A Internacionalização de Empresas Brasileiras de Cosméticos Voltadas para a Classe Média: uma análise de dois casos à luz das proposições teóricas de Uppsala

October 13, 2017 | Autor: Nicolle Nascimento | Categoria: Portuguese and Brazilian Literature, Brazil, Emerging Markets, Internacionalização, Uppsala Model
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A Internacionalização de Empresas Brasileiras de Cosméticos Voltadas para a Classe Média: uma análise de dois casos à luz das proposições teóricas de Uppsala. Nicolle Fiche Seabra Kauffmann do Nascimento1 Karyne Vianna Carmo Gallindo2 Renato Cotta de Mello3 Ariane C. Roder Figueira4 1. INTRODUÇÃO O movimento de internacionalização de empresas é um fenômeno relativamente novo no Brasil, que experimenta uma expansão mais expressiva especialmente a partir da última década (ROCHA & SILVA, 2009), motivadas por um cenário internacional complexo, interdependente e crescentemente globalizado (KEOHANE; NYE, 2001). Essa nova realidade representa desafios diários às empresas brasileiras, tanto para lidar com o aumento da concorrência no mercado doméstico, como também para pensar em crescimento corporativo a partir da expansão dos seus negócios na esfera internacional. O mercado brasileiro de cosméticos, disputado tanto por empresas estrangeiras com atuação global como por firmas domésticas, tem apresentado crescimento, assumindo em 2013 o terceiro lugar no mercado mundial, ficando atrás apenas de Estados Unidos e China, atingindo um faturamento de US$ 43 bilhões (EUROMONITOR, 2014). Uma das razões para isso foi o aumento do consumo nas classes C, D, E, derivada de um cenário doméstico favorável, constituído pela melhora do país na taxa de empregabilidade, pelo crescimento do poder de renda das famílias brasileiras e do aumento da oferta de crédito (IBGE-POF, 2011). Mas não apenas dos indicadores positivos do Brasil o setor vem se beneficiando. A chamada indústria da beleza, segundo Euromonitor (2013), movimentou U$ 454.1 bilhões de dólares em produtos de higiene, perfumes e cosméticos, a nível mundial, configurando-se em um mercado bastante atraente para as empresas buscarem inserção de suas atividades internacionalmente. Assim, o presente estudo tem como propósito analisar o processo de internacionalização de duas empresas brasileiras do setor de cosméticos que atuam no segmento popular do mercado doméstico e internacional – Aroma do Campo e Embelleze. Os casos serão observados sob a ótica dos modelos teóricos comportamentais dos estudiosos de Uppsala, em sua proposição original, que tem demonstrado um poder explanatório bastante significativo desde sua concepção, e em sua proposição atualizada em 2009. A finalidade, com isso é avaliar a maior ou menor aderência conceitual das duas proposições à empiria, considerando, adicionalmente que se tratam de casos imersos em uma realidade de país emergente, diferente da referência contextual de economias desenvolvidas onde foram geradas as citadas proposições. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O modelo de Uppsala é baseado em observações empíricas de estudos da Universidade de Uppsala, na Suécia, onde temos o que hoje é conhecido no meio acadêmico como Escola Nórdica de Negócios Internacionais. O modelo original de Johanson e Vahlne (1977), que é baseado também na teoria comportamental da firma (CYERT; MARCH,1963) e na teoria do 1

Mestre em Administração pelo Instituto Coppead de Administração da UFRJ. Mestre em Administração pelo Instituto Coppead de Administração da UFRJ. 3 Professor do Instituto Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 4 Professora do Instituto Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2

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crescimento da firma de Penrose (1966), tem origem na observação de quatro casos de empresas suecas que desenvolviam suas operações internacionais em ritmo gradual, que avançava a pequenos passos em direção ao exterior. As preposições básicas desse modelo são: a falta de conhecimento sobre os mercados externos, como um obstáculo importante no desenvolvimento de operações internacionais; e o fato de o conhecimento necessário poder ser adquirido, principalmente, por meio de experiência, ou seja, através da efetiva realização de operações no exterior. Estudos anteriores também mostraram que a ordem dos eventos de estabelecimento em um novo país sugeria seu relacionamento com a distância psíquica percebida pelos gestores entre o país de origem da empresa e o estrangeiro (HÖRNELL; VAHLNE; WIEDESHEIN-PAUL, 1972). Tendo isso em vista, os autores Johanson e Vahlne (1977) encontraram dois caminhos possíveis para a predição do processo de internacionalização de uma firma. O primeiro sendo por meio do aumento do envolvimento ou comprometimento da empresa com um país estrangeiro específico (cadeia de estabelecimento dentro de um país); e o segundo sendo o estabelecimento sucessivo de operações em novos países (escolha de novos mercados). Essa chamada “cadeia de estabelecimento” a que os autores se referem é basicamente o caminho percorrido pelas empresas nos nove casos de internacionalização estudados por Hörnell e Vahlne (1972). O padrão observado nesses casos foi uma evolução gradual, para a qual os autores propuseram quatro estágios de desenvolvimento: atividades de exportações irregulares, atividades de exportações por meio de representantes ou agentes externos, estabelecimento de uma subsidiária de vendas no país estrangeiro e a produção/manufatura nesse país. Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) reconhecem que nem todas as organizações seguem os quatro estágios, como é o caso de empresas com muitos recursos, que podem pular os estágios iniciais. O segundo ponto levantado por Johanson e Vahlne (1977) traz à luz os influenciadores do modo de entrada das firmas no mercado externo, levando em conta como eles escolhem o país. Um dos destaques como motivador de escolha é a distância psíquica, que pode ser definida como “... a soma de fatores que previnem o fluxo de informação de e para um mercado. Exemplos desses fatores são as diferenças linguísticas, educação, práticas de negócios, cultura e desenvolvimento industrial” (HÖRNELL; VAHLNE; WIEDESHEIN-PAUL, 1972; JOHANSON; WIEDESHEIN-PAUL, 1975, p. 307). Essa é uma das principais barreiras que firmas com o desejo de se internacionalizar precisam superar e para isso é necessário que se compreendam as razões para uma internacionalização e que tenham o conhecimento e o comprometimento essenciais para tal. Baseado nessa ideia de escolha de países por influência da avaliação da distância psíquica e do comportamento de estabelecimento internacional dentro de um país no nível operacional, Johanson e Vahlne (1977) desenvolveram a teoria que deu origem ao modelo original de Uppsala, conforme representado na Figura 1. Os aspectos de estado são o comprometimento de recursos com mercados externos e o conhecimento sobre o mercado e suas operações no exterior. Os aspectos de mudança são referentes às decisões de comprometimento de recursos e ao desempenho das atuais atividades de negócios. Nesse modelo ambos os aspectos de estado afetam os dois de mudança e viceversa. O modelo assume que o estado de internacionalização afeta as percepções de oportunidades e riscos e, consequentemente, acaba por influenciar as decisões de comprometimento e as atuais atividades da empresa. Nesse modelo, parte-se do pressuposto que a firma busca a baixa propensão ao risco e o lucro no longo prazo, o que equivale ao crescimento da firma de acordo com Williamson (1966). Figura 1: Representação do mecanismo básico de internacionalização – Aspectos de mudança e de estado 2

Aspectos de Estado Conhecimento de Mercado

Comprometimento de Mercado

Aspectos de Mudança

Decisões de Comprometimento

Atividades Atuais do Negócio

Fonte: adaptado de Johanson e Vahlne, 1977, p. 37.

Outro aspecto fundamental contido no modelo é o conhecimento de mercado por parte da empresa, pois para o início das decisões de comprometimento é necessário o conhecimento das oportunidades e riscos que esse mercado apresenta; e a avaliação das possíveis alternativas de negócio, que é baseada nos conhecimentos relevantes sobre aquele ambiente de negócios. Comumente esse conhecimento está relacionado à demanda e ao fornecimento no presente e no futuro, à competição, aos canais de distribuição, às condições de pagamento e à transferibilidade dos recursos financeiros, sendo que esses fatores podem variar de país para país, de tempos em tempos. (Carlson, 1974) Já os aspectos de mudança contidos no modelo (Figura 1) referem-se às atuais atividades de negócios e às decisões de comprometimento de recursos para operações internacionais. Com relação às atuais atividades de negócio, é preciso saber de antemão que existe uma defasagem de tempo entre as atividades desempenhadas e suas consequências para as empresas. Aliás, essas consequências esperadas podem na realidade nem ocorrer, caso as atividades relacionadas não se repitam, como é o caso de muitas ações de marketing, nas quais o impacto nas vendas ao longo prazo dependem de uma ação contínua e de repetições da campanha de marketing e, em alguns casos, essa defasagem de tempo é longa e considerável. Portanto, acredita-se que quanto mais longa e exigente de recursos for uma atividade, maior será o comprometimento da empresa. Diferentes autores afirmam que as atuais atividades também são uma fonte primária para a experiência. Entretanto, um tópico ainda muito discutido é se essa experiência poderia ser adquirida, seja por meio da contratação de pessoas com experiência, por meio de conselheiros também com experiência, por meio da aquisição de outra empresa que possua experiência, por meio de imitação ou através de pesquisas (FORSGREN, 2002). O segundo fator do aspecto de mudança são as decisões de comprometimento de recursos para operações em mercados externos. Para esse modelo, assume-se que tais decisões são dependentes das alternativas que são levantadas e de como elas são escolhidas. O levantamento das alternativas de decisão surge como resposta à percepção de problemas e às oportunidades encontradas no mercado. A definição de problemas e oportunidades, nesse caso, corresponde a ter uma consciência das necessidades e das possibilidades de ação no negócio em questão e isso depende da experiência do profissional, tanto sobre a firma quanto sobre o mercado. O como ou a forma das decisões de comprometimento de recursos analisadas em forma de equação por Johanson e Vahlne (1977) podem ser divididas em dois caminhos: decisões de aumento de escala ou de redução de incerteza. A atitude da empresa perante essa questão vai variar de acordo com o mercado, a economia, o posicionamento da firma frente ao risco entre outros, mas há um padrão em certas decisões. 3

Em resumo, o modelo de internacionalização de Uppsala traz à luz fatores cruciais para o processo de internacionalização: o comprometimento, o conhecimento (com uma grande importância dada à experiência) e a distância psíquica. 2.1.Modelo de Uppsala Revisado (2009) Em 2009, os autores Jonhanson e Vahlne publicaram uma revisão de seu modelo original, desenvolvido em 1977. Dentre os principais motivos apresentados pelos autores para tal revisão constam as mudanças nas práticas de negócios do mundo moderno e os avanços no campo da teoria de gestão internacional. Os ambientes econômicos e regulatórios mudaram drasticamente nesses últimos 30 anos e o conhecimento sobre as complexidades do mercado, antes inicial e rudimentar, desenvolveuse e ganhou novas abordagens teóricas. As formas de entrada das firmas em mercados externos também já não são mais as mesmas. Johason e Vahlne (2009) assumem nessa revisão que o valor dado à correlação com a distância psíquica diminuiu, ainda que “apesar dessa redução, isso não significa que não exista mais impacto no processo, mesmo que indireto” (Johanson e Vahlne, 2009, p.1421). Em suas palavras, “Agora o ambiente de negócios é visto como uma rede de relacionamentos, ao invés de um mercado neoclássico com muitos fornecedores e clientes independentes. O não pertencimento a uma rede importante, mais do que a distância psíquica, é a raiz da incerteza” (Johanson e Vahlne, 2009, p.1411). O comportamento das empresas também foi outra variável que se alterou. Nos últimos anos foram constatadas mais aquisições entre as empresas, os processos de internacionalização estão cada vez mais rápidos, onde muitas das organizações estão pulando etapas da cadeia de estabelecimento proposta originalmente, o surgimento das “born globals” (KNIGHT; CAVUSGIL, 1996), das INV- International New Ventures (OVIATT; MCDOUGALL, 1994) e as joint ventures estão cada vez mais comuns no mundo dos negócios. Diante disso, os autores revisitaram seu modelo de 1977 com o propósito de adaptá-lo a esse novo ambiente e, para isso, Johanson e Vahlne (2009) apoiaram-se fortemente no conceito de business network. Essa nova forma de enxergar os negócios trouxe dois pressupostos importantes para o modelo. O primeiro é que “mercados são redes de relacionamentos nas quais firmas são ligadas entre si de formas variadas, complexas e muitas vezes seguindo padrões invisíveis” O segundo pressuposto é que “os relacionamentos têm potencial de aprendizado e de criação de confiança e comprometimento” (JOHANSON; VAHLNE, 2009, p. 1411-1412). Em suma, os autores assumem que as relações de rede influenciam fortemente as decisões das empresas na seleção de mercados e na forma de entrada das mesmas em determinado mercado, sendo, portanto, ponto fundamental no processo de internacionalização das organizações. Dessa forma, os autores avaliaram que o sucesso de uma firma depende do seu estabelecimento em uma ou mais networks. O trabalho de Coviello (2006), citado por Johanson e Vahlne (2009), foi importante nesse caso, pois em seu estudo foram encontradas evidências da importância de uma empresa estar dentro de uma rede relevante de negócios, ou seja, ser um “insidership in networks” mesmo antes de entrar em um novo mercado ou até mesmo de se formar uma empresa. O trabalho de Johanson e Vahlne (2009) defende que essa preocupação com as redes (“liability of outsidership”) está crescendo tanto que já está tendo mais impacto nas organizações do que a preocupação com o estrangeirismo (“liability of foreigness”). Com essa revisão do modelo de Uppsala de 1977, a leitura das críticas e o conhecimento de novos dados do mercado e de teorias como a de Business Networks, os autores propuseram um novo modelo de internacionalização mantendo as variáveis “aspectos de estado” e “aspectos de mudança”, mas com os conteúdos das mesmas mais afetos ao que os autores chamaram de nova 4

realidade do mundo de negócios, intitulando-o de Business Network Internalization Process Model, conforme exposto na Figura 2.

Figura 2: Modelo do Processo de Internacionalização em Rede de Negócios Aspectos de Estado

Aspectos de Mudança

Conhecimento e reconhecimento de oportunidades

Decisões de comprometimento e relacionamento

Posicionamento na network ou no mercado

Aprendizado, criação de oportunidades e construção de confiança

Fonte: adaptado de Johanson e Vahlne (2009), p. 1424.

Com relação à primeira variável de estado, conhecimento e reconhecimento de oportunidades, a diferença em relação ao modelo original está basicamente nesse segundo ponto. Foi adicionado o reconhecimento de oportunidade no conceito, pois os autores consideraram a oportunidade, um subconjunto do conhecimento, como seu elemento principal. Os outros elementos presentes nesse conhecimento seriam: as necessidades, as capacidades, as estratégias e as networks da firma em questão. A segunda variável de estado também foi alterada. Antes tratava-se de “comprometimento de mercado” e na nova concepção passa a ser “posicionamento na network ou no mercado”, reforçando a importância das redes de negócios para a internacionalização das organizações.

3. MÉTODO DE PESQUISA Este estudo é natureza qualitativa, exploratória, baseada no método do estudo de caso, que propicia ter uma visão aprofundada, integrada, contextualizada e longitudinal do processo de internacionalização de duas empresas brasileiras: Aroma do Campo e Embelleze. Embora esse método inviabilize a generalização estatística dos resultados, ele permite ao pesquisador mergulhar intelectualmente na realidade explorada, sendo adequado para responder perguntas, tais como: “por que” “como” “onde”, “quando”. Além disso, como bem destaca Yin (1994) é um método em que não há controle sobre os eventos, sendo ele também adequado para estudo de fenômenos contemporâneos. Outro destaque para escolha do método é a insuficiência de pesquisas produzidas sobre esse setor no Brasil e, mais particularmente, sobre essas duas empresas, que expressam uma peculiaridade associada - de terem suas atividades direcionadas as classes populares e buscarem esse mesmo público na seara internacional. Diante disso, análises aprofundadas são mais adequadas (CRESWELL, 2004), podendo servir como fonte de pesquisa para estudos científicos futuros. Birkinshaw, Brannen e Tung (2011), também recomendam o uso do método qualitativo, pois esses permitem uma análise mais profunda de temas que exigem melhor 5

compreensão por parte dos pesquisadores, como é o caso, por exemplo, da interpretação dos relacionamentos entre parceiros. Essa escolha do método de pesquisa também é endossada por Ghauri (2004) pelo fato de serem empresas, cujo país de origem não possui um desenvolvimento econômico correspondente à realidade de onde originou o modelo teórico comportamental – Suécia. Segundo esse autor, os estudos qualitativos na área de negócios internacionais são muito importantes por permitirem fazer comparações entre empresas ou modelos de países de culturas diferentes. Esta mesma preocupação é compartilhada por outros estudiosos do temas, tais como: CONDO, 2000; CAVUSGIL, T; DELIGONUL, S; YAPRAK, A, 2005; KUADA, J; SORENSEN, O. J., 2000; RAMAMURTI, R; SINGH, J, 2004; RUGMAN, A. M, 2009 Quanto ao processo de coleta dos dados, foi realizado o método de triangulação, considerando dados primários e secundários provenientes do levantamento bibliográfico em jornais e revistas, documentos internos das empresas e entrevistas semiestruturadas realizadas com gestores da área internacional das mesmas. A triangulação em pesquisas dessa natureza é de suma importância, pois permite minimizar possíveis vieses da fala do entrevistado ou de erros de interpretação do entrevistador (EISENHARDT, 1989). Já para análise desses dados, alguns indicadores foram selecionados, o que permite ter uma visão comparativa dos dois processos, bem como, possibilita dar clareza ao processo de avaliação da aderência das proposições teóricas estudadas com a realidade apresentada. São eles: 1) motivação inicial dominante: demanda do mercado externo, pressão da rede, busca de mercados, orientação internacional; 2) escolha inicial de modos de entrada e propriedade: lógica da distância psíquica, escolha dependente da rede, baixo investimento, qualquer modo; 3) escolha subsequente de modo de entrada e propriedade: controle crescente, tendência a modos compartilhados, qualquer modo; 4) velocidade da internacionalização: lento e gradual, velocidade imposta pela rede, processo rápido; 5) modos subsequentes de operação: de menor a maior comprometimento, dependentes da rede, qualquer modo; 6) motor da internacionalização: auto-alimentação ou interdependência. 4. O SETOR DE COSMÉTICOS NO BRASIL É possível observar que no Brasil, o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC), também conhecido como indústria da beleza (JONES, 2010), é um dos que mais cresce no país se compararmos com o de crescimento médio da indústria e do PIB brasileiro em 2013 (CNI, 2013). Não só nessas mais recentes previsões, mas nos últimos anos o país também tem apresentado baixos índices de crescimento e mesmo assim o setor de HPPC vem mantendo um crescimento médio de 9,8% a.a., contra 3% do PIB e 2,2% da indústria em geral (IBGE; BC; ABIHPEC, 2014)5. Em comparação com o mercado mundial, o Brasil ocupa a terceira posição no ranking desde 2006, com aproximadamente 10% de market share, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China (Euromonitor, 2014). Até o ano de 2013, era o Japão quem estava em segundo lugar, mas no final de 2013 já ocupava a 4ª posição graças a desaceleração de seu mercado e ao crescimento rápido do mercado chinês. A 3ª posição mantida pelo Brasil é resultado do crescimento do consumo doméstico, cujas vendas sextuplicaram em valor, no período compreendido entre os anos de 1996 e 2011 (Abihpec6, 2012). Com um faturamento superior a 5

ttp://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2013/07/04/interna_internacional,417242/industria-reduz-a-2previsao-de-crescimento-do-pib-para-2013.shtml 6 A sigla ABIHPEC, é referente à Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, que representa o setor fabricante desses produtos nacional e internacionalmente pautada pela defesa das Boas Práticas de Fabricação, resguardando a segurança dos consumidores.

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US$ 43 bilhões em 2013 (preços ao consumidor), o que equivale a 1,7% do PIB, o Brasil registrou um crescimento percentual de 2,7% nesse ano, sendo esse número superior à taxa de crescimento mundial do mercado que foi de 1,7% (Euromonitor, 2014). Especialistas apontam que o aumento da renda dos extratos mais baixos da população brasileira, a maior participação da mulher no mercado de trabalho e o lançamento constante de novos produtos por parte das empresas do setor, seriam elementos que permitiram a expansão do mercado nacional. Além disso, outro fator que pode justificar esse crescimento do setor é a postura das empresas do ramo perante seus investimentos em P&D. Segundo a consultoria Booz&Co. (Anuário ABHIPEC, 2012), a média de investimentos da indústria brasileira em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços é de 0,7% do seu faturamento. Ao analisarem o setor de HPPC, essa mesma empresa de consultoria observou que a média de investimentos chega a 2% de seu faturamento. Além disso, o investimento em ativos e marcas também vem crescendo no setor, sendo que dos R$ 13,6 bilhões aplicados em 2012, R$ 3,3 bilhões foram em ativos, R$ 800 milhões em pesquisa e desenvolvimento e R$ 9,5 bilhões em fortalecimento da marca. No que diz respeito ao comércio internacional do setor, observa-se que nos últimos dez anos houve um crescimento acumulado de 165,3% nas exportações brasileiras e de 597% das importações de produtos de HPPC (Aliceweb, 2014), sendo que o crescimento médio anual desses últimos dez anos foi composto por 10,2% a.a. nas exportações e 21,4% a.a. nas importações. Os principais países de destino dessas exportações brasileiras, em 2013, foram os da América Latina, com destaque para Argentina, Chile, México e Colômbia. Destaque-se que apesar de o Brasil ter exportado para um total de 140 países, os 10 maiores mercados de destino representam 80% das exportações brasileiras, sendo que os principais produtos exportados no ano de 2013 foram: produtos para cabelos com 20% das exportações, lâminas e produtos para barbear, com 19% e produtos de higiene oral com 16%, de acordo com o panorama da ABIHPEC de 2014. 5. A TRAJETÓRIA DOMÉSTICA E INTERNACIONAL DA EMBELLEZE7 A empresa nasce em 1969, na cidade de Nova Iguaçú, no estado do Rio de Janeiro com o nome Kalu Produtos de Beleza do Brasil Ltda, sendo seu produto principal no período o alisante Henê Kalu. A empresa ainda se chamou Ebony até adotar sua marca atual Embelleze. O empreendedor Itamar Serpa foi seu fundador e é o atual presidente da empresa. O objetivo da empresa é atuar na indústria da beleza, com o foco direcionado para as mulheres de mais baixa renda, das classes consumidoras C, D e E (direcionamento de públicoalvo não explícito). Seus principais produtos foram inicialmente o creme de hidratação Mocotó, sendo seguido da tintura para cabelo Maxton, que no ano de 1993 ganhou grande expressão, alavancando a marca nacionalmente. Mais recentemente, em 2005, o creme Novex torna-se seu principal produto, trazendo linhas com os mais variados ingredientes como: óleo de argan, óleo de ojon, óleo de coco, broto de bambu etc. A empresa além de atuar nos segmentos de tratamento, coloração e transformação de cabelos, também atua com outros modelos de negócios, tais como: a escola, a academia de práticas profissionais em beleza e boutique para seus produtos.

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Informações do item extraídas da entrevista concedida por Itamar Serpa (presidente da empresa em 2013) François Pierre Menjoulou (representante da área internacional da empresa em 2013) ao Núcleo de Pesquisas em Internacionalização de Empresas do Instituto Coppead de Administração entre os meses de fevereiro e abril de 2014.

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A expansão no território nacional da marca foi resultado da estratégia de marketing da empresa, que se utilizou, a partir de 1999, de programas de televisão populares, para demonstrar “ao vivo” os efeitos de seus produtos nos cabelos femininos. A marca ainda apostou na presença em novelas, atribuindo o mesmo nome do produto com o de personagens da trama (Monalisa de “Avenida Brasil”). Os resultados desses investimentos em imagem foram percebidos logo. Em 2009, a marca obteve 34,1% de market share no mercado brasileiro de transformação de cabelos. Já no que se refere à área internacional da empresa, a mesma tem apresentado expansão, sendo que no final de 2008, o faturamento dessa área era de R$ 257 mil dólares, enquanto que em 2013 foi de U$ 23 milhões de dólares. Os principais produtos vendidos no exterior são: o Novex (creme capilar), que representa 90% do faturamento e os demais 10 % divididos entre os produtos Maxton (coloração), Hair Life (alisamento) e Sempre Bela (shampoo). Essa expansão é resultado de uma estratégia mais assertiva da empresa no direcionamento de suas atividades no exterior. Para isso, contratou um especialista na área de comércio exterior – François Pierre Menjoulou, com experiência na L’Oreal Paris por 16 anos. A empresa conta ainda com uma equipe dedicada à área internacional de 34 pessoas, de um total de 1.417 funcionários. A primeira experiência da empresa no mercado internacional foi com Portugal entre os anos de 1999 e 2000, cuja oportunidade de negócio surgiu através de uma feira especializada – BeatyFair através da iniciativa de seu presidente, Itamar Serpa. A motivação inicial se deu em virtude de ser um país onde se fala o mesmo idioma do Brasil, o que aparentava ser mais fácil a inserção neste mercado através da exportação. A ideia era a partir daí se expandir para outros países lusófonos tais como Angola, Moçambique e Cabo Verde. Vale ressaltar que a partir de 2009, a empresa abre uma filial em Portugal, com o objetivo de atender 27 países da União Europeia. Esse mesmo movimento de 2009 com abertura de filial ocorre para os Estados Unidos (Miami) onde a empresa percebeu um potencial de expansão. Embora com dificuldades iniciais de adaptação nesse mercado, com destaque para o idioma, forma de comunicação com o público-alvo, tamanho adequado das embalagens dos produtos, a empresa ainda mantém suas atividades neste mercado. A Venezuela foi outro país em que a empresa resolveu apostar em 2005. Inicialmente através de um contato em uma feira especializada realizada em São Paulo desenvolveu uma parceria de distribuição para este país, que depois evoluiu para um distribuidor exclusivo e finalmente para uma sociedade. Como relata François Menjoulou, esses movimentos de expansão internacional e conhecimento do mercado alheio devem ocorrer aos poucos. Essa nova sociedade rendeu à empresa a abertura de mais três filiais (Venezuela, Colômbia e Panamá), além de resultar na expansão das exportações para 14 países andinos. Em termos financeiros essa sociedade tem expressado um faturamento em torno de 30 milhões de dólares. François Menjoulou aponta para um dos fatores de sucesso a imagem da beleza brasileira na região, além da empatia do país, ou seja, “o grande desafio futuro para ele não é procurar países que se assemelham mais ou menos com o Brasil, mas que enxergam maior valor nele”. Em relação ao futuro, a empresa tem como objetivo expandir suas atividades internacionais a começar pela abertura de uma fábrica na Venezuela em 2014, pois além de estar apresentandose como um mercado importante, tem menores custos de mão de obra e infraestrutura quando comparado ao Brasil, além de facilitar a distribuição de mercadorias para os países andinos.

Figura 3: Linha do tempo do processo de internacionalização da Embelleze

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1999

2005

2005

PORTUGAL

VENEZUELA

PANAMÁ

2000

2005

2009

PAÍSES DA COSTA OESTE AFRICANA

COLOMBIA

EUA

Fonte: Elaborado pelos autores com dados fornecidos pela empresa

6.

A TRAJETÓRIA DOMÉSTICA E INTERNACIONAL DA AROMA DO CAMPO8

A empresa Aroma do Campo foi fundada em 1986 e instalada fisicamente na cidade de Nova Iguaçú, no estado do Rio de Janeiro. Seus sócios fundadores foram os empresários Itamar Serpa, Antônio Carlos Bernardes Gomes e Samuel Fernandes, sendo que este último havia sido diretor geral da Embelleze, ou seja, com experiência em atuar nesse setor e segmento de mercado. O objetivo geral da empresa é produzir e comercializar produtos de beleza, com foco primário no tratamento dos cabelos, visando unir qualidade e inovação com baixo preço, atendendo com isso especialmente o mercado consumidor das classes C, D e E. A aposta conceitual da empresa é explorar a diversidade étnica brasileira, oferecendo produtos direcionados para diferentes tipos de cabelos brasileiros, bem como uma linha específica para tratamento de cabelos afrodescendentes (cachados ou crespos). A trajetória da empresa tem apresentado um rápido crescimento, sendo que em 1993 já contabilizava um faturamento 7,2 milhões de dólares por ano. A empresa também experimentou nesta mesma fase uma expansão de portfólio, envolvendo loção para dourar pêlos, creme alisante e tintura em creme para cabelos, potencializando sua inserção no mercado doméstico, migrando de uma atuação regionalizada para uma imersão nacional. Vale ressaltar deste contexto a aquisição em 1993 de Samuel Fernandes da participação de Serpa na sociedade, passando a ser o sócio majoritário. Mais de uma década depois, em 2009, a Aroma do Campo adquiriu a empresa Vita-A nascendo, com isso, o grupo IMS Beauty Company. Houve a partir daí uma expansão ainda maior do portfólio, passando a reunir os produtos em três principais categorias: coloração9, tratamento10 e transformação11. Assim, em 2011 a empresa apresentou um faturamento anual de 150 milhões de reais e com um total de 845 funcionários. Dentre sua diversidade de produtos, destacam-se a tintura em creme Luminous, Bioton Extreme e pela linha de transformação Alisa e Tinge, representando 34%, 6,5%, 4,53% do faturamento da empresa respectivamente. No que se refere ao processo de internacionalização, a empresa deu seu primeiro passo em 1996 para Portugal que, através da participação em uma grande feira de cosméticos CosmoProf 8

Informações do item extraídas da entrevista concedida por Samuel Ferreira Fernandes presidente da empresa, em 2012, ao Núcleo de Pesquisas em Internacionalização de Empresas do Instituto Coppead de Administração. 9 Bioton Teen, Luminous, Nossacor Tintura em pó, Brilhancy Cinza e Pó Descolorante Luminous 10 Fio & Pontas, Fio & Pontas Salon, Bio H2O, Arovitan Clinical, Escovas Termo ativadas, Aroma do Campo. 11 Alisa e Tinge, Escova Inteligente, Alisamento Blindado com Tioglicolato, Alisamento com Guanidina, Henêlisa, Henê da Amazônia

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em Bologna na Itália, estabeleceu relações comerciais com um distribuidor local de Portugal – Diamantino Viegas, responsável por inserir os produtos da Aroma do Campo neste mercado. Em seu depoimento Samuel Ferreira Fernandes, atual presidente da empresa, relatou que as negociações ocorreram de forma rápida. O próximo passo dado pela empresa em sua expansão internacional foi para o mercado dos Estados Unidos em 2000. Lá houve uma entrada de forma mais assertiva, ou seja, através de uma filial, com um a equipe de vendas, escritório e centro de distribuição próprio em Miami. No entanto, embora tenha realizado adaptações dos produtos, a empresa não foi bem sucedida na empreitada, devido ao baixo conhecimento sobre as especificidades deste mercado, o que a levou a recuar deste movimento após um ano, acarretando um prejuízo de cerca de 250 mil dólares. Contudo, a Aroma do Campo não deixou de se movimentar internacionalmente devido a esse episódio. Honduras foi seu próximo destino, através de uma parceria com uma empresa local realizada através de uma estratégia direta de venda. A parceria manteve-se por apenas dois anos (2001/2002), pois a Aroma do Campo passou a encontrar dificuldades na operação, já que eram requeridos muitos itens específicos, com rotulagem e embalagem diferenciadas, tornando o acordo inviável. Em 2004, por sua vez, a empresa ingressa no mercado francês através de um acordo com a rede de supermercados Carrefour, que passou a comercializar os produtos da linha Afro. O sucesso dos mesmos atraiu outras redes para a compra, como Auchan e E.Leclerc. Em 2006, os produtos da Aroma do Campo eram vendidos na França também na rede de lojas de departamentos El Corte Inglês. Mais recentemente, em 2011, Aroma do Campo chega ao mercado venezuelano através de um de seus distribuidores em Boa Vista – Roraima, relacionamento também iniciado na feira internacional de Bologna. Os produtos foram um sucesso no país, o que segundo o relato de Samuel S. Fernandes foi uma surpresa para a empresa. Para ele, as explicações para isso estão: 1) no baixo preço do produto, chegando a custar na Venezuela cerca de R$ 1,99; 2) atraso nas informações sobre tratamento capilares, ou seja, o que já está defasado no Brasil, lá é novidade. O entrevistado cita o exemplo dos produtos a base de queratina que no Brasil já é moda há cinco anos, enquanto lá está emergindo como tendência. Por fim, vale ressaltar que, embora no passado as exportações tenha representado parte importante do faturamento da empresa, atualmente a mesma é mantida mais por estratégia de manter a Aroma do Campo atualizada em relação às tendências mundiais, podendo ser replicadas no mercado doméstico. Na interpretação do presidente da empresa os dois fatores principais responsáveis por esta queda do faturamento da empresa na arena internacional foram o câmbio desfavorável e o baixo custo dos produtos chineses que estão invadindo o mercado mundial e dificultando os concorrentes. Além disso, outros fatores foram apontados pelo entrevistado como elementos que dificultam o ingresso no mercado internacional, tais como: o tamanho das embalagens dos produtos comercializados, o desafio enfrentado nos Estados Unidos, legislações específicas (barreiras sanitárias e fitossanitárias) como na Europa em que produtos a base de Guanidina são proibidos para o alisamento de cabelos, ou mesmo o uso de termos no rótulo, como o caso de “Plástica Capilar”, desafio apresentado em Portugal, que exigiu a alteração do nome pelo termo expressar normalmente tratamento para o corpo. Figura 4: Linha do tempo do processo de internacionalização da Aroma do Campo

10

1996

2001

2011

PORTUGAL

HONDURAS

VENEZUELA

2000

2004

EUA

FRANÇA

Fonte: Elaborado pelos autores com dados fornecidos pela empresa.

7. ANÁLISE DOS CASOS EM PERSPECTIVA COMPARADA As empresas Embelleze e Aroma do Campo possuem trajetórias muito similares tanto doméstica como internacionalmente. Ambas estão sediadas na cidade de Nova Iguaçu no estado do Rio de Janeiro, estão direcionadas para a indústria de cosméticos e focadas em atender um público consumidor das classes C, D, e E. A Embelleze nasce primeiro, em 1969, já Aroma do Campo foi fundada em 1986. Ambas possuem como sócio fundador Itamar Serpa, que vende, em 1993, sua parte societária da Aroma do Campo para Samuel Fernandes, que havia sido diretor geral da Embelleze. Em outros termos, as similaridades dos dois casos estudados estão obviamente na origem comum dessas empresas e nos executivos que compõem essas organizações. Contudo, em 1993, os vínculos tornaram-se menos estreitos com as mudanças nas estruturas administrativas, passando Aroma do Campo e Embelleze seguirem trajetórias peculiares, embora mantendo altos graus de convergência, que podem ser observados inclusive na seleção dos mercados externos e nos modo de entrada. Desse modo, no que tange a internacionalização dessas empresas, o que pode ser observado nos dois casos é que as experiências internacionais de ambas tem sido caraterizadas predominantemente por etapas incrementais, ou seja, através da evolução gradual iniciando com atividades de exportação até o estabelecimento de uma subsidiária de vendas no local, tal como pressuposto no modelo de Johansson & Vahlne de 1977. Divergindo do padrão, a única exceção observada, foi o modo de entrada das duas empresas nos Estados Unidos com abertura direta de filiais em Miami, ou seja, pulando etapas da cadeia de estabelecimento, o que diverge do que é previsto no modelo teórico seminal de Uppsala. Na visão dos entrevistados, com forte presença de latinos em Miami, achava-se que se encontraria um mercado mais adepto a aceitar produtos brasileiros; mas não foi isso que ocorreu, pois ambas as empresas se depararam com dificuldades referentes à adaptação de linguagem mais apropriada para o público consumidor e “erros” na própria forma de apresentar o produto, como tamanho de embalagem, por exemplo. Neste caso, a Embelleze, mesmo com dificuldades, vem se mantendo neste mercado fazendo as adaptações que julga necessárias para evoluir na aceitação da sua marca; já Aroma do Campo, por sua vez, recuou esse movimento depois de amargar prejuízos importantes dessa iniciativa mal sucedida. Outro aspecto a ser avaliado é a proximidade linguística e cultural como principal motivador na seleção de Portugal como país escolhido para a primeira operação internacional das duas empresas, o que ressalta que o conceito de distância psíquica do modelo de Uppsala (1977) ainda tem poder explanatório sobre os processos de internacionalização de empresas brasileiras. Além disso, Portugal expressaria uma porta de entrada para os mercados europeus e africanos (países lusófonos) nas perspectivas das empresas estudadas. 11

No caso específico da Embelleze, inicia-se esse movimento para Portugal em 1999 via exportações e, 10 anos depois, inaugura uma filial de vendas nesse país, demonstrando que as etapas de internacionalização seguiram o formato incremental como previsto no modelo comportamental de processo de internacionalização. Já a Aroma do Campo manteve-se na primeira etapa em Portugal, ou seja, na fase de exportação, estabelecida através de parceria com distribuidor local. Esta mesma estratégia levou a empresa à França e à Honduras, o que corresponde dizer que as redes de relacionamentos estabelecidas em feiras especializadas renderam parcerias importantes para inserção da empresa em novos mercados, cuja distância psíquica pode ser considerada maior. Desse modo, verifica-se que a atualização do modelo de Uppsala (2009)é condizente com a realidade contemporânea pois, embora a distância psíquica ainda seja um fator explicativo na seleção de novos mercados, a rede de relacionamentos também tem sido uma variável central na explicação dos movimentos mais recentes de internacionalização das firmas observadas. A entrada na Venezuela também é emblemática para demonstrar a aderência conceitual da perspectiva de networks aos casos estudados. A Aroma do Campo tem alcançado sucesso de vendas neste mercado, que foi acessado através de uma parceria com um de seus distribuidores em Boa Vista (Roraima). Não diferentemente vem ocorrendo com a Embelleze que tem apostado neste país, evoluindo de uma parceria na distribuição, para uma sociedade com uma empresa local, até a iniciativa mais recente de construir uma unidade produtiva. Este relacionamento ainda rendeu a esta empresa a abertura de outras filiais na região como na Colômbia e no Panamá, potencializando suas exportações para outros países da região latina. O destaque atribuído por ambas sobre o sucesso nestes mercados da região é a imagem da beleza da mulher brasileira que se tem nesses países, além do produto com baixo preço e componentes considerados de inovação para esses mercados. Sendo assim, este tipo de relação estabelecida entre Embelleze e seu parceiro na Venezuela pode ser considerado um elemento importante do sucesso, pois através de laços de confiança mútuos, os empresários puderam trocar experiências acerca de seus mercados (LORGA, 2002). Por fim, destaca-se que em ambos os casos o processo de internacionalização não ocorreu em virtude do esgotamento do mercado doméstico, mas sim pelas oportunidades alavancadas a partir de redes de relacionamentos constituídas em feiras de negócios específicas do setor. A diferença central entre as duas empresas está nas expectativas que cada uma atribui ao movimento de internacionalização da firma. A Embelleze vem apostando esforços em expandir suas atividades no exterior, demonstrada pela contratação de um executivo (François Menjoulou), com experiência específica no ramo e a constituição de uma equipe para área internacional, com expectativas de retornos positivos, expressos na alavancagem do faturamento dessa área da empresa. A Aroma do Campo, por sua vez, tem recuado em seu movimento de expansão internacional, não tem apostado no incremento do corpo executivo especializado em negócios internacionais, pois foca suas atividades no mercado doméstico, sendo que sua atuação internacional é vista como uma estratégia de se manter atualizada frente às tendências de consumo mundiais, caracterizando-se como uma internacionalização defensiva (TEPSTRA & SARATHY, 1994). 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como objetivo principal compreender, através do método de estudo de caso, o processo de internacionalização de duas empresas brasileiras do setor de cosméticos: Embelleze e Aroma do Campo, buscando identificar peculiaridades de cada processo bem como similaridades. Sendo assim, considerando as questões apontadas no início desse estudo e as variáveis identificadas para análise, puderam-se chegar as seguintes conclusões. 12

Dentre os modelos de internacionalização comportamentais analisados neste trabalho – Uppsala 1977 e 2009, desenvolvidos por Johanson e Vahlne observou-se que ambos têm um poder explanatório bastante significativo para os fenômenos observados, devido aos seguintes aspectos: a importância das parcerias internacionais para o resultado dos negócios; as vantagens de conhecimento por experiência e a distância psíquica como motivador na escolha do mercado no exterior. É importante ressaltar que embora o modelo de Uppsala revisitado em 2009 tenha trazido elementos conceituais importantes para se pensar a realidade empresarial do novo século, a versão seminal do modelo (1977), embora tenha sido produzido há mais de 30 anos, ainda possui aderência significativa para avaliação desses casos, como pode ser observado no Quadro 1, a seguir: QUADRO 1: Aderência dos Processos de Internacionalização das Empresas Estudadas às Proposições Teóricas de 1977 e 2009 PROPOSIÇÕES TEÓRICAS Motivação Inicial Dominante

Escolha Inicial de Modos de Entrada e Propriedade

Escolha Subsequente de Modo de Entrada e Propriedade Velocidade da internacionalização

Modos Subseqüentes de Operação

Motor da internacionalização

Demanda do mercado externo (1977) Pressão da rede (2009) Busca de mercados (1977) Orientação internacional (2009) Lógica da distância psíquica (1977) Escolha dependente da rede (2009) Baixo investimento (1977) Qualquer modo Controle crescente (1977) Tendência a modos compartilhados (2009) Qualquer modo Velocidade imposta pela rede (2009) Velocidade rápida (2009) Velocidade lenta e gradual (1977) Modos de menor a maior comprometimento (1977) Modos dependentes da rede (2009) Qualquer modo Auto-alimentação (1977) Interdependência (2009)

EMBELLEZE

AROMA DO CAMPO



















 

   Fonte: elaborada pelos autores

Em ambos os casos o desejo de crescimento das empresas e a percepção de oportunidade levaram à primeira experiência no exterior. Neste sentido, o ambiente internacional dos negócios influenciou as decisões das empresas seja para expandir, devido à percepção de oportunidades latentes (Portugal, EUA, Venezuela), seja para retrair, devido aos constrangimentos que impediram alavancagem dos negócios (Honduras e Europa). Ressalta-se 13

neste quesito especialmente o caso da Aroma do Campo em que as barreiras percebidas nas legislações específicas de alguns países, como o caso de Honduras, e de barreiras sanitárias e fitossanitárias, como no caso da União Europeia, elevaram o custo de adaptação da empresa, tornando esses negócios menos atraentes. Além disso, tanto a distância psíquica, nas fases iniciais do processo de internacionalização das duas empresas, como as redes de relacionamentos, nos movimentos subsequentes, foram fatores centrais para explicar a seleção dos mercados internacionais realizada por essas empresas. Destarte, ainda na busca de responder às motivações e ao modo de seleção dos mercados, considerou-se na análise as características individuais dos empreendedores como possível fator explicativo. O resultado encontrado foi que no caso da Embelleze a entrada de François Menjoulou na direção do departamento de comércio exterior em 2009 acelerou o movimento de internacionalização desta, criando expectativas de crescimento nos mercados externos, ou seja, além da busca de oportunidades, a empresa passou também a ser motivada pela orientação internacional do empreendedor. Isso, contudo, não ocorreu com a Aroma do Campo que, embora tenha realizado movimentos importantes de expansão internacional, não aposta neste mercado para o aumento do seu faturamento, não constituindo, portanto, uma equipe especializada para lidar com esses assuntos dentro da estrutura administrativa da empresa. No que se refere aos modos de entrada, de modo geral as experiências das duas empresas tiveram caráter incremental, com velocidade lenta e gradual, mas houve uma perda de importância da cadeia de estabelecimento sugerida no modelo de Johanson e Valhne (1977). Esse envolvimento progressivo com um país pôde ser observado no caso de internacionalização da Embelleze para a Venezuela, mas não em experiências com outros mercados. Outro exemplo que contraria o conceito foi a decisão de ambas as empresas selecionarem um modo de entrada de maior grau de comprometimento no mercado norte-americano, não seguindo, conforme a proposição, um padrão progressivo de envolvimento com um novo mercado. Finalmente, é possível observar que embora os modelos teóricos que deram suporte para reflexão dos casos tenham sido propostos a partir de uma realidade bastante distinta do Brasil, as proposições foram úteis para explicar os processos de internacionalização dessas empresas. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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