A lógica consumista na construção do ser: uma discussão sobre a formação de subjetividades no contexto da sociedade de consumo

October 16, 2017 | Autor: Luke Dias | Categoria: Capitalismo, Psicología Social, Consumo, Subjetividade, Pós-Modernidade, Consumismo
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Curso de Psicologia

Luke Dias de Barros Silva

A LÓGICA CONSUMISTA NA CONSTRUÇÃO DO SER: uma discussão sobre a formação de subjetividades no contexto da sociedade de consumo

Arcos 2014

Luke Dias de Barros Silva

A LÓGICA CONSUMISTA NA CONSTRUÇÃO DO SER: uma discussão sobre a formação de subjetividades no contexto da sociedade de consumo

Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientadora: Maria Eugênia da Costa Machado

Arcos 2014

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer encarecidamente às pessoas que contribuíram tanto para a realização desse trabalho quanto na minha formação acadêmica e, o que considero ainda mais importante, minha (re)formação humana ao longo do curso de psicologia. Aos professores, muitos deles grandes mestres que me deixaram marcas indeléveis e me ajudaram a mudar profundamente minha visão do mundo e das pessoas, meu reconhecimento, admiração e gratidão. Em especial à minha orientadora, Maria Eugênia, gostaria de agradecer imensamente pela orientação pontual e compreensiva, por ter me proporcionado a liberdade criativa sem a qual não conseguiria concretizar esse trabalho e pela disponibilidade integral para ajudar no que preciso, quer dissesse respeito à monografia ou não. Fico agradecido pela orientação e, principalmente, pela amizade. A todos os colegas, meu agradecimento pela acolhida do eterno forasteiro que fui ao longo desse curso. Sou grato, em especial, ao caro amigo Helder Clério, pelas sempre instigantes e valiosas trocas de opiniões que, dissonantes ou consonantes, sempre foram produtoras das mais profundas reflexões. Por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer profundamente à Mayara, minha então colega e agora melhor amiga e “amora”, por ter estado junto comigo incondicionalmente nos momentos em que mais precisei e sem cujo apoio eu provavelmente não estaria finalizando o curso de Psicologia. Uma pessoa na qual, não importa a violência da tempestade da vida, sei que sempre posso encontrar um porto seguro.

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo discutir as interligações e influências da sociedade de consumo no desenvolvimento de subjetividades. Para tanto foi realizada uma pesquisa bibliográfica, a partir da qual foram escolhidas as propostas da Psicologia Sócio Histórica para embasar as considerações acerca dos processos de subjetivação, assim como levantados autores renomados na discussão da questão do consumo no período contemporâneo. A observação do caminho traçado pelo conceito de subjetividade revelou uma multiplicidade de usos distintos, assim como certa fragmentação em sua definição dentro das diversas abordagens psicológicas. Foi encontrada nos conceitos Sócio Históricos de subjetividade individual e subjetividade social, tendo em vista sua natureza contextualista imprescindível ao se considerar as relações entre organização social e subjetividade, a proposta mais adequada à discussão proposta. O levantamento da história da sociedade de consumo revelou que essa organização social é uma consequência direta das transformações culturais e tecnológicas iniciadas com o advento da modernidade e intensificadas na passagem à pós-modernidade, fortemente marcada pelo individualismo hedonista e pela instabilidade e velocidade das referências subjetivas. A discussão dos processos de subjetivação na sociedade de consumo apontou que a influência dessa lógica de organização social tem implicações diretas e consideráveis tanto na organização das estruturas sociais mais amplas quanto no desenvolvimento individual mais íntimo. Socialmente, o contexto contemporâneo é caracterizado pela alteração do papel do Estado, marcado pelo apaziguamento da participação política tradicional e pela frugalidade das relações comunitárias, assim como pela crescente desigualdade social. Individualmente houve a maior abertura às possibilidades de diferenciação, ainda que inseparável da possibilidade de angústia e frustração decorrentes da multiplicidade e instabilidade dos significados sociais, sendo notável a separação entre os integralmente incluídos, caracterizados pelo excesso, e aqueles que se encontram à margem, caracterizados pela falta. Essa compreensão se mostra cara no embasamento da ação profissional e política, tanto do psicólogo quanto de qualquer cidadão crítico. Notou-se ainda a necessidade de que se realizem mais pesquisas específicas quanto ao consumo no contexto brasileiro propriamente dito.

Palavras-chave: Pós-modernidade. Psicologia Sócio Histórica. Sociedade de consumo. Subjetividade individual. Subjetividade social.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 9 2 O CONCEITO DE SUBJETIVIDADE............................................................................. 2.1 Percurso histórico............................................................................................................. 2.2 A Psicologia Sócio Histórica............................................................................................ 2.2.1 As categorias de sentido e significado............................................................................ 2.2.2 Subjetividade individual e subjetividade social..............................................................

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3 A SOCIEDADE DE CONSUMO: da modernidade à pós-modernidade....................... 3.1 Desenvolvimento tecnológico e mudanças estruturais na modernidade...................... 3.2 A cultura moderna............................................................................................................ 3.3 A cultura pós-moderna..................................................................................................... 3.3.1 A sociedade de consumidores.........................................................................................

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4 CONSUMISMO E SUBJETIVIDADE(S)......................................................................... 4.1 A sociabilidade de consumo............................................................................................. 4.1.1 O Estado pós-moderno.................................................................................................... 4.1.2 Comunidades de mercado............................................................................................... 4.2 O indivíduo de consumo................................................................................................... 4.2.1 Subjetividades de excesso............................................................................................... 4.2.2 Subjetividades de falta....................................................................................................

34 35 37 39 41 43 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................

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REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 49

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1 INTRODUÇÃO

A visão de que a organização social capitalista na contemporaneidade é caracterizada de forma intrínseca pelo papel desempenhado pelas relações de consumo, devido à sua própria condição de possibilidade, é amplamente difundida e abordada por diferentes autores de diversas áreas e a partir de diferentes posicionamentos políticos e teóricos. Para além do aspecto puramente econômico, a percepção dessa realidade social suscita indagações quanto aos possíveis entrelaçamentos com a constituição dos aspectos mais subjetivos tanto das sociedades quanto dos indivíduos que se veem envoltos nesse contexto, além de deixarem explícita a necessidade de se pensar criticamente suas possíveis implicações. São essas as questões que norteiam as propostas deste trabalho. O desejo de se pesquisar sobre essas questões, assim como a postulação de sua latente necessidade social, partem da observação de que as formas a partir das quais tendemos a nos relacionar no contexto contemporâneo, tanto no que diz respeito às relações interpessoais quanto à relação intrapessoal mais íntima, se mostram, em larga medida, pautadas por uma lógica de atribuição de valor e satisfação pessoais associados às condições de que se dispõe para usufruir das possibilidades de consumo da sociedade contemporânea. No aspecto social mais amplo, o bombardeamento de informações e de propagandas se mostra ininterrupto pela via dos veículos midiáticos, e a afluência de produtos e serviços opera constantemente, do intervalo comercial televisivo aos banners dos sites de internet e aos outdoors que ilustram o horizonte. No que diz respeito à vida individual concreta, carrega-se na roupa que cobre o corpo o valor que se tem a partir da marca, e torna-se desejável aquele que carrega o último smartphone da época. Explícita ou implicitamente, parece produzida e reproduzida a criação da necessidade de consumir para tornar-se pessoa incluída e participativa de fato na sociedade pós-moderna. Para além disso, cabe reconhecer que a relação profissional inclusive do psicólogo é atravessada pela lógica de mercado, sendo que a terapia em sua configuração atual, inserida dentro do contexto do mercado de trabalho é, fundamentalmente, uma relação de consumo. Da constatação da impossibilidade de separação entre o serviço prestado e a pessoa que o oferece, nasce ainda o questionamento das implicações do fato de que se ocupa no mundo atual, simultaneamente, a posição ativa do sujeito que consome repetitivamente e a posição passiva do objeto que é consumido pelo outro. Sendo assim, o direcionamento dessa pesquisa é calcado na percepção de que conhecer os dispositivos de mercado a partir dos quais temos nos relacionado na contemporaneidade e pensar criticamente a respeito de suas implicações e

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possibilidades se impõem enquanto dever ético, tanto no papel profissional de psicólogo quanto no papel civil de cidadão ativo e pensante. Com a finalidade de embasar a discussão proposta, foi escolhida a realização do levantamento de dados a partir de pesquisa bibliográfica, recorrendo a trabalhos científicos relevantes ao tema como livros, artigos, revistas científicas e periódicos. Foram utilizadas referências multidisciplinares no intuito de ampliar a percepção do tema, sendo eleitos como centrais as produções das áreas das Ciências Sociais, predominante, do campo da Sociologia e Antropologia, assim como as produções das Psicologia, principalmente da abordagem SócioHistórica. Dentre os diversos autores utilizados, destacamos como principais González Rey (2004; 2005; 2009), Bauman (1999; 2001; 2008), Lipovetsky (2005; 2007) e Canclini (1999). A principal proposta deste trabalho é possibilitar a reflexão sobre as possíveis implicações da sociedade de consumo no desenvolvimento e construção de subjetividades no contexto contemporâneo. No intuito de atingir esse objetivo, a discussão se encontra dividida em três momentos. No primeiro capítulo, dedicado ao conceito de subjetividade, traçamos um breve percurso histórico do termo, apresentando então as categorias de significado e sentido e finalmente elucidando os conceitos de subjetividade individual e subjetividade social a partir das propostas da Psicologia Sócio-Histórica. No segundo capítulo, procuramos conhecer historicamente o desenvolvimento da sociedade de consumo no contexto sócio econômico capitalista até os dias atuais, passando pela apresentação do desenvolvimento tecnológico e das mudanças culturais ocorridas na modernidade e na pós-modernidade. No terceiro capítulo, propusemos a discussão acerca das implicações da cultura da sociedade de consumo nas subjetividades sociais e individuais, sendo abordados tanto a organização contemporânea mais ampla do Estado quanto dos pequenos e médios grupos comunitários contemporâneos, assim como a definição do sujeito individual pelo excesso e pela falta. Por fim, foram apresentadas nossas últimas considerações quanto à discussão realizada.

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2 O CONCEITO DE SUBJETIVIDADE

No intuito de discutir as implicações do contexto atual da sociedade de consumo na subjetividade, vemos como necessário, em primeiro lugar, o retorno à delimitação do termo subjetividade em seus processos de construção histórica e científica. Podemos perceber que, na contemporaneidade, “os termos ‘sujeito’, ‘subjetividade’, ‘subjetivação’, têm ampla circulação não só no universo das psicologias, mas também em amplos segmentos da nossa sociedade” (DRAWIN, 2009, p. 46), o que por si só explicita a necessidade de delimitação da visão utilizada na construção teórica da discussão aqui proposta. Sendo assim, procederemos à retomada histórica da utilização desses termos e, posteriormente, à elucidação da base teórica elencada como norteadora das pontuações desse trabalho: os conceitos de subjetividade individual e subjetividade social introduzidos pela Psicologia Sócio Histórica.

2.1 Percurso histórico

Em princípio é importante notar que o termo subjetividade é de certa maneira herdado e reinventado pela Psicologia, sendo que suas origens são fundamentalmente do campo da Filosofia e, mesmo nesse campo, caracterizadas por múltiplas formulações e reformulações dentro das mais variadas correntes de pensamento. (DRAWIN, 2009). Prado Filho e Martins (2007) explicitam ainda o fato de que o conceito de subjetividade é tomado emprestado pela Psicologia do campo da Psicanálise, e carregou durante a maior parte do século passado a sua concepção interiorizada e naturalizada. Há que se reconhecer ainda que, no auge da ciência positivista, o conceito de subjetividade caiu em desuso por sua oposição com a objetividade, sendo que “contribuíram também para a exclusão da subjetividade do domínio da ciência, por um lado, o fato de que o termo subjetivo passou a ser associado com erro e distorção, uma distorção proveniente do sujeito” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 124). Sendo assim, é importante reconhecer a necessidade de uma compreensão teórica interdisciplinar no entendimento mais abrangente da subjetividade, sendo elencados por Crochík (1998) como principais os saberes da Filosofia, Sociologia e mesmo das Artes em geral. A bem da contextualização do desenvolvimento do construto de sujeito, é fato notável que a sua existência e popularização se dão dentro de um período bem delimitado no tempo, tendo surgido e sido integrado nos discursos populares e científicos a partir da passagem entre o século XIX e o século XX, tendo como base o advento da Psicologia científica e acompanhado sua progressão. (PRADO FILHO; MARTINS, 2007). Assim, a circulação da

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categoria de subjetividade no contexto específico da Psicologia, pensamos, sempre se fez presente no curso da história dessa ciência, a partir da constatação de que “a questão da subjetividade representou um tema discutido pelos pioneiros desse movimento; só que o termo empregado era consciência, o qual se representava mais como entidade, constituída por funções concretas, do que como sistema complexo de natureza subjetiva.” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 1). Desde seu surgimento e o desenvolvimento das diversas correntes diferentes da Psicologia, porém, as delimitações teóricas e conceituais acerca do tema sempre estiveram longe de ser uníssonas e universais, tendo muitas variações dentro do próprio saber psicológico. Drawin (2009, p. 50) reflete sobre a impossibilidade dessa universalização de conceitos ao reconhecer que “a Psicologia não só possui essa configuração fragmentária, mas ela deve ser assim mesmo em razão de sua própria condição de possibilidade”. Apesar dessa fragmentação inerente à própria Psicologia e à multiplicidade de conceituações acerca da subjetividade, é relevante a constatação, a partir da colocações de Prado Filho e Martins (2007), de que durante um período extenso de tempo, todas elas carregaram semelhanças no sentido de apontarem para a objetivação e internalização de um padrão fixo e normalizador, sendo observável que refletiam uma demarcação identitária característica do poder estatal no contexto moderno dos estados ocidentais. Concordamos com essa conclusão, que é incisiva ao ilustrar a multideterminação social, cultural e histórica, inclusive dos processos de construção do próprio conhecimento e das ciências em geral. Tendo em vista esse posicionamento, é interessante notar, a partir da análise da história do conceito de subjetividade realizada por González Rey (2004, 2005), que uma visão determinista prossegue, mesmo em meio à fragmentação histórica das ciências psicológicas e dentro do curso de desenvolvimento das mais diversas abordagens. Essa visão é pautada no sentido de que se nega, a partir de diferentes mecanismos, características multideterminadas e determinantes do próprio sujeito, que transcendem a ideia normalizadora de um modelo básico de psique humana. Ou seja, hora na condição de produto puro das condições ambientais, a partir das propostas assumidamente positivistas do Behaviorismo, hora na posição do sujeito psicanalítico, figura determinada por processos universais de constituição da psique independentes de diferenças históricas e sociais, hora na pessoa dotada de múltiplas características positivas de autodesenvolvimento no humanismo, resgatando a ideia de uma essência humana universal, reifica-se a categorização da subjetividade a partir de mecanismos que, em última análise, são dissociados dela mesma por não englobarem a flexibilidade e complexidade das quais dispõe.

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O reconhecimento das críticas anteriores não impede, porém, a consideração das importantes contribuições dessas diferentes abordagens psicológicas na ressignificação do sujeito e da subjetividade na história da Psicologia, assim como de suas contribuições para a construção da compreensão utilizada na perspectiva Sócio Histórica. Ao analisar o papel da Psicanálise e, mais especificamente, o construto do complexo de Édipo, por exemplo, González Rey (2005, p. 23) infere uma contribuição à sistematização de uma teoria da subjetividade, a partir da proposta de que “os processos psíquicos nutrem-se, em seu potencial dinâmico, de experiências diferentes daquelas diretamente associadas ao conteúdo específico de uma função concreta, ideia que, sem dúvida, não estava na intenção teórica de Freud, mas que pode ser vislumbrada”. Já no que diz respeito à perspectiva humanista, o autor diz que representa uma ruptura importante com a teoria psicanalítica ao defender “a capacidade para atuar seguindo convicções e princípios pessoais, que, em si mesmos, são geradores de subjetivação, e não simplesmente a expressão de forças ocultas.” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 59). De forma concomitante, e carregando em si as mesmas características fragmentárias encontradas na fundação das demais áreas da Psicologia científica em geral, a Psicologia Social se desenvolveu, não menos permeada pelos momentos históricos e climas sociais dentro dos quais se localizava. Quanto aos primeiros esforços, é relevante reconhecer as reproduções da lógica positivista herdada das abordagens comportamentais. “Esse fantasma epistemológico acompanhou o desenvolvimento da psicologia social positivista [...] uma psicologia que estudou o social unicamente por intermédio dos efeitos pontuais de certos conteúdos no comportamento das pessoas.” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 14). Para além da descrição de potenciais influências e afluências entre abordagens psicológicas diferentes, propomos uma reflexão pautada nessa breve exposição sobre as diferenças de posicionamentos dentro das ciências psi: o próprio percurso da Psicologia ilustra a natureza do que se propõe chamar de subjetividade social, conceito que elucidaremos de forma mais clara posteriormente, pois ao mesmo tempo em que novas formas de se pensar o homem rompem com concepções anteriores, o fazem a partir do contato e da crítica daquilo que se coloca socialmente, e ainda assim absorvem, em maior ou menor medida, características dessa subjetividade configurada anteriormente. Ou seja, a partir da subjetivação, em última análise, da própria ciência psicológica, culmina-se na criação de novos espaços de subjetividade social relacionados à visão sobre o homem e o mundo. Ainda assim, dentro dos diversos arranjos dos objetos dessa Psicologia e das concepções de subjetividade no século XX, nota-se uma progressiva mudança de paradigma

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da concepção individualizante e naturalizante para uma visão mais culturalista e social, que ocorre concretamente somente no final do século, sendo notável que, como propõem Prado Filho e Martins (2007, p. 15) “o olhar torna-se sempre mais social, histórico e político, desenhando objetos sociais, centrando foco nas relações”. A descentralização da subjetividade enquanto algo fundamentalmente internalista e essencializado indica um início de mudança de paradigma no entendimento da constituição das características pessoais a partir de uma visão mais abrangente, mas não implica necessariamente uma visão determinista dos processos de subjetivação. A esse respeito, Crochík (1998, p. 3) argumenta que “dizer que o indivíduo é mediado socialmente não significa que ele seja afetado externamente pela sociedade, mas sim que se constitui por ela, isto é, pela sua introjeção”. A compreensão dessa proposta mais ampla dos processos sociais e históricos de formação das características fundadoras da subjetividade é imprescindível no intuito de relacionar a sociedade de consumo e as implicações incisivas na introjeção de valores individuais e coletivos, assim como da possibilidade de mutabilidade inerente à subjetividade. Pode-se dizer que:

Descentrar a análise da subjetividade deste eixo habitual do desenvolvimento da personalidade e da identidade, tomando-a como resultado da dispersão de forças sociais, implica tratá-la como figura histórica que não tem centro, permanência, inerência ou substância, nem qualquer sentido, naturalizante, biológico, genético ou determinista, e pensá-la em movimento, como virtualidade, efeito holográfico que existe concretamente ali onde não há nada de palpável. (PRADO FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

Ainda nesse sentido, é notável a existência de certos mecanismos de retroalimentação contextualmente estabelecidos na organização da formação da subjetividade, reforçando sua natureza limitada no espaço e no tempo, o que leva a crer que “a psicologia, para entender as questões que se referem à subjetividade, deve compreender as finalidades, as instâncias, os meios, pelos quais uma determinada cultura forma o indivíduo”. (CROCHÍK, 1998, p. 3). Essas propostas da Psicologia apontadas pelos autores no sentido da ampliação e da adoção de uma visão que tenha como objetivo considerar as formações subjetivas em toda a sua complexidade são uníssonas com as colocações da Psicologia Sócio Histórica, ou ainda, como definido por González Rey (2004, 2005), Psicologia Histórico Cultural, uma tendência que encontrou nos cenários da Psicologia latino americana lugar fecundo para seu desenvolvimento, ilustrando mais uma vez a importância do cenário cultural e dos dispositivos sociais dentro dos quais se localiza na compreensão e formação tanto do próprio sujeito quanto do mundo em si. Consideramos primordial, no intuito de coerência e

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relativização contextual da relação humana com a lógica de consumo, a adoção dessa concepção mais ampla de subjetividade, construída a partir da relação entre indivíduo e contexto social, como produto de sua interiorização e apropriação subjetiva. Deve-se reconhecer, porém, sua natureza fundamentalmente auto reflexiva e mutável, sendo que “o que denominamos, portanto, sujeito é justamente essa dimensão do humano que escapa e resiste, que excede ou transcende toda determinação objetivante”. (DRAWIN, 2009, p. 52). Sendo assim, percebemos que dentre as diversas concepções de subjetividade na Psicologia, as particularidades de uma visão mais ampla a tornam uma escolha coerente para o estudo das questões contemporânea do consumo quando comparada a outras visões mais individualizantes. Pensamos que não se trata da antagonização de qualquer abordagem, ou tampouco da sacralização da abordagem sobre a qual se pretende embasar na compreensão da questão da sociedade de consumo e da subjetividade, mas do reconhecimento da importância da escolha de uma abordagem que tenha como foco aspectos inalienáveis da configuração de uma sociedade, como seu momento histórico e social, mas que ainda assim considere o potencial dos sujeitos individuais no que diz respeito às diferentes possibilidades de subjetivação do social. Portanto, é um posicionamento que encontra ressonância com a Psicologia Sócio Histórica.

2.2 A Psicologia Sócio Histórica

A perspectiva Sócio Histórica da Psicologia Social, como proposto anteriormente, é o que nos fornece mais subsídios para pensar as possíveis implicações do contexto sócio econômico na subjetividade. Conhecer as bases desse pensamento é valioso para que possamos pensar sobre suas características e potencialidades, assim como atentar para possíveis limitações. É interessante notar ainda que, não por acaso, os desenvolvimentos recentes da Psicologia Sócio Histórica se dão mais proeminentemente e especificamente dentro do nosso contexto cultural, nos países periféricos da ordenação mundial capitalista e globalizada, sendo indissociável da realidade social vivida nessa época. Bock e Gonçalves (2009, p. 8) colaboram com essa compreensão no que diz respeito ao cenário brasileiro, ao dizerem que “lutas, compromisso social, inovação científica e profissional, teorias críticas, aproximação com a América Latina: estas eram algumas das marcas do cenário no qual surgiu o grupo de Psicologia Sócio-Histórica”. No que diz respeito ao caminho histórico percorrido por essa abordagem, é valiosa a contribuição dos trabalhos de González Rey (2004, 2005), sendo que, em sua análise, o autor

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reconhece na Psicologia Soviética o germe do desenvolvimento da Psicologia Social, assim como muitas das bases teóricas a partir das quais se desenvolveu a Psicologia Sócio Histórica em específico. Essa construção se deu na antemão da crescente onda positivista do Behaviorismo americano, que refletiu os princípios ideológicos próprios do liberalismo crescente nos países capitalistas do início do século XX. A Psicologia Soviética, pelo contrário, sofreu as influências de uma ideologia oposta, sendo gerada no seio dos países socialistas da União Soviética. Sendo assim, tem-se uma oposição básica que as direciona em sentidos opostos: enquanto o individualismo característico do liberalismo capitalista, associado ao positivismo legitimado no contexto científico, direciona em peso o percurso da Psicologia Americana, o social ganha lugar de destaque nas construções da Psicologia Soviética em meio à sua abolição da individualidade em favor da homogeneização social. O que se percebe é que:

Essa psicologia assume o marxismo de forma oficial e real, pois seus principais autores encontram na dialética e na representação do homem feita por Marx, as ferramentas fundamentais para uma transformação profunda da psicologia que lhes permite, pela primeira vez no contexto da psicologia de sua época, compreender o social como parte constituinte da psique humana. (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 24).

No interesse da visualização mais atenta dos aspectos sociais envolvidos com o desenvolvimento psicológico, esse momento é valioso. Mas é preciso atentar para o fato de que se tem uma tendência à anulação do que de individual há no psíquico, o que acaba por descartar o próprio conceito de subjetividade nesse primeiro momento de desenvolvimento da Psicologia Social. É a partir dos desenvolvimentos da Psicologia Histórico Cultural de Vygotsky que se consegue, em um momento adiantado dessa obra e, segundo González Rey (2004), pouco estudado e visualizado nas traduções mais conceituadas de seus trabalhos, perceber uma reintegração da subjetividade nos discursos da Psicologia Soviética, sendo que “Vygotsky passa a representar a psique humana como um sistema complexo e integrado a partir de sua representação de ‘sistema de sentidos’, definição que nos remete a uma nova ordem: a subjetividade.” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 50-51). É relevante notar que as implicações desse sistema de sentidos permeiam de forma relevante as posteriores propostas e desenvolvimentos relacionados à Psicologia Sócio Histórica, tanto nas obras de González Rey (2004, 2005) quanto nas obras de diversos autores brasileiros representantes dessa corrente de pensamento (BOCK; GONÇALVES, 2009). Acreditamos, portanto, que é a partir desse momento que se tem o lançamento da base sobre a qual aconteceram as mais importantes construções teóricas desse campo, nomeadamente, as

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categorias de subjetividade social e subjetividade individual. Para compreendê-las, porém, é necessário atentar antes para integração das categorias de sentido e significado no corpo teórico da Psicologia Histórico Cultural, primordiais para essas propostas de organização das subjetividades, sendo que é a partir delas que se teve a possibilidade de reconciliação entre os aspectos sociais e individuais na construção da psique.

2.2.1 As categorias de sentido e significado

Assim como em um primeiro momento a categoria de linguagem tem papel fundamental na construção teórica de Vygotsky para a compreensão da formação da psique no indivíduo, o desenvolvimento do conceito de sentido, alcançado nas últimas etapas de sua obra, caracteriza um passo importante. Nesse contexto, tornou-se possível a integração das dimensões do social e do individual enquanto processos indissociáveis de subjetivação, sendo estabelecidos como conceitos fundamentais no discurso da Psicologia Sócio Histórica desde então as categorias análogas de sentido e significado. Entendemos os significados como “produções históricas, sociais, relativamente estáveis e, por serem compartilhados, são eles que permitem a comunicação entre os homens, além de serem fundamentais para a constituição do psiquismo.” (AGUIAR et al, 2009, p. 61). Os significados, portanto, correspondem à organização e representação social compartilhada das coisas a partir, em especial, da linguagem. Isso não quer dizer, porém, que essa ideia implique no significado como algo da ordem da objetividade pura. Pelo contrário, é a partir dessa categorização da construção social dos significados que podemos propor seus aspectos inerentemente sócio culturais. Se concebemos os significados como produções e, ainda, só aceitamos sua estabilidade em termos relativos, é necessário localizá-los espaço temporalmente e, principalmente, concebê-los como categorias imanentemente construídas a partir das confluências das subjetividades individuais que se relacionaram na sua construção. Ou seja, concordamos com Aguiar e outros (2009, p. 63) ao dizerem que “os significados sociais, que serão internalizados e transformados em sentidos, só existem enquanto tal porque os homens, na sua atividade no mundo social e histórico, os constituíram e os constituem permanentemente”. Para além disso, González Rey (2009, p. 17), nos atenta para o fato de que os significados não podem, por si só, serem apreendidos de forma isolada ou neutra a partir de uma estruturação puramente externa ao indivíduo, pois “todo saber é uma aproximação ao empírico desde um tecido complexo de representações do sujeito

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configuradas em suas práticas culturais, sejam estas cotidianas (representações sociais), ou científicas”. É da compreensão dessa relatividade de apreensão do significado que surge o que nomeamos como sentido. No que diz respeito à sua definição dentro da obra de Vygotsky, “o sentido aparece assim como uma fonte essencial do processo de subjetivação e é ele que define o que o sujeito experimenta psicologicamente diante da expressão de uma palavra.” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 49). Para além da questão específica da linguagem, propomos que o sentido é a maneira pela qual o sujeito, de forma processual e contínua ao longo da completude de sua história de vida, apreende e significa todas as suas experiências de forma dialética e complexa, a partir da integralidade de suas significações anteriores e da interação constante com os diversos sentidos, construídos e em construção, em sua subjetividade. Concordamos que é fundamental entender que, como proposto por Aguiar e outros (2009, p. 63), “os sentidos não são respostas fáceis, imediatas, mas são históricas. Constituem-se a partir de complexas reorganizações e arranjos, em que a vivência afetiva e cognitiva do sujeito, totalmente imbricadas na forma de sentidos, é acionada e mobilizada.”. Sendo assim, a construção dos sentidos transcende a mera apreensão, ou ainda, a racionalização do vivido, envolvendo também a emocionalidade inerente a todas as ações humanas, pois “todo sentido subjetivo está associado a necessidades que o sujeito sente no contexto em que atua. Delas se derivam emoções e processos simbólicos que, em suas relações, determinam o sentido da atividade para o sujeito.” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 54). No interesse de podermos apontar para a pessoalidade ativa e multideterminada dessa construção, é valioso perceber que “os sentidos se constituem nessas relações, nesse movimento de sermos afetados afetiva e cognitivamente, de nos mobilizarmos, construirmos necessidades, vontades e, finalmente, encontrarmos/significarmos algo que nos satisfaça e, portanto, nos motive.” (AGUIAR et al, 2009, p. 67). A partir dessas ideias, se dá visibilidade às particularidades por meio das quais se configura, de forma fundamentalmente complexa e dialética, a relação entre as internalizações feitas pelo sujeito e a construção e reconstrução do que se apresenta no contexto social mais amplo. Quanto a isso, González Rey (2004, p. 52) nos diz que “a definição de sentido nos permite ultrapassar as dicotomias conscienteinconsciente, individual-social, afetivo-cognitivo, intra-inter, etc., pois o sentido se produz de forma simultânea na integração dessas dimensões.” Ainda nesse sentido, essa categorização nos dá subsídios para desmontar a ideia de determinismo social da subjetividade, ao percebermos que ainda que seja a partir do lócus social que invariavelmente angariaremos elementos para o desenvolvimento da subjetividade

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individual, esse processo não nos influencia de maneira linear, pois “é nesse mundo que encontramos a fonte para a composição de registros afetivos e intelectuais, sem que os pensemos como um carimbo do mundo em nós, mas como movimento e construção.” (AGUIAR et al, 2009, p. 65). Tendo em mente as construções fundamentais acerca dos conceitos de sentido e significado, remetemos às categorias que nos ajudarão mais expressivamente na discussão da relação complexa entre as formas possíveis de subjetivação dentro da sociedade de consumo, as subjetividades individual e social.

2.2.2 Subjetividade individual e subjetividade social

Atentamos para a necessidade de se perceber a separação entre subjetividade individual e subjetividade social apenas como exercício teórico na compreensão dos processos constitutivos dos meios de subjetivação, o que implica que a separação não seja tão clara, tampouco palpável ou prática. Caso contrário, cairíamos no mesmo processo de dicotomização entre individual e social que insiste em permear a Psicologia, e que já criticamos em um momento anterior. A ideia que defendemos, pelo contrário, é a de que “a subjetividade é um sistema complexo que tem dois espaços de constituição permanente e inter-relacionada: o individual e o social, que se constituem de forma recíproca e, ao mesmo tempo, cada um está constituído pelo outro.” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 141). Ao invés de se referirem a duas categorias diferenciadas, portanto, subjetividade social e subjetividade individual devem ser interpretadas como dois momentos diferenciados dentro de um mesmo processo contínuo e sem ordem de sequência determinada, que é o de produção de subjetividade. Gonçalves e Bock (2009, p. 143) ratificam esse posicionamento ao colocarem que “a relação entre o sujeito individual e os fenômenos sociais é de constituição mútuas, os elementos da relação não são exteriores um ao outro, e a determinação de um sobre o outro não é direta, imediata.” A partir desse posicionamento é possível quebrar a ideia de determinismo causal, pois interno e externo passam a ser duas categorias inter-relacionadas de maneira contínua e complexa. Tendo em mente as colocações anteriores, o que se pretende localizar como características do momento pessoal do processo de subjetivação, ou ainda, da subjetividade individual, são as características das quais dispõe o sujeito na apreensão do que se coloca para seu processo de subjetivação, a partir de suas próprias capacidades previamente construídas e, portanto, de sua forma própria de apreensão da experiência social. (GONÇALVES; BOCK, 2009). Nesse momento nos é relevante a retomada da categoria de sentido, pois propomos que

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é nos entrelaçamentos entre os sentidos que o sujeito já possui e os sentidos produzidos nas experiências singulares em que se encontra que se estabelecem os mecanismos formativos da subjetividade em seu momento individual. Elaborando sobre essa colocação, podemos dizer, a partir de González Rey (2004, p. 144), que “toda expressão psicológica é uma produção de sentido associada a uma configuração pessoal que tem uma história e um contexto social que se configura de uma forma determinada diante da ação concreta de um sujeito, e que também tem uma história na vida desse sujeito”. Ainda nesse sentido, reconhecemos como primordial a implicação do sujeito em alguma medida para que haja produção de sentido sobre a atividade experienciada. “Os atos ou experiências que não têm sentido para o sujeito não se refletem em sua personalidade, representando eventos formais sem significação para o desenvolvimento pessoal.” (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 259). A partir disso, concebemos que se não há sentido, não pode haver subjetivação da experiência. Eliciadas as características próprias do momento individual dos processos de subjetivação, voltamos ao reconhecimento do que se pretende nomear como subjetividade social. A partir das colocações de González Rey (2004; 2005) e de vários outros autores (BOCK; GONÇALVES, 2009), podemos dizer que entendemos por subjetividade social as características imanentes dos diferentes espaços de configuração e interação sociais, elencados pelo processo de desconstrução de suas pretensões ideológicas de objetividade e a partir do crivo dialético que propõe sua construção e significação como movimento e processualidade não universais e situados espaço tempo culturalmente, atentando para sua constante relação com as subjetividades individuais que as compõe. Ainda, podemos dizer que “cada configuração subjetiva de um espaço social está constituída por elementos de sentidos procedentes de outros espaços sociais, assim como de elementos que caracterizaram esse próprio espaço em momentos históricos anteriores”. (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 209). Sendo assim, propomos que se pode pensar em subjetividades sociais múltiplas que se influenciam de forma contínua e inter-relacionada na sua constante (re)construção e (re)significação, existentes em todos os contextos sociais e em diferentes escalas, seja na escola, em um bairro, ou na amplitude da sociedade de consumo, por exemplo. Concordamos com González Rey (2005, p. 202) ao dizer que, a partir dessa concepção, “os processos sociais deixam de ser vistos como externos em relação aos indivíduos [...] para serem vistos como processos implicados dentro de um sistema complexo, a subjetividade social, da qual o indivíduo é constituinte e, simultaneamente, constituído.”. Nesse mesmo sentido, Gonçalves e Bock (2009, p. 144) nos dizem que “é preciso reconhecer a existência de produtos subjetivos ‘sociais’ e abordá-los da mesma forma. A subjetividade

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não se esgota em seus elementos individuais: o indivíduo age sobre o mundo, relaciona-se, realiza, objetivamente, o que elaborou subjetivamente.” Discordamos das autoras apenas na utilização do termo objetivamente, pois concebemos que qualquer relação mediada entre subjetividades é, essencialmente, subjetiva. Em uma tentativa de sumarizar o que entendemos como subjetividade, pensamos o seguinte:

A subjetividade não é um sistema racional. Sua organização e desenvolvimento não estão subordinados à razão humana, embora se expressem nela e sejam influenciados por ela. As posições racionais do ser humano são, na realidade, produções de sentido, na medida em que se organizam sobre a base dos interesses e necessidades relacionados aos contextos desde os quais atua, e a partir de suas histórias nesses contextos. Isso situa no centro da potencialidade mobilizadora da razão uma emocionalidade comprometida com uma história e com uns valores que não são iguais para cada nação, grupo social, família ou pessoa que se situam em culturas diferentes. A razão está subordinada a uma produção histórica de sentidos e não ao contrário. Precisamente, é essa uma das características do funcionamento subjetivo humano que tanto dificulta a solução de conflitos em qualquer grupo ou sociedade humana. Cada cultura é uma fonte de produção de sentidos socialmente compartilhada e institucionalmente regulada e controlada, que dificulta muitos os processos de particularização individuais. E esses, paradoxalmente, são essenciais para o desenvolvimento de uma subjetividade social saudável. (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 131).

A escolha dessa definição de subjetividade no direcionamento da discussão desse trabalho não é acidental. Achamos importante o reconhecimento da dinâmica complexa entre individual e social na definição da subjetividade, e não pretendemos em nossa análise apontar configurações invariáveis de subjetivação dentro do contexto da sociedade de consumo. Nossa discussão, pelo contrário, passa pelas possibilidades de organização subjetiva dentro desse contexto, a partir da proposição de que, se concebemos a subjetividade social como um sistema inter-relacionado e recursivo de subjetividades, há que se reconhecer que uma organização social que se apresenta tão difundida como a lógica de consumo não tem como passar inerte, de uma maneira ou outra, na formação das diversas subjetividades individuais e sociais. Sendo assim, no intuito de embasar essa discussão, há que se compreender o que nomeamos como sociedade de consumo dentro de seus processos constitutivos e organização atual, aspectos que serão apresentados no próximo capítulo para que possamos, então, refletir sobre suas possíveis implicações na formação de subjetividades.

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3 A SOCIEDADE DE CONSUMO: da modernidade à pós-modernidade

Com o intuito de possibilitar a compreensão dos possíveis entrelaçamentos entre subjetividade e sociedade de consumo, consideramos relevante a retomada de alguns fatos históricos que permitam a contextualização do desenvolvimento recente dessa sociedade, suas bases e características culturais, políticas e econômicas. Dito isso, e a partir do entendimento de que o consumo em si não é exclusivo dos tempos atuais ou mesmo da espécie humana, como exposto por vários autores como Bauman (1999; 2001), Barbosa (2010) e Lipovetsky (2005), propomos a análise das circunstâncias sociais que possibilitaram a emergência da configuração específica que o consumo tem nos dias atuais. Para tanto, é preciso compreender as especificidades de algumas características dos dois momentos mais recentes na história humana, a modernidade e a pós-modernidade, tanto no que diz respeito às suas evoluções tecnológicas e práticas quanto culturais e ideológicas. Consideramos a modernidade, a partir da retomada histórica realizada por Gonçalves (2008), como o princípio constitutivo da sociedade contemporânea, associada de forma intrínseca à Revolução Industrial e à ascensão da classe burguesa ao poder no século XVIII. Ainda que nessa fase não seja observável a generalização do consumo, característica da sociedade globalizada, é nesse período histórico que se “tornam fecundos os ideais e os meios sociais e tecnológicos pelos quais a sociedade de massa nascente irá criar e desenvolver a cultura de massa”. (GONÇALVES, 2008, p. 20). Ou seja, é a partir da instauração do capitalismo pelo desenvolvimento da indústria na modernidade que são lançadas as bases da ressignificação do consumo na vida humana, definidora do período pós-moderno. Essa concepção não é uníssona, podendo ser observado que para alguns autores o início das alterações da forma como nos relacionamos com o consumo é anterior à Reforma Industrial. A esse respeito, Barbosa (2010, p. 15) propõe que “uma Revolução do Consumo e Comercial precedeu a Revolução Industrial e foi um ingrediente central da modernidade e modernização ocidental”. Concordamos em parte com essa afirmação, porém, há que se considerar que os novos elementos introduzidos pelo desenvolvimento industrial alteraram profundamente a organização dessas subjetividades sociais ao introduzirem elementos radicalmente novos, reificando ou, no mínimo, acelerando vertiginosamente a relação homem-consumo. Esses novos elementos se materializaram tanto no que diz respeito às inovações tecnológicas quanto na revolução cultural modernista, categorias que merecem análises específicas.

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3.1 Desenvolvimento tecnológico e mudanças estruturais na modernidade

As mudanças profundas operadas na modernidade são indissociáveis dos desenvolvimentos tecnológicos alcançados nesse período ao longo de todo seu percurso. De fato, podemos pensar na própria modernidade como função desse desenvolvimento tecnológico, a partir do momento que:

Pode-se associar o começo da era moderna a várias facetas das práticas humanas em mudança, mas a emancipação do tempo em relação ao espaço, sua subordinação à inventividade e à capacidade técnica humanas e, portanto, a colocação do tempo contra o espaço como ferramenta da conquista do espaço e da apropriação de terras não são um momento pior para começar uma avaliação que qualquer outro ponto de partida. A modernidade nasceu sob as estrelas da aceleração e da conquista de terras, e essas estrelas formam uma constelação que contém toda a informação sobre seu caráter, conduta e destino. (BAUMAN, 2001, p. 131).

É nos desenvolvimentos industriais que localizamos os primeiros mecanismos de controle do tempo, como bem lembra Gonçalves (2008), a partir do incremento e do controle da produção dos bens de consumo. Para além dos desenvolvimentos característicos exclusivamente do interior da indústria, porém, essa conquista do tempo e do espaço pelos homens é acelerada pelo desenvolvimento de tecnologias que passaram a permear a sociedade em sua totalidade, principalmente os meios de transporte e os meios de comunicação, que possibilitaram a alteração da relação espaço temporal também em uma escala social mais ampla. As formas de transporte foram um aspecto central que possibilitou a disseminação dos meios capitalistas em larga escala. Podemos dizer que “foi antes de mais nada a disponibilidade de meios de viagem rápidos que desencadeou o processo tipicamente moderno de erosão e solapamento das ‘totalidades’ sociais e culturais localmente arraigadas”. (BAUMAN, 1999, p. 21). Temos ainda que a extensão quase natural dos meios de comunicação de massa encontrou na modernidade seu momento de surgimento e fechou o ciclo do que foi o período inicial da globalização tanto dos produtos quanto dos valores capitalistas, a partir do momento que passaram a integrar explicitamente o discurso e a técnica produtiva. (MANCEBO, 2002). A continuação do clima social instaurado pela Revolução Industrial e o consequente desenvolvimento tecnológico dos meios de produção e comunicação implicaram no desenvolvimento e prevalência de fato da economia de mercado e das ideias de acúmulo que “aliadas à farta mão de obra barata, são os fatores que formaram a conjuntura para a

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cristalização do modo de produção capitalista no Ocidente”. (GONÇALVES, 2008, p. 20). Essa cristalização teve como consequência o crescimento exponencial das indústrias, culminando no ápice do que Bauman (2001, p. 134) define como modernidade pesada, momento em que “o progresso significava tamanho crescente e expansão espacial.” A estabilidade relativa desse primeiro momento da modernidade foi calcada pelo fato de que “o tempo rotinizado prendia o trabalho ao solo, enquanto a massa dos prédios da fábrica, o peso do maquinário e o trabalho permanentemente atado acorrentavam o capital. Nem o capital nem o trabalho estavam ansiosos para mudar, e nem seriam capazes disso.” (BAUMAN, 2001, p. 135). No que diz respeito a essa configuração pesada da modernidade, podemos dizer que o decorrer do século XX trouxe algumas mudanças importantes que foram definidoras de sua dessubstancialização e, consequentemente, da instauração do consumo como um valor cultural globalizado. Um primeiro momento diz respeito à crise da superprodução capitalista na década de 1920, período no qual “a produção era tamanha que a demanda não conseguia absorvê-la, provocando o excesso da oferta frente à procura, ocasionando uma absurda queda dos preços e, consequentemente, dos lucros da burguesia”. (GONÇALVES, 2008, p. 22). Essa crise lançou as bases da mudança de foco fundamental, que só operou integralmente na pósmodernidade, da lógica de produção de mercadorias para a lógica da produção de demanda, no intuito de estimular o mercado a partir da constatação da necessidade de que se incentive o crescimento do consumo na manutenção do sistema econômico vigente. Ainda quanto a essas mudanças, um segundo momento pode ser atribuído às consequências das duas Grandes Guerras e da Guerra Fria na subsequente abertura às afluências culturais globais decorrentes de suas conclusões. A partir das reflexões de Gonçalves (2008), propomos que esses conflitos tiveram implicações tanto no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico que, impulsionado, levou à criação dos mecanismos que possibilitaram a comunicação em uma escala global, quanto ao desenvolvimento das mudanças conceituais na definição de mercado, que se alargou na integração do conceito de capital humano, sendo toda pessoa potencialmente consumidora e trabalhadora, o que culminou na reorganização do Estado tendo em vista a reprodução desses sujeitos de consumo-trabalho a partir de seus dispositivos. A culminação dessa nova organização estrutural da sociedade, do desenvolvimento impulsionado das tecnologias de comunicação e transporte e do que se propõe como emancipação do tempo em relação ao espaço, aponta para o último estágio de interligação planetária, a saber, a disseminação generalizada de informação e comunicação característica

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da passagem da modernidade à pós-modernidade, materializada no processo de globalização. Podemos dizer que, nesse momento, “desenvolveram-se de forma consistente meios técnicos que também permitiram à informação viajar independente dos seus portadores físicos – e independente também dos objetos sobre os quais informava.” (BAUMAN, 1999, p. 21). Esses são aspectos definidores da sociedade de consumo contemporânea, sendo observável que na passagem à pós-modernidade, “a faceta tecnológica das mudanças globais – a nova tecnologia das comunicações e da informática, já cunhada, por muitos, de revolução da microeletrônica – vem sendo apresentada como uma das principais responsáveis por grande parte dessas novas dinâmicas.” (MANCEBO, 2009, p. 78). Explicitados alguns dos aspectos tecnológicos e estruturais do percurso até a contemporaneidade, há que se reconhecer que todas essas transformações organizativas se deram em um contexto cultural extremamente particular, muitas vezes fragmentado e paradoxal, marcado por lutas de classes e por valores morais e éticos conflituosos que permearam seu percurso histórico e vieram a ter consequências diretas na organização pósmoderna. Trata-se do clima cultural moderno, que tem ressonâncias, tal como argumenta Lipovetsky (2005), definidoras da contemporaneidade.

3.2 A cultura moderna

A principal definição do momento cultural da passagem à modernidade, pensamos, é a ruptura ideológica radical com os valores previamente instituídos na tradição monárquica. A ascensão burguesa ao poder implicou na disseminação generalizada dos ideais que fomentaram a Revolução Francesa, e consequentemente na instauração de uma nova sociedade que “tem aversão ao Antigo Regime, e proclama-se a Liberdade personificada através de meta narrativas filosóficas, da Razão.” (GONÇALVES, 2008, p. 19). Nesse sentido, é com o objetivo de desconstruir, ou ainda, aniquilar completamente o passado que se impõe os novos valores culturais dessa época. Bauman (2001, p. 9) explicita esse fato ao afirmar que “essa intenção clamava, por sua vez, pela ‘profanação do sagrado’: pelo repúdio e destronamento do passado, e, antes e acima de tudo, da ‘tradição’ – isto é, o sedimento ou resíduo do passado no presente”. Não se tratava, portanto, de uma tentativa de transformação da sociedade, a partir do momento que essa concepção implicaria na reciclagem de elementos já existentes, mas de operar um começo em si mesmo, radicalmente novo. O sucesso dessas propostas ideológicas em um nível estrutural na modernidade, porém, é altamente refutável, assim como é questionável a intenção mais profunda por trás de

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sua operação no florescimento dessa nova sociedade. Podemos dizer que “se a burguesia revolucionou a produção e as trocas, por sua vez a ordem cultural na qual ela se desenvolveu permaneceu disciplinar, autoritária e, se levarmos em conta os EUA, mais precisamente puritana” (LIPOVETSKY, 2005, p. 63). Ou seja, se por um lado foi na adoção da bandeira da renovação cultural que a ascensão da burguesia e instauração do capitalismo tiveram a fonte geradora de sua força motriz, por outro é indelével a percepção de que, em última análise, não operaram uma cisão histórica como propuseram, mas apenas uma realocação dos mecanismos de poder e controle. Percebemos, a partir da constatação de sua inexistência na prática e na estrutura real da sociedade dessa época, que a nova liberdade e autonomia individual teoricamente objetivada na modernidade não passou de uma construção ideológica ilusória que, à medida que teve seu valor instrumental de instauração de um novo regime social esgotada, foi abandonada em favor da reiteração de uma lógica de dominação.

Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforço dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e apropriados para aquele lugar. (BAUMAN, 2001, p. 13).

Essa reiteração de poder implica na culminação das históricas lutas de classe, características de formas de subjetividade social que só foram possíveis devido à configuração pesada da modernidade, momento em que o contato materialmente próximo entre empregados e empregadores permitem a delimitação de conflitos claros. (BAUMAN, 2001). Percebemos assim que a modernidade foi um período do tempo permeado por disputas entre segmentos distintos da sociedade e de lutas sociais recorrentes por parte da população menos favorecida, aspectos que só foram possíveis graças à relação estreita, ainda que antagônica, entre os diferentes setores da sociedade. É esse o aspecto moderno cuja exposição parece tomar precedência na maioria das análises da modernidade. A partir da análise do cenário artístico e cultural da modernidade feita por Lipovetsky (2005), porém, notamos que há um outro movimento que é definidor do clima social que se instaurou no caminho da modernidade para a pós-modernidade: o modernismo. “O modernismo não se contenta em produzir variações estilísticas e temas inéditos, ele quer

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romper a continuidade que nos liga ao passado, instituir obras absolutamente novas.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 61). Podemos perceber que essa visão artística partiu, em certa medida, de ideologias semelhantes às que outrora se apresentaram como base do advento do capitalismo mas foram abandonadas estruturalmente em seu percurso, com a diferença de que se objetivava leva-las às últimas consequências. O rompimento com o instituído foi, afinal, o que embasou tanto o solapamento da monarquia na inauguração da modernidade quanto os ataques à cultura capitalista no movimento modernista, mas existe uma diferença que os distingue fundamentalmente: o fato de que enquanto o capitalismo buscou a partir da ruptura, como aponta Bauman (2001, p. 10) “descobrir ou inventar sólidos de solidez duradoura, solidez em que se pudesse confiar e que tornaria o mundo previsível e, portanto, administrável”. O modernismo artístico é mais radical nessa ruptura, apontado para a instauração de “uma cultura radicalmente individualista, no fundo suicida, que considera como valor apenas a renovação.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 62). O aspecto mais fundamental desse movimento cultural, para o entendimento de suas posteriores consequências na pós-modernidade, está no fato de que traz à tona a valorização do efêmero, da experiência individual e do prazer acima de todas as coisas, reinstaurando uma forma modernizada de hedonismo. É o que Lipovetsky (2005, p. 72) caracteriza como “a revolução individualista, pela qual, pela primeira vez na história, o ser individual, que é igual a qualquer outro, é percebido e percebe a si mesmo como fim último, concebe-se isoladamente e conquista o direito da livre disposição de si mesmo”. É na operação da fusão dessa ideologia modernista ao cerne organizativo do capitalismo, operada no momento que se teve a alteração o foco da produção de produtos para a produção de demanda, que reside o germe do desenvolvimento da sociedade pós-moderna, ou ainda, da sociedade de consumo em si. “Pode-se afirmar que o neoliberalismo1 baseia-se numa constelação ideológica em que o renascimento vigoroso do mercado e do individualismo aparecem como articuladores nucleares da prática social e das relações que os homens estabelecem entre si.” (MANCEBO, 2009, p. 78). Podemos dizer ainda, a partir da análise de Lipovetsky (2005, p. 63) que “é com o aparecimento do consumismo de massa nos EUA, na década de 1920, que o hedonismo, até então apanágio de uma pequena minoria de artistas e intelectuais, vai se tornar o comportamento geral na vida corrente.”

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Define-se neoliberalismo como uma ideologia política capitalista que defende a abertura total da economia à globalização e a independência integral do mercado em relação ao estado (CANCLINI, 1999). Mais informações podem ser encontradas em Lipovetsky (2007).

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Sendo assim, se por um lado, como diz Mancebo (2002, p. 291) a “lógica da mercadoria e da racionalidade instrumental invadia o consumo, as atividades de lazer, a arte e a cultura, de modo que a recepção cultural tornou-se condicionada pelo valor de troca, na mesma medida em que os valores e propósitos mais elevados da cultura sucumbiram”, por outro, como argumenta Lipovetsky (2005), a reiteração da criação de necessidades de consumo adotada pela nova lógica capitalista, visando permitir o desafogamento de suas corriqueiras crises de superprodução, reinstaura e legitima culturalmente o hedonismo modernista. Concluímos então que ocorreu nesse momento a incorporação da ideologia modernista que caracterizou um paradoxo estrutural no capitalismo pós-moderno, pois enquanto operava sob os valores protestantes, os aspectos econômicos e culturais desse sistema formavam “um conjunto coerente, favorável ao acúmulo de capital, ao progresso, à ordem social; porém à medida que o hedonismo se impôs como valor último e como legitimação do capitalismo, este perdeu sua característica de totalidade orgânica”. (LIPOVETSKY, 2005, p. 65). No entanto, reconhecemos que essa subversão dos valores capitalistas foi fundamentalmente necessária para a sobrevivência desse sistema na contemporaneidade e, portanto, fomentado continuamente por ele. Podemos dizer que “se observarmos a cultura sob o ângulo do modo de vida, é o próprio capitalismo e não o modernismo artístico que vai ser o artesão principal da cultura hedonista.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 63-64). É a partir desse cenário que localizamos o advento da pós-modernidade, ou ainda, da própria cultura de consumo.

3.3 A cultura pós-moderna

A definição da pós-modernidade é um tema polêmico e fragmentado, sendo possível perceber posicionamentos radicalmente diferentes entre os teóricos que se propõe a estudá-la. Mesmo nas referências elencadas para nossa discussão, podem ser observadas discrepâncias. Enquanto Bauman (1999, p. 88) diz que na pós-modernidade “as diferenças são tão profundas e multiformes que justificam plenamente falar da nossa sociedade como sendo de um tipo distinto e separado”, podemos pensar também, a partir da consideração das propostas de Lipovetsky (2005), que o que é operado na pós-modernidade é a vitória da ideologia individualista que permeou em alguma medida a cultura social ao longo de toda a modernidade, o que significa que a esse período não opera uma ruptura, mas uma continuação. Pensamos, porém, que essa contradição não inviabiliza o diálogo entre as duas concepções, mas as enriquece, a partir do momento que percebemos que essas diferenças de

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ponto de vista são mais função dos aspectos definidos pelos autores como a gênese do momento contemporâneo do que da descrição que fazem de suas características, que em muitos momentos é ressonante. Essas características podem ser sumarizadas a partir da visão defendida por Bauman (2005) na definição da pós-modernidade como uma modernidade líquida, em oposição à modernidade pesada do período anterior. O que o autor pretende com a metáfora é a explicitação da perda de substancialidade das referências sociais, agora multiplicadas pelas ligações transnacionais, da difusão dos centros de poder que não mais operam a partir de pontos claramente definidos no espaço, e portanto dificilmente antagonizáveis, e em última instância da liquidificação da maneira como nos percebemos e percebemos a própria realidade, a partir da velocidade inerente à existência na pós-modernidade. Bauman (1999, p. 86) reforça essa ideia ao dizer que na pós-modernidade temos “um mundo com pontos de referência sobre rodas, os quais têm o irritante hábito de sumir de vista antes que se possa ler toda a sua instrução, examiná-la e agir de acordo”. Sendo assim, esse período pode ser caracterizado a partir das mudanças gradativas de um momento de referência em organizações culturais preponderantemente estáveis e relativamente territoriais para um período em que essas referências são realocadas para organizações que se tornam fundamentalmente fluidas, instáveis e mutáveis, permeadas pelas transações intrínsecas à velocidade de seus processos globalizados e informatizados. Essa conceituação nos aponta para diversos aspectos da contemporaneidade. Em primeiro lugar, percebemos que é na pós-modernidade que a globalização inaugurada na modernidade chega ao seu período de disseminação integral, o que é possibilitado justamente pela continuação do desenvolvimento tecnológico iniciado anteriormente. Temos, como proposto por Mancebo (2009, p. 76) “o incremento das interconexões globais, cujas manifestações extrapolam o econômico, existindo virtualmente em todos os aspectos da vida social contemporânea.” Essa abertura global forma parte indissociável da cultura pósmoderna, sendo, portanto, possível dizer que “a velocidade acelerada e crescente da técnica constitui-se numa especificidade das inovações do contexto global, o que significou a imposição mais universal e peremptória desse ritmo aos corpos, às relações sociais e a toda produção humana.” (MANCEBO, 2002, p. 292). Como reconhecido por diversos autores (BAUMAN, 1999; LIPOVETSKY, 2005; MANCEBO, 2002) esse processo acontece de forma desigual e tem consequências diferentes dependendo da posição, principalmente econômica, do país. Mas o que pretendemos reconhecer nesse momento é o fato de que a afluência das diversidades culturais se impõe como parte notadamente indissociável da pós-

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modernidade. Corroborando essa ideia, Mancebo (2002, p. 293) aponta que “estamos envolvidos diariamente numa série crescente de contatos culturais com outros, que ampliam o leque de definições conflitantes do mundo com as quais somos postos em contato”. Diante dessa nova realidade, percebemos que “as distâncias já não importam, ao passo que a ideia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no ‘mundo real’.” (BAUMAN, 1999, p. 19). Outro aspecto importante que nos aponta a ideia de modernidade líquida é o fato de que se na modernidade a relação entre tempo e espaço foi reestruturada, na modernidade líquida ela chega a ser completamente aniquilada. Isso, aliado à reiteração de “uma cultura estritamente individualista, com tudo a inventar, paralelamente a um sistema político baseado apenas na soberania das vontades humanas” (LIPOVETSKY, 2005, p. 67), culmina na fixação da cultura individualista na agenda social: “A instantaneidade [...] faz com que cada momento pareça ter capacidade infinita; e a capacidade infinita significa que não há limites ao que pode ser extraído de qualquer momento – por mais breve e ‘fugaz’ que seja.” (BAUMAN, 2001, p. 145). Nesse sentido, Lipovetsky (2005, p. 84) acrescenta ainda que se tem “a liberação cada vez mais ampla da esfera particular, agora entregue a um self-service generalizado, à velocidade da moda, à flutuação dos princípios, dos papéis e status.”. É exatamente nessa nova organização que a liquidez do momento contemporâneo se apresenta mais claramente. Essa nova organização aponta para uma multiplicação das referências identitárias que, aliada à nova dinâmica da mobilidade, implica ainda em um período de apaziguamento dos conflitos de classe e de crescente desengajamento social. Bauman (2001) argumenta que isso foi possível a partir do momento que se tem a dissolução da relação direta entre empregadores e empregados na pós-modernidade, período no qual o poder é retido pelos que tem condições de se mover mais rapidamente. Podemos dizer que “a modernidade ‘sólida’ era uma era de engajamento mútuo. A modernidade ‘fluida’ é a época do desengajamento, da fuga fácil e da perseguição inútil. Na modernidade ‘líquida’ mandam os mais escapadiços, os que são livres para se mover de modo imperceptível.” (BAUMAN, 2001, p. 140). Essa imperceptibilidade, pensamos, implica na impossibilidade de identificação dos mecanismos de poder e na indefinição da imposição desse poder sobre os indivíduos. Isso, aliado ao enfraquecimento de referências identitárias fixas, inviabiliza a estruturação de reivindicações sistematizadas, ou até mesmo subverte a percepção de qualquer exercício de dominação. As consequências mais diretas desse processo podem ser percebidas no que Lipovetsky (2005) localiza como uma mudança fundamental na lógica democrática na pós-

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modernidade, que implica no apaziguamento da participação política. Podemos dizer que esse engajamento mais proeminente na modernidade “cedeu lugar a um consenso existencial e tolerante, a democracia se tornou uma segunda natureza, uma ambiência, um meio ambiente. A ‘despolitização’, da qual somos testemunhos, vai a par com a aprovação muda, flou e não política do espaço democrático.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 106). Ainda nesse sentido, Bauman (2001, p. 147) propõe que “a nova instantaneidade do tempo muda radicalmente a modalidade do convívio humano – e mais conspicuamente o modo como os humanos cuidam (ou não cuidam, se for o caso) de seus afazeres coletivos”. Tendo em vista essas características da modernidade líquida, propomos que é da combinação entre o desenvolvimento acelerado das tecnologias de comunicação de massa que permitiram a anulação do tempo, ou ainda, a instantaneidade da informação (BAUMAN, 2001; MANCEBO, 2002), e dos valores hedonistas legitimados na cultura individual, disseminados a partir das alterações estruturais da pós-modernidade e da alteração das formas de participação política da sociedade (LIPOVETSKY, 2005), que surge o clima sócio cultural característico do contexto contemporâneo. Essas características abrangem, e em muitos momentos são ditadas, pela integração universal das pessoas no circuito das mercadorias, o que se apresenta como a principal característica da modernidade líquida, ou ainda, da sociedade de consumo.

3.3.1 A sociedade de consumidores

Optamos por um tópico específico para a caracterização da sociedade de consumo tendo em vista a especificidade do termo para a proposta desse trabalho, mas propomos que não se pode pensar a pós-modernidade sem pensar nessa organização social em torno do consumo. Barbosa (2010, p. 7) aponta que “sociedade de consumo [...] remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, para alguns, das sociedades contemporâneas.” Acreditamos que a configuração atual do consumo é de fato estruturalmente inseparável do período contemporâneo, sendo que a modernidade líquida, com todas as suas características explicitadas anteriormente, é em última análise a própria sociedade de consumo. Como já reconhecemos anteriormente, essa atribuição não implica inferir na exclusividade do consumo na nossa sociedade, mas antes, apontar a especificidade com que se configura a centralidade dessa categoria no contexto pós-moderno. Concordamos com Barbosa (2010, p. 14) quando a autora diz que “a cultura material e o consumo são aspectos

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fundamentais de qualquer sociedade” o que aponta para o fato de que a utilização dessa categoria para caracterizar exclusivamente a sociedade contemporânea “significa admitir que o consumo está preenchendo, entre nós, uma função acima e além daquela de satisfação de necessidades materiais e de reprodução social comum a todos os demais grupos sociais.” (BARBOSA, 2010, p. 14). O consumo na contemporaneidade se apresenta antes como consumismo, pela sua exacerbação objetivada na época pós-moderna, ainda que achemos necessária a retirada do juízo de valor comumente atribuído ao termo nessa utilização para que se possa percebê-lo enquanto indicativo do aumento exponencial da quantidade das coisas que se consome na atualidade. Pensamos que essa definição se justifica pela observação de que tanto nossos valores culturais quanto nossa organização social globalizada têm como direcionador principal a estimulação do consumo. A esse respeito, podemos dizer que:

Quando falamos de uma sociedade de consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial de que todos os membros dessa sociedade consomem; todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas ‘consomem’ desde tempos imemoriais. O que temos em mente é que a nossa é uma ‘sociedade de consumo’ no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma ‘sociedade de produtores’.[...] Mas no seu atual estágio final moderno (Giddens), segundo estágio moderno (Beck), supramoderno (Balandier) ou pós-moderno, a sociedade moderna tem pouca necessidade de mão-de-obra industrial em massa e de exércitos recrutados; em vez disso, precisa engajar seus membros pela condição de consumidores. A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel. (BAUMAN, 1999, p. 87-88).

Sendo assim, observamos a primeira característica definidora do consumo contemporâneo: ele se apresenta enquanto estrutura retroalimentada e estimulada artificialmente na manutenção do modo como nos relacionamos, tanto social quanto economicamente.

É

preciso

considerar

que

a

manutenção

do

capitalismo

na

contemporaneidade é fortemente associada a essa lógica, a partir do momento que “não há retomada ou crescimento possível, a longo e médio prazo, sem uma forte demanda de consumo.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 103). A segunda característica que propomos como definidora do consumo pós-moderno é o fato de que ele não se apresenta mais como simples consumo de coisas concretas, mas antes como um consumo fundamentalmente imaterial. Bauman (1999, p. 91) nos diz que, na modernidade líquida, “os consumidores são primeiro e acima de tudo acumuladores de sensações; são colecionadores de coisas apenas num sentido secundário e derivativo.” É

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ressonante com esse posicionamento o fato de que “o desejo dos consumidores é experimentar na vida real os prazeres vivenciados na imaginação, e cada novo produto é percebido como oferecendo uma possibilidade de realizar essa ambição.” (BARBOSA, 2010, p. 53). Concordamos com essa visão, considerando a percepção de que o consumo contemporâneo deixa de se apresentar enquanto uma necessidade prática para, a partir do hedonismo modernista legitimado pelo capitalismo, se apresentar como um valor moral em si mesmo (LIPOVETSKY, 2005). Por último, apontamos para o que pensamos ser o principal mantenedor desse significado do consumo como valor: a ideologia da escolha. Pode-se pensar que “a oferta presente no consumo multiplica as referências e modelos, destrói as fórmulas imperativas, exacerba o desejo da pessoa de ser inteiramente ela mesma e gozar a vida, transforma cada qual num operador permanente de seleção e de combinação livre.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 86). É importante notar, porém, que não existe uma escolha quanto a fazer uma escolha, e nem sempre a opção que se possa querer é objetivamente possível. A limitação dessa liberdade, então, reside no fato de que a possibilidade de seleção do que se consome não é universal, ao passo de que a visibilidade da oferta é. Nesse sentido achamos difícil concordar com Barbosa (2010, p. 40) quando diz que “não existe punição para o não-consumo ou obrigatoriedade para fazê-lo. Em suma, enquanto diversas instituições sociais possuem poder de coerção sobre as pessoas, o mesmo não ocorre quando se trata de consumidores.” Propomos que esse poder de coerção existe de uma forma mais sútil, simbólica, à medida que se integrar enquanto consumidor em uma sociedade de consumo se apresenta enquanto um imperativo cuja negação só pode implicar em uma anulação do sujeito. O que tivemos como intuito nesse capítulo foi a exposição dos atravessamentos aos quais estão sujeitas todas as pessoas no contexto contemporâneo da sociedade de consumo. Não pensamos que esses atravessamentos encontrem um sujeito completamente passivo frente aos seus processos, nem que as consequências dessa lógica de consumo sejam homogêneas. Pelo contrário, achamos que a variedade de possibilidades de subjetivação frente à multiplicidade líquida da contemporaneidade pode implicar nas mais diversas formas de subjetividades individuais e sociais, e é sobre essas possíveis implicações que nos debruçamos no capítulo seguinte.

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4 CONSUMISMO E SUBJETIVIDADE(S)

Sendo coerente com as propostas da Psicologia Sócio-Histórica, já elucidadas anteriormente, não seria possível deixar de lado as experiências singulares de cada contexto social e de cada indivíduo sobre cujas subjetividades se pretendesse discutir especificamente. Como exige a natureza teórica da nossa exposição, o que pretendemos com a proposta deste capítulo é colocar, de forma generalista, as condições às quais estão expostas as subjetividades sociais e individuais na sociedade de consumo, discutindo quais são as configurações recorrentes que, de uma maneira mais ampla, podem operar sobre sua constituição. A validade de uma tentativa de generalização das implicações subjetivas do contexto cultural da sociedade de consumo é justificada a partir do momento que se percebe que, em meio à liquidez contemporânea, “identidades locais fixas desaparecem para dar lugar a identidades globalizadas flexíveis que mudam ao sabor dos movimentos do mercado e com igual velocidade” (ROLNIK, 1997, p. 1). Essa visão é ainda complementada por Lipovetsky (2007), ao fazer uma análise ampliada dos ditames do mercado embasados na mudança a partir dos princípios do sistema da moda. Adotar essa ideia não implica em ignorar as características singulares dos sujeitos e das comunidades específicas que se encontram circundados pela lógica de consumo, mas em postular a relevância de modelos teóricos dentro dos quais seja possível pensar essa multiplicidade de possibilidades de subjetivação. Tendo em mente essa delimitação, podemos pensar a sociedade de consumo e a questão da subjetividade e de sua construção em meio aos diversos estímulos e ideiasmercadoria veiculados a partir da mudança cultural e da integração da tecnologia de comunicação de massa às realidades da vida em sociedade. Sendo marcada por uma lógica de compra e venda e de exaltação progressiva da novidade, a qual se perpetua “segmentando constantemente o mercado, diversificando a oferta, lançando novos produtos, cruzando as antigas disciplinas” (LYPOVETSKY, 2007, p. 277), fica evidente a multiplicidade de ideias e valores aos quais estão sujeitos os processos de subjetivação em sua interligação com os processos próprios do mercado, materializados na retroalimentação repetitiva e altamente adaptável da lógica do consumo e na difusão global, como explicitada no capítulo anterior, desses valores e dessa realidade construída. A partir desse reconhecimento, pensamos que não é possível conceber o desenvolvimento de subjetividades, dentro da sociedade de consumo contemporânea, que não sejam marcadas de uma ou outra maneira por suas vicissitudes, tanto no que diz respeito ao

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conjunto de subjetividades sociais quanto às subjetividades individuais de seus participantes, categorias às quais propomos dedicar discussões específicas.

4.1 A sociabilidade de consumo

Pensar as subjetividades sociais no contexto contemporâneo implica, necessariamente, na consideração dos processos de globalização associados à hegemonia do sistema capitalista e, portanto, da sociedade de consumidores contemporânea, o que tem como consequência direta a reorganização da grande maioria das comunidades nacionais em sistemas transnacionais de trocas simbólicas. Canclini (1999, p. 41) nos diz que “os objetos perdem a relação de fidelidade com os territórios originários. A cultura é um processo de montagem multinacional, uma articulação flexível de pares, uma colagem de traços que qualquer cidadão de qualquer país, religião e ideologia pode ler e utilizar.” Nesse sentido podemos pensar que, no

que

diz

respeito

às

diversas

configurações

das

subjetividades

sociais

na

contemporaneidade, tem-se como ponto comum o fato de que dispõe de um arranjo de “condições existenciais em que é elevada a probabilidade de que a maioria dos homens e das mulheres venha a abraçar a cultura consumista em vez de qualquer outra, e de que na maior parte do tempo obedeçam aos preceitos dela com máxima dedicação.” (BAUMAN, 2008, p. 70). Essas colocações são pautadas na observação de que a difusão de uma cultura global baseada na lógica de mercado é indissociável de todos os setores de reprodução da vida na atualidade. Lipovetsky (2007) e Rolnik (1997) colaboram com a identificação do excesso e da abrangência desses dispositivos ao explicitarem seus mecanismos, os quais podem ser encontrados nas mais diversas áreas da existência e experiência humana, tais como trabalho, esporte, saúde, sexualidade e artes, inicialmente pela apropriação dessas dimensões pelo mercado e, posteriormente, na absorção interna de seus mecanismos por elas, que passam a apresentar a si próprias como mercadorias. Ou seja, tornam-se tanto a vida privada quanto a vida pública integradas à lógica globalizada da sociedade de consumo e elas mesmas integrantes dela, a partir do momento em que se incorpora essa lógica na produção e reprodução da realidade em todos os seus aspectos e, mais do que isso, passam a ditar os modelos idealizados a serem alcançados no intuito de tornar-se pessoa, pois “só jogadores ávidos e ricos teriam permissão de permanecer no jogo do consumo” (BAUMAN, 2008, p. 11), que passa a ser representante da própria vida.

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Essa primazia do mercado na produção de subjetividades sociais tem lugar privilegiado nos shopping centers, como argumenta Sarlo (2000, p. 19) ao dizer que são “a máquina perfeita [...], um tabuleiro para a deriva desterritorializada. Os pontos de referência são universais: logomarcas, siglas, letras, etiquetas não requerem que seus intérpretes estejam enraizados em nenhuma cultura anterior, ou distinta da cultura do mercado.” Concordamos integralmente com a colocação, mas é preciso considerar que, mesmo na sociedade de consumo, não vivemos apenas em shopping centers. Se por um lado essa generalização de preceitos a todas as esferas da vida é adequada no entendimento da formação das subjetividades sociais contemporâneas, há que se contextualizá-la. Ao considerarmos a recursividade das subjetividades sociais na integração dos novos referentes aos referentes que já se possui, uma ideia de homogeneização cultural completa não faria sentido. Sendo assim, “nem mesmo nas concentrações monopólicas de poder, acentuadas pelas políticas neoliberais, existe uma manipulação onipotente das relações socioculturais.” (CANCLINI, 1999, p. 255). O que se tem na contemporaneidade não é tanto a imposição de sentidos culturais, mas a imposição dos significados aos quais se estão sujeitas as sociedades em suas formações subjetivas. Lipovetsky (2007, p. 117) corrobora essa ideia ao apontar que “se a ordem social é clivada, o universo simbólico das normas é homogêneo.” Essa homogeneidade das normas, sem dúvida, tem implicações amplas na formação dos sentidos sociais, mas não os iguala de forma unívoca. Podemos exemplificar essas diferenciações, por exemplo, ao observar que “a relação com os movimentos globalizadores é diferente no mundo anglo-saxão e no mundo latino, isto se deve, também, às diferenças extraordinárias entre os modos de conceber a multiculturalidade nestas regiões.” (CANCLINI, 1999, p. 22). O que isso indica é a diferenciação das subjetividades sociais a partir dos repertórios subjetivos característicos de cada cultura. As diferenças culturais persistem, e ainda que os símbolos de consumo sejam os mesmos, não parece razoável igualar, por exemplo, a cultura europeia com as culturas latino americanas, ainda que ambas, em sua maioria, sejam direcionadas pela lógica de mercado. Propomos que é justamente nessa flexibilidade de integração pretensamente livre dos significados consumistas nas diferentes culturas que se encontra uma das justificativas para a reprodução praticamente incontestada, em escala global, das sociedades de consumo. Bauman (2008, p. 73) atenta para o fato de que “o consumo visto e tratado como vocação é ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal que não conhece exceção. A esse respeito, a sociedade de consumidores não reconhece diferenças de idade ou gênero [...] e não lhes faz concessões.” Sendo assim, se por um lado a flexibilidade da sociedade de consumo na apropriação das diferenças culturais subjetivas é inegável, por outro, suas imposições e

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condições são imperativas na formação das subjetividades. Essa imperatividade é concretizada inclusive em termos econômicos práticos e recai sobre os Estados pós-modernos, remetidos a essa mesma lógica em sua configuração, a função de reproduzi-la.

4.1.1 O Estado pós-moderno

Em meio à flexibilização das barreiras culturais e a integração global dos países nos circuitos do mercado, a organização dos estados nacionais na sociedade de consumo adquire configurações bastante específicas. Canclini (1999, p. 60) aponta que com enfraquecimento progressivo dos “referentes jurídico-políticos da nação [...] esvaem-se as identidades concebidas como expressão de um ser coletivo, uma idiossincrasia e uma comunidade imaginadas, uma vez e para sempre, a partir da terra e do sangue.” Podemos observar que, nesse contexto, “o Estado como um todo, incluindo seus braços jurídico e legislativo, torna-se um executor da soberania do mercado.” (BAUMAN, 2008, p. 87). Esse é um processo que pode ser entendido a partir do momento que a integralização do sistema econômico capitalista exige a expansão contínua da lógica do consumo, o que passa a legitimar uma subjetividade social nacional, se é que ainda se pode pensar na totalidade nacional enquanto uma subjetividade social concebível, dada sua fragmentariedade, que não pode ter uma função outra que a reprodução das relações de mercado. Ou seja, inexiste na sociedade de consumo uma prática integralizada de comunidade nacional, em meio ao enfraquecimento do papel do estado enquanto organizador social separado das relações de consumo. Se por um lado esse afrouxamento dá mais espaço para a independência identitária dos indivíduos que compõe cada nação, tal como argumenta Lipovetsky (2007), por outro acaba por alienar a cidadania de tais indivíduos, pois na ausência de um sentido de identidade nacional, “enquanto um contexto social estruturado, o universo do consumo estaria servindo, simultaneamente, como espaço de produção e, ao mesmo tempo, como anteparo de mediação através da qual se expressariam subjetividades e identidades.” (RETONDAR, 2008, p. 153). Pensamos que as implicações dessa lógica na organização da subjetividade social estatal operam em uma alteração difusa dos papéis desempenhados tanto pelas instituições governamentais

quanto

pela

própria

população,

calcadas

progressivamente

pela

individualização de responsabilidades políticas e sociais, ilustrada tanto pelo crescente desengajamento político dos indivíduos na sociedade de consumo (BAUMAN, 2008), quanto pela onda de privatizações que permeia o cenário político neoliberal contemporâneo.

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No que diz respeito a essas alterações dentro do contexto latino americano, mais especificamente:

É inegável que, nas últimas décadas, a intensificação das relações econômicas e culturais com os Estados Unidos impulsiona um modelo de sociedade no qual muitas funções do Estado desaparecem ou são assumidas por corporações privadas, e a participação social é organizada mais através do consumo do que mediante o exercício da cidadania. O desenvolvimento eficiente de nossas democracias, sua instabilidade e o claro cancelamento dos organismos de representação da cidadania pelas ditaduras das décadas de 70 e 80 colaboraram para que esta mudança de modelo metropolitano reduzisse as sociedades civis latino-americanas a conjuntos atomizados de consumidores. (CANCLINI, 1999, p. 14).

Fica claro que não é possível pensar os atuais arranjos das inter-relações no espaço político e público separados das características inerentes à economia neoliberal de mercado, sendo que os próprios estados passam a objetivar a reiteração de um conceito de nacionalidade mais abrangente para que possam circular os símbolos e produtos universais da sociedade de consumo globalizada, se configurando de forma que, além de priorizar a circulação e crescimento econômico como direcionador das ações nacionais, por consequência “promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas” (BAUMAN, 2008, p. 71). Concordando com essa colocação, encontramos um paradoxo estrutural na subjetividade social dos estados pós-modernos: enquanto flexibilizam as identificações sociais ao dissolverem as fronteiras culturais na abertura ao consumo e aos símbolos internacionais, o que pretensamente favoreceria uma permissividade na aceitação de possibilidades múltiplas de subjetividades, passam a legitimar, única e exclusivamente, aquelas que se encontram afinadas e integradas à lógica de consumo. O que isso aponta é que, mais do que a consideração de fato da individualidade dentro dos engendramentos sociais mais amplos do Estado, pela via da escolha no consumo (Lipovetsky, 2007), a ideia de liberdade subjetiva que circula dentro da subjetividade social dos estados nações contemporâneos implica em sua desresponsabilização pelo outro a partir do afrouxamento de seu papel referencial. Fontenelle (2010, p. 219) corrobora esse posicionamento ao dizer que “a possibilidade de uma intervenção política e social em problemas como desemprego, alcoolismo, criminalidade, etc., se altera, já que tais problemas não serão atribuídos a fatores socioestruturais, mas a categorias subjetivas.”. Pode-se dizer que “a vítima colateral do salto para a versão consumista da liberdade é o Outro como objeto de responsabilidade ética e preocupação moral.” (BAUMAN, 2008, p. 120).

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Assim, o papel macrossocial do Estado e a ideia de identidade nacional são radicalmente reformulados na sociedade de consumo a partir dessa nova configuração fragmentada e mercantilizada. Em última análise, essa instância organizativa assume uma subjetividade social quase antissocial de nação. Dentro desse contexto, as associações interpessoais e o desenvolvimento de subjetividades sociais em comunidades pequenas e médias passam a adquirir configurações específicas na maneira como são formadas e como seus integrantes se relacionam, o que merece uma discussão própria.

4.1.2 Comunidades de mercado Podemos pensar que o social na contemporaneidade “sobrevive melhor como uma comunidade hermenêutica de consumidores, cujos hábitos tradicionais fazem com que se relacione de um modo peculiar com os objetos e a informação circulantes nas redes internacionais.” (CANCLINI, 1999, p. 86). Sendo assim, se na sociedade de consumo chega a ruir o papel subjetivante dos estados nacionais, é coerente pensar que, em medida inversa, as identificações sociais se dão de maneira difusa na apropriação de papéis sociais múltiplos dentro das diversas comunidades possíveis, ou seja, têm-se a construção crescente de diferentes subjetividades sociais dentro das quais circulam os mais variados atores. Lipovetsky (2007, p. 119) joga uma luz positiva nessa organização ao dizer que “mais nada se assemelha às configurações rígidas e escalonadas de antigamente; nessas comunidades, é possível ‘entrar’ e ‘sair’ à vontade, por busca identitária, adesões e escolhas pessoais efêmeras, nos antípodas da imposição ‘mecanicista’ dos tempos anteriores”. Se é inegável que o mecanicismo na adesão a comunidades perde força na atualidade, a ideia de espontaneidade de integração na escolha individual, porém, é discutível. Essa associação em comunidades, na contemporaneidade, é ditada prioritariamente pela associação por hábitos de consumo, como nos sugere Canclini (1999, p. 285) ao dizer que se formam “comunidades hermenêuticas de consumidores [...] como conjuntos de pessoas que compartilham gosto e pactos de leitura em relação a certos bens (gastronômicos, desportivos, musicais), os quais lhes fornecem identidades comuns.” Nesse mesmo sentido, Bauman (2008) introduz a ideia de que não existem mais grupos no contexto contemporâneo, mas apenas o que o autor denomina por enxame, um aglomerado de pessoas cujas trocas subjetivas são anuladas ou vertiginosamente diminuídas em função da pura integração numérica de um conjunto que tem direções em comum. O autor propõe que a integração das pessoas a grupos na sociedade de consumo, pautada na lógica de

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mercado, é dependente prioritariamente da “crença de que a direção do voo deve ter sido escolhida de modo adequado, já que um enxame impressionantemente amplo a está seguindo, a suposição de que tantos seres humanos capazes de sentir, pensar e escolher livremente não poderiam estar ao mesmo tempo enganados.” (BAUMAN, 2008, p. 100). Essa colocação nos ajuda a entender a formação pontual de subjetividades sociais voláteis na sociedade de consumo, principalmente quando se tem em mente o sistema moda, por exemplo, mas a visão de que a integração comunitária na contemporaneidade seja puramente passiva por parte dos indivíduos não nos parece adequada. Podemos pensar que “a relação estabelecida entre o conjunto dos consumidores pressupõe uma relação intersubjetiva, na qual interesses, gostos e preferências, juntamente com as marcas e significados sociais que a acompanham, acabam se entrelaçando por intermédio da prática consumista.” (RETONDAR, 2008, p. 145). Resgatando a ideia de que as subjetividades sociais são formadas a partir da recursividade e integração com os referentes de que já dispõe os indivíduos que as integram, faz sentido pensar que esses grupos são pautados pela possibilidade de produção de sentido por parte de seus integrantes, principalmente levando em consideração que “um traço comum a estas ‘comunidades’ atomizadas é que elas se organizam mais em torno de consumos simbólicos”. (CANCLINI, 1999, p. 285). Esse consumo simbólico é inegavelmente volátil e múltiplo, o que aponta que, para discutir a ideia de comunidade no contexto da sociedade de consumo, é preciso sempre ter em mente a frugalidade, ou liquidez, desse período de organização social, pois é partir da variabilidade e instabilidade característicos da pós-modernidade que se embasam o estabelecimento de vínculos comunitários na contemporaneidade. Esse é um aspecto das comunidades atuais cuja visão é corroborada, com poucas divergências, entre diversos autores como Bauman (2008), Lipovetsky (2007) e Canclini (1999). Podemos refletir sobre essa instabilidade inerente aos contextos comunitários ao observar que a sociedade de consumo é “caracterizada pelo rápido esvaziamento das estruturas simbólicas e, consequentemente, pelas dúvidas que os sujeitos enfrentam quanto aos seus papéis sociais.” (FONTENELLE, 2010, p. 218). Canclini (1999) aponta que também há, na contramão das comunidades de consumidores mais afinadas com as regras do mercado, a existência de subjetividades sociais que se colocam de maneira reativa a essa instabilidade, ressurgindo alguns fundamentalismos comunitários que operam sob a égide da religiosidade, de grupos extremistas ou de grupos anticonsumistas, por exemplo. Além de ser indicativo das especificidades da confluência entre subjetividades, que impedem a homogeneização total das subjetividades sociais, propomos

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que esses tipos de organizações sociais possam ser interpretados como uma forma de recuo quanto ao esvaziamento de sentidos duradouros na sociedade de consumo. Lipovetsky (2007, p. 336) coloca que “enquanto a confiança no futuro perde o fôlego, aumentam os medos ecológicos, os apelos a um outro tipo de desenvolvimento econômico, mas também novos movimentos religiosos, novas aspirações espirituais.” Há que se colocar criticamente e pensar, porém, até onde esse tipo de comunidade é realmente avesso ao mercado, ou apenas associado a subdivisões diferentes dele. Por exemplo, Lipovetsky (2007) aponta que o crescimento de aderência a novas filosofias de vida zen tem mais características de resposta a uma ideologia de marketing do que resistência ao consumo. Podemos refletir também sobre a apropriação mercadológica de um dos principais contrapontos ao cosmo consumista na contemporaneidade, a atual crise ambiental, ao notar que “as empresas buscariam disseminar a sua imagem ‘socialmente responsável’ através de estratégias de comunicação que veiculassem e valorizassem suas ações, visando atingir um consumidor disposto a realizar uma escolha ‘politicamente correta’.” (FONTENELLE, 2010, p. 220). Essas reflexões nos fazem perceber, ainda que se considere a constatação de que não há uma massificação completamente hegemônica das formas de subjetividade social, o fato de que todas se encontram invariavelmente expostas à influência, em maior ou menor nível, dos significados comuns à sociedade de consumo. Sendo assim, também o desenvolvimento das subjetividades individuais não teria como passar inerte a suas implicações, como veremos a seguir.

4.2 O indivíduo de consumo

Ao se pensar as subjetividades individuais na sociedade de consumo, a consideração da perda de força de modelos totalitários de comunidade é primordial, sendo observável que se tem a abertura à diferenciação individual de forma análoga à diminuição da importância e fragmentação da participação social tradicional em detrimento da participação no consumo. É preciso reconhecer que o indivíduo não ocupa apenas um papel passivo frente a esse processo, ideia a partir da qual Mancebo e outros (2002, p. 330) nos dizem que “o homem da cultura de consumo não adota um estilo de vida de maneira absolutamente irrefletida ou manipulada pela propaganda, há uma participação ativa do consumidor na composição de um estilo, manifesta pelos bens, práticas, experiências e aparências que exibe.” Porém, é preciso refletir em que medida essa pretensa liberdade de escolha carrega concepções ideológicas que direcionam a

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forma como nos organizamos na contemporaneidade. É o que Bauman (2008, p. 117) aponta ao dizer que “num ambiente desregulamentado e privatizado que se concentra nas preocupações e atividades de consumo, a responsabilidade pelas escolhas, as ações que se seguem a tais escolhas e as consequências dessas ações caem sobre os ombros dos atores individuais.” Pensamos que o que isso aponta é que a liberdade de escolha na sociedade de consumo se converte em uma responsabilização excessivamente individualizada que é direcionadora do desenvolvimento das subjetividades individuais. A artificialidade dessa responsabilização e os problemas em potencial dessa nova forma individualista de se organizar as subjetividades aparecem quando se observa que são calcados em uma espécie de obrigação de sentir-se bem (LIPOVETSKY, 2007), característica do hedonismo pós-moderno que apontamos no capítulo anterior, aliada à culpabilização exclusiva dos sujeitos pela concretização desses ideais que são, em última análise, inalcançáveis. Ainda que se perceba que “a obsessão contemporânea por plenitude representa a realização perfeita, irresistível, do programa da modernidade individualista e mercantil.” (LIPOVETSKY, 2007, p. 337), é inegável que essa plenitude não é nem possível nem verdadeiramente planejada, visto que, como dito por Bauman (2008, p.166), “nenhum volume de aquisições satisfatórias e sensações atraentes pode trazer satisfação da maneira um dia prometida por ‘manter-se de acordo com os padrões’ [da sociedade de consumo]”. O que se percebe é que o clima cultural da sociedade de consumo coloca o excesso como uma imposição que levaria invariavelmente à realização subjetiva do indivíduo e, ao mesmo tempo, coloca a frustração encontrada na irrealidade dessa proposta como responsabilidade unicamente individual. Sendo esse paradoxo entra a busca do prazer pleno e sua impossibilidade prática um dos determinantes mais significativos do desenvolvimento de subjetividades individuais na sociedade de consumo, podemos pensar que:

O relaxamento dos controles coletivos, as normas hedonistas, a escolha da primeira qualidade, a educação liberal, tudo isso contribuiu para compor um indivíduo desligado dos fins comuns e que, reduzido tão-só às suas forças, se mostra muitas vezes incapaz de resistir tanto às solicitações externas quanto aos impulsos internos. Assim, somos testemunhas de todo um conjunto de comportamentos desestruturados, de consumos patológicos e compulsivos. Por toda parte, a tendência ao desregramento de si acompanha a cultura de livre disposição dos indivíduos entregues à vertigem de si próprios no supermercado contemporâneo dos modos de vida. À medida que se amplia o princípio de pleno poder sobre a direção da própria vida, as manifestações de dependência e de impotência subjetivas se desenvolvem num ritmo crescente. O que se representa na cena contemporânea do consumo é tanto Narciso libertado quanto Narciso acorrentado. (LIPOVETSKY, 2007, p. 127).

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Essa lógica, para além do consumo de coisas e ideias por parte das pessoas, tem relação com um outro aspecto implícito que, como propomos, é também significativo no que diz respeito às implicações no processo de subjetivação. Esse aspecto se refere ao fato de que, tomando como base a colocação de Bauman (2008, p.20), “ninguém pode tornar-se sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável”. Lipovetsky (2007, p. 315) corrobora essa colocação ao dizer que “na sociedade de hiperconsumo, a felicidade de outrem tornou-se um formidável objeto de consumo de massa aliviado dos tormentos da inveja.” Se somos consumidores da felicidade alheia, somos também produtores da nossa própria para que possa ser consumida por outros. Essa constatação aponta para a ressignificação do relacionamento humano como uma relação entre objetos que é estimulada e objetivada pela lógica de mercado, introjetada na constituição das subjetividades individuais, a partir do fato de que “numa sociedade de consumidores, tornar-se uma mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os contos de fadas”. (BAUMAN, 2008, p. 22). Sendo assim, aponta-se para a subjetivação individualizada na contemporaneidade a partir, prioritariamente, de duas vias: primeiro pela possibilidade de poder consumir, e segundo pela possibilidade de ser bom o suficiente para se tornar consumível. A construção dessas subjetividades individuais de consumo se dá sobre o palco do desenvolvimento progressivo da tensão entre o que Rolnik (1997) denomina como subjetividade luxo, aquela que se encontra impecavelmente afinada com as possibilidades e prazeres da lógica do consumo, e de subjetividade lixo, aquela que vê sua existência subjetiva ameaçada por se encontrar à margem dela, categorias sobre as quais nos propomos refletir a seguir.

4.2.1 Subjetividades de excesso

Assim como as comunidades e os grupos perdem força durável por serem marcados pela velocidade e pela instabilidade, as subjetividades individuais não têm como se formar se não sob as mesmas condições, principalmente quando se organizam a partir do acesso excessivo aos bens de consumo. Bauman (2008, p. 124) aponta que “a vida de consumo não pode ser outra coisa senão uma vida de aprendizado rápido, mas também precisa ser uma vida de esquecimento veloz.” Rolnik (2002, p. 1) pondera sobre as consequências desse contexto nas construções subjetivas ao dizer que esse excesso de referências “acelera o processo de engendramento de novas formas e encurta o prazo de validade das formas em uso, as quais

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tornam-se obsoletas antes mesmo que se tenha tido tempo de absorvê-las”. Essas referências na sociedade de consumo, naturalmente, são provenientes dos diversos mercados nos quais se produzem padrões de identidade e modelos de vida. Essa é uma situação amplamente generalizada que permite perceber que “hoje a identidade, mesmo em amplos setores populares, é poliglota, multiétnica, migrante, feita com elementos mesclados de várias culturas.” (CANCLINI, 1999, p. 166). Para compreender essa lógica, cabe aqui retomar a ideia de imaterialidade do consumo. O que percebemos é que “a vida do consumidor, a vida de consumo, não se refere à aquisição e posse. Tampouco tem a ver com se livrar do que foi adquirido anteontem e exibido com orgulho no dia seguinte. Refere-se, em vez disso, principalmente e acima de tudo, a estar em movimento.” (BAUMAN, 2008, p. 126). Essa compreensão não desconsidera o aspecto prático da aquisição de coisas materiais no desenvolvimento das subjetividades, mas antes a localiza não como fim em si do processo consumista, mas como um meio de subjetivação a partir dele. O consumo imaterial está mais ligado à novidade experiencial do que a algum tipo de essência dos objetos consumidos (CANCLINI, 1999; LIPOVETSKY, 2007), sendo seu aspecto mais marcante, sobretudo, as sensações que o consumo é capaz de proporcionar aos indivíduos e os sentidos subjetivos produzidos a partir dessas sensações. Se o consumo nos significa e seu nível é exponencialmente elevado em amplos setores da população, é justificável conceber as subjetividades individuais no contexto contemporâneo como marcadas pela mutabilidade e, principalmente, pela renovação constante das próprias identidades subjetivas. Podemos pensar que, tal qual acontece com os objetos de consumo, os sujeitos de consumo também se tornam, em última análise, descartáveis. (BAUMAN, 2008). A partir dessas colocações, percebemos uma lógica retroalimentada na sociedade de consumo: ela pulveriza, ou liquidifica, as referências subjetivas, mas ao mesmo tempo serve como meio para as tentativas de constantes reorganizações das subjetividades, pois na contemporaneidade “consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora.” (CANCLINI, 1999, p. 83). Assim, a subjetividade fica no fogo cruzado entre “a desestabilização exacerbada de um lado e, de outro, a persistência da referência identitária, acenando com o perigo de se virar um nada, caso não se consiga produzir o perfil requerido para gravitar em alguma órbita do mercado” (ROLNIK, 1997, p. 2). Propomos que o que antes se apresenta enquanto possibilidade de diferenciação agora se converte em obrigatoriedade de renovação, uma obrigação compulsiva, que se transfigura em vício. É o que aponta Rolnik (1997, p. 3) ao dizer que “os viciados nesta droga vivem dispostos a mitificar e consumir toda imagem que se apresente de uma forma minimamente sedutora, na

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esperança de assegurar seu reconhecimento em alguma órbita do mercado.” (ROLNIK, 1997, p. 3). Essa configuração volátil das subjetividades é significativamente marcada pelo paradoxo de que, ainda que se observe a melhora progressiva na qualidade de vida de alguns setores da população e a clara objetivação do prazer crescente aliado à liberdade de consumo, o aumento da angústia existencial caminha em paralelo. É o que Lipovetsky (2007) nomeia como a “felicidade paradoxal” e localiza no crescimento das aflições psicológicas e no crescimento exponencial do consumo de psicotrópicos, por exemplo. Ao contrário do que se poderia pensar, essas antinomias da sociedade não se concentram apenas nas parcelas mais pobres da população, mas a atinge de forma generalizada, o que permite inferir que tenha raízes fincadas na própria realidade consumista. Dito isso, há que se considerar que para quem se vê à margem desses processos, a precariedade influi de forma ainda mais incisiva sobre a formação das subjetividades individuais, como discutiremos a seguir.

4.2.2 Subjetividades de falta

Com a queda das identificações por grupos sociais, o indivíduo à margem da sociedade de consumo é caracterizado unicamente por sua incapacidade de reproduzir adequadamente suas regras. Bauman (2008, p. 158) aponta que “determinados homens e mulheres são reunidos na subclasse porque são vistos como inúteis”. Podemos complementar essa percepção ao constatar ainda que “as populações invalidadas da sociedade pós-industrial já não constituem, propriamente falando, uma classe social determinada.” (LIPOVETSKY, 2008, p. 191). O que se tem como consequência é que caem as referências comunitárias das pessoas em dificuldades sociais sem que, ao contrário do que se poderia imaginar, se altere a lógica de exclusão de determinados tipos específicos de pessoas, como aponta Sarlo (2000, p. 41) ao dizer que “o impulso igualitário que às vezes se crê [...] tem seus limites nos preconceitos sociais e raciais, sexuais e morais.” A exclusão e desigualdade social é reproduzida, mas dessa vez sob preceitos de mercado. Tendo isso em vista, é preciso considerar que as subjetividades individuais marcadas pela marginalidade na contemporaneidade estão expostas fundamentalmente à falta de possibilidade de concretização de fato da participação no consumo concreto, enquanto se sustenta a exposição aos referentes subjetivos e se reitera a responsabilização individual. Canclini (1999, p. 54) aponta que “pela imposição da concepção neoliberal de globalização, para qual os direitos são desiguais, as novidades modernas aparecem para a maioria apenas

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como objetos de consumo, e para muitos apenas como espetáculo.” Sendo assim, não se pode pensar que essas pessoas deixam de consumir simbolicamente, pelo contrário, consomem justamente o negativo da fotografia exposta pelo mercado. Se “sob o prisma da distinção, o que rege a apropriação dos bens não é a satisfação das necessidades, mas a escassez desses bens e da impossibilidade de que outros os possuam” (MANCEBO et al, 2002, p. 329), as subjetividades individuais marcadas pela falta são caracterizadas, de forma oposta, pela distinção a partir de suas próprias impossibilidades de possuir. Assim, são também, paradoxalmente, subjetividades de excesso, mas apenas de possibilidades não concretizáveis a partir do “hiperconsumo das privações”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 163). Essa impossibilidade se transfigura em uma subjetivação individual marcada pela exclusão, a partir do momento que na sociedade de consumo “a cidadania também se pratica no mercado, e que as pessoas que não têm como realizar suas transações ali ficam, por assim dizer, fora do mundo. Fragmentos de subjetividade se obtêm nesse cenário planetário, da qual ficam excluídos os muito pobres.” (SARLO, 2000, p. 26). Podemos apontar essa lógica como inerente à própria organização da sociedade de consumo, sendo que:

O mercado promete uma forma do ideal de liberdade e, na sua contraface, uma garantia de exclusão. Assim como o racismo se desnuda na entrada de algumas discotecas, cujos porteiros são especialistas em diferenciações sociais, o mercado escolhe aqueles que estarão em condições de, no seu interior, fazer suas escolhas. Todavia, como precisa ser universal, ele enuncia seu discurso como se todos, nele, fossem iguais. [...] Só muito abaixo, nas margens da sociedade, esse acúmulo de camadas se racha. As rachaduras, de todo modo, têm suas pontes simbólicas: o videoclipe e a música pop criam a ilusão de uma continuidade na qual as diferenças se fantasiam de escolhas que parecem individuais e isentas de motivação social. Se é certo, como se disse, que se ama uma estrela pop com o mesmo amor com que se torce por um time de futebol, o caráter transocial desses afetos tranquiliza a consciência de seus portadores, ainda que eles mesmos, depois, diferenciem cuidadosamente e até com certo prazer esnobe os negros dos louros. (SARLO, 2000, p. 41).

Percebemos, por fim, que as subjetividades marginalizadas são marcadas prioritariamente pela localização na extrema inferioridade tanto no que diz respeito ao poder efetivamente consumir o mínimo imposto quanto, em consequência, a se transfigurar em mercadorias suficientemente adequadas para consumo. Porém, podemos dizer que, em última análise, a subjetividade lixo se torna consumível em algum nível, ainda que pelo exato oposto da subjetividade luxo, pois a circulação da sombra do que se tem como consequência de não estar afinado às demandas do mercado se mostra como um dos pilares que sustenta a própria retroalimentação da formação das subjetividades sociais e individuais na sociedade de consumo, mesmo vistos seus muitos paradoxos e consequências potencialmente adoecedoras.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo, procuramos identificar a subjetividade como um processo dialético e contextual que, em meio à realidade social generalizada da sociedade de consumo, tem afetações múltiplas em sua constituição dentro de todos os setores da população. Entendemos, com a constatação da visão empregada pela perspectiva Sócio Histórica da Psicologia na definição das subjetividades sociais e individuais, considerando tanto os aspectos particulares quanto coletivos em diversos níveis, que a ampliação da interpretação dos processos de subjetivação é uma necessidade latente na compreensão da complexidade constituinte das realidades sócio culturais, especialmente quando se apresentam de maneira tão marcante como a atual organização capitalista globalizada. Ao colocar em perspectiva a construção dessa organização da sociedade de consumo como a conhecemos hoje, apresentando os mecanismos a partir dos quais atingimos o atual estágio de disseminação global dos valores e estruturas de funcionamento capitalista, o que buscamos primordialmente foi expor a necessidade de contextualização da sociedade de consumo como um momento histórico construído que, a partir da generalização de seu alcance na sociedade globalizada, adquire roupagens que fazem com que se pareça uma realidade natural invariável e que, a partir disso, naturaliza também seus efeitos colaterais. A partir dessa contextualização, é possível apontarmos para necessidade de que haja um afastamento da ideia de atemporalidade da atual cultura de consumo para que possamos reconhecer suas falhas e, consequentemente, possibilitar vislumbrar alternativas possíveis. Nos níveis subjetivos, foi possível perceber que as implicações da sociedade de consumo são praticamente universais, ainda que não seja possível homogeneizá-las arbitrariamente, pois mesmo ao considerarmos a multiplicidade de possibilidades de subjetivação, não é possível considerar que passem inertes aos referentes da sociedade de consumo. Percebemos que, se por um lado as benesses da sociedade de consumo são acessíveis de maneira fundamentalmente desigual, as antinomias de suas propostas têm efeitos potencialmente adoecedores para todas as parcelas da população, o que acreditamos acontecer devido à criação de demandas de consumo retroalimentadas na busca de uma satisfação fundamentalmente inalcançável e da fragmentação dos sentidos de comunidade, agora concentradas nas referências subjetivas prioritariamente do mercado. Pudemos perceber que os problemas decorrentes da sociedade de consumo são amplamente divulgados e discutidos no meio acadêmico, e não faltam nem defensores nem opositores da atual organização social. Mas concluímos que nem visões nostálgicas nem

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visões conformistas são produtivas no sentido de pensar mudanças ou intervenções possíveis na diminuição dos efeitos negativos dessa sociedade. Se por um lado as implicações adoecedoras são inegáveis, por outro é preciso reconhecer a importância da melhora das condições práticas de vida para grandes setores da população na contemporaneidade, além da abertura para a individualização e da queda do totalitarismo comunitário, ainda que sua liberdade real seja discutível. Assim como a sociedade de consumo é fundamentalmente ambígua, também o são suas implicações e efeitos. Por fim, é importante reconhecer a amplitude do que já se produziu sobre a sociedade de consumo e sua relação com a subjetividade em uma escala mundial, mas notamos uma falta de pesquisas que dizem respeito especificamente ao contexto brasileiro, ou ainda reflexões que não tenham como base exclusivamente autores estrangeiros. Achamos importante pontuar que o desenvolvimento do conhecimento referente a esse tema no contexto nacional pode se beneficiar por duas vias, primeiramente pela realização de pesquisas objetivas que nos apontem quais são os hábitos concretos de consumo na realidade social brasileira, dentro das diversas classes sociais e de diferentes grupos comunitários; em segundo lugar, postulamos a importância da realização de pesquisas qualitativas que tenham como foco a vivência subjetiva individual à luz das características mais marcantes relacionadas à sociedade de consumo na contemporaneidade.

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