A linguagem dos quadrinhos na infografia jornalística

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Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013 A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS NA INFOGRAFIA JORNALÍSTICA1: Júlia Rabetti Giannella2 e Sandra Maria Ribeiro de Souza3 Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

RESUMO As histórias em quadrinhos estruturam-se como linguagem sobre dois regimes comunicativos: o verbal, domínio das palavras e o não-verbal, do qual destacamos as imagens visuais. Desta união indissociável de palavras e imagens emerge uma expressividade particular e uma construção narrativa específica, ambas fundamentadas em aspectos técnicos característicos da linguagem dos quadrinhos. Também em jornais e revistas podemos observar exemplos de infografia jornalística que utilizam, semelhantemente, o mesmo recurso sincrético. Certos autores defendem a infografia como um subgênero do jornalismo informativo (TEIXEIRA, 2010), que busca explicar ou demonstrar um acontecimento, o funcionamento de algo ou processo específico, por meio da mistura ou fusão de recursos visuais e verbais. Este conceito de infografia (que não se refere a todos os tipos de visualização da informação, nem a todas as variantes do jornalismo visual, mas particularmente à visualização de narrativas lineares) está fortemente atrelado ao encadeamento sequencial de textos e imagens para facilitar a compreensão de um fenômeno jornalístico. Neste sentido, diante da importância com que os signos visuais, dispostos em uma narrativa sequencial, configuram-se tanto para a linguagem dos quadrinhos como para infografia, é possível identificar e destacar alguns elementos icônicos dos quadrinhos – tais como o balão, o formato do quadrinho e as linhas cinéticas (EISNER, 1986; RAMOS, 2009) – na sintaxe da infografia jornalística como, por exemplo, na visualização de acidentes, na reconstituição de fatos ou na demonstração de passo a passo de processos. Tendo em vista a forte relação entre imagem e texto presentes em ambas as linguagens, este trabalho busca investigar possíveis apropriações da linguagem das histórias em quadrinhos na construção da infografia jornalística e informativa, sendo possível, em última instância, estabelecer uma aproximação conceitual entre as duas abordagens.

PALAVRAS-CHAVE: história em quadrinhos; infografia; linguagem sincrética.

1. INFOGRAFIA JORNALÍSTICA, UMA PRÁTICA RECENTE A infografia, como recurso jornalístico rotineiro nas redações, é uma prática bastante recente e, talvez por esse motivo, seus reflexos em discussões acadêmicas sejam escassos frente a outras linguagens mais difundidas na imprensa, como a escrita e a fotografia. A presença dos infográficos na imprensa popularizou-se somente nos anos 80, em função de 1

Artigo apresentado nas 2as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos na ECA-USP. Mestranda no Programa de Ciências da Comunicação da ECA-USP e integrante do GEIC – Grupo de Estudos da Imagem em Comunicação. 3 Livre-Docente da ECA-USP no Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo e líder do GEIC – Grupo de Estudos da Imagem em Comunicação. 2

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três principais fatores, assim destacados por Teixeira (2010, p.21): a) a informatização das redações e avanços dos recursos de impressão, b) o marco do diário USA Today, jornal fundado em 1982, calcado no uso de textos curtos e na predominância de recursos imagéticos e c) a cobertura da Guerra do Golfo, em 1991, que consolidou o uso da linguagem infográfica como forma de noticiar a informação em termos texto-visuais. No Brasil, o uso da infografia nas redações disseminou-se mais tardiamente, a partir da década de 90, embora seja possível identificar o uso precursor de gráficos informativos4 na imprensa brasileira, como o exemplo abaixo, publicado no jornal o Estado de S. Paulo em 18 de agosto de 1909 (fig. 1):

Figura 1 – A Navegação Brasileira. Fonte: Jornal O Estado de São Paulo (1909 apud TEIXEIRA, 2010, p.24).

Outro fator que possibilitou o crescimento da infografia jornalística no Brasil foram as reformas gráficos-editorais realizadas por muitos jornais na década de 90. Graças às mudanças trazidas pelas reformas, tornou-se mais comum a presença de consultorias internacionais que incentivou a criação de departamentos próprios de infografia e ilustração

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Os gráficos informativos pioneiros na imprensa brasileira tinham a função precípua de ilustrar a matéria jornalística, mais do que representar por meio de variáveis visuais, com precisão, as relações quantitativas ou narrativas dos dados informativos que compunham a notícia.

Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013 nas redações. Em 1993 foi criado o prêmio internacional Malofiej5 que, desde então, premia, a cada dois anos, as melhores soluções infográficas de jornais do mundo. No cenário brasileiro, uma iniciativa recente é o INFOLIDE. O evento, que acontece anualmente em São Paulo desde 2006, coloca em evidência a produção infográfica nacional, reunindo especialistas, designers e jornalistas interessados no tema. O INFOLIDE, além de realizar uma conferência, organiza a Mostra Nacional de Infografia6, que reúne notáveis exemplos da produção jornalística brasileira.

2. IMAGEM E TEXTO EM NARRATIVAS DE QUADRINHOS E INFOGRÁFICOS

A infografia se constitui como uma das práticas profissionais do design da informação e, portanto, possui como função primordial “[...] preparar a informação de maneira que ela possa ser usada pelos indivíduos com mais eficiência e efetividade.” (HORN, 2000, p. 15). Diferentes autores tentaram chegar a um consenso sobre os limites e usos da infografia. A problemática conceitual decorre do vocábulo gráfico, que é raiz das palavras infografia e infográfico, e, segundo Valero Sancho (2001 apud RIBAS, 2005, p.19), é uma má tradução do termo inglês infographics, uma abreviação de informational graphics: No inglês, graphics é diagram, mas diagram, não é o mesmo que chart ou graph, as traduções corretas para ‘gráfico’, em português. Por outro lado, chart e graph podem ser diagrams, porém, o contrário não ocorre, ou seja, diagram não é o mesmo que chart ou graph. Se fizermos, portanto, a tradução correta do inglês para o português identificaremos que ‘diagrama’ não é sinônimo de ‘gráfico’, embora em nossa língua o seja. Isto nos permite sugerir que a tradução mais correta para a origem do conceito de ‘infográfico’ ou ‘infografia’, infographics, seja ‘diagrama informativo’. (RIBAS, 2005, p.4)

A despeito desta constatação, os termos infografia e infográfico se estabeleceram no país como designadores de uma prática profissional recente no jornalismo, bem como dos produtos linguísticos decorrentes dessa prática. Dentro dos limites do presente artigo, utilizaremos estes termos no sentido lato de diagrama informativo e não no sentido estrito

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O Malofiej, assim nomeado em homenagem ao Argentino Alejandro Malofiej, um dos pioneiros no uso da infografia no mundo, foi fundado por dois professores da Universidade de Navarra em parceria com The Society for News Design (SND). 6 Todas as mostras podem ser acessadas digitalmente: MOSTRA DE INFOGRAFIA. Organizado por Infolide. Disponível em: . Acesso em: 29 Set. 2012.

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de um simples gráfico construído sobre o eixo cartesiano (x e y), do mesmo modo como Ribas (2005) define a prática: “[...] a combinação de formas gráficas que mostra partes de coisas, funcionamento, operação de processos.” (RIBAS, 2005, p. 10). Essa “combinação de formas gráficas” à que a autora se refere dialoga com o que Cairo descreve ser a característica inerente da infografia “[...]tomar emprestadas ferramentas do design gráfico, da ilustração, da cartografia, da estatística e de muitas outras disciplinas” (CAIRO, 2009, p. 5) entre as quais podemos acrescentar, por afinidade disciplinar, as histórias em quadrinhos. Em uma definição ampla, consideramos a infografia como a apresentação gráfica do binômio imagem (pictórica e/ou esquemática, com ou sem símbolos gráficos de orientação de leitura) e texto (apresentação verbal), qualquer que seja o suporte, para apresentar dados, fenômenos e narrativas de qualquer natureza. Em um recorte mais específico, que nos permite o diálogo como os quadrinhos, destacaremos determinados infográficos que apresentam o binômio imagem (predominantemente pictórica) e texto (apresentação verbal) no suporte impresso, para apresentar um fenômeno ou acontecimento jornalístico por meio dos recursos linguísticos da narratividade e da sequencialidade.7 A união indissociável e simultânea de palavras e imagens é destacada por diversos autores no campo das histórias em quadrinhos, e constitui um sistema narrativo em que os dois códigos, quase sempre de forma sincrética, são responsáveis pela mensagem (VERGUEIRO, 2004, p. 31). Enquanto a linguagem visual é responsável por questões de “[...] enquadramento, planos, ângulos de visão, formato de quadrinhos, montagem de tiras e páginas, [...] bem como a utilização de figuras cinéticas, ideogramas e metáforas visuais.” (Idem, p. 34), a linguagem verbal se ocupa da “[...] fala ou pensamento dos personagens, a voz do narrador e os sons envolvidos nas narrativas apresentadas [...]” (Idem, p. 55). Juntas, linguagens visual e verbal constroem narrativas ficcionais ou reais por meio da sequencialidade manifestada pela sucessão de quadros. No jornalismo, essas linguagens expressam narrativas reais ou especulativas e apresentam para o leitor as mudanças de estado ou de fazer (FIORIN, 1989, p.21) envolvidas na notícia visualizada e representadas não necessariamente por uma sucessão de quadros, mas por uma sucessão de desenhos ou 7

Não consideramos, para este artigo, exemplos de jornalismo em quadrinhos, embora alguns autores possam enquadrá-los em certa categoria infográfica. Esta escolha reside no fato do jornalismo em quadrinhos não retratar possíveis questões de apropriação entre as presentes linguagens, remetendo apenas a uma questão de gênero discursivo. Também não apresentaremos exemplos de infográficos interativos sobre plataformas digitais, pois eles apresentam outros recursos de exploração e apresentação da informação que extrapolam os objetivos do presente artigo.

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fotos organizadas sequencialmente por meios de elementos gráficos e por recursos de diagramação, para uma leitura econômica e eficiente da matéria jornalística envolvendo dados complexos ou numerosos. Autores como Teixeira (2010, p. 18), que defendem a infografia como uma modalidade discursiva, ou subgênero do jornalismo informativo, acreditam que a relação entre imagem e texto é necessária para a construção de uma narrativa que proporcione a compreensão de um fenômeno ou acontecimento jornalístico: [...] afirmamos que o infográfico é composto por elementos icônicos e tipográficos e pode ser constituído por mapas, fotografias, ilustrações, gráficos e outros recursos visuais, inclusive aqueles mais abstratos e não necessariamente icônicos. Esta relação entre imagem e texto, indissociável, é para nós uma das principais características da infografia jornalística. (TEIXEIRA, 2010, p. 18)

Diante da importância que os signos visuais se configuram tanto para a linguagem dos quadrinhos como para infografia, nos foi possível identificar e destacar alguns elementos narrativos – semânticos e icônicos – próprios da linguagem dos quadrinhos presentes também na infografia jornalística, de forma a aproximar os dois gêneros discursivos.

3. NARRATIVIDADE E O MODELO LATCH DE ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO

A presença de uma narrativa na construção infográfica é assim destacada por Teixeira: [...] um infográfico jornalístico [...] pressupõe uma narrativa, sendo que, neste caso, ela é construída a partir da inter-relação indissolúvel entre texto (que vai além de uma simples legenda e título) e imagem que deve ser algo mais que uma ilustração de valor essencialmente estético, por exemplo, mas algo que tenha o propósito claro de contribuir para a construção e consequente compreensão plena desta narrativa. (TEIXEIRA, 2010, p.33)

Fiorin (1989), ao distinguir narratividade de narração, diz que a primeira se refere a toda “transformação situada entre dois estados sucessivos” enquanto a narração concerne a uma apresentação específica de transformação – de estado ou de fazer – ligada a “personagens individualizadas” (FIORIN, 1989, p.21). As narrativas podem ser simples, como por exemplo, as estórias de privação (por ex.: “fulano perdeu a vida”) ou de liquidação

Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013 de privação (por ex.: “beltrano foi salvo do acidente e passa bem”) ou podem apresentar estruturas complexas de sequência de ações com vários papéis narrativos (sujeitos e objetos) e mais de uma mudança de estado (conjuntivo ou disjuntivo; eufórico ou disfórico)8. A apresentação infográfica de uma informação jornalística, do ponto de vista de sua narratividade, pode variar muito de acordo com a natureza do(s) dado(s) e da intenção noticiosa. Por se tratar de uma forma de discurso jornalístico, cuja intenção principal é informar, os infográficos, geralmente, estabelecem uma relação intrínseca entre conteúdo (semântica), intenção jornalística (pragmática) e a forma narrativa e visual (sintática) da construção infográfica. O modelo LATCH9, desenvolvido por Wurman (1991), propõe cinco maneiras de organizar a informação e serve, também, para identicarmos os diferentes tipos de infográficos: (L) localização, (A) alfabeto, (T) tempo, (C) categoria e (H) hierarquia. Tratase de uma organização ligada à dimensão semântica e funcional do conteúdo. Para Wurman (1991), a informação pode ser infinita, mas as formas de organizá-la são somente as cinco destacadas. Rendgen e Wiedemann (2010), ao proporem um agrupamento de infográficos segundo as categorias do LATCH, assim o fazem estabelecendo os seguintes critérios para cada uma10:

1. Localização: Os elementos são organizados espacialmente. Esse agrupamento é indicado quando conexões físicas e geográficas são importantes para a compreensão. Ex: Mapas, rotas de transporte, guias de viagem, corpo humano. 2. Tempo: Os elementos são organizados sequencialmente. Esse agrupamento é indicado quando o conhecimento de uma cadeia de eventos ou ações é relevante para o contexto. Ex: Calendários, instruções de receitas, linhas do tempo (fig. 2).

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Fiorin (1989, p.21-29) identifica quatro fases em qualquer sequência canônica de narrativa complexa (a que envolve uma série de enunciados encadeados): manipulação, competência, performance e sanção. Tais fases correspondem ao lead/lide que o jornalista deve apresentar no início do texto: o quê (transformação), como (competência), por quê (manipulação), quem (sujeito e objeto envolvidos), onde e quando (cenário da transformação de estado ou de fazer). 9 Abreviação dos termos em inglês: Location, Alphabet, Time, Category e Hierarchy 10 A categoria alfabeto foi omitida na classificação dos infográficos de Rendgen e Wiedemann por ser dificilmente utilizada como agrupamento principal de informação no jornalismo.

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3. Categoria: Os elementos são organizados em classes. Esse agrupamento é indicado para evidenciar uma característica dentro de um conjunto de informação. Ex: qualquer organização que agrupe algum tipo de similaridade. 4. Hierarquia: Os elementos são organizados segundo uma prioridade. Esse agrupamento é indicado para atribuir peso ou valor na ordem informativa. Ex. Cadeia alimentar, instruções de emergência.

Figura 2 – Organização por tempo. Fonte: Revista Superinteressante, 2002.

A aplicação do modelo LATCH às infografias permitiu observar que o agrupamento temporal destaca a compreensão de uma cadeia de eventos e ações, características presentes também nas narrativas sequenciadas das histórias em quadrinhos. A dimensão sintática da infografia – aquela que apresenta visualmente a informação por meio de linhas, cores, formas etc. – também precisa dialogar com as características visuais dos quadrinhos para que possamos falar de uma aproximação entre as duas linguagens. O infográfico abaixo (fig. 3), embora organizado temporalmente, se configura como um diagrama esquemático e não se apropria de nenhum aspecto pictórico dos quadrinhos, não permitindo um diálogo efetivo com eles.

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Figura 3 – Infográfico mostra o aumento e a queda de determinadas publicações no dia do livro. Fonte: La Vanguardia (2008 apud RENDGEN; WIEDEMANN, 2012, p. 219).

Valero Sancho (2001), ao classificar os tipos de infográficos existentes no jornalismo, identificou a categoria de infografias teatrais. Essa se caracteriza por narrar acontecimentos ou reproduzir imagens narradas por testemunhas e, portanto, é estruturada principalmente em relação ao espaço e tempo em que ocorreram. O autor cita como exemplos desta categoria infografias de acidentes (fig. 14 e fig. 16), atentados e combates (VALERO SANCHO, 2001, p.132). Comentaremos, a seguir, exemplos dessa categoria teatral e exemplos de situações de passo-a-passo (fig. 5 e fig. 8) que, independentemente da temática abordada, estabelecem uma relação de tempo e espaço entre os elementos visuais, além de reconstituições de crimes (fig. 7 e fig. 12) veiculados em jornais impressos brasileiros11.

4. ASPECTOS ICÔNICOS DOS QUADRINHOS EM INFOGRÁFICOS São três os elementos visuais dos quadrinhos que, recorrentemente, são apropriados pelas infografias jornalísticas: o balão, o quadrinho e as linhas cinéticas. Por limite de espaço, destacaremos até três exemplos de infográficos por elemento visual comum a ambos, quadrinhos e infográficos. 11

Infografias apresentadas nas últimas cinco Mostras Nacionais de Infografias compuseram a maior parte deste corpus. Elas estão disponíveis em: . Acesso em: 29 set. 2012.

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4.1 O BALÃO

O balão, segundo Ramos (2009, p. 38), talvez seja o recurso que mais identifique os quadrinhos como linguagem. Não existe um consenso sobre o primeiro registro do uso de balões, embora muitos autores indiquem o exemplo The Yellow Kid12, publicado em 1896, como um marco da disseminação dos balões em histórias em quadrinhos. O recurso, no entanto, tornou-se inicialmente a forma de indicação da fala em discurso direto do personagem (fig. 4). Com o tempo, sua configuração se tornou mais sofisticada propiciando novas expressividades e significados à narrativa como, por exemplo, a representação de pensamento, voz baixa e sons por meio da variação dos seus elementos constituintes como rabicho e continente (VERGUEIRO, 2004, p. 57). Foi possível identificar a presença do balão de fala em infografias com a mesma funcionalidade (fig. 5). O diagrama informativo representa o difícil acesso aos Diários Oficiais da Assembleia Legislativa e os balões indicam as falas diretas dos personagens envolvidos, apresentados no esquema segundo uma orientação sequencial de tempo e de hierarquia.

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Figura 4 – Balão de fala.

Figura 5 – Apropriação do balão de fala.

Fonte: (RAMOS, 2009, p.37)

Fonte: Gazeta do Povo, 12 jul. 2009.

Tira, desenhada por Richard Felton Outcault, publicada em 25 de outubro de 1896 no New York Journal.

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4.2 O QUADRINHO O quadrinho, como elemento icônico, é o espaço físico e temporal no qual “[...] um instante específico ou uma sequencia interligada de instantes [...]” (VERGUEIRO, 2004, p. 35) acontece. Nele, tudo é encapsulado dentro de um conjunto de linhas, formando um retângulo, quadrado, esfera ou outro formato (RAMOS, 2009, p. 91). Existe,

portanto,

uma

ideia

de

encapsulamento e segmentação dos eventos que, através do quadrinho, desencadeia o fluxo da narrativa

(EISNER,

2006,

p.

38).

Essa

segmentação pode adquirir formas visuais diferentes. O mais comum nas histórias em

Figura 6 – Fio de telefone como contorno. Fonte: RAMOS, 2009, p.100.

quadrinhos é a utilização de retângulos ou quadrados, entretanto, o quadrinho pode assumir contornos menos convencionais, como mostra a figura 6. Essa compreensão de movimento no tempo e no espaço também é presente nas infografias teatrais (VALERO SANCHO, 2001, p.132). Embora o uso do recurso visual do quadrinho, como contorno, não seja tão evidentemente utilizado nas infografias para indicar o fluxo de eventos, podemos observar que reconstituições de crime recorrentemente utilizam esta técnica integrada a outros elementos visuais (fig. 7). Identificamos também contornos menos comumente utilizados na separação de cenas narrativas que poderiam ser compreendidos dentro da função ampla configurada pelo quadrinho: as raias, na figura 8, funcionam como os quadrinhos e separam as etapas de um passo-a-passo referente à aprendizagem da natação. A narrativa de reconstituição do crime (fig. 7) foi organizada pelos critérios de tempo, localização e hierarquia; o infográfico Novo Método (fig. 8) valoriza uma categoria

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(natação) e, a partir dela, valoriza a localização, o tempo e a hierarquia das sucessivas etapas de aprendizagem.

Figura 7 – Reconstituição do “caso Nardoni”

Figura 8 – A raia separa os estágios de ação.

Fonte: Agora, 4 mai. 2008.

Fonte: Saúde, ed. 268.

Ainda sobre os quadrinhos, merece atenção um caso específico: a chamada vinheta flash ou vinheta-relâmpago (fig. 9). Muito utilizada nas histórias em quadrinhos, serve para “[...] aproximar uma imagem como se fosse vista por uma lente de aumento, dando destaque a um momento específico da narrativa.” (RAMOS, 2009, p.97). Também, na infografia este recurso da lupa pode ser visualizado com a mesma função (fig. 10).

Figura 9 – Vinheta-flash.

Figura 10 – Destaque de um momento do jogo.

Fonte: RAMOS, 2009, p. 97.

Fonte: Marca, 16 set. 2011

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4.3 LINHAS CINÉTICAS E CORPO COMO MOVIMENTO

Os últimos elementos visuais das histórias em quadrinhos abordados neste trabalho, que foram identificados em infografias jornalísticas, são as linhas cinéticas e o corpo (do personagem ou do objeto) como estratégia de movimento. Antes de vermos as aplicações, cabe diferenciar as duas técnicas de representação. Para Acevedo as linhas cinéticas são “[...] linhas que servem para indicar movimento.” (1990, apud RAMOS, 2009, p. 118). Essas linhas que se ligam a um personagem ou objeto indicam uma trajetória e, portanto, uma sequencia temporal (fig. 11). Podemos associar a seta utilizada no infográfico sobre o crime conhecido como “Caso Nardoni” (fig. 12) ao conceito de linha cinética: a seta é indicativa do percurso percorrido pelo corpo da menina até chegar ao solo. O infográfico enfatiza a organização espacial (localização) e mostra o estado inicial dos personagens no apartamento, a transformação (queda) e o estado final da criança caída no jardim do edifício.

Figura 11 – Linha cinética. Fonte: RAMOS, 2009, p.119.

Figura 12 – Reconstituição do “caso Nardoni”. Fonte: O GLOBO, 21 abr. 2008.

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Uma outra estratégia seria a utilização do corpo/objeto como movimento (fig.13 e 15) que seria alcançada de dois modos diferentes:

A primeira é quando o corpo de um mesmo personagem é desenhado várias vezes, de modo a sugerir diferentes etapas de movimento, como se a ação ocorresse em câmara lenta. [...] A outra possibilidade ocorre quando o contorno do corpo ou parte dele são reproduzidos mais de uma vez numa mesma sequência. (RAMOS, 2009, p.119-120)

De modo análogo, observamos a repetição dos aviões nos infográficos (fig. 14 e 16) se comportarem como a primeira e segunda estratégia de movimento, respectivamente.

Figura 13 – Um corpo em várias posições.

Figura 14 – Um avião em várias posições.

Fonte: RAMOS, 2009, p.120.

Fonte: Veja, 2001.

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Figura 15 – Repetição sobre o mesmo eixo.

Figura 16 – Sobreposição e repetição do avião.

Fonte: RAMOS, 2009, p.121.

Fonte: Agora, 18 Jul. 2007.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível com este trabalho observar como e em quais aspectos a linguagem das histórias em quadrinhos pode contribuir direta e indiretamente para a construção de outras formas de linguagem, como a infografia jornalística. Embora recorrente, sua utilização nas redações é ainda recente e, talvez por isso, tanto os profissionais envolvidos em seu desenvolvimento como os pesquisadores preocupados em compreender e discutir os aspectos constituintes de sua linguagem ainda sintam dificuldade em sistematizar as técnicas e os conhecimentos envolvidos em sua prática e teoria. Assim, embora a investigação tenha se limitado em buscar nos exemplos infográficos apropriações de somente três elementos visuais da linguagem dos quadrinhos, o resultado foi notório e suficiente para compreender como as duas formas de linguagem podem dialogar, mantendo as especificidades de objetivos, públicos e usos. Acreditamos que a aproximação entre os aspectos constituintes de ambas linguagens seja importante e válida tanto para o avanço dos estudos críticos das histórias em quadrinhos como para a consolidação de um campo teórico que aborde a infografia entre as interfaces da comunicação e do design. REFERÊNCIAS ACEVEDO, J. Como fazer histórias em quadrinhos. Trad. Sílvio Neves Ferreira. São Paulo: Global, 1990. BARBIERI, D. Los lenguages del comic. 1 reimpr. Barcelona: Paidós, 1998.

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CAIRO, A. O infografista morreu: longa vida ao jornalista visual. In: KANNO, M. (org). Mostra Nacional de Infografia 2009. São Paulo, 2009. p. 4-7. Disponível em: . Acesso em: 23 Out. 2012. EISNER, W. Comics and Sequential Art. Florida: Poorhouse Press, 1986. FIORIN, J.L. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1989 (Repensando a língua portuguesa). KANNO, M.; BRANDÃO, R. Manual de Infografia: Folha de S. Paulo. São Paulo, 1998. Disponível em: . Acesso em: 23 Out. 2012. MOSTRA DE INFOGRAFIA. Organizado por Infolide. Disponível em: . Acesso em: 29 Set. 2012. RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Ed. Contexto, 2009. RENDGEN, S.; WIEDEMANN, J. Information Graphics. Köln: Taschen, 2012. RIBAS, B. Ser Infográfico. Apropriações e limites do conceito de infografia no campo do jornalismo. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, 3., Florianópolis: Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, 2005. TEIXEIRA, T. Infografia e jornalismo: conceitos, análises e perspectivas. Salvador: EFUFBA, 2010. VALERO SANCHO, J. L. La infografia: técnicas, análisis y usos periodísticos. Barcelona: Universitat Autònoma de Barcelona, 2001. VERGUEIRO, W. A linguagem dos quadrinhos: uma “alfabetização” necessária. In: RAMA, A,; VERGUEIRO, W. (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. WURMAN, R. S. Ansiedade de informação. Como transformar informação em compreensão. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1991.

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