A luta contra os “tubarões do Mercado Municipal” do Rio de Janeiro: comércio de gêneros e os pequenos lavradores do Sertão Carioca.

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SANTOS, Leonardo Soares dos. A luta contra os “tubarões do Mercado Municipal” do Rio de Janeiro: comércio de gêneros e os pequenos lavradores do Sertão Carioca. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.1, n. 1, p. 117-136, março de 2017. ISSN 2526-4702. ARTIGO http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

A luta contra os “tubarões do Mercado Municipal” do Rio de Janeiro: comércio de gêneros e os pequenos lavradores do Sertão Carioca (1945-1964) The fight against Rio de Janeiro’s Public Market sharks: foods market and little planters of Sertão Carioca (1945-1964) Leonardo Soares dos Santos1

Resumo: Esse artigo examina os conflitos, imprensa, políticos e grupos ligados ao mercado de gêneros e abastecimento no Rio de Janeiro e os impactos em sua zona rural (Sertão Carioca), especificamente. Durante 194-1964, o crescimento demográfico teve um papel na expansão da demanda por comida e aumento da utilização da terra e trabalho (por “pequenos lavradores”). Mas havia um enorme abismo entre a produção e os preços, resultado do controle dos comerciantes (“intermediários”). Reduzir os aspectos desastrosos do setor varejista sobre a economia rural era o objetivo dos pequenos lavradores, comunistas e simpatizantes comunistas, classe média e camadas pobres urbanas. Portanto, conquista a opinião pública era fundamental. Palavras-chave: Sertão Carioca, Rio de Janeiro, mercado de gêneros. Abstract: This article examines the conflicts, press, policies and groups connected to the food market and supply in Rio de Janeiro and impacts on your rural zone (Sertão Carioca), more specifically. During 1945-1964, the demographic growth played a role in the demand expansion for more foods and more intensive use of land and labor (by little farmers or “pequenos lavradores”). But there was a enormous gap between production and prices, resulting from the control by merchants (“intermediaries”). To reduce the disastrous aspects of the retailer sector on rural economy was the principal aim of little farms, politics, communists and communist sympathizers, middle class and urban poor. Therefore, to pursue the public opinion was fundamental. Keywords: Sertão Carioca, Rio de Janeiro, Foods Market.

Até a década de 1980, os estudos sobre abastecimento se concentravam sobre os aspectos econômicos da atividade (capitais investidos, origem, liquidez, mecanismos de comercialização, agentes principais da atividade etc.). A história do abastecimento nessa época não era mais do que uma especialidade da história econômica.2

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Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense/Campos dos Goytacazes. Também é professor dos Programas de Mestrado em Políticas Públicas da UFF e de Direitos Humanos da UFRJ. E-mail do autor: [email protected]. 2 Uma contundente crítica a esse respeito foi formulada por Sônia Regina Mendonça (1998, p. 13).

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Mapa do Distrito Federal de meados do século XX destacando a zona rural do Rio, o Sertão Carioca. Fonte: Arquivo do Instituto Pereira Passos

Há cerca de duas décadas começaram a surgir - com exceção do detalhado estudo de Eulália Lobo sobre as condições de vida das classes trabalhadoras do Brasil entre 1930 e 1970, um estudo realizado ainda nos anos 80 - trabalhos que passaram a dar maior atenção às dimensões social e política que atravessam a questão do abastecimento de alimentos. A saber: as reações de setores da população diante das crises de escassez, a incorporação desse problema na pauta e nos programas de movimentos (sindical, da sociedade civil) e de partidos, as políticas e ações desenvolvidas pelos poderes públicos para contornar os problemas gerados etc.

Aspectos da agricultura carioca. Fonte: Última Hora. Acervo: Arquivo Público do Estado do São Paulo.

Nesse sentido, dois trabalhos se destacam: o de Alberto Gawryszewski (2002) e o de Marcela Fogagnoli (2011). No primeiro, o autor analisa como a sociedade carioca busca se posicionar diante da séria crise de abastecimento que grassava no então Distrito Federal em meados do século XX. No segundo, a autora procura conjugar uma história social com uma história das políticas públicas de corte mais institucional. Fogagnoli demonstra, assim, como o campo da Nutrição, enquanto ramo profissional do conhecimento, surge entre 1930 e 1940, durante os esforços de modernização do país efetuados por Getúlio Vargas. Temos como pano de fundo um contexto extremamente conturbado de carestia de alimentos e de aumento de

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119 custo de vida, conjugado a uma mobilização crescente das classes trabalhadoras. O que torna os objetivos do Governo Vargas mais complicados (FOGAGNOLI, 2013). O tempo das panelas vazias e seu “culpado” A partir do final da II Guerra Mundial, simultaneamente ao processo de ascensão das forças populares, a cidade do Rio, e o país como um todo, viveu um período de crise de abastecimento. O trabalhador conheceu tempos de racionamento. Grande parte da população carioca passaria por dificuldades frente ao consumo de alimentos: procura maior que a oferta, mercado negro, os tubarões que eram os grandes comerciantes que não distribuíam os víveres aos locais de vendas, fila para comprar pão e leite, alto custo de vida e a inoperância dos governantes. Tradicionalmente associado ao período de redemocratização, o Governo Dutra, diga-se de passagem, apoiado em uma forte repressão aos movimentos populares e sindicais organizados e nos chamados movimentos espontâneos, também seria marcado pelo arrocho salarial. E a população ainda testemunhava o agravamento da situação por conta de uma inflação galopante (derivada, em grande parte, pelos sucessivos deficits fiscais do Governo, o qual pagava com emissao de moeda). O salário, tambem corroído durante esses anos, tornava o consumo de alimentos por parte das classes pobres e classe média um verdadeiro suplício. Essa era uma arena das lutas sociais das mais sensiveis, o tema tinha ampla repercussao entre todos os campos políticos, ideológicos e sociais. Houve também um grande crescimento do noticiário sobre os conflitos de terra na década de 1950. Através dessa oportunidade aberta pela imprensa, os lavradores e as lideranças procuraram transformar questões como “despejos” e violências de “capangas” numa questão social que dizia respeito a toda cidade do Rio de Janeiro (FOGAGNOLI, 2013). O “grileiro”, esse personagem cuja produção também se consolida nessa época, seria um adversário não só dos lavradores do Sertão Carioca, mas de todos os cariocas, pois estaria impedindo os lavradores de abastecer o mercado do DF com mais eficiência. E isso não era um simples detalhe naqueles anos. A cidade passava por uma grave crise de abastecimento (o que só seria contornado na década de 1980), os gêneros alimentícios eram escassos e relativamente caros. Ao estabelecer uma relação causal entre esta crise e o problema da instabilidade dos lavradores no Sertão Carioca, estes procuravam não só legitimar suas pretensões como também demonstrar que a sua vitória era necessária para o bem-estar da população da cidade. A ideia que se tinha do intermediário como um agente cujas práticas eram nocivas à economia popular era algo bem difundido como opinião de várias representantes dos poderes públicos. Na verdade, desde o Estado Novo, o Governo tomaria algumas medidas com o fito de consolidar a ideia de que ele estava “junto” com a população no “combate” aos agentes da especulação de gêneros alimentícios. Com essa justificativa era decretada em 18 de novembro de 1938 a Lei 869 sobre Crimes contra a Economia Popular, que punia todos aqueles que destruíssem mercadorias, fraudassem pesos, contribuíssem para o aumento ou queda de preços por notícias falsas. A atuação do “intermediário” no sentido de obter lucros acima do “normal” era classificado, portanto, como crime, pelo qual era passível de prisão e julgamento pelo Tribunal de Segurança Nacional (Gawryszewski, 2002, p. 30). Na década de 40 se assistiria a criação de um considerável aparato jurídico e de órgãos governamentais estritamente voltados para o controle da atuação dos “intermediário” nas diversas formas de venda e distribuição de gêneros alimentícios.8 Muito embora fossem de eficácia duvidosa, as leis, portarias e 8

Ibidem, passim.

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120 resoluções então criadas contribuíram para consolidar a noção da atividade do “intermediário” como um crime contra o bem-estar da população e, por consequência, contra a Nação. E a principal consequência era o enquadramento dessa questão sob um viés criminal, mesmo sendo algo eminentemente de ordem econômica e política. E mais: insistia ignorar os meandros burocráticos que alimentavam a corrupção impregnava o circuito de comercialização de gêneros. Poucos anos mais tarde, o debate sobre a ação de tais intermediários mantinha esse tipo de enfoque. Em discurso “aos trabalhadores” no dia do Trabalho em 1951, vemos mais uma vez Getúlio Vargas, agora em sua segunda passagem pelo Palácio do Catete, tecer duros comentários sobre os “negociantes de gêneros”: A economia popular, fruto do trabalho, será defendida e protegida. É ao próprio povo, em primeiro lugar, que cabe a vigilância do mais sagrado dos direitos, que é o direito da necessidade. Os especuladores dos lucros ilícitos, os exploradores da pobreza, os mercadores da miséria alheia ficam advertidos de que a lei não os cerca de imunidades nem a justiça popular reconhece os seus foros de impunidade. (Vargas, 1951, p.7).

Os poderes públicos, é importante que se frise, não agiam no vácuo. O enfoque da imprensa contra os intermediários do comércio de gêneros também era severo. E já se manifestava alguns anos antes. O governo Dutra procurava sinalizar algumas soluções, pois lhe era impossível se manter indiferente, ao menos em relação a essa questão. Naquele mês de maio, ele determinaria que o SAPS (Serviço de Alimentação Popular e Social) passaria a "adquirir nas próprias fontes produtoras as mercadorias de que necessita". O Governo buscava ele mesmo impor concorrência aos tradicionais intermediários do comércio de gêneros: os representantes da autarquia eram incumbidos de adquirir alimentos nas Zonas da Mata (MG), Sorocaba e Paulista (SP), Noroeste do Paraná e em Goiás. O SAPS, segundo o Governo, deveria "descarregar, transportar e armazenar os produtos a ele diretamente oferecidos". Tudo isso tinha um claro propósito: "libertar o povo da crise alimentar" (Diário Trabalhista, 28/05/1947, p. 1). O próprio Mercado Municipal, sede maior da atuação dos “intermediários”, era comumente representado como algo que tivesse vida própria: era um verdadeiro “sanguessuga do bolso do trabalhador”, asseverava o Diário Popular em 1951 (Diário Popular, 25/03/1951. p. 4.). Pouco mais de um ano depois o mesmo jornal classificava o Mercado Municipal de “mercado dos Ali-Babás” (Diário Trabalhista, 21/09/1952, p. 4). A imprensa da época consolidaria por meio de milhares de reportagens (reforçado por centenas de editoriais) a imagem do Mercado Municipal como espaço por excelência de práticas comerciais desonestas e desumanas. E isso se daria exatamente no início da década de 1950. Em março de 1951, O Globo estampava em sua capa a enorme e garrafal manchete “Aumento até de mil por cento em favor dos intermediários – De estarrecer!”. A matéria era fruto de observações realizadas diretamente em Guaratiba; ela detalhava os meios pelos quais um cacho de banana, entre outros produtos, chegava a ser vendido no Mercado Municipal por um preço doze vezes maior do que aquele pelo qual foi obtido originalmente junto ao lavrador da zona rural carioca. O retrato que o jornal traçava da região era até de certo modo elogioso: “O Sertão Carioca aí está para quem quiser ver, agreste, melancólico, abandonado, mas fecundo. E é dessas terras que vem grande parte dos legumes, das verduras e das frutas e que se alimenta o carioca” (O Globo, 06/03/1951, p. 1). A região tinha tudo para se constituir num

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121 “verdadeiro celeiro”, capaz de abastecer “quitandeiros, feirantes e negociantes do Mercado Municipal”. Mas a realidade dos lavradores era bem mais dura. Que o diga o português Daniel da Silva Souza, que habitava a região há 20 anos e cultivava um terreno de 150 mil m². Dizia não conseguir obter “nem 3% de juros sobre o capital empregado”. As causas disso, segundo o jornal, residiriam no emprego de “métodos rotineiros” e, “principalmente, pelas imposições daqueles que dominam o mercado de gênero alimentício” (O Globo, 06/03/1951, p. 1). Por essas e outras, O Globo simplesmente clamava em manchete de capa no dia 2 de março: “Necessidade Pública a demolição do Mercado Municipal” (O Globo, 02/03/1951, p. 1.). Tudo porque, conforme as palavras do mesmo jornal em matéria do dia 27 de março, a “principal causa do encarecimento da vida” era sim a ação do “intermediário” (O Globo, 27/03/1951, p. 1). Para o Correio da Manhã, a “eliminação” do intermediário resolveria um “grave problema da vida carioca” – o alto custo de alimentos (Correio da Manhã, 02/05/1951. p. 5). Com igual convicção o‟Globo afirmava ser o “intermediário” a principal causa do “encarecimento da vida” (O Globo, 28/03/1951. p. 1.). “O Homem do campo está nas mãos de intermediários gananciosos”, estamparia o mesmo jornal na edição de 18 de abril do mesmo ano (O Globo, 18/04/1951, p. 1). E práticas antes restritas ao Mercado Municipal se espraiavam pelas “feiras-livres”. O Diário Trabalhista afirmava que tais feiras haviam se tornado “reduto de exploradores da população”, os feirantes formando uma “caixinha” e fornecendo “com regularidade, o jabaculê aos fiscais”. O jornal assegurava que isso ocorria em toda a cidade; “de Copa até Madureira, do Leblon a Campo Grande” (Diário Trabalhista, 11/07/1952, p. 3). E um ano antes, o mesmo reportava que “os tentáculos dos açambarcadores do Mercado Municipal se estendem a milhares de quilômetros de distância, indo até os campos de cultura de modestos colonos e pequenos produtores, que outra alternativa não têm senão suportar a ´proteção´ que lhes é oferecida pelo odioso sindicato [de “rackteers”]” (Diário Trabalhista, 16/12/1951, p. 8). Em julho de 1952, o Diário Trabalhista assim resumia a questão: “Gananciosos e desumanos como sempre, os „tubarões‟, sobretudo os que exploram o comércio de gêneros alimentícios, estão investindo contra a sacrificada população carioca” (Diário Trabalhista, 22/07/1952. p.1). O rol de “bandidos” não parava por aí. Na verdade, o principal deles era mesmo o “intermediário”. Sim, o “intermediário” tomado de forma ampla, geral e irrestrita. Ou seja, não se resumindo àqueles que atuavam apenas no Mercado Municipal. E mais do que nunca, a atuação desse tipo de agente será caracterizada pelo viés da criminalização. Tem-se a impressão que o fenômeno seria plenamente resolvido caso o código criminal fosse eficazmente cumprido. O Diário Trabalhista noticiava exultante a prisão “em flagrante” de vários “tubarões”, estes “comerciantes gananciosos que sonegando ou majorando as mercadorias vão matando pouco a pouco os cariocas, abusando de sua complacente índole” (Diário Trabalhista, 14/12/1951. p. 3). Em janeiro do ano seguinte, o mesmo jornal assim descreveria as atividades ligadas ao comércio de gêneros: Os assaltos já não têm por palco as estradas desertas nem os becos escuros. Ao contrário, são efetuados à luz do dia, à vista de todos. Pobre de quem se vê forçado a entrar em contacto com uma parte considerável daqueles que negociam com gêneros de primeira necessidade. São roubados, maltratados e, quando procuram uma defesa legal, recebem de certas autoridades demonstrações de pouco caso e menosprezo (Diário trabalhista, 13/01/1952. p. 1).

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122 Um ano antes, o jornal O Radical produziu uma contundente reportagem sobre a situação de penúria da zona agrícola da capital. A responsabilidade da crise era quase toda debitada na conta dos intermediários de gênero. A matéria do jornal tinha como título “Os tubarões mataram a produção de laranjas”. Nele lemos que Há poucos anos, quando fizemos idêntico passeio àquela região, tudo era digno de ser admirado. Vastos e bem cuidados laranjais, pejados de pomos cor de ouro; gado leiteiro por toda parte e cultura variada de verduras, legumes e até cereais. Dissemos, então: está aqui o futuro da terra carioca. Terra abençoada, entregue aos cuidados de lavradores competentes, faltavalhe, tão somente, ajuda moral e material do governo... (O Radical, 25/11/1951, p. 1).

Passado um tempo, como se já não bastasse a falta de ajuda do governo, os pequenos lavradores acabaram, segundo o jornal, “escravizados por atravessadores e negocistas”; as “culturas” seriam abandonadas, resultado do “desânimo que se apoderou dos lavradores”. Daí que tivéssemos um cenário social onde “os intermediários moram em palacetes de luxo, [e os] lavradores vegetam nessas miseráveis choupanas”. E O Radical ainda vaticina que se houvesse “um maior amparo da produção agrícola, o sertão ressurgiria como por encanto e o povo passaria menos fome‟.

Atuação do SAP no Mercado Municipal na década de 50. Fonte: Última Hora. Acervo: Arquivo Público do Estado do São Paulo

Mas para que tal discurso (ou narrativa) tivesse alguma coerencia, era necessário qualificar (por meio do ato de classificar) o outro - os “Intermediários” ou “Atravessadores” em termos das consequencias de suas ações para a sociedade mais ampla, a “população da cidade”. Era preciso consolidar num discurso que visava mostrar as qualidades dos pequenos lavradores como agente principal de uma atividade agrícola destinada ao abastecimento de viveres a população do Distrito Federal, fazer ver quem era esse outro agente, pertencente ao conjunto de Intermediários. E a esse respeito, o trabalho dos pequenos lavradores, em especial as suas lideranças, e de boa parte da imprensa carioca, em construir uma imagem extremamente negativa da figura do intermediário era bastante facilitada pelas próprias autoridades públicas, além do gigantesco acúmulo de elementos negativos referidos aos intermediários por parte da imprensa – como vimos bem nas linhas acima. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v1 n1 março de 2017 ISSN 2526-4702

123 A ideia que se tinha do intermediário como um agente cujas práticas eram nocivas à economia popular era algo frisado por Getúlio Vargas, em seu discurso de posse como presidente em 1951. Ele tentava convencer a opinião pública de que a defesa da “economia popular” – o que incluía o controle dos preços – seria uma das maiores prioridades do seu governo: A economia popular, fruto do trabalho, será defendida e protegida. É ao próprio povo, em primeiro lugar, que cabe a vigilância do mais sagrado dos direitos, que é o direito da necessidade. Os especuladores dos lucros ilícitos, os exploradores da pobreza, os mercadores da miséria alheia ficam advertidos de que a lei não os cerca de imunidades nem a justiça popular reconhece os seus foros de impunidade (Vargas, Getúlio. Op. cit., 1951, p. 73).

O problema da carestia de vida, herdada do Governo Dutra era bastante grave. Vargas chegaria a prometer “freiar o alto custo de vida, estabelecendo um justo preço para os gêneros de primeira necessidade” e deter “com medidas enérgicas, o avanço inflacionista” (Ibidem, p. 16). Mas não bastava apontar os desafios a serem enfrentados. Era preciso dizer como seriam enfrentados. E mais importante ainda: era necessário aclarar contra quem se daria os enfrentamentos. Para o pensamento corporativista varguista, permeado por argumentos nacionalistas, como carestia e corrupção não eram fenômenos puramente sociais (ou econômicos), determinado por estruturas frias e invisíveis. Era sempre fruto de artimanhas, má-intensões e manipulações. Era sempre resultado de conspiratas de agentes inescrupulosos que atentavam contra o bem-estar da Nação e do seu povo, “humilde e trabalhador”. E entre os principais “inimigos” das classes trabalhadoras - as maiores fiadoras desse segundo governo Vargas - figurava o “intermediário”. Embora não o citasse explicitamente, Vargas deixaria clara a sua estratégia de mobilização da opinião pública, que consistia em explorar ao máximo os antagonismos entre o povo e o governo, de um lado, e os agentes que se beneficiavam com as mazelas que afligiam a população. O discurso presidencial do Dia do Trabalhador de 1951 é bastante elucidativo a esse respeito: [...] para a luta contra a carestia da vida e os especuladores, e nos ingentes esforços pela elevação dos salários e a conquista do bem-estar social, é preciso que os trabalhadores e o povo em geral se organizem em volta do Governo como um grande bloco, forte e coeso. Assim será possível levar avante o vasto programa de recuperação econômica nacional, que o meu Governo pretende realizar. E é também esta a única maneira eficiente do povo defender-se, para não ser explorado, e como força de opinião organizada, ajudar o Governo a lutar contra os elementos negativos da sociedade e contra os que não colaboram, os que prejudicam, contra os autores das fraudes, os sabotadores, os exploradores do povo e seus advogados, ostensivos ou disfarçados. As classes produtoras, que realmente contribuem para a grandeza e a prosperidade nacional, o comerciante honesto, o industrial operoso e equitativo, o agricultor que fecunda a terra, estes não têm razão para temores, nem para inquietações descabidas. Jamais devem receiar(sic) a força do povo os que trabalham com o povo e para o povo. O que a lei não protege nem tolera, é o abuso, a especulação desenfreada, a usura, o crime, a iniquidade, a ganancia de todas as castas de favoritos e de todos os tipos de traficantes, que corvejam sobre a miséria alheia, mercadejam com a fome dos seus

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124 semelhantes e dão até a alma ao diabo para acumular riquezas, à custa do suor, da angústia e do sacrifício da maioria da população. O que é insuportável é que dentro da sociedade onde tudo deve ser harmonia, equidade e cooperação para o bem comum, uns reservem para sí todos os benefícios e outros carreguem apenas o fardo das privações e dos sofrimentos. Queiram ou não queiram ouvir-me os inimigos do povo, continuarei proclamando em voz alta que não é possível manter a sociedade dividida manter a sociedade dividida em zonas de miséria e zonas de abundância, em que uns dispõem do supérfluo e outros falta o indispensável para subsistência [...] (Ibidem, p. 28.).

Em certas localidades do Sertão Carioca, a causa do enfraquecimento da agricultura será posto na conta dos “gananciosos” intermediários. Em inícios da década de 50, os “bananeiros” de Jacarepaguá diziam-se “tomados pelo desânimo”, apesar da alta dos preços. Eram apontadas como as causas principais dessa situação as chuvas de granizo de outubro de 52 e as “transações dos intermediários” (Nogueira, s/d, p. 21). Assim como muitos lavradores de Jacarepaguá, os de Mendanha também procuraram “eliminar” a influência dos intermediários transformando-se em “feireiros” ao adquirir caminhões e “fazendo, então, o transporte e a venda de seus produtos nas feiras dos subúrbios” (Silva, 1958, p. 457). Os lavradores de Jacarepaguá também conseguiam se manter livres das “garras” dos intermediários. J.G. de Souza afirmava que a proximidade do centro da cidade facilitava a venda de seus produtos diretamente ao consumidor: “Mas o restante dos lavradores acrescenta ele - a grande massa, se entrega a atravessadores, ao dono do caminhão que lhe vai ter à chácara, ou ao agente do Mercado Municipal” (Souza, 1951, p. 40). A situação era tão grave aos seus olhos, que ele chegaria a dizer que a simples posse de um meio de transporte naqueles dias era o mesmo que ter em mãos um instrumento de “libertação”, não tê-lo, consequentemente, era o mesmo que estar entregue à “escravização”. Um indicador desta última condição, segundo Souza, era o fato da “exploração” sobre os lavradores não acontecer apenas na Praça XV, onde se localizava o Mercado Municipal, mas também nos mercados regionais, mercadinhos e quitandas, para onde se dirigiam os lavradores que buscavam fugir dos “intermediários”. Diante da construção de representações negativas sobre a figura do “intermediário” no contexto da crise de abastecimento, destacando sobremaneira a ilegalidade e ilegitimidade de suas ações, os lavradores cariocas extrairiam elementos que reforçariam a legitimidade de sua luta pela terra no Sertão Carioca. “Um (outro) inimigo da agricultura carioca” Mas a vilanizacao da figura do intermediario nao se restringia a discursos. Parte dele se materializava em atos, em ações públicas dos poderes políticos. Coerente com tal abordagem (policialesca) do problema, o então secretário de agricultura da cidade, João Luiz de Carvalho, promoveria um “cerco” ao Mercado Municipal com o apoio de “35 homens armados”. No entender do Diário Trabalhista, aquele (o Mercado) sendo “dominado, a cidade terá melhor abastecimento” (Diário Trabalhista, 11/04/1953, p. 2). No caso específico do Sertão Carioca, a preocupação com a atuação dos intermediários no comércio de alimentos era mais antiga do que aquela referente ao gradativo desaparecimento da sua área agrícola. No início da década de 1940, o Governo Federal acreditava que essa região ainda era a melhor zona produtora de alimentos para a capital. Com o núcleo agrícola de Santa Cruz funcionando como o esperado, tinha o Governo “a firme

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125 convicção que dentro de pouco a zona rural” poderia “abastecer com fartura, a preços módicos, frutas, legumes e produtos da roça, à cidade do Rio” (Apud Pechman, 1987, p. 76). Ou seja, o Governo mostrava-se tranquilo quanto à questão da produção agrícola; o que na verdade lhe preocupava era pôr “os produtores em comunicação direta com os consumidores para frustrar os abusos da ganância intermediária...” (Apud Pechman, 1987, p. 76). Diante de tal quadro, desde a década de 1940 a prefeitura do DF buscava implementar medidas que ajudassem a contornar a crise de abastecimento da cidade e que, por tabela, livrasse não só os lavradores como também a população carioca da “ganância” dos intermediários do comércio de gêneros. A primeira delas foi o sistema de licenciamento dos caminhões de gêneros. Estes teriam a tarefa de fazer com que os produtos do Sertão Carioca saíssem direto dos sítios dos lavradores para as bancas do Mercado Municipal. No entanto, em pouco tempo, o sistema deixou de corresponder ás nobres intenções que o inspiraram. Os caminhões não mais percorreram os bairros. Pas[s]aram a estacionar em cruzamentos de ruas, praças ou outros logradouros de maior influência da população. Transformaram-se em barracas permanentes, montadas sobre rodas. Já não iam aos limites da zona rural buscar as frutas e legumes do lavrador. Eram abastecidas nos entrepostos e dali partiam para os pontos de estacionamentos, até, não saiam desses pontos e aí recebiam de outros veículos a mercadoria que expunham à venda. Não concorreram para a baixa dos preços. Ao contrário, beneficiados por toda a sorte de facilidade, inclusive pela isenção de impostos e taxas, acompanharam a alta e a especulação participando de tôdas as flutuações descontroladas, ora de fartura ora de escassez de mercadorias que caracterizam o comércio, nesta capital, a partir do início da última guerra (Grillo, 1947, p. 301).

Uma segunda tentativa, já na segunda metade da década, foi a construção de onze mercados regionais, de modo a descentralizar o comércio de gêneros. Mas seu próprio criador, o secretário de agricultura Heitor Grilo, admitia que em “regra geral” os lavradores “espontânea ou forçadamente” estavam “comprometidos” com o Mercado Municipal. Este era, nas palavras do Diário Trabalhista, uma “verdadeira rêde de exploração e especulação da fome do povo carioca”, dominada por um sindicato de “rackteers” (os asseclas do eminente contraventor norte-americano Al Capone); para o jornal, este verdadeiro “empório da exploração”, não era, na época, mais do que uma “boca que devora 2 milhões de quilos de legumes, frutas e verduras” (Diário Trabalhista, 16/12/1951, p. 8.). Detalhe: o referido jornal escrevia isso em fins de 1951, o que demonstra que o secretário de agricultura citado acima tinha lá as suas razões para tanto desânimo. Porém, em que pese os persistentes insucessos, a prefeitura continuava a elaborar novas medidas para combater os intermediários. A outra medida foi a construção junto aos mercados regionais de quatro empórios, que receberiam a produção diretamente dos lavradores, eliminando – assim entendiam - a interferência dos intermediários. No entanto, a fatia que os intermediários continuavam a ter nos lucros do comércio de gêneros, mesmo depois de todas as medidas da municipalidade, era surpreendente. Se os lucros dos lavradores na comercialização dos principais produtos do Sertão Carioca (banana, laranja, couve, agrião e tomate) eram em torno de 460%, o dos intermediários era de quase 1.300% (Souza, 1953, p. 22). Mas passado tanto tempo, os “pequenos lavradores” do Mendanha não tinham muito o que celebrar a respeito do tema dos transportes. Muito pelo contrário, a questão suscitava protestos ainda em 1959. Numa audiência junto ao Ministro do Trabalho Fernando Nóbrega, os lavradores relataram a situação na qual se encontravam, “à mercê dos intermediários e dos

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126 especuladores, que lhes toma[va]m a produção a baixo custo”, por isso pediam “a criação de silos e o estabelecimento de um sistema de transporte para escoamento da produção” (Terra Livre, março de 1959, p. 1). Além da escassez, era grande o encarecimento dos poucos produtos que chegavam às feiras e aos mercados, conforme lemos em algumas passagens da imprensa. Silvio de Abreu, um dos maiores estudiosos da zona rural na época, acreditava que tal valorização esteve muito longe de favorecer aos lavradores cariocas, pois a quase totalidade dos lucros ficava em mãos que não as deles e sim na dos intermediários. Lembrava ainda que a renda per capita dos lavradores era muito baixa, devido àquilo que lhe pagava “o ganancioso intermediário, no atual regime de extorsão” (Idem). Sendo os ganhos obtidos com a produção de gêneros muito inferior àquele obtido com a atividade de circulação, alguns lavradores, como o de Vargem Grande (Jacarepaguá), tornaram-se “intermediários-feirantes”, “abandonando suas lavouras e adquirindo produtos de outros lavradores para revendê-los nas feiras do DF”.

João Luiz de Carvalho fiscalizando a venda de produtos da lavoura numa feira de Campo Grande. Fonte: Última Hora. Acervo: Arquivo Público do Estado do São Paulo.

Entretanto, não era apenas a falta de eficácia das medidas que mais preocupavam esses pequenos lavradores. O próprio apoio direto dos governos (notadamente as esferas municipal e federal) à atividades agrícolas do Sertão Carioca era importantíssimo. Claro: o apoio à agricultura promovida pelos pequenos lavradores em bases que não àquelas ligadas à grande propriedade. Tendo isso em mente, vários desses pequenos lavradores se dirigiriam a imprensa pedindo por mais recursos e assistência às atividades agrícolas da zona rural: sementes, adubo, equipamentos, ração, garantia da posse da terra, cadastro das propriedades rurais etc. O problema do abastecimento na medida em que se ampliava, estimulava uma série de grupos e indivíduos a se manifestarem sobre ela, indicando e propondo medidas que a solucionassem. O Radical, por exemplo, proporia em suas páginas de 13 de setembro de 1951 “medidas severas para assegurar o abastecimento da cidade: restauração do Entreposto Geral de Gêneros Alimentícios no cais do Porto; controle dos preços no atacado; aumento do número dos caminhões-feira e revisão do contrato do Mercado Municipal” (O Radical, 13/09/1951, p.1). Um conjunto de propostas que ganharia vulto no início da década de 1950 seria o do cooperativismo. Medidas para a melhoria do abastecimento que passassem pela adoção de cooperativas eram muito bem vistas pelos segmentos patronais ligados à grande propriedade rural.

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127 A proposta da cooperativização não era nova. Ela foi muito difundida pelas elites agrárias e políticas nos anos 1930 e 1940. E desde aquela época o cooperativismo também era pensado como solução para problemas mais concretos, como os efeitos da atuação dos atravessadores sobre os preços dos alimentos. Sobre o assunto, escrevia o agrônomo em 1926 e um dos maiores ideólogos do cooperativismo - Luz Filho e Brito: O cooperativismo é contra o lucro, que ele considera como uma subtração efetuada ilegalmente pelo intermediário em prejuízo de produtores e consumidores. Abolindo o lucro sem abolir o capital, que é formado pelo trabalho e acumulado pela economia, combate o cooperativismo os abusos do capitalismo [...]. Fica assim subordinado o capital aos interesses legítimos daqueles que constituem a mola vital das associações cooperativas, todas elas repousando na pessoa de seus associados, na sua força de ação [...] (Mendonça, 1998, p. 45-46).

Para tais elites, a bandeira do Cooperativismo tinha outra importante função, eminentemente politica, de rechaçar qualquer possibilidade dos agricultores, especialmente os mais pobres, recorrerem aos sindicatos.35 A Cooperação enquanto discurso ideológico fundamentava assim a ideia de relações pacíficas e harmônicas entre grandes proprietários e trabalhadores rurais. A própria campanha do Globo em nada tocava a questão da propriedade e das terras do Sertão Carioca. Mais do que solucionar os problemas de abastecimento, a adoção do Cooperativismo visava neutralizar os efeitos nefastos à difícil manutenção da harmonia social. Na reportagem de 26 de abril daquele ano, o Globo lembrava que a falta de medidas mais efetivas que impedisse a “sufocação do pequeno agricultor ante a ganância” do intermediário, poderia provocar sérias consequências políticas. O jornal dava destaque ao pronunciamento do presidente da Caixa de Crédito Cooperativo: “Ou procuramos no cooperativismo a solução do problema econômico-social, ou as massas serão levadas ao Comunismo” (O Globo, 26/04/1951, p. 1). Receios como aquele revelavam com nitidez o caráter de classe de tais campanhas. Era muito comum que alguns jornais, em suas campanhas em prol do cooperativismo, divulgassem falas elogiososas sobre o mesmo por parte de grandes proprietários rurais. Numa delas, vemos um “fazendeiro de Macaé”, que teria vindo daquela cidade para levar “seu apoio à campanha d‟O Globo”. E fazia questão de ressaltar que esse apoio não era apenas individual, mas “em nome de inúmeros agricultores do município fluminense.” E, por sua vez, o jornal detalhava as características desse apoiador: “Possue três fazendas contíguas e as explora com fibra e tenacidade invejáveis.... homem simples, franco, habituado ao mais dignificante trabalho a que se pode dedicar o homem, que é o da terra” (O Globo, 18/04/1951, p. 1). Mas o cooperativismo, apesar dos esforços, pouco avançou ao longo dos anos. E ao contrário do prognóstico, as massas não se voltaram ao comunismo. Muito embora, é preciso destacar, os comunistas e militantes e políticos de outras correntes políticas continuassem se engajando no tema da crise do abastecimento. Até porque, tal crise, só aumentava. Mas se a carestia de vida, as ações dos intermediários, as dificuldades de transporte, a falta de recursos a serem empregados na agricultura, a perda de terras agricultáveis para a expansão imobiliária e outros problemas relativos ao abastecimento parecessem se ampliar ao longo da década de 1950, as ações de protesto dos pequenos lavradores também se faziam 35

Em abril de 1951, uma grande reunião envolvendo as cooperativas de consumo do Rio teria lugar exatamente na sede da Sociedade Nacional de Agricultura (O Radical, 04/07/1951, p. 5).

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128 sentir de maneira ampliada. Muitos deles pediriam providências aos vários membros da Câmara Municipal carioca.

Vereador Miécimo da Silva, do PSP. Fonte: Última Hora. Acervo: Arquivo Público do Estado do São Paulo.

Além de demandar soluções e medidas que provessem assistência concreta aos pequenos lavradores, estes procuraram reafirmar a sua visão sobre o que realmente poderia solucionar não apenas a situação de crise da agricultura do Sertão Carioca, de maneira geral, mas a própria atuação abusiva dos intermediários do comércio de gêneros. Os pequenos lavradores buscavam consolidar a visão de que o problema do intermediário não era apenas moral ou de cometimento de crimes: a ação deletéria daquele era indissociável da questão do precário acesso à terra por parte desses pequenos lavradores. Nesse sentido, o “intermediário” também era visto pelos lavradores e lideranças camponesas como o outro responsável pela crise agrícola do Sertão Carioca e não apenas pelo encarecimento dos gêneros nos mercados da cidade.

Novos Rumos, 1 a 7 de fevereiro de 1952, p. 10.

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129 Junto com o problema da instabilidade da posse da terra (cuja responsabilidade recaia sobre os pretensos proprietários), a ação dos intermediários também era vista como uma das causas da difícil situação por qual passavam os lavradores do Sertão Carioca. Isso estaria presente em diversas reivindicações e protestos realizados nas duas décadas seguintes. Era de vital importância afirmar esse nexo entre o problema da instabilidade da posse da terra no Sertão Carioca e a exploração vivenciada por esses lavradores no trato com os intermediários. Um e outro eram como que faces da mesma moeda. O incremento das atuações de ambos contribuía para a fragilização da agricultura carioca. E isso era algo que vinha sendo ensaiado desde a década de 1940. Fundamental para tanto foi a influência do Partido Comunista do Brasil, através da atuação dos seus militantes (em especial os advogados) e da sua imprensa (jornais como Tribuna Popular, Imprensa Popular, Terra Livre e Novos Rumos) junto aos pequenos lavradores.

O Semanário, 23 a 29 de maio de 1959, p. 5. Representantes de pequenos lavradores, em memorial entregue a Assembléia Constituinte em 1946 não perderam a oportunidade de reforçar os liames entre os dois aspectos. Na parte do documento destinado a explicitar as propostas para "salvar" a agricultura carioca, vemos que a solução dos principais problemas, ou, "as reivindicações mais necessárias e urgentes que pleiteiam os camponeses do Distrito Federal" passavam por combater as ações de "atravessadores" e "grileiros": O camponês quer trabalhar, mas, para tanto, necessário se torna que se lhe distribua terras, sob forma gratuita ou `a base de um sistema de pagamento ao seu alcance, que essas terras sejam produtivas e próximas `as vias de comunicação e centros consumidores, que lhe seja assegurada a posse dos tratos de terra por longos anos trabalhado e que lhes sejam concedidos credito fácil, barato e a longo prazo, assistência técnica gratuita, fornecimento de ferramentas agrícolas e sementes, melhoramentos das estradas existentes e abertura de novas, criação de mercados livres com a

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130 abolição dos intermediários, abolição das taxas e impostos que incidem sobre a locação de terras atualmente desordenada, escorchante e realizadas a base de contratos unilaterais, quando não apenas verbais; extinção da poderosa Instituição dos Grileiros, incentivo e amparo `as cooperativas de Produção e Consumo, criação de escolas técnicas rurais e de alfabetização, postos de higiene, serviços de saneamento e tantas outras providencias complementares (Tribuna Popular, 24/08/1945, p. 1.).

Os anos foram se passando, e a crise de abastecimento ia se tornando crônica. E o problema da posse das terras do Sertão Carioca, junto com a manutenção de sua agricultura, também. Grileiros e Atravessadores/Intermediários, “tubarões” de terra e do Mercado Municipal seguiam sendo tratados quase que como um único personagem.

Vereador Osmar Resende, do PSD, bastante atuante nas questões da agricultura carioca. Fonte: Última Hora. Acervo: Arquivo Público do Estado do São Paulo.

Uma década depois lá estavam os “pequenos lavradores” de Jacarepaguá subscrevendo um documento junto a várias “personalidades” (Roland Corbisier, Hércules Correia, Adalgisa Néri e outros), a ser enviado ao II Congresso de Lavradores em Belo Horizonte, e que listava a certa altura as razões do gradativo desaparecimento do cinturão verde carioca: “É o lamentável resultado de uma política de liquidação de nossa atividade agropecuária, em proveito do tubaronato imobiliário. Não há assistência técnico-financeira ao homem do campo; não há mercado garantido, o „atravessador‟ é o senhor absoluto da situação” (Novos Rumos, 11/10/1961, p. 1.). Seguindo esse entendimento, o Novos Rumos escreveria exatamente um editorial equiparando os dois agentes, num editorial intitulado significativamente de “O latifundiário e os atravessadores”: “lugar de destaque na lista dos ladrões do povo cabe aos latifundiários e intermediários que dominam a produção e venda de produtos alimentícios” (Novos Rumos, 2531/01/1963, p. 8). Um ano depois o jornal O Semanário voltava ao tema entrevistando algumas lideranças dos pequenos lavradores como Antonio Ferreira Caseiro, presidente da Associação Rural, e Manoel Agapito, presidente da Associação Rural de Mendanha. “Na longa palestra” que tiveram com o jornalista, eles teriam reafirmado a ideia de “que o custo de vida é em grande parte decorrente do maior ou menor índice de produção. E, se é certo que a nossa Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v1 n1 março de 2017 ISSN 2526-4702

131 lavoura encontra-se tremendamente desorganizada e em completo abandono, claro é que se torna pouco provável uma melhoria do custo de vida para toda a nossa população, se assim continuar” (O Semanário, 23 a 29 de maio de 1959, p. 5).

Pequenos lavradores do Sertão Carioca em audiência com o então secretário de Agricultura João Luiz de Carvalho. Fonte: Última Hora. Acervo: Arquivo Público do Estado do São Paulo.

A solução da grave crise do abastecimento não se resumia à repressão dos intermediários. Era preciso reorganizar a agricultura da zona rural, resolvendo fundamentalmente a questão da posse da terra em favor dos pequenos lavradores. Tem-se falado muito em “planos”, “diretrizes”, de abastecimento, etc., mas as providencias de fundo, seguras, ou seja – a organização da lavoura no Distrito Federal – têm sido silenciadas. É essa colaboração real e positiva que os lavradores do Distrito Federal querem dar, como trabalhadores e patriotas que são (O Semanário, 23 a 29 de maio de 1959, p. 5).

Bastante emblemáticas eram as medidas iniciais propostas pelos representantes da pequena lavoura carioca, e que já haviam sido formuladas quando da I Conferência de Lavradores do Distrito Federal de 1958. O jornal O Semanário tratou de citar um trecho do manifesto desse conclave, e que havia sido enviado aos “representantes do povo nas Câmaras Federal e Municipal”. Note-se que além das propostas sobre construção de um novo Mercado Municipal, de mais postos de venda e de armazéns – medidas tendentes a barrar os efeitos da ação dos intermediários – a preocupação central parecia ser a reorganização da estrutura fundiária do Sertão Carioca: Para enfrentar o problema do abastecimento e da lata dos preços, os lavradores do Distrito Federal propõem as seguintes medidas: 1 – Criação da pequena propriedade, o Banco da Prefeitura financiará, a longo prazo, (nunca inferior a 10 anos) a aquisição da pequena propriedade rural, bem como o seu equipamento mecanizado; 2 – Granjas, estímulo e auxílio à instalação de Granjas Mistas de produção para a criação de gado leiteiro, aves, suínos, proporcionando-lhes assistência veterinária completa; 3 – Criação efetiva do Cadastro Rural;

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132 4 – Aprovação, pela Câmara Municipal, de Lei proibindo o loteamento (lotes residenciais), de terras de lavoura e estabelecendo uma faixa periférica de terras destinadas exclusivamente para a agricultura a fim de garantir o futuro abastecimento do Distrito Federal; [...] (O Semanário, 17 a 26 de abril de 1958, p. 5).

A Crise de abastecimento nos anos 60 A carestia de gêneros alimentícios se agravaria nos anos finais do Governo de Juscelino Kubitschek – ou seja, a situação do abastecimento conseguia se deteriorar (O Semanário, 17 a 26 de abril de 1958, p. 5). Enorme parcela do movimento sindical já tinha incorporado a questão da luta contra a carestia como um dos principais pontos de sua pauta de reivindicações, mormente aquelas de conteúdo econômico (Tribuna da Imprensa, 13/01/1960, p. 5).

A Noite, 13/04/1961, p. 2.

Se a população dos centros urbanos se sentia bastante afetada por essa situação, os pequenos lavradores de zonas produtoras como o Sertão Carioca, ficavam mais ainda: perdiam não apenas no momento da venda dos produtos, mas corriam o risco de perder as suas terras. Em suma: a expansão urbana se intensificava, devorando imensas fatias de terra antes dedicadas à produção agrícola.

Novos Rumos, 14 a 20/08/1959, p. 10.

Foi com esse precário contexto diante de si que o governo municipal de Carlos Lacerda implementou algumas medidas que ao contrário de fortalecer a zona rural carioca, acabou por fragiliza-la mais ainda. Os anos 60 se abrem e a situação da lavoura carioca continua sendo considerada de grande crise. A chegada de Carlos Lacerda ao posto de governador do agora estado da

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133 Guanabara, representa para os lavradores o aumento da força de um projeto que visa a destruição de suas lavouras. Além de facilitar as condições de ação dos agentes imobiliários, este governo procura se constituir ele próprio num promotor da expansão imobiliária no Sertão Carioca, implementando um vasto programa de construção de loteamentos populares (os quais dariam origem aos bairros Cidade de Deus, Curicica e Gardênia Azul). Outras iniciativas emblemáticas são a extinção da secretária de agricultura e o novo zoneamento da cidade, pelo qual se atribui um novo nome (Zona Oeste) e novas funções (residenciais e industriais) à região. Como nas outras décadas, os lavradores continuariam resistindo, em que pese as enormes dificuldades. Procurando fortalecer suas entidades, tentariam transformar suas Associações (que dependiam de um simples registro em cartório) em Sindicatos reconhecidos pelo ministério do trabalho. Considerações finais De certa maneira, o amplo enquadramento negativo da figura do intermediário era benéfica ao movimento dos pequenos lavradores por melhorias da agricultura do Sertão Carioca. Eles conseguiam com isso afirmar uma imagem perante a opinião pública muito mais positiva, de trabalhadores honrados, produtivos, dispostos a trabalhar pelo bem comum, em contribuir para minorar o problema da carestia, por exemplo. Isso possibilitou que os “pequenos lavradores” cariocas pudessem consolidar o discurso de que seu trabalho também seria voltado para o bem-estar da população carioca ao abastecer seus mercados e feiras com produtos de sua lavoura. Esse discurso, por sinal, seria bastante recorrente justamente por ocasião do agravamento do abastecimento de gêneros alimentícios da Capital da República. Assim procedendo, os “pequenos lavradores” firmavam uma espécie de laço de solidariedade com os trabalhadores urbanos e, especialmente, as “donas-de-casa”, já que eram sem dúvida o setor mais sensível às questões envolvendo a crise do comércio de alimentos. Daí também que estes lavradores também investissem na desqualificação da figura do “intermediário” do comércio de gêneros, aquele que com sua “cobiça” e “ganância” desenfreadas escorchavam os consumidores do Distrito Federal, comprando preços altíssimos e pagando ao produtor da zona rural quantias irrisórias. E era nesta questão do abastecimento da cidade que os “pequenos lavradores” - não esquecendo do grande incentivo dado para isso pela imprensa e pelo legislativo da cidade (idem) – tentavam tecer as linhas de uma comunidade moral (contra a ganância e por preços justos) com o “povo do Distrito Federal” (Santos, 2006, p. 1). Ao longo de todo o período estudado, os lavradores, as lideranças e boa parte da imprensa utilizariam a figura do “intermediário” para afirmar uma idéia de que os interesses dos lavradores eram indissociáveis do bem-estar da população da cidade. Em maio de 1951, quinze “agricultores em Campo Grande e adjacências” visitavam a redação do‟Globo para reclamar da falta de transporte adequado dos seus produtos até o centro da cidade, fazendo com que gêneros como alface, couve, agrião, abacate, laranja, banana, “que o carioca paga muito caro nas feiras, mercadinhos e quitandas”, apodrecessem na própria terra. Reclamavam também do alto imposto cobrado na “barreira” de Campo Grande pela banana e da “ganância dos intermediários”, que “compram a laranja por 6,00 o cento e o revendem por 80,00”. Mas não eram somente os lavradores a sofrerem com esses problemas, eles acreditavam que a “outra vítima” era o “povo da capital”, “que não têm o que comer ou paga caríssimo” (O Globo, 09/05/1951. p. 1). O “grileiro” era para os “pequenos lavradores” assaltantes de terras, quando não públicas, terras que proviam o sustento de humildes e laboriosas famílias. No mesmo plano

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134 simbólico (e político) figurava o “intermediário”, ganancioso, que extorquia a população de todo o Distrito Federal e assaltava o indefeso “lavrador”. “Grileiro” de um lado, “Intermediário” de outro: os dois, cada qual a sua maneira, impediam que a população da cidade consumisse os gêneros necessários de maneira proveitosa. Ambos punham em xeque a própria sobrevivência material do “pequeno lavrador”. Tal era a ideia veiculada pelos principais meios de comunicação da cidade. E ela foi fundamental para fornecer legitimidade à causa envolvendo os “pequenos lavradores” ou “posseiros”. Categorias essas forjadas não somente em função de princípios jurídicos (a posse efetiva da terra), mas que expressava princípios, valores, concepções sobre a terra e trabalho. Ou seja, o discurso denuncista contra os “intermediários” não tinham um fim em si (a denúncia pela denúncia), na medida em que objetivava formalizar (por meio da perspectiva do manifesto) as demandas de um grupo social bem determinado, que almejava ter reconhecidos sua existência e, consequentemente, sua legitimidade em reivindicar medidas dos poderes públicos e direitos sobre o território, como era o caso dos “pequenos lavradores”. E em que pese o tradicional apelo ao artificialismo por parte dos jornais da imprensa carioca – com a clara tendência de reduzir o problema a uma questão de caráter (ou falta dele) ou um mero caso de polícia, a imprensa mais ligada aos partidos políticos de esquerda, mormente o PCB, procuraram complexificar o debate. De um lado, apresentando o problema da escassez de gêneros dentro de um contexto mais amplo de interesses envolvendo poder público, partidos e elite de empresários e comerciantes; de outro, defendendo a ideia de que os “intermediários” em nada se diferenciavam no que se refere à destruição do cinturão verde e fragilização da própria classe de lavradores. Ao equiparar as ações dos “intermediários” e “grileiros”, destacando os impactos prejudiciais sobre a atividade agrícola, em geral, e sobre a vida das famílias dos “pequenos lavradores”, em particular, a imprensa comunista os igualavam. Nesse sentido o Partido intentava realizar assim a conexão entre o problema da carestia/escassez de alimentos e da apropriação ilegal das terras do Sertão Carioca. Referencias BADARÓ, Marcelo. Novos e velhos sindicalismos. Niterói: Vício de Leitura, 1998. FOGAGNOLI, Marcela. “A arte da boa alimentação: o projeto de educação alimentar de nutricionistas e nutrólogos e o Serviço de Alimentação da Previdência Social – SAPS (19401960)”, In: Anais do XXVII do Simpósio Nacional de História, Natal, 22 a 26 de julho de 2013. FOGAGNOLI, Marcela. “A arte da boa alimentação: o projeto de educação alimentar de nutricionistas e nutrólogos e o Serviço de Alimentação da Previdência Social – SAPS (19401960)”, In: Anais do XXVII do Simpósio Nacional de História, Natal, 22 a 26 de julho de 2013. FOGAGNOLI, Marcela. “Almoçar bem é no SAPS!”: os trabalhadores e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (1940-1950). Dissertação. Niterói: UFF, 2011. FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. São Paulo: Global, 2004. GAWRYSZEWSKI, Alberto. Panela Vazia. O Cotidiano Carioca e o Fornecimento de Gêneros Alimentícios. 1945/1950. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal da Cultura, 2002.

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