ao papel desempenhado pela obra de Adam Smith em Inquirições acerca da origem da riqueza das nações, que expressou um momento de inflexão na compreensão da vida econômica (a dinâmica da moderna economia industrial, capaz da novidade da riqueza enquanto processo sistêmico, muito distante do anterior patamar da pobreza que caracterizou as economias tradicionais), o esforço disseminado internacionalmente, na primeira metade do século XX22 sobre a estrutura e ratio do subdesenvolvimento pode ser entendido, também, como uma inflexão no conjunto da teoria econômica. O momento histórico que se abre com o fim das energias do modelo colonial (e sua sustentação via vocações primário-exportadoras para as colônias), com a reconfiguração da economia mundial via efeitos da II Revolução Industrial e surgimento de novos atores e interesses, com a emergência de inúmeras nações novas e independentes, lidaria com um problema econômico inédito: as diversas situações estruturais no capitalismo mundial, como a pobreza, o subdesenvolvimento e o desenvolvimento. A experiência concreta, que demonstrava sem sombra de dúvidas, as diferenças de resultados do desenvolvimento capitalista (a divisão do progresso técnico, como apontado por Ricardo) impôs um tema de reflexão iniludível: a riqueza seria apenas a saída de uma economia pré-capitalista para uma economia complexa de mercado? Ou, a adoção da fórmula capitalista levaria – sempre – ao alcance do progresso e da riqueza? A realidade histórica, vivida em especial nas regiões econômicas afastadas do centro dinâmico do capitalismo, demonstrava que não. Haveria, então, mais elementos dentro da engenharia do capitalismo responsáveis pela produção de sistemas econômicos ricos (nos termos originais propostos por Smith, o liberalismo clássico e mesmo a resposta dinâmica e com crises dos neoclássicos) e um cenário pontuado por pobreza inamovível (como círculo de ferro) e situações intermediárias como o subdesenvolvimento? A resposta a esta nova inquirição exigiria um retorno aos elementos centrais da teoria econômica moderna, revendo sua lógica funcional e gerando uma revolução interpretativa. A aposta intelectual deste trabalho apoia-se nessa hipótese preliminar: da significativa mudança interpretativa provocada pelas variadas teses explicativas do subdesenvolvimento. Um segundo elemento importante do contexto deste trabalho é que no grande amplexo das teorias do subdesenvolvimento subsistem muitas distinções, embora um marco teórico comum. A identidade reside na aceitação do argumento de que o capitalismo pode se desenvolver sob uma forma assimétrica e que o atraso ou incompletude do desenvolvimento não é uma fase, mas uma situação funcional no sistema (sendo, portanto, um modus operandi e não um acidente de percurso). As diferenças aparecem nas inclinações das teses de autores, correntes e escolas, ora mais afeitas à explicação da “teoria da modernização”, ao estruturalismo mais centrado na estrutura econômica ou à 61

incursão ao mix entre economia e instituições políticas (entre outras diferenciações subjacentes a esta ampla disputa teórica). Um último elemento importante na definição do argumento deste trabalho é que as distinções podem ser observadas como elementos estanques (que separam os autores, mesmo que estabelecendo nexos dialogais profundos), mas também podem ser analisadas como processo, como um leito comum de evolução e robustecimento do corpus mais amplo da teoria do subdesenvolvimento. Com este cenário de fundo, este trabalho pretende examinar os nexos estabelecidos entre um conjunto expressivo de autores na formulação da teoria do subdesenvolvimento: Walt W. Rostow, Ragnar Nurkse, Gunnar Myrdal e Celso Furtado. As teses desses teóricos foram formuladas em um clima de intenso trânsito de ideias entre os teóricos do centro capitalista (Estados Unidos, países da Europa) e da periferia (Brasil), o que permitiu não somente a difusão e recepção, mas também as transformações que a aplicação das teses geradas no centro capitalista gerou no contacto com a experiência e teorização nos países periféricos. Temos aqui como primeira hipótese condutora que a interpretação do subdesenvolvimento sofreu mudanças significativas segundo seu contexto de origem. Formamos, para efeito de comparação, dois blocos de autores: o primeiro com os três autores citados (Rostow, Nurkse e Myrdal) e um segundo bloco com a tese de Furtado. A justificativa para este agrupamento é da recepção das teses da tríade R/N/M na obra de Furtado, estabelecendo o leito e a filiação comum ao campo da teoria do subdesenvolvimento, mas que foi ressignificada fortemente por Furtado mediante o ajuste ao contexto histórico da periferia representada pelo Brasil na divisão internacional do trabalho na primeira metade do século XX. Pesam na diferenciação entre a obra de Furtado e da tríade R/N/M a maior ou menor proximidade com as teses da modernização, centradas nas condições econômicas, e a utilização da argumentação política (como explicação do subdesenvolvimento e estratégia de desenvolvimento). Outros elementos justificam a análise comparativa entre estes autores, aparecendo ao longo deste trabalho.

A circulação internacional das teses sobre o subdesenvolvimento As teses de Rostow, Nurkse e Myrdal são praticamente coetâneas e foram produzidas em países centrais ou mais desenvolvidos entre a década de 1930 e 1960. O princípio que as rege é que o subdesenvolvimento é uma situação de estagnação econômica e que a superação desse fenômeno somente pode ocorrer pela via da industrialização – o take off teria ocorrido, mas estaria travado, impedindo a consecução da modernização econômica. Seriam importantes e fundamentais um conjunto de ações e medidas que impulsionariam as economias subdesenvolvidas em direção ao desenvolvimento. Estes autores, economistas que falam de instituições pertencentes aos países desenvolvidos, foram pioneiros na interpretação do atraso e dos obstáculos ao desenvolvimento de países não centrais. A tese comum apontava para disfunções no processo de transformação de economias que sofreram uma modernização parcial (como o efeito da forma capitalista primárioexportadora e a industrialização limitada da substituição de importações) em uma modernização completa. Itens como insuficiência ou incapacidade de investimento, limites na modernização do mercado interno, óbices na diferenciação e complexificação do sistema produtivo e mesmo o papel das instituições e estrutura social nesse processo foram apontados como dados explicativos de um capitalismo que não ocorreria natural e espontaneamente como fora o caso previsto como fórmula teórica original. O impacto dessas concepções e seu ajuste aos dilemas reais das economias periféricas (da América Latina, Ásia, África e Leste Europeu) abriu um caminho inédito para se pensar o processo de modernização fora das leis férreas do laissez faire liberal. Uma das consequências foi a interpretação da problemática do subdesenvolvimento e do avanço do capitalismo moderno na América Latina e no Caribe realizada pelo pensamento da Comissão 62

Econômica para América Latina e Caribe - Cepal. Tal literatura aponta como fundamento o método histórico-estrutural evidenciando as particularidades do desenvolvimento latino-americano, ou o subdesenvolvimento, através da formação e reprodução de suas estruturas vis-à-vis à dos países desenvolvidos. Nessa frente de interpretação destacou-se Celso Furtado, que observando a economia brasileira apresentou uma refinada síntese do subdesenvolvimento na periferia. A questão do subdesenvolvimento é posta como central na produção bibliográfica dos teóricos do centro e da periferia em período muito próximo, e, com certeza, com altíssimo nível de circulação e recepção. Partimos da premissa do diálogo entre o grupo de teóricos do centro formado por Rostow, Nurkse e Myrdal e Furtado. A análise comparativa entre esses teóricos não é simples e exige algumas premissas. O balanço entre as teses de Rostow, Nurkse e Myrdal podem ser compreendidas no sentido de complementação ou de discordância entre as suas respectivas interpretações sobre o subdesenvolvimento, porém as suas ideias são conduzidas em um mesmo eixo analítico, ou seja, há consenso entre elas de que as mudanças econômicas desencadeiam um movimento linear que modifica a estrutura política e social e exige que elas sejam adequadas conforme as mudanças materiais. A ideia de causalidade está impressa nessa relação de determinismo de decisões econômicas condicionarem o movimento das ações políticas, nas instituições. Na teoria furtadiana essa situação ocorre de forma diferente, as mudanças econômicas são consequências da decisão política implementada em instituições. A teoria do desenvolvimento surge da política, da conscientização das autoridades e instituições capacitadas para implementar uma política que parte do diagnóstico do subdesenvolvimento de cada país. A análise comparativa das teses do subdesenvolvimento de Rostow, Nurkse e Myrdal com a teoria do subdesenvolvimento (e de sua teoria do desenvolvimento) de Furtado permite que seja compreendido, a partir do diálogo e de seus resultados, um desdobrar explicativo com crescente valorização das decisões e instituições políticas na superação do subdesenvolvimento. Em conjunto e de forma comparada, é visível que a argumentação desloca-se das energias postas no campo/estruturas econômicas e passam, no caso de Furtado, a uma sobrevalorização das estratégias e impactos políticos23. As obras dos teóricos do centro que foram trabalhadas nesse artigo foram Etapas do crescimento econômico24 (ROSTOW, 1960), Problemas de Formação de Capital em Países Subdesenvolvidos (NURKSE, 1953) e Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas (MYRDAL, 1956). Podemos afirmar que essas obras foram produzidas pelos seus respectivos autores balizadas por dois movimentos: o do diagnóstico do subdesenvolvimento e o do prognóstico para a superação desse fenômeno. A opção pela escolha desses teóricos do centro se justifica, em primeiro lugar, pela produção das suas teses como uma recusa aos postulados da teoria econômica clássica. Em segundo, inovam o repertório da interpretação da pobreza nos países marginalizados pela divisão internacional do trabalho distanciando dos postulados do laissez-faire. No balanço entre as teses desses teóricos, podem ser destacadas as suas interpretações sobre o subdesenvolvimento de acordo com os seus pontos de vista. Rostow apresentou a ideia de esquema faseológico histórico do desenvolvimento econômico, partiu da premissa de que a etapa de decolagem (take-off) na economia permitiria os países em atraso econômico dar o salto para a modernização da sua economia e, subjacente a esse movimento, as instituições acompanhariam as mudanças na esfera econômica. Nurkse sistematizou os conceitos de círculo vicioso da pobreza e o efeito de demonstração, o subdesenvolvimento para o referido teórico está encerrado a um sistema de causalidades, ou seja, a baixa produtividade na economia gera baixa renda para os trabalhadores, o que não permite a expansão do mercado interno, enquanto o efeito de demonstração influencia o padrão de consumo da elite na periferia a seguir o mimetismo do padrão de consumo das elites de países centrais, a impedindo de promover investimentos no setor de transformação, os seus lucros são direcionados para consumo de bens de luxo. Myrdal produziu a sua tese amparada pelo seu método da causação 63

circular cumulativa e foi o primeiro autor a inserir a ideia de democracia como valor no repertório do prognóstico para o desenvolvimento. Diferentemente de Nurkse, Myrdal compreende que o círculo vicioso da pobreza pode produzir efeitos regressivos e progressivos em uma economia. A ideia geral em sua tese é a de que investimentos setoriais podem desencadear efeitos progressivos em uma economia, retirando as economias da estagnação ao espraiar a sinergia do crescimento econômico de uma região para outra. A relevância destes teóricos é a de que, antes dos anos 50, nenhum teórico no campo da economia dos países centrais25 havia formulado, sistematicamente, uma tese do subdesenvolvimento. Nesse sentido, podemos afirmar que apesar das teses de Rostow, Nurkse e Myrdal apresentarem lacunas sobre a interpretação do subdesenvolvimento, juntas elas se complementam e apresentam importantíssima inovações e contribuições sobre a questão. Pela amplitude do pensamento de Celso Furtado e sua vasta produção sobre os temas subdesenvolvimento e desenvolvimento, este texto atém-se ao período de 1954 a 1967, à chamada primeira fase do seu pensamento 26. As suas obras selecionadas foram: Formação econômica do Brasil (1959), Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961), A pré-revolução brasileira (1962), A dialética do desenvolvimento (1964) e Teoria política do desenvolvimento econômico (1967)27. Como contribuições centrais deste autor podemos destacar a diferença entre a formação do subdesenvolvimento e os obstáculos ao desenvolvimento e o papel da política na teoria política do desenvolvimento econômico (título de um dos mais importantes textos de Furtado). O diálogo estabelecido entre esses teóricos do centro e Furtado obedecem a dois movimentos, que podem ser compreendidos como justificativa pela escolha de Celso Furtado. O primeiro é a recepção dessas teses por Furtado, que se apropriando do esquema geral (dialogando ou divergindo dele), elabora um diagnóstico do subdesenvolvimento brasileiro. No segundo movimento, Furtado compreende que o subdesenvolvimento no Brasil possui características que permitem classificá-lo como singular, tendo que, por exigência da análise, afastar-se bastante dos modelos de Nurske, Rostow e Myrdal, produzindo uma tese específica. Além da introdução e da apresentação geral, esse artigo está dividido em três seções. A primeira seção apresenta a análise das teses do subdesenvolvimento de Rostow, Nurkse e Myrdal. Na segunda seção apresentamos a inovação produzida pela teoria furtadiana sobre a questão do subdesenvolvimento. Finalmente, na última seção apresentamos a ressignificação produzida pela teoria do desenvolvimento de Furtado em relação ao discurso sobre o subdesenvolvimento interpretado pelos teóricos do centro capitalista (Rostow, Nurkse e Myrdal).

A emergência da tese do subdesenvolvimento: as contribuições pioneiras de Rostow, Nurkse e Myrdal Uma leitura comparada e circunstanciada das teses de Rostow, Nurkse e Myrdal permitem apresentar alguns pontos de proximidade e de discordância sobre a interpretação do subdesenvolvimento. A tese de Rostow (1960) foi elaborada pelo esquema faseológico do crescimento econômico, ou seja, a trajetória para o crescimento econômico é única, deve necessariamente passar pelas cinco etapas do crescimento econômico: a) a primeira fase é a sociedade tradicional; b) seguida pela fase das pré-condições para a decolagem; c) a terceira fase é a decolagem (take-off); d) posteriormente, é a fase da maturidade e, e) finalmente, fase da era do consumo. O significado do conceito de subdesenvolvimento na tese deste autor apoia-se em uma ideia de atraso econômico como manifestação de uma situação ou estrutura de sociedade/economia de tipo tradicional (précapitalismo e comunidade). A sua concepção de atraso está colada à noção de especialização da economia dos países na agricultura, situação agravada pelas deficiências técnicas dos profissionais, pelos equipamentos obsoletos empregados na produção agrícola, pelo baixo rendimento auferido pelo produtor em sua colheita. O seu conceito de atraso é o estado de estagnação de economia pré64

capitalista ou de subcapitalismo. O conceito de decolagem (take-off) de Rostow é o eixo da sua tese e é caracterizado pela passagem da economia da sociedade tradicional para a modernização das suas atividades econômicas, balizada pela industrialização em setores estratégicos da economia. Nesse sentido, é possível afirmar que Rostow formulou a sua tese ancorada no esquema faseológico determinado por dois aspectos fundamentais: 1) no modelo de modernização centrado no padrão norte-americano, evidenciada nas etapas de decolagem, seguida pela etapa da maturidade da economia, movimento capacitado pelas inovações tecnológicas e pela etapa do consumismo de massa; 2) a economia assumiu posição privilegiada em sua tese, a mudança é projetada na sociedade por essa dimensão, inserida em uma lógica reformadora conservadora, ou seja, dentro do status quo, renovação das elites no poder e das instituições com ausência de transformação na base da sociedade. O conceito de decolagem de Rostow se remete metaforicamente a ideia de um avião que está prestes a levantar voo, portanto, há pré-requisitos que antecedem esse movimento. Na tese do teórico norte-americano não é diferente, a passagem da etapa das pré-condições para a da decolagem deve ser precedida pelo aumento da produtividade, amparada pela instalação da industrialização em setores estratégicos da economia e pelos investimentos externos como fonte de financiamento. O projeto de industrialização aposta em investimentos em setores estratégicos da economia, capazes de promover sinergia do crescimento destes setores para outros da economia (ROSTOW, 1960). A tese de Rostow idealiza a industrialização como prognóstico para a saída dos países em atraso econômico subjacente a implementação de um modelo de modernização arquitetado sob a batuta do Estado em setores estratégicos da economia. O crescimento da economia é a força catalisadora das mudanças na sociedade, exigindo concomitantemente renovação das instituições políticas de acordo com o movimento produzido pela economia. É a ideia da política se ajustar às transformações propaladas no campo da economia, compreendida como um processo de causalidade. Apesar do elegante modelo de fases produzido por Rostow, a sua tese foi a que se manteve mais próxima da teoria neoclássica da economia, se comparado às teses de Nurkse e Myrdal. Na interpretação do teórico referido os países apresentam como ponto de partida a sociedade tradicional como uma condição circunstancial, ou seja, o atraso não é resultado das suas estruturas econômicas, produzidas no processo de formação do país. O receituário para os países saírem do atraso são os investimentos setoriais na industrialização e a modernização das suas instituições. Rostow parte do pressuposto de que todos os países devam seguir as orientações oferecidas pelo seu modelo faseologico, é a ideia de um caminho pré-moldado para o desenvolvimento. Para Rostow o capitalismo produz um único modelo de modernização, ficando fragilizado os diferentes processos e estruturas específicas do capitalismo em países subdesenvolvidos e desenvolvidos. As evidências que vão surgindo ao longo do processo de industrialização travada dos países periféricos irão reforçando o peso das peculiaridades e das diferenças entre estes dois grupos de países e exigindo o desenvolvimento de estratégias políticas e econômicas de acordo com a estrutura de cada país e não de maneira pré-moldada. A tese de Nurkse (1957) aparece mais alinhada e próxima à realidade econômica e social dos países subdesenvolvidos do que a de Rostow. Em seu diagnóstico os principais entraves para os países subdesenvolvidos são as desigualdades geradas pelo intercâmbio comercial e o problema de formação de poupança. O subdesenvolvimento é determinado pelo “círculo vicioso da pobreza” que é resultado da dificuldade em formar poupança e da especialização da economia na atividade agrária, que coloca os trabalhadores em péssimas condições de emprego, os incapacitando de adquirir renda e formar poupança. Nesse sentido, o subdesenvolvimento está enclausurado em um sistema econômico que o retroalimenta, impedindo que esse círculo seja quebrado. O “efeito de demonstração” impede a formação de poupança e influencia o consumo da população em países subdesenvolvidos a seguir o padrão desempenhado em países centrais. Essa situação determina o aumento de consumo da população e os lucros dos empresários capitalistas são 65

destinados a esse fim, o que dificulta os seus investimentos na modernização dos equipamentos para ampliar a produtividade (NURKSE, 1957). Diferentemente de Rostow que apresentou uma fórmula “acabada” para o crescimento econômico (as fases sucessivas e cumulativas), Nurkse (1957) avança nessa sistematização ao apresentar dois modelos de subdesenvolvimento, o dos países superpopulados e o dos subpovoados. Inaugura-se, assim, uma leitura mais complexa sobre vias do capitalismo em sua situação histórica real. Apesar desses dois modelos de subdesenvolvimento proposto por Nurkse apresentarem diferenças, elas possuem nuanças que permitem enunciar algumas características que colaboram para definir economias subdesenvolvidas. O círculo vicioso da pobreza é resultado da baixa renda da população e concentrada a mão de obra na produção agrícola. A especialização da economia em um único setor produtivo e a ausência de poupança da população revela o mercado interno reduzido. O efeito de demonstração dificulta os investimentos da elite na modernização da produtividade e na promoção da indústria, pois capta os seus lucros para direcioná-los ao consumo de bens de luxo. Nos países superpovoados, o subdesenvolvimento é caracterizado pelo “desemprego disfarçado”, que é um fenômeno de massa inserido em economias predominantemente agrárias e superpovoadas, o que resulta na poupança oculta. É um fenômeno determinado pela especialização da economia no setor agrário e inexistência do setor de transformação, poderia aumentar a oferta de mão de obra para descongestionar o seu volume no setor agrário. O desemprego disfarçado rural apresenta muitos aspectos diferentes ao desemprego industrial, o mais evidente é que não pode ser absorvido por meio da expansão monetária, torna-se ineficaz por causa da inelasticidade da produção agrícola. A poupança oculta se manifesta em países superpovoados, dada a concentração de trabalhadores nas atividades agrárias e que produz um efeito deletério nas condições de trabalho (baixos salários e desemprego dos trabalhadores), e na produtividade (a produção permanece imutável independentemente do número de trabalhadores) que não possui equipamentos modernos em sua cadeia produtiva. Nos países com escassez de população e especializados na agricultura o subdesenvolvimento é manifestado pela escassez na formação de capital, que é resultado da baixa produtividade de produtos agrícolas. O aperfeiçoamento das técnicas e dos métodos da produção agrícola promoveria condições para aumentar a produtividade e desocupar a mão de obra desse setor para ocupar postos de trabalhos nos setores de transformação e de serviços. O prognóstico de Nurkse (1957) para a saída do subdesenvolvimento é a industrialização. Diferentemente da estratégia setorial adotada por Rostow para o projeto de industrialização, Nurkse defende a tese do crescimento equilibrado como estratégia para ampliar o mercado interno e incentivar a produtividade (por meio do investimento estrangeiro) nos países subdesenvolvidos. O teórico supracitado prioriza como medida de superação do subdesenvolvimento a formação de capital e o planejamento orientado pelo Estado na economia. Já as teses que aparecem na obra de Gunnar Myrdal apresentam em seu repertório uma concepção sociológica e política do desenvolvimento econômico que nos permite classificá-lo em relação a Rostow e Nurkse, como aquele teórico que inovou o repertório sobre a interpretação do subdesenvolvimento. O método de “causação circular (acumulativa)” na tese de Myrdal concilia variáveis econômicas e não-econômicas na elaboração do seu diagnóstico sobre o subdesenvolvimento. Myrdal avançou na sistematização do conceito de círculo vicioso, utilizado por Nurkse, ao enfatizar que esse conceito não se limita a desencadear apenas efeitos negativos na economia. O círculo vicioso é um conceito que pode gerar “efeitos progressivos”, partindo dos investimentos setoriais estratégicos na economia o princípio metodológico da causação circular cumulativa promove uma espiral ascendente para o crescimento em outros setores intermediários da indústria. A indústria siderúrgica é um exemplo de setor estratégico que pode difundir sinergias para os setores intermediários dessa indústria. Myrdal assim como Rostow é um signatário da tese do crescimento setorial. De acordo com o 66

método de causação circular cumulativa de Myrdal pode haver geração dos efeitos progressivos para os outros setores desta economia, bem como efeitos regressivos na economia, resultado do baixo dinamismo e da débil integração nacional. A interpretação de Myrdal sobre o subdesenvolvimento representou importante avanço se comparada com as teses de Rostow e Nurkse. O subdesenvolvimento pode proporcionar desigualdades regionais em um mesmo país. Por conta desse diagnóstico, a integração nacional assume prioridade em sua tese como medida de superação para as assimetrias regionais. A ausência da integração nacional pode desencadear um crescimento desequilibrado, concentrando os investimentos na região do país que estiver preparada com infraestrutura e indústrias instaladas, ou seja, imperaria as vantagens de locação para os investimentos. O desequilíbrio geraria duas situações em um país, o crescimento acelerado de uma região em contraste à estagnação econômica de outra. A integração do mercado interno assume importância central na tese de Myrdal (1957) e o Estado deve assumir a tarefa de providenciá-la por intermédio do planejamento políticas econômicas para a integração nacional. A democracia é um valor determinante para o desenvolvimento na tese de Myrdal. O autor associa a ausência de democracia como privação dos direitos à liberdade dos indivíduos. Desse modo, um país deve conciliar crescimento econômico com democracia. A sua tese pode ser classificada, entre as teses de Rostow e Nurkse, como aquela que inseriu a questão política na interpretação do subdesenvolvimento. Myrdal incorpora, além da renda per capita, aumento da produtividade industrial e do produto interno bruto (PIB), a democracia como elemento necessário ao cálculo do desenvolvimento. Dessa forma, os subsídios oferecidos por Rostow, Nurkse e Myrdal ampliaram o repertório sobre a interpretação do subdesenvolvimento. O balanço entre essas teses do subdesenvolvimento produzidas no centro, de maneira gradual, ilustra como as mudanças no campo da teoria do desenvolvimento avança, progressivamente, do campo de uma economia de movimento único (Rostow), para as determinações de situação histórico-econômica (Nurske) e para a incorporação de novos itens na agenda do desenvolvimento (a democracia e suas instituições em Myrdal). Estes autores são fundamentais para compreendermos o amplo processo de expansão, recepção, legitimação e aplicação de políticas contra o subdesenvolvimento (os projetos desenvolvimentistas que surgem em sua esteira)28, que explodiram no mundo após os anos de 1930/1940. As suas respectivas teses foram balizadas pelo diagnóstico e prognóstico de países subdesenvolvidos e abriram caminho para outras importantes contribuições que permitiram compreender esse fenômeno não apenas pelo campo da economia, mas da política. Porém, a produção teórica de Celso Furtado, no mesmo campo, abriria uma nova frente de compreensão e geraria um acréscimo teórico importante ao afastar-se, em definitivo, da percepção de que as mudanças econômicas gerariam alterações sociais e políticas (típicas da teoria da modernização), introduzindo o argumento político como parte essencial da superação do subdesenvolvimento.

As inovações teóricas de Furtado: entre a economia e a política Uma primeira contribuição à compreensão das teses de Furtado versa sobre a definição de dois conceitos, interligados, porém distintos: o subdesenvolvimento e o desenvolvimentismo. O primeiro termo refere-se ao processo de formação e integração das economias coloniais à órbita e dinâmica da economia capitalista. Dada a natureza de sua feição mercantilista, a formação colonial obedeceria (como também exposto por Caio Prado Jr.) à função primário-exportadora (em especial após a revolução industrial). O subdesenvolvimento é um processo histórico, causador de uma situação econômica e social reflexa, assimétrica e periférica. As ferramentas teóricas capazes de interpretar (e esta é a chave deste conceito) o subdesenvolvimento são a teoria econômica não neoclássica e a 67

história (eixos do estruturalismo cepalino). Já o desenvolvimentismo é uma leitura das sociedades subdesenvolvidas em estágio de brecha histórica, organizando tanto a interpretação desse momento quanto desenvolvendo ferramentas conceituais e operacionais de sua superação. O desenvolvimentismo, em especial no caso do Brasil analisado por Furtado, é uma resposta à uma industrialização obstruída pelos variados entraves herdados do modelo primário-exportador. As ferramentas do desenvolvimentismo são uma teoria econômica própria (ajustada e adaptada às condições especiais do subdesenvolvimento de grau superior – Furtado, 1967) e um brutal recurso ao campo político: quer seja via ação do Estado, quer seja pelo compromisso nacional, quer seja (e muito especificamente) pela defesa da democracia enquanto elemento do menu de estratégias de superação da industrialização obstaculizada. A leitura sobre o lugar da política na interpretação do subdesenvolvimento e no projeto do planejamento desenvolvimentista é bastante visível na perspectiva que toma a política (nação) como um resultado a ser alcançado pela via de alteração dos processos econômicos. Porém, uma investigação mais meticulosa revela uma outra relação entre economia e política subjacente à lógica que orienta a “produção artificial do desenvolvimento”: a de causação política para um efeito econômico. Ao combinarmos a leitura de três trabalhos de Furtado – A pré-revolução brasileira (1962), Dialética do desenvolvimento (1964) e Teoria e Política do desenvolvimento econômico (1967) – questões como regime aberto (democracia), participação política e conflito passam a ser fundamentais, não como efeito do desenvolvimento da estrutura econômica, mas, ao contrário, como condicionantes desse próprio desenvolvimento. Em situação subdesenvolvida, a dimensão política alcançaria um papel equivalente ao de fator estratégico do crescimento econômico – estando assim, antes e não depois do processo, funcionando como causa e não consequência. Na hipótese de interpretação que propomos, este movimento implicaria em duas rotações profundas da teoria furtadiana em relação ao debate inter pares de sua época: um afastamento radical dos pressupostos da teoria da modernização 29 e a conformação de uma arquitetura singular para o funcionamento lógico da economia do subdesenvolvimento. Para a análise do entrelaçamento entre estes dois campos na tese furtadiana é necessário lembrar os elementos que permitiram, na década de 1950, o take off desenvolvimentista: 1. a diferenciação da estrutura econômica nacional, cindida entre o setor mercantil-exportador e a alternativa do setor industrial - o primeiro em declínio pela depauperação inevitável dos ciclos econômicos primário-exportadores e o segundo em ascensão, porém paralisado pelos gargalos estruturais na passagem para a etapa de industrialização pesada; 2. a tensão entre a dinâmica da economia reflexa (exportadora) e a diminuta autonomia dada pela dinâmica de consumo gerado no mercado interno; 3. a modernização dos atores e setores ligados ao processo produtivo, notadamente a massa que se formava de trabalhadores urbano-industriais e a geração de laços de interesse entre os setores industriais urbanos e demais setores produtivos voltados para mercado interno (indústrias complementares da cadeia, comércio, serviços e setor agrícola consumo interno); 4. a existência de um arsenal político - teórico e ideológico - que explicava com clareza o atraso e apontava soluções factíveis para a transformação do futuro. Compõe este acervo a tese do subdesenvolvimento e a proposta de planejamento econômico, particularmente a produção intelectual de lavra furtadiana iniciada em Formação Econômica do Brasil. Sobre esta obra assinalamos a sua importância como um “trabalho de consolidação da consciência desenvolvimentista brasileira, que ele fundamentou com uma bem constituída argumentação histórica” (BIELSCHOWSKY, 1988: 193). Anteriormente apontamos o nacional-desenvolvimentismo como um pacto nacional, orientado pelo 68

esforço social global de resolução dos limites da soberania e evolução da sociedade brasileira. A forte aceitação das teses do planejamento, que como ressalta Bielschowsky (1988) incluía setores ideológicos diversos do pensamento econômico, pode ser observada pela agregação de atores “à direita, centro e esquerda” em um movimento macrossocial que reformatou o papel e a ação do Estado e de seus operadores, fechando o ciclo iniciado com a Revolução de 1930. A fase posterior à implementação do Plano Salte (1948) era, definitivamente, industrialista e planejadora, independente das oscilações e desdobramentos posteriores que ocorreram dentro deste mesmo campo. Na década de 1950 completa-se a gestação de uma intelligentsia que possuía, pela primeira vez, simultaneamente uma tese, um projeto, um pacto social e instrumentos para planificação da mudança social. É nestes termos que se coloca a questão de entender que naquele momento histórico específico estava à disposição da sociedade brasileira mais de um projeto político, albergado ipso facto, no grande bloco histórico desenvolvimentista. Também nesta direção é que a produção furtadiana reluz, portadora de uma arquitetura interna complexa e completa, originando-se no argumento econômico (grande consenso sócio-político à época para compreensão do atraso) e avançando, coerentemente, nas fronteiras das questões social e política. Há, no conjunto de suas obras, uma fidelidade a uma maneira de entender e mudar o processo social pautada em uma análise teórica rigorosa que subverte a relação entre o lugar da economia e o lugar da política nesse processo. A função estratégica da política na dinâmica do desenvolvimento econômico será analisada, na síntese das obras selecionadas (Dialética, Pré-revolução e Teoria e Política), em duas perspectivas: i) a organização dos trabalhadores e sua capacidade de demandar a realização de seus interesses específicos; e, ii) o marco democrático como mecanismo de superação da persistência de nichos de anacronismo, ligados aos interesses do modelo agrário-exportador e latifundista, capaz de impedir a consecução plena do desenvolvimento social. Na avaliação dos obstáculos ao desenvolvimento, Furtado assinala como óbices perigosos a baixa capacidade de investimento, em especial nos segmentos de bens de capital30, o consumo suntuoso das elites (com propensão ao consumo externo), o mimetismo do efeito demonstração no consumo interno, o déficit tecnológico e, principalmente, o diminuto tamanho do mercado interno (fonte de toda dinâmica industrial internalizada, de contínua diferenciação e sofisticação da malha produtiva e caminho necessário para aumento da produção e da acumulação). Somente através da vitalidade deste último é que a ausência de capacidade de investimento poderia ser solucionada definitivamente, desonerando no longo prazo o Estado da tarefa de investimento estratégico. Em Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico (1967) Furtado trabalha com a demonstração da tendência deletéria do empresariado nacional, não por deliberação e sim por consequência de sua racionalidade estreita e de curto prazo na definição de seus investimentos. Dada a irracionalidade dos agentes econômicos privados que orientam seus recursos para o gasto pessoal ou para setores mais imediatamente rentáveis - exatamente aqueles que aceleram o gargalo estrutural do sistema econômico - apenas o Estado pode, com sua racionalidade acima do mercado e do interesse privado, modificar, através de políticas públicas corretivas e/ou ação produtiva direta, a lógica e inércia desse processo. Este é um argumento importante em Furtado: a situação de aquecimento do mercado interno pós final da Primeira Guerra Mundial foi indutora da dinâmica industrial, que se volta ao abastecimento doméstico. No entanto, quanto mais a produção industrial “leve” aumenta, maior a pressão sobre o consumo de bens de produção “pesado”: capitais, tecnologia, matérias-primas, infraestrutura e insumos estratégicos como energia. Exatamente o que custa mais caro, tem retorno (em termos de lucratividade) de prazo muito mais longo e exige maior imobilização de capital. Os atores econômicos, por sua racionalidade miúda, preferem continuar investindo em uma produção de menor custo e lucro rápido, impactando no aumento da pressão sobre os gargalos estruturais, desorganizando a economia e impedindo a passagem para uma etapa mais avançada de industrialização bancada pelo investimento e recursos privados. Sem adentrar ao tema da dúvida política sobre a capacidade da burguesia nacional na promoção do desenvolvimento, Furtado duvida, 69

de maneira muito mais grave, da capacidade virtuosa da ação desse setor na própria dimensão econômica. Para este autor, os limites da economia autorregulada em situação subdesenvolvida implicam em uma ação mais deletéria dos empresários em relação a seus próprios interesses – mais que os danos causados pela incerteza (motor da crise nas economias centrais conforme Keynes). Na periferia o travamento do desenvolvimento ocorreria pelo risco decisório imposto ao empresário em cenário de gargalos estruturais. Assim, a regulação seria aqui invocada por outra forma de desajuste intestino à racionalidade econômica privada. No entanto, esta política interventora, corretora e planejadora só será eficiente se conseguir alterar a ratio anterior, produzindo novas lógicas, demandas e interesses que modifiquem estruturalmente a complexa interface entre o mundo da produção e o sistema social. Esta é, aliás, exatamente a essência do termo desenvolvimentismo: alteração profunda, racional e planejada de uma dada estrutura econômica viciosa. É somente nessa acepção que o termo “desenvolvimentismo” (mudança qualitativa e sistêmica) pode ser diferenciado de crescimento (mudança quantitativa e possivelmente setorial), tornando-se um projeto econômico-social de forte alcance político. A aposta furtadiana elege como elemento capaz dessa metamorfose profunda as demandas dos trabalhadores no processo de luta pela distribuição de renda e repartição dos ganhos da riqueza social. A livre organização dos trabalhadores, bastando começar por aqueles ligados ao assalariamento promovido pela cadeia urbano-industrial, teria como efeito diminuir a concentração de renda que permitia aos empresários o gasto luxuoso, convertendo essa massa monetária em salário, consumo e aumento da demanda por bens manufaturados. O impulso para aumento da produção geraria um novo ciclo virtuoso da produção industrial que utilizaria mais matérias-primas, capitais e trabalho, ampliando o gasto intercapitalistas, expandindo o mercado de trabalho e o tamanho da demanda global interna. O deslocamento da dinâmica para o centro-interno de decisão, pautado pelo mercado e indústrias domésticos, poderia então deslanchar em um movimento contínuo, ascendente e retroalimentado. Outro resultado poderoso do aumento dos salários seria o de impulsionar os empresários à geração do lucro via produção e inovação tecnológica, impedindo-os da utilização do velho e danoso recurso de acumulação via espoliação dos salários. Impossibilitados de repassar aos trabalhadores, na forma de redução de salário, qualquer queda na taxa de lucros, o caminho inevitável seria o de investir no aumento de produtividade, através da renovação tecnológica. No caso de economias subdesenvolvidas, com acesso a mecanismos extraordinários de obtenção de lucro (como baixos salários derivados do amplo exército industrial de reserva e das restrições dadas por um mercado com baixa concorrência de preços), o ciclo virtuoso schumpeteriano da destruição criadora e do empresário inovador estariam estruturalmente impedidos. Furtado assinala que a solução poderia ser dada pela mudança na estrutura de salário e renda, deflagradora de uma alteração geral do sistema econômico. A função econômica da luta pelo salário é facilmente compreensível na tese furtadiana. No entanto, o que apontamos aqui é que o disparador do movimento virtuoso da economia precisa ser dado fora do sistema produtivo, no âmbito da política: A formação de capital segue assim por um canal previamente aberto, tropeçando apenas com obstáculos institucionais decorrentes dos ajustamentos insuficientes ou atrasados do marco institucional que disciplina os distintos fluxos econômicos. Os principais desses obstáculos refletem a persistência de formas anacrônicas de distribuição da renda, que se traduzem em insuficiente vigor na demanda final para consumo ou investimento (FURTADO, 1964: 32)

Questões como engenharia institucional e de direitos são as que definem a possibilidade de livre organização, expressão e luta de interesses organizados da sociedade, no marco da democracia representativa. Assim, superar o subdesenvolvimento pressupõe a participação política e a garantia de instâncias de expressão dessa participação 31. Ao contrário da tese clássica da teoria da modernização, 70

como encontrada em Rostow, Nurske e (menos, mas ainda) em Myrdal, na perspectiva furtadiana a dimensão institucional é que desata o nó górdio dos obstáculos ao desenvolvimento econômico. A perspectiva sobre a função política ex-ante os efeitos do desenvolvimento encontra-se na sua capacidade de superação dos resquícios do atraso. A herança colonial não havia apenas deslocado surtos cíclicos mercantil-exportadores ao longo do território brasileiro, caracterizados pela baixa capacidade de retenção da riqueza produzida nesses movimentos no sistema local, mas também definira um hibridismo social grave, ancorado no insulamento de produção em estruturas regionais autônomas e incomunicáveis. O legado do dualismo estrutural geraria um problema forte para a questão nacional, dada a impossibilidade de um compromisso federativo. Paralelo a um surto modernizante provocado pelos picos de produtividade primário-exportadora, elites regionais formaram-se dotadas de alta capacidade de apropriação de capitais sociais e políticos poderosos. No Nordeste, a permanência do latifúndio, da prática do coronelismo no controle dos grupos dominantes sobre os recursos de representação política (bolsões eleitorais) e do controle do aparelho do Estado atravessou séculos, chegando na etapa nacional-desenvolvimentista articulada a ponto de produzir o efeito perverso da “indústria da seca”. No Sudeste, a articulação das elites cafeicultoras no controle direto do Estado durante a Primeira República é um exemplo similar. Dois grupos políticos fortes, originados de momentos diferentes na longa tradição primário exportadora, perpetuavam o passado e agiam contrariamente a passagem para industrialização: as oligarquias mercantil-exportadoras do sudeste e as elites latifundistas nordestinas. Em conjunto, mesmo no ambiente do planejamento estatal dos anos de 1950/60, estes atores conseguiam manter (via controles eleitorais e apropriação de segmentos operacionais dentro do aparelho de Estado) importantes parcelas de controle político 32 via: a) absorção dos investimentos estatais, b) barrando mudanças estruturais radicais em temas como a estrutura fundiária, políticas macroeconômicas (monetária, cambial, fiscal e tributária), bem como aqueles temas ligados aos direitos trabalhistas e sociais e a distribuição do bem-estar. Minar a força dessas elites, destruindo os focos de anacronismos herdados da colônia, era uma necessidade para garantir a construção do Brasil Moderno. Para Furtado, a democracia carregaria essa possibilidade já que o específico do Estado democrático não seria a eliminação dos grupos – que, ao contrário poderiam nela “crescer e conservar seu poder”, mas na tendência à “eliminação daqueles privilégios que entorpecem o desenvolvimento das forças produtivas " (FURTADO, 1964: 45). A única via para a realização dessa outra frente na tarefa histórica de superar o atraso e o subdesenvolvimento era fortalecer o marco legal democrático que através da expansão e da mudança representativa e cultural das bases sociais e territoriais do colégio eleitoral, bem como pela poderosa pressão da opinião pública (cada vez mais educada no processo de participação eleitoral) poderia completar o ciclo da transformação social brasileira. Esta análise de Furtado fecha um importante marco no trajeto das teorias sobre o fenômeno do subdesenvolvimento. Das seminais contribuições das obras de Rostow, Nurkse e Myrdal, que tiveram ampla circulação e repercussão no ambiente intelectual latino-americano 33, até a lavra furtadiana observam-se quatro características importantes: a primeira é que no diálogo sobre os fundamentos do subdesenvolvimento há como um processo de complexificação explicativa, e as obras/autores vão sofisticando progressivamente os elementos e a lógica de sua análise; a segunda é um deslocamento também progressivo da proximidade e apoio em argumentos de tipo clássicos e neoclássicos até a ruptura desenvolvimentista de cunho keynesiana radical; na mesma toada, o terceiro elemento seria o afastamento progressivo dos fundamentos da teoria da modernização (em que mudança econômica geraria correlatas mudanças políticas) e a inversão desse binômio na valorização e sobrevalorização da dimensão política. O movimento de transformação e reposicionamento das filiações teóricas obedece exatamente a ordem dos autores aqui apresentados, sendo a mais moderada interpretação do subdesenvolvimento aquela produzida por Rostow e a mais radical a de autoria de Celso Furtado. 71

A guisa de conclusão O objetivo deste trabalho não foi o de estabelecer um quadro de valores que detectasse quem estava mais certo acerca do que seja desenvolvimento. Longe de uma tentativa de hierarquizar e valorar os autores, o exercício da comparação pretendia demonstrar como a circulação das ideias e das teses sobre o subdesenvolvimento podem apresentar diferenças e, ao mesmo tempo, filiar-se a um campo comum. Também procuramos destacar a importância que, no emaranhado dos temas do subdesenvolvimento, desenvolvimento e desenvolvimentismo, o lugar e a função atribuídos à dimensão política podem significar. Esta comparação poderia recorrer a um conjunto maior de autores, como Singh, Agarwala, Lewis, entre outras importantes referências ao debate latinoamericano. A escolha por Rostow, Nurske e Myrdal forma uma primeira investida no campo da análise comparativa e, se houver fôlego dos pesquisadores, será ampliada no futuro. Terminamos esta comunicação com a apresentação de alguns quadros, analisando alguns dos principais conceitos dos autores não periféricos – Rostow, Nurske e Myrdal – contrastados com os elementos da tese furtadiana. Quadro Comparativo 1. Conceitos centrais nas teses de Rostow e de Furtado

Rostow

Furtado

Eixo explicativo do subdesenvolvimento

Subdesenvolvimento é um produto moderno, herdeiro das relações econômicas coloniais (primário-exportadora). É uma assimetria interna ao capitalismo. Pode também ser classificado em três níveis de complexidade18

Vinculado à primeira etapa do crescimento econômico – a sociedade tradicional (feudal)

Papel do crescimento econômico

Apoia-se na tese da decolagem: aumento da taxa de investimento produtivo; desenvolvimento de um ou mais setores manufaturados; a necessidade de instituições que absorvam as benfeitorias do crescimento econômico.

Duas percepções: a) crescimento é menos que desenvolvimento (mudança qualitativa global de toda estrutura produtiva e social); b) para haver crescimento econômico (sustentado) e/ou desenvolvimento é preciso superar os limites do livre mercado – através do artificialismo do planejamento.

Papel do comércio exterior

Importante (benéfico aos setores diretamente 72

Fundamental, pois tem importante papel para o impulso da decolagem, por meio do capital proveniente do comércio exterior.

ligados ao comércio exterior), mas incapaz de, por si só, gerar o desenvolvimento. Desenvolvimento, estará sempre ligado às capacidades do mercado interno (internalização dos centros de decisão e produção)

Assimetrias centro periferia

Não reconhece: a tese do crescimento econômico é amparada por um modelo único de crescimento, não considera a diferença que há nas estruturas dos países desenvolvidos e nos subdesenvolvidos.

É central na explicação. O subdesenvolvimento é um fenômeno da formação histórica e pela posição de cada um no mercado internacional. A vocação primário-exportadora define e condena os sistemas periféricos a sua permanente subalternidade.

Presença do Estado na economia

Somente em um contexto de crises econômicas do capitalismo ou de Protagonista na construção e consecução do guerra o Estado deve ser invocado desenvolvimento. para providenciar investimentos em um setor estratégico da economia.

Quadro Comparativo 2. Conceitos centrais nas teses de Nurkse e de Furtado

Nurkse

Furtado

Eixo explicativo do subdesenvolvimento

Formação de capital é drenado na etapa primário exportadora pela deterioração dos termos de troca. Na etapa de brecha histórica (substitutiva de importações) a estrutura do subdesenvolvimento Baseado na dificuldade de gera um ciclo de disfunções: a) a tendência à formação de capital em países imitação de padrões de consumo externo b) queima subdesenvolvidos, que estão envolvidos pelo círculo vicioso da poupança, c) impele, na busca do lucro rápido, a alocação de recursos na produção substitutiva pobreza. (inflacionários), d) impedindo o investimento privado nos segmentos de infraestrutura (gargalos 73

estruturais)

Comércio exterior

Reprime a política isolacionista, priorizando para tanto, a integração do país subdesenvolvido ao comércio internacional.

Concorda. A expansão do comércio exterior não é causa suficiente para o desenvolvimento, mas pode ser uma condição necessária para que o mesmo efetive-se. O aumento da produtividade pelo comércio exterior apenas providenciará lucros para poucos, que estarão propensos a seguir o padrão do consumo dos países desenvolvidos.

Desenvolvimento econômico

Crescimento equilibrado

Crescimento equilibrado, com papel importante para distribuição da renda internamente.

Quadro Comparativo 3. Conceitos centrais nas teses de Myrdal e de Furtado

Myrdal

Furtado

Eixo explicativo do subdesenvolvimento

O processo acumulativo propõe que o círculo vicioso da pobreza, que está inserido em países subdesenvolvidos, reproduz os chamados efeitos regressivos.

Discorda. Subdivide-se em três diferentes níveis de complexidade: predominam as atividades de subsistência e é reduzido o fluxo monetário; as atividades são diretamente ligadas ao comércio exterior; prendem-se ao mercado interno de produtos manufaturados de consumo geral.

Relação de dependência países subdesenvolvidos versus países desenvolvidos

Dependência das colônias em relação às metrópoles, repercutindo na transferência de ideias, cultura e principalmente das políticas de desenvolvimento econômico.

Discorda.O conceito de dependência dos países subdesenvolvidos com os desenvolvidos está associado a um primeiro momento à dependência de cunho econômica. Posteriormente esta dependência assume um caráter cultural. O padrão de consumo da minoria nos países 74

desenvolvimento econômico.

subdesenvolvidos é igual ao padrão exercido nos países desenvolvidos.

Atuação do Estado

Primordial. A ausência do Estado na economia poderia acarretar Concorda. Acentua que é preciso reformar intensificação do desenvolvimento administrativas, em conjunto com a ação do Estado desequilibrado, resulta nas em formular políticas econômicas. desigualdades regionais.

Desenvolvimento econômico

Desenvolvimento setorial. Os “efeitos propulsores” em conjunto com a atuação do Estado, por meio de políticas econômicas. Conciliando a democracia com o desenvolvimento econômico.

Discorda. Propõe o crescimento equilibrado.

Políticas para a integração nacional

Firmada entre os países pobres aumenta o poder de barganha desses com os países ricos e a fortificação dessa integração pode chegar a tal ponto, que passaria a ser interessante para os países ricos estabelecerem relações frutíferas com os países pobres.

Discorda. É a etapa superior da teoria do desenvolvimento, uma forma avançada de política de desenvolvimento. O planejamento de integração surge como uma forma mais complexa de coordenação das decisões econômicas. Para as economias subdesenvolvidas, a integração não planificada tende a gerar os desequilíbrios regionais.

Quadro Comparativo 4. As diferenças de métodos em Rostow, Nurkse, Myrdal e Furtado

Autor

Modelo de análise

Rostow

Universalista. Movimento único subdividido em fases crescentes em direção ao desenvolvimento. 75

Nurske Reúne a teoria do comércio e do desenvolvimento em sua abordagem.

Myrdal A causação circular dos processos acumulativos

Análise histórico-estrutural. Há mais de um modelo de modernização Furtado capitalista, gerando estágios assimétricos e funcionalmente determinados (centro versus periferia)

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III. Cooperação internacional, direitos e produção do conhecimento INTRODUÇÃO

A integração sul-americana: cooperação, redes e produção do conhecimento Glauber Cardoso Carvalho

ARTIGOS

Tecnología e Innovación para la Inclusión Social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiar Hernán Thomas, Santiago Garrido, Mariano Fressoli, Paula Juarez e Lucas Becerra Integração, defesa e outros desafios da Amazônia Alexandre Fuccille

Pensar la cooperación, integración y producción del conocimiento desde perspectivas no hegemónicas Anibal Oruê Pozzo

Institucionalidad pública para la protección y promoción de los Derechos Humanos en el Mercosur Paula Rodriguez Patrinós

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INTRODUÇÃO

A integração sul-americana: cooperação, redes e produção do conhecimento Glauber Cardoso Carvalho

“Buscamos la solidaridad no como un fin sino como un medio encaminado a lograr que nuestra América cumpla su misión universal”.

José Martí

A América do Sul tem vivido uma época de transformações relevantes em sua sociedade e no seu fazer político. Apesar da tendência em tratar a região de forma homogênea, é compreensível que em cada país a primeira década do século XXI atingiu de forma distinta seus governos e seus cidadãos. A evolução da integração regional foi, nesse contexto, fomentada pela subida ao poder na região de governos atentos à questão, tanto quanto atentos à necessidade de inclusão de parte da população que vinha sendo excluída dos processos de desenvolvimento. Esses governos, chamados então de progressistas, deram início a um plano mais ambicioso de revigorar também suas políticas externa e internacional, passando a se ver como uma entidade de poder autônoma das decisões dos centros hegemônicos externos. A autonomia está, dessa forma, no centro de uma discussão longe de estar terminada, de condições e limites de se realizar um ciclo de desenvolvimento com capacidade duradoura para gerar crescimento econômico, mas também para melhorar a vida de todos, dando oportunidade a que todos tenham possibilidade de participar ativamente e de forma plena dos processos econômicos, políticos, sociais e culturais. Assim, é certo que um fator de extrema importância na formação de uma consciência de autonomia está na produção e divulgação de conhecimento. Esse debate deve ser realizado de forma ininterrupta pela sociedade que pretende formar cidadãos com capacidade de analisar criticamente as informações que hoje estão pulverizadas, mas que ao mesmo tempo são de fácil acesso por diversos canais de comunicação. A ciência e a tecnologia apresentam parte decisiva nessa empreitada e possuem um papel chave na integração da região. O estímulo à produção de alternativas de cooperação internacional nessa área, que abrange, sobretudo, o fazer universitário e os centros de pesquisa, deve ser visto como fator possibilitador e difusor das políticas públicas para o desenvolvimento regional. O painel Tecnologias sociais, cooperação internacional e produção do conhecimento que discutiu este tema do XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário do Mercosul - FoMerco, ocorrido entre 23 e 25 de outubro de 2013, na Universidade Federal de Palmas, Estado do Tocantins, no Brasil, do qual este texto é uma livre síntese com incorporação de outras referências, atingiu de forma contundente temas que são caros à integração aos quais me deterei mais longamente nas próximas páginas, sublinhando as questões de organização da integração, que guardam relação com a evolução do Mercosul e da Unasul, o uso e difusão da ciência e da tecnologia na região, a atuação das redes de conhecimento, a cooperação interuniversitária e a questão da educação para a integração. Os participantes do debate serão aqui diretamente mencionados.

A importância de uma reconstrução plural e crítica da região 79

Há uma constatação de que o projeto integracionista faz parte do acervo histórico consolidado das relações internacionais sul-americanas. Isso, porém, não deve ocultar as características e graus distintos que distinguem a longa travessia composta de diferentes concepções de desenvolvimento e de autonomia nas estratégias de política internacional do continente. Se é possível perceber que a autonomia do conhecimento se viu limitada primeiro pela ditadura militar e depois pela ditadura do mercado, com incrível tendência a individualização a compartimentalização, como comentou Daniela Perrotta, também é possível entender que o quadro começou a se transformar diante da conjuntura das retomadas democráticas na América do Sul, quando, a despeito da manutenção da importância da abertura comercial, os governos conferiram prioridade à formação de grandes blocos econômicos no projeto de integração. A formação do Mercosul, com a aproximação entre Argentina e Brasil se enquadra nesse momento no qual se privilegiou a aproximação comercial, embora, no caso do Cone Sul, as definições geopolíticas em torno da Bacia do Prata e a cooperação em matéria nuclear também tenham exercido forte influência no que tange à nova inserção internacional da região. No eixo do Cone Sul as políticas nacionais buscaram atualizar as agendas e agir de forma a atender ao novo cenário internacional, ascender ao rol dos chamados desenvolvidos e eliminar o seu caráter, visto como pejorativo de “Terceiro Mundo”. Assim, a estratégia de inserção internacional passou pela tentativa de aumento da credibilidade econômica com a renegociação da dívida externa e a adesão aos princípios internacionais ditados desde as potências, como a adesão aos regimes multilaterais, especialmente os de controle de tecnologia sensível, de direitos humanos, comércio e meio-ambiente, consolidando o processo democrático. (HIRST; PINHEIRO, 1995) No eixo andino, os países que já haviam buscado a integração a partir da formação do Grupo Andino, de 1969, continuavam na dependência das exportações de commodities às economias desenvolvidas. Assim também ocorreu com a Venezuela e o petróleo no processo de utilização da farta entrada de divisas dessa commodity como indutora de um desenvolvimento, o que ao mesmo tempo dificultou a diversificação produtiva e facilitou a concentração de renda no setor (MEDEIROS, 2008). Cabe constatar que por toda a América Latina o pensamento neoliberal foi transformador e se associou a uma nova formulação teórica da Comissão Econômica para a América Latina - Cepal, órgão da Organização das Nações Unidas – ONU – sobre os processos de regionalismo (considerado “aberto”) e fortaleceu o arraso dos projetos desenvolvimentistas. Contudo, o modelo cepalino do regionalismo aberto escolhido pelos sul-americanos manteve-se nos marcos da redução do Estado e de sua soberania, promovendo a integração comercial centrada na liberalização crescente de tarifas, mercadorias e do capital, tal como recomendava a cartilha neoliberal dos noventa. À crise e à falência do modelo neoliberal se adiciona “o esgotamento de forma de organização estatal, dominação social, baixa inclusão político-social e monopólio partidário” (SILVA, 2011: 265) No início deste século, porém, é possível pensar que houve uma saturação da situação vigente e um novo desabrochar da consciência popular. Esse momento marcou a região tanto nos contextos nacionais quanto no contexto internacional. Nos âmbitos nacionais, as forças das mudanças propagadas pela distorção dos anos de políticas neoliberais no conjunto das sociedades aproximaram os Estados em sua concepção de futuro. No campo internacional, fatores como a melhoria dos preços das commodities, um ajuste na estratégia da política externa norte-americana, assim como as potencialidades de novos jogadores na arena internacional contribuíram para favorecer o ânimo dos países. O reordenamento das relações internacionais da região a partir das renovadas concepções de integração e desenvolvimento, e que acrescentavam a questão da autonomia, ganhou o impulso regional necessário com a chegada ao poder de governos que possuíam como interesse o fortalecimento regional e comum. Eles estipularam um novo consenso e novas formas e temas de 80

atuação, incluindo a esfera institucional, com bases outras que apenas o econômico-comercial. A ampliação do rol de itens em debate nos organismos do processo integrativo sul-americano foi um dos fatores mais importantes. O foco que os novos governos da região conferiram à cooperação setorial extracomercial foi condizente com os discursos que ressaltavam a necessidade do entendimento e do fortalecimento social. Nesse contexto está a ampliação de ações para articulação de novos atores que tinham como circunstância a formatação de condições para a produção de conhecimento regional voltado para o aprofundamento integração. A perspectiva foi a reconstrução da região para que passasse a representar de forma efetiva a sua pluralidade e originalidade. Essa questão, dada pelos temas culturais e educacionais, os quais incluem produção, formação, difusão, conscientização e criação de novos saberes, também giram em torno de questões como as garantias para as liberdades fundamentais e a possibilidade de uma gestão democrática do conhecimento.

Desde sur y para sur: as redes para um conhecimento continental De acordo com Daniela Perrotta, a América Latina tomou parte da internacionalização das ciências nos anos sessenta e se consolidou como produtora de conhecimento em sua condição periférica, criando epicentros de irradiação como o caso do Chile. Para a pesquisadora, devemos reconhecer que estamos vivendo novos tempo que exigem, por sua vez, a ampliação da visão de uma nova região e de uma nova forma de produzir conhecimento. Perrotta indaga quais são as condições para a produção desse conhecimento, que tipo de conhecimento é esse e como ele é criado de fato. Essa provocação, sem o intuito de esgotar o tema, encontrou no painel algumas pistas de respostas. Nosso momento histórico tem exigido o repensar da região e a sua reconstrução a partir de marcos sociopolíticos e culturais diferentes. O campo do conhecimento exige, portanto, múltiplas visões que só podem ser criadas pelo incentivo de um ambiente plural. As universidades e centros de pesquisa, focos de excelência desse projeto de criação de saberes, apresentam idiossincrasias quando se analisa o ambiente nacional e quando se amplia a visão para o nível regional. Cita-se de um modo prático, por exemplo, a burocratização como um dos fatores determinantes em que um pesquisador consome seu tempo. Soma-se a isso um velado nivelamento ou uniformização de atividades quando da liberação de financiamentos para determinadas atividades, que, quando ocorre, segue com uma densa prestação de contas. O incentivo à pesquisa é um item que também assume importância no contexto dos desenvolvimentos nacionais, mas que em diversos momentos parece negligenciado e, novamente, altamente burocratizado para sua efetivação, sendo necessário suplantar essas questões para avançarmos em uma efetiva cooperação interuniversitária. O tipo de conhecimento que se propõe criar quando se trata da integração regional é algo que consiga conjugar uma visão plural e ao mesmo tempo única e continental. É importante salientar que já houve diversos pensadores em distintos momentos da história com esse tipo de visão, entretanto, como o tema sempre surgiu como ondas recorrentes, o problema foi que na maioria das vezes as questões encontravam pouco eco nas sociedades. Para Geronimo de Sierra, em algumas oportunidades essa visão teve maior abrangência, com produção de conhecimento que se voltava na formação de quadros para a integração, como no Instituto Latino-americano y del Caribe de Planificación Económica y Social - Ilpes, da Cepal. Para De Sierra, o marco deve ser a educação para a região, ou seja, a construção de um horizonte de reflexão, mas também de ação, de problemas da região e de soluções para a região por meio da educação. A percepção de que apesar do tema ser recorrente, ele não conseguiu se consolidar, ou se aprofundar de forma prática, demonstra tanto sua complexidade quanto a dificuldade de pensar a região como uma unidade. A construção desse conhecimento continental, subcontinental, regional, 81

se bem deve passar pelo saber formal acadêmico, tem sido beneficiada pelas novas tecnologias. Como explicam Hernán Thomas et alii - a seguir - quando nos relatam experiências de campo na aplicação de tecnologias sociais, percebe-se que há questões que ultrapassam o mero formalismo científico e que devem ser aprofundadas com o contato com o público alvo. Os autores advogam, assim, a necessidade de construção coletiva do conhecimento entre a comunidade acadêmicocientífica e os atores locais, que serão os beneficiados da aplicação tecnológica, uma vez que estes possuem demandas específicas e contam com um know-how local. Assim, o processo de desenvolvimento de tecnologias apropriadas e cuja aplicação será bem-sucedida passa, certamente, pelo que propôs o próprio congresso do FoMerco, a necessidade de realização da ampliação do conhecimento e vivência cultural regional. Destacam-se nesse tema, as redes de cooperação, universitárias e de pesquisa, que não são fenômenos de todo novos, mas mudaram sua intensidade, abrangência e alcance. Para Perrota, falta para os pesquisadores atuais a realização de um núcleo dinamizador de conhecimento crítico como foi o Chile nos anos sessenta. A pulverização das redes simplesmente baseada no crescente uso da internet, embora tenha a capacidade de ampliar a discussão em termos quantitativos, pode não ser capaz de aprofundar propostas concretas. Para a pesquisadora, as redes podem ser temáticas, generalistas, e estar ligadas a universidades ou não, mas dois itens importantes devem ser levados em conta quando pensamos nesse assunto, primeiro é que os princípios que estão presentes em qualquer rede são a solidariedade, a construção de conhecimento e o apoio mútuo de pesquisa; segundo, que uma rede sobre integração regional deverá considerar as assimetrias na educação superior dos participantes e agir para a sua superação. A demonstração das assimetrias regionais foi uma questão recorrente nas apresentações do painel. Perrotta indica três formas das assimetrias que definem as diferenças entre os países do Mercosul: estruturais, regulatórias e culturais. Para ela, é muito visível a questão estrutural uma vez analisado o tamanho dos sistemas universitários, por exemplo, entre o Brasil que possui 6 milhões de estudantes de ensino superior, contra 131 mil do Uruguai. Em termos regulatórios, ao contrário, a maioria dos estudantes brasileiros está em universidades privadas e no Uruguai na universidade pública, na única existente. O que gera uma importante discussão sobre se as pesquisas acadêmicas e sua destinação social: o conhecimento é público ou pode ser privatizado? A terceira questão assimétrica são as diferentes culturas e sobretudo, as culturas acadêmicas. Levando-se em consideração as características próprias de cada país e de cada centro acadêmico, é importante verificar, por exemplo, que as universidades brasileiras são do século XX, enquanto em outros países há universidades ainda da época da colonização, assim, fica claro que a cooperação de universidades em termos intrazona são favorecidas pelos acordos regionais que levam em conta as assimetrias e tentam compatibilizá-las. Ao mesmo tempo, torna-se um passo importante a tentativa de fazer com que a academia escape de tensões políticas entre países e a qualquer movimento pendular de suas políticas externas, fortalecendo, por intermédio da integração dos saberes, laços mais profundos e duradouros. A percepção não é que não se tenha avançado na tomada consciência na região, mas que todo processo educacional tem em seu cerne uma tensão, entre a universalização do saber e do conhecimento e a elitização, o privilégio de saber. Por isso os temas se assemelham e se repetem neste e em outros foros, como observou De Sierra.

Experiências e políticas públicas: ações e expectativas na produção de um conhecimento autônomo As mudanças políticas e sociais que ocorreram desde o início do século XXI demonstraram que 82

também o pensamento em torno da região foi modificado. Os processos de integração foram acelerados, aprofundados, multiplicados, mas, especialmente, alterados. Segundo Paula Rodriguez Patrinós (texto a seguir), é sim um novo modelo o que temos agora. Antes, o regionalismo aberto não implicava a melhoria de vida das populações, as próprias instituições eram frágeis para lidar como o que se propunha. Há, portanto, uma nova característica que é a concretização de uma agenda positiva da integração, com a criação de instituições e políticas públicas comuns, em âmbitos que não são somente os econômicos. A incorporação da dimensão social no processo trouxe para a pauta temáticas relegadas a segundo plano como a pobreza, as desigualdades materiais, a exclusão social. No primeiro momento, essa nova mirada demandou a construção e compartilhamento de novos conhecimentos e uma redefinição do próprio Mercosul como um projeto político-estratégico. Uma ação voltada para desenvolvimento regional que já não seria pensado como um atributo compensatório de um baixo crescimento econômico, mas o desenvolvimento em sua forma integral, um desenvolvimento humano. Ennio Candotti (depoimento no capítulo I) afirma que a integração passa a ser realizada com o objetivo de lutar pelos próprios povos, logo, uma atitude de resistência e de capacidade de confronto com os interesses externos. Para isso, o caminho é a formação de pessoas. Uma formação, porém, que tente abranger uma completa inclusão, que passa pela ampliação com qualidade e acesso à educação formal, geração de emprego qualificado, incentivo à pesquisa científica e tecnológica, sua difusão, e a manutenção de “cérebros” em nossa região. Um planejamento deste tipo se faz necessário de implementação por meio de políticas públicas ativas, mas não será possível lograr sem o autoconhecimento. Ao definir seus espaços de atuação, o Estado consciente de sua região, deve ser capaz de avaliar onde sua ação induz de forma mais efetiva a realização do seu projeto de desenvolvimento. Cabe fazer menção de um debate realizado em 1990 com uma reflexão muito contundente ao explicar que existia a necessidade de examinar “quem se integra, para que se integra e no que se integra; há que lembrar o objetivo maior da democratização da educação” (LUCE, 1990: 266). Se naquele momento a proposição oficial era “que os problemas sociais e econômicos devem ser resolvidos com menos Estado e mais mercado, com desregulação e privatização”, para Luce, isso seria uma afronta ao nosso próprio processo civilizatório e nossa formação social, “por isso, justifica-se o destaque à questão do papel do Estado quando se procura a reflexão problematizadora sobre a educação na integração latino-americana” (Idem). Lido nos dias atuais, essa necessidade ainda se faz presente e é renovada pelos desejos dos especialistas em ver no campo educacional e científico o caminho mais adequado para a gestação de um novo tempo. De acordo com Patrinós, o enfoque renovado da integração se torna visível, por exemplo, no Mercosul Social, um conjunto de ações que se cristalizam no Instituto Social do Mercosul - ISM e que relacionam a cidadania com o processo de integração, que cria novos espaços de diálogo, que fortalece a solidariedade e incorpora atores da sociedade civil, enfim, que busca dar conta do compromisso do Mercosul com políticas de direitos integradas, como exemplo para a formação de uma identidade de região. Em termos educacionais, é possível verificar análises de especialistas que indicam que os avanços obtidos na educação superior, no setor educacional do Mercosul ainda são tímidos. O Mercosul educacional carece, ainda, de maior institucionalidade e de mecanismos que garantam um aprofundamento das ações implementadas (BARRETO JUNIOR, 2011). Além disso, é necessário avançar em questões básicas como a compatibilização ou destravamento da legislação competente ao reconhecimento de diplomas superiores entre os países. (MUNIZ, 2013) Em termos concretos, é consenso apresentar a Universidade da Integração Latino-Americana Unila, do governo brasileiro, como o exemplo, ainda em construção, de “um espaço para construção de conhecimento e diálogo entre os principais intelectuais latino-americanos, dispostos a 83

compartilhar suas ideias, pesquisas e projetos para uma integração aberta e construtiva da América Latina.” (ROSEVICS; CARVALHO, 2013: 234) Para De Sierra, que foi um dos acadêmicos convidados para a concepção do projeto inicial da Unila, a instituição é uma ação concreta, brasileira, mas que tem como vocação sua orientação para a integração e o intercâmbio de forma horizontal e democrática do conhecimento. Ela atende a uma visão especifica da geopolítica do ensino que responde a questões como “o que se ensina” e “para quem se ensina”, além de ter sido estrategicamente colocada na região de tríplice fronteira. Assim, apesar da existência de receio com relação ao tamanho e à influência do Brasil, a estrutura da universidade é inovadora ao determinar que metade dos alunos sejam latino-americanos, que facilitou a contratação de professores estrangeiros, de que todas as bancas de professores também têm que ter componentes estrangeiros no julgamento e ainda permite que o vice-reitor seja estrangeiro. Essa construção de um espaço para pensar os problemas comuns também é evocada na formação de redes, do qual o próprio FoMerco em seus catorze anos é grande incentivador. Formado em 2000, o Fórum tem buscado “o intercâmbio entre as instituições e estudiosos através de atividades de cooperação que contribuam para o aperfeiçoamento do ensino e da pesquisa em relação aos temas que formam a agenda do Mercosul”, com o objetivo de “promover e divulgar a pesquisa e o debate acerca da atuação conjunta das nações sul-americanas [...] não apenas em termos de estratégia de inserção regional autônoma na nova ordem global, mas, sobretudo, como construção de alternativa emancipatória de um processo contra-hegemônico” (SARTI, 2013: 650). Com seus congressos persegue a construção de pontes com as políticas públicas, e é sempre renovada a percepção de que essa construção tende a se consolidar com a incorporação nos debates de agentes públicos, de organizações dos governos, diplomatas e políticos. O aprofundamento da integração e dos debates em torno da ampliação da agenda social e educacional ocorreu em contexto de afinidades políticas a partir de visões progressistas e que possuíam novas estratégias de desenvolvimento. Essas questões, entretanto, superaram a especificidade da região do Cone Sul e se estenderam para o continente de forma real na formação da União de Nações Sul-Americanas - Unasul. Esta, ainda que possua diversos mecanismos a serem construídos, conta com o campo educacional como um dos seus múltiplos eixos e tem debatido em torno de temas como qualidade e equidade, integração social, cidadania e direitos (CARVALHO, 2013: 121). Como pensamento final e proposta de ação ficam as diferentes proposições em torno das quais as tecnologias sociais devem acrescentar autoconhecimento à integração, e que sejam usadas para a verdadeira construção de um mapa de atores que auxilie na descoberta de quem são e para quem se dirigem as políticas integracionistas que debatemos. Para De Sierra, há que se mudar a forma elitizada de criação e disseminação de conhecimento, assim como traçar afinidade cultural entre todos os grupos sociais, sejam acadêmicos, políticos, sindicais ou militares. A educação superior, que tem sido crescentemente vista com importância estratégica para o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico dos países da região, deve ser aprimorada por meio da cooperação internacional. Uma internacionalização que sirva para nos conhecermos e fortalecermos o pensamento integracionista crítico latino-americano. Certos de que as discussões não devem estar fechadas sempre em nós mesmos, devemos incorporar a necessidade de unir agendas com as experiências de todo o Sul, um aprofundamento do conhecimento do Sul de uma forma global.

Referências BARRETO JÚNIOR, E. R.

O Setor Educacional no Mercosul e a educação superior: principais avanços do projeto de integração regional. In: CERQUEIRA FILHO, G. (org.) Sulamérica – Comunidade imaginada: 84

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Vitórias na crise: trajetória das esquerdas latino-americanas contemporâneas. Rio de Janeiro: Ponteio, 2011.

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ARTIGO

Tecnología e innovación para la inclusión social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiar34 Hernán Thomas Santiago Garrido Mariano Fressoli Paula Juarez Lucas Becerra

Introducción Durante la última década, la relación entre el desarrollo tecnológico y la inclusión social comenzó a adquirir una nueva relevancia en varios países en desarrollo. En especial, la cuestión sobre cómo producir conocimientos, impulsar aprendizajes y orientar la innovación hacia procesos de desarrollo inclusivo se ha visto revitalizada en su dimensión analítica y política. Centros de investigación, redes de investigadores y financiadores internacionales han definido como áreas prioritarias de sus agendas, el análisis y la generación de conceptos como "inclusive innovation", "social innovation", "tecnologías sociales", "grassroots innovation" o "base de la pirámide". En el mismo sentido, agencias y órganos gubernamentales de diferente nivel (ministerios, secretarías, institutos y empresas públicas35) están orientado sus actividades hacia políticas de diseño, producción e implementación de “soluciones tecnológicas” a problemas sociales. Si bien los países en desarrollo han mostrado tasas de crecimiento económico sostenidas en los últimos 20 años, las estrategias basadas en la incorporación de capital (nacional o transnacional) en áreas intensivas en recursos naturales han fallado en promover y estimular procesos inclusivos más profundos. Y, en este sentido, la principal estrategia de “inclusión social” en la región de América Latina continúa siendo el aumento del empleo industrial asalariado y los beneficios asociados al empleo formal (THOMAS; BECERRA, 2012; THOMAS, et alli 2013). Por lo tanto, la cuestión de las Tecnologías para la Inclusión Social - TSI36 emerge en estas dos agendas (de discusión teórica y de política pública) como un vacío a llenar por nuevos insumos conceptuales y prácticos a los fines de superar los enfoques tradicionales sobre la relación entre tecnología y desarrollo. En la actualidad, es posible identificar una diversidad de nuevos conceptos, enfoques e iniciativas de desarrollo tecnológico orientado a la inclusión social. Así, el rango de opciones se constituye desde las viejas tecnologías apropiadas e intermedias; nuevas concepciones de tecnologías para la mitigación de la pobreza mediante el impulso al emprededorismo (GUPTA et alli., 2003) o la participación activa de empresas multinacionales (PRAHALAD, 2010); o inclusive enfoques basados en los desarrollos de Laboratorios Públicos de Medicamentos (BECERRA; SANTOS, 2013); hasta la mirada de la economía solidaria (THOMAS; BECERRA, 2014). A pesar de la diversidad de conceptos y modelos, aún no está claro cómo evitar fallas de experiencias previas en el desarrollo de TIS. Por ejemplo, la mayoría de estos enfoques parece enfrentar tensiones entre los requerimientos locales y la necesidad de aumento de escala, entre el financiamiento de corto plazo y la oportunidad de crear formas más profundas de empoderamiento y cambio social, entre otras (SMITH, et alli, 2013). En términos de este trabajo, se busca poner la atención sobre dos tipos de fracasos o problemas comunes que se observan en las experiencias de TIS en Argentina y en la región: i) los problemas de 86

orden teórico; y ii) los problemas de la esfera del diseño y la implementación de las políticas públicas. El primer tipo está principalmente basado en el uso de modelos lineales de innovación y viejas concepciones sobre transferencia de tecnología que tienden a reducir la pobreza y la exclusión social a un problema técnico. El segundo, está asociado con el problema de falta de recursos humanos adecuados, la discontinuidad del financiamiento y la incapacidad de las instituciones de desarrollo social para concebir o sostener estrategias de largo plazo basas en mejoras vía aprendizaje. Si bien, en términos generales los enfoques de TIS destacan el rol de los conocimientos locales o tradicionales, así como que la capacidad de innovación de los usuarios finales de las soluciones tecnológicas debe ser tenida en cuenta, y que la incorporación de conocimiento local o tradicional en el proceso de innovación conlleva el empoderamiento de los actores (véase GUPTA, 1997; GUPTA et al., 2003; PRAHALAD, 2010); lo que se observa en la práctica no siempre cumple con esos objetivos. Gran parte de los proyectos de desarrollo tecnológico para la inclusión social continúan siendo dominados por marcos de transferencia de tecnología (LEACH; SCOONES, 2006; THOMAS, 2009 y 2012; FERNÁNDEZ-BALDOR; HUESO; BONI, 2012) y formas de racionalidad técnica (SCHÖN, 1983). En este sentido, es posible encontrar innumerables ejemplos de experiencias de desarrollo de las así llamadas “tecnologías apropiadas” que implicaron la implementación de soluciones tecnológicas pre-definidas que no lograron el compromiso de los usuarios y no obtuvieron los resultados previstos (THOMAS, 2012; MONTAÑA, 2010; JUAREZ, 2011). Por lo tanto, a pesar de tener como premisa la generación de procesos de inclusión y empoderamiento, estas iniciativas no necesariamente lo consiguen. Es más, el propio marco de referencia de estos enfoques, en general consideran de manera pasiva a los usuarios, ignorando sus capacidades y las posibilidades de aprendizaje mutuo 37. Siguiendo esta línea argumental, el presente trabajo se aboca al análisis de dos estudios de caso de experiencias de Tecnologías para la Inclusión Social - TIS en Argentina. El primero en el campo de las energías renovables y el segundo en relación con políticas públicas para la pequeña agricultura familiar. Ambas reflexiones de base empírica se orientan a: i) comprender qué tipos de problemas teóricos enfrentan los practitioners, ii) cómo reconocen las limitaciones y disfuncionalidades emergentes en sus procesos de diseño, desarrollo e implementación de sus estrategias y prácticas concretas, y iii) qué tipo de modificaciones en sus estrategias tratan de introducir en orden a superar los inconvenientes y desafíos que encuentran. Así, el lector encontrará en las siguientes páginas una primera sección donde se exponen las herramientas analíticas utilizadas. Luego se abordan los estudios empíricos de dos casos de desarrollo de TIS para condesar los diferentes aprendizajes que surgieron a partir de la reflexión sobre la práctica en una tercera sección.

Cuestiones preliminares Entre los grupos de I+D implicados en el desarrollo de tecnologías orientadas a favorecer procesos de inclusión social, frecuentemente se concibe que la adopción de los sistemas y dispositivos por parte de los usuarios se encuentra al final de un proceso de “transferencia de tecnologías”. En la práctica, muchos de estos grupos encuentran serios inconvenientes para implementar sus proyectos. En el marco teórico-metodológico de la transferencia de tecnologías, los espacios de producción de conocimientos están estrictamente separados. Los ingenieros/científicos construyen el problema en base a ciertos supuestos e inputs, y luego diseñan una solución en el laboratorio. La transferencia de tecnología a los usuarios se limita a la implementación del artefacto y la capacitación sobre su uso. Es una forma instrumental y determinista que crea espacios asimétricos de producción de conocimientos y por lo tanto reduce las posibilidades de aprendizajes por interacción entre los diferentes actores que participan del proyecto (véase LEACH; SCOONES, 2006; THOMAS, 2009; FERNÁNDEZ-BALDOR; HUESO; BONI, 2012). 87

Como veremos más adelante en los casos analizados, a partir de los cuestionamientos que recibieron sus proyectos, los grupos de trabajo debieron modificar diversos elementos que estructuraban la forma de construir el problema y las alianzas con los demás actores y materiales. Con el objeto de analizar estos procesos se utilizan los conceptos de "relaciones problema-solución" y "alianzas socio-técnicas". Se denomina relaciones problema-solución a la forma en que los actores establecen cuál es el problema que debe resolverse y cuál es en consecuencia la solución potencial. Concebidas de esta manera, las relaciones problema-solución son articulaciones socio-técnicas históricamente situadas e históricamente construidas que dependen de la participación en una o varios marcos de producción de conocimientos38. A partir de determinadas lógicas problema-solución es posible considerar si los artefactos son adecuados o inadecuados, funcionan o no funcionan (véase CALLON, 2006, SCHÖN, 1983). Por su parte, las alianzas socio-técnicas son coaliciones de elementos heterogéneos, implicados en el proceso de construcción de funcionamiento/no-funcionamiento de una tecnología. Las alianzas se constituyen dinámicamente, en términos de movimientos de alineamiento y coordinación de artefactos, ideologías, regulaciones, conocimientos, instituciones, actores sociales, recursos económicos, condiciones ambientales, materiales, etc., que viabilizan o impiden la estabilización de la adecuación socio-técnica de una tecnología y la asignación de sentido de funcionamiento/nofuncionamiento (THOMAS, 2012).

Dos estudios de caso sobre TIS en Argentina: Aprendizajes sobre experiencias en energías renovables y alimentos para la pequeña agricultura familiar Las experiencias presentadas en este capítulo han sido seleccionadas de un relevamiento más general que tuvo como resultado un mapa, a escala nacional y regional, de distintas experiencias y políticas públicas que se han llevado a cabo en áreas relacionados con TIS: energía, salud, alimentos, agua y vivienda. Los casos han sido seleccionados debido a su capacidad para señalar cuestiones clave sobre la concepción teórica que nutre las políticas y acciones individuales y colectivas en el campo de las TIS. El primer caso refiere a una experiencia de resolución "déficits" en servicios básicos (provisión de energía) allí donde los sistemas de provisión tecnológicos convencionales son considerados inadecuados o "ineficientes"; mientras que el segundo caso es un programa de fomento a la pequeña agricultura familiar de alcance nacional. Por lo que, en primer lugar, es posible contemplar dentro del análisis dos tipos de alcance: i) con relación al tipo de problema; y ii) con relación al territorio sobre el que la acción pretende operar. En segundo lugar, ambos casos muestran en diferente grado un conjunto de características iniciales compartidas que se convirtieron en un problema para el logro de los objetivos de inclusión de las iniciativas: i) se encuentra basadas en marcos conceptuales de transferencia tecnológica; ii) suponen una jerarquía del conocimiento técnico por sobre otras formas de conocimiento; iii) se configuran como soluciones puntuales y no sistémicas; y iv) se diseñan y producen como soluciones apropiadas para los pobres. El primer caso se trata de un proyecto de transferencia y capacitación en energías renovables en la provincia de Mendoza desarrollado a partir de 2008 por integrantes del Grupo Cliope de la Universidad Tecnológica Nacional –Facultad Regional Mendoza – UTN-FRM. En el segundo caso, se trabajan el Programa Nacional para la Pequeña Agricultura Familiar – PNPAF – y el Centro de Investigación y Desarrollo para la Pequeña Agricultura Familiar – Cipaf – del Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria - Inta. En esta sección se realizará una descripción de las experiencias intentando resaltar los problemas que enfrentaron los actores y los cambios que debieron realizar en 88

sus proyectos.

Energía solar, agua potable e inclusión social: Dispositivos solares en el Secano de Lavalle El departamento de Lavalle, en el noreste de la provincia, es un ejemplo de lo que se conoce como la Mendoza del Desierto (ANASTASI, 1991). Este departamento repite la configuración espacial de la provincia al contar sólo con un 3% de su territorio bajo irrigación. El 97% restante sufre, en términos generales, las mismas dificultades de las zonas de secano existentes en la provincia. La fertilidad de la tierra en esta región es muy pobre debido a la erosión, la falta de agua y los altos contenidos de sal39. El acceso al agua es el problema más grave que enfrentan los pobladores que habitan el desierto de Lavalle. La población vive en asentamientos conformados por casas de adobe, los llamados “puestos”, que se distribuyen de forma dispersa a lo largo de todo el territorio. La principal actividad económica es la cría de cabras, los caminos son deficientes y no hay acceso a la red de energía eléctrica. Frente a este diagnóstico de situación, los investigadores creyeron relevante desarrollar la construcción y transferencia de dispositivos solares (hornos, secaderos y destiladores solares40). Durante el transcurso del proyecto, esta experiencia presentó diversos cambios e inconvenientes – como así también ajustes- que obligaron al grupo ejecutor a generar diferentes estrategias que pueden ser definidas a partir de particulares dinámicas problema-solución y de la conformación de distintas alianzas socio-técnicas desarrolladas por este grupo. Primera Fase

La primera etapa del proyecto consistió en el desarrollo de los prototipos a ser utilizados en la experiencia en el predio del Observatorio (lugar de trabajo del grupo Cliope). Estos dispositivos fueron construidos, evaluados y ajustados por los becarios vinculados luego de un proceso de capacitación interna. La estrategia planteada para esta primera etapa se planteó en dos direcciones: 1. Trabajar con docentes y alumnos en las escuelas (del secano) con materiales didácticos referentes a las energías renovables, promover su inclusión en la currícula y montar talleres de construcción de los dispositivos con los alumnos de los años superiores. 2. Trabajar en talleres comunitarios constructivos, donde se capacitara en el montaje y uso de los dispositivos a las familias de diferentes comunidades. En un primer momento se planteó la necesidad de establecer un acuerdo con actores considerados estratégicos como la Dirección General de Escuelas (DGE) de Mendoza y de los técnicos del Municipio de Lavalle para favorecer el proceso de implementación, pero no se logró cumplir con la capacitación del personal del municipio de Lavalle en los tiempos y plazos necesarios para el proyecto. Ante el fracaso de esta alianza, los miembros el grupo Cliope decidieron llevar adelante el proyecto de una manera diferente y el grupo se concentró en el trabajo directo con las familias receptoras de los dispositivos por etapas. En esta etapa se realizó un trabajo de identificación y selección de los potenciales receptores junto con técnicos del Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria – Inta – y el Programa Social Agropecuario – PSA – que trabajan junto con el Municipio de Lavalle. Los investigadores definieron una nueva estrategia basada en la instalación de lo que denominaron “prototipos de campo” y la selección de familias socias. De esta manera, siguieron experimentando 89

con los dispositivos pero articulando su trabajo con los usuarios. Durante este proceso pudieron identificar, en conjunto con los usuarios, nuevos problemas y procuraron su resolución. Frente a las complicaciones experimentadas durante la primera fase también redefinieron sus alianzas. A partir de este momento, el personal del grupo Cliope se acercó al campo acordando con las familias receptoras el proceso de transferencia de los dispositivos y la capacitación para su uso, con el compromiso de los usuarios de realizar una evaluación de su funcionamiento. Durante esta fase se instalaron destiladores solares en cinco puestos ubicados en la zona de San José y Lagunas, al norte del Departamento de Lavalle41. Así, el proyecto permitió generar una primera serie de resultados considerados positivos vinculados a la medición del rendimiento de los destiladores solares construidos y la aceptación por parte de los usuarios (aunque su rol seguía siendo relativamente pasivo). Las familias socias recibían los destiladores y aportaban su evaluación del rendimiento de los mismos, pero el poder de decisión respecto de las eventuales modificaciones, en el diseño del artefacto, seguía concentrado en los investigadores En el proceso de instalación y uso de los destiladores en los puestos se identificó un nuevo problema que no había sido dimensionado lo suficiente, el agua no tenía índices muy altos de arsénico, pero sí altos niveles de conductividad (salinidad). Para cualquiera de los dos problemas, los destiladores solares representaban una respuesta adecuada. Sin embargo, en uno de los puestos se produjo una situación particular por la que una vecina rechazó el destilador solar. Para la usuaria, el sabor del agua producida en el destilador resultaba desagradable. A pesar de la evaluación positiva atribuida por el grupo de investigación, el destinatario del artefacto impuso su percepción, determinando en este caso su no funcionamiento. Por otro lado, los análisis bacteriológicos de las muestras de agua obtenidas de los destiladores mostraron otro problema relacionado a con la presencia de un alto porcentaje de patógenos en el agua destilada. Frente a esta evidencia, los investigadores observaron detalladamente el procedimiento seguido por los usuarios y concluyeron que la causa era la falta de adopción de medidas higiénicas. Los campesinos, en su gran mayoría, viven en permanente contacto con las cabras que crían. De este modo, el no funcionamiento de la tecnología aplicada fue construido por las prácticas socioeconómicas de la población. A partir de esta fase del proyecto en el que se logró instalar una serie de dispositivos con cierto nivel de resultados positivos, el grupo de investigación decidió replantearse la estrategia para una segunda fase en la que intentarían instalar un nuevo grupo de 10 destiladores más. Segunda Fase

En la estrategia planteada para la segunda fase del proyecto, algunos técnicos de la Secretaría de Ambiente de Mendoza, sugirió que los integrantes del grupo Cliope se contactaran con las autoridades de las comunidades originarias Huarpes para esta nueva etapa42. La visita realizada a la casa Huarpe presentó dificultades inesperadas para el grupo. En la reunión, las autoridades Huarpes cuestionaron la metodología desarrollada por los investigadores hasta ese momento al haber instalado dispositivos en puestos pertenecientes a familias miembros de sus comunidades sin haber consultado previamente a sus presidentes. A pesar de este reclamo, se logró acordar con tres presidentes de las comunidades Huarpes la instalación de dispositivos en sus comunidades. En esta nueva etapa, estos presidentes pre-definieron usuarios acorde a las necesidades socio ambientales, pero fundamentalmente con capacidad de trabajo y de asociatividad en las tareas a emprender. De este modo se identifica una nueva dinámica problema-solución, en la que las autoridades Huarpes ocuparon un rol central, generando un nuevo proceso de resignificación de las tecnologías. En esta fase se produjo una efectiva participación de la comunidad receptora de los dispositivos en 90

la toma de decisiones relacionadas al proyecto. Esto quedó evidenciado en la participación de las autoridades de las comunidades huarpes en la planificación de prioridades y necesidades al mismo tiempo que se fue ajustando la metodología de intervención a las prácticas culturales propias de estas poblaciones. De esta manera, La segunda fase del proyecto estuvo basada en una estrategia que implicaba la incorporación de nuevos socios estratégicos en la alianza socio-técnica: los presidentes de las comunidades Huarpe, quienes dieron nuevo dinamismo al proyecto en la medida en que con su colaboración reforzaban su posición al interior de sus comunidades. Además, el proyecto les ofrecía nuevos elementos en el proceso de lucha que están llevando adelante por su identidad étnica, sus tierras y su calidad de vida. Sin embargo, los integrantes del grupo de investigación reconocen que todavía falta profundizar la participación de estos usuarios en el diseño y ajustes en los dispositivos, aunque se puede observar un aumento en la experimentación en el uso de los hornos solares y la elaboración de recetarios locales.

Auto producción de alimentos y políticas públicas de ciencia y tecnología: Desarrollo de la pequeña agricultura familiar a nivel nacional Después de la crisis social, económica e institucional del año 2001, algunos actores dentro del Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria – Inta – buscaron constituir una nueva política social de ciencia y tecnología superadora de las anteriores que se cristalizaron en el Programa Nacional para la Pequeña Agricultura Familiar – PNPAF – y el Centro de Investigación y Desarrollo para la Pequeña Agricultura Familiar – Cipaf. Aquí se analiza la evolución de los componentes de esta nueva política de ciencia y tecnología, a los fines de explicar la trayectoria socio-técnica del Cipaf y los Ipaf (durante el periodo de los años 2004 a 2009). Esta trayectoria se estructura en torno a la modificación de las estrategias desplegadas, y la secuencia queda definida de la siguiente manera: la primera (diciembre 2004- agosto 2005), refiere al proceso de negociación y de formulación de la política de ciencia y tecnología; los elementos de la toma de decisión y los arreglos institucionales que co-construyen los significados asignados en la concepción de la política; la segunda (agosto 2005 – diciembre 2007), abarca los procesos de construcción del diseño y puesta en marcha de la política para la Agricultura Familiar en el Inta, especialmente: la conceptualización del usuario-beneficiario, la elaboración de la agenda de investigación, y las estrategias generadas para priorizar ciertas líneas de trabajo; mientras la tercera (enero 2008 – diciembre 2009) se corresponde con la implementación de proyectos específicos y diversas intervenciones que fueron parte de la configuración de la institucionalización y especialización científico-tecnológica de los institutos regionales. Analizar el desarrollo de las fases permite observar funcionamiento/no-funcionamiento de la política, las dinámicas de negociación de sentidos entre diferentes grupos sociales relevantes y la reconfiguraciones de las alianzas socio-técnicas. Primera Fase

En diciembre de 2004, el Inta aprobó el nuevo Plan Estratégico Institucional 2005-2015 (PEI) que señalo la equidad social y la “innovación para la inclusión social” como ejes centrales de la nueva estrategia institucional (INTA, 2005). En ese escenario, el Presidente y el Director Nacional del Inta43 respectivamente, decidieron 91

impulsar una nueva política social y convocaron a una comisión de trabajo ad-hoc. Esta comisión ad hoc fue integrada por referentes de la Institución, estos eran: el Gerente de Extensión del Inta, el Director del "Programa de Autoproducción de Alimentos” - Inta-UNMP, el Director del Centro Regional Buenos Aires Norte, un asistente Regional de Extensión de la Dirección del Centro Regional Buenos Aires Sur, y un representante del Centro de Investigaciones en Ciencias Veterinarias y Agronómicas del Inta. Varios de ellos con experiencia y participación en políticas sociales agrarias. En la construcción de la iniciativa, fueron surgiendo una conjunto de cuestiones que la comisión ad hoc juzgó importantes incluir en el debate: la Agricultura Familiar como usuario y forma productiva, la construcción colectiva de conocimiento, la utilización de know-how local, la construcción de demandas desde los actores sociales, el desarrollo de “tecnologías apropiadas”, el incentivo a la producción orgánica y/o agroecológica, entre otras temáticas. Esos materiales y consultas comenzaron a definir el problema para los Directivos Inta y la comisión ad hoc en torno a dos opciones sobre cómo trabajar con el usuario “Agricultura Familiar” y generar procesos de desarrollo territorial: a) ¿ajustar conocimientos y paquetes existentes en el Inta? o b) ¿diseñar y “transferir paquetes tecnológicos hechos a medida” (localistas)? La primera opción de política implicaba redireccionar algunas capacidades del Inta hacia los grupos sociales vulnerables. Los actores juzgaron que esa opción era inadecuada dado que la Institución había tenido experiencias fallidas en materia de adaptación de la producción de conocimiento científico y tecnológico de grandes productores a pequeños. La segunda opción, era el desarrollo científico-tecnológico localista, e implicaba crear nuevas instituciones con nuevas capacidades. Esta alternativa suscitó algunos cuestionamientos entorno a la escala de investigación y los recursos disponibles (humanos y financieros) para la nueva política. Sobre el problema de la escala, a partir de los objetivos del nuevo Plan Estratégico del Inta, la comisión consideró que el “enfoque territorial de desarrollo” marcaba la necesidad de generar conocimientos y capacidades que refirieran a los territorios44 como “cuadro de vida”. En este caso, la comisión ad hoc concluyó que era posible elaborar soluciones tecno-productivas para la agricultura familiar trabajando a escala regional. En cuanto el problema de recursos, la recuperación financiera del Inta permitió pensar un escenario favorable para una nueva estrategia social regionalizada. Finalmente, los distintos actores intervinientes convergieron en el diagnóstico de los problemas y aquello que se deseaban evitar en la nueva política. Después de esta primera etapa de consultas, la comisión ad hoc decidió utilizar algunos conceptos y herramientas metodológicas disponibles en los debates y documentos de Procisur y el PEI-Inta, como “agricultura familiar”, “tecnologías apropiadas” e “investigación acción participativa”. Estas nociones se vieron plasmadas en el Documento de Base del Programa Nacional de Investigación y Desarrollo para la Pequeña Agricultura Familiar (2005). El objetivo general del programa era “generar, adaptar y validar tecnologías apropiadas para el desarrollo sostenible” y trabajar “generando tecnologías apropiadas, a través de la investigación acción participativa, bajo la concepción de Seguridad y Soberanía Alimentaria y Desarrollo Territorial Sustentable, con la idea de que no hay desarrollo posible sin actores que sean activos del mismo (empoderamiento de los actores), y no hay innovación tecnológica duradera sin reconocimiento y valorización social”. En el diseño organizacional, el Documento de Base creó el Programa Nacional de Investigación y Desarrollo para la Pequeña Agricultura Familiar – PNPAF – y se propuso una serie de instituciones para la implementación del Programa: un centro y tres institutos regionales. Durante esta fase, el problema de desarrollar I+D para la Agricultura Familiar estuvo asociado a la inadecuación de las capacidades cognitivas disponibles en el Inta, tanto en los mecanismos como en las formas sistemáticas de construir conocimiento e intervención técnica. Esto implicó pensar una solución integral, una nueva política de ciencia y tecnología social: nuevas instituciones, equipos transdisciplinarios, orientado a problemas regionales, diferentes capacidades y formas de aprendizaje, nuevas relaciones usuario-productor, nuevas formas de construcción de conocimiento, entre otras 92

cuestiones. Esta forma de pensar la relación problema-solución habilitó la opción de crear nuevas instituciones. En la medida en que la Dirección Nacional y la comisión ad hoc del Inta coordinaron adecuadamente la alianza socio-técnica, esta consiguió estabilizarse. Sin embargo, el funcionamiento que los decisores políticos construyeron para la aprobación de la política, es retorico. La realidad es que la aprobación de la política fue posible sin que se materializaran algunas de las relaciones que sostenían la alianza socio-técnica. El criterio de los decisores políticos rigió todo el proceso de concepción de la política, desde la selección de los actores y grupos consultados hasta la definición de temáticas a considerar para el texto programático. Los grupos sociales del Inta que podían estar en contra o a favor de la política de forma taxativa fueron priorizados en las consultas, tanto para integrarlos a las redes de como para disminuir los potenciales conflictos. En esta fase, la agricultura familiar estuvo presente retóricamente en la decisión de aprobar la política, pero como actor social no tuvo un espacio particular de participación ni voz en la toma de decisiones sobre el contenido y el modelo de gestión. La política fue pensada desde el lado del Inta como productor de conocimiento científico y tecnológico con una dinámica top down (jerárquica) que priorizó los arreglos institucionales y los conocimientos técnicos y políticos antes que aquellos de los usuarios agricultura familiar. Los diferentes arreglos institucionales que fueron negociándose para la aprobación y puesta en marcha de la política no llegaron a materializarse en todos los casos. Las promesas políticas de los gobiernos provinciales de aportar recursos como terrenos e infraestructura se cumplieron en el caso del Ipaf NOA, no así en el caso de Ipaf pampeano y noreste que, al menos hasta el año 2009, no contaban con espacios propios de trabajo. A su vez, el texto del programa y la construcción retórica de la relación entre el programa y los institutos (Cipaf e Ipaf) fue importante para la aprobación de la política, sin embargo, el Programa Nacional de Investigación y Desarrollo para la Pequeña Agricultura Familiar nunca fue instrumentado. Como se verá en el siguiente apartado, el programa fue parte del proceso de institucionalización de la política pero no fue utilizado para solicitar financiamientos o proyectos. A su vez, la amplia flexibilidad interpretativa no siempre jugó a favor de la política. En el Documento de Base se agregaron una serie de posiciones políticas y tecno-productivas que son contradictorias entre sí. Por ejemplo, la idea de agregar las nociones de “Seguridad” y “Soberanía” alimentaria o aquellas de producción orgánica y agroecología como si fuesen complementarias. Como veremos en el siguiente apartado, estas incongruencias generaron nuevos problemas y nuevos procesos de toma de decisión para definir entre opciones tecno-productivas. En este sentido, en esta primera fase, el grupo social relevante de los decisores políticos del Inta concentraron el poder en la toma de decisiones y no encontraron mayores resistencias. Fueron capaces de alinear y coordinar los elementos que intervinieron en la alianza socio-técnica. Es posible observar procesos de inclusión social en términos de inclusión en la agenda institucional. Segunda Fase

El lanzamiento público del Centro de Investigación de la Pequeña Agricultura Familiar – Cipaf – y sus tres institutos regionales en el NOA, NEA y región Pampeana - Ipaf inició formalmente el 26 de agosto del 2005. Entre agosto y octubre de 2005 se conformaron los equipos de trabajo del Cipaf y los tres Ipaf a partir de la contratación de 15 funcionarios – investigadores, técnicos y personal de apoyo- para estas cuatro instituciones. En octubre 2005, los funcionarios del Cipaf e Ipaf se reunieron por primera vez para definir sus necesidades, dificultades y primeras acciones para diseñar las primeras estrategias de la 93

política. En esta primera fase, los equipos Ipaf establecieron como problemas a resolver los siguientes puntos: Escasos o nulos conocimientos específicos sobre la visión y objetivos del Documento de Base. Los objetivos políticos de desarrollar I+D, investigación acción-participativa, impulsar procesos de economía social, entre otros, fueron considerados un problema de base cognitiva por los equipos Ipaf. Falta de metodología de trabajo y agenda de investigación. Estos elementos fueron priorizados por los funcionarios Ipaf para poder comenzar a diseñar las estrategias regionales y nacionales de la política de ciencia y tecnología. Falta de identidad institucional. La necesidad e importancia clave de constituirse como un actor socio-político y científico-tecnológico legitimo dentro y fuera del Inta. Al analizar el proceso de la política, se observa que en esta segunda fase, el problema es concebido en término de saberes y capacidades para investigación e intervención técnica en las regiones. Sobre la investigación, la forma de pensar la producción de conocimiento científico se observa en la agenda de investigación y los procesos de formación de los equipos Ipaf. En primer lugar, la construcción de la agenda setting permite comprender que la metodología estuvo centrada en los policy makers, desde los problemas a trabajar (temáticas) en el inicio de la construcción de las demandas como en los proyectos que finalmente se pusieron en marcha. Este proceso legitimó las líneas de investigación con la participación de diferentes actores sociales, pero los saberes y conocimientos de los técnicos son los que se buscó incorporar. A su vez, en la metodología se construyó un usuario perfil de la Agricultura Familiar. Estos usuarios son representantes de organizaciones sociales agrarias que en el proceso de agenda son sujetos subordinados que sólo participan del diagnóstico. En segundo lugar, los equipos Ipaf fueron construyendo los problemas de investigación según los conocimientos que tenían disponibles al interior y aquellos déficits de conocimientos que consideraban que eran prioritarios (por ejemplo, saber quién era el agricultor familiar en la región pampeana). Sobre la intervención técnica, en esta fase, la demanda impulsa la producción tecnológica. La asistencia técnica y la participación en proyectos de desarrollo tecnológico se realizaron a pedido de actores públicos y privados. En esta fase es posible considerar que no hubo una actividad inventiva fuerte. A su vez, estas actividades estuvieron asociadas a participaciones en otras políticas públicas o iniciativas de organizaciones sociales. Pero entonces, ¿cuál es el rol de los agricultores familiares en el diseño de esta política? Los agricultores familiares aparecen en la figura de representantes de organizaciones agrarias (de campesinos, comunidades originarias y pequeños productores), lo que supone en esta instancia que se trabaja con un sector de la AF, aquella agricultura que está organizada. La idea de representación asume el supuesto que los representantes conocen los problemas y las posibles soluciones del grupo. En este sentido, de 85.000 agricultores familiares, la política pasa contemplar representantes de grupos de agricultores familiares. A su vez, la elección de las organizaciones sociales que pueden participar en el proceso decisorio es un criterio de los funcionarios Inta. A su vez, como se observó en la metodología de la política, el proceso elimina diferentes actores y problemáticas de los agricultores. Sin embargo, la participación de esos actores legitima institucionalmente la agenda de los policy makers, del mismo modo que lo hicieron la articulación y coordinación de acciones puntuales con universidades y otros organismos del Inta. Además, algunas relaciones que se construyeron a demanda social, fueron cuestiones puntuales. Los pedidos y demandas específicas superaban sus capacidades de acción y en general no pudieron recibir respuestas a la altura de las expectativas. Como en la primera fase, la agricultura familiar no fue priorizada para diseñar la política del Cipaf y los Ipaf a nivel nacional y regional porque la factibilidad, los arreglos institucionales y políticos estaban centrados en otros actores y grupos político-institucionales. 94

La alianza socio-técnica se estabiliza construyendo un funcionamiento basado en redes interinstitucionales relativamente cortas, algunos productos de conocimiento, algún nivel de participación de los usuarios. Sin embargo, la inclusión de los agricultores es aún muy puntual, restringida, y sin estrategias sociales de abordaje. Tercera Fase

Hacia finales del año 2007, el Centro de Investigación y Desarrollo para la Pequeña Agricultura Familiar cambió de coordinador45 y de estrategia para trabajar con los agricultores familiares. En esta fase, la nueva coordinación del Cipaf se orientó explícitamente a generar: 1. Productos artefactuales y de proceso. Anteriormente los equipos Ipaf generaron espacios para trabajar la agenda política, los contenidos del programa, armaron redes institucionales y participaron de algunas experiencias de otras políticas e iniciativas, en esta nueva fase el objetivo era “hacer fierros”, desarrollar una oferta de tecnologías para el sector agricultura familiar. 2. Institutos Especializados por Temáticas. El objetivo era construir perfiles tecno-productivos para cada instituto Ipaf aprovechando las capacidades y conocimientos de los equipos, agua en Ipaf NOA y agroecología en Ipaf Pampeano, y definiendo energía como la línea de trabajo del Ipaf NEA. Cada región se especializaría en una línea temática de desarrollo de productos. 3. Comunicación centralizada y de apoyo a la gestión. El objetivo era fortalecer y centralizar el área de comunicación del centro y los institutos. En la fase previa cada Ipaf comunicaba las actividades que desarrollaba siguiendo el criterio del encargado de comunicación, mientras en esta nueva fase, la información fue considerada como producto político y una forma de orientar la política a nivel nacional y por cada región. En esta fase, cada Ipaf desarrolló distintas estrategias para generar productos regionales de los proyectos específicos (PE), y a su vez, para estabilizar un perfil científico-tecnológico. Bajo el nuevo formato de producción de conocimientos en PE, cada uno de los equipos debió negociar la definición de los problemas a nivel regional y eso se reflejó en los productos logrados: PE Comercialización: Este equipo PE participó en un libro sobre fondos rotatorios (2006/7) en la fase previa, en esta fase desarrolló un relevamiento de las ferias de semillas y de agricultura familiar a nivel nacional y trabajó con algunas organizaciones en las cadenas de comercialización. El PE tuvo como resultado un libro describiendo la situación de las ferias a nivel nacional y un Catálogo de la Agricultura Familiar (2010). PE de Tecnologías Apropiadas: Este PE fue dispar en cada región, sin embargo, la participación en proyectos de adaptación y “validación”46 de tecnología y la capacitación en las temáticas principales de cada Ipaf primó entre las actividades. PE Caracterización: Las principales actividades fueron talleres y reuniones de trabajo con investigadores para definir la Agricultura Familiar y formas de abordar sus problemáticas; la búsqueda bibliográfica sobre la temática; y la construcción de espacios de debate como el Foro de Universidades de la Agricultura Familiar. Todos los proyectos tuvieron entre sus objetivos elaborar publicaciones. La coordinación del Cipaf estableció la prioridad de publicar libros sobre temas de Agricultura Familiar y “tecnologías apropiadas”. En esta fase, la nueva alianza socio-técnica es alineada y coordinada por diferentes actores, en 95

distintos niveles y momentos. Sin embargo, puede afirmarse que la Dirección Cipaf tuvo un rol predominante en la estrategia general de este periodo. La institucionalización normativa y organizacional de la política se observó en: a) el área de comunicación Cipaf que estandarizo el estilo y los contenidos de la política (libros, boletines), b) las redes de apoyo que fueron formalizadas a través de distintos instrumentos asociativos (convenios, actas, etc.) y de disposición de espacios (Foro de Universidades, consejos asesores y consultivos regionales), c) los proyectos específicos fueron redefinidos en su significado institucional y en los productos generados, y d) los proyectos con organizaciones campesinas se tradujeron en términos de papers de investigación acción participativa y en algunas adaptaciones tecnológicas. En la fase anterior, los equipos Ipaf se orientaron a resolver problemas regionales y tirados por la demanda de la agricultura familiar. En esta tercera fase la implementación de los proyectos específicos fragmentó los equipos por temáticas, y su vez, por redes regionales. Esto modificó la lógica de producción de conocimientos de la política pública, impulsando el ofertismo tecnológico y la especialización temática de cada equipo regional. Es decir, en términos organizacionales y cognitivos, por un lado, los equipos Ipaf fueron impulsados a especializarse por temática, y por el otro lado, a participa de todos los PE para producir productos cognitivos que no siempre respondían a las demandas regionales. Como resultado, los proyectos no necesariamente estuvieron directamente asociados a la agricultura familiar, ni las demandas regionales. Las publicaciones orientadas a la agricultura familiar fueron escasas, tampoco se distinguieron fuertes procesos de validación, adaptación y desarrollos científico-tecnológicos en este periodo (salvo en el caso NOA). En general, esos productos se orientaron a los técnicos y decisores políticos. En el mismo sentido, se puede afirmar que la forma en que se establecen las relaciones con los usuarios-beneficiarios fue jerárquica (top down) y mediada por representantes del sector. Los intereses, necesidades y problemas de la Agricultura Familiar aparecieron nuevamente a través de diferentes “voces” y representantes como los Foros de Agricultura Familiar y el Foro de Universidades. Inclusive, en algunos casos, los nexos entre Ipaf y representantes fue esporádico o puntual. La participación real de los usuarios-beneficiarios en las decisiones sobre la agenda política y de investigación continúo muy acotada. En general, el rol de los usuarios estuvo definido por los equipos técnicos en el diseño de los proyectos. Finalmente, la nueva estrategia política del Cipaf se orientó a mostrar resultados al Inta y profundizar la especialización temática. En este punto, la nueva política de ciencia y tecnología pareció acercarse cada vez más a la forma de producción de conocimiento CyT del Inta tradicional. A saber, dividido por áreas disciplinares, ofertista y transferencista. Lo que “cambió” fue el usuario de la nueva política.

Aprendizajes y limitaciones Los casos de analizados en este artículo permiten observar cómo la construcción de tecnologías constituye un proceso social que involucra varios niveles de negociación de sentido y de materiales, tecnologías y conocimientos. En otro plano, la construcción de funcionamiento de las intervenciones implicó al mismo tiempo el cuestionamiento de marcos conceptuales previos y un proceso de reflexión, aprendizaje y ajuste de las estrategias de intervención y, en consecuencia, de los marcos de producción de conocimientos (los cuales mostraron éxitos y fracasos relativos). En esta sección se analizan los procesos de "learning-by-doing" (ARROW, 1962) y "learning-by-interacting" (LUNDVALL, 2009) que generaron cambios en las estrategias de los actores; modificaciones en las alianzas socio-técnicas; reconfiguración de los problemas; y por último, formas incipientes de negociación de conocimientos. 96

¿Qué funciona y qué no funciona y para quién? A pesar de lo que dicta el sentido común, el funcionamiento de las tecnologías no es una característica propia de los artefactos y los sistemas tecnológicos (PINCH; BIJKER, 2008). Aquellos artefactos que funcionan en el laboratorio no siempre logran los objetivos esperados cuando se "transfieren" a campo. Las juntas de los colectores de agua pueden producir agua destilada con sabor desagradable o con presencia de bacterias y una política pública de autoproducción de alimentos puede ser construida en torno a un beneficiario “ideal” que luego no existe en forma concreta. Así, en los casos estudiados, durante el pasaje del laboratorio (o de las oficinas) al territorio, los ingenieros y los funcionarios se enfrentaron con el entramado complejo de las tecnologías (de LAET; MOL, 2012; LAW, 2002) que incluía agentes heterogéneos como: cambios meteorológicos (sequía o las inundaciones); agentes no-humanos como animales, bacterias y plagas; prácticas productivas y culturales de los actores; y dinámicas institucionales particulares. Como muestra el caso de los colectores solares, elementos como el "sabor" del agua pueden significar que los usuarios rechacen las soluciones tecnológicas ofrecidas. Así, las explicaciones técnico-céntricas por la cuales la “no-adopción” de un artefacto “técnicamente bien diseñado” se debía a motivos “sociales" comenzaron a reemplazarse por explicaciones a considerar que un artefacto estuvo “técnicamente mal diseñado” si no se tomaron en consideración determinadas “pautas culturales” como las costumbres de consumo. En otro plano, aun cuando los artefactos fueron "adoptados" por los usuarios, esto no necesariamente significa establecer procesos amplios de inclusión social. Como comprendieron los ingenieros del Grupo Cliope, la ausencia de elementos que prevean la participación en el proceso de decisión y diseño o el fortalecimiento de las economías locales en la implementación del proyecto también debía comenzar a considerarse parte del funcionamiento de los artefactos. Sin embargo, la inclusión del usuario en el diseño y la implementación de una política pública, puede ser entendida en múltiples formas. La simple incorporación del usuario al final de un ciclo de toma decisiones más o menos vertical (en donde el rol del usuario se reduce a convalidar o legitimar una acción) no garantiza la generación de dinámicas de funcionamiento de las soluciones tecnoproductivas desplegadas. En este sentido, la búsqueda de alternativas tecnológicas que activen procesos de desarrollo inclusivo debe contemplar a los usuarios desde el momento en el cuál se configura el problema.

Cambios en la relación problema-solución En el primer caso, a medida que los practitioners encontraron inconvenientes en la implementación de las soluciones tecnológicas se comenzó a poner en cuestión las relaciones problema-solución construidas inicialmente. La primera configuración del problema ponía énfasis en la transferencia de tecnología al usuario como una forma de solucionar un problema particular (la falta de agua potable o fuentes alternativas de energía)47. Este modo de intervención artefacto-céntrico se basa en la creencia que el desarrollo y la transferencia de determinada tecnología es suficiente para solucionar - de manera cuasi universal- los problemas de inclusión social (THOMAS, 2009; LEACH; SCOONES, 2006). En el caso del Cipaf, la falta de un actor concreto detectado desde un principio, los desafíos institucionales, y la necesidad de llenar vacíos de conocimiento imprimió una dinámica problemasolución en donde se buscó fortalecer la política desde su pertenencia institucional y producción académica, más que en la realización de desarrollos tecnológicos en campo. Así, en el momento de implementación (de interacción con los usuarios y otros agentes) los grupos de trabajo notaron que la configuración original de la relación problema-solución era 97

demasiado reducida. Por lo tanto, el funcionamiento de los artefactos y de la política pública sólo daba cuenta de forma restrictiva de los problemas de inclusión. En el primer caso, los usuarios cuestionaron el funcionamiento de los artefactos. Posteriormente, cuando se intentó enrolar a nuevos actores, las comunidades Huarpes también cuestionaron específicamente metodología de selección de familias y de implementación sin consultar a los referentes de la población en el territorio. En el segundo caso, la necesidad de construcción de conocimientos y de legitimar la política pública termina por no lograr los objetivos de desarrollo de artefactos. Al encontrar inconvenientes en el funcionamiento de los artefactos los grupos de trabajo debieron revisar la definición del problema que intentaban solucionar. La definición de los problemas originales era sesgada porque no incluía elementos locales como consideraciones de gusto, de la identidad local, del uso local de materiales y de las capacidades y necesidades de la población. En la segunda fase, la definición del problema se amplía, pero aún así persisten problemas asociados al marco de transferencia o supply-side.

Cambios en las alianzas socio-técnicas Es interesante notar como la noción de incorporar a los usuarios dentro de los proyectos puede ser entendida en múltiples formas. En primer lugar, cabe detenerse a señalar que los “usuarios originales” no son lo “beneficiarios finales”: La propia concepción de la construcción de la solución en el laboratorio o por un grupo de expertos (negando el diálogo de saberes) supone que la adecuación de estas soluciones tecnológicas (o las propias políticas pública como un todo) se ajusta a los requerimientos de los grupos de expertos. En otras palabras, los primeros usuarios de las soluciones son los propios diseñadores. Sin embargo, ante la debilidad percibida de las alianzas socio-técnicas que se generaron, los grupos de trabajo decidieron rever su concepción sobre la incorporación de los usuarios y, en particular, sobre el alcance de los problemas que debían ser resueltos. La construcción de usuarios ideales o como simples validadores de una solución, conlleva al menos dos problemas clave: (a) las soluciones suelen ser puntuales y no abarcan la complejidad total de los problemas socio-económicos y políticos de los beneficiarios; y (b) se desconocen en general los saberes y capacidades concretas de los beneficiarios. En consecuencia, los actores locales no ampliaban sus capacidades, no se involucran activamente en el proyecto, ni se activan dinámicas de desarrollo territorial integrales. En la práctica, un cambio en la forma de construcción de las alianzas socio-técnicas significó un mayor compromiso de los usuarios y aún de otros grupos sociales. Los cambios en las alianzas sociotécnicas no necesariamente significan un aumento de los recursos disponibles pero en cambio permiten generar un incipiente cambio en el proceso de producción de conocimientos y de fortalecimiento de los agentes productivos.

De la transferencia a la negociación de conocimientos En las secciones anteriores se buscó mostrar de qué manera los grupos de investigación se enfrentaron con problemas que cuestionaban su concepción de transferencia de la tecnología. En la interacción con los usuarios, los actores locales y una variedad problemas heterogéneos que comenzaron a afectar los diseños pre-determinados del laboratorio, los ingenieros y arquitectos comenzaron a cuestionar y modificar su forma de construir conocimientos y estrategias de las soluciones tecnológicas. Este 98

proceso de aprender haciendo no fue teórico sino que se constituyó tanto en un "proceso reflexivo sobre la práctica" (SCHÖN, 1983) como en un proceso de aprender en la interacción con los otros (LUNDVALL, 2009). En esta sección se resaltan dos puntos clave de este proceso de aprendizaje que constituyen sus espacios potenciales de apertura y sus posibles limitaciones. A partir de los cuestionamientos y la interacción con los actores en el territorio es posible observar cambios en las relaciones problema-solución (la forma de establecer los problemas) y en la calidad de las alianzas socio-técnicas (en particular el nuevo papel otorgado a los usuarios y a los actores locales). Ambas modificaciones conllevan procesos de negociación de sentidos, diseño, materiales y subjetividades con los actores que participaron de los proyectos. En este sentido, los aprendizajes también implicaron un cambio incipiente en la forma de negociar y producir conocimientos. Por ejemplo, en ambos casos las negociaciones fueron limitadas y se restringieron a la selección de los beneficiarios, las locaciones, el modo de implementación de los colectores solares y el relevamiento de las demandas. Pero, a pesar del esfuerzo de los grupos de trabajo, la participación de los usuarios continuó siendo considerada insuficiente y pasible de mejorarse. En realidad, este último punto: los problemas para incorporar a los usuarios presenta una serie de cuestiones que no es posible abordar aquí, pero que resultan clave para comprender la relación entre negociación de conocimientos y formas de inclusión social Así, es posible preguntarse: ¿hasta qué punto es posible incorporar a los usuarios en los proyectos de desarrollo de tecnologías para la inclusión social? ¿Cuál debe considerarse el espacio privilegiado para realizar la negociación de conocimientos?48 ¿El espacio de negociación de conocimientos debe ser el territorio de aplicación o puede extenderse al "laboratorio"? En otro nivel, también es importante preguntarse de qué manera la tensión entre conocimiento experto y conocimiento lego permite o impide la negociación conocimientos y el aprendizaje mutuo junto con los actores locales49. Los espacios que los grupos de I+D encontraron a la hora de incorporar a los usuarios en la producción de conocimientos parecen ser indicativos de las posibilidades al mismo tiempo que las dificultades que conlleva abandonar completamente los elementos que conforman el marco de transferencia de tecnologías (y por lo tanto, la dificultad de imaginar y conformar nuevos marcos de producción de conocimientos). Comprender empíricamente estas posibilidades y limitaciones es en verdad un punto clave del debate actual sobre Tecnologías para la Inclusión Social.

Reflexiones finales A lo largo de este trabajo se ha intentado mostrar cómo los grupos de I+D lidian con diferentes tipos de problemas cuando implementan estrategias orientadas al desarrollo de TIS. En este sentido, las limitaciones impuestas por la teoría y la política se cristalizan en la práctica. Esto es porque los problemas teóricos, de la política o prácticos sólo se observan cuando la solución no funciona en términos socio-técnicos. En otras palabras, debido a los problemas planteados en la aplicación de las soluciones institucionales y tecnológicas, el aprendizaje necesario para resolver esas situaciones emerge en el campo. Este capítulo trata de mostrar esta relación entre la teoría, la política y la práctica en el nivel empírico como una forma de situar en términos concretos la discusión meta-teórica sobre la ciencia, la tecnología y la innovación para la inclusión social en América Latina. Dos grandes categorías de problemas se señalaron en este documento. La primera es la existencia de una racionalidad basada en concepciones de la tecnología que, en la práctica, reducen la pobreza y la exclusión social a un problema técnico. El segundo está relacionado con la concepción de un 99

alcance limitado para la política pública ("una solución para un problema") que conduce a intervenciones (y a actividades de investigación) paternalistas y orientadas a los pobres en términos de "tecnologías apropiadas". Estas posiciones teóricas y políticas convergen en el no-funcionamiento de soluciones institucionales y tecnológicas, ya que constituyen una racionalidad (de las instituciones de desarrollo y grupos de investigación) que inhabilita estrategias de desarrollo a largo plazo basadas en mejoras vía aprendizaje de los usuarios. Como se ha visto, las nuevas estrategias de diseño e implementación de soluciones tecnológicas se crean cuando nuevas relaciones problema-solución se generan en la práctica y diferentes alianzas socio-técnicas se implementan como parte de un proceso de aprendizaje y reflexión sobre su propia práctica y relacionados con la formas de producción del conocimiento. Quizás uno de los aspectos más destacados de estas dinámicas de aprendizaje es la necesidad de comenzar a establecer procesos incipientes de negociación de conocimientos con las partes interesadas y los usuarios. El estudio de estos procesos de negociación de conocimientos es importante porque trae luz sobre las posibles limitaciones y potencialidades que estos espacios podrían tener. En qué medida un grupo de investigación puede orientar un proceso en términos de co-generación del conocimiento, teniendo en cuenta la cantidad de diferentes actores que pueden aprender unos de otros en la interacción, es clave para comprender el alcance de la innovación inclusiva para el desarrollo.

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ARTIGO

Integração, defesa e outros desafios da Amazônia Alexandre Fuccille

Introdução Ao longo do tempo, a Amazônia – mais importante megadomínio de natureza tropical da Terra – tem ocupado um espaço especial no imaginário das pessoas, aqui e alhures. Sua vasta extensão territorial combinada a uma baixa densidade demográfica, a majestosa mata detentora da maior biodiversidade do planeta, os amplos recursos hídricos, as enormes riquezas minerais, bem como as belezas naturais indescritíveis, os povos indígenas autóctones, as lendas e rituais mágicos dos povos da floresta, entre outros pontos, historicamente deram razão a diferentes lógicas discursivas acerca desta região. No caso brasileiro, ocupando praticamente metade do território pátrio, 50 se estendendo por três das cinco regiões geográficas que conformam o país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), o maior bioma do gigante verde-amarelo tradicionalmente foi pensado sob o signo da defesa militar, de “integrar para não entregar” e de manutenção dos limites fronteiriços estabelecidos pós-Tratado de Madrid. Nos dias que correm, salta aos olhos a obsolescência deste modelo e a necessidade – urgente – de se discutir uma política efetivamente integradora e ao mesmo tempo sustentável deste importante ativo nacional de dimensões continentais que é a Amazônia. 51 Contudo, para os fins que aqui nos interessam, daremos especial atenção justamente à dimensão defesa acima referida e à dinâmica político-estratégica, em especial no período pós-regime militar até os dias de hoje, como resposta ao que tem sido colocado como desejo dos países centrais em transformar esta rica e portentosa área em patrimônio da humanidade.

O Brasil “descobre” a Amazônia (por pouco tempo) Ao menos desde a segunda metade do século XVI, registra-se o início das incursões e tentativas de garantia de domínio do Império português por estas paragens (SELVAGEM, 1991; VARNHAGEN, 1959). Bela e inóspita região desde sempre, os diferentes ciclos econômicos por que passou o Brasil colonial confeririam um lugar marginal à Amazônia no tocante ao desenvolvimento e exploração dos recursos lá contidos, com pequeno destaque para Belém como escoadouro das especiarias chamadas “Drogas do Sertão”. Já independente, a nova nação vai se encontrar com a pujança amazônica em sua plenitude na conhecida Era da Borracha. Do último quartel do século XIX aos primeiros lustros do século XX, a região amazônica experimentaria uma acelerada expansão econômica, e, em decorrência, um desenvolvimento político e social sem precedentes em sua história. A insaciável demanda europeia e norte-americana pelo látex, lastreada em uma Revolução Industrial que não parava de expandir-se, garantiu a ocorrência de uma verdadeira Belle Époque tropical. A Amazônia era então responsável por 45% das exportações brasileiras (REIS, 1968). Este ciclo de desenvolvimento deixou marcas que impressionam. A cidade de Manaus ganhou sistema de abastecimento d’água, luz elétrica, bondes elétricos, telefone, casas bancárias, jornais impressos, Mercado Público, avenidas construídas sobre pântanos aterrados, grandes construções (como o Teatro Amazonas) e tornou-se a capital mundial de venda de diamantes. Já a capital paraense, por seu turno, outrossim desfrutava da mesma exuberância manauara e seu Theatro da Paz – 103

símbolo maior desta época dourada – foi inspirado no Scala de Milão. Concretamente, ambas chegaram a ser consideradas dentre as cidades mais prósperas do mundo, com vários avanços que nem mesmo o Rio de Janeiro, a capital do Brasil à época, possuía (SANTOS, 1980). O transplante e êxito de seringueiras nativas (amazônicas) pelos ingleses para suas colônias asiáticas representaria o início de um longo e persistente declínio, apenas interrompido circunstancialmente entre 1942 e 1945 (Segundo Ciclo da Borracha), por ocasião da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e ocupação do território dos fornecedores orientais por forças militares japonesas. O final abrupto dos dois períodos e uma elite política e econômica claudicante, resultaram em uma imersão da região no ostracismo e condenaram largas parcelas da população local (assim como os nordestinos e outros imigrantes lá chegados) à marginalidade, sem uma alternativa de desenvolvimento àquela monocultura então dominante. É neste contexto, ainda que quase sempre de forma errática, que a partir da década de 1950 o Estado começará a pensar políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. Tais medidas ganhariam um renovado impulso a partir do golpe de 1964 e a assunção dos militares ao poder. Em tempos de predomínio da Doutrina de Segurança Nacional – DSN – grosso modo sumarizada através do binômio “Segurança e Desenvolvimento” –, o presidente Médici instituiu por meio do Decreto-Lei 1.106/70 o Programa de Integração Nacional – PIN, o qual previa o combate aos vazios demográficos amazônicos valendo-se de lemas como “integrar para não entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”. A nova legislação, em seu parágrafo primeiro, previa que “será reservada, para colonização e reforma agrária, faixa de terra de até dez quilômetros à esquerda e à direita das novas rodovias para, com os recursos do Programa de Integração Nacional, se executar a ocupação da terra e adequada e produtiva exploração econômica”. 52 Esta política de resultados desastrosos tem como melhor síntese o megalômano projeto da Rodovia Transamazônica (IANNI, 1979; VELHO, 1995). Com o fim do regime de exceção e a volta dos civis à presidência da República a partir de 1985, a Amazônia crescentemente aumentará de importância no debate nacional e internacional, não obstante as respostas serem ainda insatisfatórias, como veremos a seguir.

Um novo quadro Terminado o ciclo autoritário e com o processo de redemocratização então em curso, surge um intenso debate sobre vários pontos desafiadores do novo contexto histórico, com a questão amazônica inclusa nele (BECKER, 2005; LOURENÇÃO, 2007). O primeiro governo civil que se seguiu pós-regime militar (1964-1985) foi o de José Sarney (19851990). Político visceralmente ligado ao poder daquele período da história brasileira, este assumiu a presidência do país bastante fragilizado e tendo como principal fiador de sua posse o novo ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, após o falecimento do presidente eleito no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves. A tônica do relacionamento entre civis e militares ao longo dos cinco anos desse governo foi dada pelo que os acadêmicos definiram como tutela militar. 53 Nos marcos desse governo tivemos a instauração de um Congresso Constituinte e a posterior promulgação de uma nova Constituição no ano de 1988. No ponto que nos interessa, foi possível perceber que, através de um relacionamento “amistoso” entre civis e militares, estes últimos conseguiram vetar qualquer possibilidade de diálogo mais amplo acerca da Amazônia, permanecendo uma visão militarista que a partir de 1985 encontra sua pedra de toque no Projeto Calha Norte - PCN. Naquela oportunidade, ele foi justificado [...] pelos acontecimentos na fronteira política – narcotráfico, contrabando, guerrilha e o apoio cubano ao governo do Suriname – e, internamente, pelos problemas concernentes à extração ilegal de minérios nas terras indígenas, somados às consequências da guerrilha do Araguaia, na década de 1970, às preocupações históricas com a intermitente ocupação da Amazônia e à existência, na Escola Superior de Guerra - ESG, de uma tradição no

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pensamento geopolítico brasileiro de valorização das fronteiras. (DURBENS, 2006: 100)

A lógica da Doutrina de Segurança Nacional ainda se fazia viva e a ideia de vivificação das fronteiras, fortalecendo a presença nacional, um desejo de difícil concretização na realidade. A despeito do estrangulamento fiscal que marcou o governo Sarney e do processo de estagflação da década de 1980, os recursos previstos ao PCN (que previa a ocupação militar de uma faixa do território nacional situada ao norte da Calha dos Rios Solimões e Amazonas) foram rigorosamente empenhados e liberados (DINIZ, 1994). Os imperativos da defesa, segurança e desenvolvimento amazônico subordinar-se-iam ao desiderato militar de uma ocupação física a qualquer custo, desconsiderando importantes aspectos geográficos, ambientais, sociais e sem diálogo com os amazônidas – inclusive se sobrepondo a política indigenista vigente –, cujo produto final só poderia ser de pífios efeitos. No início dos anos 1990, finda a guerra fria e em razão da emergência de um novo quadro internacional e regional, particularmente o início da integração do Cone Sul do subcontinente via Mercado Comum do Sul - Mercosul, paralelamente ao seu crescente afastamento do centro decisório iniciado ainda durante a ditadura militar com o projeto de distensão – não obstante a tutela do período Sarney –, as Forças Armadas seriam abaladas por uma crise de identidade militar que colocaria os militares brasileiros na defensiva. 54 É neste contexto que começa a ganhar força a questão da preservação do meio ambiente e novos conceitos começam a ser veiculados, como o direito de ingerência (OLIVEIRA, 1994) Começava a ganhar força na cena internacional, seja por meio de discursos de chefes de Estado ou governo, ou ainda por intermédio de organizações não-governamentais - ONGs, a difusão – e quiçá tentativa de construção de consenso – de que a Amazônia era importante demais para ser deixada apenas aos cuidados dos brasileiros, constituindo-se em uma espécie de Patrimônio da Humanidade. Era então comum depararmo-nos com afirmações como do tipo “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia” (François Mitterrand) ou ainda de que “Se os países responsáveis pela preservação das florestas tropicais não cuidarem delas, nós o faremos” (Margaret Thatcher). 55 Como é possível depreender das citações anteriores, era vasto o espectro ideológico – notadamente nos países centrais – dos defensores de uma possível internacionalização da Hileia, indo de liberais a socialistas, e a postura de que a posse da Amazônia pelos países da região seria meramente circunstancial. Tais elementos e a difusão de uma possível “soberania compartilhada” (ao nosso ver, uma contradição em termos) acenderam a luz amarela no interior das Forças Armadas brasileiras e, mais ainda, serviram de elemento unificador, cimentando ideologicamente um eficiente discurso para o mundo exterior de superação da já aludida crise de identidade militar naquele tempo reinante (MARTINS FILHO; ZIRKER, 2000). Definitivamente, a partir de meados da década de 1990, a Amazônia ascende ao primeiro plano como elemento identitário aglutinador por parte da caserna brasileira. Não obstante, como veremos na próxima seção, o descompasso entre discurso e prática continuaria sendo uma triste realidade.

A Amazônia e a defesa nacional sob FHC, Lula e Dilma Um exame mais detido das medidas tomadas no segmento de defesa ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) mostra-nos que sua atuação se pautou por uma agenda militar específica, cujos elementos a destacar seriam: a resolução da questão dos desaparecidos políticos, a criação do Ministério da Defesa, o lançamento da Política de Defesa Nacional – PDN, a transformação da profissão militar em carreira de Estado, a valorização de políticas setoriais (como o Calha Norte, o Sipam/Sivam, o submarino nuclear, etc.), e o início de um reaparelhamento e modernização das 105

Forças Armadas, rompendo-se um acentuado processo de sucateamento tecnológico (MARTINS FILHO; ZIRKER, 1998). A despeito de a partir de 1999 o Brasil assistir a mudança mais radical de sua história no plano da organização da defesa, extinguindo os Ministérios Militares, criando o Ministério da Defesa e subordinando seus antigos ministros – agora transformados em comandantes – à figura do novo ministro civil, nos interessa aqui particularmente como as questões envolvendo a Amazônia e a defesa nacional se desenvolveram (FUCCILLE, 2006). Nesta direção, para além de uma inédita Política de Defesa Nacional (teoricamente o documento condicionante maior da área de defesa), publicizada em 1996, onde a Amazônia aparecia de forma bastante genérica – como de resto todo este documento –, é o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e o Projeto Calha Norte – PCN, ambos articulados em torno do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que especialmente nos interessam. Projeto controverso e envolto em críticas pela forma segundo a qual foi conduzido, o Sivam trouxe um novo enfoque para a segurança e defesa da região, monitorando desde queimadas à qualidade das águas da região amazônica, passando pelo controle do tráfego aéreo e a defesa aérea, e nos dias atuais já está completamente implantado e operacional. Em termos do que representa esta iniciativa e suas possíveis externalidades, temos que: O SIVAM compõe a infraestrutura técnica e operacional de um programa governamental multiministerial, o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), cujos objetivos são a defesa e a proteção da Amazônia Legal, garantindo a soberania brasileira na região, com ênfase na otimização das ações governamentais voltadas para a defesa, o desenvolvimento, a vigilância e a análise de todo o espaço aéreo e terrestre da região. Apto a coletar, processar, produzir, integrar, avaliar e difundir dados e informações de interesse das demais organizações integrantes do SIPAM, o SIVAM possibilita a elaboração de conhecimentos que sirvam de subsídio para ações globais e coordenadas dos órgãos governamentais que atuam na Amazônia – FUNAI, IBAMA, Polícia Federal, INPE, etc. – a fim de potencializar as políticas públicas voltadas para a proteção e o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica. (LOURENÇÃO, 2006: 120)

Entre aviões imageadores, estações de recepção de imagens, hardware e software para processamento de imagens e mapas e serviços de desenvolvimento e integração associados, foram alguns bilhões de reais investidos nesta empreitada. Contestando as pressões internacionais de pouco fazer para manter a integridade da maior floresta tropical do mundo e seu acelerado desmatamento, o Governo Federal procurou com o Sivam dar uma eloquente resposta da importância deste território pra o país e, adicionalmente, ter em mãos um poderoso instrumento de mapeamento e proteção de seus recursos naturais, aí inclusos uma incalculável riqueza em recursos minerais e uma extraordinária biodiversidade. Contudo, os desdobramentos da atuação do Sivam para a concretização de políticas públicas e/ou do desenvolvimento sustentável para a região eram praticamente nulos. Embora ambicioso em sua concepção e implantação, havia um imenso gap em transformar a gigantesca massa de dados produzida em informação de qualidade e aplicabilidade, a despeito de progressos pontuais. Após seu quase desaparecimento nos governos Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e anos iniciais de FHC, o Projeto Calha Norte enfrentou no período 1999-2002 um forte incremento em suas atividades, dentro de seus objetivos voltados à “manutenção da Soberania Nacional e da Integridade Territorial Nacional” e “promoção do Desenvolvimento Regional na Região da Calha Norte”. Esforços foram empreendidos no sentido de que a contribuição do PCN para o desenvolvimento da região não se esgotasse apenas em sua vertente militar, mas fosse incrementada na diversificada gama de realizações concretas e de benefícios para a área, comunidades locais, comunidades indígenas, preservação da soberania e efetiva integração da região ao Brasil. Paralelamente, por meio de convênio com a Fundação Getúlio Vargas - FGV e Instituto Superior de Administração e Economia do Amazonas - ISAE, foram elaborados estudos de “Subsídios para uma Estratégia de Desenvolvimento da Amazônia Setentrional 2001-2010” e “Planos de Desenvolvimento 106

Integrado e Sustentável Regionais e dos Municípios do Alto Solimões e do Estado de Roraima”, com planejamento de estendê-lo aos demais municípios da Calha Norte nos anos seguintes. Em paralelo, o Tratado de Cooperação Amazônica - TCA, assinado em 1978 por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, como o instrumento jurídico que reconhecia a natureza transfronteiriça da Amazônia, com a subscrição de seus membros em dezembro de 1998, era transformado em Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA – única organização internacional com sede no Brasil –, com vistas a “impulsionar o futuro desenvolvimento de nossos países e da região; um patrimônio que deve ser preservado, mas essencialmente, promovido, em consonância com os princípios de desenvolvimento sustentável”, via intensificação das ações na região no âmbito da mesma (TORRECUSO, 2004) Mas seria no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) que assistiríamos ao maior avanço, ainda que insuficiente, nas políticas que contemplam segurança e defesa nacionais e a Amazônia. Como pano de fundo regional, assistíamos ao aprofundamento do Plan Colombia e suas ações militares e a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano - CDS no interior da Unasul, capitaneado pelo Brasil (BORGES, 2006; FUCCILLE; REZENDE, 2013). A primeira transformação de monta dá-se com relação ao robustecimento do antigo Projeto Calha Norte, agora renomeado Programa Calha Norte. Da cobertura que até 2002 contemplava 74 municípios distribuídos pelo Amazonas, Pará, Amapá e Roraima, em uma área total de 1.500.000 Km2 (sendo 7.413 Km de fronteiras), passamos a uma nova realidade contemplando 194 municípios espalhados para além dos Estados originais mais Acre e Rondônia, uma área total de 2.186.252 Km2 (dos quais 10.938 Km na faixa de fronteira). Mais do que uma mera mudança de nome, o novo PCN – cobrindo um terço do território nacional e 5% da população do país – agora destinava agora 87% de seu orçamento à vertente civil/social e apenas 13% à vertente de natureza militar, números que são praticamente o inverso das destinações originais do Calha Norte (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2009). Outro ponto importante foi a retomada do Projeto Rondon, passado mais de uma década de sua extinção. Coordenado pelo Ministério da Defesa, o projeto envolve atividades voluntárias de universitários visando aproximá-los da realidade do país (notadamente na Amazônia Legal), além de contribuir para o desenvolvimento de comunidades carentes. Para tanto, são executados projetos de extensão universitária, de ação cívico-social, de práticas sustentáveis, entre outros, com intuito maior de diminuir o hiato que separa as regiões de menor Índice de Desenvolvimento Humano - IDH do restante do Brasil. Já o Sivam, concebido para ter sido concluído ainda no governo Cardoso, apenas completará sua instalação durante o governo Lula. Não obstante, mais importante do que isso é a nova dinâmica que este, como parte integrante do Sipam, passou a contemplar. As imensas aplicações civis e militares ficaram mais claras. O diálogo entre as áreas “azul” (que tem como responsabilidade a vigilância das fronteiras, o controle e defesa do espaço aéreo e fluvial da região e apoio a unidades militares) e “verde” (informações meteorológicas, monitoramente de queimadas, comunicações com pequenas unidades do Ibama, Funai e apoio à Polícia Federal, entre outras atividades) tornou-se uma realidade. O Catálogo de Metadados56 que passou a ficar disponível para a sociedade e os formuladores de políticas e os acordos de intercâmbio e cooperação em matéria de inteligência com os países vizinhos para o combate a diferentes tipos de crimes transnacionais e conexos, deixa isto patente. A nova Política de Defesa Nacional de 2005 elegia claramente a Amazônia como figura central ao planejamento da defesa, ao lado da priorização do Atlântico Sul (que conteria uma “Amazônia Azul” – notem a candência do tema –, conforme tentativa de tentar sensibilizar a sociedade da importância, não só estratégica, mas também econômica, do imenso mar que a cerca e das águas jurisdicionais sob sua responsabilidade). Igualmente, uma inédita Estratégia Nacional de Defesa (de fins de 2008) aprofundaria ainda mais esta opção. O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras - Sisfron, cujo nome já é autoexplicativo e 107

transborda para além das fronteiras amazônicas, em uma extensão de 16.886 Km de fronteiras terrestres nos países, passando por 11 Estados, cobrindo cerca de 27% do território nacional e com investimos da ordem de US$ 5 bilhões, é outro importante avanço. 57 Lançado nos estertores do governo Lula, o Sisfron ainda encontra-se em fase de implantação. Enfim, cada uma das três Forças seria aquinhoada ao menos com uma nova medida importante envolvendo a defesa nacional e a Amazônia durante a administração Lula da Silva. A Marinha do Brasil criaria, já neste século, uma nova base de operações, o 9º Distrito Naval (com sede em Manaus), responsável pela Amazônia Ocidental; enquanto em Belém segue o 4º Distrito Naval que cuida da Amazônia Oriental. A instituição de outros novos documentos legais, a exemplo da Lei do Tiro de Destruição – tão reclamada pela Força Aérea Brasileira – como forma de combate às principais rotas de entrada de drogas ilícitas em território brasileiro (popularmente chamada de “Lei do Abate”/Decreto nº 5.144/04), a Lei Complementar nº 117/04 que confere ao Exército a atribuição subsidiária de atuar com poder de polícia na banda interna de 150 Km de largura que constitui a faixa de fronteira, apenas para citarmos os principais, têm impactado diretamente na estruturação e atuação das Forças Armadas brasileiras nos limites da Amazônia. Por fim, o governo Dilma Rousseff, iniciado em 2011, tem mantido a mesma linha inaugurada nas últimas administrações que o antecedeu, dando sequência a algumas diretrizes herdadas do governo Lula, porém de forma mais tímida e marcado por preocupantes momentos de stop and go. Contudo, a revisão e aprovação dos documentos legais de alto nível atinentes à defesa pelo Congresso Nacional em 201358 – em um importante padrão de responsabilidade compartilhada com o Executivo – continuam a conferir primazia à Amazônia nesta temática. Aqui, vale registrar, discordamos veementemente do entendimento propugnado por alguns de que a soberania brasileira na Amazônia já sofreu duros golpes, em particular através da demarcação da Reserva Indígena Yanomami no governo Collor (1991), e no governo Lula por meio da assinatura da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas/ONU (2007), ou ainda quando o STF aprovou o Decreto Presidencial que homologou a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol em terra contínua nas fronteiras com a Venezuela e Guiana (2009). Antes pelo contrário, pensamos que a Hileia no decorrer da primeira década do novo século se consolidou como núcleo de nossas preocupações estratégicas, ainda que com uma participação desequilibrada em prol dos militares e da autonomia tradicional que os caracterizam (em razão da inépcia civil), e crescentemente vem ganhando relevância em um inadiável e necessário debate nacional. O ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul ao longo de 2012, revendo sua tradicional vocação caribenha e apostando em sua sul-americanização, é uma alvissareira novidade e poderá conferir uma nova dinâmica a esta importante região distante do Cone Sul, impactando as dimensões segurança e defesa. Falamos não apenas da quarta maior economia sul-americana, mas da possibilidade do efeito de transbordamento, a partir de uma nova dinâmica de fronteira, em um espaço onde – apenas para ilustrar – é mais fácil se chegar de Manaus e Boa Vista (via BR-174) até Caracas do que a Brasília. Sem detrimento da Bacia do Prata, a Bacia Amazônica pode experimentar algo que esperou por séculos, saindo finalmente do estado de letargia a que foi condenada historicamente pelo Estado brasileiro.

Considerações finais Definitivamente, a Amazônia – ainda que por vias tortuosas – parece ter entrado na agenda do debate nacional. Isso não deve ser confundido com a necessária reflexão e/ou correto equacionamento em termos de políticas públicas a esta região, mas apenas e tão somente que a “invisibilidade” desta gigantesca área deixou de existir. Com respeito à temática defesa nacional, já é um truísmo falar da 108

centralidade da mesma para o Brasil de hoje e do futuro. Outrossim, isto não significa o adequado atendimento das demandas estratégicas que imanam da Amazônia. A transferência de bases, unidades e organizações militares do Sul/Sudeste para o Norte/Centro-Oeste caminha a passos lentos. A questão das fronteiras e as políticas de vivificação das mesmas, onde nos mais das vezes o que temos são problemas nas fronteiras e não de fronteiras, mostra também o equívoco com que o tema tem sido tratado, no mais das vezes nos marcos de uma lógica de fronteiras-limites que grassou durante o período luso. Por parte do Exército, a chamada “estratégia da presença”, largamente empregada desde os tempos do Brasil colonial, apresenta claros sinais de esgotamento, devendo crescentemente ser substituída pela “estratégia da resistência” e novas formas de deterrence no âmbito da grande estratégia (MARQUES, 2007). A Força Aérea e a Marinha, a despeito de fundamentais para a defesa, têm atuado de forma coadjuvante neste processo. Neste particular e dada a agudeza do tema para a Amazônia, cabe um parêntese. É pedagógica a lembrança da problemática fronteira de pouco mais de 3.000 Km entre EUA e México e a securitização dos temas a ela afeitos, sem resultados satisfatórios, contrastando com os mais de 6.000 Km da fronteira EUA-Canadá, de relativa tranquilidade. Ou seja, não será o Brasil, como uma fronteira terrestre com seus vizinhos cinco vezes maior do que a dos EUA-México que, pela via da militarização (ou da vivificação, como já foi defendido em um passado recente) irá resolver seus problemas de segurança e defesa. Isto é fundamental para compreendermos muitos dos movimentos de integração regional liderados pelo Brasil aqui no espaço sul-americano e seus spillovers. É dentro desse marco mais amplo da dimensão do desenvolvimento e seus efeitos de transbordamento, que a defesa amazônica deve ser pensada. Novos e instigantes desafios confrontam a Amazônia, para além do desmatamento e garimpo ilegal, a grilagem de terras, entre outros delitos, que estão a exigir uma nova postura dissuasiva-estratégica por parte do Brasil. Não basta apenas as Escolas de Estado-Maior e as Hipóteses de Emprego crescentemente privilegiarem nossa Hileia. É preciso lançar um novo olhar, pensar novas institucionalidades, tarefa que sempre encontra enorme resistência entre os que se beneficiam da ordem atual e tíbios defensores nos que poderiam se beneficiar de um novo ordenamento, como já nos ensinou o sábio florentino fundador do pensamento político moderno. Enfim, mais do que apenas integrar a Amazônia ao restante do país com redes de energia, comunicação e transportes, trata-se de edificar uma nova plataforma, fundar um novo pacto, para se pensar o desenvolvimento sustentável de tal bioma e oferecer respostas efetivamente satisfatórias para além daqueles que tivemos em quase cinco séculos de ocupação. A partir disso, certamente também vicejará uma nova mentalidade de defesa para este espaço. Neste sentido, a discussão em torno do desafio da integração e a imperiosidade de uma nova agenda para a Amazônia brasileira está apenas começando.

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ARTIGO

Pensar la cooperación, integración y producción del conocimiento desde perspectivas no hegemónicas Anibal Orué Pozzo

Introducción En los últimos 70 años, la universidad paraguaya y específicamente la Universidad Nacional de Asunción – UNA – única existente en el país hasta 1960, cuando se crea la Universidad Católica de Asunción – pasó por dos grandes cooperaciones internacionales que han dejado secuelas y marcas en la vida de la misma, y también en los poros y retinas de la sociedad paraguaya. Son dos hechos, desde la perspectiva de una cooperación internacional. Una, en 1948, cuando se abre la Facultad de Filosofía en Asunción. Y otra, con la propuesta de restructuración de esta universidad entre los años 1955-1956. La primera es resultado de la presencia de la misión cultural brasileña que, por su vez es producto de la primera visita de un presidente de Brasil a Paraguay en 1941 – Getulio Vargas. La cooperación cultural y educativa bilateral se consolida desde 1952 cuando se formaliza oficialmente esta “misión”. Como resultado tenemos una estrecha cooperación de Brasil con la UNA, específicamente con Facultad de Filosofía; sobre todo con la apertura del Colegio Experimental Paraguay-Brasil, localizada en dicha facultad, que continúa hasta los días de hoy. Este proceso es, fundamentalmente, parte de una estrategia oficial de Brasil, de manera a fortalecer no solamente su presencia cultural, sino sobre todo una presencia política y económica en el país59, en el contexto de una estrategia geopolítica en la región del Plata. En la década del ’40 del siglo pasado, la relación Paraguay-Argentina era, todavía, sumamente fuerte y estrecha; la misma se acentuó durante la guerra del Chaco (1932-1935) con Bolivia. En este conflicto, Bolivia estuvo a punto de romper relaciones con Argentina en función – según denuncias de la diplomacia boliviana – a ciertos apoyos del ejército argentino, al paraguayo. Es imposible entender este contexto de la denuncia, sin la referencia, entre otras, a la Guerra del ’70, cuyo resultado produjo la anexión de una parte importante del territorio paraguayo a Argentina, justamente la región que, durante la guerra mencionada estaban a los cuidados del ejército argentino, en la frontera con Bolivia y Paraguay60. Así el “giro geopolítico” de la diplomacia brasileña, es también entendida como un momento importante para Paraguay, de forma a desincrustar a la Argentina de una presencia muy fuerte en la economía, en la política y también en el imaginario paraguayo por esos años (YNSFRAN, 1990). Dos años después de oficializarse la misión cultural de Brasil en Paraguay, en 1954, Stroessner asume el control del país, instaurando una dictadura de 35 años. Algunos historiadores apuntan incluso que esta misión contribuyó a consolidar a la dictadura de Stroessner proporcionando a la misma un aire de modernidad (NEPOMUCENO, 2010; MORAES, 2003; CHEDID, 2010). Sin embargo, ciertas pisadas de esta cooperación perduran. Este proceso de intercambio cultural fue uno de los temas desarrollado en octubre de 2013, durante el Seminario: “Paraguay-Brasil. Diez años de relaciones bilaterales: Sociedad, economía y cultura”, organizado por el Centro de Estudios de las Relaciones Paraguay-Brasil de la Universidad Nacional del Este61. La segunda cooperación que citamos más arriba, también en la UNA, se establece con la Universidad de Buffalo, Estados Unidos, desde el año 1955. Inicialmente se desarrolla una 112

cooperación específica con la Facultad de Medicina; después, se amplía a toda la universidad. Como resultado de esta “cooperación” se tiene una de las más duras legislaciones en el campo universitario de la época de la dictadura, la Ley 356 del año 1956, que imponía controles autoritarios a la misma, asimismo a docentes y estudiantes, y también una Facultad de Medicina que acompaña un modelo norteamericano. Esto recién puede revertirse luego de la caída de la dictadura con una nueva legislación, ya en democracia. Como se puede observar, la cooperación norteamericana fue coherente con los postulados de la guerra fría, su anticomunismo rampante e imposición de un modelo educativo, estimulado y en expansión por esos años. El fortalecimiento de ambas cooperaciones citadas se da en época de dictadura, en el contexto de un fuerte anticomunismo y sobre todo, de un mundo bipolar, con clara hegemonía de los Estados Unidos. Y algunos resultados de las mismas no es nada alentador: ambas contribuyeron al control y dominio físico y simbólico del proceso de creación de conocimientos y saberes en la UNA. Sin embargo, estas cooperaciones tuvieron sus diferencias, y muy grandes. La cooperación de Brasil, “oficial”, tuvo sus impactos en otros campos, e.gr. arquitectura y la plástica. Así, la arquitectura modernista brasileña de manos de Reydi, de Brito, influenciados por Niemeyer y Costa estuvo presente durante estos años (DIARTE, 2011). En las artes la presencia de Livio Abramo fue fundamental en el desarrollo de la moderna plástica paraguaya, asimismo en el apoyo a núcleos de resistencia anti dictatorial (NEPOMUCENO, 2010). La cooperación norteamericana, sin embargo, es recordada por su sesgo represivo, como expresión de la Ley Universitaria 356, que controlaba todo el proceso educativo en la UNA y colocaba a la institución bajo el control directo del dictador.

Cooperación desde nuevos bloque de poder Sin lugar a duda, grandes cambios se han dado en las recientes propuestas de cooperación tomando como referencia las experiencias citadas más arriba. La nueva globalización ha colocado en perspectiva otro tipo de cooperación internacional entre países, que incluye también la cooperación educativa universitaria; el entendimiento del mundo no es aquel unipolar, o bipolar de los años duros “del plomo y hierro”. Existen nuevos bloques de poder emergentes, un mundo multipolar en gestación. En el contexto de esta emergente dinámica mundial y regional, ¿de qué tipo de cooperación hablamos, o cuáles serían éstas? Es todavía temprano para afirmaciones taxativas o indicar caminos ya consolidados, aunque es importante intentar desentrañar estos procesos en marcha desde los bordes o fronteras culturales no hegemónicas del mundo. Existen prácticas y también propuestas importantes en el escenario regional y continental, que considero importante discutirlas. En nuestro caso tenemos algunos proyectos supranacionales: Mercosur, Unasur, Celac, que han surgido últimamente; Mercosur en 1991 y, un par de años atrás, los otros dos, que rápidamente se constituyeron en una especie de escudo blindado a la penetración, entre otras cuestiones, del capital externo asimismo de tropas externas en la región, intentando consolidar un proceso de protección de sus respectivos aparatos productivos, procesos políticos y sociales, y también de avanzar en la consolidación de estudios superiores universitarios. Es casi imposible pensar una cooperación internacional hoy en América Latina, fuera de estos procesos de integración a nivel regional como Mercosur, más ampliado como Unasur y finalmente, de “todos menos Estados Unidos y Canadá” como es el caso de Celac. Estas características, es decir, los varios procesos de integración en marcha en el continente introducen, por su vez, nuevas cuestiones antes nunca pensadas y desarrolladas. Se plantea, desde estas perspectivas integracionistas y multipolares, un nuevo proceso de cooperación internacional, aunque también regional. Si bien estos intercambios no dejan de ser 113

interesantes para países con menor desarrollo universitario relativo, con menor nivel de inversión en desarrollo e investigación, siempre es válida la pregunta: Las cooperaciones pensadas de manera y formas más horizontales, desde perspectivas no verticales, y en el discurso no hegemónico, ¿qué tan próximas a estas enunciaciones están? Este interés en la cooperación, entre la causa y la intencionalidad de la misma, ¿tiene un sentido y entendimiento único? Es posible que los entendimientos no sean necesariamente únicos, tampoco las prácticas homogéneas. Parte de estas preguntas, asimismo sus diversas respuestas, están desarrolladas en un interesante material sobre educación superior en América Latina (LÓPEZ SEGRERA; RIVAROLA, 2010). Por otro lado, años atrás, participando en un consejo ad hoc formado en una universidad de la región (Mercosur), del cual era el único paraguayo, y solo dos no pertenecientes al país cuya universidad nos había cursado esta invitación, la percepción que tuve es que se repetían viejos esquemas hegemónicos de reuniones científicas en países de capitalismo avanzado. Es decir, los colegas repetían esquemas de imposición de discursos, de cerrar los ojos o, en todo caso, de mal abrirlos o de tener “mal de ojo” ante posibles aportes de académicos e investigadores de países con “menor” desarrollo académico, como era el caso de Paraguay. Y no estábamos muy lejos del cielo, pues para algunos estábamos discutiendo entre pares. Muchas veces pequeñas anécdotas relatadas en un determinado contexto son expresiones de conflictos o tensiones no siempre reconocidas, pero presentes en ese espacio social y cultural; al final, la historia de los grupos sociales está empedrada de estos hechos mínimos que posibilitan, en su contingencia, leer una determinada realidad. Considero que lo expuesto más arriba en cuanto a participación en grupos de “pares horizontales” de alguna manera ejemplifica un determinado “temor”, un cierto “estado de espíritu”. Para muchos colegas, entiendo, tal vez consideren pertinente un diálogo directo con colegas “de la hegemonía” es decir, con aquellos localizados en países de capitalismo avanzado, antes que con colegas “contra hegemónicos” con un discurso más próximo al “nuestro”, aunque con una práctica muy alejadas de la “nuestra”. Sin embargo no solamente de tensiones negativas viven las cooperaciones; también existen y se expresan aquellas tensiones positivas, que permiten avanzar una cooperación de manera mucho más horizontal, sin imposiciones hegemónicas. En este sentido, el camino al paraíso también está siendo transitado por estas prácticas y enunciaciones. Algunos ejemplos

Tomemos el caso de las asimetrías existentes en el Mercosur, y la propuesta de disminuirlas o, por lo menos, que éstas tiendan a su mínima expresión. Entre ellas se puede contar la instalación de los Fondos Estructurales del Mercosur, Focem. En el plano de la cooperación o de las relaciones bilaterales se presentan dos situaciones muy semejantes y también estratégicas para los países involucrados. Así, para que Brasil haya aceptado financiar la construcción de una línea de transmisión de 500 Kv entre Hernandarias y Asunción (Itaipu) en 2009, una ardua, difícil y tensa negociación se mantuvo por casi un año 62. Igual situación se da en relación a las negociaciones con Argentina en el tema del tratado de Yacyretá63. Con cierto hermetismo, se iniciaron en junio del presente año, las negociaciones sobre el Anexo C del tratado; ambas partes se presentaron a estas primeras ruedas de negociación con un cierto “mal de ojo” político. Como consecuencia de esto, no se auguran tensiones positivas en estas negociaciones; y estamos ante países “amigos”. Si bien lo citado son negociaciones políticas entre partes soberanas, la cooperación en el área educativa o cultural siempre se buscó enmarcarlas como fuera de estos vaivenes políticos, de forma a evitar las experiencias de tensiones negativas; sin embargo, de te fabula narratur. Es por eso que la cooperación universitaria sur-sur, o regional “horizontal”, en el contexto del Mercosur, no puede y no debe acompañar estos esquemas de las negociaciones políticas que nuestros países emprenden; o en 114

todo caso, éstas deberían servir de ejemplo para avanzar a pesar de las asimetrías y diferencias existentes entre nuestras universidades, reconociendo esta situación. Al final, creo que el “espíritu del tiempo mercosuriano”, y el de los colegas de universidades del Mercosur, debería estar muy alejado de las prácticas experimentadas por años entre universidades de países de capitalismo avanzado y aquellas de América Latina. Los ejemplos del Mercosur, Unasur y Celac, están ahí para profundizarlos y mejorarlos, en la medida de lo posible. Sin embargo, quiero volver a los procesos de integración en curso. Estos nuevos contextos regionales de integración política, social, económica y cultural, la emergencia de nuevos bloques de poder, de nuevas alianzas – algunas centradas en proximidades geográficas, otras en proximidades políticas y económicas – es indudable que esto también debe llevarnos a la emergencia e invención de una nueva práctica en la cooperación universitaria del Mercosur. Tal vez sea este contexto el que nos impulse a intentar, desplegar y desbrozar nuevas estrategias para, desde estos bloques de poder emergentes, intentar nuevas cooperaciones y colaboraciones; éstas más horizontales en el discurso y en la práctica.

Cooperación e integración en territorios de frontera Me gustaría discutir un aspecto más específico de todo este proceso de cooperación e intercambio a nivel de universidades o centros de formación y creación de conocimientos y saberes del Mercosur: es aquella impulsada, desarrollada o propuesta entre instituciones de frontera. Aquí es importante reflexionar desde nuevas perspectivas, no solamente aquellas que emergen de la constitución y presencia de nuevos bloques de poder, sino también desde experiencias de territorios de frontera o, como tenemos ejemplos en la región, de territorios transnacionales; éstos existen en nuestra región, sea en el nivel bilateral o trilateral, como es el caso de la triple frontera: Ciudad del Este (Paraguay), Foz do Iguaçu (Brasil) y Puerto Iguazu (Argentina), por un lado, y otros tantos bilaterales entre Paraguay-Brasil, Argentina-Brasil, Brasil-Uruguay, Uruguay-Argentina, etc. La particularidad es que estos espacios y territorios sociales de intercambio – comercial y cultural –, existían mucho antes de la emergencia de los nuevos bloques de poder del tipo Mercosur. En consecuencia, la experiencia de estos caminos y espacios de intercambios, precede a aquella de la integración que se plantea desde 1991, con la firma del Tratado de Asunción. ¿Qué particularidades podemos pensar y, desde las mismas, rebatirlas para el caso de los procesos de integración en marcha del tipo Mercosur, Unasur y Celac? Si bien constituyen territorios sustentados por un flujo comercial casi exclusivamente, en los últimos 20 años – principalmente en el caso de las Tres Fronteras y específicamente en Paraguay – este territorio fue ganado por el gran capital asociado al agronegocio. Pero antes…estaba lo simbólico, los intercambios “electrónicos” y culturales. El departamento de Alto Paraná en Paraguay – con Ciudad del Este como capital – combina varios segmentos de negocio: uno el relacionado al tráfico de distintos productos que de alguna manera, cubren necesidades de segmentos de población de Brasil, y también de Argentina: electrónicos, artículos de belleza, etc.; otro, del agronegocio que cubren “necesidades” del gran capital en su proceso de expansión hacia otros rubros. Pero también otros flujos productivos, “ventas subalternas” asociados al día a día, tráficos incansables de imaginarios y de representaciones sociales asociados a flujos diarios, y también a migraciones más permanentes: expulsados de la tierra en Brasil, asentados en territorios paraguayos; capital asociado al agronegocio, ocupando territorios y expandiéndose en territorios de frontera; consumos culturales en las tres márgenes, asentamientos provisorios, culturas en movimiento, y otras iguales en transición; casi 70 por ciento de las inversiones de Brasil en Paraguay se dan en territorios de Frontera, principalmente Alto Paraná y Canindeyú; un turismo que construye y 115

fortalece determinados imaginarios de la región, y medios de comunicación locales que lo refuerzan, casi sin cuestionarlos. Todo esto en zonas de frontera. Una contradicción subyace en este proceso: por un lado sectores sociales y populares reclaman el acceso soberano al territorio, es decir, el control del Estado-nación sobre un vasto territorio de frontera que a lo largo de los años – principalmente desde los ’60 con la ocupación del Este paraguayo durante la dictadura – fue totalmente entregado, descuidado, e inclusive mal vendido a grandes propietarios extranjeros, por un lado; y, por el otro, a propietarios expulsados de la tierra del Estado de Paraná, Santa Catarina y Rio Grande del Sur; todos éstos sin ser sujetos de la Reforma Agraria, como sustentaba en entonces Estatuto Agrario de 1963 (FOGEL, 1995; ALEGRE, 2001; IPARDES, 1982; ORUÉ POZZO E ALEGRE, 2008) Así se tiene la realidad de una territorialidad constantemente cuestionada, un proceso de migración permanente y otros de corta duración, de intercambios continuos, de idas y vueltas, presencia de diversas culturas y nacionalidades. Esto convierte al territorio de frontera, específicamente al situado en esta triple frontera, principalmente la paraguaya, en un territorio transnacional. Inclusive la población paraguaya hace usos de ciertos y determinados “beneficios” en términos de educación, salud, al “otro lado del territorio nacional”, etc. Pero, ¿es esto avanzado en términos de soberanía global? Es decir, esta transterritorialidad nacional – una contradictio – ¿es un escape, una salida del gran capital ávido de invertir y de invadir estas trans-fronteras de manera a ampliar su esquema de reproducción? El neoliberalismo ha dado muestras no solamente de este transborde de transterritorialidad, sino también de la propia organización del Estado fuera, o a expensas de sus territorios. Asumiendo desde esta perspectiva, la situación no se presenta de manera “interesante” para Paraguay; antes, pareciera el retorno a 50/150 años atrás cuando este entendimiento fue determinante para la absorción de territorios por parte de sus vecinos luego de una guerra general o total; ¿defensa del Estado-nación? Pero, a pesar de todo, si entendemos el neoliberalismo, podríamos comprender también la instalación y funcionamiento de estos enclaves. No lo ideal, pero si nos da pistas para entender hacia donde apunta, o hacia dónde va el capital financiero en estas regiones. ¿Existen otras vías o posibilidades? Sin duda alguna. Inclusive se plantean jurisdicciones extra nacionales, como es el caso de empresas multinacionales que, al asentarse en un Estado-nacional, éste les concede prerrogativas de instalar o de definir pleitos jurídicos fuera de esta frontera nacional, en países de capitalismo avanzado, por ejemplo, en detrimento de las empresas nacionales. E.gr. empresas financieras internacionales, empresas multinacionales, o inclusive “nacionales” extranjeras que desean invertir capital en Estados-nacionales, siempre y cuando las diferencias puedan ser dirimidas en centros en los cuales el capital los controla judicial y políticamente. Las empresas multinacionales, las empresas y organismos financieros internacionales están proporcionando nuevos entendimientos al Estado-nación, con una concepción del territorio y de una territorialidad en función a sus intereses (SASSEN, 2013). Inclusive, algunos Estados adoptan puntos de vista sustentados por estos agentes financieros y productivos. El neoliberalismo contribuye a esta migración transnacional principalmente con la punta de lanza de sus grandes gerentes, técnicos especializados y, sobre todo, del capital borrando fronteras nacionales; mientras ejecutivos de estas multinacionales llegan en avión o helicópteros, los boias frias subalternos lo hacen caminando, cruzando el puente, buscando las ventajas que le permitirán ejercer un día más de su “conciencia” ciudadana al otro lado de la frontera (ORUÉ POZZO, 2014). Pero, se tiene también la presencia de movimientos sociales transnacionales, en estrecha relación con movimientos sociales nacionales. Uno de los ejes de este movimiento, el nacional, es la defensa de la soberanía. E.gr. la alimentaria, por ejemplo, principalmente en el caso de las semillas y de los genes nativos que buscan proteger ante la voracidad de la industria química-farmacéutica internacional. Todo esto nos lleva a pensar, o repensar, las estrategias de cooperación internacional entre 116

universidades tendientes a ampliar la producción del conocimiento a nivel regional, y también a la producción de un conocimiento compartido. De igual manera que el capital financiero internacional, ¿debe la cooperación internacional a nivel regional romper los estrechos diques nacionales, es decir, las limitaciones del Estado-nación, sus leyes y sobre todo su territorio, construyendo una territorialidad transnacional? Esto con relación a la cooperación entre instituciones de creación de conocimientos en la región de frontera. ¿Cómo se presentan estos nuevos dilemas? De igual manera que todos los días un flujo de personas cruzan la frontera para beneficiarse de los costos momentáneos de mercancías del otro lado, ¿es posible también un cruce y flujo de docentes, investigadores, estudiantes, entre universidades de frontera, buscando justamente el intercambio de conocimientos entre estas instituciones? ¿Y sin enclaves burocráticos? Si bien los intercambios culturales también pueden implicar imposiciones simbólicas, es interesante entenderlos como tensiones positivas. Sin duda alguna, estos flujos de personas y de capital en zonas de frontera, el trabajar en un país, y vivir en el de enfrente; la existencia de microterritorios en el cual la máxima expresión y sobre todo, el mayor flujo es el intercambio de mercancía-dinero, expresan y son expresiones del declinio de la soberanía del Estado sobre su territorio; es un permanente jaque al Estado-nación de la modernidad. Son algunos puntos interesantes de analizar y, en la medida de lo posible, intentar responder. Considero que algunas respuestas a estas cuestiones o interrogantes pueden o deben ser encaradas alejadas de las fronteras del Estado-nación, como un sitio de cambio y transformación de significados. Pero la pregunta también implica, ¿qué aspectos del Estado-nación deben ser preservados en esta cooperación de frontera? Es por esta razón que, considero, el intercambio y cooperación entre instituciones universitarias de frontera pueden dar un sentido de transterritorialidad no al propio territorio perteneciente al Estado-nación en jaque, no al curso del capital transnacional del agronegocio, sino al flujo de conocimientos y saberes entre dos o más países, varias culturas, saberes compartidos. Todo esto, por qué no, también alejados de nuestra burocracia educacional del Estado-nación.

¿Es posible una cooperación no hegemónica en frontera? Lo que se plantea es entonces la posibilidad de una cooperación no hegemónica, en el contexto de los nuevos bloques de poder en construcción. Sabemos que las relaciones que impulsan los procesos de integración muchas veces no son necesariamente las más horizontales. En varias ocasiones, los esfuerzos por asumir posturas de bloque, no han sido nada más que expresiones de blindajes del capital regional, frente a la presencia del capital extra muros, o también ocupando espacios “propios” del capital nativo-local. ¿Es posible, entonces, una cooperación fuera de estos patrones o límites – o cuestionando a los mismos – que hoy instigan, cuestionan o alimentan los procesos de integración regional expresados en el Mercosur? O Unasur, Celac? Lo que apunté constituyen interpretaciones de una realidad, presencia de otras visiones en este proceso. De esta manera, una acción realmente integradora sería pensar la posibilidad de establecer cooperaciones, construcción de saberes y conocimientos entre pares, es decir entre iguales desiguales; entre instituciones con “mayor desarrollo académico y científico”, con otras instituciones de desarrollo diferenciado, pero horizontalmente. Tal vez la experiencia de fronteras pueda ser una alternativa a los rígidos esquemas de nuestra burocracia estatal y académica; una cooperación en los términos de una tensión positiva. Como la producción de conocimientos y saberes en territorios de frontera es patrimonio – entre otros –, del flujo permanente de personas, del proceso social en continuo movimiento, sería bueno 117

para esta cooperación y creación de conocimientos aprender de estos flujos humanos, de estas relaciones sociales, de manera a superarlas en sus limitaciones y en sus constituciones hegemónicas; o por lo menos intentarlo.

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ARTIGO

Institucionalidad pública para la protección y promoción de los Derechos Humanos en el Mercosur Paula Rodriguez Patrinós

La dimensión política y social de los procesos de cooperación e integración regional Durante la última década los gobiernos de América Latina han dado forma a nuevos ámbitos de colaboración y construcción colectiva de agendas y estrategias de acción, que refuerzan y redefinen los procesos de cooperación e integración regional (RODRIGUEZ PATRINÓS ET AL., 2012). En contraste con las etapas de unión aduanera y regionalismo abierto concentradas en la dimensión económica del proceso de integración, el actual regionalismo latinoamericano dinamiza los vínculos sur-sur, otorga un rol central a los Estados y pone a la política en el centro de las relaciones y negociaciones de cooperación regional (SARTI, 2011; RODRIGUEZ PATRINÓS ET AL., 2012). El Mercosur es concebido como un proyecto político estratégico, reorientado hacia un nuevo regionalismo continental. Con este modelo procura hacer frente a las crisis económicas y sociales de la región; las demandas de transformaciones políticas y sociales, junto a las inequidades y asimetrías del proceso de integración. A la vez, busca incrementar su posición e intereses en el escenario global (BRIZZOZERO, 2011). El renovado impulso del proceso de cooperación e integración regional concuerda y es facilitado por la reanudación del crecimiento económico de países de la región con peso en el Mercosur (particularmente Venezuela y Brasil); el rol de Venezuela en la cooperación regional; la atención de la política externa brasileña al espacio sudamericano y por un contexto inédito de afinidad política entre los gobiernos progresistas de la región (BRIZZOZERO, 2011; AYLLÓN PINO, 2012; RODRIGUEZ PATRINÓS ET AL., 2012). En este marco, el proyecto regional pone el acento en una integración positiva que despliega y amplía diversas modalidades de cooperación para mejorar la concertación y coordinación de políticas en el bloque y fortalecer las capacidades institucionales nacionales y regionales en áreas claves para el desarrollo económico y social (CAETANO; VÁZQUEZ; VENTURA, 2009; OJEDA, 2010; SANAHUJA, 2010; AYLLÓN PINO, 2012). La coordinación de esfuerzos nacionales y la profundización de líneas de convergencia en políticas públicas regionales, pone mayor atención a políticas de corte social y desarrollistas (SANAHUJA, 2010). El Mercosur impulsa iniciativas tendientes a la reducción de las asimetrías y a fortalecer políticas sociales sobre una base amplia de actores y sectores. Se trata de políticas de inclusión social que no son atributos compensatorios y subsidiarios del crecimiento económico, sino parte de una estrategia de desarrollo humano (PEAS, 2011). Bajo el entendimiento de que la promoción de los derechos sociales en el continente, requiere la formación de políticas públicas idóneas, el Mercosur va superando las visiones asistencialistas tradicionales. Esta dimensión social del Mercosur se asocia tanto a la persistencia de problemas estructurales como la pobreza, desigualdad y exclusión social que afectan el ejercicio de los derechos básicos de la ciudadanía en los países de la región, como al “déficit democrático” de la integración y la consecuente necesidad de dotar al Mercosur de una mayor legitimidad y participación social (CAETANO; VÁZQUEZ; VENTURA, 2009; OJEDA, 2010; ABRAMOVICH, 2012a). Se trata de una integración más inclusiva que, bajo una estrategia de desarrollo nacional y regional, procura la superación de las graves desigualdades sociales a nivel nacional y la reducción de asimetrías en el plano regional. No exento de las dificultades inherentes a su naturaleza geopolítica e intergubernamental64, el 120

Mercosur avanza hacia un modelo de desarrollo integrado construyendo y/o fortaleciendo una infraestructura institucional regional capaz de gestionar un modelo multidimensional de integración, en tanto sus dimensiones económica, política y social. En este sentido, el Mercosur apunta a la consolidación de una infraestructura física para la integración del continente y al fortalecimiento de una infraestructura pública para garantizar los derechos de la ciudadanía (SARTI, 2011; RODRIGUEZ PATRINÓS ET AL., 2012). En este escenario, se reabre el diálogo sobre reformas institucionales en el Mercosur, que impactan en la creación de nuevos organismos e instancias regionales o la reformulación de instituciones pre-existentes (CAETANO; VÁZQUEZ; VENTURA, 2009). En materia de infraestructura física, los Estados han incorporado mecanismos de cooperación financiera multilateral fruto de la expansión de sus inversiones y de la colaboración de Venezuela. Así, en 2005, crean el Fondo de Convergencia Estructural del Mercosur – Focem – para corregir y reducir las asimetrías en el bloque. Desde el 2007, el Focem financia proyectos tendientes a promover la convergencia estructural, la competitividad y la cohesión social, tomando como prioridad a los países más pequeños del bloque. También apoya el funcionamiento de la estructura institucional y el fortalecimiento del proceso de integración (MERCOSUR/CMC/DEC. Nº01/10). Además de los proyectos clásicos de infraestructura, saneamiento y tecnología, con el apoyo del Focem los países del Mercosur llevan adelante proyectos dirigidos a contribuir al desarrollo social, particularmente en materia de salud, educación, reducción de la pobreza y empleo. Cabe notar que recientemente, el Focem ha apoyado el fortalecimiento de la estructura institucional del Mercosur relativa a derechos humanos65 (RODRIGUEZ PATRINÓS ET AL., 2012). En materia de infraestructura pública, las acciones de cooperación técnico-política con enfoque social y participativo se manifiestan en distintas instancias de debate entre los Estados y en las decisiones y ámbitos institucionales del Mercosur, procurando involucrar a la ciudadanía en el proceso de integración regional (ABRAMOVICH, 2012a). Asimismo, se fortalecen progresivamente los canales de diálogo sectoriales (educación, trabajo, derechos, etc.) entre la sociedad civil y el Mercosur, inspirados en las experiencias llevadas a cabo a nivel nacional, particularmente en Argentina y Brasil. Ello coincide tanto con la llegada al poder de partidos de centro-izquierda, como con la emergencia de los movimientos sociales en el escenario político regional (GOMENSORO; VIEIRA MARTINS; ALBURQUERQUE, 2011). La creación del Parlamento del Mercosur - Parlasur en 2005 con sede Montevideo (MERCOSUR/CMC/DEC. N°23/05), junto a la propuesta de elección de sus representantes vía sufragio universal a partir de 2014, representa un paso adelante hacia la participación, representatividad y legitimidad social del proceso de integración. El Programa Somos Mercosur creado en 2005 da cuenta del intento del bloque de superar su déficit de participación social, involucrando a la sociedad civil en los espacios de debate y procesos decisorios del Mercosur relativos a políticas públicas regionales (GOMENSORO; VIEITA MARTINS; ALBURQUERQUE, 2011). Por su parte, las Cumbres Sociales que anticipan las Cumbres de los Presidentes desde el año 2006, son espacios de debate entre actores sociales, gubernamentales y del Mercosur concebidos bajo el entendimiento de que los movimientos sociales tienen un rol fundamental en el proceso de diseño, implementación y seguimiento de las políticas públicas (GOMENSORO; VIEITA MARTINS; ALBURQUERQUE, 2011). La multiplicidad de iniciativas en el campo social y la jerarquización de la dimensión social de la integración regional, motivaron a los Estados Parte y Asociados del Mercosur a institucionalizar espacios de coordinación y armonización política en la esfera social. En 2007 se crea el Instituto Social del Mercosur - ISM, que comienza a funcionar en el año 2009 en Asunción, como un ámbito técnico-político, de apoyo a la Reunión de Ministros y Autoridades de Desarrollo Social del Mercosur - RMADS en los procesos de elaboración, implementación y coordinación de proyectos, programas y políticas sociales de la región (MERCOSUR/CMC/DEC. N° 03/07). Estrechamente vinculada a las acciones del ISM, se encuentra la Comisión de Coordinación de 121

Ministros de Asuntos Sociales del Mercosur – CCMAS, creada en 2008 y en funcionamiento desde 2010, para articular el trabajo en materia social que en tanto multisectorial trasciende la labor de los ministerios específicos (MERCOSUR/CMC/DEC. N° 39/08). Entre las funciones de la CCMAS se destaca el diseño y la implementación del Plan Estratégico de Acción Social del Mercosur – Peas, cuya aprobación en 2011, constituye una oportunidad para instalar un proceso de planificación conjunta en materia social. El Peas reúne directrices para la armonización de las políticas sociales del bloque a fin de garantizar un horizonte común de acciones de desarrollo social sustentado entre los países de la región (MERCOSUR/CMC/DEC. Nº 12/11). El mapa del Mercosur social y participativo, se completa con la creación, en el 2010, de la Unidad de Apoyo a la Participación Social - UPS en el ámbito del Alto Representante General del Mercosur. Su reciente puesta en funcionamiento, procura ampliar e institucionalizar los canales de diálogo del proceso de integración con la sociedad civil; apoyar la organización de las Cumbres Sociales; financiar la participación social en las reuniones del bloque y mantener un registro de organizaciones y movimientos sociales de los Estados Partes (MERCOSUR/CMC/DEC. N° 65/10). Finalmente, es importante mencionar que en diciembre de 2010, se aprobó un plan de acción para concretar el Estatuto de Ciudadanía entre los países miembros del bloque, cuyos principales objetivos son una política de libre circulación de personas; la igualdad de derechos civiles, sociales, culturales y económicos; además de la igualdad de condiciones para el acceso al trabajo, a la salud y a la educación (MERCOSUR/CMC/DEC. Nº64/10).

El avance de los derechos humanos en el Mercosur La dimensión política y social del Mercosur asigna un papel central a la consolidación de la democracia y a la protección, promoción y garantía de los derechos humanos y las libertades fundamentales de todas las personas que habitan la región. Por ello, los derechos humanos no sólo subyacen los instrumentos y espacios institucionales previamente mencionados, sino que son incorporados con iniciativas concretas en la agenda de integración. En la región, los avances tanto en la protección de derechos civiles y políticos, como de derechos sociales, económicos y culturales son indudables. Sin embargo, los países del Mercosur aún conviven con problemas graves de derechos humanos que guardan relación directa con la maduración política de la región, sus etapas de desarrollo y el contexto social y económico. Así, los déficits institucionales de las democracias representativas, junto con niveles alarmantes de violencia; discriminación racial, étnica y de género; desigualdad y exclusión social; imponen límites estructurales al ejercicio de derechos por parte de vastos sectores de la población (ABRAMOVICH; RODRIGUEZ PATRINÓS, 2011). Además, los países de la región atraviesan procesos políticos complejos dirigidos a enfrentar el legado de las dictaduras y las violaciones masivas y sistemáticas de derechos humanos. Se trata de un pasado común que proyecta compromisos hacia el presente y el futuro, a la vez que contribuye a la formación de una conciencia regional para el respeto y promoción de los derechos fundamentales y la consolidación democrática (ABRAMOVICH, 2012b). Los problemas mencionados están en la agenda de la comunidad política regional, así como el desarrollo de políticas públicas capaces de enfrentarlos. Hoy en día, los derechos humanos no son pensados tan sólo como un límite a la opresión y al autoritarismo, sino también como una guía para el desarrollo de políticas públicas y el fortalecimiento de las instituciones democráticas. Junto a la ampliación de la agenda de derechos humanos, los órganos universales y regionales de protección de derechos fijaron con mayor claridad el contenido de las obligaciones positivas y negativas que los derechos humanos imponen a los estados. Asimismo, la adscripción de los países de la región a los instrumentos internacionales de derechos humanos en las coyunturas post-dictatoriales, no sólo 122

fomentó su utilización en reclamos por violaciones individuales y colectivas de derechos, sino que además abrió la posibilidad de incidir en el proceso de formación de políticas públicas desde una perspectiva de derechos (ABRAMOVICH Y RODRIGUEZ PATRINÓS, 2011). Estas transformaciones han implicado un cambio en la concepción del rol de los Estados, que no solo deben respetar los derechos humanos, sino promover acciones efectivas para garantizar su ejercicio. A su vez, han impactado la concepción de los derechos humanos, en tanto campo especifico de la política pública y en tanto un enfoque a incorporar en los ámbitos que definen políticas gubernamentales (ABRAMOVICH, 2012b). En este marco el Mercosur, al tiempo que apunta a consolidar su dimensión política y social, construye y fortalece una institucionalidad pública que impulsa estrategias nacionales y regionales para avanzar en la agenda de derechos y ciudadanía, promoviendo también la coordinación de políticas regionales en derechos humanos capaces de enfrentar los desafíos de los sistemas democráticos del cono sur. La Reunión de Altas Autoridades de Derechos Humanos y Cancillerías del Mercosur y Estados Asociados – RAADH – y el Instituto de Políticas Públicas en Derechos Humanos IPPDH, son ámbitos institucionales del Mercosur que contribuyen a la conformación de una comunidad política comprometida con el respeto y promoción de los derechos humanos, en tanto eje fundamental de la identidad y desarrollo de la región (MERCOSUR/CMC/DEC. N°26/03, N°40/04 Y N°17/05). La institucionalización del IPPDH como una instancia de coordinación y cooperación recíproca entre los Estados, concreta ese compromiso en políticas públicas integradas (MERCOSUR/CMC/DEC. N°14/09 Y DEC. N °12/10). La RAADH es creada en el marco de la Cumbre Presidencial realizada en Brasil en diciembre de 2004, como ámbito de coordinación intergubernamental sobre políticas públicas de derechos humanos. Es un órgano especializado dependiente del Consejo de Mercado Común, cuyo seguimiento es realizado por el Foro de Consulta y Concertación Política (MERCOSUR/CMC/DEC. N°40/04). Con amplia convocatoria y participación permanente de los Estados Parte y Asociados del Mercosur, la RAADH se ha constituido en un actor relevante en el fortalecimiento de las políticas de derechos humanos y en un foro regional de intercambio de experiencias, diálogo e interacción entre agencias públicas e instituciones gubernamentales (ABRAMOVICH, 2012a). Efectivamente, a raíz del interés público despertado, las organizaciones y movimientos sociales intervienen en las diferentes sesiones de la RAADH en calidad de observadoras – favoreciendo las relaciones Estado-sociedad civil y la participación de la sociedad civil en la formulación de políticas públicas de derechos humanos (IPPDH, 2012a). Entre los logros de los países del Mercosur alcanzados en el seno de RAADH, cabe mencionar en 2005 la firma del Protocolo sobre Compromiso con la Promoción y Protección de los Derechos Humanos del Mercosur, conocido como “cláusula de derechos humanos” (MERCOSUR/CMC/DEC. N°17/05), junto a la Declaración de Asunción sobre Compromiso con la Promoción y Protección de los Derechos Humanos en el Mercosur y Estados Asociados (ABRAMOVICH, 2012a). La prioridad que los Estados asignan a la protección, promoción y garantía de los derechos humanos también se ve plasmada en las diversas iniciativas de cooperación y coordinación política referidas a derechos de niñas, niños y adolescente; personas con discapacidad; adultos mayores; lesbianas, gays, bisexuales y personas transgénero y derechos humanos de las mujeres. También destacan las acciones en materia de discriminación, racismo y xenofobia; memoria, verdad y justicia y educación en derechos humanos. Una mención especial merece el IPPDH Mercosur, creado en julio de 2009 bajo el ámbito de la RAADH (MERCOSUR/CMC/DEC N° 14/09) con sede permanente en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, República Argentina (MERCOSUR/CMC/DEC N° 32/09)66. El IPPDH se constituye como una instancia de cooperación técnica y apoyo a la coordinación de políticas públicas en derechos humanos en la región, a fin de contribuir al fortalecimiento del Estado de Derecho mediante el diseño y seguimiento de políticas públicas en derechos humanos, favoreciendo de este modo la consolidación de dichos derechos como un eje central del proceso de integración. Para llevar adelante estos objetivos, en 123

materia de coordinación de políticas públicas en derechos humanos, el IPPDH coopera y brinda asesoramiento a los órganos del Mercosur, a la vez que promueve el intercambio y fortalecimiento en la gestión de sistemas de información en la región. Asimismo, brinda cooperación técnica a los poderes públicos y a las instituciones de derechos humanos de los Estados Partes y Asociados en el diseño e implementación de políticas públicas en derechos humanos. En el marco de su función de investigación aplicada, produce información técnica, estudios e investigaciones, ofreciendo a la vez un espacio de reflexión y diálogo permanente entre funcionarios/as públicos/as, centros académicos y organizaciones de la sociedad civil. Finalmente, en materia de difusión y capacitación, el IPPDH desarrolla actividades de formación en políticas de derechos humanos dirigidas, principalmente, a funcionarios/as públicos/as (IPPDH, 2010 y 2011a). Los países del Mercosur acordaron cinco ejes temáticos prioritarios para la labor del IPPDH, que orientan su actuación desde el 2010. La agenda regional de derechos humanos se encuentra estrechamente vinculada a mejorar la coordinación regional y el intercambio de experiencias nacionales en materia de políticas de memoria, verdad y justicia ante graves violaciones de derechos humanos. Ejemplo de las acciones llevadas adelante por el IPPDH son: el apoyo y difusión de los procesos judiciales ocurridos en la región; la coordinación de información y archivos públicos relacionados con la Operación Condor67, y la articulación de iniciativas públicas relativas a políticas de preservación de sitios de memoria (IPPDH, 2012b). El segundo tema de agenda, apunta a enfrentar los problemas de violencia estatal aún vigentes en muchos de los países de la región. Se trata de mejorar los mecanismos institucionales y respuestas estratégicas para impulsar políticas de seguridad ciudadanas que fortalezcan el ejercicio de los derechos humanos. En este sentido el IPPDH ha impulsado estudios y debates relativos a mecanismos nacionales de prevención de tortura en cumplimiento del Protocolo Adicional de la Convención contra la Tortura de Naciones Unidas; procesos de producción de información estadística sobre violencia por parte de las agencias policiales y políticas de prevención de la violencia en el espacio carcelario; entre otros temas (IPPDH, 2011b y 2012c). Otro de los ejes temáticos, sobre los que versa la actuación del IPPDH, refiere a políticas de igualdad y no discriminación. Se trata de políticas destinadas tanto a mejorar los niveles de igualdad e inclusión social, como a integrar el enfoque de derechos en políticas y servicios sociales de los Estados. En el marco de las políticas sociales y de igualdad estructural, la situación de los migrantes y sus derechos constituye un tema central, relacionado también con el Estatuto de Ciudadanía del Mercosur (ABRAMOVICH, 2012b). En este sentido, destaca la solicitud de Opinión Consultiva sobre los derechos de los niños, niñas y adolescentes, elaborada por el IPPDH y presentada conjuntamente por los Estados Parte del Mercosur ante la Corte Interamericana de Derechos Humanos (IPPDH, 2011c). Finalmente, como eje de actuación transversal a los temas de políticas mencionados y como factor fundamental para el desarrollo de políticas públicas en derechos humanos, el IPPDH apoya el fortalecimiento de una institucionalidad pública en derechos humanos a nivel nacional y regional. Se trata de iniciativas para la capacitación de funcionarios/as públicos, la generación de sistemas de información técnica de utilidad para la gestión pública, así como la elaboración de diagnósticos, evaluaciones y apoyo a la planificación de políticas en derechos humanos.

Institucionalidad pública en derechos humanos en el Mercosur Las experiencias de las agencias públicas, las organizaciones sociales y las instancias regionales constituyen activos regionales para el desarrollo de una institucionalidad afín y/o permeable a la perspectiva de derechos humanos en el Mercosur, que actualmente se ve cristalizada en la RAADH y el IPPDH. Los países de la región sentaron las bases para dicha institucionalidad, estructurada sobre un sistema de reglas y tratados internacionales de derechos humanos, una participación activa en los 124

principales sistemas internacionales de protección de derechos y la conformación de instancias gubernamentales con competencia para formular e implementar políticas públicas específicas en este campo (IPPDH, 2012d). A este tipo de actores se suma una institucionalidad social compuesta por un movimiento de organizaciones sociales, que además de las estrategias tradicionales de denuncia de violaciones sistemáticas a los derechos humanos, impulsa acciones preventivas y de promoción capaces de evitarlas. Se trata de una sociedad civil que busca fortalecer las instituciones democráticas, a la vez que contribuye a la extensión y el reconocimiento de derechos, participando en la definición y seguimiento de los asuntos públicos (ABRAMOVICH; RODRIGUEZ PATRINÓS, 2011). Esta institucionalidad social también incluye a los actores académicos que nutren el activismo social y a la función pública. Sin embargo, a pesar de los avances tendientes a una institucionalidad en derechos humanos de la región, persisten los problemas estructurales que contribuyen a la existencia de distintas formas de desigualdad. Esta situación requiere que los Estados desarrollen acciones, estrategias y políticas dirigidas a asegurar el acceso a derechos de los sectores sociales excluidos. Se trata de incrementar la eficacia, adecuación y alcance de las políticas para asegurar la vigencia de los derechos humanos. Para ello, es necesario mejorar una infraestructura pública y social capaz de favorecer el desarrollo de políticas de derechos humanos integradas. Dichas políticas no sólo requieren el fortalecimiento de las instituciones gubernamentales de derechos humanos que actúan a nivel nacional, sub-nacional y regional, sino que además implican el involucramiento y participación de la ciudadanía, a partir de mecanismos de que permitan dar legitimidad y sustento a políticas de mediano y largo plazo (IPPDH, 2012d). Bajo estas premisas, el Mercosur da impulso a una iniciativa estratégica para la construcción de una infraestructura para la protección y promoción de los derechos humanos en la región. Esta iniciativa, además de lograr el consenso de los Estados Parte del Mercosur, es llevada adelante con el apoyo del Focem – convirtiéndose en “el primer proyecto de este Fondo destinado a un Instituto del Mercosur y el primero en materia de derechos humanos” (MERCOSUR/CMC/DEC. Nº44/12). Con el denominado proyecto IPPDH-Focem, el Mercosur promueve nuevos mecanismos de coordinación estatal y participación social en los procesos de formación de políticas públicas de derechos humanos nacionales y regionales. Este proceso debe poner bajo consideración las diversas perspectivas y experiencias de los actores políticos y sociales involucrados. En este sentido, los vínculos establecidos dentro y entre los Estados resultan estratégicos para el proceso de formación de políticas públicas integradas. Asimismo, cuando estas articulaciones se combinan con la apertura del proceso político, es posible lograr una mejora del vínculo ente las instituciones de representación ciudadana y las organizaciones sociales interesadas o potencialmente abarcadas en las políticas. La interacción entre los Estados, las organizaciones y movimientos sociales y las instituciones académicas se ha transformado en un elemento decisivo para el avance de los derechos en la región (IPPDH, 2012d). Teniendo en cuenta la relevancia que reviste la articulación entre estos actores, la RAADH y el IPPDH apuntan al desarrollo de una plataforma digital tendiente a facilitar la vinculación intra e interestatalal, y entre las agencias gubernamentales y la sociedad civil –facilitando a su vez, la participación social. Asimismo, con el proyecto IPPDH-Focem apuntan a incrementar las herramientas de capacitación técnico-política de las agencias públicas, instituciones gubernamentales, organizaciones sociales e instancias de coordinación del Mercosur para la planificación y gestión de políticas públicas de derechos humanos. Las demandas sociales cada vez más amplias y complejas requieren – además de la presencia de instituciones idóneas y una actuación articulada por parte de los diversos actores públicos y sociales – mayores capacidades técnicas para diseñar e implementar políticas adecuadas a nivel local y regional. Ello implica dotar de información técnica relevante a los funcionarios públicos; mejorar la capacidad de generar diagnósticos fiables sobre las situaciones sociales que involucren conflictos sobre derechos humanos; fortalecer los procesos creados a nivel gubernamental para formular y planificar políticas específicas y, al mismo tiempo, promover un enfoque de derechos 125

humanos al interior de los propios Estados y a nivel regional. A su vez, implica el fortalecimiento de aquellos actores sociales que puedan contribuir a la sustentación de un proceso institucional y político con sentido inclusivo. Se trata de avanzar de forma conjunta en el desarrollo de los derechos humanos como un campo específico de políticas y como un eje transversal a otras políticas estatales (IPPDH, 2012d). Para ello, el Mercosur impulsa la construcción de un campus virtual destinado a aumentar e integrar los conocimientos técnico-políticos de funcionarios estatales y actores sociales en materia de políticas públicas de derechos humanos. Por último, esta reciente iniciativa el Mercosur se propone aumentar los niveles de información y análisis sobre las instituciones de derechos humanos de la región, como forma de contribuir a la articulación de políticas públicas en la materia. La información y conocimiento son insumos fundamentales para la toma de decisiones y el seguimiento de políticas. Asimismo, son precondición para impulsar el intercambio de experiencias en materia de políticas, programas y proyectos de derechos humanos que permita aportar evidencias sobre qué tipo de intervenciones son las que funcionan y en qué contextos. A su vez, facilitan la coordinación de las diversas iniciativas realizadas a nivel local y regional y permiten encontrar formas alternativas de intervención institucional – explotando las complementariedades que existen entre los diversos actores públicos y sociales de la región. Finalmente, el acceso a la información es base para la transparencia y rendición de cuentas y el conocimiento es requisito para una participación social informada en el proceso de formación y seguimiento de políticas públicas en derechos humanos (IPPDH, 2012d). En este sentido, la construcción de un sistema de información regional de acceso público se vuelve una línea estratégica central. Se trata de generar un sistema con información relativa a instituciones públicas y sociales de derechos humanos. También, y sobre la base de la información generada, procura impulsar análisis y debates relativos a los marcos de creación de institucionalidad pública en derechos humanos y a la relación existente entre dicha institucionalidad y la formulación, implementación y evaluación de políticas públicas en la materia. A estas múltiples direcciones apunta la agenda de acción del IPPDH en materia de fortalecimiento de la institucionalidad pública de los ámbitos del Mercosur relativos a derechos humanos. Esta labor cobra impulso y se enriquece en diálogo y articulación con la comunidad de actores públicos, sociales y académicos involucrados en la consolidación del Mercosur, en tanto proceso de cooperación y coordinación política regional. La fuerza transformadora de la comunidad regional, su capacidad técnica y política crece y expresa su potencial en renovadas agendas de trabajo y estrategias de actuación. Por eso, los invitamos a involucrarse activamente en esta iniciativa y a que este texto sea leído no sólo como una memoria de lo que se ha hecho, sino como un anticipo de lo que está por venir.

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IV. Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prática INTRODUÇÃO

Desafios da Democracia, desigualdades, teoria e prática Flávia Guerra Cavalcanti

DEPOIMENTO

Williams Gonçalves

ARTIGOS

Integração regional e democracia: processos entrecruzados na América do Sul (?) Aragon Érico Dasso Junior Eleições para parlamentos regionais e percepção sobre a integração Karina Pasquariello Mariano

Migraciones e integración regional: el caso argentino Susana Novick

Conjuntura e mobilizações no Brasil: direitos, centavos, fumaça e vinagre Gisálio Cerqueira Filho

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INTRODUÇÃO

Desafios da Democracia, desigualdades, teoria e prática Flávia Guerra Cavalcanti

O tema da democracia tem se tornado um dos pontos mais discutidos e cruciais para o processo de integração do Mercosul. No século XXI, a questão democrática no bloco, já discutida nas academias, começa a ser colocada em prática e experimentada por meio de diversos mecanismos, como, por exemplo, o Parlasul. O Simpósio 3 do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco, intitulado “Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prática”, foi dedicado justamente a discutir a democracia e seus desafios no processo de integração regional. Pôde-se perceber que questões discutidas no campo da ciência política e no âmbito do Estado nacional permanecem como fundamentais, porém não suficientes, para pensar a integração. Em primeiro lugar, devemos nos perguntar o que significa o conceito de democracia. Qual a definição que pretendemos usar? A representativa? A direta? Estamos nos referindo a democracia como sinônimo de eleições livres ou o conceito poderia ser mais abrangente, envolvendo a democratização de diversas dimensões da sociedade: democratização da mídia, democratização da mobilidade, permitindo maior mobilidade de trabalhadores entre os países, democratização do ensino, democratização do acesso à terra. E ainda uma outra questão: a democracia política é garantia da democracia social? No Congresso do FoMerco, Williams Gonçalves lembrou que o conceito de democracia é polissêmico. “A definição de Joseph Schumpeter, segundo a qual democracia é um processo de eleição das elites pelo povo, é apenas uma das possibilidades de democracia e certamente aquela menos adequada ao nosso caso” (GONÇALVES, W., depoimento adiante). Gonçalves afirma que a democracia surge como uma resposta ao liberalismo, porém, com o tempo, o pensamento liberal domestica a democracia, como acontece na concepção de democracia de Schumpeter. “O conceito de democracia se articula e mobiliza a oposição popular ao liberalismo no século XIX. Portanto, a democracia surge no mundo moderno, ocidental como uma resposta ao liberalismo, em oposição ao liberalismo” (Idem). Todavia, com o passar do tempo, “o pensamento liberal e a prática liberal acabaram se apropriando da democracia, acabaram domesticando o conceito de democracia” (Idem). Gonçalves destaca que, para Schumpeter, a democracia “nada mais é senão um processo de circulação das elites, em que o povo participa exclusivamente para, periodicamente, escolher os elementos da elite governante que devem se revezar no poder” (Idem). Em consequência, quanto menos mobilização, maior a estabilidade política. “Temos aí uma engenharia política no sentido de promover a apatia” (Idem). Porém, diz Gonçalves, a definição procedimental, presente em Schumpeter, não seria a melhor referência para pensarmos a democracia, a integração regional, o Mercosul e a Unasul. Gonçalves acredita que a concepção mais adequada para se pensar a democracia no âmbito do Mercosul seria a gramsciana. Nela, “a democracia é um processo de embate de ideias; é um processo que se trava na sociedade civil com vistas a alcançar a hegemonia” (Idem). No entanto, pondera, neste sentido gramsciano, “não temos a hegemonia” (Idem): Embora a integração seja uma ideia vencedora, há várias formas de integração e a que nós queremos não é hegemônica. O FoMerco é uma ação clandestina. Os jornais e a universidade têm uma outra visão sobre a integração. Nós estamos perdendo o combate das ideias. Aqui, nossos instrumentos estão afinados, mas quando saímos daqui, estamos isolados. (Idem)

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A integração almejada pelos participantes do FoMerco, especificamente neste Simpósio que debate os desafios da democracia, seria diferente da dos anos 90, de cunho comercialista, que buscava tão somente promover o comércio intrazona. O ano de 2003 representaria um marco por recuperar o espírito original da integração, que esteve presente nos encontros entre o presidente brasileiro, José Sarney, e o argentino, Raúl Alfonsín, nos anos 80. Esse espírito seria o do desenvolvimento. A proposta de Gonçalves é trabalhar com os jovens, tentando divulgar a visão de integração ligada ao desenvolvimento. “O grande desafio da democracia, entendida no sentido gramsciano, seria propagar ideais sobre a integração” (Idem). Não, obviamente, a comercialista, que domina universidades e jornais, mas aquela ligada ao desenvolvimento. As questões levantadas por Gonçalves foram ao encontro do debate proposto pela coordenadora do Simpósio, Ingrid Sarti. Na abertura do simpósio, Sarti discorreu sobre o porquê da escolha do tema da democracia. Vivemos em um tempo em que o descrédito da política surge tendo como contraponto a supremacia do mercado, que regula o tempo e o cotidiano, a sociabilidade e a institucionalidade de toda a vida contemporânea. Ao fazer isso, se reduzem, quando não se anulam, a prática do diálogo e a mediação como valor intrínseco às instituições democráticas. (SARTI, I.)

Também aqui podemos perceber que a concepção de democracia e política estão bem distantes daquela proposta por Schumpeter. A democracia procedimental de Schumpeter reduz a democracia a um mínimo – a escolha dos representantes – e é completamente compatível com a exaltação do mercado. O conceito de democracia de que nos fala Sarti vai muito além da definição mínima e exige um maior refinamento. É só a partir desse questionamento que podemos avaliar como está a democracia no nosso continente: Precisamos resgatar o valor da política, uma vez que o processo contra-hegemônico é político e é em todos os planos, do Estado à sociedade civil, que a ação política é definida e define as metas, as estratégias não só domésticas, de cada Estado, mas de toda a cooperação que nos aproxima” (Idem).

Por outro lado, resgatar o valor da política para a integração exige também o refinamento do conceito de democracia. “Refinar o conceito de democracia é algo que se impõe como estratégia de fortalecimento da integração” (Idem). Se o descrédito da política – e, concomitantemente, da democracia – é tão grave, “a questão da institucionalidade da política merece muita atenção” (Idem). Em primeiro lugar, o “Parlamento, como instituição, tem que ser refinado se queremos aprofundar a nossa integração em cada país e no Parlasul” (Idem). Sarti destaca que outra conquista do Mercosul foi a cláusula democrática, introduzida em 1998 pelo Tratado de Ushuaia. “A cláusula democrática foi produto do avanço social, da luta social e é um bem que tomamos como fundamental. No entanto, o golpe no Paraguai é uma mancha que nos envergonha. A narrativa sobre o golpe na mídia hegemônica é algo ainda mais grave” (Idem). Mas a democracia no processo de integração também não pode se limitar ao Parlamento ou à cláusula democrática. É necessário levar a integração para as ruas, comprometer as pessoas, ensaiar novas formas de fazer política, renovando o papel dos partidos e transformando a cultura política. “O que vemos hoje é uma juventude desorganizada politicamente” (Idem). Para Suzana Novick, falar em democracia implica repensar nossos conceitos sobre as migrações. O que significam as migrações em um mundo globalizado e na América Latina? “As migrações hoje representam um desafio para as sociedades globalizadas e presenciamos hoje uma repolitização do fenômeno migratório. No contexto da globalização, de expansão capitalista, de polarização entre centros poderosos e periferias subordinadas, o sistema tenta restringir a mobilidade humana” (NOVICK, S., texto adiante). 131

Outra política comum, destaca Novick, é a de atração de migrantes superqualificados. “Recursos humanos formados em universidades estatais da periferia são recrutados fortemente pelos países centrais e esse conhecimento acaba por favorecer o desenvolvimento dos países centrais” (Idem). Para Novick, não temos como falar do processo de integração na América Latina sem levar em conta o tema da migração. Apesar dos diversos problemas ainda existentes, Novick é otimista quando analisa os avanços dos últimos anos. Uma grande quantidade de países aprovou a “Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os trabalhadores migrantes e seus familiares”. Além disso, ocorreu a aprovação do “Protocolo contra o tráfico ilícito de migrantes por terra, mar e ar”. Por fim, tivemos a aprovação da “Convenção de 1951” e do “Protocolo de 67” a respeito dos refugiados por quase todos os países da América Latina. Um ponto de inflexão das políticas migratórias ocorreu em 2002, em Brasília, com a assinatura dos “Acordos de Residência no Mercosul”. Como cada país deve internalizar o que se aprova no nível do Mercosul, o acordo só pôde entrar em plena vigência em 2009, com a aprovação pelo Paraguai. Também tem ocorrido uma predisposição em todos os países da América Latina para aprovar anistias, processos regulatórios para legalização de migrantes. Alguns tiveram grande êxito, como “a Argentina com seu processo denominado ‘Pátria Grande’, por meio do qual quase 600 mil migrantes latino-americanos puderam regularizar sua situação” (NOVICK, S.). Muitos países também reformaram suas constituições nacionais, reconhecendo e ampliando direitos. Haveria, portanto, uma transformação lenta de um paradigma baseado no autoritarismo e na segurança nacional, que via o imigrante como perigoso, como um potencial competidor, para um novo paradigma, que é o dos direitos humanos. As legislações da Argentina, do Uruguai e da Bolívia são exemplos desta transformação. Na Argentina, os militares tiveram uma participação muito forte na política. No século XX houve seis golpes de Estado, começando em 1930 e terminando com o de 1976. Os primeiros golpes se apresentavam como transitórios. Havia crises e os militares eram os salvadores. Isto foi se modificando com o tempo. E os últimos golpes foram refundacionais. Chegaram para instalar-se e para construir uma nova sociedade ante o fracasso dos partidos políticos. Novick desenvolve uma pesquisa que relaciona migrações com experiência política. Nos governos militares, a política migratória se nacionalizou, as fronteiras foram fechadas, o território foi protegido e a população, controlada. Já os governos democráticos, começando pelo primeiro governo peronista, em 1946, não só concederam anistia, permitindo a melhoria da qualidade de vida dos imigrantes, mas também desnacionalizaram suas políticas migratórias. Chegou-se inclusive a reconhecer a importância da mão de obra dos imigrantes para a expansão industrial. Além disso, reconheceram o processo de integração como crucial para a formulação da política migratória. “Isto mostra que a América Latina se transformou em uma zona, comparativamente, de maior proteção para os imigrantes. Migrar depois do Mercosul, com o processo de integração, é mais seguro do que antes” (Idem). No entanto, Novick aponta dificuldades na prática. Segundo ela, a quantidade de governos militares na Argentina penetrou na ideologia dos funcionários que cuidam da política migratório, o que acaba por limitar a generosidade da norma. Poderíamos, portanto, pensar numa tríade formada por migração, democracia e integração. Não poderemos ter uma integração democrática se esta não incluir uma política migratória que contemple a livre circulação dos cidadãos do Mercosul pelos países membros. Mas o inverso também é verdadeiro. “Hoje a integração é reconhecida como elemento chave para a política migratória” (Idem). Porém, Novick chama a atenção para os obstáculos a uma política migratória mais democrática apresentando duas questões: “Os migrantes na Argentina são discriminados porque são migrantes ou porque são pobres?” e “O quanto de políticas públicas democráticas tolera o sistema capitalista?” 132

Como visto anteriormente nas considerações de Gonçalves e Sarti sobre a democracia, esta não está necessariamente ligada ao sistema capitalista, como querem os liberais. Na concepção de democracia procedimental, presente em Schumpeter, garante eleições livres e opção de escolha e, neste sentido, pode ser completamente compatível com a exaltação do mercado e do sistema capitalista. No entanto, quando partimos de uma outra concepção de democracia, a coincidência entre democracia e mercado se desvanece. Na avaliação de Novick, o sistema capitalista coloca constrangimentos a políticas públicas democráticas. Para Aragón Érico Dasso Júnior, a pergunta de Novick sobre a compatibilidade entre políticas públicas democráticas e sistema capitalista é pertinente e a resposta é óbvia. “Se entendermos democracia no sentido gramsciano, como contra-hegemônica, onde a deliberação seja um elemento central, então é impossível a democracia em uma ordem capitalista” (DASSO JÚNIOR, A., texto adiante). Ao contrário, “se pensarmos em uma democracia hegemônica, onde o liberalismo passa a ser o substantivo e a democracia o adjetivo, a resposta muda” (Idem). Políticas públicas democráticas e capitalismo seriam conciliáveis, como vimos no último século. Dasso questiona a relação entre democracia e integração. De que forma as duas aparecem interligadas na história da integração? Nos anos 1990, temos pelo menos dois marcos democráticos: a Cúpula de Las Leñas, em 1992, e Ushuaia, em 1998. Em 2011, o Protocolo de Ushuaia II complementa o primeiro. Na América do Sul, “temos algumas experiências de democracia contra-hegemônica e direta nos últimos anos na Venezuela, na Bolívia e no Equador” (Idem). No entanto, Argentina e Brasil destoam dessa tendência e representariam um obstáculo à democracia contra-hegemônica. O Uruguai, embora realize plebiscitos e referendos, não chega a ser reformista como Venezuela, Bolívia e Equador. Por fim, temos o grupo de democracia de corte neoliberal, formado por Chile, Colômbia e Peru. Dasso se propõe a analisar como esses modelos nacionais poderiam influenciar o processo de construção da democracia no Mercosul. “Os três organismos decisórios do Mercosul são intergovernamentais, sendo que o nosso Parlamento ainda é consultivo. E não parece haver possibilidade de mudança nesse cenário com Brasil, Argentina e Uruguai” (Idem). Dasso acredita que a democracia contra-hegemônica só poderia vingar no processo de integração se houvesse maior influência da Venezuela, do Equador e da Bolívia. Por isso, ele não aposta no Mercosul, já que o bloco é liderado pelo Brasil. O mesmo pode ser dito em relação à Unasul, engessada, na opinião de Dasso, pelo Brasil. A saída estaria na Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos - Celac, instituição na qual a Venezuela conseguiu inovar ao colocar Cuba como presidente. Percebemos que, na visão de Dasso, a chance de sucesso da democracia contra-hegemônica, entendida como democracia direta, no processo de integração depende da influência dos países que adotam com mais frequência mecanismos da democracia direta. Portanto, Dasso nos apresenta uma análise em que o doméstico atua como variável independente do regional. O tipo de democracia do país mais influente no processo de integração tenderia a prevalecer. Por isso, suas reservas em relação ao papel desempenhado pelo Brasil no processo de integração. Gustavo Codas começou sua intervenção lembrando uma frase ouvida há mais de 20 anos: “no Brasil, os conservadores, os liberais, são fascistas de férias”. “A impressão que tenho é que essa frase volta hoje, porém, claro, com as características próprias de nossa época” (CODAS, G.). Para Codas, não há dúvida de que o ciclo político que estamos vivendo, desde 1998, quando Hugo Chávez ganha sua primeira eleição, está muito vinculado às eleições. Porém, o problema é que essas eleições se dão em um contexto de regimes marcados pela desigualdade e pela pobreza, o que trará limitações. Neste tipo de democracia, “haveria uma alternância dentro do projeto conservador, mas não uma alternância de projeto” (Idem). O caso do Paraguai é exemplar. O regime político permite a eleição de 133

um colorado ou de um liberal, mas sempre de acordo com um projeto conservador. “Não se admite que alguém de fora desse jogo entre duas forças conservadoras entre com um terceiro projeto, mesmo que não seja um projeto revolucionário. O projeto de Lula, por exemplo, tentou ser conciliador das contradições. Recebia tanto latifundiários quanto camponeses com a mesma seriedade” (Idem). Em outras palavras, nossa capacidade de escolha se dá dentro de um leque muito limitado de opções, em que os candidatos reproduzem projetos similares. Codas enfatiza o fato de que os regimes democráticos e progressistas encontram limites nas instituições, um tema recorrente no Simpósio 3. Em sintonia com a exposição de Novick e Dasso, Codas ainda aponta um segundo fator que prejudica a qualidade de nossa democracia: o fato de que governos progressistas em regimes capitalistas têm democracia bastante limitada. “Eles ganham eleições, mas não controlam a base econômica nem as instituições do próprio Estado. Não controlam o contexto do mercado mundial. Por isso, só podemos falar de democracia em circunstâncias muito específicas” (Idem). Karina Pasquariello Mariano concorda com este diagnóstico de uma limitação da democracia, porém sua análise se concentra nos Parlamentos regionais e em sua capacidade de melhorar a democracia ou, nas palavras de Sarti, refinar a democracia. Quando pensamos em democracia no processo de integração regional, somos remetidos aos parlamentos regionais porque estes, assim como os nacionais, conteriam a ideia de representação, legislação, controle sobre as decisões do executivo e legitimação dessas decisões. Portanto, o Parlamento é visto como uma instância característica desses sistemas democráticos. Todavia, os parlamentos regionais são bem diferentes dos parlamentos nacionais porque têm funções bem mais restritas. Na grande maioria das experiências de integração regional, “esses parlamentos são instâncias meramente consultivas e tem um caráter de legitimadores dos processos de integração” (MARIANO, K. P. texto adiante). A autora chama a atenção para a falácia de se acreditar que qualquer problema de déficit democrático estaria bem encaminhado por conta da existência de um Parlamento regional. Segundo Mariano, “na prática, as decisões são tomadas pelo executivo e o Parlamento não participa desse processo decisório, a não ser no caso europeu” (Idem). Os parlamentos regionais são tratados pelos governos como meras instâncias legitimadoras da integração ou “facilitadoras” da incorporação de normas que são decididas pelo executivo. Para Mariano, este lugar ocupado pelos parlamentos regionais não é suficiente para democratizar o processo de integração. Não basta ter um Parlamento regional; é preciso que este tenha autonomia e capacidade decisória. Embora a pesquisadora não acredite na utilização do modelo do Parlamento europeu como referência para o Mercosul, não pode deixar de analisar a maneira como os parlamentares recorrem a este modelo para justificar a implementação do Parlasul. O argumento mais comum é o de que um Parlamento com eleições diretas se torna mais forte no processo de integração, além, claro, de resolver o déficit democrático ao ampliar a participação dos cidadãos. O Parlamento também traria maior visibilidade para o processo de integração, tal como ocorreu no caso europeu. Porém, não verificamos este resultado no Paraguai, onde já ocorreram duas eleições diretas para o Parlasul. Outro exemplo é o Parlamento Andino. Na última eleição, a Colômbia, sede do Parlamento, teve maioria de votos brancos e nulos para o Parlamento Andino. A visibilidade da integração não aumentou com a eleição direta. (Idem)

Para Mariano, não foram as eleições diretas para o Parlamento que modificaram a percepção dos europeus sobre a integração. “O ponto crucial é que, depois do Ato Único Europeu, o Parlamento ganhou mais poder dentro do arcabouço institucional da União Europeia” (Idem). Logo, não basta ter eleições diretas; é preciso que o Parlamento, eleito diretamente, tenha poder decisório. Esta é a questão. Portanto, o aprofundamento da integração depende do enfrentamento de uma questão: mais 134

autonomia para as instituições. Isto significaria, segundo Mariano, discutir também o problema do estrito intergovernamentalismo, no qual o processo decisório continua restrito e concentrado no executivo: Não é possível falar em democracia sem discutir o intergovernamentalismo. Nem a Unasul, nem a Celac têm proposta para mudar essa lógica intergovernamentalista. Se não fizermos isto, corrermos o risco de reproduzir a experiência da Comunidade Andina, onde o Parlamento tem eleições diretas, mas pouco poder decisório. (Idem)

Correríamos o risco, relembrando a apresentação de Sarti no início do Simpósio, de estimular o “descrédito da política”. Embora tenhamos avançado desde 2003, como apontado por vários analistas, ainda não conseguimos construir um modelo democrático que satisfaça as aspirações da região. Este parece ter sido o ponto compartilhado pelos integrantes do Simpósio 3 nas suas reflexões sobre democracia e integração regional. A mera existência de eleições, segundo o modelo schumpeteriano, não é suficiente para dar conta dos problemas regionais. O aperfeiçoamento do Parlasul não passa apenas por eleições diretas, mas depende de maior autonomia da instituição. Da mesma forma, eleições diretas para a escolha de representantes, como aponta Codas, não acarretam necessariamente uma mudança de projeto, pois muitas vezes todas as opções sobre a mesa são conservadoras. “A circulação das elites”, como lembrou Gonçalves ao se referir a Schumpeter, seria apenas uma circulação entre projetos situados dentro de um mesmo arcabouço conservador. Em contraposição à abordagem schumpeteriana, Gonçalves, Sarti e Dasso se referiram a uma concepção contra-hegemônica, presente no pensamento de Antonio Gramsci. Na visão contrahegemônica, a democracia representa deliberação, debate e participação em espaços para além do eleitoral. A recuperação do diálogo e a possibilidade de levar a integração para as ruas seriam, portanto, fundamentais para aprofundar a democracia. Na opinião dos participantes, só a interpretação contra-hegemônica de democracia poderia nos dar a esperança de fazer face às forças do mercado mundial e às restrições que estas impõem a políticas públicas democráticas.

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DEPOIMENTO

Williams Gonçalves

Ao que parece, a integração do Mercosul está garantida pela Constituição brasileira... Sim, a Constituição de 1988 no seu artigo quarto estabelece que é um dos deveres do governo brasileiro perseguir a integração com os demais países da América Latina, portanto esse é um preceito constitucional que todo bom governo deve seguir. Como você vê esse encontro do FoMerco, essa questão da democracia, qual a avaliação que você faz? Eu considero o FoMerco muito importante, é um congresso que tem sido anual até hoje, muito importante porque ele reúne acadêmicos brasileiros interessados no processo de integração. O nosso país é muito grande, a integração regional não é um tema a respeito do qual os nossos políticos costumam se pronunciar, a imprensa brasileira quando se pronuncia sobre o Mercosul dedica-se exclusivamente aos temas comerciais, aos litígios comerciais. Sendo assim, à imensa maioria do povo brasileiro escapa os aspectos bastante diversificados, sociais, do Mercosul. O mundo acadêmico, os professores, os pesquisadores, são aqueles que reúnem as condições de adquirir conhecimento sobre todas as dimensões do Mercosul, sobre a dinâmica do Mercosul, e nos seus textos, nas suas aulas, difundirem esse conhecimento. Portanto, o mundo acadêmico tem uma responsabilidade muito grande em relação ao Mercosul, e o FoMerco procura corresponder a essa responsabilidade, por isso é muito importante que ele exista, ele deve continuar existindo. Você estava dizendo o seguinte: que vocês parecem quase um movimento secreto, clandestino, como é isso? A ideia é a seguinte: o Mercosul, quando aparece nas folhas de jornal e nos telejornais, aparece sempre de maneira escandalosa. São os fabricantes de geladeiras, automóveis, máquinas de lavar, reclamando que os países vizinhos, os argentinos, por uma razão qualquer, estão bloqueando nossas exportações. Aí há uma mobilização geral, todos consideram que o Mercosul está arruinado, que não vale mais a pena porque os argentinos não compram mais as nossas geladeiras. Quando o governo, seja através do Ministério das Relações Exteriores, seja de outros Ministérios, outras repartições públicas quaisquer, intervém no processo e resolve o problema, ou equaciona o problema, o problema deixa de existir. Portanto, o Mercosul, que o cidadão brasileiro, o chamado cidadão comum, que tem outras atividades e que não faz parte das suas preocupações cotidianas saber o que acontece no Mercosul, então esse cidadão comum tem esse tipo de conhecimento. Então os problemas relativos à imigração, os problemas relativos ao fomento e ao desenvolvimento, os problemas relativos à educação, os convênios universitários, enfim, uma quantidade enorme de questões do Mercosul, que estruturam e dão densidade ao Mercosul, esses temas são simplesmente desconhecidos do grande público. Só os estudiosos, os acadêmicos, é que têm conhecimento, se interessam e pesquisa. Por isso eu chamei de Mercosul secreto, o Mercosul que só os acadêmicos conhecem; e essa expressão, que causou um certo divertimento da parte dos meus colegas, ficou ainda mais reforçada pelas condições da Universidade de Tocantins. Então, me pareceu que aqui os acadêmicos formam quase que uma seita, uma coisa clandestina que estão se reunindo aqui para secretamente discutir o Mercosul. Mas isso é uma brincadeira. Essa ideia, falando de democracia, em boa parte a mídia conservadora tem a responsabilidade, não é isso? 136

Sim. A questão é a seguinte: aquela mídia que no início do século XX, o jornalismo clássico do início do século XX, era considerado o quarto poder. Por quê? Porque a mídia expunha, ela trazia à luz do sol questões que eram secretas, que os políticos não divulgavam, e que o povo, de uma maneira geral, ignorava. A mídia era considerada o quarto poder porque ela tinha o poder de expor, o poder de informar e, portanto, de dar transparência ao processo das decisões relativas à coisa pública. Decorrido um século, as coisas mudaram porque a mídia hoje é um quarto poder porque ela tem os seus próprios interesses, ela se organiza em grandes corporações que têm seus próprios interesses econômicos e políticos, e não têm nenhum pudor em usar os seus meios, os seus veículos de comunicação para defender esses mecanismos. Assim, em se tratando, por exemplo, da integração regional, a mídia tem a sua própria visão sobre isso. O caso concreto, o exemplo brasileiro, é que a mídia não suporta a participação da Venezuela, e a mídia com toda certeza – isso pode ser escrito e depois cobrado de mim – fará uma série de observações negativas, vai criar obstáculos às entradas da Bolívia e do Equador, que estão previstas. Por quê? Porque esses governos são malvistos, como é malvisto o governo da Venezuela. A mídia, portanto, não se limita a informar, ela toma posição e procura influenciar. Os intelectuais, os acadêmicos, então, estão perdendo essa batalha? Eu queria que você falasse daquela questão do congraçamento dos povos. Quando se fala em Mercosul, em sociedades e povos do Mercosul, há uma visão que eu considero ingênua desse processo, é de que com o avanço do bloco haverá um congraçamento dos povos, os brasileiros verão os argentinos como amigos. Não é isso; isso é uma visão onírica, ingênua, porque, por mais que o processo de integração avance, haverá gente em todos esses países que vai viver uma vida inteira e morrerá sem saber o que é o Mercosul, ou sem pôr os pés em outro país do Mercosul. Mas não é isso que interessa; o que interessa é que a integração potencialize o processo de desenvolvimento. É isso que interessa. As pessoas podem se beneficiar do Mercosul, na medida em que o Mercosul (e que o processo de integração) gere mais emprego, gere melhores condições de vida, mesmo sem saber o que é o Mercosul. Favorecendo os mais pobres, melhorando as condições de vida das pessoas. Então, o Mercosul tem essa possibilidade e essa capacidade, sem que as pessoas saibam exatamente o que é ou precisem ficar abraçando argentinos e uruguaios por aí. É difícil no futebol... Isso vai se manter porque nós nos dividimos entre vascaínos e flamenguistas, entre paulistas e cariocas. Isso é saudável, é engraçado, vai se manter.

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ARTIGO

Integração regional e democracia: processos entrecruzados na América do Sul (?) Aragon Érico Dasso Júnior

Introdução A América Latina e, em especial, a América do Sul, nestas três últimas décadas foi cenário de profundas mudanças nos cenários político, econômico e social. Nesse contexto, duas datas são fundamentais: a primeira remete ao dia em que Raúl Alfonsín assumiu a presidência da Argentina, 10 de dezembro de 1983, pondo término à ditadura militar naquele país e marcando o que seria uma tendência nos próximos anos, ou seja, o término das ditaduras militares na região; a segunda marca o dia em que foi firmado o Tratado de Assunção, 26 de março de 1991, dando origem ao Mercado Comum do Sul - Mercosul. Essas duas datas marcaram, respectivamente, para a América Latina, a revalorização de dois importantes conceitos: democracia e integração. A democracia surgiu quase como uma unanimidade, em especial no Cone Sul da América Latina. Já a integração permanece sendo um processo restrito às cúpulas governamentais e, portanto, ainda bastante desconhecido das populações dos países envolvidos. Esses dois conceitos representam processos que possuem a característica comum de ainda estarem em construção. Nesse sentido, uma pergunta orientadora organiza este texto: a democracia é condição para a integração regional?

Integração Regional: da perspectiva pluridisciplinar a uma tentativa de construção interdisciplinar ou transdisciplinar O significado da expressão integração regional varia de acordo com a área de conhecimento que a toma como objeto de suas investigações. Entretanto, o fato de áreas diversas trabalharem com o tema da integração regional não denota que compartilhem de mesmas concepções. Áreas como Direito (especialmente o Direito Internacional Público), Relações Internacionais, Ciências Sociais (especialmente a Ciência Política), Economia, entre outras, dedicam atenção à temática da integração regional, mas o fazem sempre a partir dos seus próprios métodos. Ou seja, dificilmente conseguem ou desejam buscar interfaces. Quando isso acontece, denominamos esse estudo de multidisciplinar ou pluridisciplinar. É, provavelmente, a possibilidade que menos compartilha conhecimento. Ela é definida como um processo de conhecimento em que um objeto pode ser estudado por disciplinas diferentes ao mesmo tempo. Entretanto, conforme aponta Cardona (2010), não ocorrerá uma sobreposição de saberes no estudo do elemento analisado. Há uma espécie de justaposição das disciplinas, cada uma atuando dentro do seu saber para o estudo do objeto em questão. Diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo. A pesquisa multidisciplinar ou pluridisciplinar em integração regional traz um algo a mais à disciplina, porém este “algo a mais” está a serviço apenas desta mesma disciplina. Em outras palavras, a abordagem ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar. É um estudo horizontal entre as disciplinas, mas não garante a interlocução entre 138

diferentes áreas do conhecimento, fazendo com que cada uma delas mantenha sua própria linguagem e seus próprios conceitos. Porém, o processo de aprendizagem é múltiplo e não possui uma fórmula única. Aliás, uma das possibilidades que mais contribui para o êxito do conhecimento é a efetivação de pontes e/ou entrecruzamentos entre diferentes disciplinas. No caso específico da integração regional, pela própria natureza aplicada do seu conteúdo, com mais razão ainda é preciso dar atenção à factibilidade de incorporar outras disciplinas no processo de conhecimento. Nesse sentido, surgem outras possibilidades para a realização do conhecimento (NICOLESCU, 1999 e 2001; CARDONA, 2010), tais como: a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. A interdisciplinaridade tem uma ambição diferente daquela da multidisciplinaridade (pluridisciplinaridade). Ela diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Nesta possibilidade ocorrem interações recíprocas entre as disciplinas. Elas geram troca de dados, resultados e metodologias. Esta perspectiva vai além da justaposição das disciplinas, é na verdade um processo participativo e de diálogo, não apenas entre as disciplinas, mas também entre os atores envolvidos no processo educacional. Segundo Cardona (2010), diferentemente das outras propostas de entrecruzamento, na transdisciplinaridade as fronteiras das disciplinas são praticamente inexistentes. Há uma sobreposição de disciplinas de tal natureza que é impossível identificar onde uma disciplina começa e onde ela termina. Segundo Nicolescu (1999: 2), a transdisciplinaridade diz respeito ao conhecimento que está ao mesmo tempo “entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina”. Seu objetivo é a compreensão da realidade, a partir do conhecimento que está “entre e através das disciplinas e além delas”. Para os defensores do pensamento disciplinar, isso é um absurdo, por haveria uma ausência de objeto. Ela é uma proposta aberta e um desafio para a construção do conhecimento em integração regional.

Democracia: em busca de um modelo contra-hegemônico Apesar da sua origem grega, o conceito de democracia que predomina desde o século XIX, é o que se convencionou chamar de “democracia liberal” ou de “democracia representativa”, denominadas doravante também de “democracia burguesa”. Ellen Meiksins Wood (2003: 194) reflete a respeito dessa transformação, influenciada pelo liberalismo: [...] até o último quarto do século XVIII, pelo menos até a redefinição americana, o significado predominante de “democracia”, tanto no vocabulário de seus defensores quanto nos detratores, era essencialmente o significado adotado pelos gregos que inventaram a palavra: governo pelo demos, o “povo”, com o significado duplo de status cívico e categoria social. Isso explica a difamação generalizada pelas classes dominantes. Desde então ela se submeteu a uma transformação que tornou possível aos seus inimigos de ontem abraçá-la, oferecer a ela as mais altas expressões de louvor em seu vocabulário político. A redefinição americana foi decisiva; mas não foi o fim do processo, e seria necessário mais de um século para completá-lo. Na “democracia representativa”, o governo pelo povo continuou a ser o principal critério de democracia, ainda que o governo fosse filtrado pela representação controlada pela oligarquia, e povo foi esvaziado de conteúdo social. No século seguinte, o conceito de democracia iria se distanciar ainda mais de seu significado antigo e literal.

Os liberais sempre entenderam a democracia como relacionada à organização formal do Estado e não como um ideal. A democracia, tal como a conhecemos hoje, é, portanto, tributária do pensamento liberal. Essa naturalização da democracia liberal significou a retirada de qualquer conteúdo social da mesma. Com isso, o exercício da cidadania ficou reduzido à formalidade do voto. Ao longo dos anos, quanto mais se generalizou a democracia liberal no “Ocidente”, mais se esvaziou seu conteúdo. A mesma Ellen Meiksins Wood (2003: 201) aponta um paradoxo como resultado dessa concepção de democracia associada ao pensamento liberal. 139

O liberalismo é uma ideia moderna baseada em formas pré-modernas e pré-capitalistas de poder. Ao mesmo tempo, se os princípios básicos do liberalismo são anteriores ao capitalismo, o que torna possível a identificação de democracia com liberalismo é o próprio capitalismo. A ideia de democracia liberal só se tornou pensável com o surgimento das relações sociais capitalistas de propriedade. O capitalismo tornou possível a redefinição de democracia e sua redução ao liberalismo. De um lado, passou a existir uma esfera política separada na qual a condição extraeconômica – política, jurídica ou militar – não tinha implicações diretas para o poder econômico, o poder de apropriação, de exploração e distribuição. Do outro lado, passou a existir uma esfera econômica com suas próprias relações de poder que não dependiam de privilégio político nem jurídico.

Ou seja, a democracia entendida como um mero processo de escolha de governos não põe em xeque os valores do capitalismo e, portanto, não representa uma ameaça à estrutura de classes. Porém, para os defensores da “democracia burguesa”, tais questões parecem não ser centrais. Tudo parece estar reduzido à existência do voto. Existindo eleições periódicas, existe democracia. Os defensores da “democracia burguesa” dedicaram-se então a estabelecer os requisitos necessários para denominar um regime de democrático. Ninguém ficou mais conhecido por realizar tal tarefa do que Robert Dahl, ao lançar sua obra A poliarquia, em 1971, estabelecendo oito condições para a definição de um sistema democrático: 1) liberdade de criar e associar-se a organizações; 2) liberdade de expressão; 3) direito de voto; 4) elegibilidade para cargos públicos; 5) direito de líderes políticos de competirem por apoio; 6) existência de fontes alternativas de informação; 7) eleições livres e limpas; 8) instituições que tornem as políticas governamentais dependentes de votos e outras manifestações de preferências (1997: 15). Gabriel Vitullo (2005: 68) aponta essa limitação da democracia entendida como mero procedimento: [...] considerar a democracia como um simples método implica por si só abjurar da dimensão social e de todo conteúdo mais substantivo, precisamente daqueles elementos que deveriam constituir os marcos de uma definição contra-hegemônica que nos levasse a entender a democracia (...) como sinônimo de emancipação humana, como aspiração de liberdade, como anelo de autogoverno e de auto-organização popular.

Entretanto, apesar das críticas realizadas por alguns poucos teóricos, tais como Ellen Meiksins Wood e Gabriel Vitullo, sob uma perspectiva contra-hegemônica, o pensamento dominante no campo da teoria democrática, concepção hegemônica, demonstra grande apreço pela representação e desconfia de qualquer tentativa de atribuir conteúdo à democracia. Norberto Bobbio, talvez o teórico contemporâneo que mais defendeu a democracia como forma, explicitou a verdadeira aversão à participação efetivamente cidadã, característica essencial de uma democracia efetiva. Bobbio definiu democracia como “um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos (legitimidade e legalidade)” (1992: 18), ao mesmo tempo em que afirmou que “nada ameaça mais matar a democracia que o excesso de democracia” (Idem:26). Marcos Roitman Rosenmann (2003: 55) ao criticar os que defendem a democracia apenas como método afirmou que: [...] fazer compatível a democracia com a pobreza e a desigualdade requer ter, por parte dos teóricos institucionais, um elevado nível de cinismo e covardia intelectual. Seus argumentos tendentes a demonstrar que a democracia é uma teoria geral cujo princípio deve abstrair-se de qualquer realidade contingente faz possível que seu enunciado se transforme num conjunto de procedimentos, normas e regras. É um jogo com uma finalidade específica: selecionar e reproduzir a elite política.

Entende-se, assim, que a democracia não pode ser reduzida a um método de escolha, necessitando possuir conteúdo econômico e social. Tem-se, portanto, uma visão evidentemente crítica da democracia exclusivamente representativa. Com essa afirmação, assume-se evidentemente o risco de todo o pensamento que pretende ser crítico, ou seja: ser abominado por não se dobrar aos consensos de época.

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Mercosul, Alba, Unasul e Celac: convergentes ou divergentes? Para efeito de análise, quatro iniciativas de integração merecem destaque e serão objeto de um exame mais detalhado: Mercado Comum do Sul - Mercosul, Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América - Alba, União de Nações Sul-Americanas - Unasul e Comunidade dos Estados LatinoAmericanos e Caribenhos - Celac. Mercosul

O Mercado Comum do Sul - Mercosul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, foi instituído por meio do Tratado de Assunção em 1991. Desde então, pouco se avançou quanto à extensão e quanto à profundidade desse processo de integração sub-regional. No que se refere à extensão, até este momento, o Mercosul apenas incorporou a Venezuela (2012), com relação à sua composição original. 68 Já no que pertine à profundidade, tampouco esse processo de integração sub-regional parece dar mostras de ter avançado significativamente, pois ainda aspira concluir a fase União Aduaneira, prevista inicialmente para ser finalizada em 1994. Apesar de funcionar há mais de duas décadas, no tocante à estrutura institucional, o Mercosul segue possuindo apenas três órgãos decisórios: o Conselho do Mercado Comum - CMC, o Grupo Mercado Comum - GMC e a Comissão de Comércio do Mercosul - CCM. O traço comum a esses três órgãos é o caráter exclusivamente governamental. Portanto, depreende-se que o restante da estrutura institucional do bloco não possui caráter decisório. Dela fazem parte órgãos tais como: o Foro Consultivo Econômico - Social - FCES e o Parlamento do Mercosul. O FCES foi criado em 1994 e é um órgão meramente consultivo. Representa setores da economia e da sociedade civil dos países que compõem o Mercosul. Já o Parlamento do Mercosul, órgão que sucedeu a Comissão Parlamentar Conjunta, foi criado em 2005. Em tese, os seus parlamentares deveriam ser eleitos por sufrágio universal, em eleições gerais a serem promovidas por cada um dos países que integram o bloco. Neste momento, excetuando o Paraguai (que já elegeu representantes por meio de eleições diretas), os demais países têm assento no Parlamento com representações compostas por deputados e senadores que foram eleitos para cumprirem funções nos parlamentos nacionais e não com destinação específica para o Mercosul. Quando promoverem eleições diretas, haverá uma nova composição parlamentar. Atualmente, entretanto, o Parlamento é integrado por 90 deputados (18 de cada país-membro). Porém, não há porque gerar demasiada expectativa nesse novo processo eleitoral e nova representação, pois o Parlamento seguirá sem capacidade decisória própria. Alba

A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América - Alba69 é um projeto liderado pela Venezuela e representa uma visão particular de integração regional. Sob a condução do presidente Hugo Chávez, em 2001, diante das pressões norte-americanas pela conclusão de um acordo que criaria uma área de livre comércio hemisférica - a Alca, a Venezuela sugeriu a necessidade de um modelo alternativo de integração, centrado não apenas em questões comerciais, mas também em temas como exclusão social, pobreza e acesso à tecnologia. Em 2003, o governo venezuelano estabeleceu os princípios fundamentais que deveriam nortear a criação da Alba, entre eles a oposição às reformas ultraliberais e à limitação do papel regulador do Estado. Foi constituída na cidade de Havana, em 14 de dezembro de 2004, como um acordo entre Venezuela e Cuba. É emblemático recordar que o processo incia com uma cooperação entre esses dois países, envolvendo colaboração cubana ao enviar médicos para a Venezuela, que como 141

contrapartida fornece petróleo a Cuba. Posteriormente, adere Bolívia (2006) e na sequência Nicarágua, Dominica, Equador, Antigua e Barbuda, São Vicente e Granadinas e Santa Lúcia. Abriga também a criação de instituições multilaterais que apontam uma trajetória de integração regional que substitui a “vantagem competitiva” pela “vantagem cooperativa”. Apesar de ser um processo de integração regional, possui uma natureza específica: 1) maior protagonismo dos conteúdos sociais e políticos relativamente à dimensão comercial; 2) baixos níveis de institucionalidade, em decorrência da centralidade do Executivo venezuelano na formulação de iniciativas, fornecimento de recursos e tomada de decisões; 3) forte dependência da receita petrolífera venezuelana. Há seis princípios fundamentais na formulação da Alba: complementaridade, cooperação, solidariedade, respeito à soberania dos países, justiça e equidade. Ou seja, o objetivo é promover a integração por meio da cooperação, e não da competição. Por outro lado, o objetivo não é apenas viabilizar o desenvolvimento econômico, mas igualmente o desenvolvimento social, político e cultural. Unasul

Em 2005 com o acordo entre Mercosul e Pacto Andino é deflagrada a proposta de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações. Tal projeto vai se concretizar três anos depois, com a firma do Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas - Unasul, aprovado durante Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Brasília, em 23 de maio de 2008. A Unasul é formada pelos doze países da América do Sul: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. A Unasul tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos. Prioriza o diálogo político e questões relacionadas à energia e à infraestrutura na região. Vários fatos contribuíram para o surgimento e o crescimento da Unasul70, mas seguramente foi o interesse estratégico do Brasil por afiançar-se como principal liderança da região o elemento decisivo nesse processo. O desejo brasileiro de ser reconhecido mundialmente como a principal potência na região, ou seja, o líder e principal interlocutor do continente sul-americano foi decisivo. Sendo a potência hegemônica da América do Sul, Brasil naturalmente passaria a ter acesso às principais discussões da agenda internacional. É mais factível ser a liderança sul-americana do que ser a liderança latino-americana, em um contexto de disputa em que há a presença mexicana. Mesmo que o México já não tenha a mesma força econômica de duas décadas atrás, o país ainda é a segunda maior economia latino-americana e, principalmente, conta com o apoio e a simpatia estadunidense, o que significa também, como consequência, o voto majoritário da América Central e do Caribe. Portanto, ao liderar a criação da Unasul e, com isso, promover a “separação” da América do Sul do restante da América Latina, Brasil busca consolidar-se como uma liderança em âmbito regional. Tal condição ainda permanece vigente. A Unasul pretende ser uma organização internacional que permita parcerias como forma de desenvolver o conjunto da região e fortalecê-la no cenário internacional. O critério básico seria a cooperação, e não a competição. Celac

A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos - Celac 71 teve origem na “Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe”, realizada na Riviera Maya (México), em fevereiro de 2010, quando da II Cúpula da América Latina e o Caribe sobre Integração e Desenvolvimento - Calc e da 142

XXI Cúpula do Grupo do Rio. 72 Posteriormente, em dezembro de 2011, foi realizada, em Caracas (Venezuela), a III Calc 73, quando foi concluído o processo de constituição da Celac. A Celac é, portanto, um novo foro regional que tem como objetivos: promover o desenvolvimento econômico e social da região; aprofundar a concertação política, aumentando a presença internacional e a capacidade de negociação da região; e aprofundar a cooperação regional em prol da integração e do desenvolvimento. Para isso, incorporou os patrimônios do Grupo do Rio (concertação política) e da Calc (integração e desenvolvimento). É, portanto, um novo mecanismo de concertação política e integração, que abriga os trinta e três países da América do Sul, América Central e Caribe e busca facilitar a conformação de uma identidade própria regional e de posições latino-americanas e caribenhas comuns sobre integração e desenvolvimento. A Celac foi criada com dois objetivos: criar um organismo latino-americano e caribenho independente; e diminuir a influência da Organização dos Estados Americanos - OEA. Sinais claros de tal intenção podem ser observados a partir da última Cúpula das Américas. 74 Após a ausência do Equador75, como protesto pela não participação de Cuba, 32 dos 34 países presentes na VI Cúpula manifestaram expressamente a defesa da presença de Cuba na reunião. Apenas Estados Unidos e Canadá rechaçaram tal proposta. Portanto, uma das novidades mais importantes que traz a Celac é a participação de todos os países da região, em contraposição à OEA e mesmo ao Grupo do Rio, que não contemplava os países caribenhos. Porém, o surgimento da Celac não significa que exista um consenso generalizado na região. Também há dúvidas quanto à própria natureza da Celac. Embora pareça claro que se trata de um “mecanismo” e não de uma “organização internacional”, persiste a incerteza quanto à satisfação de todos os países com essa fórmula. A criação da Celac significa, simbolicamente, o distanciamento da América Latina em relação ao pan-americanismo e seu retorno ao latino-americanismo.

Integração Regional e Democracia: conceitos entrecruzados A primeira observação que pode ser feita quanto à relação existente entre integração regional e democracia diz respeito à própria experiência democrática que existe em cada um dos países sulamericanos e/ou latino-americanos examinados. Não se pode exigir que haja uma radicalização democrática nos processos de integração regional de que esses países fazem parte, se internamente eles mesmos não avançam nas suas construções democráticas. Por exemplo, países como Argentina, Brasil e Uruguai atualmente possuem governos de centroesquerda, com propostas importantes de transformação social, mas que ainda possuem práticas democráticas hegemônicas, ou seja, com pouca participação cidadã (o Uruguai até merece um tratamento diferenciado com relação aos outros dois, em função da sua cultura secular de referendos e plebiscitos). De outra banda, países como Chile, Colômbia, México, Paraguai, Peru e quase todos os países da América Central e do Caribe possuem governos de direita de corte ultraliberal. Portanto, nesses casos a relação de oposição entre a participação cidadã e a representação é quase absoluta, o que denota a impossibilidade de se pleitear um modelo contra-hegemônico de democracia. Também é possível identificar um terceiro bloco de países, com governos que podem ser denominados de reformistas radicais, tais como Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela. Esses países, embora venham radicalizando em práticas democráticas participativas, ainda convivem com sistemas capitalistas. De qualquer forma, são os países que mais expectativas geram quanto à possibilidade de reproduzirem para suas experiências de integração regional uma radicalização 143

democrática. Nesse sentido, merece destaque o funcionamento da Alba. Uma segunda observação que pode ser realizada no que toca à relação integração regional e democracia, diz respeito à presença da cláusula democrática. É um mecanismo de resposta quase automática e imediata de defesa da institucionalidade democrática diante de um eventual golpe de Estado contra qualquer governo eleito integrante do processo de integração regional. É um acordo que prevê, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, que os demais Estados do processo de integração regional se reunirão para realizar gestões diplomáticas que promovam o restabelecimento da democracia no país afetado. Normalmente, se as gestões não derem frutos, poderão ser aplicadas, de forma consensual, medidas que vão da suspensão do direito de participar do processo de integração regional ao fechamento das fronteiras e à paralisação ou limitação do comércio, tráfego aéreo e marítimo, comunicações e fornecimento de energia com o país que sofreu a ruptura democrática. O caso do Mercosul é seguramente o mais emblemático, em função da repercussão efetiva que a mesma possuiu quando houve, em 29 de junho de 2012, a Decisão firmada por Argentina, Brasil e Uruguai sobre a suspensão do Paraguai. Nesse caso, a referida Decisão estava ancorada em um conjunto de normativas que foram consolidando a presença da cláusula democrática no Mercosul: Declaração Presidencial de las Leñas (1992); Protocolo de Ushuaia I (1998); e Protocolo de Montevidéu/Ushuaia II (2011). Na referida situação, a aplicação da cláusula democrática, suspendendo o Paraguai, foi que possibilitou o ingresso da Venezuela no Mercosul, com a Decisão nº 27, firmada, em 30 de julho de 2012, por Argentina, Brasil e Uruguai. Uma terceira relação possível entre integração regional e democracia, diz respeito ao caráter intergovernamental dos processos de integração regional sul-americanos e latino-americanos. Todos os processos examinados são de caráter intergovernamental, ou seja, as decisões são tomadas pelos governos dos países envolvidos e a institucionalidade ainda é frágil. Mesmo em casos como o Mercosul, em que existe a previsão de funcionamento de um Parlamento, o Parlasul, criado pelo Protocolo de Montevidéu, em 09 de dezembro de 2005, a supranacionalidade segue sendo apenas um desejo retórico. Em mesmo sentido, apontam Silva e Johnson (2010: 16) que, considerando “a atuação do Parlasul desde sua criação, pode-se considerar que o déficit democrático que este procurava superar ainda resiste. A persistência do déficit refere-se aos limites internos, devido à implantação parcial” do Parlamento. Uma quarta observação possível é a que se refere à forma da tomada de decisão nos processos de integração regional. Na região, todos os blocos de integração examinados optaram por estabelecer a regra do consenso, ou seja, qualquer decisão do bloco apenas pode ser tomada por consenso. Em blocos com poucos países como o Mercosul, o formato da decisão pode ser o mais adequado, em função da grande assimetria que existe entre os 5 países. Entretanto, em processos mais amplos, como é o caso da Celac, composto por 33 países, uma decisão por consenso, na prática, dá poder de veto aos países, já que nada poderá ser decidido se todos não estiverem de acordo. Finalmente, uma característica comum aos processos de integração regional sul-americanos e latino-americanos é a ausência da sociedade civil. Embora haja órgãos internos dos blocos de integração regional que contemplem a sociedade civil e também existam um conjunto de foros e cúpulas de enfrentam as questões sociais na região, percebe-se que essas experiências são meramente consultivas. Não há espaços que contemplem a sociedade civil com caráter decisório. Não basta que haja debate e esse debate não tenha consequência. Implementar instâncias com a participação da sociedade civil de forma decisória e vinculante representariam importantes avanços para a democracia nos processos de integração regional.

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Conclusão Urge efetivar os espaços de representação e, principalmente, de participação cidadã nos processos de integração regional da região. Ademais, um primeiro passo poderia ser efetivar mecanismos já existentes, como o Parlasul no Mercosul, realizando eleições diretas em todos os Estados parte. Também é fundamental regulamentar espaços de participação direta nos diferentes fóruns temáticos do dos blocos de integração regional, de forma a garantir que as demandas da sociedade civil tenham canais decisórios e autônomos. A institucionalização de uma participação real da cidadania e da sociedade civil é uma dívida histórica e que precisa ser resgatada. Porém, não se deve ter a ilusão de que esse resgate se dará apenas nos processos de integração regional. O primeiro passo é avançar em modelos contra-hegemônicos de democracia nos próprios países que compõem os diversos blocos na região. Verifica-se que as experiências interdisciplinares entrecruzando a integração regional e a democracia ainda são raras. Encontra-se, na maioria dos casos, experiências disciplinares e, no máximo, algumas pluridisciplinares. Essa é uma tarefa para a “Academia” e nesse sentido o FoMerco trouxe uma importante contribuição, ao pautar esse debate. Conclui-se, voltando à pergunta orientadora que organiza este texto: a democracia é condição para a integração regional? Se o conceito empregado à expressão democracia for aquela tradicional, do campo hegemônico, apenas baseada na representação, todos os processos de integração regional examinados são democráticos, a partir da presença das cláusulas democráticas. Ou seja, é possível que ocorram processos de integração regional, mesmo sem avanços importantes no campo democrático. Porém, se o olhar a respeito da democracia for mais ambicioso, contemplando a democracia como um valor e como sinônimo de participação cidadã, é forçoso reconhecer que ainda estamos muito distantes.

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ARTIGO

Eleições para parlamentos regionais e percepção sobre a integração Karina Pasquariello Mariano

Os processos de integração podem apresentar diferentes graus de complexidade institucional, que vão desde acordos estritamente intergovernamentais a um sistema de governança supranacional, variando de acordo com os interesses de seus integrantes quanto ao grau de comprometimento e de aprofundamento desejado. Outro elemento que influencia a institucionalidade regional refere-se ao contexto e momento em que esse projeto foi gestado, porque houve depois da Segunda Guerra Mundial duas ondas integracionistas com características bastante diferenciadas. A primeira teve origem na Europa nos anos 50, a partir da aproximação entre França e Alemanha com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – Ceca – e estimulou projetos integracionistas em outras partes do mundo, entre elas a América Latina. Duas motivações básicas fundamentavam esses processos de cooperação: desenvolvimento e pacificação. Estabeleceu-se nesse período um consenso de que a superação dos problemas que geraram a guerra envolveria um esforço coletivo entre os países, tanto para evitar as tensões sociais que desestabilizaram governos, como para solucionar conflitos bilaterais e encontrar novos arranjos para a adequação desses países à realidade da Guerra Fria (1945-1989). Esse esforço pacificador implicava num fortalecimento econômico e na promoção do desenvolvimento como um instrumento estratégico para a solução de problemas sociais. A questão da pacificação entre as nações não era tão evidente na América Latina naquele momento, mas as tensões sociais decorrentes dos problemas econômicos enfrentados e a vontade de superação do subdesenvolvimento da região também foram fortes estímulos para o estabelecimento de negociações voltadas à criação de blocos econômicos. Esses países buscavam novos instrumentos para reverter o quadro latino-americano de queda nas taxas de crescimento. Os efeitos benéficos da Segunda Guerra Mundial gradativamente perdiam força porque o mercado complementar resultante do conflito, e que permitiu o aumento das exportações agrícolas e de manufaturados, se reduzia de maneira drástica, colocando a estes países o desafio de encontrar novos mercados e estimular seu desenvolvimento. Foi nesse contexto que a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe Cepal propôs como uma saída a formação de processos de integração econômica entre as nações da região, fundamentada numa estratégia de substituição das importações para impulsionar a industrialização fortemente apoiada pelo Estado, dentro de um modelo protecionista de planificação estatal, e garantindo a escala necessária para o consumo dessa produção com o mercado regional (GROSFOGUEL, 2003). Os teóricos cepalinos propuseram que a solução para a América Latina seria a promoção de um processo de integração regional que favorecesse o intercâmbio entre essas nações, ampliando o mercado consumidor e permitindo o melhor aproveitamento de suas vantagens comparativas. Este foi o impulso inicial de um processo que resultou na Associação Latino-Americana de Livre Comércio – Alalc, entre Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, com a assinatura do Tratado de Montevidéu, de 1960. Outros países da América Latina incorporaram-se depois: a Colômbia em setembro de 1961, o Equador em novembro desse mesmo ano, a Venezuela em agosto de 1966 e a Bolívia em fevereiro do ano seguinte. A estratégia integracionista que ancorava esse processo mostrou-se contraditória com as políticas de desenvolvimento nacionais baseadas na lógica protecionista de substituição das importações, 147

porque exigia concessões reais. De acordo com o levantamento de Moavro (1992), sobre as concessões alfandegárias negociadas, temos que entre 1962 e 1964 foram alcançadas 8248 concessões, entre 1965 e 1969 esse número caiu para 2441, e de 1970 a 1979 foram realizadas apenas 553. A preocupação europeia com a reconstrução econômica vinculava-se à criação de mecanismos capazes de garantir a paz na região e a sua segurança frente à ameaça comunista. A questão central na Alalc era impulsionar um processo de desenvolvimento nacional. Assim, embora ambos os grupos utilizassem a integração regional como o instrumento para a promoção de seus objetivos, somente o primeiro conseguiu definir interesses comuns que ultrapassavam as fronteiras dos assuntos meramente comerciais. Quando a integração apresenta uma convergência de interesses exclusivamente nos aspectos comerciais, não há estímulos para construção de uma institucionalidade mais ampla e preocupada com a democratização e participação da sociedade nesse processo. Por sua vez, a democracia é um elemento-chave para o aprofundamento e consolidação do processo, porque permite a construção dos mecanismos capazes de gerar na sociedade uma percepção positiva da integração e de seus benefícios. Um passo importante nesse processo de construção de um sistema de democratização regional é a constituição de um parlamento regional porque dentro da cultura democrática-liberal ocidental supõe-se que este transportaria para a esfera comunitária as atribuições conferidas ao Poder Legislativo no âmbito doméstico, ou seja: representação, capacidade legislativa, controle do executivo e legitimação. O parlamento permitiria uma maior participação da sociedade e isso implicaria numa difusão de informação sobre a integração e sobre a escolha de representantes nesse âmbito, afetando a percepção da sociedade sobre o próprio processo de integração. A hipótese deste trabalho é que a percepção social não é afetada pela constituição do parlamento regional, a menos que essa instituição possua influência no processo decisório central da integração. Demonstraremos essa hipótese a partir da análise da experiência andina.

Do Pacto Andino à CAN O início promissor da Alalc criou a expectativa de que a iniciativa latino-americana teria um desenvolvimento positivo similar à experiência europeia. Essa percepção estimulou inclusive uma ampliação na cooperação para o âmbito político com a institucionalização do Parlamento Latinoamericano – Parlatino em 10 de outubro de 1964, na cidade de Lima (Peru), com o objetivo de aproximar os parlamentares da região e estabelecer uma agenda de integração que fosse além das questões econômicas. Tal como na esfera comercial, o Parlatino sofreu com os contextos políticos nacionais de retração da ação parlamentar frente a uma onda de governos autoritários que se espalhou pela América Latina, como demonstra o fato de que seu estatuto aprovado em 1965 estabeleceu a sua nãoinstitucionalização formal. Esta situação foi revista somente em 1987 com o surgimento dos processos de redemocratização na região e a criação do Grupo dos Oito (Argentina, Brasil, Colômbia, México, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela). Nesse momento, a Alac já havia sido substituída pela Associação Latino-Americana de Integração – Aladi, e Brasil e Argentina já haviam iniciado o processo de integração que daria origem ao Mercosul. A iniciativa do Parlatino era bastante positiva enquanto proposta, ao buscar uma interação mais ampla do que a comercial entre as nações, mas não conseguiu se traduzir numa atuação concreta e propositiva. Tornou-se um órgão mais discursivo do que ativo e, apesar de sua institucionalização em 1987, não conseguiu definir para si uma agenda de intervenção efetiva nos processos de integração 148

econômica (DRUMMOND, 1993), ficando em posição passiva com relação às mudanças que estavam se processando. O Parlatino é uma ferramenta interessante para viajar, uma custosa agência de viagens no momento. O poder de decisão que tem o Parlatino como poder de formar opinião, se por opinião consideramos aquele que serve para o pensamento do conjunto da sociedade ..., seu resultado prático é quase nulo. (...) As instituições têm valor na medida que resolvem problemas das pessoas, da sociedade em seu conjunto. O Parlamento não tem estado à altura das circunstâncias. (MUJLCA, 1997) 76

Postura semelhante assume o Deputado Alberto Couriel, do mesmo partido, quando afirma: As reuniões do Parlatino são uma brincadeira. Não se discute nada, realizam-se as viagens pelos ‘jetons’, que são muito importantes para os maus salários que há. As reuniões são de quinta e as chances de participação e decisão nos parlamentos são extremamente limitadas. (COURIEL, 1997) 77

Além dos problemas internos como a dificuldade de tornar-se um espaço real de articulação e troca de informações entre seus integrantes, o Parlatino deparou-se com questões estruturais: não está vinculado a nenhum acordo ou tratado regional político ou econômico; seu tratado constitutivo não prevê diálogo com algum órgão representativo dos governos; possui pouca visibilidade nas sociedades, pertencendo apenas à lógica da diplomacia parlamentar; não está vinculado ao organograma de nenhum processo de integração. Esse isolamento das questões econômicas dos aspectos políticos e sociais presente na Alalc gerou descontentamento em alguns países que esperavam impulsionar um processo semelhante ao europeu, especialmente quando ficou claro que as principais economias do bloco estavam se voltando para projetos de desenvolvimento autônomos e deixando de lado a proposta da integração. Em 1969, cinco países da Alalc assinaram um novo acordo de integração estabelecendo a construção de uma união aduaneira, com o objetivo de médio prazo de alcançar um mercado comum entre eles. O Acordo de Cartagena entre Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru ampliava as propostas presentes na Alalc, propondo a formação de um sistema de integração e cooperação para o desenvolvimento econômico, através do livre comércio, da eliminação de barreiras alfandegárias e da união aduaneira, de forma equilibrada e harmônica, entre os países membros, facilitando a integração regional. Neste Acordo, tem-se a formação estrutural do Pacto Andino através do chamado Sistema Andino de Integração, previsto no Acordo de Cartagena, capítulo II, artigo 6. Um aspecto importante do Pacto Andino é que desde o início colocou-se como desafio enfrentar o problema dos desequilíbrios entre seus membros e a necessidade de instituições de fomento, criando o Fundo Andino de Reservas e a Corporação Andina de Fomento como aparece no organograma a seguir. Ainda que centrado nos aspectos econômicos e comerciais, o Pacto Andino apresentava uma preocupação com a institucionalização de uma estrutura burocrática supranacional capaz de impulsionar o processo de integração e com certa autonomia em relação aos governos nacionais. Organograma 1: Estrutura Institucional do Pacto Andino (1969)

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Fonte: BUSTAMANTE, 2006: 19.

A ampliação do bloco com a entrada da Venezuela em 1973 e do Chile em 1976 reforçou o interesse nesse projeto, apesar da realidade demonstrar que ao longo dos anos 70 todas as experiências de integração entraram em crise e muitos desses processos passaram por um período de estagnação ou desapareceram. Ainda assim, foi nesse período que se desenvolveu o Sistema Andino de Integração (SAI) que representou uma ampliação institucional significativa desse projeto, como veremos a seguir.

O Sistema Andino de Integração O final dos anos 1970 demonstram uma inversão nesse processo de desencanto com os projetos de integração regional e uma nova onda integracionista ganhou força. A Europa relançou seu projeto com as negociações que resultaram na implementação de eleições diretas para o Parlamento Europeu em 1979 e no Ato Único Europeu (1986) que reafirmou os compromissos do mercado comum e lançou as bases para a construção da união econômica. Na América Latina, os países retomaram o legado da Alalc, substituindo-o pela Associação Latino Americana de Integração (Aladi), o que coincidiu com um novo impulso integracionista entre os membros do Pacto Andino que ampliam a sua institucionalidade incorporando inclusive um parlamento regional, num acomodamento ao novo contexto regional de democratização, e alteram o nome do bloco para Comunidade Andina numa sinalização de que o projeto pretendia avançar no sentido do aprofundamento da integração. Organograma 2: Estrutura Institucional da Comunidade Andina (1979-1996)

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Fonte: BUSTAMANTE, 2006: 20.

A Comissão da Comunidade Andina é desde o início um órgão de direção e decisão do bloco, com papel deliberativo. Formada por Ministros do Comércio e Integração e pelos representantes plenipotenciários dos países membros é presidida anualmente pelo representante do país que ocupa a presidência do Conselho Presidencial Andino. Seus encontros ocorrem três vezes ao ano ordinariamente, podendo se reunir-se de forma extraordinária. Em seus encontros formulam-se as políticas de integração andina no que diz respeito à esfera comercial e de investimentos, a fim de estabelecerem uma posição comum aos membros. Sua esfera de trabalho é voltada ao desenvolvimento agropecuário, industrial, à promoção do turismo e das exportações, com o foco em complementar e fortalecer as relações econômicas entre os países membros da Comunidade Andina. Juntamente com o Conselho Presidencial Andino e o Conselho Andino de Ministros conforma o sistema decisório desse processo de integração. O Conselho Presidencial é o órgão máximo do SAI, mas foi criado apenas em 1990. Formado pelos chefes de Estado dos países membros, tem a sua Presidência exercida rotativamente, em escolhas anuais por ordem alfabética dos países membros. Os membros deste Conselho reúnem-se anualmente de forma ordinária, e extraordinariamente sempre que necessário, a fim de estabelecerem prioridades e políticas de integração das sub-regiões andinas, através de diretrizes e mandatos, de modo que orientem e impulsionem ações de interesse mútuo subregional. O Conselho Andino de Ministros das Relações Exteriores atua como instância mais deliberativa, e também foi criado em 1979. Formado pelos Ministros de Relações Exteriores dos países membros tem a sua Presidência exercida anualmente pelo Ministro das Relações Exteriores conforme o país que está 151

em atividade na Presidência do Conselho Presidencial Andino. Os encontros dos membros deste Conselho ocorrem duas vezes por ano de forma ordinária, e extraordinariamente quando necessário, tendo em vista nesses encontros a tentativa de formular uma política exterior comum aos países membros. Outro órgão que existe desde 1969 é a Junta que tem um caráter técnico, funcionando como um secretariado permanente do acordo, voltado para garantir sua implementação e a formulação de resoluções que são encaminhadas à Comissão para avaliação e implementação. Além destas duas instâncias, permaneceram no organograma do bloco a CAF e o FAR. O Banco de Desenvolvimento da América Latina - CAF é uma instituição financeira e diferentemente dos demais órgãos, é constituída por países de fora da CAN. Seu objetivo central é a promoção do desenvolvimento e da integração andina, financiando projetos de infraestrutura na região. Já o Fundo Latino-Americano de Reservas, anteriormente chamado de Fundo Andino de Reservas, composto pelos países membros do bloco, Costa Rica, Uruguai e Venezuela, visa a melhoria nas condições de inversão das reservas internacionais, apoiando a balança de pagamento dos membros da CAN, propondo também atuações conjuntas na política cambial, monetária e financeira. As novidades do organograma referem-se ao Tribunal de Justiça Andino e ao Parlamento Andino, estabelecidos especificamente com o intuito de demarcar a disposição de promover o aprofundamento da integração e a ampliação de sua agenda para além das questões comerciais. O Tribunal possui caráter comunitário e supranacional, tendo como função central garantir o direito comunitário, baseado nos princípios do direito, contribuindo para a sua consolidação e sua aplicação em todos os países membros da Comunidade Andina. O Parlamento Andino é o órgão deliberante do Sistema de Integração. Com sede em Bogotá (Colômbia), este órgão representa os povos da Comunidade Andina, são eles quem elegem seus representantes através do voto universal e direto. Diferentemente das experiências europeia e do Mercosul, a representação neste parlamento é igualitária entre os países-membros: cinco representantes. Até o momento, apenas a Bolívia ainda não implementou o voto direto para a escolha de seus representantes. Em sua conjuntura, o Parlamento Andino é administrado pelo Secretário Geral e supervisionado pelo Conselho de Administração, sendo dividido em Oficinas de Representação Parlamentária Nacional do Parlamento Andino com a presença de cada um dos países membros. Sua Mesa Diretora é formada pelo Presidente e Vices, e pelo Secretário Geral. As atividades destes parlamentares dividem-se entre as Comissões78 e as reuniões plenárias. Suas principais prerrogativas concentram-se na harmonização das legislações dos países membros e com o ordenamento jurídico estabelecido pela Comunidade Andina, e do programa de cooperação e coordenação entre os parlamentares dos países membros com os demais países latino-americanos. Essas novas estruturas atuam de forma complementar à institucionalidade existente, mas não alteraram o processo decisório. Essa é uma característica comum aos processos de integração na América do Sul que ao longo do tempo tornam-se estruturas mais complexas, incorporando novas temáticas e instâncias de participação, sem alterar os espaços de poder e mantendo as decisões concentradas nos mesmos atores. As propostas de aprofundamento nesses casos tendem a retomar compromissos assumidos, mas não cumpridos e à ampliação institucional de caráter consultivo, com pouca influência sobre os processos decisórios. Atualmente, portanto, o SAI é composto três tipos de órgãos e instituições (ver figura 1): intergovernamentais: Conselho Presidencial Andino, Conselho Andino de Ministros das Relações Exteriores, Comissão da Comunidade Andina; comunitários: Tribunal de Justiça Andino, Parlamento Andino, Secretaria Geral, Banco de 152

Desenvolvimento da América Latina, Fundo Latino Americano de Reservas, Convênio Hipólito Unanue, e a Universidade Andina Simón Bolívar; e, instâncias de participação da sociedade civil: Conselhos dos Povos Indígenas, dos Trabalhadores e Empregadores, e da Mesa Andina para a Defesa dos Direitos do Consumidor. Essa ampliação institucional ocorreu em 1996 num contexto de rediscussão da integração e influenciada pelo contexto mundial de fortalecimento do bloco europeu e pelos bons resultados regionais obtidos pelo Mercosul. Além disso, os processos de redemocratização política vividos pelos países da CAN estimularam também uma preocupação com a ampliação da participação social no processo e com o enfrentamento do problema do déficit democrático. O Convênio Hipólito Unanue, por exemplo, é um órgão voltado para o tratamento da questão de saúde na região andina, com o papel de coordenar as ações nessa área realizadas pelos países membros, independentemente de serem individuais ou conjuntas. Este órgão estabelece uma política de saúde comum através de resoluções e acordos, e espaços de troca de experiências entre os membros a fim de delinear planos de ação para amenizar problemas comuns que ocorrem na esfera da saúde entre esses países. O Conselho Consultivo Empresarial Andino atua como uma instituição assessora do Sistema Andino de Integração. Sua formação consiste na nomeação de um Delegado para cada país membro através dos diretores de organizações empresariais representativas. Seus encontros ocorrem no mínimo duas vezes ao ano e buscam assessorar os demais órgãos, tais como o Conselho Andino de Ministros das Relações Exteriores, a Comissão e a Secretaria-Geral, tendo voz em todas as reuniões realizadas por esses órgãos. O Conselho Consultivo Laboral Andino é uma instituição consultiva integrante, com membros eleitos pelos representantes máximos das organizações laborais, tendo cada país direito a quatro Delegados. Em seus encontros, ocorridos ordinariamente duas vezes ao ano, procuram estabelecer opiniões e acordos em prol dos trabalhadores da Comunidade Andina. O Conselho Consultivo dos Povos Indígenas atua como instituição assessora e está constituído por um representante indígena de cada país. Em seus encontros buscam estabelecer opiniões comuns a serem apresentadas nas reuniões do Conselho Andino de Ministros das Relações Exteriores, da Comissão e da Secretaria Geral, nas quais possuem direito de voz, quando podem opinar e propor acordos com os demais órgãos para promoverem uma maior participação da população indígena no que diz respeito a integração sub-regional. Figura 1: Estrutura Atual do SAI

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Fonte: http://www.comunidadandina.org/Documentos.aspx

O Conselho Consultivo Andino de Autoridades Municipais também faz parte do quadro de assessoria do Sistema Andino de Integração. Seus encontros ocorrem anualmente de modo ordinário, tendo em seu corpo de integrantes três representantes de cada Estado, sendo um dos três os respectivos prefeitos das capitais destes países e os demais são escolhidos entre os municípios inscritos na Rede Andina de Cidade. O intuito deste Conselho é a estratégia de ações que resultem no fortalecimento dos municípios e dos governos locais, agindo como atores do processo de integração, apresentando suas propostas também no Conselho Andino de Ministros da Relações Exteriores, na Comissão e na Secretaria Geral da Comunidade Andina em seus encontros sempre que houver necessidade. A Universidade Andina Simón Bolívar é uma instituição educativa que faz parte do Sistema Andino de Integração, com uma unidade central em Sucre e outra local em La Paz (Bolívia), e demais unidades distribuídas pelas capitais de seus Estados membros. Sua atuação no processo de integração andina contribui para capacitação profissional, técnica e científica dos recursos humanos entre os países membros, auxiliando na divulgação dos valores culturais entre si. Os demais órgãos instituídos entre 1996 e 2006 são instâncias técnicas, especialmente de apoio para a tomada de decisão, como no caso da Secretaria-Geral da Comunidade Andina, das Instâncias Assessoras79 criadas para dar auxiliar os demais órgãos e instâncias em seus assuntos específicos. Dessa estrutura organizacional do Sistema Andino de Integração, chamamos a atenção para o órgão máximo deliberativo: o Parlamento Andino.

A Evolução do Parlandino A institucionalização do Parlamento Andino (Parlandino) ocorreu uma década após o início do processo de integração entre os países andinos, no momento de relançamento do projeto em que esses países desejavam assinalar seu compromisso com o seu aprofundamento e consolidação. É interessante apontar que esse posicionamento convergia com o que estava ocorrendo na Europa que 154

estava em negociação da estratégia que seria adotada para a plena implantação do mercado comum e as bases para a união econômica, assim como preocupada em reforçar as instituições democráticas e introduzir as eleições diretas para a escolha dos integrantes do Parlamento Europeu. O Parlamento Andino institucionalizou-se através de seu Tratado Constitutivo, de 1997, tornandose o corpo deliberativo e representativo dos povos andinos. O Parlandino tem por funções contribuir para fortalecer a integração; promover a justiça social, a democracia e o respeito aos direitos humanos; a participação dos povos andinos, estimulando uma consciência comunitária, a paz e a justiça internacional. Além disso, esse parlamento possui uma função prática dentro do bloco porque é a instância responsável por promover uma maior harmonização de políticas entre Estados-Membros. A representação nesse parlamento é equitativa entre os países, com cinco representantes de cada Estado-membro, que no início eram nomeados pelos seus respectivos Congressos Nacionais. Um ponto a ser ressaltado é que o Regimento do Parlandino estabelece que as decisões são tomadas por maioria simples (PINTO, 2001), considerando que essa medida contribui para facilitar a adoção das deliberações parlamentares. A criação desse parlamento regional procurava sanar ou amenizar o problema de déficit democrático nesse processo de integração, reconhecendo que a ausência de uma menção à dimensão social e democrática no Acordo de Cartagena revela a falta de importância da sociedade civil no âmbito desse projeto. Havia um entendimento de que a ausência dessa participação social era um fator de enfraquecimento do bloco, em virtude dos poucos canais de interlocução da integração andina com os cidadãos, embora atores econômicos, como trabalhadores e empresários tivessem alguma voz nesse processo (ZEGARRA, 2005). O Parlandino tinha por desafio justamente fomentar essa participação social e fortalecer a interlocução com a sociedade civil no contexto regional, contribuindo para a conformação de uma identidade comum andina, que permitisse a construção de interesses comuns e de estratégias de inserção internacional articuladas. No entanto, a mera implantação do Parlandino não se mostrou suficiente para promover esses objetivos. Os governos reconheceram que o Parlamento Andino e o Tribunal tinham um papel muito limitado na integração regional (ZEGARRA, 2005). Houve um consenso em torno da necessidade de fortalecer essas instâncias e no caso específico do parlamento, a solução encontrada foi a realização de eleições diretas. O Protocolo Adicional do Protocolo Constitutivo do Parlandino, assinado em 1997, trouxe como modificação mais significativa a adoção da representatividade direta na composição das bancadas nacionais do Parlamento Andino, que passou a ser composto por representantes eleitos direta e universalmente pelos cidadãos de cada país andino. As eleições diretas criaram nos parlamentares a expectativa de que esse instrumento representaria uma ampliação das atribuições do parlamento regional (AVENDAÑO, 1999), tal como ocorrera no caso europeu. Mas apesar das mudanças constitutivas traçadas nos anos 1990 no seio da integração andina, pouco se conseguiu alcançar em termos de legitimação democrática do processo integracionista. Conforme indicado previamente, o Tratado Constitutivo do Parlamento Andino de 1979 demarcou as atribuições e as competências do Parlandino no âmbito da integração. Além de esclarecer o papel do parlamento na institucionalidade do bloco e de dotá-lo de personalidade jurídica internacional, enquanto seu Protocolo Adicional inovou ao inserir a representatividade direta na composição das bancadas nacionais, sem alterar seu papel dentro do SAI. A incorporação de eleições diretas já estava prevista nos textos constitutivos da integração andina desde 1979, com o primeiro Protocolo Constitutivo do Parlandino: Artículo 2.-El Parlamento Andino estará constituido por Representantes de los pueblos de cada una de las Partes Contratantes elegidos por sufragio universal y directo, según procedimiento que los Estados Miembros adoptarán mediante Protocolo Adicional que incluirá los adecuados criterios de

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representación nacional que acuerden las Partes.

Artículo 3.-Hasta que el Protocolo Adicional a que se refiere el Artículo anterior entre en vigencia, el Parlamento Andino estará constituido por cinco representantes elegidos por los respectivos órganos legislativos de las Partes Contratantes de entre sus integrantes, según el procedimiento que cada uno de aquellos adopte para el efecto. (PARLAMENTO ANDINO, 1979)

Somente na década de 1990 foi confeccionado o referido Protocolo Adicional, já no âmbito da Comunidade Andina. Esse documento deixou a cargo dos governos nacionais o estabelecimento das regras eleitorais para a realização das eleições diretas dos parlamentares andinos. No entanto, algumas diretrizes gerais foram estabelecidas: [...] los representantes son en total cinco Estados miembros. A estos parlamentarios se les otorga entre otros: inmunidad diplomática, la posibilidad de ser reelegidos; igual se les establece un régimen de incompatibilidades que debe tenerse en cuenta desde el momento mismo en que sean postulados. (CERA, 2009)

Até o momento não foi possível atingir o objetivo de que a totalidade dos parlamentares andinos seja eleita diretamente, conforme previa o referido Protocolo Adicional. Dos países-membros da integração sub-regional andina a Bolívia não realizou eleições diretas para o Parlamento Andino e segue escolhendo seus representantes indiretamente, dentro de seu Congresso Nacional, embora todos os países tenham incorporado a previsão de eleições diretas dos representantes andinos nos arcabouços constitucionais domésticos (CERA, 2009). O primeiro país a eleger diretamente os parlamentares andinos foi a Venezuela, país que se retirou do processo de integração andina e pediu adesão ao Mercosul (BUSTAMANTE, 2006). O país escolheu seus representantes para o Parlandino nas eleições gerais de 2002, realizando novamente o pleito regional em 2005, antes de se sair desse bloco em meados de 2006. O Equador é o país que mais vezes realizou eleições diretas para o Parlamento Andino. Os equatorianos já elegeram seus representantes andinos em três ocasiões: 2002, 2009 e recentemente em 2013. O Peru desde 2006 seleciona diretamente seus parlamentares andinos, tendo realizado já duas eleições. A segunda foi em 2011, juntamente com os pleitos nacionais para a escolha do presidente e membros do Congresso. Na Colômbia, a primeira e única vez que os representantes andinos do país foram eleitos foi nas eleições de 2010, conjuntamente também às eleições para cargos legislativos nacionais. Em virtude do alto número de votos nulos e brancos, o qual superava o número de votos recebidos pela lista partidária mais votada para o Parlandino, houve um debate político interno sobre a validade das eleições para a escolha dos parlamentares andinos pelo país. Setores sociais e políticos do país pediram a anulação desse pleito e a realização de novas eleições para os parlamentares andinos, mas essa solicitação não foi acatada pelo Conselho Nacional Eleitoral da Colômbia (CONSEJO NACIONAL ELECTORAL, 2010). Embora permaneça a diversidade de modelos eleitorais e de datas de realização das eleições diretas para o Parlandino, sem mencionar a falta de eleições no caso boliviano, a escolha nacional dos representantes andinos representa, em alguma medida, a vontade dos atores políticos nacionais em favorecer a democratização da integração andina (CERA, 2009). A legitimidade trazida à integração andina por meio da escolha direta dos membros do Parlandino não é suficiente para resolver o problema do déficit democrático nesse projeto de integração, porém pode ser um instrumento na redução do mesmo, o qual não pode deixar de ser seguido por outras inovações políticas institucionais no âmbito da integração.

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Opinião pública e as eleições diretas na integração A realização de eleições diretas para parlamentos regionais fundamenta-se numa série de supostos que podemos agrupar em dois centrais: fortalecimento da instituição e democratização. No primeiro caso, pressupõe-se que representantes diretamente escolhidos para um mandato exclusivo no âmbito regional aumentariam o poder e capacidade decisória do parlamento porque voltariam sua atenção e energias para tratar apenas da integração regional. Ao mesmo tempo, essa maior dedicação e envolvimento permitiria um processo de transbordamento para a sociedade porque estimularia um debate maior sobre a integração e estimularia na população um envolvimento com essa temática, ainda que no início isso fique restrito aos momentos eleitorais. Nesse sentido, a eleição direta para um parlamento regional pressupõe um amadurecimento do debate sobre a integração na esfera política, estabelecendo uma função real para esses parlamentares, e sobre o próprio projeto de integração que se pretende implementar em médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, esse novo momento implica na incorporação desse modelo integracionista nos projetos nacionais e nas estratégias de desenvolvimento desses países, já não mais pensados de forma isolada, mas inseridos numa lógica regional. Dos casos apontados neste capítulo, apenas a UE possui informações sobre esses aspectos porque são realizadas periodicamente pesquisas de opinião que avaliam as percepções sociais em todos os países membros da integração europeia (o Eurobarômetro). No caso da CAN não há levantamentos tão detalhados sobre a percepção social em relação à integração, mas alguns dados do Latinobarômetro apresentam indícios sobre isso. Gráfico 1: Índice de Interesse nos Assuntos Comunitários (Comunidade Europeia - out/nov de 1978)

Fonte: COMMISSION OF THE EUROPEAN COMMUNITIES, janeiro de 1979. Aproximadamente seis meses antes da primeira eleição direta para o PE nota-se um nível razoável de atenção da população em relação aos assuntos comunitários, com a média geral indicando que mais de 50% dos entrevistados apresentava algum interesse, embora em geral o desinteresse fosse maior do que a proporção daqueles que estavam muito interessados (a exceção da Itália). No caso da América Latina, dados de 2008 apontam que há uma percepção muito favorável em relação aos processos de integração. Numa medição feita pelo Latinobarômetro entre 1997 e 2008 (LATINOBARÔMETRO, 2009) verifica-se um alto índice de apoio à participação em processos integracionistas, embora os dados apresentem uma queda significativa a partir de 2005. Gráfico 2: Evolução do Apoio à Integração na América Latina (1997-2008)

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Os dados tais como apresentados indicam que na América Latina haveria um apoio expressivo nas populações à integração, enquanto na Europa embora o processo tivesse mais de duas décadas de existência, este mobilizaria pouco a atenção das sociedades. O problema está em qual a percepção que os entrevistados possuem sobre o assunto. Isto é, o que eles entendem por integração regional? Ou identificam como sendo central nela? O mesmo levantamento que identificou um forte apoio à integração, aponta também para uma forte indisposição dos países em realizar concessões para aprofundar a integração, com mais de um quinto da população do Brasil (21%) e da Argentina (26%) considerando como inaceitável ceder para avançar. Esse índice é um pouco mais baixo nos países da CAN, mas ainda assim expressivo se olharmos as posturas de Peru, Bolívia e Colômbia. Gráfico 3: Disposição de não fazer concessões para avançar na integração por País (2008)

Fonte: LATINOBARÔMETRO, 2009.

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O fato positivo é que a medição realizada entre 2002 e 2008 indica na média latino-americana uma redução nessa tendência de 24% para 20% de indisposição em fazer concessões, o que pode ser interpretado como uma redução às resistências em relação a essa questão. A disposição em realizar concessões pode não ser um bom indicador, uma vez que há uma tendência na população a associar as concessões com custos econômicos, o que não é necessariamente verdade. O aprofundamento nos processos de integração implica em perda de autonomia por parte dos governos em troca de maior controle sobre a ação dos demais ou, no limite, a aceitação de submissão a normas e regras definidas fora de suas fronteiras. Esse talvez seja a principal concessão envolvida nos processos de integração, especialmente naqueles com forte viés intergovernamentalista como o Mercosul, mas mesmo no caso da UE essa tensão entre autonomia nacional e imposições regionais não está plenamente resolvido. No caso da América Latina, essa redução nas resistências a realizar concessões pode estar associada a uma maior clareza quanto aos reais custos da integração (embora não isso não possa ser afirmado porque não há dados que o comprovem), ou às mudanças políticas ocorridas na região que estimularam um novo ciclo de crescimento econômico e abandono de estratégias neoliberais que tiveram fortes impactos nas políticas sociais da última década do século XX. De qualquer forma, o apoio ou não da população à integração está vinculado à expectativa sobre os ganhos que este processo pode gerar para o país como um todo e para a melhoria na qualidade de vida das sociedades, tendo repercussão nos interesses dos indivíduos. Nesse ponto, é preciso entender qual a percepção sobre o bloco como um todo e o que se identifica como benefícios da cooperação. Novamente, os dados coletados pelas pesquisas de opinião são um bom indício dessas percepções, ressaltando-se que não é possível comparar os resultados europeus com os latino-americanos porque as perguntas são bastante diferentes. O interessante neste caso é apresentar indícios de tendências de comportamento ou de expectativas. No caso latino-americano há um forte apoio à cooperação política entre os países, o que não significa necessariamente a mesma coisa que integração regional. A cooperação neste caso pode representar uma preocupação com a maior articulação entre essas nações nos foros internacionais, sem que isso represente necessariamente disposição em integrar-se.

Gráfico 4: Apoio à Cooperação Política por País (2008)

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Fonte: LATINOBARÔMETRO, 2009.

Ainda assim, considerando que a pergunta foi realizada conjuntamente com as questões referentes à integração regional, pode-se considerar que haveria uma correspondência entre o apoio à cooperação política e à integração, ainda que a pergunta não coloque isso explicitamente. Um forte indício dessa correspondência é o fato de que dos cinco países que apresentam maior suporte à cooperação, quatro deles pertencem ao Mercosul. Seguindo o mesmo raciocínio, pode-se afirmar que no caso da CAN há um certo desgaste no apoio à cooperação entre os seus membros, com porcentagens menores do que a média latino-americana. É importante apontar também que na série histórica entre 2002 e 2008 houve uma queda acentuada de 9% na média geral de apoio à cooperação política na região, mas os dados agrupados não permitem verificar se essa tendência é geral ou reflexo da queda em algum grupo específico de países. Esse apoio à integração está articulado com a percepção e compreensão da sociedade sobre o que a integração representa para seus países e seu bem-estar. No caso Europeu, apesar da crise econômica, a percepção da população em relação aos benefícios gerados pela cooperação é bastante claro, como apontam os gráficos 5 e 6. Os entrevistados indicam que consideram a integração um importante instrumento para a maximização de benefícios e, ao mesmo tempo, como um mecanismo de salvaguarda aos efeitos negativos da globalização.

Gráfico 5: UE contribui para aumentar os benefícios da globalização para os seus cidadãos (2012)

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Fonte: EUROBAROMETER, 2012.

Os dois gráficos (5 e 6) demonstram um reconhecimento de que a integração é um importante mecanismo tanto para amenizar os efeitos negativos do sistema mundial, como um instrumento para intensificar as vantagens que podem ser obtidas nessa esfera. No primeiro caso, o índice médio dos países demonstra que quase a metade (47%) considera vantajosa a participação na comunidade, se considerarmos os dados por país, percebe-se que esse apoio cai expressivamente naqueles países em que os impactos recentes da crise econômica foram mais intensos, como no caso da Grécia. Ainda assim, os respondentes reconhecem que a situação poderia ser ainda pior se seu país não fizesse parte do bloco, porque 65% dos gregos também afirmaram que seu país não conseguiria lidar sozinho com os efeitos negativos da globalização. Ou seja, embora a comunidade europeia sofra críticas quanto aos benefícios gerados e à sua distribuição, há um reconhecimento de que a participação é vantajosa. A discordância disso aparece nos países que a participação ainda está em negociação, como no caso da Islândia e Turquia, provavelmente porque ainda não há clareza por parte da população sobre as vantagens dessa participação, uma vez que ela ainda não se concretizou.

Gráfico 6: Meu país pode lidar sozinho com efeitos negativos da globalização (2012)

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Fonte: EUROBAROMETER, 2012.

No caso das informações colhidas no Latinobarômetro, não há perguntas semelhantes sobre a percepção da população que indiquem as vantagens na participação, ainda assim é possível delimitar o que os respondentes entendem como sendo benefícios da integração, ou neste caso, os desafios a serem enfrentados pelos blocos regionais para aprofundar e fortalecer as iniciativas integracionistas. De acordo com as pesquisas realizadas quatro pontos foram ressaltados: energia; investimentos estrangeiros, banco central comum e livre-circulação de pessoas. Nos dois primeiros temas, a grande maioria dos entrevistados (69% em ambos os casos) mostrouse favorável tanto à promoção de políticas conjuntas para lidar com os problemas energéticos, enquanto a criação de um Banco Central Sul-americano foi apoiada por 57% dos respondentes. O ponto mais interessante neste caso, no entanto, é a percepção em relação à livre-circulação. Embora 46% aprovem essa proposta – entendida pelas teorias integracionistas como uma etapa central no processo de aprofundamento da integração regional – a população de países envolvidos em blocos regionais nem sempre entende esse livre trânsito de pessoas como algo positivo, como no caso da Argentina e Venezuela. A livre-circulação é um tema que constantemente aparece na agenda do Mercosul, sem chegar a um consenso sobre o assunto. Essa questão também aparece nos debates do Parlasul como uma preocupação importante para os parlamentares, especialmente pelos efeitos sociais que representa, uma vez que a livre-circulação pressupõe novos arranjos para a questão previdenciária regional, impacto nos mercados de trabalho e extensão de direitos para além das fronteiras (ou no limite, a incorporação desses imigrantes na cidadania nacional).

Gráfico 7: Concordância com a livre circulação de cidadão na região sem controle fronteiriço (2008)

Fonte: LATINOBARÔMETRO, 2009.

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Eleições diretas para parlamento importam? De acordo com a hipótese deste capítulo, a preocupação está em demonstrar se houve uma melhora na percepção da população em relação à integração regional, ou ao menos se aspectos centrais foram incorporados nas expectativas da sociedade. No caso europeu é possível identificar uma ampliação na percepção positiva do bloco, embora isso não possa ser atribuído à existência do Parlamento Europeu. No entanto, no caso dos processos latino-americanos isso não fica claro, mesmo considerando as lacunas de informação nas pesquisas de opinião, percebe-se que houve nos últimos anos uma retração no apoio à cooperação política entre os países e que a integração acabou associada à solução de problemas imediatos (como energia e investimentos) e não à construção de um projeto conjunto para enfrentar os desafios do sistema internacional. A diferença nos dois casos estaria na realização de eleições diretas para o parlamento regional? Não, porque a realização de eleições diretas também ocorreu nos casos dos países latino-americanos, e isso não ajudou a conter o decréscimo no apoio à integração, ou mesmo baixos índices de apoio. O Gráfico 8 apresenta dados que corroboram esta afirmação. Em primeiro lugar é preciso lembrar que todos os países latino-americanos analisados pelo Latinobarômentro participam de pelo menos um processo de integração regional (CAN, Nafta, Apec, Mercosul, Unasul, Sica, etc.). Em alguns desses blocos existem parlamentos regionais com membros escolhidos por meio de eleições diretas (CAN e Sica) ou que estão implementando esse procedimento, como no caso do Mercosul em que Paraguai por duas vezes elegeu diretamente seus representantes no Parlasul. Outro ponto relevante é o cruzamento entre o apoio à cooperação política e a disposição em relação às medidas envolvidas na integração (como cooperação energética, investimentos, livrecirculação, limites territoriais, etc.) realizado pelo Latinobarômetro. Os dados demonstram que as taxas de apoio variam bastante com quase metade dos países apresentando na alternativa de forte apoio índices inferiores a 50%, como no caso da Guatemala (33%) que chama a atenção porque justamente esse Estado é sede do Parlamento da SICA (o Parlacen). Além disso, ressalta-se o fato de que países integrantes de blocos regionais desde o final da década de 60 (como Equador, Costa Rica, Bolívia, El Salvador etc) apresentem taxas elevadas de Médio Apoio e Baixo Apoio. Gráfico 8: Intensidade do apoio à integração (2008)

Fonte: LATINOBARÔMETRO, 2008.

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Essas taxas de médio e baixo apoio referem-se à pouca disposição em implementar medidas que aumentem a integração entre pessoas e culturas entre aqueles que afirmam que apoiam a cooperação política entre os países, concentrando o apoio nas questões estritamente econômicas. Os dados apresentados reforçam os indícios de que a existência de um parlamento regional no caso dos países latino-americanos não contribui para uma melhora na percepção da integração regional nas populações envolvidas. Aparentemente essa conclusão poderia ser reforçada pelo alto índice de descrédito que as instâncias parlamentares apresentam na região (como demonstra o Gráfico 9). No entanto os dados colhidos pelo Eurobarômetro refutam essa afirmação porque embora os índices de confiança nos parlamentos nacionais dos países europeus sejam semelhantes aos encontrados na América Latina, os índices de confiança e apoio no Parlamento Europeu são média de 10 a 15% mais altos (EUROBAROMETER, 2012), chegando a marca de 56% em 2009. Portanto, as eleições diretas para o parlamento regional poderiam ter importância na percepção da população. Mas quando? Somente quando estão atreladas à um fortalecimento institucional do Parlamento em virtude de sua legitimidade. Desde seus primórdios a integração europeia recebeu a crítica de não conseguir promover a democratização de sua institucionalidade, mantendo um forte distanciamento entre a sociedade e as estruturas comunitárias (inclusive no caso dos representantes parlamentares) e dificultando o controle e acompanhamento de seu processo decisório porque para a sociedade é difícil assimilar o que ocorre na União Europeia (e suas estruturas precedentes). A percepção que predomina no senso comum das populações é que suas instituições estariam fora do alcance das pressões sociais. Gráfico 9: Índice de confiança nos parlamentos nacionais na América Latina (2011)

Fonte: LATINOBARÔMETRO, 2011.

O Estado continua sendo a referência principal para a reivindicação das demandas sociais, mas perdeu capacidade de dar-lhes resposta, enquanto a integração que poderia suprir esta lacuna parece distante e desprovida dos tradicionais mecanismos democráticos. Daí a ideia de déficit. O Parlamento Europeu e sua antecessora (a Assembleia Comum) foram criticados por não conseguirem amenizar essa falta de democracia no processo de integração, tanto por não exercerem 164

eficientemente um papel de representação dos interesses sociais dentro das negociações, como por não terem capacidade de influir nas decisões e nem de controlar a ação dos negociadores. Mas essa percepção não é verdadeira no caso da experiência recente do Parlamento Europeu que desde 1979 passou por uma ampliação de poderes no âmbito regional, ocupando atualmente um papel importante no processo legislativo comunitário e exercendo pressão e controle tanto sobre o Conselho de Ministros, como na Comissão Europeia. Ainda assim, a realização de eleições diretas para a escolha dos membros do Parlamento Europeu não conseguiu amenizar o problema de desconhecimento, o que chama a atenção porque inclusive no caso do Mercosul a proposta de realizar eleições diretas tem como um de seus objetivos contribuir para divulgar e informar sobre o processo de integração no Cone Sul. Os autores que analisam esta questão apontam algumas causas para esse desconhecimento: em geral todos os grupos apresentam uma proposta bastante semelhante (comprometimento com o euro e a União Europeia); demandam mais poderes para o Parlamento; discussão acaba tornando-se técnica e distante do cotidiano da população, o que gera desinteresse. Além disso, os candidatos para o Parlamento Europeu são apresentados não pelos partidos europeus (regionais), mas ainda pelos partidos nacionais o que dificultaria a separação da agenda doméstica das questões da integração, ou melhor, dificulta o debate sobre as questões regionais que se tornam secundárias na atenção dos eleitores. Nesse sentido, o déficit democrático na Europa hoje refere-se muito mais à distância e desconhecimento da população em relação às instituições europeias, do que à existência de um parlamento desprovido de competências efetivas. Uma outra explicação chama a atenção para os aspectos culturais. Os cidadãos têm dificuldade de perceber a dinâmica democrática fora das instituições do Estado e, no caso específico de países com tradição parlamentarista, esses eleitores sabem que a escolha para o Parlamento Europeu não se refletirá na formação de um governo (europeu) e nem tem clareza sobre a influência do mesmo sobre a agenda política da integração. Alguns autores (HIX; NOURY; ROLAND, 2007; DRUMMOND, 2010; PFETSCH, 2001; entre outros) indicam que o Parlamento Europeu estaria hoje numa situação de mudança de comportamento, porque a ampliação de seus poderes estaria próxima do limite possível e sua atuação agora deveria abandonar a lógica de reivindicação de mais espaços e se voltar para exercer plenamente os poderes que já possui, tendo um status semelhante ao Conselho de Ministros dentro do processo decisório europeu e, consequentemente, possui influência no próprio comportamento dos governos nacionais, ainda que indiretamente (KREPPEL, 2002: 1). No caso dos parlamentos regionais latino-americanos, esse processo de fortalecimento não ocorreu e nem aparece na pauta das discussões entre os governos que recorrentemente reafirmam em seus discursos e atitudes o compromisso na manutenção de uma lógica institucional regional estritamente intergovernamental. Ainda assim, 55% da população latino-americana apoia a ideia da criação de parlamentos regionais com poder para propor leis comuns aos países-membros (LATINOBARÔMETRO, 2008).

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ARTIGO

Migraciones e integración regional: el caso argentino Susana Novick

El mundo hoy ¿Qué sentido tienen y qué representan las migraciones en el momento histórico que atraviesa hoy América Latina? Si bien la temática acompaña a la humanidad desde sus orígenes, en las últimas décadas se ha transformado en una dramática y paradojal imagen de ese mundo occidental y moderno que se constituyó y presenta como superior y universal. Son justamente los migrantes los que interpelan esa superioridad y universalidad. Con su sola existencia ellos impugnan, refutan el orden neoliberal vigente exponiendo sus llagas y fracasos. En la actualidad, el proceso de expansión capitalista mundial impulsado desde el Norte desarrollado conlleva la tendencia a profundizar la asimétrica globalización tecno-mercantil restringiendo la movilidad humana. En el marco de ese proceso de exclusión – claramente ejemplificado en las políticas migratorias de los Estados Unidos de Norteamérica y la Unión Europea – la Argentina viene implementando un modelo alternativo de inclusión en el cual la movilidad humana es reconocida como un derecho humano esencial. A contrapelo del camino transitado por los países centrales receptores, desde el año 2004 la experiencia argentina insertada en el proceso de integración en el Cono Sur (Mercosur, Unasur, etc.) expande y garantiza derechos.

Un balance histórico Nuestro país ha sido históricamente un país de recepción de inmigrantes: de origen europeo – muy numeroso hasta la década de 1930 – y latinoamericano – constante desde fines del siglo XIX. Las migraciones internacionales constituyen una de las cuestiones más importantes y más debatidas de nuestra historia. Un breve panorama desde la perspectiva de largo plazo nos permite evaluar con mayor precisión los logros recientemente incorporados. Durante la estrategia agroexportadora (1870-1930), se dio un proceso de desnacionalización de la política económica – apertura a la inversión extranjera en ferrocarriles, frigoríficos y servicios – y de la política migratoria – promoción de la inmigración europea asociada al proceso colonizador, exterminio de la población aborigen – con participación de grupos de la sociedad civil – empresas privadas de colonización – en la implementación de la política ideada. Por el contrario, durante el período posterior (1930-1945), y en parte como consecuencia de la grave crisis internacional, mientras la política económica se desnacionaliza – crecientes inversiones norteamericanas en la industria textil y alimentos, etc. –, la migratoria se vuelve restrictiva y se nacionaliza protegiendo el mercado interno ante las altas tasas de desocupación. Inversamente, durante la década del primer peronismo (19451955), la política económica se nacionaliza – se intenta un capitalismo autónomo: aumento de la inversión pública, nacionalización de empresas extranjeras, etc. – y la migratoria se desnacionaliza al considerar el contexto latinoamericano como variable en las amnistías formuladas durante este período. Por el contrario, la experiencia industrializadora concentradora (1955-1962 y 1966-1973) desnacionaliza la política económica – proceso de extranjerización, expansión de las empresas multinacionales monopólicas, etc. – y nacionaliza la migratoria – restricciones a los migrantes limítrofes y represión a los migrantes indocumentados- ahora fundada en el control interno y la 169

seguridad nacional. La experiencia distribuidora (1963-1966 y 1973-1976) nacionaliza la política económica – aumento de la inversión pública, control estatal del capital extranjero – y desnacionaliza la migratoria – amnistías para los migrantes limítrofes y promoción de la migración latinoamericana. Como vemos durante las etapas de estrategias conservadoras, concentradoras, incluidas las militares, las políticas migratorias tienden a nacionalizarse; e inversamente, durante las experiencias distribuidoras se perfila un proceso de desnacionalización.

Dictadura versus democracia Cuando en 1976 se produce el golpe de Estado, se implanta a sangre y fuego una nueva estrategia de desarrollo basada en la apertura y liberalización de la economía (1976-2001). Ésta fue acompañada por políticas migratorias desplegadas durante cuatro gobiernos – dictadura militar (1976-1983), Alfonsín (1983-1989), Menem (1989-1999) y de la Rúa (1999-2001) – que consideraban a las migraciones latinoamericanas como un “problema” poblacional que debía resolverse mediante el control policial y la prohibición del trabajo remunerado. Durante este período se mantuvo vigente la Ley General de Migraciones y Fomento de la Inmigración, sancionada por la dictadura militar en 1981. Cimentada en la entonces dominante doctrina de la Seguridad Nacional, y reiterando una norma aprobada durante la época de Onganía, prohibía expresamente a todo extranjero indocumentado desarrollar actividades remuneradas obstaculizando, asimismo, el acceso a los servicios de salud y educación (medios y superiores). La norma fue reforzada en su legitimidad a través de la aprobación de dos Reglamentos de Migraciones: el primero elaborado por Alfonsín en 1987 y; el segundo por Menem en 1994. A mediados de la década de 1990, ya creadas las Comisiones de Población en ambas Cámaras – Senadores y Diputados – y dadas las gestiones realizadas por las ONGs, organizaciones de las colectividades extranjeras, instituciones religiosas, grupos académicos, etc. surgen en el Congreso Nacional proyectos que pretenden modificar la ley militar: diputado Cafiero (1996 y 1998); Carrió (1996); Mondelo y Dellepiane (1997); Pichetto (1998), etc. También se presentaron otros que proponían derogar la ley militar y reemplazarla por una nueva: el del diputado Muñoz (1994); diputado Totto (1995); diputada Mondelo (1999), y el de la Comisión de Población de la Cámara de Diputados (1999). Fueron todos intentos – sin éxito – pero que demuestran la intensa actividad parlamentaria: la sociedad civil rechazaba la vigencia de normas dictatoriales durante gobiernos democráticos.

La nueva ley La ley militar tenía ya más de 20 años de vigencia y no resultaba fácil lograr la sanción de una nueva, a pesar de la arbitraria política migratoria y la falsedad de los argumentos introducidos desde el Poder Ejecutivo respecto de los inmigrantes limítrofes, a quienes se los hacía responsables de diversos males sufridos en nuestro país (desocupación, cólera, toma de viviendas, excesivos gastos sociales, aumento de la criminalidad, etc.). El proyecto unificado consensuado en diciembre de 1999 en la Comisión de Población y Recursos Humanos de la Cámara de Diputados constituyó la base que tuvo en cuenta el diputado Giustiniani al redactar su proyecto, presentado en el Congreso en noviembre del 2001 y nuevamente en marzo de 2003. De la lectura de los Principios Generales surge que la norma es ambiciosa pues apunta a formular una nueva política demográfica nacional, fortalecer el tejido cultural y social del país, y promover la integración socio-laboral de los inmigrantes, manteniendo en alto nuestra tradición humanitaria y abierta en relación con los migrantes y sus familias. A diferencia de la ley militar en que el rol del Estado aparecía insistentemente asociado al control migratorio y la 170

prohibición, en el nuevo texto el Estado surge como garante: del derecho a migrar, de la igualdad de trato para los extranjeros, del acceso igualitario a los servicios sociales, de la necesaria información, del derecho de reunificación familiar, del derecho a la seguridad social, de las convenciones internacionales debidamente ratificadas, de la participación de los extranjeros en las decisiones relativas a la vida pública, de la ineludible intervención de un juez ante la posibilidad de una expulsión, de un intérprete en el caso de que el migrante no comprenda el español, y de la regularización de su situación migratoria. ¿Cuál es el modelo de sociedad que subyace en la nueva ley? El nuevo modelo nos remite a una sociedad integrada en la región e inclusiva, que respeta los derechos de los extranjeros y valora su aporte cultural y social.

La política migratoria actual Profundas innovaciones se han desarrollado en materia migratoria. La nueva ley sancionada por el Congreso Nacional en diciembre de 2003 representa un cambio categórico en la política migratoria y un logro histórico; así como la recepción de principios vigentes en el contexto internacional y la transformación del paradigma que sustentaba la política: de la “seguridad nacional” como valor a proteger ante la amenaza potencial de los extranjeros al reconocimiento del derecho humano a migrar. Vamos a citar varias circunstancias que ponen de manifiesto el giro ideológico citado: a) aprobación de la Convención Internacional que protege los derechos de los trabajadores migrantes y sus familiares; b) sanción de nueva ley de refugiados, que viene a llenar un vacío legal largamente demandado por los organismos involucrados y las asociaciones; c) amnistía a inmigrantes extraMercosur; d) implementación del programa de regularización permanente conocido como Patria Grande que benefició a casi 700.000 migrantes; e) aprobación del Acuerdo sobre Residencia en el Mercosur; f) sanción del decreto reglamentario de la nueva ley migratoria; g) ampliación de la participación de las asociaciones de inmigrantes y refugiados previstas en las nuevas leyes; h) creación del Programa Raíces (retorno y vinculación con investigadores y científicos argentinos emigrados) y su posterior confirmación como política de Estado; i) creación del Programa Provincia 25, de enlace y unión con argentinos emigrados); j) aprobación de la ley de Prevención y Sanción de la Trata de Personas y Asistencia a sus Víctimas; k) creación de la Comisión Nacional para los Refugiados; l) firma de acuerdos migratorios bilaterales con Chile y el Perú; m) aprobación del Acuerdo contra el tráfico ilícito de migrantes entre los Estados Partes del Mercosur; entre otros. Por otra parte, la actual política se ha vuelto más compleja en varios sentidos, no sólo en relación con el origen de los migrantes: al tradicional procedente de países limítrofes y Corea, se suma el de China, el Caribe y en menor medida de África; sino también con referencia a los nuevos actores involucrados en la formulación y aplicación de las políticas, observándose una creciente participación de sectores sociales –organizaciones de la sociedad civil– y de otros gobiernos (de países donde residen argentinos, de países de donde provienen los inmigrantes o con los cuales se está construyendo un espacio de integración regional).

Avances y retrocesos En la actual etapa de globalización neoliberal capitalista, los procesos migratorios están insertos en un mundo de centros poderosos y periferias subordinadas. Es justamente en ese conjunto de polaridades entre la sociedad moderna occidental y las otras culturas (todo el mundo ex–colonial) en que debemos interpretar las migraciones desde los países periféricos hacia los centrales. El fenómeno tiene 171

la particularidad de exhibir con claridad las contradicciones y limitaciones del capitalismo: los necesita pero los rechaza. En épocas de crisis, se legitima su exclusión derrumbando las retóricas construcciones acerca de los derechos humanos que esas mismas sociedades centrales proclaman defender. En los países periféricos la experiencia reciente transita caminos opuestos: las nuevas políticas formuladas en la Argentina (2004), el Uruguay (2007), así como la nueva ley sancionada en Bolivia (2013) se basan en un modelo integrador, respetuoso de los derechos de los migrantes que se contrapone con las del mundo desarrollado. ¿Cuál es la evolución observada en Latinoamérica, especialmente en el Cono Sur, acerca de esta compleja relación entre expansión capitalista global y migraciones? El tratamiento de las cuestiones migratorias a nivel latinoamericano revela avances y retrocesos. Entre los primeros podemos incluir: a) el hecho de que la Convención Internacional para la Protección de todos los Trabajadores Migratorios y sus Familiares fuera reconocida y puesta en vigencia por catorce países latinoamericanos; y si bien constituyen declaraciones formales que muchas veces no llegan a cristalizarse en la vida cotidiana de los migrantes, otorga una protección real a la que se puede acudir. La circunstancia de que alguno de estos sean países receptores – como Chile y la Argentina – nos obliga a valorizar aún más este progreso; b) la ampliación de la ciudadanía en trece países que han otorgado el derecho al voto a sus emigrados; c) la entrada en vigencia del Acuerdo de Residencia firmado por los países del Mercosur y asociados en el año 2002, si bien los tiempos para su internalización han sido considerablemente largos; d) la declaración de la Unión de Naciones Suramericanas (Unasur) creada mediante un tratado firmado el 23 de mayo de 2008, en Brasilia, que coloca el tema migratorio entre uno de sus objetivos específicos prioritarios, implicando una reafirmación de la trascendencia otorgada a la temática migratoria en el proceso de integración regional. En esta misma línea se inscribe el proyecto de “Comunicado Especial sobre la Situación de los Derechos Humanos de las Personas Migrantes” de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (Celac), elaborado por los presidentes de América Latina y el Caribe, reunidos en Caracas, el 3 de diciembre de 2011, mediante el cual proponen a las personas migrantes como eje de toda política migratoria, valoran su aporte, expresan su rechazo a la criminalización y se comprometen a combatir el racismo y la xenofobia. Inversamente, a pesar de los avances observados, el tratamiento del tema migratorio dentro de los órganos del Mercosur ha sido marginal, dado que no se creó un grupo de trabajo específicamente dedicado a esta materia, sólo se debatió en espacios relacionados con cuestiones laborales, fronteras y previsión social. Asimismo, los progresos citados no logran modificar arraigadas prácticas en las autoridades nacionales encargadas del control interno y de las fronteras, quienes perciben al migrante latinoamericano como un sospechoso a priori de diferentes delitos, así como un potencial competidor de la mano de obra interna. En síntesis, advertimos un positivo proceso – lento y no exento de altibajos – que incorpora las migraciones como una variable esencial para la realización efectiva de la integración. Retomando las ideas de Sassen (2001), quien sostiene que si bien la construcción de un orden internacional globalizado conlleva un proceso de desnacionalización de las políticas nacionales, el proceso migratorio internacional resulta un área conflictiva en la que los Estados renacionalizan sus políticas aferrándose a su derecho de controlar fronteras; consideramos que resulta necesario distinguir entre países centrales y periféricos. En este contexto, cómo explicar la original política migratoria argentina a contrapelo de las formuladas por los países receptores centrales. Pensamos que las políticas restrictivas del Norte descansan en una perspectiva eurocentrista. En nuestro país, después de la crisis de 2001, comienza la ruptura del paradigma neoliberal al quedar al descubierto el proceso de polarización y desigualdad, la esencial contradicción entre el mundo desarrollado y la periferia. Así, el caso argentino resulta paradigmático, pues mientras otros países receptores – centrales – profundizan políticas migratorias restrictivas y en algunos casos descuidan principios sobre derechos humanos – Directiva de Retorno en la Unión Europea, Ley de California en los Estados Unidos de Norteamérica, etc. –, la experiencia en la Argentina resulta inversa al formularse una política que 172

considera la migración como un derecho fundamental. La nueva ley así lo explicita: “El derecho a la migración es esencial e inalienable de la persona y la República Argentina lo garantiza sobre la base de los principios de igualdad y universalidad” (artículo 4). A partir de la traumática experiencia colectiva del 2001, la Argentina pudo idear una política alternativa que rompió con la ideología colonial dominante gracias a su rica historia política, cultural y social construida en relación con los migrantes que fue recibiendo desde mediados del siglo XIX, y a su inserción en el proceso de integración regional. No obstante, a pesar de que los cambios citados han avanzado en relación con la protección y respeto de los derechos de los migrantes, estudios puntuales nos revelan que los inmigrantes en la Argentina son discriminados y explotados; en muchos casos perseguidos y maltratados. Existen cuestiones económicas, culturales e ideológicas que explicarían ese fenómeno. Lo que aún está en debate es en qué medida los inmigrantes sufren ese trato por ser extranjeros o por ser pobres. Discusión asociada a otro interrogante pendiente que gira en torno a cuánto de democracia – y de políticas migratorias democráticas – tolera el sistema capitalista.

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ARTIGO

Conjuntura e mobilizações no Brasil: direitos, centavos, fumaça e vinagre Gisálio Cerqueira Filho

Para Amarildo de Souza in memorian

I Amarildo de Souza, ajudante de pedreiro, morou na Rocinha, Rio de Janeiro. Ele foi preso para averiguações pela UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), “menina dos olhos” da política de segurança pública do Governo Sergio Cabral e conduzida pelo secretário Mariano Beltrame e sumiu... Dele, ninguém sabe ninguém viu... O episódio aconteceu em meio às últimas manifestações ocorridas no Brasil no Brasil, em geral, e no Rio de Janeiro, em particular. Antes de tudo, ironia da história: o fato de tais manifestações “terem escolhido” o período da Copa das Confederações – FIFA para se realizarem, aproveitando assim o apelo internacional do... futebol globalizado e a visibilidade que ele confere ao Brasil. O historiador Eric Hobsbawm compara esse espetáculo do futebol e dos estádios que se constroem (tipo padrão Fifa), no século XXI, com a ópera na virada do século XIX/XX. Exagero? A integração, embora ambivalente e contraditória, que o Brasil apresenta, teve a liderança forte da Rede Globo, e foi construída, pelo menos em parte, pela ditadura e em torno do... futebol. O Campeonato Brasileiro ou Brasileirão, é um dos mais acompanhados e observados, para fins de contratação de jogadores, no planeta. Curiosamente é a integração que serve agora à mobilização e à manipulação políticas. Isto posto, essas manifestações tiveram como primeira motivação um aumento de transporte de poucos centavos, mas cuja discussão já vinha sendo realizada há algum tempo pelo MPL (Movimento do Passe Livre). Diga-se, de passagem, aumento malvisto por quem usa e quem não usa o transporte público, diante das obras e fechamentos de ruas em função da Copa do Mundo, visita do Papa, 80 Olimpíadas, etc. Os transportes pioraram muito nos vários centros urbanos do “Brasil integrado”. Os engarrafamentos aumentaram também em função do maior número de automóveis em circulação, dificuldades de estacionamento e do maior acesso das famílias aos automóveis. Inclusive em cidades de médio porte. Assim, em cada centro dinâmico urbano do Brasil, e mirando nos jogos da Copa das Confederações previsto para o Brasil, cada capital sede de um jogo internacional, se transformou num território de manifestação política. O horizonte não discernido ainda, mas que açula o imaginário é constituído pelas próximas eleições de 2014. A partir de então não houve, no Rio de Janeiro, manifestação que mão apresentasse o cartaz onde aparecia a inscrição “Cadê Amarildo?”. Não fosse o futebol e a Copa das Confederações o nome Amarildo “passaria batido”. Mas no caso, não. Pois Amarildo foi o nome do jogador da seleção brasileira que substituiu Pelé, quando machucado, ficou de fora na Copa do Mundo de 1958, disputada em Chile. O Brasil sagrou-se bicampeão mundial de futebol, imortalizou o nome de Amarildo, que inclusive fez gol em partida “eterna”, como diria Nelson Rodrigues. Agora, o nome 174

Amarildo volta à cena, mas vinculado aos desmandos, disputas do tráfico, conflitos e disputas e entre as polícias civil e militar em meio a manifestações políticas, onde não são estranhas a presença de agentes infiltrados como a imprensa e a TV não tem cansado de sugerir. Pauta para uma velha questão quando se discute direitos civis e sociais na passagem de uma ditadura para o estado democrático de direito: a polícia política deve abrir passagem à polícia cidadã. Difícil tarefa política e estratégica que desde a última década do século XX vem se colocando como questão prioritária na formação social brasileira. Ressalvados os momentos históricos distintos, os cadáveres dos presos políticos como Wladimir Herzog e Manoel Fiel Filho estão para a conjuntura da época do Presidente Ernesto Geisel, tanto quanto o desaparecimento do preso comum Amarildo de Souza, detido para averiguações policiais, está para o momento atual da conjuntura política que ora atravessamos. A luta pelo “NÃO” ao aumento das passagens de ônibus, vinte centavos mais caras, são a ponta do iceberg cujo desaparecimento do ajudante de pedreiro da Rocinha se transforma em símbolo eloquente. Embora não seja somente isto, pois a complexidade do momento político permite múltiplas análises e interpretações. Não devemos esquecer ainda os ressentidos com a abertura política que não toleram as efetivas mudanças no aparelho policial e não aceitam as verdades da “Comissão da Verdade”. Estamos pagando o preço por não termos realizado efetivamente a transição da “polícia política” para a “polícia do cidadão”. Malgrado os esforços realizados; corações e mentes dos policiais ainda seguem a cartilha da ideologia da segurança nacional. Muitos “tiras” comentam o famoso “TIP” (tecnologia, informação e porrada), expressão que, em inglês, pode significar suborno, corrupção... Na noite de 14 de julho Amarildo desapareceu após ser levado por policiais militares para a unidade da UPP na Rocinha. Já sabíamos por informação policial oficial, na ocasião, que duas câmeras de monitoramento da UPP não estavam funcionando. Assim, a versão do Comandante da UPP major Edson dos Santos não pode ser confirmada. Segundo ele, Amarildo teria deixado a sede da UPP, descendo a pé a escadaria de acesso à Rua Dioneia. O inquérito na policia Civil foi aberto na 15ª Delegacia (Gávea), sob a condução do Delegado Orlando Zaconne. Um pouco mais tarde, isto é, em 1º de agosto a opinião pública toma conhecimento que naquela noite o GPS das viaturas da UPP estava desligado; o que impede uma investigação mais completa. Ou seja, está dificultada a verificação se algum daqueles veículos fez um caminho suspeito ou mesmo se teria deixado a Rocinha. Já agora, a suspeita da morte do ajudante de pedreiro fez com que o processo passasse a ser investigado agora na Delegacia de Homicídios - DH, a ser presidido pelo Delegado Rivaldo Barbosa. Nos episódios o Procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, tem tornado público o interesse crucial do Ministério Público. Até a presente data já houve, pela menos, duas reconstituições do evento no qual desapareceu o morador da Rocinha e dois outros moradores da comunidade mudaram o depoimento e disseram que foram coagidos pelo comandante da UPP local a atribuir ao tráfico o desaparecimento de Amarildo. Todavia, isso foi negado pelo comandante. Este, por sua vez, retornou ao Bope dentro de uma reestruturação dos comandos das UPPs, a partir da mudança do Comando Geral, por razoes aparentemente que não tem a ver com esse episódio. Na altura, a investigação segue na DH e se concentra na quebra dos telefonemas trocados entre os quatro PMs na noite do desaparecimento de Amarildo. A presunção da morte de Amarildo, que levou o advogado de defesa solicitar oficialmente o atestado de óbito já provocou a substituição de faixas e banners de protesto político com a inscrição “Onde está Amarildo?” por “Quem matou Amarildo?” O interesse no caso motivou que a manifestação da comunidade da Rocinha agregasse participantes já acampados próximos à casa do Governador Sergio Cabral no Leblon, abriu caminho para marchas de protestos incorporando moradores do Vidigal em direção ao Leblon e que fecharam a Av. Niemeyer que liga a Zona Sul do Rio à praia de São Conrado. Por pelo menos duas vezes as galerias do Túnel Zuzu Angel foram fechadas para novas manifestações. O Túnel Zuzu Angel é 175

alternativo para a Zona Sul alcançar São Conrado e a Barra da Tijuca. Certamente tudo isso tumultua o trânsito e tem, ao fim das manifestações, em geral sem violência, aberto caminho para tumultos e atos de quebra-quebra que tem levado o desassossego à Zona Sul carioca, mas não só. Outras manifestações têm ocorrido em São Paulo e Belo Horizonte onde podem ser vistos cartazes levantado com a pergunta “Cadê Amarildo?” Invariavelmente a intervenção policial tem sido realizada ao final das manifestações com o uso de bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e até balas de borracha. A fumaça das bombas, sobretudo e também de carros ou pneus incendiados por alguns poucos manifestantes, além de um ou outro coquetel molotov tem colocado a questão de haver infiltrações nas manifestações que visam provocação e interesses políticos subalternos e inconfessáveis. Daí para a fumaça passar a metáfora é um pulo. Pois muito do inconfessável fica escondido sob a “cortina de fumaça” que esconde a tentativa mesmo de impedir os avanços do Estado democrático de direito. Muitos manifestantes também levam vinagre para embeber lenços e panos e assim prevenirem-se dos efeitos químicos que os artefatos usados produzem. Todavia, o vinagre, se pode ser laçado à condição de metáfora alude a um “vinho que já era”, a “algo que já foi”, “foi pro vinagre”, “não tem utilidade”, etc. Assim, as perguntas “Cadê Amarildo?” e agora “Quem matou Amarildo?” são aquelas que funcionam como verdadeiras metáforas para a pergunta “Onde está o Estado democrático de Direito?”. Nas manifestações políticas recentes tem-se notado a participação e eventualmente identificado de agentes do Serviço Reservado da PM (P-2). A imprensa divulgou que um dispositivo classificado com grau de sigilo reservado e contido no decreto estadual 37.272, publicado em 01/04/2005 pela então governadora Rosinha Garotinho e mantido por Sérgio Cabral, possibilita que o setor de Inteligência da PM investigue civis, função constitucionalmente exclusiva da Polícia Civil (WERNECK, 2013). Nosso pensamento acompanha os “promotores do Rio de Janeiro, para quem a função do Serviço Reservado da Polícia Militar (P-2) é subsidiar o trabalho da Corregedoria da corporação militar, não cabendo, em tese, investigação de civis” (Idem). Por outro lado, foi ainda com base nesse decreto, que se estabeleceu a “Doutrina de Inteligência de Segurança Pública do Rio” e que a PM desencadeou em março de 2013 uma operação no complexo de favelas do Caju, que prendeu moradores sem envolvimento em crimes. E tudo isso ocorre num momento em que, a simples identificação de um cidadão considerado suspeito pela polícia de Nova York, vem sendo questionada pela justiça norte-americana. 81 O mesmo tema dos limites da doutrina de inteligência e contrainteligência das forças de segurança também está na base de outra polêmica: o fato de PMs, ao invés de encaminharem o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza para a delegacia, o ter levado para a sede da UPP na Rocinha. Ele está desaparecido desde então (WERNECK, 2013)

II Num certo sentido fumaça e vinagre transcendem os efeitos das bombas de gás lacrimogênio, do spray de pimenta e o quanto de antídoto eficaz pode ser o vinagre. Consideramos o ar enfumaçado, de fato, como cortina de fumaça para questões postas pela realidade social que nós queremos ou podemos enxergar: abordamos em linhas muito sumárias três delas, 1) questão da juventude, 2) a questão da polícia no estado democrático de direito e 3) a questão da reforma político-eleitoral. Passada a Copa das Confederações de futebol, chegamos ao segundo megaevento recente que fornece o palco para a visibilidade de manifestações expressas. Foi o que ocorreu até certo ponto com a visita do Papa Francisco ao Brasil, que foi de um êxito espantoso, para mais uma edição das Jornadas Mundiais da Juventude. 176

De um lado, inebriou os jovens manifestantes brasileiros que recém saíram às ruas para serem protagonistas na construção de uma sociedade democrática que avance mais e mais na direção dos direitos sociais. De outro lado, ouviu do Papa Francisco um estímulo político forte na opção pelo encontro e diálogo como forma de fazer política. Sendo argentino e participando nas Jornadas Mundiais da Juventude, afirmou a sua condição de latino-americano sem negar o universalismo da Igreja Católica. Colocou com questão central a opção pelo trabalho missionário nas periferias e deu um caráter didático e pedagógico às suas falas convertendo-se numa liderança de massa inacreditável aos olhos de quem o observou com atenção na Praia de Copacabana. Esta se converteu em palco para prédicas no melhor estilo jesuítico dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola. Que paradoxo que este grande opositor argentino à gestão do Pe. Pedro Arrupe, S.J. - Provincial Geral dos Jesuítas (19651983) - pudesse falar nesse tom, cercado de tantos opositores à teologia da libertação e justamente no Brasil. Não fosse ela percebida com tanto vezo antimarxista nas análises correntes, sobretudo à época do Papa João Paulo II, mas também como fruto de um ecumenismo aberto ao protestantismo de Martinho Lutero, e não teríamos hoje, talvez, as rivalidades, os conflitos e o declínio do número de católicos, especialmente no Brasil. Os dados estatísticos apontam para um declínio, desde 1980, quando João Paulo II esteve no Brasil, de 89% da população que se dizia católica para em torno de 57 % nos dias de hoje. Para o sociólogo Juan Marco Vaggione, mais do que especular se Bergoglio (...) “colaborou ou não com a ditadura, o que espanta é a dificuldade que a Igreja Católica Argentina ainda tem de realizar uma autocrítica sobre seu papel no apoio e legitimação do regime militar” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 27/7/2013). Todavia, foi na Casa do Sumaré, no auditório, falando para 60 bispos das Conferências Episcopais para a América Latina e Caribe – CELAM que foram explicitadas as questões propriamente políticas quando o discipulato missionário opta pelas periferias (fala do Papa Francisco aos bispos da América Latina, 28/07/13, Rio de Janeiro). Embora chamando de tentações a evitar, diz que “não se trata de sair à caça de demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas” (Idem). Seria necessário então evitar: 1) [...] a ideologização da mensagem evangélica: 1-a) no reducionismo socializante, com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais, seja pelo liberalismo de mercado até à categorização marxista. 1-b) na ideologização psicológica. Hermenêutica elitista que, em última análise, reduz-se a uma dinâmica de autoconhecimento. Acaba por resultar numa posição imanente autorreferencial. 1-c) na proposta gnóstica. Muito ligada à anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em posições pastorais de quaestiones disputatae [...]. (Idem)

Para o Papa a proposta gnóstica foi o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da história da Igreja, em edições corrigidas e renovadas. E na sequencia diz que os gnósticos [...] são vulgarmente denominados “católicos iluminados (por serem atualmente herdeiros do Iluminismo). 1-d) (na continuidade, refere-se) a proposta pelagiana. (Ela) aparece fundamentalmente sob a forma de restauracionismo. Perante os males da Igreja, busca-se uma solução apenas na disciplina, na restauração de condutas e formas superadas que, mesmo culturalmente, não possuem capacidade significativa. Na América Latina, costuma verificar-se em pequenos grupos, em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a segurança doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é estática, embora possa prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura recuperar o passado perdido. (Idem)

A esta última visão, certamente conservadora, somam-se outras duas: 2) O funcionalismo. A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o roteiro. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de ‘teologia da prosperidade’ no organograma da pastoral. 3) O clericalismo é também muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade adulta e de liberdade cristã em boa parte do laicato da América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas. (Idem)

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Para muitos, todavia, as grandes questões para a Igreja no século XXI estarão no domínio da moral e não na opção preferencial pelos pobres. Há 15 anos, o Professor Cândido Mendes, em reunião da Associação Brasileira de Ciência Política com a participação da Associação Internacional de Ciência Política, realizada no Brasil, já aludia a algumas destas prioridades: divórcio, novo casamento para divorciados, pesquisa com células tronco, opção pela hora de morrer em circunstâncias especiais. Poderíamos acrescentar: casamento homo-afetivo com possibilidade de adoção de filhos, regulação da natalidade, fármacos contraceptivos, nova percepção não misógina com relação às mulheres na Igreja (RANKE-HEINEMANN, 1988), aborto em certas situações, questionamento do celibato para sacerdotes, etc. Todas essas observações estariam relacionadas especialmente com o corpo e, por isso Juan Arias, ressalta a radical separação entre corpo e espírito no pensamento cristão. De fato, a “influência platônica da filosofia grega com Santo Agostinho (século IV do Império Romano), viu o corpo como prisão do espírito. E isso tem vindo até os nossos dias; mas assim não era na cultura judaica primitiva onde o corpo não era considerado imoral” (ARIAS, 2013: 8). Ressalte-se que as primeiras comunidades cristãs beberam nesta cultura judaica primeva e então viam o corpo em maior sintonia com o espírito. Daí que discurso e prática inclusive de natureza teológica, não podem deixar de lado a articulação entre uma práxis (relação entre a teoria e prática) voltada para os pobres e uma himerização mesmo desse discurso, capaz de associar Himeneu e Eros enquanto metáforas para o amor, o sexo, a sexualidade, o desejo, a subjetividade enfim. Seria pedir demais à utopia? De todo modo queremos ressaltar que as religiões, e na América Latina não é diferente, miram nas “políticas de juventude”. Por isso, assinalamos que, em que pese o público alvo ser o católico-romano, as Jornadas Mundiais da Juventude, trouxeram para a cena política a questão magna da juventude. E se pensamos nesta faixa etária populacional, há que imaginar uma política pública de educação de horário integral que integre à educação convencional (ler, escrever, calcular), as políticas de lazer e esporte capazes de desperta a juventude para a atividade coletiva, como convém à requerida socialização. Mas não só. Sendo a juventude pobre e em especial aquela afrodescendente, a que mais paga em número de vidas o elevado preço à repressão policial, urge uma política clara de transformação das polícias para que possam servir ao estado democrático de Direito (CERQUEIRA FILHO, 2011). E por aí retornamos à questão da polícia no Estado democrático de direito; de uma estratégia que definitivamente afaste a “polícia cidadã” da “polícia política”. Uma grande conferência nacional poderia ser chamada pelo Ministério da Justiça para reflexão de grandes temas que seriam incorporados a um brain stormig intelectual. Algumas sugestões preliminares e provisórias (Idem): 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

A lógica do inimigo interno; O Direito Penal de Exceção; A ideologia neo-lombrosiana (naturalização do crime); Neodarwinismo social (naturalização dos conflitos sociais); Autoritarismo e absolutismo afetivo (vanglória de mandar); Militarização da polícia e o descaso no serviço à população; A quem interessa (ou não) a unificação das polícias (militar/civil); A questão da corrupção nos aparelhos policiais.

III Esse último subitem nos leva diretamente ao âmago do tema da corrupção como um todo na formação 178

social brasileira e acreditamos que o gancho para alcançar tal finalidade é precisamente a questão da reforma político-eleitoral. A reforma político-eleitoral é uma das questões de fundo que mais impactam e promovem o que quer que seja que chamemos de “corrupção”. O próprio julgamento a ação penal 470, popularmente chamada de “mensalão” pode possibilitar uma reflexão sobre as relações entre lei e ideologia em situações de exceção política e judicial vividas pelos magistrados e pelos tribunais em momentos singulares de juízo jurídico-político. No caso brasileiro desde a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva até a continuidade garantida pela eleição da presidenta Dilma Rousseff, estamos diante de múltiplas tentativas de descrédito seja político seja ético, desde considerações e denúncias acerca do uso da corrupção. “Julgamento do mensalão” foi denominação aceita, e não apenas pela mídia ou pela oposição, para qualificar os “crimes” praticados por um conjunto de políticos do PT e partidos aliados da base legislativa do Governo Luiz Inácio Lula da Silva” (CERQUEIRA FILHO, 2013). Desde que tais práticas foram “batizadas” de “mensalão” pelo deputado federal (PTB) Roberto Jeferson – a um só tempo réu e delator – que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou o termo “mensalão” e outros correlatos como “quadrilha”, “quadrilheiros” e afins para designar ações políticas, cuja liderança e direção foram atribuídas ao ex-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, nome expressivo das lutas contra a ditadura militar, tendo sido, à época, banido do Brasil. Sua vida é uma epopeia, mas tal narrativa não vem ao caso, aqui e agora. Talvez, essa denominação seja o melhor indício metodológico (GINZBURG, 1986) de que o julgamento sobre práticas de corrupção político-eleitorais ocorrido recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, no segundo semestre de 2012, mereça de fato ser chamado de julgamento político. Se consideramos a expressão forte demais, fiquemos com a denominação julgamento de exceção. Pelo menos esta última denominação tem a seu favor a consagrada expressão direito de exceção, que remonta a Carl Schmitt, como um dos seus maiores divulgadores no âmbito do direito moderno e contemporâneo. Nada se provou cabalmente de pagamentos regulares e sistemáticos mensais, mas o termo “mensalão” tornou-se um mantra em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT). Um dos primeiros cientistas sociais a nomear a Ação Penal 470 julgamento de exceção foi Wanderley Guilherme dos Santos. A exceção vai por conta de alguns aspectos que caracterizam o julgamento. E não quer significar julgamento emblemático. Na opinião de W. G. dos Santos, e apesar do viés modernizador que tem caracterizado o STF, os ministros teriam “ojeriza à política profissional, um certo desprezo aristocrático. E quando na política brasileira irrompeu a política popular de mobilização, eles não aceitaram, (deram) um significado de decadência e degradação” (SANTOS, 2012). Todavia, devemos registrar que a referida mobilização popular nem é tão grande assim. Por assim dizer, é muito inferior à mobilização clássica do “povo na rua” – o exemplo atual na América Latina, e mais referido, é o da “revolução bolivariana” liderada por Hugo Chávez na Venezuela. No Brasil, o que muitos designam como mobilização popular tem se restringido às políticas de emprego, renda e crédito que permitiram o acesso ao mercado de consumo de cerca de 25 milhões de pessoas (SINGER, 2009). Também a emergência de um novo estrato de classe social dentro da Burguesia propriamente dita. Esse grupo é formado por sindicalistas (classe operária, bancários, intelectuais, etc. apoiadores do PT), por militantes partidários e ativistas de Organizações não-governamentais (ONGs). Fernando Haddad82 chamou-os de Nova Burguesia de Estado para contrastar com a antiga Burguesia de Estado (burocracia, funcionários públicos, intelectuais; todos tradicionais e que receberam o reforço, durante o regime autoritário recente, de muitos militares reformados). Entretanto, há um aspecto conservador e aristocrático que deve ser levado em consideração. “Nossa legislação eleitoral é nebulosa, confusa, inconsistente... é uma legislação que provoca conflitos, que traz uma imprevisibilidade jurídica enorme...” (SANTOS, 2012). Segundo o entrevistado, os ministros do STF resistem a aceitar que a legislação eleitoral possa ser a causadora dos problemas 179

políticos do país. A governabilidade fica muito prejudicada quando a democracia, que é governada por sistemas de representação proporcional oriundos das eleições e fundados nas coalizões mais diversas, é percebida e definida exclusivamente pela afinidade ideológica. Daí porque o sistema de coalizões passa a ser visto e explicado como fator criminógeno, no qual a corrupção é variável de destaque. Registre-se ainda que, simultaneamente ao julgamento, práticas político-eleitorais designadas como “crimes” não tenham sido especialmente coibidas, nem uma nova lei de financiamento de campanha e propaganda eleitoral dos partidos políticos tenha sido votada e promulgada. [...] embora, a legislação favoreça as coligações partidárias, a lei proíbe que os partidos que tem maior capacidade de mobilização financeira transfiram, à luz do dia e por contabilidade clara, recursos para os partidos com menor capacidade de mobilização. Então você induz a criação de coligações, mas proíbe o funcionamento delas. Isso favorece o Caixa 2, entre outras coisas, todos os países com eleições proporcionais permitem coligações, do contrário não há governo possível. A coligação ideológica entre partidos que não tem a mesma orientação ideológica não é crime. (Idem).

Fato é que, ao final do julgamento houve vários condenados, alguns deverão cumprir vários anos de prisão e muitas multas pecuniárias foram aplicadas. Com a publicação recente do acórdão, aguardam-se os eventuais embargos de declaração e os embargos infringentes que a lei permitir. O coroamento do processo remeteu as provas à “teoria do domínio do fato” e isso tem ensejado muito debate no meio jurídico-político. Ela teria sido atualizada pelo jurista alemão Claus Roxin. Mas essa questão ficará para outra oportunidade. Por fim, na reunião do STF realizada aos 17/09/2013 o Ministro Celso Mello valeu-se do voto de minerva e desempatou o resultado anterior de 05 votos a favor e 05 votos contra com embargos infringentes. Assim, foi sorteado um novo relator para a nova fase do processo, recaindo a escolha eletrônica no ministro Luiz Fux.

Referências ARIAS, J.

A carne não é território do pecado. Prosa e Verso. O Globo. Rio de Janeiro, 27/07/2013: 8.

CERQUEIRA FILHO, G.

Um Julgamento de Exceção: a pegada da ideologia. Congresso Mundial do RCSLISA, Toulouse, França, 3 a 6 de Setembro de 2013. Apoio CAPES. _______. Violência em Paralaxe. In: SOUZA, M.; MARTINS, F. E.; ARAÚJO, J. N. G. (orgs.). Dimensões da Violência: conhecimento, subjetividade e sofrimento psíquico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011: 259277. GINZBURG, C.

Miti emblemi spie. Torino: Einaudi,1986.

RANKE-HEINEMANN, U. SANTOS, W. G. SINGER, A.

Os Eunucos de Deus. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.

dos. Entrevista ao Jornal O Valor Econômico, edição 713, 25/09/2012.

Raízes Sociais e ideológicas do lulismo. São Paulo: Revista Novos Estudos, n° 85, novembro de

2009. VAGGIONE, J. M.

Entrevista por Marcos de Paula. Que Papa é esse? O Estado de São Paulo, 27 de julho de

2013. 180

WERNECK, A.

Reportagem publicada em O GLOBO, 09/08/2013.

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V. Cultura Contemporânea na América Latina INTRODUÇÃO

Cultura Contemporânea na América Latina Leonardo Valente

DEPOIMENTO

Cultura e transição: como enfrentar o neoliberalismo* Antonio Albino Canelas Rubim

ARTIGOS

Creatividad para la inclusión social en Argentina, en torno a la cuestión de los derechos culturales Ana Wortman Punição, cultura religiosa e Direitos Humanos Gizlene Neder

De Antonio Mamerto a Gauchito Gil: estrategias de control y formas de resistencia popular en una región de frontera entre Argentina y Brasil José Renato Vieira Martins

Imagens da identidade na perspectiva da integração Maria Luiza Franco Busse Acordos globais e existências regionais: a inserção da cultura brasileira no Mercosul, 2010-2014 Mônica Leite Lessa

* Transcrição de fala do autor durante Simpósio no XIV FoMerco

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INTRODUÇÃO

Cultura Contemporânea na América Latina Leonardo Valente

A ampliação das políticas de intercâmbio cultural entre os países América do Sul, especialmente nos Estados denominados como de governos pós-liberais, 83 é considerada de fundamental importância para a superação de fato do neoliberalismo e das assimetrias sociais e econômicas na região. O Simpósio de Abertura do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco 2013, intitulado “Cultura Contemporânea na América Latina”, teve como objetivo discutir como a cultura e as políticas de integração cultural podem se converter em elementos de fortalecimento da autonomia regional, de desenvolvimento e de transformação social. No simpósio, o professor Antônio Albino Canelas Rubim ressaltou que a análise do caso brasileiro é de fundamental importância para uma melhor compreensão sobre os rumos que esses projetos de integração podem e devem tomar. Segundo ele, o Brasil encontra-se em um processo de transição e em andamento muito descompassado que influencia na questão cultural. De um lado, o país passa por um forte processo de inclusão econômica, tendo pela primeira vez a combinação de desenvolvimento com o enfrentamento da secular exclusão e da desigualdade. No entanto, ainda prevalecem no país estruturas arcaicas e de engessamento das transformações do Estado, que não conseguem acompanhar as rápidas e profundas transformações do campo socioeconômico. Se tivermos avanços consideráveis na redução da exclusão econômica, no campo da cultura permanecemos com índices de exclusão cultural imensos no Brasil. É óbvio que todas fazem cultura e que a cultura é compartilhada por todos. Podemos chamar essas de culturas populares. Mas existem modalidades de cultura que no Brasil são, historicamente, altamente excludentes e que continuam sendo marcadas pela exclusão. E não tivemos ainda políticas dispostas a enfrentar essas questões. Cito como exemplo o índice de frequência a bibliotecas, museus, teatros, galerias de arte e ao cinema. Para se ter uma ideia, temos cerca de 2.500 salas de cinema no Brasil, e quase 5.500 municípios, o que significa que pelo menos metade das cidades do país não possui um cinema sequer. Ou seja, toda essa população está impedida de vivenciar essa experiência de arte contemporânea. (RUBIM, A.A.C., depoimento adiante).

Os problemas no avanço da inclusão cultural produzem no Brasil, segundo Rubim, um enorme déficit na questão da cidadania cultural e dos direitos culturais. Essa ausência faz com que não exista um movimento cultural sintonizado com o momento de transição e de inclusão econômica pelo qual o país passa, e capaz de reduzir o alto grau de discriminação social da sociedade. As manifestações culturais alternativas, apesar de serem numerosas, são fragmentadas e não são capazes de dar conta da diminuição das diferenças sociais. Para ele, o processo de transição no campo da cultura está sendo feito de forma esquizofrênica e, como consequência, ainda reproduz o modelo neoliberal. Foi na Constituição de 1988 que a questão dos direitos culturais apareceu pela primeira vez de forma definida. Mas a prevalência de valores culturais conservadores e de alto grau de prevalência de discriminação social foram e ainda são um grande desafio para a difusão dos direitos culturais para toda a população. Em todo este tempo, também não surgiu no Brasil um movimento cultural alternativo forte e sintonizado com esse momento de transição. Nos anos 1930 e nos anos 1950 e 1960, as profundas transformações sociais, econômicas e políticas pelas quais passaram o Brasil foram acompanhadas por movimentos culturais sintonizados com essas mudanças. Mas não temos um movimento cultural sintonizado com as mudanças do nosso momento, ainda que existam uma série de movimentos alternativos. Mas a fragmentação e a ausência de conexão entre elas fazem com que não consigam configurar um movimento alternativo de fato, apesar de uma gestão bem inovadora que tivemos de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, e que é necessário destacar. (Idem)

Esta problemática não é exclusividade do Brasil e, na visão de Rubim, é necessário investigar como a questão da exclusão cultural em meio a uma cada vez maior inclusão econômica está sendo tratada 183

especialmente nos países da região com governos pós-liberais. Neste campo, existem questões importantes a serem investigadas. Quais são as políticas culturais desenvolvidas nesses países para o campo mais profissional da cultura? Quais as políticas culturais para as novas comunidades? O Cultura Viva é um exemplo, e tem sido replicado em vários países da América do Sul, especialmente os pós liberais. Como os setores agora incluídos estão sendo tratados culturalmente? Como estão as políticas de educação e as de ciência e tecnologia? Como as políticas de educação tem impacto cultural, e como dão conta de comunidades antes excluídas e agora incluídas? (Idem)

Levar as novas tecnologias para as famílias pelas crianças, por exemplo, tem impacto sobre pais e familiares. É necessário, segundo Rubim, ir além das políticas de educação e investir também nas políticas de comunicação, que têm um enorme impacto cultural. É preciso dar atenção tanto às políticas para as chamadas mídias tradicionais, como também as novas mídias. Várias experiências neste sentido estão sendo implementadas em países como Argentina, Equador e Venezuela, mas o Brasil pouco avançou neste sentido, de acordo com Rubim. “É muito importante analisar o impacto das políticas culturais na área de tecnologia, especialmente sobre as tecnologias digitais, verificando como estas estão formando comunidades culturais digitais e como estão influenciando as comunidades culturais alternativas” (Idem). Pensar em formas de garantir os direitos culturais e diminuir a exclusão cultural exige também uma reflexão sobre o conceito de democratização cultural, especialmente em contextos de desigualdade, típicos dos países da região. O tema é alvo de estudo da professora Ana Wortman, que aponta a desigualdade social como um fator resultante das atuais políticas culturais. Segundo ela, é necessária criatividade para se tratar a questão social na cultural. Nos anos 1980, a democratização cultural tinha como principal preocupação dar acesso aos produtos culturais, como cinema e teatro, que classicamente são entendidos como cultura. Mas este conceito de cultura se ampliou nos últimos quinze anos, segundo ela, por conta da globalização, da nova dinâmica econômica e dos processos de integração. O conceito de cultura, de acordo com Wortman, tornou-se mais complexo e com mais interações para o desenvolvimento social e humano. As novas tecnologias também levantam de forma mais acentuada o tema das redes culturais. É preciso entender com os produtos culturais, por meio dessas novas redes, estão sendo distribuídos. As culturas digitais também possuem importante papel nesse processo de ampliação das interações. É importante compreender as novas relações entre produtores culturais e também como esses produtos culturais estão chegando ao público. A ressignificação do conceito de cultura está diretamente relacionada ao processo de globalização e todas essas questões estão diretamente relacionadas à forma como a cultura se tornar mais democrática” (WORTMAN, A., texto adiante).

Para Wortman, essa nova forma de produção de cultura tem duas vertentes. A primeira é que o impacto da indústria de cultura é cada vez maior sobre o ponto de vista socioeconômico. A segunda é que é possível estabelecer novas formas de redes culturais com boa capacidade de penetração e de distribuição. Produções culturais criativas, não necessariamente pertencentes à indústria cultural dominante, mas também com poder de impactar seus públicos e de gerar transformações. A partir da crise de 2001 na Argentina, uma crise muito nociva para o país, começaram a aparecer em todo o país uma série de processos culturais autogestores, onde pessoas de uma classe média empobrecida, todo tipo de artistas das mais diferentes artes, ficaram sem trabalho e começaram a pôr em prática projetos culturais autorais em partes pobres de Buenos Aires. Muitos desses projetos surgiram nos bairros da zona sul da capital argentina, um lugar pouco conhecido mas que revela a pobreza portenha. Um projeto que chamou minha atenção foi o de um jovem fotógrafo, desempregado, e que vai a um bairro dessa região e começa a fazer um trabalho de ensino de técnicas fotográficas para crianças e jovens carentes dessa região. Entrevistas feitas posteriormente com essas crianças e jovens mostraram que elas diziam que toda vez que estavam com uma câmera fotográfica nas mãos, sentiam que realmente existiam. Também foi recorrente nesses jovens a expressão de liberdade, ao se dizerem livres na escolha do que fotografar, que cores priorizar, que pessoas retratar. Trata-se de um trabalho que contribuição para a construção de identidade e também para a recuperação de autoestima. Esse é um exemplo do poder e da importância desse tipo de trabalho cultural. Outros projetos surgiram. Artistas que surgiram das classes populares agora expõem em lugares consagrados de Buenos Aires. (Idem)

Trabalhos como esse são exemplos de mudanças nas perspectivas culturais e criam novas 184

concepções de democracia cultural. A arte produzida nas classes populares e sua força criativa tem um importante papel na inserção social dessas camadas populares, na construção de identidades mais igualitárias e na recuperação da autoestima. Consequentemente, são importantes projetos para a redução da exclusão social: De regiões violentas de Buenos Aires saíram projetos culturais voltados para as classes populares que tiveram e ainda têm papel fundamental na recuperação da autoestima. Jovens dessa região, estigmatizados pela pobreza, a partir do projeto de ballet “Los posibles”, passaram a construir novas realidades por meio da dança contemporânea, e hoje são prestigiados em turnês pelo país. (Idem)

Para Wortman, as plataformas digitais são importantes meios de promoção de igualdade cultural, pois facilitam e integram esses projetos voltados para as classes populares. Mas é preciso fazer mais. É necessário resignificar espaços culturais tradicionais e ter políticas que levem em conta a cultura como fator de inclusão social. Além da cultura como fator de reduções de exclusões sociais e promotor de sociedades mais igualitárias, outro ponto da questão cultural de grande importância para a integração é o conhecimento sobre as tradições culturais e populares dos países do bloco. Disseminar os valores culturais é fator de grande relevância para conhecimento mútuo e para a quebra do vazio em relação ao outro, que se converte em terreno fértil para o distanciamento e para o preconceito. Maior conhecimento sobre as tradições dos vizinhos aumenta a integração cultural e, consequentemente, torna mais sólidos todos os outros processos de integração regional. O trabalho do professor José Renato Vieira Martins segue nesta linha, destacando as relações entre cultura popular e religiosidade, utilizando como exemplo da lenda sobre Gauchito Gil, herói popular argentino, visto como santo, que viveu na região de fronteira com o Brasil. Martins examina as estratégias de controle acionadas contra os gaúchos e as classes pobres que habitavam esse território. Gauchito, mesmo não sendo reconhecido, é o santo mais popular na Argentina. Reúne todos os anos na cidade de Mercedes, cerca de 150 mil pessoas. Os devotos vão prestar homenagem, pagar promessas por graças concedidas. Trata-se da expressão de um sentimento popular por conta da religião. É a expressão dos argentinos mais pobres, de sua cultura popular. Gauchito é um prato cheio para falarmos em sala de aula do sagrado e do profano, do pensamento mágico e místico, aparentemente voltado para o além, mas segundo Weber, uma ação racional voltada para este mundo, cuja finalidade é a cura. (MARTINS, J. R. V., texto adiante).

A região onde surge o fenômeno de Gauchito, o nordeste da Argentina, é uma área de pastagem, de acesso livre, num “território de ninguém”, como aponta Martins. A partir do governo Rosas, no entanto, essa situação se altera. A oligarquia inscreve esse território no campo internacional do couro e do charque. São inscritos na lógica capitalista internacional por meio dessa atividade monopolista. Era preciso dominar aquela cultura da região e subordiná-la a uma nova realidade. Gauchito foi um resistente, era mestiço, descendente de europeus, negros e indígenas. Foi convocado para a Guerra do Paraguai. Os caudilhos ou trabalhavam nas propriedades ou eram mobilizados para a guerra. Ao desertar, Gauchito rompe com o sistema. É aprisionado, degolado, e colocado à mostra como exemplo. Ao levar uma vida errante como os demais gaúchos, chegou a viver de pequenos furtos. Uma espécie de Robin Wood dos Pampas. Seus valores são legitimados pelas classes populares. Não é um santo venerado pelas elites. Sua lenda se espalhou, por outras regiões da Argentina e do Paraguai. (Idem)

Os valores implícitos na história de Gauchito, segundo Martins, são valores que as classes populares reconhecem, como por exemplo a legitimação do furto para alimentar a família. Por meio de um fenômeno como esse se chega ao repertório das classes populares. É preciso, portanto, identificar que valores e que histórias são disseminadas pelas classes populares dos países sulamericanos e latino-americanos. O conhecimento sobre essas histórias e seus valores tornam mais efetivo o trabalho de integração dessas respectivas culturas. O conhecimento mútuo sobre as culturas populares, portanto, é um ponto fundamental para uma integração regional cultural efetiva. Entre as políticas voltadas para o conhecimento e disseminação da cultura e dos valores culturais 185

dos países do bloco em toda a região, destaca-se a diplomacia cultural, instrumento de Estado com grande capacidade de otimizar os processos de integração cultural. Segundo a professora Maria Susana Soares, não existe ainda no Mercosul uma intenção de construção de uma diplomacia cultural capaz de promover esse objetivo. Seu trabalho, “Para uma diplomacia cultural na Ibero-América”, defende que o desenvolvimento de estratégias de diplomacia cultural em conjunto é essencial para a acentuação dos processos de integração cultural. O conceito tradicional da diplomacia surge com o fim da guerra dos 30 anos, dando origem aos Estados modernos. Era restrita aos representantes dos governantes. O segredo é a característica dessa diplomacia. Isso vem até metade do século XX, restringindo ao máximo o contato dos atores diplomáticos com a opinião pública. Somente no final dos 70, o Itamaraty e o mundo já não conseguiam mais ignorar a opinião pública internacional. A diplomacia pública, portanto, passa a ser o grande instrumento de democratização das políticas externas. Esse conceito vai se desdobrar posteriormente em diplomacia corporativa, econômica, entre outros, envolvendo ovos atores: empresários, artistas e professores. A Imprensa e os movimentos sociais também passaram a ter importância pois com mais informação, se tornaram elementos de pressão sobre essas políticas. (SOARES, M.S.)

Nos anos 90, segundo a professora, surge a nova diplomacia pública, também conhecida como diplomacia 2.0. Esta passa a usar a internet e as redes sociais como instrumentos obrigatórios. Diferentemente do comportamento diplomático tradicional, as respostas na diplomacia pública na era da informação precisam ser rápidas, de acordo com as novas exigências de um mundo globalizado e com fluxo de notícias e de informação em tempo real. No entanto, especialmente no Brasil e nos países da região, segundo ela, a diplomacia ainda está distante da atual dinâmica cultural, e relativamente atrasada em relação aos trabalhos de outros ministérios, já absolutamente informatizados. Em 2006, se assina em Montevidéu a Carta Cultural Ibero-americana, pela integração cultural na região. Em 2007, ocorre o primeiro encontro andino sobre diplomacia cultural. Em 2010, presidentes e chefes de Estado da Cúpula das Américas propuseram que ocorresse no ano seguinte a Primeira Cúpula Ibero-Americana sobre diplomacia cultural. Em 2011, se aprova o documento “Elementos para a elaboração de uma agenda cultural para os países ibero-americanos. Vários passos formais, portanto, foram dados. Mas as ações ainda não se tornaram efetivas. (Idem)

Segundo Soares, a diplomacia cultural é um processo que precisa envolver diretamente os ministérios das relações exteriores e, neste contexto, três questões são chaves. A primeira é que somente por meio da diplomacia cultural o país pode criar uma imagem adequada aos interesses da política externa. A segunda é que a diplomacia cultural é uma forma de criar confiança entre os países e evitar conflitos. O conflito só pode ser evitado diante da confiança de que não se será traído. E a terceira é, segundo a professora, a noção de que fazer diplomacia pública não é “organizar uma feira”. “É um processo que exige dinheiro, longos prazos, pessoas qualificadas para o exercício dessa função e uma meta, ou metas, a serem atingidas”. Processos de inclusão e de disseminação de valores culturais e políticas de Estado no campo da cultura também preciso de uma análise densa sobre elementos simbólicos para que sejam realmente efetivas. Neste sentido, a apresentação da professora Vera Cepêda, “Linhagens intelectuais na América Latina. O modelo nacional desenvolvimentista”, repensa o nacional desenvolvimentismo como capital simbólico estratégico na região. 84 Para ela, por meio de uma reconfiguração simbólica, e para isso a questão cultural é essencial, é necessário abandonar a teoria do subdesenvolvimento, mas não o projeto de desenvolvimento. O que identifica a ideia ou o conceito de América Latina é o passado, e um passado de dominação colonial. Será possível reposicionar este debate olhando para o futuro e não mais apenas para o passado? Para se chegar a respostas para esse questionamento, três conceitos chaves são de essencial análise. O iberismo e as formas plásticas no plano da cultura; o legado colonial das instituições da região e seus déficits de integração; e a formação econômica dependente, que é um produto fundamental da virada da década de 30, responsável pela criação posterior da Cepal. (Idem)

Para a professora, também é necessário se levar em conta duas dimensões sistêmicas de grande importância: a ideia de periferia e a teoria do desenvolvimento. Periferia, segundo ela, não é uma 186

região, mas um lugar social. Esse enfoque força os atores a pensarem o problema não apenas a partir das questões econômicas ou de recursos sociais, mas também de construção da identidade: A teoria do subdesenvolvimento é um fenômeno muito específico latino-americano. Uma outra modernidade, autóctone. Vinculada e ajustada à anterior tradição intelectual da interpretação, da construção, da formação. O mote do diferente, do particular. O projeto de futuro decorrente da teoria do subdesenvolvimento foi o nacional desenvolvimentismo. O nacional desenvolvimentismo é um projeto de transformação orientada da realidade social, é um projeto político. (Idem)

Mas, seria o subdesenvolvimento uma realidade superada? O questionamento decorre no trabalho de Cepêda para a necessidade de se repensar o desenvolvimento a partir da perspectiva deste como capital simbólico e também estratégico. É dessa forma que se conseguirá superar o subdesenvolvimento não apenas em suas variáveis econômicas ou estruturantes, mas também simbólicas, o que é fundamental para a superação completa do subdesenvolvimento. Uma nova visão sobre desenvolvimentismo, abandonando o subdesenvolvimento e seus simbolismos decorrentes. Ainda no contexto simbólico, a cultura dos países não é mais formada no perímetro da fronteira, perdeu sua territorialidade e se tornou elemento simbólico ainda mais atuante. E o contato com o outro, com o exterior, faz parte desse processo e muitas vezes independe do Estado. Essas reflexões fazem parte do trabalho da professora Mônica Lessa, “Acordos globais e existências regionais: a inserção da cultura brasileira no Mercosul, 2003-2010”. Para ela, a política externa dos países não fica insensível aos fenômenos culturais dos Estados. Parto do princípio de que a cultura é um sistema de valores que estrutura as sociedades. A diplomacia cultural permite que um conheça mais o outro, que ocorra a troca. Ela não tem uma data de nascimento específica, mas possui práticas que, com o tempo, se institucionalizaram. E se desenvolve especialmente a partir da consciência em alguns países de que o intercâmbio cultural é benéfico para a política externa, para as relações entre os Estados. (LESSA, M. L., texto adiante).

Um dos exemplos de diplomacia cultural citados por Mônica é o patrocínio feito pelo Itamaraty dos Sete Batutas, orquestra formada por músicos negros que tocavam chorinho, entre eles Pixinguinha. O Itamaraty bancou uma reação conservadora que dizia que aquilo não era uma cultura brasileira de exportação. Disse que era sim representativa de nossa cultura, em um claro movimento de uso de uma política de Estado em prol de um objetivo específico nesta área. Outra questão relevante apresentada por Mônica Lessa é referente à questão da economia da cultura e, neste campo, sobre a situação do Brasil no Mercosul. Entre 2003 e 2010 houve um avanço considerável no campo da política cultural externa, tanto do Itamaraty quanto do Ministério da Cultura, que criou um departamento de relações internacionais. O primeiro relatório que se tem foi produzido em 2007, quando se fez um levantamento dos equipamentos culturais que vão desde equipamentos mais tradicionais, como bibliotecas, até a espaços multimídia. (Idem).

Os dados mostram uma complicada realidade no campo cultural, especialmente no campo dos bens culturais. Segundo Lessa, o Mercosul representa cerca de 9% da economia mundial, mas menos de 3% da economia cultural, de acordo com dados da Unesco de 2005. “Continuamos importando mais do que exportando, e fazendo menos negócios no campo cultural dentro do Mercosul do que com outros países e regiões. Negócios esses feitos majoritariamente com os Estados Unidos.” (Idem). Ausente no XIV Congresso, a professora Maria Luiza Busse Franco teve seu texto “Imagens da identidade na perspectiva da integração” apresentado no Simpósio e adiante reproduzido.

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DEPOIMENTO

Antonio Albino Canelas Rubim

Cultura e transição: como enfrentar o neoliberalismo Vou começar lendo o início do resumo que eu enviei ao congresso. O trabalho analisa a necessidade fundamental da ampliação das políticas de intercâmbio e cooperação cultural na América do Sul, em especial entre os países que têm hoje governos pós-liberais. Esses países, que se inscrevem em um mundo ainda fortemente marcado por uma hegemonia neoliberal, precisam buscar alternativas culturais a essa hegemonia sem o que suas transições podem ser dificultadas ou mesmo bloqueadas. Essa necessidade de realizar também a transição na essencial e estratégica dimensão cultural, sem a qual não existe plena superação do neoliberalismo, deve implicar um intercâmbio e cooperação bem mais intensos que os atuais, através de uma pluralidade de instituições, movimentos e dispositivos, que inclusive torne mais conhecido e compartilhado o enfrentamento que tem se dado no campo cultural em cada um desses países. Minha preocupação fundamental nasce a partir da análise da circunstância brasileira. Mas acredito que essa formulação do tema pode ter sentido, em especial para os países que denomino de países pós-neoliberais na América do Sul. A questão a ser enfrentada nasce da seguinte constatação: estamos em um processo de transição – falo aqui um pouco do Brasil – com um andamento muito descompassado. Temos uma mudança socioeconômica com grande enfrentamento da exclusão e da desigualdade. O próprio texto inicial desta conferência toca neste ponto. No caso brasileiro, foi realizada a inclusão de quarenta milhões de pessoas. Número nada desprezível se comparado à população brasileira ou aos países mais populosos da América Latina, como a Argentina e a Colômbia. Em aproximadamente dez anos o Brasil incluiu uma população semelhante a esses países. Cabe lembrar que a tradição dos governos das elites brasileiras foi sempre a exclusão e não a inclusão da sua população. Esta reversão é, por conseguinte, ainda mais significativa se rememoramos esta longa história brasileira de exclusão e grande desigualdade. Pela primeira vez temos talvez a combinação de desenvolvimento e enfrentamento da exclusão e da desigualdade sociais. Tais constatações resultam de dados e informações sobre a realidade brasileira. Eles podem e devem, por óbvio, serem discutidos, mas são potentes para mostrar um processo relevante de mudança em andamento, alterando muito a conformação da sociedade brasileira. O pequeno impacto da crise internacional desencadeada nos Estados Unidos e depois na Europa tem uma correlação estreita com tais mudanças da sociedade brasileira e com a ampliação do mercado interno. Mas existem dimensões do processo de mudança problemáticas. Em tais esferas aparecem dificuldades ou mesmo interdições, que complicam a transição e têm colocado uma série de questões para tal processo de mudança. A área da política é uma destas esferas problemáticas. Neste campo a prevalência de determinadas dinâmicas arcaicas, como, por exemplo, as derivadas dos modelos de financiamento de campanha através da “doação” de recursos pelas empresas, e outras práticas assemelhadas aparecem como verdadeiros bloqueios a uma mudança efetiva das práticas políticas, corrompendo suas potencialidades. A reformulação do Estado tem sido outra dificuldade da mudança. Apesar dos setores progressistas estarem no governo federal, em diversos governos estaduais e em inúmeros municipais o Estado brasileiro forjado pelas elites para atender apenas as elites ainda persiste em sua conformação excludente. Muitas políticas públicas que buscam democratizar a relação entre Estado e sociedade encontram nesta configuração um verdadeiro entrave. O exemplo do inovador Programa Cultura Viva, com seus pontos de cultura, é eloquente. A 188

nova relação democrática entre Estado e comunidades culturais, instituída pelo programa, se vê torpedeada pela ausência de reformas do Estado que possibilitem e garantam novas modalidades de procedimentos republicanos no tratamento das populações e comunidades culturais antes excluídas da interação cultural com o Estado. Deste modo, o processo de mudança no campo da política encontra grandes obstáculos. As transformações da política e do Estado não acompanham a dinâmica de transição em processo em outras dimensões como a socioeconômica. Elas apresentam um visível descompasso, que complica em muito o processo de mudança na sociedade brasileira. O foco desta breve intervenção, entretanto, não são as questões presentes no campo da política. Interessa discutir aqui como a cultura tem se colocado ou não nesse processo de mudança. Tivemos um grande avanço no enfrentamento da exclusão social e econômica, mas permanecemos com índices pronunciados de exclusão cultural no Brasil. É óbvio que todas as pessoas estão inseridas e se constituem em ambientes culturais. Logo, todos somos sujeitos culturais. Todos nós compartilhamos determinadas culturas específicas de nossas comunidades. Mas existem modalidades de cultura que não são realizadas por todos, apenas por setores especializados e mesmo profissionalizados. Tais modalidades culturais no Brasil continuam sendo altamente excludentes. Não tivemos nesses anos um enfrentamento mais sistemático dessas questões. Lembro, por exemplo, dos índices de leitura, da frequência a museus, bibliotecas, teatros, galerias e cinemas. O Brasil possui 2.500 cinemas e por volta de cinco mil e quinhentos municípios. Este dado bruto já significa que mais da metade dos municípios brasileiros não tem um cinema sequer. Mas os cinemas não estão distribuídos de modo tão uniforme. As grandes cidades brasileiras acolhem muitos cinemas tornando a exclusão audiovisual bem mais intensa no país, pois na grande maioria dos municípios as pessoas não podem ir ao cinema, pois eles inexistem. Portanto, elas estão bloqueadas de poder partilhar dessa experiência moderna, dessa experiência estética que é o cinema. Não avançamos de modo significativo no enfrentamento da exclusão cultural. Temos um visível déficit da cidadania cultural e dos direitos culturais. Tais direitos inclusive só foram reconhecidos muito recentemente. Só na Constituição de 1988 eles aparecem pela primeira vez claramente definidos como direitos culturais. A prevalência de determinados valores sociais conservadores e de alto grau de discriminação social apresenta-se como outro problema grave para a transição. Não é preciso nem citar exemplos, vivemos isso cotidianamente no Brasil. Não aconteceu nesse período a emergência de nenhum movimento cultural alternativo potente e sintonizado com o movimento de transição. Só para lembrar, nos anos em que ocorreram mudanças sociais significativas no Brasil, sempre ocorreram transformações importantes também no campo da cultura, em sintonia com o que o país vivenciava. A década de 1930 e os anos 1950 e 1960 são emblemáticos nesta perspectiva. Ainda não temos efetivamente um movimento cultural que expresse de modo complexo esse momento. Temos, sem dúvida, uma significativa diversidade de manifestações culturais alternativas, mas elas são fragmentadas e desconectadas, não configurando um movimento cultural articulado que dialogue com o Brasil contemporâneo, seus avanços, impasses e dilemas. Em outras palavras, nós temos um processo de transição que, de forma esquizofrênica, mantém uma acentuada hegemonia neoliberal, apesar da gestão bastante inovadora de Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Cabe sempre destacar essa gestão singular do Ministério da Cultura. A proposição desta intervenção é que, consideradas as singularidades do processo brasileiro, caberia pensar e investigar até que ponto algo similar não acontece no campo cultural nos chamados países pós-neoliberais na América do Sul. Para não deixar o tema em um patamar muito genérico, há que definir alguns aspectos que particularmente interessariam investigar. Claro que em uma reflexão ainda bem inicial. Nesta perspectiva, poderia ser proposto o estudo, por exemplo, de quais são as políticas culturais que estão sendo desenvolvidas nestes países em relação às instituições e setores do campo cultural mais profissionalizado. Ou seja, das áreas que mais tradicionalmente se entende como cultura, tais como pessoas ligadas ao patrimônio, artistas, etc. Seria interessante também analisar e comparar as políticas desenvolvidas para as novas comunidades e setores incluídos e agora 189

incorporados por tais políticas. Destaque, neste último caso, para o Programa Cultura Viva, deslanchado durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura no Governo Lula. O Cultura Viva é um programa que inaugura uma relação nova do Ministério da Cultura com um conjunto bastante grande de novos atores culturais e comunidades culturais, antes excluídos de qualquer relação com o Estado brasileiro. Seria interessante analisar o programa e, mais que isto, como ele tem sido replicado em diversos países da América do Sul, inclusive alguns desses países pós-neoliberais. Ainda no campo das políticas culturais cabe pensar quais as políticas específicas que estão sendo desenvolvidas para esses setores antes excluídos e agora incluídos. Ou seja, como tais setores e comunidades estão sendo tratados culturalmente. Parece óbvio que além dessas políticas mais especificas do campo da cultura, seria necessário investigar também as interfaces da cultura, das políticas culturais e as políticas para áreas afins, particularmente as políticas de educação, de comunicação e de ciência e tecnologia. No caso das políticas de educação, não apenas analisar como elas se dão, mas investigar como determinadas políticas de educação têm impacto cultural; como elas se articulam ou não com a escola; como elas interagem ou não com comunidades culturais, que antes estavam excluídas e que agora estão sendo reconhecidas pelas políticas de diversidade cultural que estão sendo implantadas nesses países. Interessaria, por exemplo, analisar como o plano Ceibal do Uruguai teve impacto cultural nos alunos e para além deles, nas suas famílias e comunidades. Não se trata propriamente de uma análise pedagógica ou educacional do plano, mas analisá-lo como um plano que, em verdade, tem impactos bem mais amplos, ao levar, por exemplo, novas tecnologias para o seio de determinadas famílias via suas crianças e com isso promover inclusão digital de segmentos etários diferenciados, através de possíveis alterações culturais nos pais e familiares. Por conseguinte, interessa entender os impactos culturais para além das políticas estritas de educação. Na contemporaneidade é visível que as atuais redes de comunicação no mundo e em muitos desses países tem um enorme peso no campo cultural. No Brasil isso é nítido, mas creio que, respeitadas as singularidades nacionais, o mesmo pode acontecer em quase todos esses países, ainda que de forma diferenciada. Conhecer e compartilhar quais políticas estão sendo desenvolvidas em relação às mídias tradicionais, identificadas como jornais, rádios e televisões, mas igualmente analisar as políticas imaginadas e implantadas em relação às novas mídias, mais associadas com as culturas digitais. Seria fundamental, portanto, saber e intercambiar as experiências de políticas de comunicação em andamento neste processo de mudança. O Brasil não avançou quase nada nesse campo. Ele faz parte das esferas das transições bloqueadas no Brasil. O país manteve um sistema de comunicação basicamente construído e vindo do período da ditadura, com todos os impasses desta manutenção para a democracia e seu aprofundamento. Mas temos várias experiências de novas legislações e políticas na Argentina, no Equador, no Uruguai e na Venezuela. Seria o caso de compartilhar estas experiências, suas formulações, práticas, avanços e impasses, além de observar o que essas políticas têm em comum, quais suas diferenças e comparar suas repercussões sobre a vida de cada um destes países. O enfrentamento do tema das comunicações, não resta dúvida, é vital para superar o ideário neoliberal muitas vezes hegemônico em muitos aspectos e lugares e para construir uma nova visão de mundo, rigorosamente pós-neoliberal. Por fim, compreender também o impacto cultural das políticas de ciência e tecnologia, particularmente as políticas que esses países desenvolvem em relação à internet e às culturas digitais parece essencial. Diferencio internet e culturas digitais porque elas não são um mesmo dispositivo. Mas essa discussão não cabe neste instante. Creio que seria particularmente interessante entender as políticas que buscam conectar as culturas digitais com as culturas populares e identitárias, pois tal processo articula a inclusão social com procedimentos de reconhecimento de novos atores políticos e culturais e de formas culturais inovadoras. O enlace entre os processos de inclusão social e cultural, através das culturas digitais, traz um componente de absoluta contemporaneidade e tem grande potencial, em especial, junto às camadas mais jovens da população. 190

O conjunto de questões aqui propostas, em verdade, implica em entender a cidadania e os direitos culturais como componentes imanentes do processo de transição em andamento e como condição para a superação dos modos de vida e imaginários forjados pela concepção de mundo neoliberal. Sem este enfrentamento tal mudança corre profundos riscos. A ampliação da cooperação e do intercâmbio acerca das formulações, práticas e experiências de políticas culturais se reveste de um valor imenso para o aprofundamento e a vitória das transições em curso nos países pós-neoliberais da América do Sul.

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ARTIGO

Creatividad para la inclusión social en Argentina, en torno a la cuestión de los derechos culturales Ana Wortman

Introducción En los primeros años de las transiciones democráticas en nuestros países se había considerado que, así como era una prioridad desarrollar políticas que apuntaran a la disminución de la brecha socioeconómica en términos de accesos sociales, políticos, también lo era apuntar a la disminución de las desigualdades culturales en términos de acceso a los bienes culturales. Sin embargo, si bien se ha avanzado en ese plano mejorando los escenarios clásicos de la oferta cultural, otorgando mayor financiamiento a distintos sectores de la producción cultural, se ha evaluado también que muchas veces las clases medias y bajas y/o los jóvenes no siempre se vinculan con estos bienes, más allá o más acá de las facilidades de acceso. Así es como desde una perspectiva más antropológica podemos percibir que las sociedades revelan una heterogeneidad vinculada con tradiciones, trayectorias, vida cotidiana que hace la cuestión de la apropiación de los bienes artísticos más compleja. Asimismo, vía los estudios vinculados a calidad de vida de las clases populares se comprobó-que largos años de pobreza- producen consecuencias negativas en las personas en términos de identidades personales y subjetivas. Zermeño (1990) las denominaba identidades restringidas. Lo que se revelaba s que el problema de estas personas obviamente no era solo económico social, sino que presentaban una autoestima muy debilitada y deteriorada por sus condiciones de pobreza, aspectos que no se resuelven exclusivamente con un mayor bienestar material. De allí que comienza a pensarse la cuestión de la creatividad, la creatividad cultural, ya no sólo como una cualidad de los sujetos privilegiados para desarrollar negocios culturales, las llamadas clases creativas, sino también como una cualidad que también deberían apropiarse las clases populares (ROSAS MANTECÓN, 2011). Nos proponemos a través de esta presentación repensar las desigualdades culturales en términos de una mirada renovada sobre el acceso y la apropiación de la cultura, a partir del análisis de experiencias culturales promovidas por instituciones e iniciativas de la sociedad civil y el gobierno nacional vinculadas a una reapropiación singular de la tecnología en sectores populares, por un lado, así como también en la reapropiación singular de la danza contemporánea en jóvenes excluidos por consecuencia de la droga, y de la producción de imágenes vía la fotografía, por otro. Lejos estamos de una mirada negadora de las desigualdades sociales y estructurales. En la bibliografía sobre el tema se mezclan muchas veces cuestiones políticas, acerca de la reducción más o menos de los indicadores de pobreza. De todos modos lo que se observa es que aun mejorando ciertos indicadores económicos la pobreza se reproduce porque existen otros mecanismos más complejos que condicionan a las personas a posicionarse de una manera más eficaz. En ese sentido más bien nos interesa complejizar el concepto inicial de democratización cultural de la transición teniendo en cuenta las experiencias de los actores en diversas experiencias de acción cultural experimentadas en zonas urbanas postergadas. Las experiencias que se van a considerar son: experiencias autogestivas promovidas por intermediarios culturales primero y ONGs, después, y planes estatales directamente orientados a intervenir en el acceso a la cultura y la información PH15 (colectivos de fotógrafos en una villa del Sur de la ciudad de Buenos Aires), el proyecto de danza contemporánea Los posibles con jóvenes recuperados de drogas de pasta en contexto de exclusión social y por el otro lado el Plan Conectar 192

Igualdad (distribución de netbooks en escuelas públicas de sectores populares) y otros vinculados a la cuestión denominada Igualdad cultural.

Democratizar qué bienes En una entrevista publicada en una revista cultural de alcance masivo en Buenos Aires, Néstor García Canclini (2013) volvió sobre el concepto de democratización cultural, sobre el cual ya había reflexionado en uno de los libros fundantes de las discusiones sobre políticas culturales en los años 1980 en nuestras sociedades. Ya en ese momento hacía referencia a que pensar políticas culturales en esos términos resultaba limitado, dado que la llamada democratización de la cultura se circunscribía a una sola concepción, la de las bellas artes. Pasadas tres décadas vuelve a afirmar que las políticas culturales apoyadas en dicha concepción han sido un fracaso y se pregunta, mirando de reojo a las concepciones bourdianas, si debiera convertirse en un mandato que una sociedad democrática solo aspire a ser más igualitaria vía el acceso a la cultura culta. Se pregunta entonces, si a todos les debiera interesar consumir lo que consumen quienes tienen mayor capital cultural y económico, ¿no habrá otras tradiciones, prácticas?, ¿quién tiene el poder de determinar lo legítimo y lo ilegítimo en las sociedades contemporáneas? En efecto, este concepto atravesó fuertemente los debates e iniciativas sobre políticas culturales pensados e implementados en los comienzos de la democratización política y social. En esos años y atravesados por el cierre cultural que marcaba a las sociedades del Mercosur post dictadura y todavía pautados por los imaginarios modernos fundantes de nuestros Estados, se pensaba a la democratización cultural casi exclusivamente en términos de mejorar los accesos al patrimonio estatal constituido principalmente por la historia y las bellas artes, visión también limitada del patrimonio concepto en constante revisión. Muchos de los programas iniciales de políticas culturales de esos años giraban en torno a ese propósito, abrir, mejorar accesos, cuidar, proteger el patrimonio. Prohibiciones, exilios, persecuciones en particular en la Argentina hacia destacados escritores, músicos, actores, directores de cine, colocaban la mirada hacia lo que por entonces en las ciencias sociales se denominaba campo de la cultura sin hacer mayores disquisiciones. Mucho de lo que se hacía y se formulaba obviamente estaba emparentado con lo que se sabía desde el aporte de los incipientes estudios culturales de la región. Por otra parte el impacto negativo del cierre del campo cultural hacía necesario centrar la atención en esa concepción de la cultura. Se percibía que la sociedad se había desconectado de la cultura y el arte, ya que ésta estaba asociada a la politización y la ideologización de la sociedad y constituía un fin político, democrático, recuperar el interés por el desarrollo cultural en términos de producción y consumo de bienes artísticos. Por esos años también comenzaba a leerse en las carreras de ciencias sociales a Pierre Bourdieu. Dicho aporte fue muy significativo para complejizar acerca de cómo se profundizaba la desigualdad en nuestras sociedades y corrernos de una mirada materialista de la cuestión. Sin embargo, pensamos que dicha investigación estaba asociada a una sociedad profundamente estratificada y a una concepción de la cultura legítima, eurocéntrica, que con el tiempo fue variando e incluyendo a amplios aspectos de la rechazada, unívocamente, industria cultural. El paulatino desarrollo de los estudios culturales latinoamericanos en figuras como Néstor García Canclini y Renato Ortiz permitió apropiarnos de Bourdieu desde nuevos lugares. García Canclini en Gramsci con Bourdieu (1984) cuestionó la idea del gusto legítimo y de lo simbólico como privativo de las clases altas, como si las clases populares sólo se movieran por lo material y el sentido práctico en sus prácticas cotidianas, en sus consumos y en sus tiempos libres. Por su parte, Renato Ortiz (1994) ya influenciado por los debates sobre globalización y mundialización impugnó que las clases altas modernas y consumidoras de cultura fueran iguales en todos los países, así como también 193

la noción de campo intelectual artístico autónomo en la perspectiva europea, la cual también para Ortiz es una ficción moderna que nunca existió. Como señalan los discípulos de Bourdieu (LAHIRE, 2005) a partir de nuevas investigaciones sobre consumos culturales, si bien se puede asociar más directamente a la alta cultura con las clases altas, no todas las clases altas son consumidoras de cultura. De esta manera desnaturaliza una idea que casi se había constituido como de sentido común. Esa creciente diferenciación de esferas – rasgo distintivo de la modernidad –, que habría llevado a la conformación de un campo artístico intelectual en Occidente, así como la idea de lo legítimo asociado a la burguesía definió el concepto de democratización cultural al cual se referían las primeras políticas culturales en nuestros países. También el avance en términos de investigaciones sobre consumos culturales en la región así como la complejización del concepto de cultura ya no solo pautado por una mirada sociológica sino más interdisciplinaria inciden en una nueva mirada sobre los fundamentos de nuestras democracias y cómo encarar políticas culturales (YUDICE, 2003). En ese sentido debe mencionarse el aporte de George Yudice al transitado concepto de cultura en nuestro medio. Yudice también propone dejar de circunscribir el concepto de cultura, a la distribución de aquello que estaría lejos de las clases populares, para pensar, probablemente atravesado por las teorías políticas fundadas en los conceptos de confianza y capital social, acerca de las propias capacidades de los sujetos derivadas de las experiencias de vida y del entorno, esto es cómo fortalecerse a partir de lo que se sabe por la práctica. Allí aparece el concepto de cultura como recurso el cual se entronca con una mirada renovada sobre el desarrollo. A partir del trabajo de campo que Yudice realizo en Salvador de Bahía y en Rio de Janeiro en emprendimientos culturales propiamente dichos como el caso de Afro Reggae y Olodum, por un lado y el de Viva Rio por el otro, derivan toda una serie de reflexiones e investigaciones sobre emprendimientos culturales autogestionados que tienen múltiples aristas. También inciden como hemos señalado (WORTMAN, 2009, 2011) en nuevas formulaciones de políticas culturales, las que no se restringirían a la cuestión de la distribución de y el acceso, sino a la valorización de la producción y circulación diferenciada. En trabajos más recientes de estos investigadores aparece toda una línea de reflexión sobre la cuestión cultural en nuestros países que ha incidido también en el crecimiento de un saber hacer sobre la cultura que se denomina gestión cultural. Gestión que no se circunscribe a cierta concepción del Estado que interviene y fortalece instituciones, exclusivamente sino que interviene en grupos sociales, barrios, localidades, e instituciones de la sociedad civil se fortalezcan a partir de generar un bien cultural, ya sea la música, el teatro, la danza. El artista ya no sería una persona que se destaca del resto por su creatividad y a la cual habría que subvencionar, sino que también el artista debe desarrollar una serie de capacidades para organizar un emprendimiento, la sala, la promoción y difusión. La cuestión económica del bien cultural forma parte de la acción del artista, y no se opone a su creatividad y trascendencia. En la Argentina, y en el contexto de la crisis del 2001 se visibilizó todo un conjunto de saber hacer cultura que sin haber leído a Yudice se fundaba en estas prácticas. Centros culturales autogestionados aparecieron como un modo de dar lugar casi naturalmente al crecimiento de artistas, productores culturales, egresados de crecientes espacios de cultura y arte. Comenzó a visualizarse a la cultura como un ámbito de generación de empleo, en concordancia a la idea de industrias culturales para el desarrollo por un lado y también al impacto que ya en ese momento comenzaban a tener las nuevas tecnologías como instancias de realizaciones culturales, por el otro. Según hemos analizado en otras publicaciones pensar el alcance cultural o mejor dicho el consumo cultural solo a partir de los lugares institucionalizados donde se ofrecen y difunden bienes culturales resulta limitado. Ya no son exclusivamente teatros, cines, salas de música las que ofrecen para el gran público bienes culturales, aparecen sociedades barriales, centros culturales, Iglesias, casas tomadas, bares y restaurantes, plazas, es decir espacios no convencionales, lugares abandonados como ámbitos de formación y difusión cultural. 194

Es importante señalar que muchas de estas iniciativas de acción cultural barrial no son nuevas. Como ha sido señalado por investigadores de la cultura urbana, por un lado e investigadores de la cultura de izquierda por otro, tanto en la ciudad de Buenos Aires, como en otros centros urbanos del país y del interior menos desarrollado, ámbitos locales de producción y oferta de bienes culturales existieron muy tempranamente en un sentido pedagógico así como de asociar la acción política también a una acción cultural. Esos ámbitos se debilitaron con el tiempo por cierta presencia dominante del Estado, así como también de control social, reapareciendo en un contexto de debilitamiento y reformulación de la acción estatal. Si años anteriores pusimos la mirada en la acción cultural de la sociedad civil generada por las clases medias empobrecidas, por ser un actor emblemático de la sociedad argentina, en esta presentación ponemos la mirada en las clases populares. Lo que me llamó la atención de estos casos que voy a describir ya no es como se determina una enseñanza artística, sino la cuestión de la apropiación por estas clases. Es decir como a partir de la enseñanza de un instrumento, ya sea el manejo de la cámara de fotos como del cuerpo, los jóvenes estigmatizados resignifican un lenguaje que los ayude a construir alguna identidad y dignidad. Así como se suele cuestionar el concepto inicial de democratización cultural por considerarlo elitista, en esa misma línea se atribuye una cultura “propia” a los sectores populares que adopta muchas veces un sentido esencialista, como si las culturas fueran puras y se autoabastecieran, olvidando el problema de la desigualdad. En los casos que vamos a presentar se plantea una vuelta de tuerca sobre el emblemático concepto, ya que la propuesta está lejos de presentarse como elitista en el sentido de que hay un saber a trasmitir o populista, no hay nada que aprender, sino que hay una técnica a aprender y cada quien hace lo que quiera o pueda con ella. El eje de esta nueva forma de concebir la democratización cultural no estaría en el acceso al consumo, sino en la producción de cultura. De esta manera el formato de la acción cultural se convierte más que en un contenido en un recurso para el desarrollo personal y/o social. Como seguramente los lectores recordarán, la emblemática película brasileña Cidade de Deus termina con que el actor principal, el que tiene rol protagónico, se compra una cámara de fotos y termina siendo reportero gráfico de un periódico. En Argentina del 2001, con una 40 por ciento de la población por debajo de la línea de pobreza y en un clima de desesperanza y desaliento, pudimos advertir el surgimiento de algunos proyectos culturales por iniciativas individuales que luego tuvieron un alcance imprevisto.

Ph 15. Otras miradas El proyecto surgió a mediados del año 2000 cuando el fotógrafo Martín Rosenthal tomaba unas fotografías relacionadas con su trabajo en Ciudad Oculta, Villa 15, un humilde barrio al sudoeste de la ciudad de Buenos Aires. En este lugar los servicios públicos sólo llegan hasta la entrada del mismo y la mayoría de los vecinos no tiene agua potable ni electricidad. Espontáneamente un grupo de chicos se le acercó para comentarle de sus ganas de aprender fotografía y de su imposibilidad de hacerlo por cuestiones económicas y falta de lugares donde poder hacerlo. Un par de semanas luego, con la colaboración de otros colegas, Rosenthal abrió un Taller de Expresión Fotográfica en la zona. Con el tiempo se armaron otros talleres en otras zonas postergadas económica y socialmente, como el barrio de Villa Soldati (Buenos Aires). A los talleres en Ciudad Oculta ya han concurrido más de 450 alumnos. Otros tres mil fueron a cursos cortos que son dictados en distintos puntos del país. También hay proyectos basados en Ph15 en Córdoba y Bariloche. Si bien la mayoría de los voluntarios se acercan a la Fundación de forma individual, son muchos los que provienen de otras organizaciones o instituciones que fomentan y promueven el trabajo voluntario de sus integrantes. Algunas de las instituciones que han formado parte de este tipo de 195

intercambios y alianzas con ph15 son: Insight Argentina, Universidad de Chicago, Universidad de Las Vegas, Tufts, Universidad de San Andrés, Universidad de Palermo, Savannah University, Dartmouth College, Colegio de la Ciudad, COE, Asociación Argentina de Experimento de Convivencia Internacional, entre otras. A partir del año 2007, Ph15, liderada por las actuales directoras Moira Rubio Brennan y Miriam Priotti, obtuvo el financiamiento de la Fundación Interamericana (IAF), que le permitió diversificar sus propuestas. Los talleres de Ph15 se extendieron a niños y jóvenes de otras comunidades marginadas, como Boulogne, Villa Soldati y la Villa 20 de Villa Lugano. Entre las iniciativas desarrolladas desde entonces se destacan, además: los talleres cortos en escuelas y barrios en situación de vulnerabilidad de toda la Argentina, las muestras individuales y grupales con las obras de los jóvenes, los viajes grupales a distintas ciudades nacionales y extranjeras, la asistencia a congresos, seminarios y capacitaciones y la participación en programas televisivos, radiales y notas para la prensa escrita. Además, más de 50 reconocidos artistas argentinos y extranjeros han visitado los talleres de la fundación para intercambiar obras y experiencias con los jóvenes. Las evaluaciones de las acciones desarrolladas muestran que los jóvenes participantes de los talleres han adquirido y aplicado nuevos conocimientos vinculados a la práctica fotográfica y han incrementado su autoestima, su comunicación, su participación en decisiones grupales e institucionales, su capacidad de planificación, divulgación y aplicación de nuevos enfoques y el respeto por los valores y las costumbres propios y ajenos.

Cuerpos vulnerables como arte en la danza Una segunda experiencia que nos interesa mostrar aquí y que deriva de iniciativas de intermediarios culturales que salen de su entorno social y del campo cultural en el que se mueven es la que genera un coreógrafo de danza contemporánea que se propone una experiencia distinta en su carrera profesional y artística. “Mientras la sociedad encuentra en la pobreza solo limitaciones, nosotros hemos encontrado un cúmulo de posibilidades” afirma Juan Onofri, el coreógrafo del grupo de jóvenes... Luego esta experiencia de formación en la danza contemporánea de jóvenes socialmente excluidos y en vías de recuperación de la droga que formaban parte del Centro cultural Casa Joven de los lasallanos85 fue filmada por un joven exitoso director Santiago Mitre, creador del film ícono del cine argentino “El estudiante”. La película se llamó “Los posibles”, coproducida por “La Unión de los Ríos” y el grupo KM 29, con el apoyo del Instituto Cultural de la provincia de Buenos Aires. De esta experiencia salieron entonces una película que fue premiada en el exterior y una obra de teatro. Es interesante en la puesta en escena de este grupo de baile como los jóvenes recrean su situación de vulnerabilidad y dolor social a partir de la danza, que al principio les resultaba ajena y en particular la música.

La preocupación por la igualdad cultural desde el Estado: acceso y apropiaciones Estas iniciativas de la sociedad civil, luego apoyadas por el Estado y Fundaciones extranjeras orientadas a las clases populares, pero en particular a jóvenes excluidos y en riesgo de reproducción de la pobreza, parecen formar parte del fundamento de nuevas acciones de la Secretaria de Cultura de Nación y del Ministerio de Educación. Esta asociación entre acción cultural y percepción de la reproducción de la pobreza aparece como una dimensión novedosa de la preocupación de esta área estatal y gubernamental en consonancia con nuevas concepciones del desarrollo. Esta inclusión valga la palabra, de la cuestión social en la esfera cultural deriva de que a pesar de ciertas intervenciones de 196

políticas sociales y mejoramiento económico, la pobreza no logra disminuir y existen amplios sectores sociales que dado el desarrollo y cambio vertiginoso del mundo contemporáneo cada vez más quedan fuera. Una frase me llamó la atención de un político en ese sentido en el año 2009. “Vivimos en una sociedad fracturada, donde hay un sector importante de la sociedad que ya no comparte códigos para comprendernos.” Las brechas sociales se hacen culturales y simbólicas y esto tiene consecuencias políticas y en el fortalecimiento de la democracia y el espacio público. Además llama la atención que a pesar de la fuerte intervención en el plano del sistema educativo, el porcentaje de jóvenes que no trabajan ni estudian es del 20 por ciento. La pregunta que se impone es, qué pasa en el sistema social que no logra incorporar a estos jóvenes ni al estudio ni al trabajo. Es como si hubiera un sector de la sociedad que está desocializado y que a la vez presenta profundas dificultades de simbolizar. En esa línea se inscribe el proyecto “Igualdad cultural” con el propósito de generar espacios de circulación y exhibición de nuevos productores culturales en lugares estratégicos del país. Se trata a través de este proyecto de brindar apoyo a artistas del interior del país para hacer conocer su obra, aprovechando la tecnología como instrumento de difusión en lugares alejados del productor cultural. También en la línea de disminuir la desigualdad cultural y como consecuencia de la constatación de la brecha digital entre un sector de la población altamente conectado, clases medias y medias altas de nivel universitario y el resto de la sociedad así como de la ausencia de conexión a internet y presencia de computadores en los hogares pobres, el Ministerio de Educación ha implementado el Programa Conectar Igualdad proveyendo de netbooks a los estudiantes secundarios de escuelas públicas de todo el país. Este programa está aún siendo evaluado teniendo en cuenta investigaciones que están siendo hechas, ya que la mitad del país no cuenta con internet y tampoco con computadoras. Según observa Benítez Larghi (2013), el problema ya no es quienes accedieron a la posesión de la computadora sino fortalecer la autoestima en sus usos. Otro plano donde se observa esta preocupación gubernamental por la inclusión social y la cultura es en el cine. En esta misma línea de considerar los derechos sociales y los derechos culturales se han inaugurado nuevas salas de cine para la difusión del cine nacional con un precio de entrada a bajo costo. Así en las calles se pueden ver carteles que se titulan “Cultura con inclusión social”.

Entre la política cultural y la política social Una medida que llama mucho la atención recientemente es la mudanza de varias oficinas de la Secretaria de Cultura de Nación a un barrio marginal con altos niveles de pobreza, y problemas sociales en general, siendo los jóvenes el emergente del deterioro social. Se puede advertir como algo novedoso al menos en nuestro medio la intervención del Estado en términos culturales, continuando de alguna manera lo que ya algunas ONGs u organismos internacionales han experimentado con estos sectores. De esta manera las políticas culturales asumen las limitaciones de las intervenciones estatales de los años ochenta, ya que se observan las consecuencias de largos periodos de deterioro social y la pérdida o debilitamiento del lazo social que incide en que una persona tome la decisión de ir y/o consumir un bien cultural producido por otros. Este diagnóstico social atravesado por una evidente des urbanización incide en una reorientación de la política cultural hacia estos sectores, ya que se comprueba que el problema social no es económico social exclusivamente sino que el desinterés por el consumo cultural, es cultural también valga la redundancia. Por su parte nuevos avances en los saberes sobre la acción pública en poblaciones deterioradas e estigmatizadas enriquecen las miradas sobre la pobreza y las prácticas sociales, como consecuencia de la acumulación de evidencia empírica de las ciencias sociales en estas últimas décadas complejizando la visión sobre la pobreza y la exclusión social. De allí que se revela como muy productivo el trabajo cultural para regenerar sentidos colectivos. Esta nueva concepción de la política social por un lado y de la política cultural por otro, 197

supone una permanente reformulación del concepto de cultura y acción cultural y también, el impacto de los organismos internacionales en las redefiniciones estatales de la cultura y la intervención cultural. Se abordan la cultura ya no como un compartimento diferenciado de otras esferas sino imbricado con ellas. Allí es que aparece la salud, por ej. y los problemas sociales que antes se pensaban en esferas de lo económico social y ahora se piensan también en un plano simbólico. Con respecto al traslado de las oficinas de Secretaria de Cultura de Nación a este barrio carenciado del sur de la ciudad de Buenos Aires, el actual Secretario de Cultura hizo la siguiente afirmación: “Así me pongo al frente de uno de los ejes centrales de la política cultural de este gobierno: la cultura como herramienta igualitaria y los derechos culturales como derechos humanos esenciales”. El lugar donde se erige esta nueva sede de la Secretaria es donde había un Centro cultural del barrio que había sido un lugar de acopio de cereales, cerca del Ferrocarril. Cuenta con un auditorio y espacios para el desarrollo de talleres de arte. La Casa de la Cultura Villa 21 Barracas no tiene nada que envidiar a sus gemelas, las casas del Bicentenario, como la que está en la calle Riobamba en la Capital. De hecho, es bastante más grande que aquéllas: tiene 1500 metros cuadrados, mientras que el resto ronda los 600. Cuenta con tres aulas para actividades culturales, educativas y recreativas y con un auditorio con doscientas butacas. La Casa tiene el aspecto de un enorme galpón; alta, con puerta y techo de chapa y columnas metálicas. En efecto, este edificio fue, en el pasado, un galpón: los arquitectos cuentan que la vieja estructura se mantuvo, que se le fueron incorporando cosas, como el entrepiso. Este espacio era usado como depósito de cereales, según contaron los arquitectos, Héctor Scarpatti y José Luis Gómez. Después fue para el barrio un espacio de contención, como su ágora, donde se empezaron a realizar talleres, según contó Zarza. Este proyecto recién comienza, aún no sabemos qué impacto tendrá.

Conclusiones Con esta presentación nos hemos propuesto reflexionar en torno a un nuevo sentido de las políticas culturales de las democracias latinoamericanas, teniendo en cuenta la cuestión de la desigualdad social. En los ejemplos analizados y en muchos otros que se experimentan en América Latina se ha constatado el papel significativo que adopta la creatividad en las clases populares, en cuanto a la recuperación de la dignidad y la diferencia. En ese sentido, se propone considerar a los sujetos en situación de exclusión y marginalidad en un sentido más complejo de la dimensión humana. Durante mucho tiempo se pensó a estos sectores sociales en términos de carencia e imposibilidades y limitaciones y no en posibilidades. De allí lo significativo del título del grupo de danza contemporánea de jóvenes en rehabilitación de la droga en contextos de exclusión, denominado Los posibles. Si en los 90 se instaló el concepto de clases creativas en función de nuevos emprendimientos de tipo cultural liderados por jóvenes formados en nuevas profesiones orientadas a satisfacer nuevas necesidades de la dinámica del capitalismo posfordista en términos de consumo, ahora se plantea el término creatividad como una cualidad de la naturaleza humana, superando el concepto clásico de capital cultural. Los aportes realizados por los estudios culturales latinoamericanos han complejizado la noción de cultura y ya no se la percibe exclusivamente en términos de un saber acumulado como consecuencia del conocimiento que todos, sin atender a identidades diversas deben adquirir, sino también de un saber hacer que deriva de la práctica, de tradiciones y singularidades historicas. Esta complejización y apropiación de nuevos aportes sobre la cuestión cultural, enriquece y amplía las posibilidades de la creatividad cultural, en términos de ampliación de la ciudadanía y de su actualización en sociedades en procesos de globalización. Con estas experiencias y la problematización de las políticas culturales en términos ahora de inclusión social podemos advertir la apropiación subjetiva de la cuestión de los derechos culturales. 198

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ARTIGO

Punição, Cultura Religiosa e Direitos Humanos Gizlene Neder

Este trabalho visa a discussão sobre as relações entre cultura política e cultura jurídica, tendo em vista seus efeitos ideológicos na questão criminal e nos direitos humanos, tal como ela vem se apresentando na formação histórica brasileira republicana. Problematizamos o quanto a religião – no caso da sociedade brasileira, o catolicismo romano – informa e conforma as ideologias acerca da punição. Para tanto, pontuando aspectos da cultura religiosa que agem no âmbito da cultura política e da história das mentalidades em dois sentidos. De um lado, devemos destacar a disputa pelo poder político entre Igreja e Estado nos países abrangidos pelo catolicismo romano; esta disputa tende a esvaziar, política e ideologicamente, as instituições políticas nestas formações históricas (NEDER, 2004). Este esvaziamento tem produzido efeitos de descrença quanto a validade e a eficácia das instituições políticas, seja para assistir (educação ou assistência social) ou para reprimir (polícia e justiça). De outro lado devemos enfrentar a delicada questão da impunidade, tendo em vista interpretar aspectos importantíssimos do ponto de vista da aceitação obediente das desigualdades na política de justiça criminal; precisamos indagar até que ponto o catolicismo romano conforma a legitimidade de hierarquias sociais, que, naturalizadas, permitem a aplicação da justiça criminal de forma assimétrica. A hegemonia da teologia política tomista implica uma tensão, a partir da contradição gerada por uma concepção de justiça (para todos), que convive com a concepção de hierarquização social rígida. Nas sociedades abrangidas pelo protestantismo, especialmente através da teologia política luterana, a sacralização dos governantes é parte constitutiva das mentalidades e da cultura política. Seus efeitos sobre o campo político, no limite, podem ser observados nos processos de fascistização das sociedades europeias na primeira metade do século XX – especialmente no caso da Alemanha (KANTOROWICZ, 1998). Não estamos lidando com a religião, no seu sentido teológico; e muito menos estamos desqualificando os sentimentos de devoção religiosa e espiritual presentes nos processos de subjetivação. Antes, estamos considerando as religiões enquanto parte constitutiva do poder político, e como tal, sujeito ativo nas relações de força no campo político. Ou seja, tanto a Igreja, quanto a religião devem ser tomadas em sua dimensão de força política. Especialmente em relação a criminalização e punição, não podemos deixar de pontuar as apropriações da cultura religiosa pelo campo jurídico. Não propriamente que estejamos pensando num cálculo quantitativo referido a comparação entre culturas religiosas. Muito menos que estaríamos a considerar uma equação nos termos de países abrangidos pela reforma protestante apresentarem uma política de justiça criminal mais punitiva, com ampla aplicação da pena de privação de liberdade ou pena de morte; e países abrangidos pelo catolicismo com mais impunidade. Sobretudo, queremos indagar o quanto estas apropriações e interpenetrações entre cultura religiosa e cultura jurídica conformam os sentimentos políticos de agentes históricos (individuais e coletivos) implicados institucionalmente no sistema de justiça criminal (juízes, policiais, agentes penitenciários, assistentes sociais e psicólogos). Pensamos que a consideração destes aspectos pode contribuir para o descortino para outras possibilidades históricas que esvaziem os argumentos que defendem como única saída para a crise vivenciada no tempo presente, por exemplo, uma política de segurança pública de confronto e intervenção truculenta e repressiva em relação às classes subalternas; ou o aumento do número de vagas nos presídios. Para tanto, estamos trabalhando as permanências 201

histórico-culturais de longa duração, e levamos em consideração vários aspectos do processo de circulação de ideias e apropriação cultural desde fins do século XVIII. Enfocamos a punição, a repressão e a violência, a partir de considerações sobre duas penas do Antigo Regime (pena de morte e degredo) e alguns indícios de permanências históricas de longa duração na cultura jurídica e na cultura política brasileira do tempo presente. Para tanto, estaremos recorrendo a uma interpretação que leva em conta a história das ideias políticas (sobre criminalização e punição) combinadamente com o conceito de cultura política. Neste aspecto, tentaremos refletir sobre o processo de ideologização que dá suporte intelectual e afetivo aos sentimentos políticos que vem possibilitando o processo de desumanização, referido à desqualificação moral (e jurídica) das classes subalternas. Ao mesmo tempo, queremos levantar algumas questões acerca do processo de purificação que, de base religiosa, desborda para as práticas políticas e ideológicas do campo jurídico secularizado. Ambos os processos – desumanização e purificação – dizem respeito ao processo de ideologização que se apresenta na política de justiça criminal. Formalmente, a pena de morte esteve presente na codificação brasileira imperial de forma restrita a escravos rebelados. Quando dos debates parlamentares em torno da elaboração, discussão e aprovação do Código Criminal de 1830, entretanto, não faltaram, como hoje não faltam, representações que encaminhassem favoravelmente em defesa da pena de morte mais ampla. Levando-se em conta o processo histórico desde o período colonial, verifica-se que a presença da pena de morte na legislação portuguesa (especialmente no Livro V das Ordenações Filipinas), tinha uma aplicação bem medida, política e ideologicamente, de reis aos quais se exigia que fossem pios e misericordiosos, e estava condicionada a lógica judicial de um absolutismo político de inspiração tomista: a dureza da pena prevista no texto da lei implicava o perdão régio (HESPANHA, 1993), que fez parte do processo de dominação e submissão política (NEDER, 2000). A pena de morte visava predominantemente produzir efeitos inibidores-repressivos dissuasórios. A sua aplicação, sobretudo, incidia mais sobre os crimes de lesa-majestade; ou seja, os crimes políticos. Não nos esqueçamos da punição com pena de morte dos cabeças de rebeliões anticolonialistas no Brasil: Tiradentes, enforcado e esquartejado por participação na Conjuração Mineira, em fins do século XVIII; Padre Roma, fuzilado aos olhos de seus filhos - um deles o futuro general de Simon Bolívar, José Inácio de Abreu e Lima, que exilou-se, por participação da Revolução Liberal de 1817; e Frei Caneca, fuzilado em 1825, por encabeçar a Confederação do Equador (1824). A aplicação da pena de morte nos casos acima mencionados estava referida à codificação portuguesa e à justiça criminal de inspiração coimbrense, que desde as reformas pombalinas da universidade (1772) havia apropriado o debate político religioso entre galicistas (pela autonomia da religião – e do clero – dito “nacional”) e papistas. A posição de autonomia em relação a Roma assumida pelo regalismo (em Portugal, como no Brasil) implicava a apropriação cultural do movimento jansenista, muito forte na França; a defesa do papado, do ponto de vista ideológico e político (que fora sustentada pelos jesuítas no contexto dos debates mais acalorados dos quais participara Blaise Pascal com Luis de Molina – na segunda metade do século XVII), e que se encontrava enfraquecida, diante dos avanços das ideias revolucionárias e anticlericais inspiradas na Revolução Francesa (desde fins do século XVIII). Neste sentido, a expulsão dos jesuítas, de um lado, e a convocação da Congregação do Oratório para assumir o ensino em Coimbra acirrou em Portugal e no Brasil as disputas ideológicas (e teológicas) entre jesuitismo e jansenismo. Evidentemente, várias das questões teológico-políticas referidas ao pessimismo agostiniano, de predestinação (ao mal) muito presente no rigorismo jansenista foram apropriadas pelo campo jurídico no Brasil e influenciou o debate sobre a manutenção de penas do Antigo Regime na codificação pós-emancipação política (a independência do Brasil ocorreu em 1822). Sem que, contudo, vários outros pontos referidos à espiritualidade inaciana, inclusive em relação a criminalização e à punição, não deixassem de se apresentar e serem apropriados culturalmente, a partir de uma perspectiva da permanência histórico202

cultural de longa duração. A indiferença da sociedade brasileira, no tempo presente, diante de inúmeros casos de mortes por execução (pelos grupos de extermínio e outras organizações paramilitares), chacinas, ou em confronto com policiais, quando uma população masculina, predominantemente, jovem é o alvo preferido para a execução da pena de morte praticada fora da lei. Como explicar, então, uma sociedade que se coloca, majoritariamente e recorrentemente contra a pena de morte (inclusive por razões de foro religioso), permanecer indiferente às estas tantas mortes? Como explicar uma sociedade marcada por um processo de secularização tortuoso, onde a sacralização da política comparece para emoldurar e influir entre as instituições políticas que se quer republicanas, especialmente naquelas referidas à educação e às instituições policiais e judiciárias? (NEDER, 2004). Na passagem à modernidade na virada do século XIX para o XX, ocorreu a continuidade da situação de ambivalência, já presente na sociedade brasileira desde os tempos imperiais: a introdução do ideário burguês ocorreu combinadamente com permanências históricas de longa duração de aspectos da cultura política do Antigo Regime e do escravismo, que deu suporte a uma prática jurídico-política e a uma afetividade absolutista (CERQUEIRA FILHO, 2005), que desafiaram a racionalidade do capitalismo e seu ideário, que se queria implantar. Esta ambivalência pode ser vista a partir da colocação de três textos legais, promulgados pela ditadura militar que deu o golpe de Estado e implantou a República, um ano após a abolição da escravidão: o Código Penal (1890), a Lei do Registro e do Casamento Civil (1890) e a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). As relações entre cultura jurídica e cultura religiosa, nas disputas do campo político podem ser observadas também no processo de reforma da legislação brasileira nos primórdios do período republicano. Uma abordagem comparativa entre a Constituição de 1891 e o Código Penal de 1890 parece sugerir contradições entre eles, pois o código distingue-se por seu caráter eminentemente repressivo 86, enquanto que a Constituição de 189187 serve para afirmar o liberalismo que informou sua elaboração. Ao mesmo tempo, o decreto de lei sobre o casamento civil pôs fim ao debate que se arrastava desde meados do século XIX, quando fora encomendado o projeto de código civil ao jurista Augusto Teixeira de Freitas. A questão do casamento civil (peça chave na modernização da legislação do direito de família) arrastou-se por décadas; e a legislação portuguesa de 1603 só foi substituída, no Brasil, em 1916! Os freios para sua implantação devem ser buscados na forte presença do conservadorismo clerical no país. A visão de família e o projeto de disciplinamento e de controle social e sexual do catolicismo romano estavam fortemente arraigados na formação históricoideológica e na cultura política brasileira. Com a Proclamação da República, sob liderança de militares positivistas e anticlericais, esperava-se, com certeza, a secularização do casamento no país, passando-o, portanto, para o foro civil; neste caso, o casamento seria considerado um contrato. Todo contrato (no sentido burguês do termo) implica o distrato – o divórcio. A lei do registro e do casamento civil de 1890 transferiu para o Estado o casamento, secularizando-o; proibiu, entretanto, o divórcio. 88 Estavam, portanto, definidos e garantidos dois instrumentos legais autoritários e conservadores para o controle social a ser exercido. A promulgação destes dois decretos um ano antes da promulgação da lei maior, a Constituição de 1891, adquiriu um caráter antecipatório, além, obviamente, de seus aspectos altamente autoritários e repressivos. Os debates políticos (e teológicos) divergentes entre jansenistas e papistas (jesuitistas) refletiam e incidiam sobre a dinâmica social. Mesmo porque, a discussão sobre o fornecimento externo de trabalhadores, através da imigração, implicava a resolução de problemas legais ligados aos direitos civis de estrangeiros residentes no país; especialmente em relação às opções religiosas destes imigrantes. Com o regime de Padroado, à Igreja (ligada ao Estado) cabia o registro civil (nascimento, morte, testamento e casamento); os casamentos considerados válidos juridicamente no Brasil até 1890, e seus efeitos no processo de tutela, herança e sucessão, eram aqueles ocorridos no rito e na norma do direito eclesiástico. Como empreender, 203

portanto, uma política de imigração em massa, como a que acabou ocorrendo, sem levar em conta estes aspectos? (NEDER, 2007). A imigração de protestantes, no mínimo, colocava um problema para a governação da sociedade brasileira, num momento em que o tráfico e o trabalho escravo estavam sendo fortemente questionados do ponto de vista internacional. A defesa de uma lei de casamento civil para o Brasil em meados do século XIX – debate ocorrido entre 1850/70 – coube aos católicos ilustrados (de formação jurídica coimbrense); opuseram-se aos ultramontanos que não apoiavam a secularização dos casamentos. A instituição judiciária no Brasil, desde as primeiras décadas republicanas promoveu um conjunto de práticas políticas e ideológicas que visavam uma atuação decisivamente disciplinar, através da “educação pelo e para o trabalho”; esta visão tem percorrido todo o discurso do campo jurídico para a justiça criminal por mais de um século. Contudo, mesmo com a adoção de uma perspectiva disciplinar e socializadora da justiça criminal, onde, pelo menos em tese, a questão da recuperação (pelo e para o trabalho) se colocava como meta, a política para a justiça criminal no Brasil, esta revelanos as múltiplas permanências de práticas repressivas antigas, ligadas ainda à sociedade escravista, e com forte presença da ação religiosa da Igreja Romana. Portanto, a lógica do mercado ficou submetida à lógica cultural, e aos sentimentos políticos de controle e hierarquia tão fortemente arraigados na formação histórica brasileira. A pena de morte vigorava no Código Criminal (1830), e foi mais aplicada para os escravos envolvidos em rebeliões; embora redigido sob a forma do iluminismo jurídico-penal, a manutenção da escravidão deu contornos absolutistas às práticas punitivas na formação social brasileira. Já o Código Penal (1890) não previa a pena de morte (de direito). Ao contrário, espelharam-se, ao pé da letra, as necessidades históricas da conjuntura de substituição do trabalho escravo para o livre. Mas a contingência de uma formação histórico-social em transição impunha tal pena, de fato. Ou seja, mesmo carecendo de trabalhadores para constituir e ampliar o mercado de trabalho, a ação disciplinadora e ressocializadora das instituições de controle social não ocorreram, vigorando uma prática punitiva ainda relacionada ao Antigo Regime e à escravidão. Neste sentido, interpretamos as permanências histórico-culturais de longa duração como óbices que condenam as modernizações das políticas criminais ao fracasso. Na verdade, a contradição que destacamos vem percorrendo toda a trajetória do direito no Brasil. Consideramos, portanto, que a história da justiça criminal efetivou sua prática ideológica no sentido da construção social da ideia de trabalho e de disciplina. Não foi, portanto, propriamente através de uma ação judicial que visasse à recuperação ou a ressocialização, através da reintegração à sociedade – para o mercado de trabalho (RUSCBE; KIRCHHEIMER, 2004). Até mesmo na conjuntura de constituição do mercado de trabalho do início do século XX, quando dependia, ainda, de fornecimento externo, através de uma política imigrantista, a retórica que dava suporte à política criminal não vinha acompanhada de ação judicial afinada com o seu ideário. Tanto o crime, quanto a punição encontravam-se, portanto, relacionados à constituição e movimentação do mercado de trabalho. Não concebemos, contudo, tal relação ocorrendo de uma forma mecânica e direta. Menos ainda como uma regra (mão-de-obra escassa = políticas para recuperação/ressocialização; mão de obra abundante = aplicação da pena de morte). Estamos, através da análise histórica, relativizando tal abordagem. O encaminhamento das estratégias de controle social modernas implicou escolhas políticas (e ideológicas) que dialogaram com os projetos e ideias políticas e ideias de justiça que circulavam pelas duas margens do Atlântico. Defenderam-se as modernizações: criação de um sistema penitenciário – inclusive com penitenciária agrícola –, de uma escola para menores infratores (separando-os dos apenados adultos) e, posteriormente, a separação por sexo (tudo isso ao lado de uma lei draconiana de expulsão de estrangeiros indesejados); adoção do sistema penal da Filadélfia, combinado com o de Auburn (EUA), modificado pelo método irlandês, com prisão celular89 – uma opção pelo modelo 204

punitivo do puritanismo protestante norte-americano (a ideia de que o indivíduo deveria ser isolado e permanecer só consigo mesmo para refletir sobre seus erros, etc.). Não se pode, no entanto, avaliar se os operadores do campo jurídico que encaminharam a promulgação do código penal em 1890 tinham clareza sobre as implicações político-religiosas de tal tipo de pena; mesmo porque a afirmação, por parte da interpretação, da intencionalidade última da subjetividade política e ideológica de agentes históricos implicados no processo social, dificilmente pode ser enunciada de forma peremptória. Ao que tudo indica, os juristas brasileiros envolvidos na reestruturação do Estado sob a forma republicana, não estavam totalmente conscientes das implicações da cultura religiosa (pois sequer a ideia de indivíduo estava plenamente construída na formação histórico-ideológica brasileira de então). Também não podemos dizer que a cultura religiosa diferenciada (entre o puritanismo católico e o protestante) estivesse fora dos debates políticos no campo intelectual brasileiro, uma vez que a “Questão Religiosa” na qual se envolveu o governo imperial em 1873 (com a prisão dos bispos de Olinda e do Pará, por desacatarem o beneplácito régio do Imperador e perseguirem os religiosos que pertencessem à maçonaria) estava muito viva no início da República (VIEIRA, 1980) Entre as décadas de 1850 e 1890, o campo intelectual brasileiro esteve fortemente envolvido com o debate político entre o catolicismo ilustrado (moderno-conservador, geralmente ligado à maçonaria, eivado de pragmatismo pombalino e opositor das posições jesuitistas) e o ultramontano (regressista, romanista, papista e conservador-clerical). O debate ocorreu a partir da construção de argumentos comparativos entre as sociedades do Norte e do Sul da Europa, e suas opções face á reforma religiosa (protestante ou católica); foram ponderadas as vantagens e desvantagens de uma política de imigração de trabalhadores católicos ou protestantes. O primeiro intelectual brasileiro a considerar a cultura religiosa face à questão imigrantista foi Tavares Bastos, na década de 1860. Sua reflexão muito influenciou Joaquim Nabuco e sua prática política e ideológica em favor da abolição da escravidão. Não por acaso, o tema se apresentou vivamente na pena da geração seguinte: o mais famoso livro de Gilberto Freyre (influenciado por Joaquim Nabuco), Casa Grande & Senzala (1975), estabelece uma reflexão comparativa entre a escravidão nos EUA e no Brasil, a partir das duas matrizes da colonização europeia nas Américas, tendo a religião (protestantismo versus catolicismo luso-tropical) como um ponto de inflexão. Tudo isto possibilita uma interpretação que problematiza bastante a ineficácia do sistema penal republicano: uma estratégia punitiva que pressupunha a ideia de indivíduo (presente nas sociedades que experimentaram uma reforma religiosa protestante, predominantemente calvinista) foi adotada noutra sociedade pós-abolicionista, predominantemente holista, pela presença do tomismo (apropriado culturalmente até mesmo pelas posições jansenistas e supostamente contrárias ao tomismo) onde, com toda certeza, a visão escravista de mundo e seu desprezo pelo trabalho e pelos trabalhadores era, ainda, muito forte. Devemos, destarte, relativizar os efeitos inibidores-repressivos das codificações penais; seja na repressão à vadiagem (tendo em vista a constituição do mercado de trabalho), seja no processo de internalização afetivo-ideológica do medo e da submissão (em relação às permanências históricoculturais de longa duração de penas draconianas do Antigo Regime: degredo e pena de morte). Diferentemente da pena de morte, a pena de degredo foi explicitada na codificação penal imperial, em 1830. Pensamos, entretanto, em algumas diferenciações quanto aos efeitos dissuasórios entre as duas penas do Antigo Regime. A aplicação do degredo foi limitada aos crimes de sedição e revolta militar, predominantemente (FERREIRA, 2011). Outra característica da aplicação da pena de degredo é que ela deixou de ser aplicada após a reforma do código de processo criminal, em 1841. Francisco Ferreira Jr. encontrou apenas um único caso de aplicação da pena de degredo pós-1841, para Guarapuava. Este município do Paraná foi fundado como colônia penal para degredados ainda pela coroa portuguesa, por carta régia de 1809, tendo em vista o povoamento e a proteção do território de fronteira. Os condenados ao degredo eram enviados para Guarapuava através de cartas-guias. Uma única carta-guia 205

foi encontrada nos arquivos públicos paranaenses, após 1841; é a de um falsário, José Maria Cândido Ribeiro, degredado português que chegou a Guarapuava em 1859. O moedeiro falso tinha 54 anos e vinha da Corte, tendo antes vivido na Província da Bahia – onde fora, por primeiro, condenado pelo crime de falsificação de moedas. Havia vivido no Rio de Janeiro, tendo recebido uma educação aprimorada; era exímio pintor e retratista (além de falsário); era reincidente, uma vez que fora condenado em 1840 pelo mesmo crime. Foi acompanhado de um casal de seus protegidos; portanto, não estava completamente só. Esse degredado não deixou de manter uma rede de contatos com a Corte e, de Guarapuava, comandava seus negócios; ele seguiu articulado a uma rede de comunicação com falsários no Rio de Janeiro. Este degredado, no entanto, optou pelo suicídio. Apesar de pouco explicadas as razões do suicídio – o volumoso processo do moedeiro falso nada menciona sobre qualquer anotação ou indício para este desfecho trágico. José Maria Cândido Ribeiro pareceu-nos, no entanto, ter se tornado triste, a partir da ausência de comunicação com seu protegido, que havia partido em viagem à Corte para tratar de seus negócios. Portanto, foi o isolamento (não aquele aplicado como pena pelo poder público), mas aquele empreendido pelo isolamento social, imposto pelo seu protegido, que o colocou em situação de sofrimento. Do ponto de vista da justiça criminal no Brasil (seja no Império, seja na República), o degredo vem sendo aplicado nos casos de crimes políticos (não nos esqueçamos do exílio de adversários da recente ditadura militar – entre 1964, data do golpe militar e 1979, lei da anistia política). Entretanto, a pena de degredo mantida na codificação de 1830 ocorreu com algumas características da política de degredo desferida pelas metrópoles europeias para o processo de colonização de suas possessões ultramarinas. A pena de degredo, o recrutamento militar obrigatório, e galés foram aplicadas pelas monarquias europeias no Antigo Regime, a partir do século XVI e estavam diretamente relacionadas ao trabalho compulsório (COATES, 1998), pela falta de trabalhadores subalternos e população para povoamento. A partir da aprovação dão Código Criminal 1830, houve a manutenção tardia de penas da legislação antiga: galés e degredo; esta manutenção reflete bem a situação daquela conjuntura de transição, de extrema falta de contingentes para o serviço militar e para o povoamento de fronteiras (PIERONI, 2002) no Brasil. Portanto, situações bem parecidas com as exigências das monarquias do Antigo Regime, num contexto de transição num século XIX bem avançado. Por seu turno, a codificação de 1830 não sustentou a pena de morte (para os que eram considerados “cidadãos”; já que a pena de morte estava prevista para os crimes de rebelião escrava). As disputas parlamentares naquela conjuntura revelam prismas do debate ideológico, onde podemos observar as imbricações entre as posições políticas e as religiosas. A manutenção da pena de morte foi defendida pelos liberais radicais, influenciados pelas modernizações pombalinas na formação jurídica coimbrense, de corte jansenista; portanto rigorista. Desse modo, poucas expectativas (e porque não dizer, crenças) na recuperação, ressocialização do sistema prisional, já em voga nas duas margens do Atlântico e defendidos pelos autores mais citados por estes mesmos parlamentares - Bentham e Voltaire eram os autores mais vendidos no Brasil naquela conjuntura histórica (FREYRE, 2000). O sentimento que vigia é de que os criminosos estavam predestinados ao mal. A posição mais conservadora era, aos olhos de um observador de hoje, aparentemente mais flexível, (não seria laxista?), mas que também formulava um discurso de coloração liberal, e era sustentada por posições papistas e jesuitistas; rejeitava a pena de morte. Aqui, temos várias perguntas. Quais as influências da moral religiosa jesuítica e da jansenista entre os penalistas brasileiros? Apesar da forte presença cultural jesuíta na formação educacional brasileira como um todo (pois tiveram o monopólio do ensino em Portugal e no Brasil até sua expulsão pelo Marquês de Pombal no último quartel do século XVIII), o jansenismo, e outras formas de doutrinação e vivência da espiritualidade cristã, não deixou de se fazer presente. Onde sua influência? Se, numa primeira leitura de algumas fontes bibliográficas de época identificamos uma maior influência do jesuitismo e do tomismo no pensamento jurídico-penal, não podemos descartar com facilidade outras 206

tendências. O processo de circulação de ideias do iluminismo penal envolveu, sem dúvida, os juristas brasileiros que estiveram à frente da tarefa de codificar a primeira legislação penal pós-emancipação política (Código Criminal de 1830). A modernização e atualização dos intelectuais do campo jurídico (em termos de leituras, autores e referências) atestam este processo. Nesse sentido, não consideramos a existência de um atraso da intelectualidade brasileira do campo do direito em relação aos polos europeus neste processo de circulação de ideias e apropriação cultural. O atraso ou defasagem (na verdade duplo atraso: entre Brasil e Portugal e entre Portugal e o resto da Europa) tem sido um pressuposto na historiografia brasileira (FAORO, 1993). Pensamos diferentemente desta historiografia: a circulação de ideias e livros ocorria simultaneamente à circulação de mercadorias e de pessoas num amplo processo de trocas que envolviam várias formações históricas. A intelectualidade brasileira estava atualizada teórica e ideologicamente face às principais discussões daquela temporalidade. Natalie Zemon Davis (1990) discute a força cultural de uma dada pregação religiosa (fundamentalista e inflexível) nas guerras religiosas na França no século XVI. Partindo dos textos usados na pregação tanto de católicos, quanto de protestantes, a autora constata dois processos de circulação de ideias importantes que culminariam em ritos de violência: um deles é o processo de desumanização e o outro de purificação. Em todos os casos considerados para análise, a autora destaca o processo de legitimação da violência religiosa que estava ancorada, na forma e no lugar, com a vida do culto e os atos violentos eram, eles próprios, derivados de um estoque de tradições de punição ou de purificação correntes na França do século XVI. Portanto, a violência e a crueldade dos atos da multidão nos massacres de 1572 (São Bartolomeu) não foi um fato excepcional, mas um acontecimento maior que tinha vínculos com autoridades políticas, e sofisticadas redes de comunicação, através da França. E conclui que se objetivamos, no tempo presente, aumentar a segurança e a confiança no interior de uma comunidade ou sociedade, e que, se queremos diminuir a violência ou garantir que a violência aí gerada assuma formas menos destrutivas, deve-se pensar menos em reprimir, controlar ou pacificar os “desviantes” e mais em como mudar a cultura política (Idem: 156) Carlo Ginzburg, outro autor que muito nos ajudar a pensar as questões referidas à cultura (religiosa, política e jurídica), em conferência pronunciada em 2006, no Programa de Pós-Graduação em História da UFF a convite do Laboratório Cidade e Poder, trabalhou as permanências culturais de longa duração a partir da análise do livro de Thomas Hobbes, Leviatã. Inspirado nas discussões que diferenciam o processo de laicização do de secularização (MARRAMAO, 1995), Ginzburg (2008) percorre a obra de Hobbes identificando suas práticas de leitura, e as metáforas e expressões por ele utilizadas, interpretadas enquanto indícios de que o fenômeno da secularização estava bem longe de ter-se cumprido na reflexão hobbesiana. Especialmente no uso do nome (Leviatã), que no livro de Jó designa uma baleia – um animal monstruoso e temido; e na citação à tradução latina de São Jerônimo (“não existe poder sobre a terra comparável ao seu”) contida no frontispício da primeira edição inglesa do livro de Hobbes. No desenvolvimento das ideias de sujeição, reverência e medo, Hobbes inspirouse em passagens bíblicas e livros religiosos que circulavam na Inglaterra (e na Europa) no século XVII. Para Ginzburg, a conclusão de Hobbes é de que a secularização não se contrapõe à religião: ao invés disso, invade seu campo. Na captura da expressão “awe” (temor, relacionado tanto a reverência quanto sujeição), tal como aparece nos textos (religiosos e do próprio Hobbes, quem, para grande parte da interpretação iluminista, inaugurou uma concepção do Estado secularizada), Ginzburg alude ao fundamentalismo (neo-liberal) que se apresenta na contemporaneidade, numa permanência cultural de longa duração: o nome da operação militar de invasão ao Iraque, após os ataques de Onze de Setembro “Shock and Awe” guarda referências múltiplas às relações entre religião e cultura política, que podem bem ser buscadas na formulação hobbesiana que sofreu um processo de atualização histórica e apropriação cultural. 207

Sustentamos, portanto, nossos argumentos acerca das permanências históricas de longa duração no sistema de justiça criminal brasileiro. Com base nos tantos esforços do campo democrático em relação à luta pelos direitos humanos, no contexto da discussão e aprovação da Constituição de 1988, sublinhamos que se afirmou a ideia de que os réus condenados deveriam cumprir a pena em presídios próximos de sua região de moradia, tendo em vista a proximidade de seus familiares. Logicamente, visava-se com esta decisão, uma política de justiça criminal onde as possibilidades de recuperação, ressocialização e integração social pudessem ocorrer. No entanto, a situação é um pouco mais complexa. Não se trata propriamente de distância (no sentido físico), que afasta os familiares dos que cumprem pena de privação de liberdade no Brasil; e consequentemente acentuam a ineficácia do sistema. O mais grave em tudo isso é o processo (ideológico) que, cravado na cultura política e religiosa, possibilita a desumanização (dos presos) – o que facilita a indiferença quanto aos maus tratos, ou a execução sumária em brigas de grupos rivais dentro dos presídios, que ocorrem com frequência – fortalecendo os argumentos de que aqueles predestinados (ao mal) não carecem da proteção do Estado (mesmo quando estão sob sua tutela e guarda, como é o caso dos presidiários). Ao mesmo tempo, a ausência de condições e garantias mínimas para que haja manutenção de vínculos familiares indicam que a pena de degredo, ausente da codificação penal brasileira republicana, segue sendo aplicada; há vários relatos de recomendações para que as mulheres das famílias dos presidiários evitem a visita. O processo de legitimação da violência no sistema penitenciário brasileiro está ancorado, na forma, com a cultura jurídica e religiosa e os atos violentos são, eles próprios, derivados de um estoque de tradições de punição ancorados em penas muito antigas (degredo e morte). Portanto, a violência e a crueldade presente no sistema não são um fato excepcional, mas um acontecimento maior que tem vínculos com a cultura jurídica e a cultura religiosa sobre punição.

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ARTIGO

De Antonio Mamerto a Gauchito Gil: estrategias de control y formas de resistencia popular en una región de frontera entre Argentina y Brasil José Renato Vieira Martins

Introducción La historia del Gauchito Gil es verdaderamente intrigante. Se trata de un fenómeno de masas, de carácter religioso, que tuvo origen en el siglo XIX en el Nordeste argentino y se propagó por todo el país, cruzando incluso las fronteras de Brasil y de Paraguay, donde hoy también se encuentran devotos del Gauchito. El desarrollo del capitalismo en esta región de frontera, formada por provincias cortadas por los ríos Paraná, Uruguay y de la Plata, transformó las tierras de acceso común, donde los gauchos vivían de la caza del ganado salvaje, en áreas concedidas por el Estado a las ricas familias de la oligarquía rural. Con la apropiación de grandes extensiones por parte de los estancieros y la consiguiente incorporación de las antiguas áreas de pastizales a la órbita del mercado internacional del charque y de la lana, el modo de vida independiente de los gauchos se convirtió en un obstáculo para el proyecto de modernización de las élites políticas y económicas. La ganadería necesitaba brazos, y los caudillos, bandoleros. Los gauchos podrían servir a ambos. Aquellos que resistieron a los cambios, apegados a su modo de vida tradicional, fueron criminalizados, perseguidos y aprisionados. Antonio Mamerto fue uno de esos gauchos. El artículo analiza las estrategias de control accionadas por las clases dominantes y las formas de resistencia popular que dieron origen a la leyenda del Gauchito Gil.

Pobre, mestizo y... santo Antonio Mamerto Gil Núñez, el Gauchito Gil, es uno de los santos populares más adorados por los argentinos. Aun sin el aval de la Iglesia católica, que no lo reconoce oficialmente, el Gauchito ocupa un lugar destacado en el universo religioso del país, que es dominado por los católicos pero cuenta con la presencia de otras importantes formas de expresión religiosa. Natural de Mercedes, localidad de la Provincia de Corrientes, en el Nordeste argentino, el Gauchito es una mezcla de vaquero y ladrón. Nació alrededor de 1840 y murió el 8 de enero de 1878. Dicen que en vida solía robar a los ricos para dar a los pobres, como un Robin Hood de la pampa. Su imagen más conocida llama la atención por la larga cabellera sobre los hombros, el tradicional pañuelo rojo al cuello y la boleadora en la mano. (Diccionario de Mitos y Leyendas). El gaucho es un tema recurrente en la literatura y en el pensamiento social argentino. José Hernández lo transformó en un símbolo de la patria, con su Martín Fierro, uno de los libros fundadores de la literatura nacional. Desde entonces el gaucho está presente en las letras argentinas. Desde renombrados escritores, como Adolfo Bioy Casares, a jóvenes novelistas e investigadores, como Adriana Hartwig, el tema es revisitado. En la novela Curuzú Gil: la historia del hombre con destino de leyenda antes de convertirse en leyenda, Hartwig reconstituye la trayectoria de Antonio Mamerto en una novela histórica, rica en informaciones sobre el contexto en el que transcurre la historia del Gauchito. En Memoria sobre la pampa y los gauchos, Adolfo Bioy Casares también trata del asunto. Para él, el gaucho es un personaje de moral contradictoria y realidad misteriosa, dado que “testigos de 210

diversas generaciones coinciden en afirmar que solo existió en el pasado...”. Pues justamente ese componente misterioso, mezcla de realidad y fantasía, es el rasgo principal del Gauchito, personaje convertido en héroe nacional, santo popular, adorado por los argentinos como tal. Los altares erguidos en homenaje al Gauchito Gil se encuentran actualmente por toda la Argentina, no solamente en Corrientes, su provincia natal. El más concurrido y frecuentado entre ellos es el santuario de Mercedes, centro de romerías y peregrinaciones. Todos los años, el día 8 de enero, multitudes de devotos se dirigen hacia allá para hacer un pedido, agradecer una gracia recibida, pagar una promesa. Ese día Antonio Mamerto habría sido sacrificado. El rojo es el color predominante en las fiestas de celebración del Gauchito, que reúnen más de 150 mil peregrinos. Es un momento de devoción popular y fervor religioso. La metamorfosis de Antonio Mamerto en Gauchito Gil tuvo inicio en el siglo XIX, en medio a las disputas entre los caudillos del interior y los representantes del gobierno central, entonces bajo el comando de Juan Manuel de Rosas (1793-1877), que gobernó la Argentina dos veces (1829 a 1833 y 1835 a 1852). Disputas sangrientas marcaron todo el período, que se inicia con la Independencia, en 1810, y se extiende hasta la eclosión de la Guerra del Paraguay (1864-1870) – conflicto no menos sangriento que involucró particularmente a la población del Nordeste argentino. Aquellos fueron tiempos difíciles para la Argentina, que buscaba una alternativa a la autocracia de Rosas, a la república aristocrática de los liberales y al estado de guerra permanente de los caudillos. Como sus compañeros de la pampa – descendientes de españoles, indios y africanos – Antonio Mamerto también era mestizo, y como ellos, llevaría una vida errante, sin ocupación fija ni claros lazos familiares. Medio bandolero, medio vaquero, el gaucho Mamerto nació y creció en los vastos descampados del Nordeste argentino, territorio al margen de la ley, de las tradiciones y de las costumbres de las élites de Buenos Aires. Con seguridad formaba parte de los estratos más bajos de la sociedad argentina (Diccionario de Mitos y Leyendas). La lealtad, como se verá más adelante, es uno de los engranajes de funcionamiento del caudillismo. El gaucho y el caudillo se complementan, forman parte del mismo sistema de poder personalista y autoritario. La deserción en este régimen es considerada una falta grave, pasible de punición con la pena de muerte. Los problemas de Antonio Mamerto empezaron precisamente cuando fue convocado por el jefe local de Mercedes para la Guerra de Paraguay y, luego de algunas batallas, decidió desertar. Consta que él no quería derramar la sangre de los paraguayos, a quienes consideraba como hermanos, aunque fueran sus adversarios en los campos de batalla. Perseguido tras vagar por la pampa, sobreviviendo como vaquero y ladrón, el gaucho Mamerto fue capturado y, como era la costumbre de la época, fue colgado cabeza abajo y degollado. Su cuerpo insepulto fue abandonado en el sitio del sacrificio. Antes de morir habría dicho que el hijo de su verdugo estaba muy enfermo, que orara y pidiera en su nombre por el bien del niño. “La sangre de los inocentes suele hacer milagros”, habría dicho el Gauchito antes de ser sacrificado. Dice la leyenda que la muerte de Antonio Mamerto ocurrió horas antes que mensajeros enviados desde Mercedes llegaran al sitio de su muerte, llevando la información de que el Gauchito había sido declarado inocente. Demasiado tarde, pues Antonio Mamerto ya había sido sacrificado. Al volver a casa, el verdugo encontró al hijo muy enfermo, se acordó del Gauchito e imploró por su salvación. La cura del niño fue alcanzada, y considerada por todos como milagrosa. En agradecimiento, el verdugo 211

regresó al sitio de sacrificio para hacer el entierro cristiano del Gauchito, e hincó una cruz al borde de la ruta, en las cercanías de Mercedes, donde murió. Desde entonces, miles de fervorosos argentinos visitan el santuario todos los años. Varios aspectos de esa sorprendente historia apuntan a un hecho social de dimensiones religiosas, políticas, sociales e históricas, como se verá más adelante.

El lugar de los pobres Remonta a la segunda mitad del siglo XIX el surgimiento de la ideología que consagró al gaucho como expresión de la barbarie. Domingo Faustino Sarmiento (1810-1888) fue su principal formulador. Había otras corrientes de pensamiento, unas más progresistas, otras más conservadoras, igualmente presentes en el universo intelectual de la época en que Sarmiento escribió su libro más polémico: Facundo, Civilización y Barbarie (1845). Todas buscaban una respuesta a la misma cuestión: ¿Cómo debería organizarse el recién creado Estado nacional? ¿Quién podría gobernarlo? El problema era fácil de formular y difícil de resolver. En el fondo, se trataba de establecer a quién cabría dirigir el país. Gauchos como Antonio Mamerto ¿integrarían el cuerpo político de la joven república? (TERÁN, 2012). Blanco de prejuicio social y racial, los gauchos como Antonio Mamerto constituían un motivo de preocupación de las clases dominantes. Domingo Faustino Sarmiento no escondía el desprecio que sentía por ellos. Como presidente de la Argentina, de 1868 a 1874, Sarmiento se dedicó a crear escuelas por todo el país, especialmente en las provincias del interior, para educar a los argentinos pobres e iletrados como Antonio Mamerto. Sarmiento creía que la enseñanza obligatoria, pública y laica era la forma duradera de transformar al bárbaro gaucho de la pampa en el ciudadano civilizado de las ciudades. Su proyecto de modernización despreciaba la cultura local, popular y americana de los gauchos. Su ideal de civilización y progreso venía de Europa y de los Estados Unidos, por donde viajó para conocer el sistema de enseñanza que pretendía adaptar para la Argentina. (DI TELLA, 1998). La preocupación central de Sarmiento era de orden político y no social, como a primera vista podría parecer. Por medio de la educación él quería evitar que los gauchos se volvieran masa de maniobra de caudillos, con los cuales se identificaban en razón de similitudes étnicas y origen social. Formar parte de un bando armado, ponerse bajo el comando de un caudillo, prestar obediencia a cambio de protección era una estrategia de supervivencia común de muchos gauchos como Antonio Mamerto. El caudillismo se basaba precisamente en la adhesión incondicional de esos individuos a los jefes locales, hombres hábiles y carismáticos, normalmente de origen militar, oriundos de los ejércitos 212

que lucharon en la guerra de Independencia en 1810. Para Sarmiento, el interior del país y el hombre del campo eran sinónimos de barbarie y atraso. La ciudad, en contrapartida, era tenida como el centro de la civilización, del orden y del progreso. Estas dos realidades no solo eran extrañas entre sí sino que se encontraban en confrontación permanente. “Parecen dos sociedades diferentes, dos pueblos extraños el uno al otro”, decía Sarmiento. El hombre culto de la ciudad viste frac y chaqueta, el gaucho de la pampa está siempre enfundado en su poncho. En el período colonial, mientras los españoles se ocupaban de la explotación de las minas de plata del Alto Perú, la población del interior permaneció aislada y abandonada a su propia suerte. Tras la Independencia, la situación no se alteró sustancialmente. El latifundio y la ganadería extensiva, modelos económicos legados por la colonia, permanecieron bajo el control de la oligarquía rural. El campesino pobre siguió marginado de las actividades productivas vinculadas a la industria del charque y el comercio de la lana. Para Sarmiento, la mezcla de razas generó un tipo humano indolente, ocioso y adverso al trabajo disciplinado. Un tipo políticamente irresponsable, incapaz de ejercer una ciudadanía activa, como se diría en los días de hoy (SARMIENTO, 2010). La visión de Sarmiento no era consensual. Incluso entre las élites había divergencias en cuanto a esta representación prejuiciosa del pueblo argentino. Juan Bautista Alberdi (1810-1884), otro representante de la llamada Generación de 37 – grupo de intelectuales de oposición al gobierno de Rosas – autor del esbozo de la primera constitución republicana argentina, no compartía el pesimismo de Sarmiento. En las Cartas Quillotanas (correspondencia intercambiada desde el exilio chileno con el propio Sarmiento), Alberdi criticó el falso dilema entre civilización y barbarie. Según él, los militares, los intelectuales, los criollos y los campesinos estuvieron del mismo lado en la guerra de Independencia. Campo y ciudad combatieron juntos contra el dominio español. Bajo el comando de San Martín y Juan Lavalle, el gaucho fue un guerrero patriota, a quien se deben victorias decisivas en los campos de batalla. “La localización de la civilización en las ciudades y de la barbarie en las campañas”, decía Alberdi, “es un error de historia y de observación”. Ambos lucharon por los mismos ideales libertarios. Si el gaucho tuvo participación activa en la liberación del país, ¿por qué no tendría un lugar en la reconstrucción nacional? (ALBERDI, 2005). Al contrario de Sarmiento, Alberdi imaginó un espacio para la incorporación de los gauchos pobres como Antonio Mamerto en los cuadros de la república. Esto no quiere decir que Alberdi fuera un demócrata, adepto del sufragio universal. Su proyecto de “república posible” era profundamente autoritario, casi monárquico. Se asentaba en la idea de que el crecimiento económico y la prosperidad del país legada por los últimos años del gobierno autocrático de Rosas tenían que ser mantenidos a cualquier costo, aunque eso perpetuara los privilegios de las oligarquías rurales y no implicara ninguna contrapartida social (ALBERDI, 2005). Según Halperín Donghi, la solución de Alberdi para la Argentina tenía como referencia los acontecimientos políticos de la Francia de Napoleón III e implicaba valerse de la presencia popular, específicamente de los campesinos pobres, “como un instrumento necesario para mantener la disciplina de la élite, cuya tendencia a las querellas intestinas sigue pareciendo (…) la más peligrosa fuente de inestabilidad política para el entero país” (DONGHI, S/F: 31) La polémica entre Alberdi y Sarmiento revelaba la preocupación de las clases dominantes con el establecimiento del orden público en la zona rural, área crucial para el desarrollo económico de la joven república. En razón de los riesgos que el modo de vida tradicional de gauchos pobres como Antonio Mamerto pudiera representar, el gobierno de Rosas aprobó una legislación represiva, por medio de la cual la ociosidad se tornó crimen pasible de condenación. Al criminalizar el modo de vida del gaucho, la legislación pretendía transformar a los llamados “mozos vagos y mal entretenidos” en individuos disciplinados para el trabajo en las estancias (BETHEL, 2009: 640). El objetivo no declarado era convertir al gaucho insumiso en mano de obra para los estancieros y en bandoleros para los caudillos. Expediciones de carácter punitivo y de aprisionamiento fueron entonces organizadas por los 213

propietarios rurales contra los gauchos. Obligarlos a trabajar en las estancias o a enrolarse en las milicias fue una de las formas encontradas para controlarlos. Para algunos la solución estaría en la incorporación de los gauchos al ejército o a las milicias organizadas bajo el comando de los caudillos locales. Para otros, el gaucho debería ser objeto de políticas educativas de carácter civilizatorio. Su lugar en la sociedad argentina estaba trazado. O bien irían al pupitre escolar o al frente de batalla. Ambas estrategias implicaban el abandono del modo de vida libre de la pampa, la negación de la cultura tradicional y auténtica que heredaron de sus antepasados. Triste suerte del gaucho Mamerto. Su lugar en la sociedad argentina fue sellado por las clases dominantes: o abdicaba de la libertad o moría en los campos de batalla.

Unitarios y Federales Las disputas ideológicas en el seno de las élites letradas sobre el lugar de las clases populares en la república argentina correspondían a las disputas políticas entre los dos partidos actuantes de la época: Unitarios y Federales. Los Unitarios eran partidarios de una república centralizada, gobernada por élites liberales, basada en los preceptos laicos de la Revolución Francesa y en los mecanismos de “libre” comercio – desde que fueran practicados en provecho de los ricos comerciantes de Buenos Aires. Los liberales consideraban salvajes a sus adversarios políticos, formados por bandos de caudillos de índole asesina. Los Federales, por su parte, defendían una república descentralizada, con participación de las provincias en las decisiones nacionales y distribución del ingreso aduanero concentrado en manos de los porteños. Para los Federales, los Unitarios pretendían dar a la ciudad de Buenos Aires el rol que los españoles ejercieron antes de la Independencia, convirtiéndola en una nueva Metrópolis, con poderes discrecionales sobre las provincias del interior (POZO, 2009). Durante medio siglo las dos corrientes se enfrentaron. Recién después de la caída de Rosas y de la promulgación de la primera Constitución, en 1853, se crearon las bases institucionales de una verdadera unión nacional. Hasta entonces, la Argentina había convivido con disputas permanentes (y sangrientas) entre los dos partidos. Fueron años de anarquía y crueldad. Los dos lados saqueaban, torturaban, degollaban y empalaban. La violencia no era exclusiva de los Federales, cuya fama de salvajes la historia de los vencedores – contada por los Unitarios – oficializó y propagó. Pese a sus modales refinados, los Unitarios también la empleaban como método de gobierno. Las teorías políticas que informaban los debates ideológicos entre ellos venían de Europa, especialmente de Francia. Debido a esa influencia, sobre todo entre los Unitarios, no faltaban las críticas a la manera snob con la que se comportaban. Sarmiento y Bartolomé Mitre (1821-1906) eran lectores atentos de Montesquieu y Tocqueville. Conocían perfectamente los riesgos de la tiranía de la mayoría, analizados por Tocqueville en Democracia en América, y comprendían las implicaciones de la clásica división entre la república aristocrática (gobernada por pocos) y la república democrática (gobernada por muchos), propuesta por Montesquieu, en El Espíritu de las Leyes. Sabían de la contradicción de edificar esta forma de gobierno – orientada al bien común y dirigida por ciudadanos virtuosos – en una sociedad desigual, inorgánica, dominada por una oligarquía rural y compuesta por individuos iletrados. Llena de ganado, la Argentina era una tierra vacía de personas. Y, para peor de males, ellos pensaban que los gauchos que vivían en la pampa, como Antonio Mamerto, constituían 214

una clase de individuos incapaces de formar parte del gobierno, de no ser por la vía arcaica del caudillismo.

Gauchos y caudillos El caudillismo, según Bobbio, debe ser considerado una forma de poder singular, que se define como: […] un régimen imperante en la mayor parte de los países de la América española, en el período que va de los primeros años de la consolidación definitiva de la Independencia alrededor de 1820, hasta 1860, cuando se concretaron las aspiraciones de unificación nacional (...). El caudillismo se caracteriza por la división del poder entre jefes de tendencia local: los caudillos. Estos líderes, generalmente de origen militar, oriundos, en su gran mayoría, de la desmovilización de los ejércitos que combatieron en las guerras de independencia, de 1810 en adelante, provenían, en ciertos casos, de estratos sociales inferiores o de grupos étnicos discriminados (...). Se valían de su magnetismo personal en la conducción de las tropas, que habían reclutado generalmente en las áreas rurales y mantenían como tropas rasas requeridas, en acciones guerreras, sea contra el todavía mal consolidado poder central, sea contra sus iguales, con el apoyo de los señores locales. Ese poder carismático, ejercido al mismo tiempo de forma autoritaria y paternalista, y retribuido con la adhesión incondicional de sus hombres (y respectivas mujeres), no poseía una línea política definida (...). El caudillismo fue un obstáculo para la realización de las aspiraciones das élites urbanas del comercio, empeñadas en la construcción de Estados nacionales de acuerdo al modelo liberal de inspiración europea. (BOBBIO, 1994:157)90

¿Y quién es el gaucho? Si ambos se complementan dialécticamente, el caudillo no puede vivir sin él; ambos forman un par inseparable. Para estudiosos de la Argentina, el fenómeno tiene raíces históricas: Al final de período colonial, la pampa era habitada por ganado salvaje, indios indómitos y gauchos insumisos. El gaucho era el producto de una mezcla de razas; hay controversias sobre los componentes de esa mezcla, pero no hay dudas de que existan tres razas en el litoral: indios, blancos y negros. En una definición simple, el gaucho era un hombre libre arriba de un caballo. Pero el término fue usado por los contemporáneos y por historiadores en un sentido amplio para designar a las personas del campo en general. Una mayor precisión distinguiría entre los habitantes sedentarios de la zona rural, que trabajan la tierra para ellos mismos o para un patrón, y el gaucho puro, un nómada independiente, no vinculado a cualquier propiedad. Y un mayor refinamiento de los términos identificaría al gaucho malo, que vivía de la violencia y de la casi delincuencia y que el Estado veía como un criminal. Bueno o malo, el gaucho clásico aseveraba su libertad con relación a todas las instituciones formales; era indiferente al gobierno y a sus agentes, indiferente a la religión y a la Iglesia. No quería tierra; vivía de la caza, del juego y de la lucha. El nomadismo del gaucho tenía muchas implicaciones sociales. Impedía el trabajo o empleo fijo. Propiedad, diligencia, vivienda eran términos que él desconocía (…) Aun cuando no era propenso al nomadismo (el gaucho) necesitaba vender su trabajo donde pudiera, o era reclutado por el ejército o por los montoneros. (BETHEL, 2009: 639)

De un lado, está el caudillo, líder carismático, oriundo de las filas militares, ex combatiente en la guerra de Independencia, comandante de milicias (montoneras), mestizo, discriminado, autoritario, inculto y, del otro, el gaucho, calificativo del hombre del campo en general, pero que en su forma pura y mala es un nómada, también mestizo, delincuente, refractario a las instituciones religiosas, a las reglas sociales y a los poderes públicos, insumiso e independiente. Ni el uno ni el otro estaban dispuestos a vivir bajo el poder del Estado, y menos aún querrían participar de la constitución de la joven república, considerada por ellos una fórmula absolutamente exótica de poder. La composición de la sociedad rural argentina no comportaba las clases medias. En ese ambiente social, la estancia y los estancieros se convirtieron en el modelo de Estado. Los ricos propietarios rurales de la cima de la pirámide social detentaban el poder económico, el prestigio social, el poder político y militar. Las clases populares estaban compuestas, sobre todo, por los gauchos, que podían ser subdivididos en peones, trabajadores por cuenta propia y delincuentes. Todo indica que Antonio Mamerto pertenecía a la modalidad del gaucho malo, lo cual explica su muerte por degollamiento. El sistema funcionaba sobre la base del intercambio de protección por lealtad. El estanciero era, al mismo tiempo, un protector y un proveedor de sus dependientes. A cambio exigía mano de obra y servicios militares contra otros líderes sociales. El reclutamiento de las clases populares se volvió forzoso. Las tierras comunes y el ganado salvaje, que eran de libre acceso en 215

el período colonial, se volvieron restrictas tras la Independencia, a causa de las concesiones de tierras públicas practicadas por Rosas. Los propietarios rurales se apropiaron no solo de las tierras y del ganado, sino también del gaucho. Eso fue posible gracias a las leyes contra la vagancia promulgadas por Rosas. Tales leyes criminalizaban la vida nómada del gaucho y lo obligaban a portar cédula de identidad y certificado de empleo. Los gauchos encontrados sin permiso fuera de las estancias eran reclutados para el ejército y las milicias. Esa estructura arcaica, constituida por una red de poderes personales que empezaba en Rosas y terminaba en el peón, pasando por los estancieros y sus bandos de guerrilleros, fue erigida sobre la base de lealtades y dependencia. Incorporado al Estado, el sistema dio origen al régimen del caudillismo (BETHEL, 2009: 642). La astucia de los caudillos ampliaba el número de sus seguidores, lo cual los llevaba a imaginarse “representantes” de los individuos por ellos dominados. Estudios recientes definieron al caudillismo como un régimen híbrido: una especie de “democracia autoritaria”. La paradoja se explica por el hecho de que los caudillos actuaban como si fueran representantes del pueblo, de “su” pueblo, y hubieran sido elegidos en elecciones libres y justas para defenderlo. Al contrario de Sarmiento, que vio en el sistema una manifestación del despotismo pre-moderno, J. Keane lo considera un producto de la modernidad latinoamericana, alcanzada con el recurso de métodos propios. "La democracia del caudillo", afirma Keane, "no era la expresión de una lucha antigua entre la 'civilización' y el 'barbarismo'. Era un producto enteramente moderno de las luchas constitucionales y del proceso de formación de Estados completamente modernos, de maniobras políticas y conflictos sociales, algunos de ellos violentos, al interior de una gran amplitud de escenarios diferentes que exhibían causas y causadores asombrados por el espíritu de la 'gran revolución democrática' muy bien analizada por Tocqueville". (KEANE, 2010: 373). Esa forma de abordaje inscribe al caudillismo – fenómeno arcaico de orígenes ibéricas, basado en el poder personal y local – en un proceso más amplio, de transformaciones democráticas e irreversibles tendencias de aumento de la igualdad de la sociedad, que emergieron en el momento de creación de los Estados nacionales como forma de expresión de las tensiones y de los conflictos existentes en las sociedades latinoamericanas del siglo XIX. El sistema alcanzó su apogeo durante el gobierno de Rosas, él mismo un caudillo de nuevo tipo, hijo de la culta Buenos Aires, rubio de ojos celestes. Sarmiento, su archienemigo político, no ahorra adjetivos para describirlo: “tirano salvaje”, “aberración monstruosa”, “sanguinario feroz”, “Maquiavelo calculista”, “déspota bárbaro”, “corazón helado” son algunas de las expresiones de una lista interminable de improperios que lanza contra Rosas. Pero es necesario recordar que Sarmiento, 216

uno de los mayores escritores de lengua española del siglo XIX, conoce el poder de las palabras y sabe usarlas para convencer al incauto lector de los propósitos políticos. Como político militante, ligado a los Unitarios, Sarmiento no hesitó en echar mano de los mismos métodos que criticaba en sus adversarios. Para alcanzar sus propósitos políticos, él afirmaba: Es preciso emplear el terror para triunfar. Debe darse muerte a todos los prisioneros y a todos los enemigos. Todos los medios de obrar son buenos y deben emplearse sin vacilación alguna, imitando a los jocobinos de la época de Robespierre (…) A los que no reconozcan a Paz (jefe de la Liga Unitaria) debiera mandarlos ahorcar y no fusilar o degollar. Este es el medio de imponer en los ánimos mayor idea de la autoridad. (apud O’DONNELL, 2010: 24)

Desatentos a las recomendaciones de Maquiavelo, que aconseja al Príncipe mantener el equilibro entre la “astucia de la zorra” y la “fuerza del león”, los dos lados eligieron el terror. Más que una herramienta de los caudillos, el terror formó parte de una cultura política diseminada en aquellos tiempos. Gauchos, pobres y mestizos, como Antonio Mamerto, degollados en las guerras entre los bandos, pagaban el precio de vivir bajo un régimen como aquél. Múltiples formas de resistencia popular deben haberse desarrollado frente a la crueldad del sistema. El culto al Gauchito Gil surgió, seguramente, como una de ellas.

Resistencia y devoción Las clases ricas no concurren al santuario de Mercedes. Aunque la devoción al Gauchito Gil se diseminó por todo el país, con altares erguidos al borde de las rutas para la protección de los conductores, el Gauchito sigue siendo un santo de los pobres. Son los descendientes de Antonio Mamerto, pobres y mestizos como él, los que más se identifican con el Gauchito. La injusticia practicada con un inocente, la compasión hacia el semejante, la legitimación del hurto como forma de supervivencia, la cura del niño enfermo, la valoración de las tradiciones populares y el reconocimiento del origen social y étnico del gaucho son valores inscriptos en el corazón del pueblo, en el ethos de las clases populares. En razón de esos valores, el Gauchito se convirtió no solo en el santo más popular de la Argentina, sino también en el santo de los argentinos más pobres. Si la Iglesia católica lo considera pagano, la contradicción es de la Iglesia Católica, no del Gauchito. Muchos de sus seguidores asisten a misa, practican los sacramentos como el bautismo y el matrimonio, y se consideran tan cristianos como los demás católicos que no profesan cualquier devoción por el Gauchito. En realidad, sus devotos no están preocupados con su canonización. La devoción al Gauchito constituye una forma de resistencia. Si el amor al prójimo, la defensa de los más pobres y el reconocimiento del otro como hermano son enseñanzas evangélicas, ¿por qué motivos permanece la irritación de la cúpula de la Iglesia contra él? Hay una evidente disputa simbólica en torno a esta historia. La devoción popular al gauchito Gil, renovada cada año en el fervor de las peregrinaciones al santuario de Mercedes, contraría la visión ideológica de las élites sobre las clases populares, más específicamente sobre el gaucho, retratado por ellas como un ser iletrado, inepto, insumiso e indolente. El Gauchito Gil es un símbolo emblemático de afirmación de la cultura popular. Su culto representa una forma de resistencia a los mecanismos de control legal e ideológico accionados contra las clases populares. Para las élites letradas, los gauchos deberían pasarse la vida en los pupitres escolares o encarar la muerte en las guerras de los caudillos. La transformación del gaucho iletrado de las élites en el Gauchito milagroso del pueblo configura un acto simbólico de rebeldía y resistencia. Representa la afirmación de una constelación de valores populares contra el intento de condenación del modo de vida del gaucho libre de la pampa. 217

Es también una forma de reapropiación de la manera de ver y expresar la vida sobre la base de los sentimientos y valores de una cultura auténtica. La libertad de la pampa, las fiestas, las danzas, la música y el alcohol – e incluso la legitimación del hurto como forma de supervivencia de las clases populares – están plasmados en la trayectoria del Gauchito. Son estos aspectos los que, consciente o inconscientemente, se celebran en las peregrinaciones anuales al santuario de Mercedes. Son ellos los que hacen del Gauchito el santo más popular del país. La celebración de sentimientos, valores y creencias populares constituye aquello que Antonio Gramsci denominó cultura nacional y popular. En una perspectiva gramsciana, el culto al Gauchito representa el rescate de la dimensión popular presente en la cultura nacional, sofocada y manipulada por los intelectuales de las clases dominantes, principalmente de aquellos vinculados a los valores tradicionales de la Iglesia católica. Representa igualmente la reafirmación de la constelación de valores populares oprimidos por la ideología dominante. En el caso del Gauchito Gil, este rescate se hace por medio de la religión popular, del ritual sagrado, de la peregrinación, independientemente de la acción del “intelectual orgánico” - grupo específico constituido por aquellos intelectuales que, según Antonio Gramsci, se identifican o son oriundos de las clases populares. El Gauchito, observado desde este ángulo, forma parte de la “cultura nacional y popular” argentina.

Lo sagrado y lo profano El Gauchito pertenece al reino de lo sagrado. La construcción del mito en torno al santo pobre y mestizo en el siglo pasado, así como el fervor de las fiestas populares celebradas hoy en día, constituyen fenómenos de orden espiritual, que posibilitan ricas discusiones sobre los temas estudiados por la Sociología de la Religión. Autores como Durkheim, Weber y Marx dedicaron gran parte de sus obras a la cuestión religiosa. Para ellos, las creencias y los rituales de adoración de los seres y de las cosas espirituales tenían mucho que decir sobre las sociedades que los engendraron. Marcel Mauss, sobrino de Durkheim, fue otro destacado estudioso de esos fenómenos. Su libro, Esbozo de Una Teoría General de la Magia contiene pistas interesantes para la comprensión del Gauchito Gil. Según Durkheim, cuatro dimensiones esenciales demarcan el campo religioso: las creencias, los rituales, la oposición sagrado-profano y la comunidad de valores espirituales y morales. En conjunto, esas dimensiones tienen el poder de dictar formas de conducta y definir maneras de ser, pensar y actuar de los individuos. Las creencias son capaces de explicar el origen del universo, hacer que el mundo sea inteligible y significativo y atribuir un sentido a la relación de los hombres entre sí. Los ritos establecen reglas, determinan comportamientos, prescriben lo que está bien y lo que está mal, lo que es permitido o condenable. Lo sagrado y lo profano, tercer elemento destacado por Durkheim, delimita el campo religioso propiamente dicho. El mundo inteligible se divide entre cosas sagradas y cosas profanas, que se excluyen radicalmente. Ingresar al reino sagrado implica desnudarse de pensamientos y acciones profanas. Finalmente, la religión tiene la función de mantener la cohesión social, de unir a los creyentes en comunidades, de desarrollar valores espirituales y morales. Estudios sobre Durkheim son unánimes al apuntar la importancia de la religión en su obra. JeanMarc Piotte observa que, para Durkheim: La religión no es una alucinación: ella representa, de forma metafórica y simbólica, la relación obscura, íntima, esencial y real que liga el individuo a la sociedad. El creyente representa a Dios como una realidad superior de la cual depende y que le prescribe un código de conducta. La sociedad impone a sus miembros reglas de comportamiento contrarias a las inclinaciones egoístas de cada uno. Esta autoridad moral superior de la religión o de la sociedad es interiorizada de tal forma que suscita, desde una perspectiva kantiana, el respeto como sentimiento puro y sereno, mientras que la desobediencia lleva al remordimiento. Pero Dios y la sociedad no son solamente una autoridad moral de la cual los hombres dependen y que los constriñe, son además una fuerza moral que los anima, les da confianza y los estimula. (PIOTTE, 2005: 571)

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Weber abordó el tema de la religión como forma de explicar no solo las sociedades primitivas, sino también las modernas. Para él, la acción religiosa o mágica está orientada, primordialmente, a este mundo, y tiene motivaciones de naturaleza económica. Los estudios de Weber sobre la religión buscan revelar los vínculos entre la acción religiosa, manifestada por medio de creencias y ritos, y las motivaciones económicas.

La Ética Protestante y el Espíritu del Capitalismo, uno de los libros más leídos por estudiantes de Ciencias Sociales en todo el mundo, es una prueba de ello. Las manifestaciones místicas más antiguas, como la magia, y las más evolucionadas, como las religiones monoteístas, están simbólicamente orientadas al más allá, pero no pueden ser desvinculadas de las motivaciones dirigidas a este mundo. Desde el punto de vista de la teoría de la acción social weberiana, las acciones religiosas constituyen acciones racionales dirigidas a una finalidad aquí en la Tierra. Como dice Weber: La acción religiosa o mágicamente motivada, en su existencia primordial, está orientada a este mundo. Las acciones religiosas o mágicamente exigidas deben ser realizadas ‘para que te vaya muy bien y vivas muchos y muchos años sobre la faz de la Tierra’ (...) La acción o pensamiento religioso o ‘mágico’ no puede ser apartado, por lo tanto, del círculo de las acciones cotidianas ligadas a un fin, una vez que también sus propios fines son, en su gran mayoría, de naturaleza económica. (WEBER, 2009: 280)

Las tres grandes religiones monoteístas que surgieron en Medio Oriente – el judaísmo, el cristianismo y el islamismo – son expresiones del proceso de racionalización del mundo que surgió a partir del pensamiento religioso y se volvió la base del desarrollo científico, tecnológico y económico que se expandió por todo el Occidente. Mientras las religiones monoteístas son teocéntricas, esto es, se organizan en torno a un Dios todopoderoso que dicta órdenes y requiere obediencia, las religiones asiáticas, como el hinduismo y el confucionismo, son cosmocéntricas, y recomiendan la contemplación del cosmos y la fuga de este mundo como forma de salvación. Ambas surgieron de formas primitivas del pensamiento religioso. El paso de las antiguas formas de magia a las formas universales y abstractas de las religiones monoteístas corresponde a un proceso continuo de racionalización y “desencantamiento del mundo”. Las profecías racionales de Moisés, Cristo y Mahoma, y las formas carismáticas por medio de las cuales ellos encarnan y simbolizan lo sagrado – especialmente en la tradición judeo-cristiana, en torno a un Dios sin nombre, abstracto y universal – es una expresión de este continuo proceso de racionalización. La “rutinización” del poder carismático de los profetas se materializa en la constitución de un cuerpo especializado de profesionales de la religión, jerárquica y burocráticamente estructurado, que se convierte en el fundamento material de la Iglesia y en la base de su poder espiritual. Este cuerpo detenta el saber especializado sobre los rituales, los símbolos y las creencias que dan acceso al reino espiritual. Su función principal es la de preservación de la doctrina. Lo sagrado, según Weber, es siempre conservador, no admite cambios en las creencias, en los símbolos y en los ritos, puestos bajo la guardia del clero. Durkheim y Weber ofrecen pistas interesantes para la comprensión del Gauchito. Las peregrinaciones al santuario de Mercedes, por ejemplo, son manifestaciones de un estado fuerte de consciencia colectiva. El concepto es utilizado por Durkheim para explicar el comportamiento de grupos sociales en los cuales los principios morales o religiosos actúan sobre los individuos, sobreponiéndose a las tendencias egoístas de cada uno. El carácter sagrado del Gauchito se confunde con el carácter sagrado de la sociedad, especialmente de sus seguidores. La solidaridad mecánica, responsable de la cohesión social del grupo, predomina entre los devotos del Gauchito. Actualmente, 219

además de la clásica romería, ellos también se citan, con el mismo fervor religioso, en la página del Gauchito en Facebook, donde cuentan las gracias alcanzadas, hacen pedidos, anuncian promesas e intercambian información entre sí. En clave weberiana, el poder carismático del Gauchito se asemeja en ciertos aspectos al de los profetas, al menos para sus fieles. Retratado como una mezcla de Jesucristo y Che Guevara, su fuerza espiritual adviene justamente de la “rutinización de su carisma”, renovado cada año en las peregrinaciones al santuario de Mercedes. Pero es en el texto de Marcel Mauss donde encontraremos referencias más específicas para analizar al Gauchito.

El Mago y la Magia Popular El surgimiento de la creencia en el Gauchito está asociado a la manifestación de los poderes mágicos de Antonio Mamerto, hecho extraordinario que llevó a la cura del hijo de su verdugo, niño enfermo y al borde de la muerte. Para Mauss, el mago y la magia popular son dimensiones cruciales para la comprensión del pensamiento místico. El Gauchito, además de carisma, tiene poderes mágicos de sobra, todos asociados a la cultura popular. Son algunos signos exteriores lo que identifican el mago a los ojos de los demás. No es mago quien quiere serlo. Para ser considerados como tal, los individuos necesitan presentar esas señales. Una determinada manera de actuar, de mirar y hablar remitía a las brujas de la Edad Media; cierto conocimiento de hierbas, remite a las curanderas de América Latina. Lo importante, como observa Marcel Mauss, es que “todos esos individuos (...) forman de hecho especies de clases sociales. Lo que les confiere virtudes mágicas no es tanto su carácter físico individual sino la actitud tomada por la sociedad en relación a todo su género” (MAUSS, 2008: 64). Los poderes mágicos del Gauchito son oriundos de su pertenencia a las clases populares. Pero no es solo el enraizamiento social una de las principales fuentes de los poderes mágicos, hay otros aspectos reveladores de los vínculos entre magia y clases sociales. Cuentos y leyendas como los del Gauchito Gil no son tan solo juegos de la imaginación, sino que configuran prácticas reveladoras de esa vinculación entre los poderes social y espiritual. Para Mauss, a medida que historias verdaderas e imaginación popular se mezclan, son grandes las chances de que ellas se conviertan en alimentos de la “fantasía colectiva”. No hay un límite claro entre la fábula y la creencia, entre el cuento y la historia verdadera. A fuerza de oír hablar del mago, se acaba por verlo actuar y sobre todo por consultarlo. La enormidad de poderes que le atribuyen hace que no se dude que él pueda fácilmente prestar los pequeños servicios que le piden. ¿Cómo no creer que el braman, al que dicen superior a los dioses y capaz de crear un mundo, no pueda, al menos ocasionalmente, curar una vaca? Si la imagen del mago se infla desmesuradamente de un cuento a otro, de un contador a otro, es precisamente porque el mago es uno de los héroes preferidos de la imaginación popular, ya sea en función de las preocupaciones, ya sea por el interés romanesco del cual la magia es simultáneamente el objeto. Mientras que los poderes del sacerdote son inmediatamente definidos por la religión, la imagen del mago se produce fuera de la magia. Ella se constituye de una infinidad de ‘dicen’, y al mago no le resta más que asemejarse a su retrato. (MAUSS, 2008: 70)

He aquí el retrato del Gauchito, con el cual él no debe más que asemejarse siempre y cada vez más, tras cada cuento y cada contador: un héroe popular, una leyenda y un santo, mezcla de fantasía colectiva y verdad histórica, cuya fuerza espiritual no cesa de crecer a golpes de imaginación, de contar y de narrar, de una infinidad de “dicen”, que no dejan de reafirmar, en los santuarios y en la Internet, una constelación de valores de las clases populares, gracias a la acción religiosa de sus devotos.

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Conclusión El culto al Gauchito reviste un carácter contrahegemónico, opuesto en muchos aspectos al culto de los santos reconocidos oficialmente por la Iglesia católica. Representa una reapropiación simbólica del modo de vida de aquellos “mozos vagos y mal entretenidos”. Una afirmación de la imagen del gaucho, depurada de los aspectos desacreditadores atribuidos por las élites al pueblo argentino. Son los más pobres los que se reconocen en el Gauchito. Son ellos los que se ven retratados en su trayectoria de vida y de muerte, siempre clamando por justicia y atención a los más pobres, como un símbolo emblemático de la cultura popular. La metamorfosis de Antonio Mamerto en Gauchito Gil no es un fenómeno exclusivamente argentino. Ella simboliza la odisea de las clases populares, de todos los pobres y mestizos que, como él, vivieron y desaparecieron trágicamente en esta región de frontera. He abordado el asunto con los alumnos de los cursos de Ciencias Sociales de la Universidad Federal de la Integración Latinoamericana, sea en razón de la actualidad del tema, sea por la localización geográfica donde ocurre la historia del Gauchito, en la región de frontera donde está situada la Unila. En los cursos de Antropología, recurro al Gauchito para discutir conceptos clásicos de Sociología de la Religión; en las asignaturas de Ciencia Política, para tratar del caudillismo y las formas personalistas de poder; y, en el curso de Historia, para analizar los problemas de la creación del Estado nacional y la formación del pueblo argentino. El presente artículo nace de esta experiencia docente, y da continuidad a un artículo anterior, intitulado “Política y Literatura en el Facundo de Domingo Faustino Sarmiento”. Por medio de él, busco profundizar el diálogo interdisciplinario que vengo tratando de realizar en las varias asignaturas que me compete enseñar. En un espacio de fronteras trinacionales como el nuestro, nada puede ser más estimulante que la edificación de puentes. Conocer el otro lado, entender la mirada del otro para ampliar nuestro campo de visión, constituye un fuerte desafío – que es necesario encarar para alcanzar un conocimiento coherente con la realidad que se desea interpretar. Cuando hablamos del “gaucho”, del “caudillo” o del “santo popular”, ¿de qué y de quién estamos hablando precisamente? ¿De Argentina, de Brasil, de Paraguay o de Uruguay? En realidad de todos ellos y de ninguno, al mismo tiempo. No hay otra manera de abordar ciertos temas de la realidad latinoamericana – respetando su naturaleza “una y diversa” – que no sea por la vía de la interdisciplinaridad y de las contribuciones teóricas de diferentes áreas de las Ciencias Sociales. Las alianzas con otras Universidades de la región son fundamentales para llevar a cabo este reto. Mientras éstas no se concretan – desperdiciando un valioso tiempo – trato de traer la enseñanza de la Sociología más cerca de la realidad regional, que en última instancia es la razón de ser de esta Universidad. Este artículo es un intento más en esta dirección.

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ARTIGO

Imagens da identidade na perspectiva da integração Maria Luiza Busse Franco

O vestuário é um fato sociocultural de expressivo sentido político quando apresentado como elemento de significação destoante em contextos fortemente marcados por representações convencionais hegemônicas. Essa perspectiva pode ser verificada em bloco a partir da eleição de Hugo Chávez, Lula, Evo Morales, Raphael Correa, Fernando Lugo e Cristina Kirchner. De repente, não só mais ternos e tailleurs nas fotos oficiais das reuniões de cúpula dos governantes. Alguma coisa aparece além da ordem mundial nas roupas de cores, estampas e padronagens diversas que remetem a códigos marginais e significados até então fora do repertório das relações internacionais. A história comparada escrita pela visão hegemônica nos direciona a buscar nossas referências positivas nos países do Norte. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, não custa e basta lembrar essa frase do político Juracy Magalhães quando serviu naquele país como embaixador nomeado por Castelo Branco no início do regime militar, em 1964, e que se tornou uma máxima ainda de inspiração para muitos latino-americanos. Bem entendido que o propagado “o que é bom” diz respeito exclusivo aos gostos, diretrizes e rumos traçados pelas elites tanto de lá como daqui. Armadilha eficaz em cenário de vulnerabilidade ideológica, conceito importante cunhado pelo embaixador de carreira Samuel Pinheiro Guimarães em seu livro Desafios brasileiros na era dos gigantes, e que nos ajuda a entender a importância da guinada de representação que vem se registrando nos governos da América Latina e Caribe. De acordo com o autor, a: [...] vulnerabilidade ideológica é fundamental, pois ela se refere diretamente à coesão ou desintegração social, à construção ou fragmentação nacional, à autoestima ou autorrejeição e à própria possibilidade de êxito de uma política de desenvolvimento econômico (não apenas de crescimento desigual), democrático (não oligárquico e não plutocrático) e social (cultural e espiritual) da sociedade brasileira. (GUIMARÃES, 2006: 227)

Ampliando para os países vizinhos, essas questões implicam na tomada ou não de consciência de cada povo encontrar soluções próprias para seus desafios e enfrentar as elites que governam para os interesses pessoais e internacionais em detrimento do conjunto da nação. Não à toa, o presidente falecido da Venezuela Hugo Chávez fez da marca “Nosso norte é o Sul” uma pedagogia do escutar-se e voltar-se para si mesmo como ação contra-hegemônica, porque tudo do que se trata nesse contexto, seja no modo de dizer uma história ou no de vestir, é de uma atitude de resistência à hegemonia multidisciplinar objetiva e pretendida com raros disfarces pela tradição colonialista que não continha e não contém nenhuma inspiração de desenvolvimento positivo. “La espada, la cruz y el hambre iban diezmando la familla salvaje”, escreveu Pablo Neruda a propósito dos mecanismos da conquista colonial aplicados sobre “a mais rica e bela parte do mundo”, conforme palavras do sensível ensaísta francês do século XVI, Michel de Montaigne. Tanto a América espanhola quanto a América portuguesa têm suas raízes fincadas no tríplice embate de índios autóctones, europeus e africanos. Os primeiros, donos da terra invadida pelos segundos e trabalhada pela mão de obra dos terceiros explorados de modo brutal. Três universos deslocados de maneira aberrante em nome da construção de um mundo fundamentado na riqueza e na sua fruição por poucos, mas que acabaram por promover um amálgama que resultou numa mistura original responsável pela possibilidade de formação psicossocial peculiar. Vale ressaltar, ao custo de muito sangue, suor e sêmen nem sempre desejado. 223

Nisso tudo, o vestuário representou papel significativo. Não só os cavalos, mas, sobretudo os cachorros tiveram lugar de destaque nas lutas dos espanhóis contra os índios e lograram ser bem sucedidos em virtude da indumentária feita sob medida para o empreendimento. Cobertos de couro espesso para se protegerem das flechas inimigas, esses animais eram capazes de fazer seu próprio combate isolado, sem ordens particulares de seus mestres: assim que o ódio pelo índio era destilado no coração (ou nos sentidos?) do animal, o combate prosseguia naturalmente. Se seu papel foi nulo, ou quase, na conquista do Peru e do México, foi, entretanto, importante na América Central, nas Caraíbas, na Colômbia e na Venezuela. Isto significa que tal papel se manifestou mais claramente onde os conquistadores enfrentaram não tanto exércitos regulares empenhados em batalhas organizadas, mas principalmente populações não estruturadas em formas estatais suficientemente rígidas. (ROMANO 1995: 14)

Permitindo uma digressão, o filme Django, de Quentin Tarantino, abordou pela primeira vez no cinema, com impactante realismo, o uso de cachorros na violência contra os escravos nas plantações sulistas da América do Norte. No caso, os animais não precisaram de roupas apropriadas para a prática da carnificina visto que o adversário já estava devidamente subjugado. Mas de volta à América espanhola e às estratégias relativas ao vestuário para o bom desempenho da conquista colonial, as condições climáticas fizeram os europeus abandonarem as calorentas e pesadas couraças e capacetes substituindo-os pelo escaupil, espécie de túnica forrada de algodão eficaz para proteger das flechas indígenas, mas insuficientes para salvaguardar os nativos dos tiros das alabardas ibéricas. Os colonizadores chegaram com uma linguagem percebida de imediato pela visão dos nativos, mas não pela escuta que revelaria a real intenção do desembarque na terra nova. Da mesma perspectiva escópica, os espanhóis se certificaram do que estavam buscando quando viram o ouro e a prata ornando as vestimentas dos habitantes locais. Dois sistemas distintos com modos fixos de representação expressos no vestuário que estabelecem relações de sentido no real, no imagético e no escrito. Inaugura-se o embate de alteridade até hoje não superado e já bem remarcado em um trecho da carta de 1815 escrita por Simon Bolívar: [...] nosotros, que apenas conservamos vestigios de lo que en otro tiempo fue, y que por otra parte no somos indios, ni europeos, sino una especie media entre los legítimos propietarios del país y los usurpadores españoles; en suma, siendo nosotros americanos por nacimiento, y nuestros derechos los de Europa, tenemos que disputar a éstos a los del país, y que mantenernos en él contra la invasión de los invasores; así nos hallemos en el caso más extraordinario y complicado.

Vem de longe, portanto, a história das marcas e contrastes de identidade que agora ocupam lugar e significação política nas fotografias em que os chefes de estados desses nossos países de origem colonizada, mas nem por isso obedientes, passam a apresentar nos registros oficiais. Não se trata de uma antropologia relativista mais afeita ao folclore do que à cultura. As intervenções imagéticas verificadas nas fotos dos ritos institucionais estão relacionadas à antropologia dialética que compreende a realidade social e a partir da qual produz e gera conhecimento sobre si mesma. No início do século XX, o departamento de Oruro, na Bolívia, votou uma ordenança obrigando a população indígena a abandonar o traje típico e a vestir “el traje moderno de los pueblos civilizados”, ou seja, a moda europeia, como afirmação de ingresso no conjunto das nações que se intitulavam e ainda se credenciam como fiadoras da civilização. Em 22 de janeiro de 2006, na cerimônia de posse como presidente da República da Bolívia, Juan Evo Morales Ayma vestiu seu traje habitual de motivos e desenhos indígenas e fez dele a vestimenta oficial para toda e qualquer aparição pública.

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Morales veste seu traje habitual, com motivos indígenas, na cerimônia de investidura presidencial

Investimento de relevante significação na medida em que trazia para a cena política a estética de um segmento que sempre representou a aporia do que o sistema mundo entendia como progresso e desenvolvimento. As vestimentas fora do padrão oficial forçaram a leitura de uma escrita até então identificada com os signos do atraso e da ridícula resistência ao curso inexorável da história. A exposição da alteridade agora não mais subalterna em decorrência da chegada ao poder pelo exercício democrático do voto direto, dogma insuspeito para os liberais, passou a fazer parte do cenário dos encontros formais dos chefes de estado. Durante a XVII Conferência Ibero Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, em 2007, os vídeos e fotos mostram Hugo Chávez, Daniel Ortega e Rafael Correa em flagrante contraste estilistico com os representantes europeus. Chávez de jaqueta na cor bleu-de-Chine sobre camiseta de malha vermelha, Ortega de camisa social branca de gola careca e Correa de camisa social bordada com motivos indígenas sob paletó e sem gravata. Nesse mesmo encontro o rei Juan Carlos de Espanha mandou Chávez calar a boca na forma de pergunta que foi o principal assunto de todas as mídias: “¿Por qué no te callas?” O rei se aborreceu com as intervenções do presidente Chávez na fala de Zapatero, o primeiro-ministro espanhol. De fato, é possível imaginar o que todo aquele frescor do mundo presente estaria impactanto o sentido audiovisual do soberano. O Uruguai também vem dando sua contribuição poética e inventiva à reorganização de uma nova ordem por meio das aparências. Miércoles, 01 de agosto de 2012: “El presidente uruguayo José Mujica se presentó en la Cumbre del Mercosur en Brasilia, calzando un par de viejos zapatos, para asombro de las siempre muy elegantes presidentas de Argentina y Brasil. Ambas no perdieron la oportunidad de hacerle comentarios amistosos a “Pepe” Mujica al respecto, en tono casi filial, como ha sucedido otras veces anteriores. Mujica aparentó sorpresa de sí mismo por su propio calzado, pretendiendo que no se había dado cuenta, al vestirse a las apuradas en su casa de Rincón de Cerro, previo a emprender el viaje.”

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Foto: Patricia Torres. Espectador.com

Certamente alguns dirão que não precisaria tanto. Mujica poderia ter calçado algo mais arrumadinho. Mas do ponto de vista semiológico o presidente uruguaio seguiu o curso da sincronia entre sua disposição interna e o desejo externo de se expressar. Aliás, a relação dos pés com o sentido geral da presença e participação nas mais diversas atividades passou a ser percebida como algo significativo depois que o jornalista Flávio Tavares divulgou a resposta do então ministro da Indústria e Comércio de Cuba Che Guevara para a pergunta que fez sobre o que era importante para um combatente na guerrilha. “Os pés!”, disse Che. A conversa aconteceu em um momento da Conferência Pan-Americana realizada no Uruguai, em 1961. Che calçava botas. Ainda de acordo com Flávio Tavares, Guevara falava batendo nas botas com cumplicidade, enquanto explicava que os pés são aqueles que nos fazem ir para adiante e para trás, avançar e esperar conforme a necessidade e a intuição. “Com asas nos pés, voas pelo espaço, cantando toda a Música, em todas as línguas... Nós te honramos, Hermes, ajuda-nos em nosso trabalho! Dá-nos um falar eloquente, e um vigor jovial. Supre nossas necessidades, concede-nos clara memória. Dá-nos a boa sorte, e encerra nossas vidas em paz”. Diz o trecho de um hino a Hermes, o mensageiro e intérprete das vontades, a mais arguta das divindades, capaz de promover súbitas mudanças na vida a partir de engenhosas habilidades. Uma delas, a sandália mágica que confeccionou com folhas de tamareira e mirtilo para escapar de uma estripulia sem deixar rastro e ganhar a consideração do adversário. A propósito do sentido flexível e libertário, o escritor Ítalo Calvino fez de Hermes seu patrono literário. O deus da comunicação e das mediações que sob o nome de Toth inventou a escrita estabelecia com destreza, desenvoltura e agilidade o contato entre as leis universais e os casos particulares sintonizado com o mundo à sua volta. Portador da mensagem do imediato, força vital do seu próprio tempo que não pode ficar sem respostas. A edição de 1º de março de 2010 do jornal El País Digital dedicou matéria ao vestuário de Mujica para a cerimônia de posse na presidência da República uruguaia. Nacional – Estrenará dos trajes, uno azul y otro gris Vestimenta. Se lo confeccionó Muto; Lucía Topolansky se mandó hacer un trajecito

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El presidente electo José Mujica estrenará un nuevo traje del sastre Gabriel Muto en los actos de Asunción de hoy lunes 1°. Su esposa, la senadora Lucía Topolansky, en tanto, se mandó hacer un "trajecito", aunque no reveló grandes detalles. Hasta el estreno del primer traje de Muto, la imagen de Mujica era la de un líder político que usaba exclusivamente jeans, pantalones sport, buzos polares y guayaberas. Esta vez se trata de un "traje completo" de tres piezas (saco, pantalón y camisa), en color azul marino y "tela de excelente calidad y procedencia extranjera", dijeron a El País allegados al presidente electo. Se trata de un modelo exclusivo diseñado especialmente para alinear un poco más su figura, explicaron. Al igual que la vez anterior que apareció de traje, no va a usar corbata y la camisa va a ser cuello Mao. Para la noche -cena ofrecida a los mandatarios extranjeros en el LATU-, Mujica también se mandó hacer un traje especial, gris pizarra que acompañará con camisa celeste con cuello abierto. El propio Mujica bromea a menudo con el tema de sus trajes y dice que en su época de guerrillero llegó a usar uno alguna vez. En total, desde que se encaminó a la Presidencia, antes de la elecciones internas, Muto le hizo dos conjuntos sport, una muda de tela jean para el uso diario y tres trajes. Está un poco más gordo respecto del traje que se hizo para la elección nacional. Ya tiene planificado hacerse un sobretodo para cuando venga el frío. La vestimenta de Mujica ha dado hasta para que el senador Luis Alberto Lacalle, ex candidato presidencial del Partido Nacional, bromeara con Muto: "Ves, si me hubiera hecho el traje contigo ganaba la elección", le dijo al sastre. Vestir a presidentes no es nuevo para el Studio Muto. El argentino Carlos Menem y los uruguayos Julio María Sanguinetti, Lacalle y Jorge Batlle, ya lucieron sus trajes, además de otras figuras de primer orden de la política nacional. Lucía Topolansky, en tanto, dijo ayer al diario La Nación de Buenos Aires que una modista le hizo un "trajecito" para la ceremonia de asunción de su esposo. Explicó además que no puede usar tacos porque fue operada de la cadera y le colocaron una prótesis, y que se está dejando el pelo más largo a fin de hacerse un corte especial. En los últimos días, Mujica no se hizo ningún chequeo médico, no fue al dentista ni al peluquero, dijeron a El País fuentes del entorno del presidente electo. Sus colaboradores lo han notado muy tranquilo, dedicado a trabajar en sus discursos para los actos de hoy pronunciará dos, uno ante la Asamblea General y otro en Plaza Independencia- en la oficina que montó en el "Quincho de Varela" y en su chacra de Rincón del Cerro. Lucía Topolansky se despidió el viernes de su secretaría en el Palacio Legislativo, les dijo "hasta el martes" y no dio más información de nada de lo que hará. La hermana gemela de Topolansky, María Elia, que vive en Paysandú, no vendrá a Montevideo porque como es tan parecida a su hermana no quiere que la prensa la acose, dijeron familiares de la primera senador del MPP El resto de los hermanos Topolansky y algunos sobrinos de la esposa de Mujica estarán en el lugar reservado para los familiares que establece el protocolo, a fin de que puedan ser saludados por Mujica y Lucía. Sergio Varela no tiene nada previsto para hoy en su quincho, pero está a la orden porque sabe que Mujica le avisa las cosas una hora antes. Varela dijo a El País que sí hizo gestiones ante la Embajada de Venezuela para que el presidente Hugo Chávez fuera al quincho para un encuentro con Mujica, pero que no tiene una confirmación oficial.

Ao mesmo tempo, a mídia digital reproduziu entrevista de Lucía Topolansky, mulher Mujica, dada ao periódico argentino La Nación em que a senadora ensaiou uma análise sobre modo de vestir e maneira de pensar. Perfil - Liviana de equipaje La senadora Lucía Topolansky habló ayer en una entrevista con el diario argentino La Nación sobre la estética y dijo que es una firme defensora de la libertad y que cada uno puede vestirse como quiera. -Usted sabe que, más allá de la ideología, hay una estética de la izquierda y una peronista. La estética peronista es un poquito de taco aguja, un poquito de pelo arreglado, largo, y maquillaje. En mis años de facultad, las chicas de izquierda usaban taco bajo, nada de pintura, como usted.

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-Yo tuve veinte y también me gustaba tener pinta. Tenía el pelo largo y era bastante hincha de la minifalda. Después, probablemente en los largos años de cárcel, que te decantan lo superficial de lo trascendental, aprendés a vivir como dice Machado: liviano de equipaje, casi desnudo. Yo no critico a nadie... Yo lo que pido es libertad. Me parece fantástico que cada uno se empilche de lo que sea... Me parece muy bien que Evo Morales se vista con la tradición boliviana. No critico nada, porque yo lo que pido es libertad. -Entonces, usted, no tiene una mirada crítica sobre lo que se llama frivolidad... -No, si la persona se siente mejor. Esto tiene mucho que ver con el estado de ánimo o del alma de la gente y si quiere expresarlo exteriormente, está muy bien que lo haga.

Lucía Topolansky se mostra uma observadora atenta quando destaca o modo argentino de salto alto, cabelo arrumado e maquilagem. De fato, antes do luto, Cristina Fernandéz Kirchner imprimiu exuberância nas imagens dos encontros internacionais de cúpula. Roupas de marca, cintura marcada, olhos delineados de negro, boca ressaltada de batom e cabelos bem cuidados com tintura de qualidade e arranjados por mãos profissionais competentes. Cristina era um discurso de corpo e alma distintos de suas correlatas do Norte. A presidenta argentina se fazia presente com uma materialidade tangível sem a qual a relação com o outro se torna um tanto difícil. Dizendo de outro modo, a estética de Cristina falava de um corpo que se dispunha a ser utilizado como ponte sobre o precipício a fim de que seus companheiros atingissem o outro lado com segurança caminhando sobre sua coluna vertebral. A imagem que me parece bela é emprestada do pensador Terry Eagleton. No caso brasileiro, de mestiçagem difusa e regionalismos marcados, o ex-presidente Lula imprimiu uma personalidade nacional no cenário dos grandes quando, em muitas ocasiões, trocou a gravata vermelha dos homens da city londrina pela de listras verde, amarela, azul e branco. E a presidenta Dilma Rousseff também coloriu o vestuário de forma adequada. A presença desse conjunto de traços estéticos representados no vestuário parece querer indicar uma outra ética no trato de assuntos de importância essencial para os países da América Latina e Caribe agora sob a direção de governos comprometidos com territorialidade e povo. Por mais que sejamos realistas, não é recomendável menosprezar a força de uma cor ou de uma alpaca. Elas podem não transformar por si, mas apontar para uma identidade com fins de integração há muito em potência como um dia já dissera Simon Bolívar: “Pretender que un país tan felizmente constituido, extenso, rico y populoso sea meramente pasivo, ¿no es un ultraje y una violación de los derechos de la humanidad?”

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ARTIGO

Acordos globais e existências regionais: a inserção da cultura brasileira no Mercosul 2003-2014 Mônica Leite Lessa

O Contexto A partir do início deste século, em um contexto sul-americano transformado pelas eleições de governos de esquerda e pela consequente reformulação das agendas desses países, o Mercosul adquire renovado impulso e se afirma para além da dimensão estritamente econômica até então praticada. Apresenta-se como espaço de uma política regional empenhada na redução das desigualdades sociais, na redução das assimetrias entre os países sul-americanos, na promoção de uma nova inserção da região no sistema internacional. Nessa mouvance, o governo Lula da Silva imprime sua marca através de uma retórica de esquerda mobilizadora que apregoa uma integração ampliada e solidária, longe do modelo então em vigor: “o Mercosul que nós acreditamos não é o Mercosul eminentemente comercial. O Mercosul que nós queremos tem de ser comercial, político, econômico, social e cultural” (SILVA, 2003). Paralelamente, cabe destacar, três aspectos das mudanças promovidas nas políticas públicas dos governos Lula da Silva afetaram radicalmente a posição do Brasil vis a vis a integração: o resgate do conceito de desenvolvimento como um dos princípios que orientam a execução da política externa nacional (GONÇALVES, 2011); a redefinição e valorização da cultura como fator de desenvolvimento e de inclusão social; a afirmação do Mercosul como dado fundamental da política externa brasileira – “a principal prioridade do governo do presidente Lula na área internacional” (AMORIM, 2010). É nesse contexto que o Mercosul Cultural adquire um interesse especial no quadro da integração. 91 Contudo, antes de mais nada, é importante ressaltar que antes do Mercosul Cultural as relações culturais latino-americanas eram bilaterais, intermitentes, de discutível alcance, concebidas como ações diplomáticas isoladas, sempre limitadas por restrições orçamentárias, com público alvo restrito, geralmente empreendidas pelos países com maior capacidade de investimento, não eram consideradas como fatores de desenvolvimento e de integração, e favoreciam a assimetria entre os países. Essa situação se modifica com a criação do Mercosul Cultural. Primeira experiência na aérea da cultura, em nível regional, que normatiza a participação dos Estados na promoção das trocas culturais, das ações programadas para preservação do patrimônio histórico e cultural material e imaterial dos povos da região, na criação de condições de acesso universal aos bens simbólicos, condições de criação e produção de bens culturais. Essa é uma realidade recente, inédita, e por isso a lista de ações programadas do órgão é longa – e atualmente, em parte, já realizada. 92 Nesse sentido, uma análise comparativa das pesquisas desenvolvidas sobre as relações culturais no âmbito da integração (LESSA, 2009; 2010) e em períodos anteriores (NEPOMUCENO, 2012) à criação do Mercosul Cultural constituem um excelente parâmetro para se conhecer as diferenças - e constatar os avanços - entre esses dois momentos da história das relações culturais sul-americanas. Por sua vez, as mudanças operadas na política externa brasileira, desde 2003, aliadas à “valorização da cultura no contexto das políticas públicas do governo federal e como um elemento central no projeto de desenvolvimento do Brasil” (FERREIRA, 2013) contribuíram radicalmente para a atuação da diplomacia cultural93 brasileira nos marcos da integração, como não deixaram de afirmar os 229

formuladores de política do governo: “o Mercosul e a relação com os países da América do Sul têm sido uma prioridade no esforço geral do governo brasileiro para integrar a região, não apenas economicamente, mas culturalmente.” (GIL, 2012). Nesse contexto, aparentemente tão favorável ao desenvolvimento das relações culturais e/ou da economia da cultura, a área da cultura ainda permanece um desafio à integração. Mas, no espaço que nos é aqui reservado, tentaremos simplesmente esboçar algumas pistas a serem exploradas, continuando as discussões sobre o tema neste grupo de trabalho do FoMerco. 94

Desafios e avanços Cabe lembrar que as mudanças nas diretrizes da integração implicam mudanças de caráter institucional também. Passada a fase inicial de formação de uma estrutura organizacional do Mercosul Cultural - que compreende a constituição de um corpo burocrático especializado, de rotinas de trabalho, de formulação de um estatuto ou de um regimento do órgão, de um orçamento anual, e de numerosos estudos técnicos sobre o tema -, em 2010 foi aprovada a criação e instalação de uma Secretaria Técnica, fixada na capital da República Argentina, e na XXXI Reunião de Ministros da Cultura do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, em 2010, sob a presidência pro-tempore do Brasil, foi aprovada a criação do Fundo do Mercosul Cultural. 95 Em 2012 foi aprovado o documento de “Estrutura Orgânica e o Regulamento Interno do Mercosul Cultural”96 e aprovada a criação de um grupo de trabalho denominado “Comitê Coordenador Regional” – encarregado da redação do “Plano Estratégico de Integração Cultural do Mercosul”, com a função de estabelecer os objetivos de médio e longo prazo para respaldar as ações de integração, cooperação e intercâmbio cultural do bloco. É possível perguntar se esse longo período de maior institucionalidade do Mercosul Cultural, por exemplo, não impediria o avanço do setor da cultura na integração, contribuindo para as avaliações negativas sobre o fator cultural no bloco? Para alguns (SOARES, 2008), a institucionalidade do Mercosul Cultural é responsável pela inexistência de uma política cultural do bloco: “As atividades culturais mais importantes e com maior regularidade no Mercosul, têm resultado, principalmente, de iniciativas de novos atores internacionais como artistas, intelectuais, professores e pesquisadores universitários, alguns empresários e ONGs.” Esses debates que circundam temas mais antigos e complexos que emergem com força sempre que a situação é propícia, são representados na fórmula nação-identidade-cultura-soberania-integração, como analisou Hugo Achugar nos idos dos anos 90. Em 2006, o então secretário executivo do MinC, Juca Ferreira, em discurso proferido no IV Encontro Internacional sobre Diversidade Cultural, pontuou que especialmente em relação à integração regional “duas tarefas comuns, ao mesmo tempo complexas e instigantes” deveriam ser cumpridas: “priorizar a cultura entre os deveres básicos do Estado” e “valorizar a diversidade cultural”. Nesse sentido, considerou o secretário, um passo importante havia sido a participação dos países do Mercosul na “elaboração e aprovação” da ratificação da “Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais”, aprovada em 2005 na Unesco, ao lado de outros países, e “mesmo diante da franca oposição dos Estados Unidos” (FERREIRA, 2013b). Três aspectos dos desafios à cultura na integração podem ser aqui destacados para se contribuir nessa discussão. Inicialmente destacamos um desafio próprio do modelo de integração intergovernamental do Mercosul que, como analisa Sarti, “propicia o diálogo como ferramenta fundamental da democracia no continente” mas, em contrapartida, “tenderia a dificultar uma plena institucionalização que confira à integração o estatuto de política de Estado”, ao contrário da institucionalidade supranacional da UE que, no entanto, “tem sido apontada como um fator que engessa as políticas sociais e permite apagar os 230

últimos vestígios do pacto social original de uma Europa solidária e próspera que inspirou o Tratado de Roma” (SARTI, 2011). Outro ponto a se observar é que historicamente a cultura e as políticas culturais assumiram um caráter transversal nos países da região. No Brasil, para se usar apenas uma metodologia de pesquisa, os efeitos desse status são divulgados em índices nacionais e internacionais que contabilizam estatísticas sobre o consumo cultura97 ou os números de importação/exportação dos bens culturais por região e país, como os publicados pela Unesco. 98 Responsável por 70% do orçamento do Fundo do Mercosul Cultural, o Brasil empreendeu uma profunda redefinição da cultura desde que o primeiro governo Lula passou a considerar o campo da cultura a partir do conceito de política pública mas, como destacou o ministro Gilberto Gil na abertura do “Seminário Internacional de Políticas Públicas de Cultura”, em 2005, o desafio do MinC era justamente instituir esse entendimento e essa prática ainda frágil nos 20 anos de existência do ministério. Assim, a proposta da cultura - entendida como produção e fruição de bens e serviços culturais que imprescindem de uma perspectiva social, como fator de desenvolvimento e inclusão social, sistema de produção de bens simbólicos, e uma dimensão das políticas públicas -, estaria ainda em fase de robustecimento de sua institucionalização. Porém, não por acaso, a institucionalidade do Mercosul Cultural teria se aprofundado a partir dos anos 2000 - reflexo das mudanças em curso nos países do Mercosul. Um terceiro aspecto da questão a ser considerado diz respeito às disputas internacionais em nome da proteção da identidade cultural, da diversidade cultural, das estratégias e prioridades de inserção internacional dos países em um cenário internacional marcado por tensões e disputas, como analisou Freymond há mais de três décadas. Enquanto sistema de referência coletiva, a cultura própria à cada a Estado/sociedade constitui um dos fundamentos da política externa dos Estados, que ela contribui a influenciar. Da mesma maneira, ela orienta as relações transnacionais. Modela em grande parte a paisagem onde as políticas são elaboradas e executadas. Influencia a visão, a percepção e o comportamento dos atores, sejam eles governamentais ou não. Condiciona o modo deles analisarem uma situação e determina, em parte, a maneira como reagem. Vista sob este ângulo, a cultura é uma força profunda no sentido interpretado por Pierre Renouvin. A cultura constitui também um dos elementos da conjuntura, segundo a definição de Fernand Braudel. Todo sistema cultural é complexo e possui vários componentes. Todos os aspectos de um determinado sistema não influenciam, sem dúvida, de forma idêntica, as relações exteriores de um Estado. Alguns aspectos pesam mais que outros. Assim, muito provavelmente, acontece com o sistema de valores e o conjunto das normas que formam as mentalidades coletivas e governam os comportamentos (FREYMOND, 1980: 450, tradução nossa).

Acordos globais e existências regionais A dimensão cultural internacional é um campo de disputas, com vários componentes e dados a se considerar. Uma breve digressão sobre o surgimento das políticas culturais na Europa do século XX, a partir da obra de Pierre Gaudibert (GAUDIBERT, 1972), pode ser um registro interessante. Segundo o autor, o primeiro ministério da Cultura do Ocidente surgiu na França, em 1959, sob a inspiração de André Malraux, como uma estrutura para viabilizar a difusão e projeção da cultura francesa, no plano exterior. No plano interno, a “democratização da cultura” foi a principal meta fixada. Esse projeto, denominado por uns de “revolução cultural” e por outros de “revolução pacífica”, significou que a cultura passou a encarnar “diferentes ideologias”: o “consenso cultural”, que negava a luta de classes; ou “ideologias mais explícitas”: “democratização cultural”, “populismo cultural”, “salvação cultural”, “religião da cultura”. Firmou-se o discurso de que a cultura deveria acompanhar as “revoluções” científica, tecnológica e artística da época, e, nesse sentido, passou-se a postular o fim do monopólio e do privilégio da cultura por parte das elites através de uma ação cultural combinada a uma ação social que resultaria no acesso de todos a todas as formas de expressão cultural. Todo o projeto sofreu críticas e controvérsias que questionaram sua proposta. Mas esse projeto não ficou restrito à França pois sob a égide da Unesco essa experiência tornou-se modular, com adaptações segundo os países, e 231

em 1968 a Unesco declarou: “droits culturels en tant que droits de l’homme”. Em seguida foi anunciado um novo paradigma de ação: “cooperação intelectual” e “conversão ao desenvolvimento” apoiado na “assistência técnica”. A partir de então, 2/3 dos recursos da Unesco passaram a ser empregados em ações operacionais para a assistência técnica em prol do desenvolvimento. Uma tendência dessa mouvance impulsionada pela Unesco teria sido o surgimento da indústria do turismo, por exemplo. Gaudibert considera que data portanto dos anos 60 uma extraordinária mudança de perspectiva das sociedades em relação à cultura. Assim, em âmbito internacional, desde sua criação em 1945, a Unesco determina políticas culturais, em nível internacional. Essas são adotadas porque são subsidiadas, porque os países recebem assistência técnica, porque conferem prestígio e visibilidade, porque representam possibilidades de desenvolvimento. As tensões, os conflitos e os dilemas que envolvem esses processos que repercutem, com maior ou menor impacto, na política cultural dos países, bem como nas demais políticas públicas, são na maioria das vezes silenciosos. Porém, quando essas políticas culturais envolvem interesses antagônicos de potências mundiais, assiste-se à encarniçadas disputas políticas, como a que envolveu a aprovação, em 2005, da “Convenção Sobre a Proteção e Promoção das Diversidades das Expressões Culturais e Artísticas”, que ocorreu sem assinatura dos Estados Unidos. Em âmbito regional, a OEA congrega organismos e políticas importantes que em grande parte das vezes disputam lideranças ou projetos similares aos desenvolvidos com a Unesco e com o Mercosul. Desde 1996 existe o Programa Interamericano de Cultura - PIC, e em 2002 foi criado o Processo de Reuniões Interamericanas de Ministros e Máximas Autoridades da Cultura - vinculado ao Departamento de Educação e Cultura da OEA. Também foi criada a Comissão Interamericana de Cultura - CIC, um organismo técnico-político de discussão, formado por representantes dos Ministérios da Cultura e pelas Altas Autoridades de Cultura. 99 Para assegurar a execução dos projetos elaborados e aprovados dentro do espírito da CIC, muitos em rivalidade com as atribuições do Mercosul Cultural, e com base nas propostas apresentadas pela Unidade do Desenvolvimento Social, da Educação e da Cultura da OEA, foi criado um “Fórum Virtual” para a comunicação dos delegados dos países membros, e foi aprovada a criação de um fundo de US$ 190,833.33. 100 Esses diferentes entes, Unesco, OEA e Mercosul, colaboram entre si mas também defendem posições conflitantes em diferentes esferas. Como foi o caso do apoio do Brasil à aprovação da Convenção Sobre a Proteção e Promoção das Diversidades das Expressões Culturais e Artísticas, na Unesco, em 2005, ao mesmo tempo em que já havia apoiado os Estados Unidos, em 2001, ao ingressar para o Conselho de Serviços da OMC. Dessa forma, o país alinhou-se à visão dos Estados Unidos de que certos bens culturais, mais precisamente as obras audiovisuais, são efetivamente produtos culturais comercializáveis e portanto devem ser submetidos às regras gerais vigentes na OMC. Ao ratificar o reconhecimento da OMC como foro privilegiado para a normatização e regulamentação do comércio do setor cultural, sobretudo do audiovisual, a galinha dos ovos de ouro da indústria cinematográfica liderada pelos EUA: Desde então, o Brasil tem sido demandado por uma série de parceiros a respeito da compatibilidade entre duas posições vistas por muitos como distintas. De um lado, a defesa, junto aos foros como a Unesco, a rede internacional dos Ministros da Cultura e a reunião de Ministros da Cultura do Mercosul, do princípio da diversidade cultural; e, de outro, a atuação no Conselho de Serviços da OMC, na qual fazemos pedidos para que países outros permitam que suas populações tenham acesso à produção audiovisual brasileira. [...]. (SENNA, 2003)

A inserção da cultura brasileira no Mercosul 2010-2014 Dessa forma, premidos por compromissos internacionais, os países encontram mais dificuldades para robustecer a integração ainda que os sinais enviados sejam sinceros. Entre 2010 e 2014, a institucionalização do Mercosul e o compromisso do governo brasileiro com a integração 232

asseguraram a continuidade dos compromissos, o cumprimento da agenda da integração, inclusive com participação nas atividades do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, Focem, atualmente com quarenta e cinco projetos aprovados em áreas como habitação, transporte, energia, incentivos à microempresa, integração produtiva, bio-segurança, capacitação tecnológica, saneamento e educação. O pleno funcionamento da Universidade Federal de Integração Latino-americana - Unila é também um claro exemplo do compromisso do Brasil com o projeto de integração ampliada. E o ineditismo da iniciativa brasileira, inclusive em promover o vínculo entre educação e cultura, constitui uma resposta relevante para a fundação de uma identidade regional “solidária” e “integradora”. O desafio posto ao Brasil é duplo: cabe ao país, exclusivamente, assegurar a construção e o funcionamento da universidade e, ao mesmo tempo, desenvolver um projeto pedagógico que privilegie a multidisciplinariedade, promova a integração do conhecimento e represente um “polo de ideias” e de discussões sobre a realidade latino-americana. Projetada para atingir, na próxima década, um contingente de dez mil estudantes (entre brasileiros e latino-americanos) e quinhentos docentes brasileiros e latino-americanos alocados em cursos de graduação, mestrado e doutorado, a Unila é a primeira universidade bilíngue (português/espanhol) do continente e abriga cursos planejados para atender a temas candentes para a América Latina: Energia, Meio-Ambiente, Migração e Trabalho, Saúde Pública, Novas Tecnologias etc., entre outros que abarcam desde as Ciências Exatas às Ciências Humanas. A Unila cumpre assim uma das principais propostas do Mercosul Cultural que é promover a formação dos estudos universitários na região, ação considerada prioritária para incentivar e consolidar o intercâmbio entre jovens, bem como a construção de uma cultura da cooperação. Fruto de uma política cultural que, evidentemente, não é destituída do interesse do Brasil em projetar sua influência na região, ela tem, no entanto, o mérito do compromisso com as iniciativas integradoras.

Referências AMORIM, C.

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Programação Dia 23 de outubro, quarta-feira Simpósio de Abertura: Cultura Contemporânea na América Latina.

Debate sobre pensamento latino-americano e as expressões culturais do continente, desde as manifestações dos povos originários até a luta pela regulamentação do poder midiático. Questionamento do papel da cultura como fator de integração regional. Horário: 16h às 18:00h Expositores: Antonio Albino Canelas Rubim Ana Wortman José Renato Vieira Martins Maria Luiza Franco Busse Maria Susana Soares Vera Cepêda Relator: Leonardo Valente Coordenação: Mônica Leite Lessa Cerimônia de Abertura: Instalação do XIV Congresso

Horário: 18:20h às 19h Painel de Abertura: Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global.

Intervenções de convidados especialistas sobre as estratégias de articulação política entre os Governos nos blocos Mercosul e Unasul, em relação aos temas prioritários da agenda da integração.Horário: 19:00 às 21h Expositores: Jorge Lara Castro Mariana Vázquez Luiz Dulci Reinaldo Salgado Roberto Conde Samuel Pinheiro Guimarães Coordenação: Geronimo de Sierra

Dia 24 de outubro, quinta-feira Eixos/GTs. Reunião de Trabalho.1

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Horário: 8:30h às 10:20h Painel 2: Tecnologias sociais, cooperação internacional e produção do conhecimento

A importância da integração das ciências e das tecnologias na América do Sul e as alternativas de produção e divulgação do conhecimento como fator de desenvolvimento regional que redefinem as políticas públicas. Distintas visões acerca da necessidade de institucionalização das redes e do aprofundamento de seu grau de internacionalização. Contribuições analíticas de redes consolidadas, abrem o debate sobre a internacionalização das universidades e do FoMerco, em particular. Horário: 10:30h às 12.30h Expositores: Anibal Orué Pozzo Daniela Perrotta Ennio Candotti Geronimo de Sierra Paula Rodriguez Patrinós Relator: Glauber Cardoso Carvalho Coordenação: Gonzalo Berrón Painel 3: Os desafios da Amazônia. Desenvolvimento, defesa e políticas sociais

Os desafios da integração e as políticas de defesa e desenvolvimento científico que nos remetem à Amazônia e a questões contidas na agenda do desenvolvimento integrado. Horário: 10:30h às 12.30h Expositores: Alexandre Fuccille Alexandre Uehara Edna Castro Marcelo Mariani Emanuel Porcelli Coordenação: Thomas Heye Simpósio 2: Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e a nova arquitetura financeira da integração no Século XXI

Debate sobre as questões que interrogam as escolhas dos modelos de desenvolvimento no contexto de crise internacional e a busca de políticas alternativas na região. Incluir a polêmica primarização vs industrialização, a noção de desenvolvimentismo no mundo globalizado e as escolhas possíveis de utilização dos recursos naturais para o desenvolvimento integral. Avaliação dos avanços e obstáculos na tentativa de criação de um sistema de financiamento do desenvolvimento integrado. Horário: 14:30h às 16.30h Expositores: Alan Barbier0 André Calixtre José Carlos de Assis José Félix Rivas Ricardo Canese Relator: Raphael Padula 236

Coordenação: Frederico Katz Simpósio.3: Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prática

Abordagem da democracia e os conflitos sociais vigentes nos países-membro do Mercosul e da Unasul, à luz dos persistentes indicadores de desigualdade social e do desempenho das instituições voltadas para sua gestão. Apreciação da institucionalidade do Mercosul com a entrada da Venezuela, o golpe do Paraguai e as propostas de incorporação de Equador e Bolívia, Guiana e do Suriname. Novas formas de diálogo com o movimento social urbano no contexto de descrédito da política e, particularmente, dos partidos políticos. Avaliação da competência legislativa e o desempenho do Parlamento da América do Sul – Parlasul. Horário: 17h às 19h Expositores: Aragon Érico Dasso Júnior Gustavo Codas Karina Pasquariello Mariano Susana Novick Williams Gonçalves Relatora: Flávia Guerra Cavalcanti Coordenação: Ingrid Sarti

Dia 25, sexta feira Eixos/GTsReunião de Trabalho.2

Horário: 8:30h às 10:20h Assembleia Geral FoMerco

Horário: 10:30h às 12:30h

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Ficha Técnica Comissão Organizadora

Ingrid Sarti (UFRJ) Beatriz Bissio (UFRJ) Emanuel Porcelli (UBA) Franklin Trein (UFRJ) Gizlene Neder (UFF) Glauber Carvalho (UFRJ/Centro Celso Furtado) José Renato Martins (Unila) Mônica Leite Lessa (UERJ) Raphael Padula (UFRJ) Williams Gonçalves (UERJ)

Comissão Organizadora Local - UFT

Mestrado em Desenvolvimento Regional Mônica Aparecida da Rocha Silva Alex Pizzio da Silva Cynthia Mara Miranda Temis Gomes Parente Waldecy Rodrigues Thelma Lage

Comissão Científica

Afrânio Cattani (Prolam) Edna Castro (NEIA/UFPA) Ennio Candotti (SBPC) Jeferson Miola (Mercosul) José Vicente Tavares dos Santos (ILEA-UFRGS) Marcos Costa Lima (UFPE) Mariana Vázquez (UBA) Suzy Castor (Cresfed, Haiti) Theotônio dos Santos (Reggen) Tullo Vigevani (Unesp)

Comissão Editorial

Ingrid Sarti (UFRJ) José Renato Vieira Martins (Unila) Marco Aurélio Nogueira (Unesp) 238

Mônica Leite Lessa (UERJ) Vera Cepêda (UFSCar) Glauber Carvalho (UFRJ/Centro Celso Furtado)

Comissão de Finanças

Franklin Trein (UFRJ) Fred Katz (UFPE) Alex Pizzio da Silva (UFT)

Coordenação de Eixos-GTs

Karina Pasquariello Mariano (Unesp) Hugo Agudelo (UEM)

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Colaboradores Antonio Albino Canelas Rubim Cultura e transição: como enfrentar o neoliberalismo Atual Secretário de Cultura do Estado da Bahia [email protected] Alexandre Fucille Integração, defesa e outros desafios da Amazônia Universidade Estadual Paulista – Unesp. Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional/Gedes da Unesp. [email protected] Ana Wortman Creatividad para la inclusión social en Argentina, en torno a la cuestión de los derechos culturales Instituto de Investigaciones Gino Germani. Facultad de Ciencias Sociales. Universidad de Buenos Aires - UBA. [email protected] André Calixtre A arquitetura financeira da integração no século XXI Instituto de Pesquisas de Economia Aplicada – IPEA. [email protected] Aníbal Orué Pozzo Pensar la cooperación, integración y producción del conocimiento desde perspectivas no hegemónicas Centro de Estudios de las Relaciones Paraguay-Brasil. Universidad Nacional del Este – UNE, Paraguay [email protected] Aragon Érico Dasso Junior Integração regional e democracia: processos entrecruzados na América do Sul (?) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRG [email protected] Daniela Perrotta Tecnologias sociais, cooperação internacional e produção do conhecimento Universidad de Buenos Aires – UBA. Identidad Mercosur [email protected] Ennio Candotti Depoimento Diretor do Museu da Amazônia (Manaus). Ex-presidente e atualmente vice-presidente da SBPC [email protected] Flávia Guerra Cavalcanti Desafios da democracia, desigualdades, teoria e prática. Introdução 240

Ciência Política e Relações Internacionais. Departamento de Ciência Política. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS. Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ [email protected] Frederico Katz Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e a nova arquitetura financeira da integração no Século XXI. Coordenador Simpósio 2. Universidade Federal de Pernambuco – UFPE [email protected] Geronimo de Sierra Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global. Coordenador. Painel de Abertura Facultad de Ciencias Sociales. Universidad de la República – UdelaR. [email protected] Gisálio Cerqueira Filho Conjuntura e mobilizações no Brasil: direitos, centavos, fumaça e vinagre Universidade Federal Fluminense - UFF. Laboratório Cidade e Poder – LCP. Editor de Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica [email protected] Gizlene Neder Punição, cultura religiosa e Direitos Humanos Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito e Programa de Pós-Graduação em História. Departamento de História. Universidade Federal Fluminense – UFF. Coordenadora do Laboratório Cidade e Poder. Editora de Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica [email protected] Glauber Cardoso Carvalho A integração sul-americana: cooperação, redes e produção do conhecimento. Introdução. Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional – PEPI/IE – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Doutorando. Coordenador do blog Diálogos Internacionais. Assessor executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento – Cicef. [email protected] Gonzalo Berrón Tecnologias sociais, cooperação internacional e produção do conhecimento. Coordenador. Painel 2. Friedrich Ebert Stiftung - FES [email protected] Hernán Thomas Tecnología e innovación para la inclusión social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiarInstituto de Estudios sobre la Ciencia y la Tecnología. Universidad Nacional de Quilmes. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas Conicet, Argentina [email protected] Ingrid Sarti Integração sul-americana, os desafios de um projeto estratégico. Apresentação. Coordenadora Simpósio 3. 241

Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional – PEPI e Departamento de Ciência Política. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Presidente do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco [email protected] Ivan Ramalho Depoimento Alto Representante Geral do Mercosul [email protected] Jorge Lara Castro Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global Universidade Católica de Assunção. Ex-ministro de Relações Exteriores do Governo Lugo [email protected] José Carlos de Assis Desenvolvimento dos recursos naturais como eixo dinâmico da Integração regional Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Presidente do Instituto de Estudos Estratégicos para a Integração da América do Sul - Intersul [email protected] José Felix Rivas Por una integración que integre, por un desarrollo que libere Banco Central da Venezuela [email protected] José Renato Vieira Martins De Antonio Mamerto a Gauchito Gil: estrategias de control y formas de resistencia popular en una región de frontera entre Argentina y Brasil Ciencia Política y Sociología. Universidad Federal de la Integración Latinoamericana – Unila. Vicepresidente do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco [email protected] Karina Pasquariello Mariano Eleições para parlamentos regionais e percepção sobre a integração Faculdade de Ciências e Letras. Universidade Estadual de São Paulo – Unesp (Araraquara). Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUCSP). Coordenadora do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Cultura e Desenvolvimento – GEICD [email protected] Leonardo Valente Cultura contemporânea na América Latina. Introdução Ciência Política e Relações Internacionais. Departamento de Ciência Política. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS. Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ [email protected] Lucas Becerra Tecnología e innovación para la inclusión social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura 242

familiarInstituto de Estudios sobre la Ciencia y la Tecnología. Universidad Nacional de Quilmes. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – Conicet, Argentina Maria Luiza Franco Busse Imagens da identidade na perspectiva da integração Jornalista, doutora em Semiologia. Ministério do Esporte, setor de eventos culturais [email protected] Mariana Vázquez La integración regional como proyecto estratégico y la participación popular Universidad de Buenos Aires – UBA. Actualmente coordina la Unidad de Apoyo a la Participación Social del Mercosur [email protected] Mariano Fressoli Tecnología e innovación para la inclusión social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiar Instituto de Estudios sobre la Ciencia y la Tecnología. Universidad Nacional de Quilmes. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – Conicet, Argentina Marilu Cabañas Entrevistas Jornalista. Rádio Brasil Atual [email protected] Mônica Leite Lessa Cultura Contemporânea na América Latina. Coordenadora Simpósio de Abertura Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais – PPGRI. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj [email protected] Paula Juarez Tecnología e innovación para la inclusión social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiar Instituto de Estudios sobre la Ciencia y la Tecnología. Universidad Nacional de Quilmes. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – Conicet, Argentina Paula Rodriguez Patrinós Institucionalidad pública para la protección y promoción de los Derechos Humanos en el Mercosur Instituto de Políticas Públicas en Derechos Humanos del Mercosur – IPPDH. Directora del Proyecto IPPDH-FOCEM “Construyendo una Infraestructura para la protección y promoción de los Derechos Humanos del Mercosur” [email protected] Rafael Gumiero A construção da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo Programa de Pós Graduação em Ciência Política. Doutorando. Universidade Federal de São Carlos UFSCar. Bolsista Capes 243

[email protected] Raphael Padula Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e arquitetura financeira. Introdução Instituto de Economia – IE e Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional – PEPI, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ [email protected] Reinaldo Salgado Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global Diretor do Departamento do Mercosul do Itamaraty [email protected] Ricardo Canese Depoimento Parlamentario del Mercosur, de Paraguay, del Frente Guazu [email protected] Roberto Conde Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global Senador, Uruguay. Vice-Ministro das Relações Exteriores no governo Lugo [email protected] Samuel Pinheiro Guimarães Integração regional e acordos de livre comércio Embaixador. Professor do Instituto Rio Branco. Foi Alto Representante do Mercosul e Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE da Presidência da República no governo Lula. [email protected] Santiago Garrido Tecnología e innovación para la inclusión social: reflexiones sobre energías renovables y agricultura familiar Instituto de Estudios sobre la Ciencia y la Tecnología. Universidad Nacional de Quilmes. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – Conicet, Argentina Susana Novick Migraciones e integración regional: el caso argentino Instituto de Investigaciones Gino Germani. Facultad de Ciencias Sociales. Universidad de Buenos Aires – UBA. Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – Conicet, Argentina [email protected] Thomas Heye Os desafios da Amazônia. Desenvolvimento, defesa e políticas sociais. Coordenador Painel 3. Instituto de Estudos Estratégicos – Inest – Universidade Federal Fluminense – UFF [email protected] Vera Alves Cepêda A construção da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo 244

Departamento de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - PPGPol. Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. [email protected] / [email protected] Williams Gonçalves Depoimento Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj [email protected]

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Notas 1) O XIV Congresso Internacional incentivou a discussão dos temas prioritários da agenda da integração mediante a realização de atividades que compõem 3 simpósios e 3 painéis e a que reuniu os grupos de trabalho em torno de 12 Eixos. A publicação dos textos debatidos nas reuniões dos Grupos de Trabalhos está compilada nos Anais do XIV Congresso Internacional do Fórum Internacional – FoMerco, 2014. ↵

2) Produção originada nos Congressos do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco De Sul a Norte. Por uma integração do continente sulamericano. SARTI, I. e CARVALHO, G. (orgs.). Anais do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco - XIV Congresso Internacional. Rio de Janeiro: FoMerco, 2014 Congresso 2013 Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. SARTI, Ingrid; LESSA, Mônica Leite; PERROTA, Daniela e CARVALHO, Glauber Cardoso (orgs.). 2 vol. Rio de Janeiro: Perse, 2013 Congresso 2012 Os 20 anos do Mercosul. LESSA, Mônica Leite e CERQUEIRA FILHO, Gisálio (orgs.). Rio de Janeiro: UERJ, 2014 cd. Congresso 2011 Sulamérica, comunidade imaginada: emancipação e integração. CERQUEIRA FILHO, Gisálio (org.). Niterói: EdUFF, 2011 Congresso 2010 Frontera, Universidad y Crisis Internacional. LIMA, Marcos Costa e SARTI, Ingrid (org.). Foz de Iguaçu: Unila, 2009 cd Congresso 2009 Mercosul século 21: ampliação e aprofundamento. LIMA, Marcos Costa; SANTOS, Roberto Ramos; SARTI, Ingrid e GALVÃO, Thiago Ghere (org.). 2 vol. Boa Vista: EdUFRR, 2010. Congresso 2008 ↵ 3) Para o desenvolvimento conceitual da política externa brasileira, ver texto seminal do autor (Guimarães, 2006). ↵

4) Vale lembrar, com Quijano (2005), que se a integração da América Latina remonta a um passado distante com destaque no repertório das grandes utopias libertárias, permanece até hoje categoria presente no imaginário de superação da colonialidade preservada sob a perspectiva eurocêntrica da modernidade que se instalou no continente. Tratei dos antecedentes da integração em outras ocasiões, o tema contudo tem estado presente em vários estudos. Ver Viegevani e Cepaluni (2007) e, mais recentemente, as publicações de autoria de Clacso e das redes Equit (2013) e do Grupo de Reflexão de Relações Internacionais – GR-RI, particularmente as análises de Codas (2013). ↵

5) Não se estranhe, portanto, que a integração - o Mercosul em particular – se tenha transformado em tema acirrado de disputa nas campanhas presidenciais desde 2006, como já observara Maria Regina Soares de Lima (2007). ↵ 6) Problemas técnicos impediram a gravação e reprodução da fala dos integrantes do Painel de Abertura, “Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global’, o que muito lamentamos. Na oportunidade, agradecemos o encaminhamento de textos especialmente escritos por dois de seus integrantes, Guimarães e Vázquez. ↵

7) Referência é também a análise de Martins, Albuquerque e Gomensoro sobre a participação social como ampliação da esfera pública regional publicada por ocasião dos 20 anos do Mercosul (2011). ↵

8) Ao longo da realização do XIV Congresso, a apreciação da institucionalidade do Mercosul incluiu a alvissareira entrada da Venezuela e as propostas de incorporação de Equador e Bolívia, Guiana e do Suriname. Registrou-se, como em ano anterior, a experiência nefasta do golpe do Paraguai que destituiu o presidente Lugo (Codas, 2013). ↵ 9) Para uma valiosa discussão das implicações das questões que envolvem a Unasul, ver os resultados do “Foro de la Unión de Naciones Suramericanas sobre Ciencia, Tecnología, Innovación e Industrialización en América del Sur”, Rio de Janeiro, 2 a 4 de dezembro de 2013 (no prelo). ↵

10) Destaca-se a análise de Darc Costa sobre a concepção estratégica de desenvolvimento integrado da América do Sul apresentada ano XIII Congresso do FoMerco, em Montevidéu, em 2012. ↵ 11) Parte de um desafio tecnológico complexo, a defesa requer uma mirada muito atenta às necessidades locais. Ver Forti, 2013. ↵

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12) Temos aqui a continuidade da colaboração ao XIII Congresso, no Uruguai, em que um rico debate no painel coordenado por Thomas “Integração, Democracia e Tecnologias de Inclusão Social” contou com a apresentação dos projetos sociais da Fundação Banco do Brasil (Mello, 2013) e a participação do Ministro de Ciência e Tecnologia da Argentina, Mauricio Horn, e dos acadêmicos Amílcar Davyt (UdelaR) e Rafael Dias (Unicamp). Ver também a contribuição de Maíra Baumgarten na publicação de 2013. ↵ 13) Ver http://www.redebrasilatual.com.br e www.fomerco.com.br. ↵ 14) A visão mais difundida, e que não condiz com uma agenda autônoma regional, é de que o tema deve ser tratado: (i) internacionalmente e somente do ponto de vista da responsabilidade dos países produtores; (ii) através de sua militarização e possível internacionalização; e (iii) como tema predominante no campo de segurança dos países, relegando completamente ao plano do esquecimento qualquer preocupação com a política de poder global e a atuação de forças militares de potências externas à região, e restringindo a preocupação e a atuação das forças militares dos países a este tema. O documento “Western Hemisphere Defense Policy Statement” do Departamento de Defesa dos EUA, de outubro de 2012, reforça nossos argumentos, referindo-se às novas ameaças como “desafios complexos do século 21” no campo da segurança. ↵

15) Brasil plantea cooperación en defensa para proteger recursos de Suramérica, Jornada.net (periódico on-line), 04/10/2012, Disponível em: www.jornadanet.com/n.php?a=82250-1 ↵

16) Os três primeiros colocados juntos somam mais de 50% das exportações de armamentos para América do Sul entre 2003 e 2010. No ranking das 100 maiores companhias produtoras de armas do mundo, relatório publicado pelo Sipri, não aparece nenhuma empresa brasileira, mostrando a irrelevância da indústria brasileira em termos globais. Conferir em: “The SIPRI Top 100 arms-producing companies, 2009”, disponível em http://www.sipri.org/research/armaments/production/Top100/2009 (acessado em 12/12/12). ↵ 17) El autor agradece el apoyo recibido por parte de los equipos técnicos del Banco Central de Venezuela - BCV, especialmente a Alfredo van Kesteren y Carlos Felipe García. Las opiniones e ideas planteadas en el presente documento son de la absoluta responsabilidad del autor y, por tanto, no reflejan la opinión del Directorio del BCV. ↵

18) En el primer caso, la opción socialista es representada en el siglo XXI por Venezuela, como una estrategia para superar el capitalismo dependiente y petrolero, donde una de las particularidades es el intento de hacer esta transición en los marcos de la institucionalidad democrática electoral. ↵

19) El término se refiere a la obra de Michael Porter, cuyo trabajo académico, a mediados de la década de 1980, lo convirtió en el gurú de la ideología de la globalización en el campo gerencial y de la planificación estratégica corporativa. ↵ 20) Tal como sentencia Ana Esther Ceceña (2013), “La colonización no sólo se realizó en la esfera del trabajo o de la producción, aunque también, sino que se enfocó centralmente a los cambios de mentalidad, a la extirpación cultural e histórica de los pueblos mesoamericanos, caribeños y andinos, a la conquista de las mentes.” ↵ 21) Aquí me permito utilizar el valioso concepto trabajado por el desaparecido economista venezolano, Armando Córdova (1999) ↵

22) Como precursor deste debate sobre as assimetrias internas a expansão do capitalismo mundial, embora com foco nas necessidades protecionistas nacionais é o alemão G. F. List. ↵ 23) Cumpre destacar que para Furtado o recurso ao Estado e ao planejamento foi acompanhado da defesa da democracia, de políticas para transformação da ossatura social (como o enfrentamento das Reformas de Base ou da cultura do atraso no Nordeste) e de uma mudança de hábitos, cultura e racionalidade como parte da luta pelo desenvolvimento e não como corolários dele (cf. CEPÊDA, 2012). ↵

24) Rostow produziu importantes trabalhos que antecederam e permitiu afinar o seu esquema faseólogico na obra Etapas do crescimento econômico, publicada em 1960. A obra Processo do crescimento econômico, de 1952, e o artigo The take-off into self-sustained growth, de 1956, fizeram parte do

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processo de construção da sua tese etapista para o crescimento econômico. ↵

25) No artigo são considerados os países centrais os da Europa Ocidental e os Estados Unidos. Apesar de Nurkse ser originário da Letônia, situada na Europa Oriental, optou-se por inseri-lo no conjunto de teóricos que produziram as suas teses nos países centrais, dado que formulou a sua tese e trabalhou grande parte da sua carreira em Viena, Nova Iorque (EUA). No caso de Rostow, originário dos Estados Unidos e Myrdal de origem sueca são classificados como teóricos dos países centrais, dado a sua nacionalidade. ↵ 26) Podemos organizar o pensamento de Celso Furtado em três fases distintas. A primeira vai do começo de sua carreira até o Golpe de 1964; sua principal marca é o otimismo e a esperança em reconhecer que a herança deixada pela colonização (geradora do quadro de subdesenvolvimento) é passível de superação – trata-se da crença no potencial do desenvolvimento nacional. A segunda inicia-se após o Golpe Militar, quando Furtado é exilado. Nesse momento, Furtado observa que “a pior das alternativas” no cenário brasileiro havia logrado sucesso, constituindo um regime político fechado, sem direito à participação política dos indivíduos. Finalmente, a segunda metade da década de 1980 marca sua terceira fase, o esforço memorialista, quando faz uma revisão dos principais temas das décadas de 1950 e 1960 em sua correlação com os novos desafios impostos pelo capitalismo globalizado. ↵

27) Embora a obra Teoria política e desenvolvimento econômico tenha sido produzida após o exílio de Furtado e compreenda o período da segunda fase de seu pensamento, ela não poderia faltar na análise deste texto, pois representa a síntese do pensamento do autor nos anos 1950. ↵

28) Importantes obras pioneiras e coetâneas aos teóricos trabalhados nessa comunicação complementam esse quadro de interpretações sobre o subdesenvolvimento, citamos as obras e artigos de: Roseinstein-Rodan, Problemas de industrialização da Europa do Leste e do Sudeste, de 1944; Prebisch, O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas (Manifesto Latino-Americano), de 1949; Singer, A mecânica do desenvolvimento econômico, de 1952; Lewis, O desenvolvimento econômico com oferta ilimitada de mão de obra, de 1954; Perroux, O conceito de polos de crescimento, de 1955; Agarwala e Singh, A economia do subdesenvolvimento, de 1969. ↵ 29) A teoria da modernização corresponde à percepção de que processos de modernização econômicos produzem mutações sociais, que por sua vez levarão à participação política e implementarão as instituições democráticas. Assim, a modernização nasceria na economia e teria seu corolário nas instituições políticas. Autores importantes dessa corrente para o debate latino-americano são Seymour Lipset e Talcott Parsons. ↵

30) Nurske (1957) já havia apontado a gravidade do problema da incapacidade de formação de capital nas economias subdesenvolvidas. Furtado argumenta este aspecto na seguinte linha: o problema do ciclo mercantil-exportador era determinado pela incapacidade de geração poupança interna em função da deterioração crescente de termos de troca, porém a superação desse modelo exigiria aportes significativos de recursos que o sistema não conseguia gerar e que progressivamente perderia ainda mais pela crescente tendência ao seu enfraquecimento. Impedir-se-ia, assim, a chance de superação do subdesenvolvimento pela insuficiência dos recursos necessários para o estímulo à alternativa industrial - este é um elemento precioso na situação de círculo vicioso. ↵

31) “Na medida em que o sistema industrial alcança certo grau de autonomia, seu papel dinâmico atinge maior extensão e complexidade. Quando depende principalmente de si mesmo para abastecer-se de equipamentos, deixa de ser um sistema dependente e logra autonomia de crescimento” (FURTADO, 1958: 33). ↵ 32) “Como a posição do setor agrícola em geral está orientada para a defesa do status quo institucional, com base nas fortes posições que ocupa no poder legislativo, o grupo latifundiário de atuação mais antissocial conseguiu sempre mover-se dentro de uma ampla frente em que seus interesses se confundem com os do conjunto da agricultura e mesmo, de todos aqueles que detêm a propriedade de meios de produção” (furtado, 1964: 127). ↵ 33) Em especial nos círculos cepalinos, ao lado da ideologia desenvolvimentista. ↵

34) Este documento es parte de un trabajo más amplio dedicado al estudio de experiencias y capacidades institucionales para el desarrollo y la implementación de políticas públicas orientadas a las tecnologías para la inclusión social en América Latina. Este proyecto se encuentra actualmente en ejecución dentro del Instituto de Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnología y tiene el respaldo de la Agencia Nacional de Promoción Científica

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y Tecnológica y de la Universidad Nacional de Quilmes y ha sido financiado por el International Development Research Centre (Ottawa, Canadá – Proyecto Nº 105560). En este mismo sentido, este capítulo se ha basado parcialmente en el trabajo publicado: fressoli, m.; s. garrido; f. picabea; a.lalouf; v. fenoglio (2013), “Cuando las transferencias fracasan. Aprendizajes y limitaciones en la construcción de Tecnologías para la Inclusión Social”,Universitas Humanística, 76: 75-95. ↵

35) A nivel internacional el International Development Research Centre - IDRC-Canadá – y la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico – OCDE – han ocupado el lugar de los principales financiadores. A nivel regional, los ministerios y secretarias de ciencia y tecnología (de Argentina, Brasil, Ecuador y Uruguay) han incorporado (en diferente grado) este tema en sus agendas. En Argentina (RedTisa) y Brasil (RTS) redes de investigadores, practitioners, ONG, cooperativas y programas públicos de ciencia y tecnología se han desplegado con diferente éxito (en este sentido, la RTS fue cerrada en 2012). ↵ 36) Es posible definir las Tecnologías para la Inclusión Social – TIS como formas de diseñar, desarrollar, implementar y administrar soluciones tecnológicas a los problemas sociales y ambientales (thomas, 2009 y 2012). Ahora bien, en términos analíticos, la noción de TIS es un concepto general que incluye diferentes posiciones teóricas y políticas, a saber: "Tecnologías Apropiadas"; "Tecnologías Intermedias"; "Tecnologías Alternativas"; "Innovaciones Sociales"; “innovaciones de base"; "Tecnologías Sociales" y "Base de la Pirámide". ↵

37) Existe una gran cantidad de grupos de investigación que han desarrollado prototipos de soluciones en laboratorio sin llegar nunca a ponerlas en práctica. Véase por ejemplo el mapa de tecnologías para la inclusión social de la RedTisa en www.redtisa.org ↵

38) En sociología de la tecnología existen varias definiciones de marcos de producción de conocimientos y tecnologías. En este texto nos basamos principalmente en la noción de marcos tecnológicos de Bijker (1995). ↵ 39) El mismo se expresa en dos sentidos: la disponibilidad y la calidad. El proceso de consolidación de la economía agrícola en los cursos medios de los ríos cuyanos provocó una reducción del volumen de agua que irrigaba la región de Lavalle. El río Mendoza, que hace 100 años desembocaba en las lagunas de Guanacache, está seco desde la localidad de La Asunción ubicada a 45 kilómetros de la cabecera del departamento, Villa Tulumaya (PASTOR et al, 2005:136) . ↵

40) En el año 2008 el grupo Cliope inició una experiencia de desarrollo de dispositivos solares -destiladores, hornos y secaderos- para su instalación en asentamientos rurales aislados del departamento de Lavalle (grupo cliope, 2010a y b). El proyecto, llamado “Sostenibilidad social, económica y ambiental mediante transferencia de tecnologías que aprovechan las energías renovables”, fue financiado por el Fondo para el Medio Ambiente Mundial - FMAM y se llevó a cabo entre los años 2008 y 2010 bajo la administración del PNUD. Concebido por sus promotores como una operación de transferencia de tecnología, el objetivo principal del proyecto fue “(…) abordar la provisión de agua potable, cocción y conservación de alimentos aprovechando el recurso solar en comunidades aisladas del secano de Lavalle” (GRUPO CLIOPE, 2010b:1). ↵

41) En este proceso se destaca el papel de los técnicos del PSA en la identificación de potenciales receptores a partir del relevamiento de necesidades. ↵

42) La gran mayoría de la población del desierto lavallino se auto-reconoce como Huarpe. Esto significa que se consideran descendientes de los antiguos pobladores del territorio, agricultores sedentarios establecidos en la región antes de la llegada de los españoles. ↵

43) Ambos directivos compartieron trayectorias profesionales asociadas al trabajo con los productores familiares medianos y pequeños en el Programa para Productores Familiares y el Programa Cambio Rural - el Inta - , y fueron representantes argentinos en el Procisur cuando se definió el fortalecimiento de las nuevas líneas estratégicas: la Agricultura Familiar y la Agricultura Orgánica como objetivos de política tecnológica regional en el año 2004. A su vez, entraron en contacto con algunos dirigentes agrarios y representantes de organizaciones sociales como el Centro Ecuménico de Educación Popular – Cedepo – para conocer la perspectiva sectorial. ↵

44) El territorio representa una conjunción de “cosas y relaciones” (Milton Santos), un objeto complejo que existe en la medida que nosotros – sujetos – lo construimos. Un territorio es un espacio geográfico caracterizado por una base de recursos naturales específica, una historia y cultura

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propias, un conjunto de relaciones sociales, instituciones y formas de organización que conforman interactivamente un entramado socio institucional y determinan formas particulares de producción, intercambio y distribución. Estas características imprimen a cada territorio una identidad que lo hace único y ponen de relieve que el territorio no es un mero soporte físico de recursos y actividades económicas, sino una compleja construcción social producto de interrelaciones y decisiones de los actores (INTA/PNADT, Documento de trabajo N° 1; Cittadini, s/d). ↵

45) El nuevo Director había participado de la comisión ad hoc que redactó el Documento de Base y tenía experiencia en la intervención con pequeños productores en el Proyecto Minifundios. ↵ 46) El concepto de “validación” está presente en el Inta desde la década del ´80, y refiere al proceso por el cual los técnicos junto a productores verifican el funcionamiento técnico de artefactos o técnicas. ↵

47) Para un análisis de las limitaciones de los enfoques de Tecnologías Apropiadas véase SMITH; FRESSOLI; THOMAS (2013) FERNÁNDEZ-BALDOR; HUESO; BONI (2012) ↵

48) Para una discusión del encuentro sobre los espacios de conocimiento como el locus para la negociación de conocimientos científico y conocimiento tradicional véase Turnbull (2000). En particular, Turnbull utiliza la noción deleuziana de ensambles de conocimiento ↵

49) En los últimos años se ha producido un creciente interés en las formas de participación pública en la resolución de controversias y aún en el diseño de artefactos (Véase por ejemplo leach; scoones; wynne, 2005). Sin embargo, como sugiere Hess (2007: 235), los esquemas de participación del público en estas actividades no aseguran que se produzcan procesos de co-construcción de conocimientos. ↵

50) Não confundir com Amazônia Legal criada em 1953 e ainda vigente, definida em termos administrativos e para fins de planejamento econômico e social, que ocupa quase dois terços do território do Brasil e possui 14% do total de sua população. Vale lembrar que ainda possuem porções amazônicas, ainda que em menor grau, o Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa). ↵

51) Só a Amazônia brasileira é igual a Alemanha, França, Itália, Espanha, Inglaterra, Portugal, Holanda, Áustria, Bélgica, Suíça, República Checa, Eslováquia, Bósnia-Herzegovina e Albânia somados. A Ilha de Marajó, que fica na embocadura do Rio Amazonas, tem área equivalente a alguns países europeus como a Suíça, a Holanda ou a Bélgica. ↵ 52) Decreto-Lei 1.106/70 (disponível em: ; acesso em 13 set. 2013). Um dos signatários deste documento legal, o todo poderoso ministro do Planejamento de então João Paulo dos Reis Velloso, bradava que “se progresso é poluição então vamos poluir” apud miyamoto, 2008: 72. ↵

53) “A tutela corresponde a uma manifestação específica do papel militar na preservação da ordem social num momento em que a corporação castrense não se encontra no exercício do poder de Estado, sem no entanto haver perdido a importância orgânica no conjunto dos órgãos do Estado” (oliveira, 1987:61). ↵

54) A crise de identidade sucintamente poderia ser descrita como uma mudança no rol de questões ligadas às condições institucionais, materiais e políticas vinculadas ao seu preparo anterior. A obsolescência das clássicas Hipóteses de Guerra (guerra global, subversiva e regional), a extinção da bipolaridade que norteava a disposição geopolítica das nações, o novo papel de potência hegemônica agora representado pelos EUA, as constantes proposições de redução dos efetivos militares de países como o Brasil e o revigoramento da dicotomia “Norte-Sul” em substituição à divisão anterior do mundo entre Ocidente “democrático” e Oriente “comunista”, informaram de forma mais ampla a marcha desse processo. ↵ 55) Disponível em: ; acesso em 4/3/ 2013. ↵ 56) Disponível em: ; acesso em 24 set. 2013. ↵

57) Para detalhes, cf. http://www.ccomgex.eb.mil.br/index.php/pt_br/?option=com_content&view =category&layout=blog&id=82&Itemid=494; acesso

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em 11 out. 2012. ↵

58) Refiro-me particularmente aos textos da Política Nacional de Defesa - PND), da Estratégia Nacional de Defesa - END e do Livro Branco de Defesa Nacional - LBDN, aprovados pelo Decreto Legislativo 373, de 25 de setembro de 2013. Para detalhes dos mesmos, ver Ministério da Defesa, 2013. ↵ 59) A pocos meses de la visita del presidente Getulio Vargas a Paraguay en 1941, el Banco do Brasil abre oficialmente su primera agencia en el país. ↵

60) Este territorio fue “cedido” a la Argentina como resultado de la derrota paraguaya en esta guerra (1864-1870), y se extiende desde el río Bermejo al río Pilcomayo. Al momento de iniciarse el conflicto con Bolivia, esta franja de frontera – ya Argentina – con Bolivia y Paraguay, tenía menos de 60 años de pertenencia al citado país. Varias generaciones de argentinos aun exudaban una cultura paraguaya. ↵

61) Las presentaciones realizadas durante dicho seminario, serán editadas en un libro a ser publicado por la Universidad Nacional del Este a fines de 2014. ↵ 62) Una síntesis de estas tensiones positivas, está expresado en el acuerdo entre ambos países del 25 de julio de 2009. Ver texto completo de dicha declaración de presidentes en: Enríquez Gamón, E, s/f, Asunción. Se efectivizó en la Ley No. 3923 del año 2009. ↵

63) El Tratado de Yacyreta con Argentina fue firmado a fines de 1973, pocos meses después de la firma del Tratado de Itaipu con Brasil. Tiene una potencia instalada de 3.200 MW. Ver: http://www.yacyreta.org.ar/index.php?option=com_content&task=view&id=312&Itemid=92 ↵

64) Las dificultades del proceso de integración se vinculan a las disputas de poder para fortalecer su posición en el sistema internacional, a los condicionamientos políticos de los gobiernos de turno y a la lógica de actuación inter-gubernamentalista. Esta combinación de factores obstaculiza tanto la plena institucionalización de la integración, como el desarrollo de una visión regional en la agenda de la integración (CAETANO; VÁZQUEZ; VENTURA, 2009; SARTI, 2011). ↵ 65) Proyecto IPPDH-Focem “Construyendo una Infraestructura para la protección y Promoción de los Derechos Humanos del Mercosur” (MERCOSUR/CMC/DEC. nº44/12) ↵

66) La decisión adoptada por Mercosur establece que el IPPDH tiene su sede en las instalaciones de la antigua Escuela Mecánica de la Armada – Esma, que se han convertido en un espacio de memoria, verdad y justicia con relación al terrorismo de Estado padecido en la Argentina entre mediados de la década del 70 y principios de la década del 80. ↵

67) Se denominó Operación Cóndor a la alianza represiva que llevaron adelante las dictaduras de la región en 1975, que implicó la puesta en funcionamiento de una compleja infraestructura clandestina para el intercambio de informaciones, la persecución, ejecución y desaparición de personas. Para mayor información ver el acervo documental referido a las coordinaciones represivas en el Cono Sur, desarrollado por IPPDH: http://www.ippdh.mercosur.int/ArchivoCondor ↵ 68) Atualmente, a Bolívia está em fase de adesão. ↵ 69) Para mais informação, ver http://alba-tcp.org/. ↵ 70) Para mais informação, ver http://www.unasursg.org/. ↵ 71) Para mais informação, ver http://www.celac.gob.ve/. ↵

72) O Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política, estabelecido no Rio de Janeiro em 1986, conhecido como Grupo do Rio atuou tradicionalmente na consolidação da democracia. Sua relação com a Calc é natural, uma vez que, por ser um foro de discussão política, o Grupo do Rio sempre prescindiu de atuação mais aprofundada na área econômica e de formas institucionalizadas de cooperação. ↵

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73) Faz-se importante recordar que nesse momento, a presidência temporária da Calc era venezuelana. ↵

74) A Cúpula das Américas é uma instância criada por (e para) a OEA e responde a suas diretrizes principais: tratar de garantir a hegemonia estadunidense na América Latina. Suas reuniões iniciaram a partir da solicitação de Bill Clinton de permitir um clima favorável na região para a aprovação da Área de Livre Comércio das Américas – Alca. ↵

75) O presidente Rafael Correa já havia manifestado sua intenção em não participar, quando da última reunião da Alba, realizada em Caracas. Posteriormente, referendou sua posição, ao comunicar previamente em uma carta pública, os motivos da sua ausência em Cartagena (Colômbia). ↵ 76) Tradução livre. ↵ 77) Tradução livre. ↵ 78) As Comissões do Parlandino são: política exterior e relações parlamentares; educação, cultura, ciência, tecnologia e comunicação; segurança regional e sustentabilidade; e de assuntos sociais. ↵

79) São elas: Conselhos Assessores (Conselhos Eleitorais, Conselhos Aduaneiros, etc.), Comitês (Comitê Andino de autoridades de Transporte Aquático, Comitê Andino de Autoridades Ambientais, Comitê Operativo de Plano andino para a Prevenção, Combate e Erradicação do Tráfico Ilícito de Armas, etc.), Grupos Assessores e de Especialistas, e Mesas (Mesa do Povo Afrodescendente da Comunidade Andina). ↵ 80) Dela trataremos na parte II desse trabalho. ↵ 81) Recentemente a Juíza federal Shira Scheindlin considerou inconstitucional a prática policial conhecida como stop and fisk (pare e reviste) praticada em N.Y. Ver o globo, Caderno Internacional, 13/08/2013: 29. ↵

82) Fernando Haddad, cientista político e professor universitário na USP, foi ministro de Educação no Governo Lula, e hoje é prefeito (eleito) da cidade de São Paulo. ↵

83) Países com governos progressistas, geralmente eleitos a partir do final da década de 1990 e do 11 de Setembro de 2001, após a onda neoliberal que tomou conta da região após a Queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. ↵ 84) Ver texto de Cepêda e Gumiero na parte II deste livro. ↵

85) Casa Joven La Salle es un Centro de Día para Jóvenes en riesgo de exclusión situado en Mariano. Acosta 5820, González Catan, Partido de La Matanza. ↵

86) Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, organizado e comentado por Oscar Macedo Soares, Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1907. ↵ 87) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. ↵ 88) Só admitido no Brasil após emenda na legislação civil, aprovada em 1977! ↵ 89) Relatório do Ministro da Justiça e dos Negócios Interiores, 1891. ↵ 90) Esta versión en lengua castellana contiene la traducción libre de todas las citas en portugués del texto original. ↵

91) Consta, no entanto, que até aproximadamente 2003 a necessidade de formação de um corpo técnico especializado em assuntos culturais, a

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organização de uma rotina própria do órgão, e a institucionalização da política a ser adotada marcaram a existência da instituição, dotada apenas de uma secretaria itinerante e sem um orçamento anual fixo. Em 2006, o “Diagnóstico sobre o Desempenho do Mercosul Cultural”, apresentado durante a XXIII Reunião do Comitê Regional do Mercosul Cultural, pelo Ministério da Cultura do Brasil - MinC, concluiu que “dois desafios estruturais” persistiam desde a criação do órgão: a descontinuidade das políticas acordadas e as assimetrias sistêmicas inerentes ao bloco. ↵

92) Dentre as ações previstas pelo Mercosul Cultural na ata de Canela, da Primeira Reunião de Ministros de Cultura do Mercosul, realizada na cidade de Canela, Rio Grande do Sul, nos dias 2, 3 e 4 de fevereiro de 1996, foram definidas as seguintes metas, com destaque para o projeto de criação de um Centro de Documentação e Pesquisa; do Museu das Missões, em San Miguel (Brasil); o projeto argentino da construção de três Centros de Interpretação e Apoio nas Missões Jesuíticas de San Ignácio, Santa Ana e Loreto; cursos capacitação (organizados pela Argentina e pelo Brasil) sobre Projetos Culturais para o Mercosul; cursos de capacitação sobre Gestão e Administração do Mercosul; desenvolvimento de redes nacionais de informação cultural entre os países mercosulenhos e integradas no SICLaC (Sistema de Informação Cultural da América Latina e do Caribe); apoio a projetos de informatização dos países Parte ante os organismos internacionais, considerando-os de interesse comum; criação de um Centro de Documentação Musical do Mercosul (iniciativa uruguaia); promover o avanço de estudos sobre os Direitos Autorais; promover o funcionamento da Casa de Cultura do Mercosul em Colônia (Uruguai) e a criação de outras similares; garantir a circulação de escritores e artistas, em prol da difusão cultural e da formação de jovens talentos (cabendo a cada país os custos de transporte e remuneração de seus artistas e ao país anfitrião a organização da programação, o alojamento e a manutenção dos artistas a receber; a coedição anual (Argentina-Brasil) de dez títulos de literatura brasileira para distribuição no Mercosul e a publicação para os países do Bloco, de dez títulos da coleção “Gênio e figura de escritores do Mercosul”; realização de uma exposição itinerante (proposta argentina) de cem obras de artistas plásticos do Mercosul; realização do Programa Magallañes (proposta argentina para 1996-2005) de caráter integrador da consciência histórica dos povos do Mercosul; instituição de prêmios (proposta argentina) para diferentes setores da área da cultura; instituição de prêmios para jovens talentos da cultura; recomendação de inclusão de temáticas sobre estatísticas e indicadores culturais como temas de cursos a serem organizados pelo Mercosul cultural (com vistas à preparação de um censo cultural, com respaldo da Aladi); adotar o Dia [17 de setembro] do Patrimônio Cultural (comum a todos os países do Bloco); patrocinar realização de seminários sobre o imaginário cultural do Cone Sul; produzir obras de meia-metragem da Federação de Escolas de Imagem e Som da América Latina; incorporar a oferta brasileira de oferecimento de vagas para cursos de curta duração em escolas de circo, de artes cênicas, e de restauro de bens culturais em geral. ↵ 93) Por diplomacia cultural define-se não só as ações do Estado, mas também a de agentes civis engajados em projetos do Estado ou em projetos que beneficiem o Estado, que visam organizar, patrocinar, realizar, ou supervisionar ações no âmbito da cultura que beneficiarão o país de origem, ou seus cidadãos, na organização, realização, difusão ou consumo de bens ou de serviços culturais. Cf. LESSA, 2002. ↵

94) O tema da Cultura na Integração vem sendo especificamente alimentado por pesquisas multidisciplinares, de pesquisadores de diferentes origens e realidades, que sempre somam nos nossos trabalhos apresentados, no FoMerco, no Grupo de Trabalho – GT “A dimensão da Cultura numa perspectiva latino- americana: identidade, patrimônio, indústria e gestão cultural”. ↵

95) O orçamento foi fixado em US$ 1 milhão e cada país membro contribui proporcionalmente de acordo com seu PIB. O Conselho do Mercado Comum, que instituiu o Fundo, anunciou que os países contribuirão na seguinte proporção: Argentina, 27%; Brasil, 70%; Paraguai, 1%, e Uruguai, 2%. O Fundo foi aprovado inicialmente pelos Congressos da Argentina e do Uruguai, mas somente em 2014 o Congresso brasileiro aprovou a contribuição brasileira. ↵ 96) Com o seguinte organograma: Comité Coordenador Regional (CCR), Secretaria do Mercosul Cultural - SMC, Comissão do Patrimônio Cultural CPC, Comissão da Diversidade Cultural - CDC, Comissão de Economia Criativa e Indústrias Culturais - Cecic, Fórum do Sistema de Informação Cultural do Mercosul - Sicsur. ↵

97) Nesse sentido, os seguintes dados do MinC, de 2009, revelam números espantosos sobre o consumo da cultura no país: apenas 13% dos brasileiros frequentam alguma vez no ano uma sala de cinema; 92% nunca frequentaram um museu; 93,4% jamais frequentaram uma exposição de arte; 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança; mais de 90% dos municípios não possuem salas de cinema, teatros, museus ou espaços culturais multiuso; o brasileiro lê em média 1,8 livros per capita/ano (contra 2,4 na Colômbia e 7 na França, por exemplo); 73% dos livros estão concentrados nas mãos de apenas 16% da população nacional; dos cerca de 600 municípios que nunca receberam uma biblioteca, 405 estão no

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Nordeste e apenas 2 no Sudeste; 56,7 % dos trabalhadores da área de cultura não têm carteira assinada ou trabalham por conta própria; a média brasileira de despesa mensal com cultura por família é de 4,4% do total de rendimentos, acima da educação (3,5%), não variando em razão da classe social, ocupando a 6ª posição dos gastos mensais da família brasileira. http://www.cultura.gov.br/mais-cultura. ↵

98) Segundo dados da Unesco, por exemplo, o comércio geral de bens culturais passou de U$ 39,3 bilhões em 1994 para U$ 59,2 bilhões em 2002, tendo em 2002, a União Europeia continuado como principal exportador controlando 51,8% do mercado, em decréscimo, no entanto, em relação a 1994, quando detinha 54,3%; seguida da Ásia com 20,6%; dos Estados Unidos, que caiu de 25%, em 1994, para 16,9% em 2002; da América do Sul e do Caribe, que subiram de 0,8% em 1994 para 3% em 2002; da África e Oceania, com apenas 1%. Os mesmos números apontam ainda que do ponto de vista das importações os países com altos índices de desenvolvimento são responsáveis por 90% do mercado consumidor: os EUA lideram essa posição, seguidos do Reino Unido e da Alemanha. Em 2003, 45,1% das importações brasileiras de bens culturais de base eram provenientes dos Estados Unidos (28%), do Reino Unido (16,3%), e da América Latina e Caribe (14%). Em 2003 os números de importação/exportação na balança brasileira revelavam o mesmo desequilíbrio registrado em 1994, o registro anterior ao de 2003: importação US$ 105,7 milhões e exportação US$ 56 milhões. Unesco, 2005: 10 e 33. http://www.uis.unesco.org/Library/Documents/culture05_fr.pdf ↵

99) A CIC foi criada para garantir a cooperação horizontal entre os Estados, de forma a promover as relações culturais entre os países participantes, contribuir para a proteção e desenvolvimento da diversidade cultural sustentável e informar, qualitativa e quantitativamente, o Observatório Interamericano de Políticas Culturais de forma subsidiar as Reuniões Interamericanas dos Ministros da Cultura e das Altas Autoridades da Cultura do Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral - CIDI, bem como a Comissão Executiva Permanente do Conselho Interamericano do Desenvolvimento Integral - Cepcidi. Desde 2002, encontra-se também em estudo estratégias para a construção dos Sistemas de Informação Cultural CIS, com atividades compartilhadas entre os países. Em 2004, três temas fundamentais de debate: a cultura como geradora de crescimento econômico, emprego e desenvolvimento; desafios das indústrias culturais; a cultura como instrumento de coesão social e combate contra a pobreza. Uma terceira reunião, em 2006, no Canadá, fixou quatro temas para discussão: preservação e apresentação do patrimônio cultural; cultura e criação de trabalho decente e superação da pobreza; cultura e realce da dignidade e da identidade; a cultura e o papel dos povos indígenas (UNESCO, 2005).↵

100) Unesco, 2003. http://www.sedi.oas.org/dec/espanol/.↵

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