A Lusofonia nas ondas radiofonicas - o exemplo de Filigranes Imprécis na radio Divergence-FM

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Pereira Christopher M2 LCE Estudos lusófonos N° Estudante : 21307021

A LUSOFONIA NAS ONDAS RADIOFONICAS O exemplo de Filigrane Imprécis, na radio Divergence FM (2006-2010, FM 93.9, Montpellier)

Seminário “Media et Mediation Culturelle” Módulo Media e Migrações (M. Manuel Antunes da Cunha)

Université Blaise Pascal – Clermont-Ferrand Année 2013-2014

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Introdução: O tema da imigração aparece de maneira recorrente nos medias, nomeadamente em França, país de longa tradição de acolhimento aos emigrantes. Os primeiros estudos relativos às migrações e aos medias nascem nos anos 1920 na universidade de Chicago, a chamada “Escola de Chicago”. Industrial e portuária, a cidade conhece um alto crescimento demográfico com a chegada de migrantes rurais ou estrangeiros. Esse crescimento acompanha-se dum aumento dos problemas sociais ligados a miséria, uma alta taxa de criminalidade, de conflitos étnicos e consequências a nível urbano, como o aparecimento de ghettos. As pesquisas do departamento de sociologia de Chicago orientaram-se nos estudos da cidade, da imigração, dos desvios. Por isso mesmo trabalharam na publicação de jornais locais e nas suas influencias nas minorias culturais. Se os países anglo-saxónicos são precursores nesse género de estudos, só mais tarde em França apareceu o interesse na analise da cultura de massa e dos medias, devido às ligações mais próximas com as teses da “Escola de Francforte 1” e também devido à tradição republicana de integração “qui n'a guère encouragé l'étude de médias spécifiques, supposés ralentir la dissolution des différences au sein de la collectivité 2”. Foi principalmente na ultima década, e sobretudo na televisão, que o tema da representação das minorias acabou por se revelar um verdadeiro debate de sociedade3.

No entanto, já nos anos trinta emitia-se em França programas de radio em língua estrangeira : “Selon un rapport du ministère de l'Information du 15 avril 1940, elle [a lingua portuguesa] faisait partie des vingt-et-un idiomes alors diffusés en semaine à partir de l'Hexagone, grâce aux bulletins d'information de Paris-Mondial et de Radio Toulouse4”.

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Corrente de sociologia cujo representantes são Adorno, Benjamin, Horkheimer, ou ainda Habermas. Eles defendem o facto da “Cultura” ser deteriorada pelos meios de comunicação. Mais orientados à esquerda a nível político, eles desen volvem frente aos medias uma alta opinião critica. 2 Antunes da Cunha, Manuel, “Pour une étude de la réception de RTP Internacional par les Portugais de France”, in Cahiers de l'Urmis, n°9, 2004. 3 Antunes da Cunha, Manuel, “La quasi-invisibilité des Portugais à la télévision”, in Exils et migrations ibériques au XX ème siècle, n°5, 2013. 4 Ibid.

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Essas cronicas em direção do estrangeiro serviam sobretudo à propaganda francesa. Foi no seio da redação portuguesa da ORTF que Jorge Reis 5 iniciou a sua carreira, acabando por dar a voz ao programa de língua portuguesa6 pela primeira vez no dia 15 de setembro 1966, e cuja difusão perdurara até 31 dezembro de 1992. Na televisão, os programas especificamente étnicos permanecem secundários, com a exceção notável de Mosaïques. Emitido aos domingos no canal FR3, das 10 horas as 12 horas, no período indo de 1977 até 1987, “le programme [de Mosaïques] visait à la fois à faire connaître la culture des étrangers aux Français, permettre aux immigrés de garder des liens avec leurs racines et devenir un point de rencontre inter-communautaire7”. Contudo, os momentos radiofónicos do programa de Jorge Reis foram um momento especifico para os migrantes portugueses, oferecendo-lhes um meio de expressão no espaço publico francês. Nesse sentido, o nosso trabalho orienta-se também na relação entre as populações lusófonas e os medias.

A emigração portuguesa existe em França desde o fim do século XIX, mas de maneira muito reduzida e trata-se principalmente de artistas, diplomatas, intelectuais e empresários. Já nos anos 20 e 30 aumenta a imigração de mão de obra e de exilados políticos fugindo a ditadura nascente. Foi sobretudo nos anos 60 que a população portuguesa aumentou em França. Foi avaliada em 50 000 indivíduos em 1962, 296 000 em 1968 e 759 000 em 1975 8. Essa subida da emigração tem como explicação o cansaço da guerra colonial e a vontade de escapar a tropa, a miséria e a dureza das condições de vida, e também o exílio político devido a ditadura. Portanto, mesmo se os Portugueses são mais numerosos do que os outros emigrados, eles permanecem muitos discretos, pelo menos essa é a percepção deles em França. De facto, se à palavra é um elemento essencial de visibilidade, pois falar, é, finalmente, representar (cf. Erving Goffman e a sua “metáfora teatral”), os Portugueses, continuando nessa discrição não podiam ser visíveis no campo mediático. A maior parte da emigração portuguesa do anos 60 era pouco alfabetizada, oriunda de meios rurais, tendo vivido sob um regime de ditadura durante perto de trinta anos. A maioria, vindo na clandestinidade, fugindo ao serviço militar e a PIDE, sem falar francês, eram confinados à discrição. Contudo, e como nos explica Manuel António da Cunha acerca do “programa de Jorge Reis9”, a imagem dos Portugueses transforma-se à medida que a condição desses emigrados vai 5

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Jorge Reis (1926-2005). Militante comunista, funcionário, autor, jornalista, Jorge Reis exilou-se em Paris em 1955 para escapar a ditadura. Ficou conhecido como “a voz” do “programa para os trabalhadores portugueses”, programa emitido no ORTF, e, mais tarde, no RFI. Office de Radiodiffusion-télévision française, 1964-1974. Organismo publico responsável da radio e da televisão (não existem canais privados nesse período). Antunes da Cunha, Manuel, “La quasi-invisibilité des Portugais...”, op.cit. Estatísticas citada em Antunes da Cunha, Manuel, “La quasi-invisibilité des Portugais...”, op.cit. Antunes da Cunha, Manuel, “Les Portugais de France : généalogie d'un public radiophonique”.

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evoluindo. Se, no inicio, o programa “vise essentiellement répondre aux difficultés administratives […] au travers de conseils, d'aide sociale, et de la divulgation de directives officielles 10”, a grelha dos programas e as temáticas abordadas vão modificar-se ao mesmo tempo que os Portugueses vão integrando-se no seio da sociedade civil francesa. De uma “palavra lien-social” de 1966 a 1973, à uma “palavra-herança”, no período de 1976 até 1982, o programa acaba por ter um formato mais informativo e cultural, tendo mais o apresentador um cargo de pedagogo, multiplicando os temas literários, históricos e culturais11. Trata-se no momento, para a geração mais antiga, de transmitir uma herança cultural, de desenvolver um sentimento de identidade, de saudade de Portugal, sem, no entanto, travar os mecanismos de integração da nova geração. Era também uma manobra política para a França de desenvolver esses sentimentos de ligação ao país de origem, a fim de incitar os emigrantes a voltar para as suas aldeias. Todavia, à medida que a sociedade civil francesa vê a população portuguesa, ou com origens portuguesas, como bem integrada, sobretudo perante a segunda geração, a existência de um programa de caráter étnico12 numa antena nacional e internacional é criticada e posta em causa. Quando “le droit à l'expression est transférée vers des artistes, des chercheurs, des associations, véhiculant l'image d'une intégration réussie, mais souvent élitiste 13”, a palavra é pouco a pouco retirada ao publico, anunciando o fim do programa que durante quase trinta anos tinha estruturado a comunidade portuguesa14. E nesse contexto de uma palavra de cultura, elitista, transmitida pelas associações, os artistas, os universitários, que talvez pode parecer contraditório com as origens populares da imigração portuguesa, que entendemos, no âmbito desse trabalho, analisar o programa de cultura lusófona Filigrane Imprécis, transmitido na radio local Divergence FM, na cidade de Montpellier, no período de 2006 à 2010.

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Antunes da Cunha, Manuel, “Quand le public prend la parole : l'émission des Portugais (1966-1992)”, in Mediamorphoses, n°7, 2003. Ibid. Entendemos os medias étnicos como os meios de comunicação social dos e para os migrantes, ou minorias étnicas, incluindo todas as populações indígenas de todo o planeta (Matsaganis et al, 2010, citado por Manuel Antunes da Cunha no Powerpoint dedicado ao modulo Media e Migração (Master 2 Estudos Lusófonos). Antunes da Cunha, Manuel, “Quand le public prend la parole...”, op.cit. A ultima emissão foi no dia 21 de dezembro 1992.

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Analise de um media étnico : Filigrane Imprécis, na radio Divergence FM (FM 93.9, 2006-201015)

Trata-se, no nosso estudo, de um programa de radio com suas caraterísticas próprias, transmitido numa radio que também tem as suas próprias características, por isso apresentaremos as duas instituições que permitiram a existência de Filigrane Imprécis. Pensamos que não é mera circunstancia que tal programa foi produzido e programado em tal radio, que tem a sua própria historia, o seu próprio percurso, ou seja, a sua própria “identité discursive” (Jean-Pierre Esquenazi).

◦ Divergence FM : Divergence FM é uma radio associativa, com conselho de administração e estatutos definindo a associação : “Article 2 – Déclaration de principe :  Croqu'oreilles – Divergence FM a pour but: ◦ De créer et de réaliser, dans une démarche culturelle, des émissions sonores destinées à la radiodiffusion, ainsi que d'assumer les formations techniques correspondantes. ◦ De promouvoir et participer à l'essor des logiciels libres de manière générale et de solutions informatiques libres pour les radios associatives en particulier.  Croqu'oreilles – Divergence FM ne se réclame d'aucun parti politique, d'aucune religion, d'aucune église, d'aucun dogme religieux.”16

Pela sua declaração, Divergence FM declara nitidamente o seu âmbito cultural como também a sua independência e a sua liberdade (sendo a utilização de freeware um principio básico da estação 17). Esses estatutos foram votados em 2009, durante o período de produção de Filigrane Imprécis. No entanto, a radio Divergence é bem mais antiga, sendo criada em Montpellier no ano 1987. Com mais de 25 anos a emitir, trata-se de uma estação histórica da cidade, que desenvolve a sua 15 16

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Mais 70 emissões (informação de Florent Robin). Association Croqu'oreilles (Divergence FM) – Status de l'association adoptés lors de l'Assemblée générale statutaire et ordinaire du 7 novembre 2009. Esse é o titulo exacto em francês do documento ao qual nos referimos. cf. o programa Divergences Numériques.

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identidade, a sua imagem, cultivando um certo publico que partilha os valores e os interesses culturais da radio. Afirma-se como radio local18, atriz ativa da vida cultural de Montpellier, abordando os temas associativos, culturais, de cidadania, demonstrando o seu empenho político, no sentido original do termo, ou seja, sendo ativo na vida da cidade. A identidade da radio é dessa maneira explicitamente identificada, definida e reivindicada : “Offrir une programmation riche et large. Une programmation riche avec comme axes principaux, une forte identité méditerranéenne, un éclectisme musical dans la qualité, le non commercial, des ateliers de créations radiophoniques (théâtre, musique ?) et un ancrage local (accueil d’associations, relais d’événements culturels). Depuis ses débuts, Divergence FM s’est spécialisée dans les émissions de création. Soucieuse de l’approche esthétique du médium radio, elle a toujours stimulé ses animateurs pour la recherche de nouvelles formes de présentations : son, musique, voix. Sans laisser de côté le travail de pré-production, elle a souhaité introduire plus de direct avec des sessions d’informations et de services plus nombreuses, afin de développer son ouverture sur la cité et sur ses auditeurs, des sessions complétées par une "ouverture" sur le monde via les journaux de Radio France Internationale.19”

Essas orientações têm consequências diretas ao vivo : ausência de publicidade (aspeto nãocomercial), repertório musical de mais de 20000 títulos em vários géneros musicais permitindo uma renovação perpétua da programação musical (aspeto do ecletismo musical). Divergence FM entende distinguir-se também pela sua originalidade sonora, com a criação de jingle originais, verdadeira marque de fabrique da radio (aspeto criativo), e ao mesmo tempo desenvolvendo uma orientação definitivamente cultural20. Finalmente, outro marcador identitário é a escolha da senha – Divergence, la radio qui donne du sens au son 21 – e dos seus patrocinadores simbólicos, Claude Nougaro e Léo Ferré, no final dos anos 80. Nesse sentido, e desde a sua criação, Divergence FM destina-se a um publico desejando ouvir uma radio não-comercial, local, independente, atual, musicalmente eclético e exigente, orientado para a cultura. Na construção da sua identidade, Croqu'oreilles – Divergence FM define o seu “telespectateur institutionnel” (Jean-Pierre Esquenazi), ou seja, nesse caso, o seu “ouvinte institucional”. De facto, uma radio necessita de uma organização, de uma preparação dos programas em função de que se pensa ser o ouvinte a quem ela se dirige. No entanto, permanece difícil quantificar os ouvintes

de Divergence, pois, como na maioria dos medias étnicos, as rádios

associativas quase nunca têm meios financeiros para organizar um inquérito medindo o seu 18

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A sede encontra-se no 24 boulevard Pasteur, no centro histórico de Montpellier. A radio é emitida num espaço geográfico que vai de Sète até Nîmes, sendo Montpellier o epicentro. Http://fr.wikipedia.org/wiki/Divergence_FM, 26/12/2013. Com emissões de tipo Cinerama, Vendredi-Théâtre, ou as retransmissões em direto das conferencias do Agora des Savoirs. Da autoria de Claude Nougaro.

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impacto. Todavia, varias pessoas solicitadas dizem ouvir, alem de Divergence FM, rádios como France Inter ou FIP, o que permite balizar, bem que muito minimamente, uma parte da população que tem em comum uma certa representação do media radiofónico e da cultura por ele transmitido. Por isso mesmo, podemos estabelecer que quem ouve Divergence FM, é quem se interessa pelos freeware, pelas musicas alternativas, ou pela cultura local. Enquanto a estação estabelece a sua identidade e o seu auditório, ela torna-se ao mesmo tempo dependente desse mesmo auditório, adaptando os seus programas à sua intenção. Após essa breve contextualização do media Divergence, que nos achamos necessária, vamos agora analisar com mais precisão o programa Filigrane Imprécis, dedicado à cultura lusófona.

◦ Filigrane Imprécis : Filigrane Imprécis era um programa cultural semanal e em direto, de 60 minutos, emitido todos os sábados as 12h30 na Divergence FM, durante 4 temporadas (2006-2010). Primeiro com a iniciativa de Maria Manuel Braz Brita Ferreira, estudante em Montpellier, o programe tornou-se rapidamente a emanação radiofónica da associação Casa Amadis de Montpellier 22, que se dedica à difusão da cultura lusófona. Assim podemos ler no site da estação : “Magazine sur la culture lusophone, initié au mois de mars 2006 par Maria Manuela Braz Brito Ferreira, stagiaire inscrite a l'IFAD de Montpellier, dans le cadre d’un échange européen (programme Léonardo Da Vinci). Du 27 mars 2006 au 30 juin 2006, elle a réuni autour d’elle des membres de l’Association Casa Amadis de Montpellier, pour des lectures bilingues de poésie et de littérature. Ce projet a si bien fonctionné, que l’association Casa Amadis poursuit cette émission « de ses propres ailes », avec Florent Robin, Tito Livio, et de nombreux intervenants.23”

Como referido, a associação Casa Amadis esta diretamente ligada à produção do programa. Com o objetivo de restringir-se ao nosso tema de trabalho e de facilitar a sua compreensão, analisaremos esse programa através das 8 variáveis propostas por António Manuel Da Cunha : produtores, fundadores, dimensão, localização, publico-alvo, língua, conteúdos e distribuição.

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Os comentadores de Filigrane Imprécis são os fundadores de Casa Amadis. http://www.divergence-fm.org/-Filigrane-imprecis-.html, 26/12/2013.

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1. Produtores : Entendemos por produtores as pessoas que deram origem ao programa. Inicialmente, foi Maria Manuel Brito Ferreira, Portuguesa mas estudante em Montpellier, que apresenta durante algumas semanas o programa em conjunto com Casa Amadis. Não temos mais informações sobre Maria Manuela Brito Ferreira, porem, talvez fosse oriunda de uma parte da população que tem acesso ao estudos universitários e que tinha possibilidades de se deslocar em Montpellier. Contudo, a parceria com Casa Amadis, como igualmente a temática inicial mostra perfeitamente uma orientação cultural intencional. Casa Amadis, secundo produtor do programa, é uma associação criada o 16 dezembro 2003, “à l'initiative de professeurs et d'étudiants du Département de Portugais de l'université Paul Valéry de Montpellier24”. O âmbito de Casa Amadis esta claramente inscrito nos estatutos da associação: “Article 2 : Déclaration de principe de Casa Amadis : Casa Amadis entend défendre et promouvoir la diffusion de la culture lusophone (lettres, arts, sciences humaines et gastronomie) à Montpellier, créer des contacts et échanges avec les autres instances et organisations culturelles de Montpellier, dynamiser les échanges culturels des montpelliérains lusophones et leurs amis avec les pays lusophones et/ou possédant une population lusophone représentative, promouvoir des rencontres régulières entre étudiants lusophones et leurs amis, informer la presse régionale des activités culturelles lusophones à Montpellier, divulguer et promouvoir la culture lusophone auprès des non-lusophones. Casa Amadis ne se réclame d'aucun parti politique, d'aucune religion, d'aucune église, d'aucun dogme religieux.25”

Quando Filigrane Imprécis foi criado, em 2006, os membros dirigentes são : Tito Livio Santos Mota (Presidente), Ferdinand Fortes (Vice-Presidente) e Florent Robin (Tesoureiro), ou seja : um presidente de nacionalidade portuguesa (Tito Livio Santos Mota, leitor de Português na universidade Paul Valéry residente em França desde o inicio dos anos 80), um vice-presidente de origem cabo-verdiana, estudante de teatro na universidade Paul Valéry) e um membro de nacionalidade francesa, mas muito ligado à cultura lusófona em geral, e portuguesa em particular (Florent Robin, antigo gerente de livraria).

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Estatutos da associação Casa Amadis, Association Culturelle de Langue Portugaise de Montpellier, 16 dezembro 2003. Ibid.

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2. Fundadores : Duas instituições participaram na criação e na difusão de Filigrane Imprécis, Divergence FM e Casa Amadis, ambas estruturas associativas, cujo financiamento esta estritamente definido nos seus estatutos. No caso de Divergence, estão assim enunciados os meio de financiamentos, no artigo 14 dos estatutos da associação:        

“Les ressources de Croqu'oreilles – Divergence FM comprennent: Les cotisations ; Les subventions de l’État, des collectivités territoriales et des établissements publics et de l'Union Européenne ; Les partenariats avec des entités privées ou publiques ; Les produits des manifestations qu'elle organise ; Les intérêts et redevances des biens et valeurs qu'elle peut posséder ; Les rétributions des services rendus ou des prestations fournies par l'Association ; Les dons ; De toute autre ressource autorisée par la loi.26”

Quanto a Casa Amadis, eis os seus meios de financiamento : “Article 7 Financement : La cotisation annuelle par membre est fixée par l' Assemblée générale ordinaire sur proposition du Bureau Administratif. Les cotisations doivent être réglées au plus tard le jour de l' Assemblée générale ordinaire. Casa Amadis est habilitée à recevoir des subventions municipales, départementales, régionales, nationales, internationales et privées27.”

Ou seja, nenhum dos participantes a Filigrane Imprécis é remunerado. No seio da radio, só os técnicos são assalariados, sendo todos os outros benévolos, como é o caso de Casa Amadis, que não emprega ninguém. Todos os trabalhos de preparação e animação são obra da vontade e da energia dos animadores do programa. Contudo, realizar uma hora de programa radiofónico tem custos. Esses custos podem ser suportados pela radio, em função dos seus interesses e possibilidades, ou pela associação, ou ainda por ambas as partes. A falta de financiamento é, na maioria das vezes, a causa do fim desse tipo de programa28.

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Artigo 14 dos estatutos de Divergence FM.. Estatutos de Casa Amadis, op.cit. Um programa como Filigrane Imprécis necessita um financiamento de 2000 euros por temporada.

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3. Dimensão: Como já referimos, Divergence FM é uma radio local e associativa que funciona com um orçamento relativamente baixo29. Todo o aspeto técnico do funcionamento da estação é feito por dois técnicos empregados. Um diretor de programas, assalariado, tinha a seu carga a programação de antena e a gestão mais administrativa. Os membros do conselho de administração como também os animadores da radio e membros da associação são todos benévolos sendo o seu numero estimado a 80 benévolos por ano no período indo de 2006 a 201030. Os locais são minimais, ou seja duas salas , um local técnico e um escritório administrativo. Casa Amadis tem, como membros responsáveis, três pessoas benévolas. Essas ultimas organizam eventos, tais como leituras publicas de literatura e poesia lusófona 31 ou exposições sobre aspetos culturais e históricos da lusofonia. Numerosas pessoas vêm assistir a esses eventos, mas é sempre difícil avaliar o numero exato de participantes. O que é certo, é que o registo da associação menciona mais ao menos quarenta membros anuais nesse mesmo período, o que faz de Casa Amadis uma estrutura de tamanho médio para a região.

4. Localização : A sede de Casa Amadis situa-se no Espace Jacques I d'Aragon, em Montpellier 32. Trata-se de um espaço municipal dedicado às associações ibéricas e occitanas. Localizada em França, encontra-se pois no país de acolhimento dos migrantes portugueses, como foi o caso do seu Presidente e de numerosos membros da associação. Dificilmente se consegue estimar o numero exato de Portugueses na região33, ou mesmo em França, desde a livre circulação dos cidadãos europeus no espaço Schengen. Todavia, verifica-se dezenas de iniciativas empresariais34, o que nos leva a pensar que existe uma comunidade de imigrantes ou descendentes de certa importância, embora discreta, em Montpellier e na sua região. Nota-se igualmente a ausência, quando Casa 29

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Não temos acesso ao orçamento dos anos aqui mencionados (2006-2010). Uma estimação pessoal levaria a quantia de 80000 euros por ano, o que não tem comparação com os grandes rádios privados ou públicos. Não temos acesso a essas informações. Com destino a um publico de língua francesa, essa leituras baseiam-se em traduções. 117 rue des Etats Généraux, 34000, Montpellier. Apenas aproximadamente vingt portugueses inscritos nas listas eleitorais municipais, secundo informação de Casa Amadis. Perto de 80 empresas, secundo o Cônsul do Portugal em Marseille (informação recolhida durante uma visita a Casa Amadis em novembro 2013).

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Amadis foi criada, de associação portuguesa em todo o departamento. Mesmo assim, Casa Amadis não entende restringir-se à única comunidade dos migrantes portugueses. Tendo como objetivo a defesa da língua portuguesa, das artes e das culturas de toda a Lusofonia, também são importantes para a associação todas as outras comunidades bastantes importantes e visíveis em Montpellier, como a comunidade brasileira ou cabo-verdiana, bem que difícil de quantificar. Por fim, a sede sendo instalada na cidade principal da região ilustra perfeitamente a inscrição local de Casa Amadis.

5. Língua : Filigrane Imprécis é realizado em língua francesa, separando da programação musical. As intervenções em língua estrangeira (português) são traduzidas pelos membros do programa35.

6. Publico-alvo : O publico-alvo do programa é grande e variado, porque não se trata apenas de uma emissão “de Portugueses para Portugueses”. Com uma ambição principalmente local devido ao media escolhido, Filigrane Imprécis define-se sobretudo como lusófona, em ter como alvo não só os migrantes portugueses como igualmente os lusófonos, ou seja, além dos Portugueses, migrantes do Brasil ou de Cabo-Verde. Todavia, a língua de produção do programa restringe de facto o publico : os ouvintes tem que perceber a língua francesa. A própria escolha de Divergence FM como media restringe os ouvintes, pois esses partilham uma “visão do mundo” comum a radio, mas diferentes de outras rádios. No entanto, justifica-se essa escolha de uma estação radiofónica dedicada ao local, à cultura, mas também aberta ao mundo, pois difunde as informações de Radio France Internationale. A parceria de Divergence com RFI é totalmente ligada aos valores e ideais que reivindica a radio, ou seja uma abertura a todas as

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“Divergence FM va prochainement diffuser des sujets produits par cette radio, que nous aurons doublés grâce aux traductions de l'équipe de Filigrane Imprécis”, extracto do programa do 29 maio 2010. cf. http://www.divergencefm.org/Alkantara-Festival-2010-sur-le.html, 27/12/2013.

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culturas36. O lugar de Filigrane Imprécis na grelha de programas de Divergence FM entende-se nesse contexto. Resumindo, o publico-alvo da nossa emissão étnica é um ouvinte que compreende a língua francesa, de origem francesa, portuguesa, lusófona ou outra, com interesse na cultura, na literatura, na atualidade ou na história do mundo lusófono, residente em Montpellier ou na área de difusão do radio37.

7. Distribuição : De 2006 a 2010, Filigrane Imprécis pode ser ouvida na banda FM de Montpellier, no canal 93.9, canal de Divergence FM. Esse espaço de difusão é totalmente local, tendo como área geográfica um arco de circulo indo de Sète até Nîmes. Através do site de Divergence temos acesso aos podcasts de Filigrane Imprécis, sendo então acessível pela Internet em toda parte do mundo, o que pode promover uma diversificação e um aumento dos ouvintes. Porém, é pouco provável que Divergence tenha uma audiência significativa fora da sua zona de escuta. Contudo, a comunicação à volta das atividades de Casa Amadis, da qual Filigrane Imprécis é, de facto, uma emanação, realizase graças às redes sociais, cujos contactos são, quanto a eles, distribuídos à volta do globo. Existe portanto a possibilidade de um publico fora da zona local, mas que nos é impossível de quantificar.

8. Conteúdos : Filigrane Imprécis tem por objetivo a divulgação da cultura e da literatura de Portugal e da Lusofonia. Poucos arquivos permanecem disponíveis no site de Divergence. Nas quatro 36

“En France, les radios associatives diffusent souvent les journaux de Radio France International, servant de relais à cette station qui n’est pas très diffusée en hertzien sur le territoire. Ceci est possible grâce au GIP-EPRA, dont RFI est un des membres fondateurs et qui regroupe de nombreuses radios par et pour des productions de programmes thématiques mises en commun. Le Groupement d’Intérêt Public (GIP) EPRA a pour objet la mise en œuvre d’une banque de programmes radiophoniques favorisant l’intégration en France des populations issues de l’immigration et la lutte contre les discriminations. Divergence FM est adhérente à l’EPRA, et peut à ce titre diffuser les journaux de RFI, complément important à nos propres productions essentiellement basée sur la vie locale. Divergence FM produit et diffuse des contenus de cette banque de programme”. http://www.divergence-fm.org/Pourquoi-RFI-sur-les-ondes.html, 27/12/2013.

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No entanto, o estabelecimento de podcasts do programa permite uma escuta internacional de Filigrane Imprécis. O mais provável, contudo, é que o ouvinte no estrangeiro já tem conhecimento do programa ou esteja a procura desse tipo de programa precisamente. Pode-se afirmar, sem muito arriscar, que a maioria da audiência é local.

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temporadas, apenas o programa de nove emissões está no site, sem gravação áudio. Estão disponíveis nos arquivos privados de Casa Amadis varias gravações do programa, mas não a totalidade. O corpus de documentos indica-nos uma primeira emissão (30/09/2007) dedicada aos clichés sobre Portugal e os Portugueses e às suas desconstruções. Estão presentes dois animadores, Florent Robin, francês, e Tito Livio, português. O objetivo dessa emissão é argumentar e lutar contra os clichés muitas vezes assimilados aos migrantes, permitindo aos ouvintes iniciar a temporada radiofónica de Filigrane Imprécis com uma base nítida de conhecimentos relativos aos Portugueses. Duas outras emissões (25/01/2008 e 26/01/2010) são exclusivamente ligadas à literatura, abordando as crónicas de Lobo Antunes para a primeira, e a segunda que homenageia Saramago, dois autores beneficiando de uma boa receção em França, sobretudo Saramago, que foi distinguido com o Prémio Nobel em 1998. A emissão dedicada à Uzès Danse38 (19/06/2010) e aos Boutographies OFF39 confirmam a vocação local do programa, ligando-o sempre à cultura lusófona. Por exemplo, na emissão sobre o festival de dança contemporânea : 

O objetivo do programa é a dança e a coreografia, o que limita a audiência, sendo o tema bastante elitista.



A presença de coreografos portugueses permite obter a atenção da audiência francesa, apresentando artistas ignorados do publico francês (a parte do publico especializado na temática da dança).



A emissão também permite aos membros da própria comunidade portuguesa e ouvintes do programa, desconhecendo esse aspeto da própria cultura, de conhecer novos artistas portugueses, e assim conforta-los no reconhecimento internacional dos artistas nacionais.

A importância dada às artes também se confirma com a emissão dedicada ao Alkantara Festival (29/05/2010), permitindo aos ouvintes descobrir um festival de renome em Portugal. Enfim, o ecletismo e a abertura cultural à lusofonia nota-se igualmente na programação, sendo transmitido Carlos do Carmo, Cape Verde, Bonga Angola e os luso-descendentes La Harissa. Alem da simples informação, ou da simples descoberta de Portugal e da Lusofonia como atores das artes e da cultura, a temática dessas emissões permite aos ouvintes portugueses de confortar o seu 38

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Festival de dança contemporânea em Uzès (Gard), cujo âmbito europeu é claramente anunciado. (www.uzesdanse.fr), 02/01/2014. As Boutographies são encontros fotográficos organizados pela associação Grain d'Image em Montpellier (www.boutographies.com, 02/01/2014). O festival OFF das Boutographies é organizado pela associação Buzz Arts.

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orgulho identitário, desenvolvendo um sentimento de igualdade cultural quanto ao país de acolhimento.

◦ Analise de um conteúdo especifico : Corpus de 7 emissões de Filigrane Imprécis. Foi possível ter acesso a algumas gravações áudio de Filigrane Imprécis, disponíveis em formato CD no arquivos de Casa Amadis. Tivemos assim a oportunidade de ouvir 7 emissões transmitidas na Divergence FM em 2007 e 2008.

As emissões são todas organizadas com base num esquema que se repete, criando hábitos nos ouvintes: 

O genérico do programa (45 sec.).



Apresentação do programa, Filigrane Imprécis, como iniciado por Casa Amadis.



Apresentação dos animadores do programa.



Anuncio do tema do programa.



Corpo principal do programa, que vai alternando contextualização histórica, biografias, informações e comentários sobre o tema, com pausas musicais relativas ao tema e leituras (em português e em francês) de textos literários ou poéticos40.



Anúncios da atualidade de Casa Amadis em particular, e de manifestações culturais lusófonas em geral em Montpellier.



Genérico do programa (igual ao do inicio).

Ao contrario do que esta escrito na pagina web, a duração da emissão, pelo menos nas gravações às quais tivemos acesso, é de aproximadamente 30 minutos. Todavia, segundo essas mesmas gravações, podemos confirmar que o programa é realizado em direto (ouvimos alguns problemas técnicos e erros de enunciação, que seriam facilmente cortados com uma montagem). 40

cf. Anexo audio.

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Varias constantes permitem-nos ter uma visão geral de Filigrane Imprécis. Uma vertente essencial da identidade duma emissão é o seu genérico. Aqui, temos um genérico em ambas as línguas (português e francês) : « Filigrana Impreciso : Um toque de calçada e palavras imensas sussurram olhares precisos. Em Divergência FM. [Manuela Brito]. Filigrane Imprécis : Poésie, littérature, musique, lignes chaotiques ; murmure clamé d'un chant portugais. Sur Divergence FM. [Florent Robin] .41 »

A temática do programa é claramente anunciada : poesia, literatura, musica, língua portuguesa. Não se trata de Portugal em si próprio, mas de um canto português, melhor ainda, da língua portuguesa, o que permite incluir os países lusófonos. Mas sobretudo, a utilização das duas línguas, a do português em primeiro, demonstra o âmbito de ter como publico-alvo, por certo os ouvintes lusófonos, mas também os ouvintes de língua francesa. A nível dos animadores do programa, temos a presença constante de Florent Robin, que se revela ser o apresentador de Filigrane Imprécis ; é ele que dirige a emissão, anunciando as temáticas do dia, as pausas musicais, apresentando os outros participantes. Percebemos rapidamente que Florent Robin não fala português (várias vezes ele pede aos outros participantes, lusófonos, de pronunciar os nomes e as palavras em português). Portanto, temos aqui uma consequência direta sobre a língua na qual é dirigida Filigrane Imprécis, que só pode ser o francês. Outro participante recorrente é Tito Livio Santos Mota, também presidente de Casa Amadis. O papel de Tito é, na maior parte dos programas, dar explicações históricas, fazer contextualizações, dar informações sobre costumes culturais, dados linguísticos. O locutor português tem aqui por missão explicar ao ouvinte as especificidades da cultura lusófona, que seja ao nível literário, biográfico, historico, linguístico. Dois outros participantes nos parecem centrais : Manuela Brito e Ferdinand Fortes. Manuela participou na génese do programa, e ela é “a voz” portuguesa de Filigrane Imprécis. Pois, é a Manuela Brito que fala em português no genérico, e também é ela que na maioria da vezes lê, na versão original, os textos literários e as poesias do programa. Ferdinand Fortes também é uma figura central do programa, varias vezes referido como o vice-presidente de Casa Amadis, ou como dirigente da companhia de teatro da associação. De origem cabo-verdiana, Ferdinand dedica-se principalmente aos programas dedicados à África lusófona. Temos ainda a presença de participantes mais secundários, franceses (Maxence, Sophie) ou lusófonos (Isabel Mendes).

41

cf. Anexo audio.

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Após audição desses arquivos, temos a confirmação que Filigrane Imprécis é um programa que depende de Casa Amadis. Em cada inicio de emissão o apresentador relembra-nos essa dependência : « Filigrane Imprécis, sur Divergence FM, 93.9. Emission proposée par Casa Amadis, l'association culturelle de langue portugaise de Montpellier42 ».

Os anúncios relativos aos eventos culturais 43, eventos anunciados sistematicamente em cada emissão, sobretudo antes do genérico de final de programa, são muitas vezes ligados às atividades de Casa Amadis. Temos vários exemplos da diversidade das atividades de Casa Amadis no mês de abril de 2007 : 

Exposição sobre Jorge de Sena, com conferência de Michelle Guidicelli, tradutora de Jorge de Sena e professora na Sorbonne, Pedro Aires, da Universidade do Porto, e Florent Robin e Ferdinand Fortes.



Jantar organizado para a comemoração da Revolução dos Cravos, ocasião de fazer descobrir a gastronomia portuguesa e de festejar ao mesmo tempo o 25 de Abril.



Um jogo de sorteio para ganhar uma viagem de avião Marselha – Porto.



Inauguração de uma exposição de fotografias de Ferdinand Fortes.

Essas atividades mostram a exigência de um alto nível cultural, com a presença de universitários especialistas de Jorge de Sena, mas também de atividades mais convivais e festivas, como o jantar para comemorar o 25 de Abril. A analise dos poetas, dos autores, e das musicas escolhidas confirmam uma orientação multicultural aberta a toda a lusofonia. Nessas sete emissões, temos tanto o Brasil (uma emissão dedicada ao poeta Vinicius de Moraes), Cabo-Verde (dedicada à musica cabo-verdiana), Angola (com programação musical angolana), ou ainda Portugal (leituras de poetas portugueses, como Alexandre O'Neill, Fernando Pessoa, Cesarini, Almada Negreiros). As temáticas abordadas são igualmente diversas : teatro (emissão sobre João Villaret), poesia, musica, literatura, e mesmo poesia galego-portuguesa do século XII. Vários aspetos da identidade portuguesa, e mesmo lusófona, são exprimidos, como por exemplo a « des-territorialização », característica da cultura portuguesa, mas também em CaboVerde :

42 43

Como na emissão dedicada a musica cabo-verdiana. cf. Anexo audio.

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« Effectivement, on est pas très nombreux, mais par contre on est trois fois plus nombreux à l'extérieur du pays, hein, oui, il faut le savoir, ça, il faut le savoir aussi que un des aspects important de la capverdianité est incontestablement la musique44 »

Temos também a vontade de monstrar que Portugal « não é um pequeno pais », de dar a conhecer aspetos capazes de dar orgulho aos Lusófonos, permitir aos ouvintes de descobrir outra coisa que os clichés acerca dos Portugueses : 

Emissão sobre Fernando Namora45. Ao minuto 8'20, Tito Livio explica que Fernando Namora foi uma das figuras importantes do néo-realismo, movimento mais conhecido como italiano, mas que teve origem em Portugal.



Emissão sobre Vinicius de Moraes 46. Ao explicar a temática da canção As Coisas de Abril, de Vinicius de Moraes e Toquinho, Tito-Livio menciona que Portugal foi um exemplo de libertação sem intervenção estrangeira, exemplo seguido por Espanha, Grécia ou Brasil.

Finalmente, temos um programa étnico em língua francesa, que tenta presentar aos ouvintes francófonos (e locais, em Montpellier) vários aspetos da cultura portuguesa e lusófona. Filigrane Imprécis tenta transmitir a cultura tanta antiga como contemporânea, dando uma grande importância a programação musical e a área da poesia e da literatura. Esse ultimo aspeto é muito presente, os apresentadores dando sempre escrupulosamente quais são as traduções francesa e por que editora essas mesmas traduções estão publicadas.

44 45 46

Emissão sobre Cabo-Verde. cf. Anexo 2. cf. Anexo 2 e anexo audio.

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Conclusão : Os medias, objetos políticos, culturais, comerciais, transmitem uma certa representação da realidade, da sociedade, sem no entanto refleti-la : “En télé, il n'y a pas de demande, mais uniquement de l'offre. Celle-ci ne fait que répondre aux attentes conformistes du moment, que les programmateurs supposent être celles du public majoritaire. 47”

Ou seja, as representações transmitidas pelos medias correspondem ao que eles pensam ser as representações da maioria do publico. A relação com o publico não é unidirecional, porque o ouvinte não é um simples recebedor passivo da mensagem dos medias. Essa margem de manobra do publico corresponde à diferença entre o que o publico espera, e o que os medias pensam que ele espera : esta necessidade de adaptação é uma influência desse mesmo publico sobre os próprios medias. Quando as histórias propostas pelos medias não correspondem à realidade vivida dos telespectadores, estamos perante um conflito de representações, como é o caso no debate em França sobre as minorias nos medias. Os medias não são o espelho da sociedade, mas o estudo dos medias é revelador das questões socio-politicas contemporâneas48. Este debate da representação das minorias nos medias leva-nos a pensar a relação dos migrantes com o universo mediático, porque esse debate revela os problemas do modelo de integração francês. Hoje em dia, essa minoria não é tanto os migrantes de que se fala nos medias, mas sobretudo as gerações oriundas das precedentes migrações. Entre identidade, representação e reivindicação, a França esta perante grandes dificuldades em viver o seu “multiculturalismo”. De facto existe uma sub-representação dos imigrantes e das minorias nos medias franceses. Um programa como Mosaïques foi essencial na integração dos migrantes na sociedade de acolhimento, mas as recentes e vivas tensões sobre a representação das minorias refletem bem os problemas de integração, sobretudo com as minorias chamadas “visíveis”. E essa ideia de visibilidade, e no nosso caso, de “invisibilidade”, que faz a originalidade do caso dos migrantes portugueses, cuja discrição é um verdadeiro marcador de identidade. Principal população de migrantes em França, os Portugueses parecem ter passado da clandestinidade à integração sem dar nas vistas, numa invisibilidade que permanece nas gerações seguintes : “Contrairement aux jeunes d'origine maghrébine, semblant souffrir d'un excès de visibilité, les jeunes d'origine portugaise se plaignent depuis vingt ans d'être invisibles49”. 47

48 49

E. Macé, citado por Nayrac Magali, « La question de la représentation des minorités dans les médias, ou le champ médiatique comme révélateur d'enjeux sociopolitiques contemporains », Cahiers de l'Urmis [En ligne], 13-2011. Nayrac Magali, “La question de la représentation des minorités...”, op.cit. Pinguault Jean-Baptiste, « Jeunes issus de l'immigration portugaise : affirmations identitaires dans les espaces politiques nationaux », in Le Mouvement Social, 2004-4 n°209, p. 71-89.

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O problema dessa geração não é tanto de reivindicar uma visibilidade do que lutar contra os clichés negativos que são, ao mesmo tempo as origem sociais e nacionais dos pais. O que será o mais importante, para uma comunidade ou minoria étnica : que a sua representação mediática seja proporcional a sua representação na população real, ou que a imagem que seja dela transmitida nos medias concorda com a imagem que ela tem dela própria? Reivindicar tal adesão étnica e a sua representação legitima não é um ataque ao projeto republicano francês, mas sim, uma necessidade de reconhecimento “simbólico” para quem vive, na maior parte do tempo, com uma dupla identidade cultural.

O projeto de Filigrane Imprécis não é ser um programa identitário reivindicando um espaço mediático, mesmo localmente. Ele simplesmente usa do simples direito dos cidadãos – no sentido de ator na cidade – oriundos da Lusofonia – mas não só – de realizar um programa com fim de promover uma cultura muitas vezes desconhecida em França. Para além disso, Filigrane Imprécis não se destina unicamente aos Lusófonos, mais a quem tem interesse em descobrir a Lusófonia, tendo dessa maneira o programa um carácter universal próprio ao imaginário coletivo da comunidade portuguesa. Graças à diversidade cultural dos diferentes apresentadores, a emissão não foi um “lieu de mémoire” de uma nação “trans-territorial”, sendo antes o objetivo de fazer conhecer a Lusofonia sem os seus clichés50. A presença de um Português enquanto apresentador do programa mas também como presidente da associação Casa Amadis, emigrado desde o inicio dos anos 80, mas sempre ligado aos meios da cultura, permite talvez perceber melhor a orientação de Filigrane Imprécis. Os “Portugais de France” sentiram durante muito tempo “un sentiment d'appartenance à une catégorie socioculturelle plus ou moins dévalorisée par l'ensemble de la société 51”. O recente sucesso da Gaiola Dourada, longa-metragem realizada pelo luso-descendente Rúben Alves, perpetua esses clichés relativos aos Portugueses, esquecendo qualquer referência a uma cultura talvez mais erudita, mas com maior prestigio internacional. Foi essa cultura que Filigrane Imprécis entendeu partilhar com os seus ouvintes. As origem sócio-profissionais dos membros do programa, evoluindo todos no meio literário e universitário, contribuem também para explicar as orientações culturais da emissão. Filigrane Imprécis foi de 2006 a 2010 um programa étnico que se define como o programa da cultura lusófona em Montpellier52. Todavia, o seu publico-alvo vai mais além do simples publico 50 51 52

cf. O programa do 30 setembro 2010, Les idées reçues sur le Portugal. Antunes Da Cunha, Manuel, Les Portugais de France : généalogie d'un public radiophonique, p. 24. cf. Descritivo do programa do 22 de maio 2010 (Anexo 1).

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lusófono ou imigrante. Por um lado restringindo a sua audiência pelo seu carácter cultural e literário, talvez elitista, esse ultimo aspeto também permite uma orientação para um publico curioso da cultura lusitana, que corresponde com o “ouvinte institucional” visado por Divergence FM. Mesmo com um âmbito principalmente local, essa abertura para o Outro vai além da comunidade dos migrantes, ficando ao mesmo tempo independente perante qualquer tentativa de instrumentalização por parte de organismos privados ou do estado português. Com uma equipa composta por múltiplas nacionalidades e uma programação étnica tendo o português como língua de expressão, Filigrane Imprécis foi, durante quatro temporadas, o exemplo mesmo de um sucesso multicultural nas ondas radiofónicas de Montpellier.

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Bibliografia : - Artigos ANTUNES DA CUNHA, Manuel, Les Portugais de France : généalogie d'un public radiophonique. ANTUNES DA CUNHA, Manuel, « Quand le public prend la parole : l'émission des Portugais (1966-1992), in Médiamorphoses, 2003, p. 98-103. ANTUNES DA CUNHA, Manuel, « Pour une étude de la réception de RTP Internacional par les Portugais de France », in Cahiers de l'Urmis, 2004-9. ANTUNES DA CUNHA, Manuel, « La quasi-invisibilité des Portugais à la télévision – De la clandestinité à l'intégration » in Exils et migrations ibériques au xxè siècle, n°5, 2013. NAYRAC Magali, « La question de la représentation des minorités dans les médias, ou le champ médiatique comme révélateur d'enjeux sociopolitiques contemporains », in Cahiers de l'Urmis, 2011-13 PINGAULT Jean-Baptiste, « Jeunes issus de l'immigration portugaise : affirmations identitaires dans les espaces politiques nationaux », in Le Mouvement Social, 2004-4, n° 209, p. 71-89.

- Sites Internet : www.boutographies.com www.uzesdanse.fr www.divergence-fm.org http://fr.wikipedia.org/wiki/Divergence_FM

- Arquivos associativos : - Association Croqu'oreilles (Divergence FM) – Statuts de l'association adoptés lors de l'Assemblée générale statutaire ordinaire du 7 novembre 2009 - Association Casa Amadis – Copie des statuts adoptés lors de la création de l'association le 16 décembre 2013. - Gravações de Filigrane Imprecis arquivadas no local de Casa Amadis (7 emissões, de 2007 e 2008)

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ANEXO 1 : Descrição de alguns dos temas de Filigrane Imprécis. (fonte : www.divergence-fm.org) Sábado 30 setembro 2007 – Les idées reçues sur le Portugal Descrição : Pour cette émission de rentrée, Florent et Tito-Livio démontent certaines idées reçues.... Linguistique, économie, politique, Europe : des pistes sur lesquelles notre vision du Portugal est parfois emplie d'idées reçues, faute d'information... Tito-Livio donne les siennes, les chiffres, les explications pour avoir une vue plus nette. Une sélection musicale bien sûr, pour se laisser mieux transporter : Maria Teresa – O mar enrola na areia La Harissa – Portos Ricos Maria Teresa – Lusofonia Cape Verde – Grupo de Bahique Sábado 5 Janeiro 2008 : Lobo Antunes – Chroniques Descrição : Les chroniques de Lobo Antunes au cœur de ce numéro, mais aussi un hommage appuyé à Solange Parveaux, irremplaçable promotrice de la lusophonie, disparue récemment. Avec Florent Robin, Tito Livio et Ferdinand Fortes Lectures : - 2nd recueil de chroniques : « Dormir accompagné » - Hommage a José Antonio Ribierio (Ferdinand Fortes) - Dormir accompagné (Florent Robin) Sélection musicale : Helena – Morrer nos seus braços Vasco Rafael – Vinha dizer Adeus (compilation Fados de Lisboa) Beatriz da Conceiçao – Noite (compilation Fados de Lisboa) Nuno de Aguiar – Querer prender a mentira (compilation Fados de Lisboa) Sábado 22 maio 2010 : Actualité au Portugal / Boutographies OFF Descrição : Le magazine de la culture lusophone ! Au programme de Filigrane ce samedi

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Actualité au Portugal : mariage gay, la visite du pape (voir le billet d’humeur de Tito publié dans la presse lusophone), l’Alkantara festival en collaboration avec Divergence FM (Lisbonne Porto, du 21 mai au 9 juin 2010). En deuxième partie : les Boutographies OFF, pour la clôture du festival à Casa Amadis, du 22 au 28 mai, avec, comme photographes : Vanessa Delater (Brésil, um país de todos) ; Ferdinand Fortès (Le piéton de Montpellier) ; Fanny Duon Hu (inst’envolé du Mékong) ; des tas d’invités photographes... et en musique : Carlos Do CARMO : Rosa da noite ; BONGA : Dois Poemas irmaos ; BONGA : Pio-Pio ; Jovinho DOS SANTOS : Chiquinha + des surprises inédites en France... Sábado 29 maio 2010 : Alkantara Festival 2010 sur le grill Descrição : Casa Amadis se glisse comme "invitée de luxe" au Alkantara Festival 2010 (Lisbonne/Porto). Survol et compte-rendu de la première semaine de ce festival majeur sur la scène performative européenne et mondiale par l’équipe de Casa Amadis au grès des textes de Rita Natálio, traduits en français. 

Entretien avec Stefan Kaegi pou "Radio Muezzin" de la compagnie Rimini Protokoll de Berlin.



Rencontre Vera Mantero/Tiago Rodrigues pour "Nous allons sentir le manque de tout ce dont on n’a pas besoin" de Vera Mantero & Guests et "Si une fenêtre s’ouvrait" de Tiago Rodrigues"



"Centre de Jour" Dona Vlassova & Guests.

Alkantara Festival 2010 Le plus important Festival international des arts de la scène à Lisbonne - danse, théâtre, musique et performances - organisé dans différents galeries et sites de Lisbonne sur une base biennale - est couvert par une radio éphémère : AUTORADIO. Divergence FM va prochainement diffuser des sujets produits par cette radio, que nous aurons doublés grâce aux traductions de l’équipe de Filigrane Imprécis. Sábado 19 junho 2010 : Spécial Uzès Danse 2010 Descrição : Uzès Danse 2010 - Casa Amadis y était et vous fait un compte-rendu On y parlera des chorégraphes :  Victor Hugo Pontes  Marlene Freitas  Luis Guerra Du beau travail de l’équipe du festival dirigé par Liliane Schaus et de bien d’autres choses.

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Sábado 26 junho 2010 : UN HOMME EST MORT ! Descrição : Bon, généreux, profondément humain, José Saramago, Prix Nobel de Littérature 1998, vient de s’éteindre. Communiste non dogmatique et anti-stalinien, anti-fasciste et résistant à la dictature de Salazar, José Saramago a toujours été du côté des plus faibles et des opprimés. Anti-clérical, il n’avait pas la langue dans sa poche. Il écrivit le très Hugolien "L’Evangile selon Jésus Christ", Cain et d’autres fictions bibliques qui n’ont pas été du goût des bigots. Le lendemain de sa mort, le Vatican laissait sortir publiquement toute sa haine dans un communiqué officiel plein d’anathèmes. Mais, à l’annonce de sa mort et du transfert de sa dépouille depuis l’île de Lanzarote aux Canaries, où il vivait, 20 0000 personnes se sont immédiatement amassées devant l’Hôtel de Ville de Lisbonne. Ministres portugais, espagnols, brésiliens et de toute la lusophonie ont fait le voyage. Le Roi Juan Carlos d’Espagne, lui même, lui a rendu hommage publique. Le Portugal a décrété deux jours de deuil national et la Communauté des Canaries 3 jours de deuil. Respecté par les portugais, il était également l’écrivain chéri des immigrés portugais, leur représentant, leur raison d’être fiers. Pour les brésiliens il sera toujours un écrivain national, les espagnols le considèrent comme l’un des leurs et la Communauté des Pays de Langue Portugaise l’a couvert d’honneurs et de prix. Il laisse une œuvre exigeante mais agréable à lire. Complexe et dense, à l’approche parfois difficile mais qui tient la route et qui captive le lecteur en l’envoûtant. Plusieurs de ses romains ont été portés à l’écran mais c’est "L’Aveuglement" de Fernando Meirelles qui avait sa préférence. Son œuvre est traduite en français et accessible en poche. Vous pourrez également la consulter à la Bibliothèque Amadis : 117 rue des États Généraux à Montpellier.

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ANEXO 2 : Corpus de 7 emissões de Filigrane Imprécis. Data

Tema

24/03/07

Vinicius Moraes

31/03/07

Animadores

Musica

Leituras

Francês

Musica inteiramente brasileira (Vinicius, Chico Buarque, Baden Powell).

Poetas Florent, Portugueses Manuela

Francês

Programação musical portuguesa e contemporânea por Manuela

07/04/07

A Goladera Florent, (musica do Ferdinand, Cabo-Verde) Maxence

Francês

Programação musical caboverdiana.

14/04/07

Jorge de Florent, Sena (a Manuela poesia e o corpo)

Francês

Programação musical portuguesa e contemporânea por Manuela

Leitura de poemas de Jorge de Andrade, em português por Manuela, em francês por Florent.

Março 2008 Poesia galegoportuguesa (trovadoresc o século XII e XIII)

Florent, Tito, Francês Isabel Mendes, Sophie Fougerouse, Maxence Galasso

Programação musical francesa, com Georges Brassens e Léo Ferré, cantando ambos canções de François Villon, trovador francês do século XV.

Leituras em português por Isabel Mendes, com traduções em francês lidas por Sophie Fougerouse, Maxence Galasso e Florent Robin.

Sem informação

Florent, Tito Francês

Programação musical angolana

Leitura de um texto, em francês, de Fernando Namora sobre as suas razões de escrever (por Florent Robin).

Porque escrevem vocês ? (Fernando Namora, José Luandino Vieira, Pepetela)

de Florent, Tito-Livio, Alice, Maxence, Simon

Língua

Leitura de poetas portugueses do século XX, em língua portuguesa por Manuela, sendo a tradução lida por Florent.

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Sem informação

João Villaret Florent, Tito Francês

Sem programação musical, substituída por gravações ao vivo de João Villaret declamando poemas no teatro São Luís.

Leitura por Florent Robin das traduções dos poemas declamados por João Villaret.

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ANEXO AUDIO : 1. Generico de Filigrane Imprécis, 24/03/2007, 45 sec. 2. Relacionamento com Casa Amadis., 07/04/2007, 9 sec. 3. Leitura em português e francês de Sobre a nudez, de Jorge de Sena por Manuela Brito e Florent Robin, 14/04/2007, 1m35. 4. O 25 de Abril como iniciador, 24/03/2007, 1min25. 5. Agenda Cultural, 07/04/2007, 4min05.

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