A Mensagem Fotográfica de Roland Barthes e as Estátuas em Mosul

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Breve observação ao texto “A Mensagem Fotográfica” de Roland Barthes e simples comentário à mensagem da imprensa tendo em conta as estátuas em Mosul

No capitulo “A Mensagem Fotográfica” do livro Image, Music, Text, Roland Barthes começa por considerar que a fotografia de imprensa é uma mensagem, sendo esta constituída por: uma fonte emissora - a redacção do jornal, o grupo de técnicos; um canal de transmissão - o próprio jornal; e um meio receptor - o público leitor. Para Barthes a fotografia é uma estrutura que não está isolada, pois comunica com uma outra que é o texto (o título, a legenda, o artigo), e são ambas que suportam a totalidade da informação. Para se compreender a mensagem e a informação deve ser elaborada uma análise sobre cada uma das estruturas separadamente, e só posteriormente é que se torna possível compreender como imagem e texto se complementam. De seguida, como introdução à discussão do paradoxo fotográfico, Barthes refere que por definição, o conteúdo da imagem fotográfica, o que ela transmite, é, precisamente, a realidade literal. Barthes explica que no processo de criação de uma imagem fotográfica há claramente uma alteração na proporção e na cor dos objectos, na perspectiva da cena captada. Contudo neste processo de captação, nesta passagem do real para a imagem, não é necessária uma transformação (ou decomposição) dessa mesma realidade em signos ou códigos que se diferenciem dos objectos representados. A imagem é então considerada não como a realidade, mas como um analogon perfeito, sendo precisamente por essa perfeição analógica da realidade que a fotografia é definida. Segundo Barthes, a imagem fotográfica torna-se assim numa mensagem sem código, uma mensagem contínua. Também definidas como mensagens sem código, menciona Barthes, são todas as outras representações analógicas da realidade como o desenho, a pintura, o cinema e o teatro. Todavia, cada uma destas mensagens desenvolve, para além do seu conteúdo analógico, um conteúdo suplementar, um segundo sentido (que diz respeito ao estilo da reprodução e ao tratamento da imagem). Ou seja, cada uma destas artes imitativas possui duas mensagens, uma denotada (informação; índice) que corresponde ao próprio

analogon, e uma conotada (codificação; convencional, valorativa) que corresponde à maneira como é pensada e interpretada pelos seus observadores. Porém, e, em princípio, este sentido conotativo não se aplicaria à fotografia, pelo menos à fotografia de imprensa, visto não ser uma fotografia “artística”, diz Barthes. A fotografia é possuidora de uma natureza documental e mimética, ela comporta-se como uma reprodução mecânica do real e não possibilita (ou torna desnecessário) um desenvolvimento de uma descrição (ou até interpretação) da imagem. No preciso instante posterior ao toque do dedo humano no botão da máquina que dá lugar à abertura do obturador e torna possível a entrada de luz, no momento exacto da captação da realidade, da própria criação da imagem fotográfica, a máquina fotográfica torna-se como que autónoma, deixa de ser manipulada e torna a imagem numa criação que resulta não apenas da acção e vontade do homem mas sim também da própria máquina. A objectiva da máquina torna-se precisamente objectiva. Assim, não há necessidade em criar significado desta mensagem analógica da realidade pois ela é, justamente, uma cópia (duplicação) do real. Ainda assim, e é aqui que surge o paradoxo fotográfico de Barthes, a fotografia de imprensa é um objecto trabalhado, escolhido, composto, construído e tratado segundo regras, princípios e critérios profissionais, estéticos ou ideológicos (que são por sua vez factores de conotação) previamente a ser distribuído ao exterior, e por outro lado (a fotografia de imprensa) é lida, interpretada (des)codificada e analisada pelo público observador que estabelece relações entre essa mesma imagem e uma reserva de signos pré-estabelecidos pertencentes a um código que é determinado por um espaço temporal histórico, cultural, social e estético, no qual esse mesmo observador está inserido. Barthes refere então que existem duas mensagens inerentes à imagem fotográfica da imprensa: uma sem código - denotada - que diz respeito à analogia fotográfica; e outra com código - conotada - que é colocada não ao nível da mensagem em si mas sim da sua produção e recepção. O paradoxo incide então na mensagem conotada que é desenvolvida a partir de uma mensagem sem código, pois essa conotação é o resultado de uma imposição de um segundo sentido na imagem fotográfica pelos vários níveis de produção. Daí referir-se que esta conotação não está presente na mensagem em si, na própria imagem (como acontece no numa obra artística), mas sim que é imposta na produção da

mesma. De seguida, Barthes menciona vários processos de conotação, diferentes níveis de produção que impõem um segundo sentido à mensagem fotográfica: a trucagem; a pose; os objectos; fotogenia; esteticismo; sintaxe; e a ainda o texto que ganha uma função parasita e conotativa para com a imagem. Grande parte do foto e telejornalismo opera então no desconhecimento do público receptor em relação a determinados assuntos para o alimentar com factos que são construídos em torno de sistemas de falsidade, mas que, a partir de processos de conotação, do tratamento e produção de imagem e texto e da aliança entre os dois, esses mesmos factos são tidos como verdadeiros , pois trabalham (regem-se) a partir das propriedades documentais, mecânicas e miméticas (e supostamente honestas) da imagem, da visão, do acontecimento, da informação, do conhecimento (que acabam por ser completamente adulterados) em relação ao mundo que nos rodeia. Como exemplo, apresenta-se a notícia da destruição de estátuas antigas em Mosul, no Iraque, por extremistas jihadistas do Estado Islâmico, que há cerca de umas semanas gerou bastante polémica nos noticiários. Contudo, recentemente concluiu-se que essas estátuas eram falsas, meras réplicas, e que os originais estão num outro museu em Baghdad.

https://www.youtube.com/watch?v=9en98BKVCWE https://www.youtube.com/watch?v=1rWtZ8ypKBs

O jornalismo recorre então a vários processos de conotação para impor um significado falso à imagem fotográfica sendo que é precisamente nessa mesma falsidade que o próprio jornalismo se constrói e produz a si mesmo, servindo como camuflagem a uma série interminável de jogos políticos, de poder, de interesse, de divergências culturais, politicas, religiosas e que não resultam em nada mais do que nelas próprias e em clonagens delas próprias: ilusões - coisas falsas que remetem para si mesmo como verdadeiras. O noticiário deixa de informar as multidões e passa a entreter, a noticia deixa de ser informativa, deixa de ser ela mesma - noticia, informação, conhecimento - e passa a ser outra coisa... Que nem se percebe bem o quê - e é precisamente neste “não perceber” (neste “desconhecido”, nesta alienação) que ela opera e se constrói. Como consequência, acaba por se questionar a veracidade do próprio jornalismo Será que isto ou aquilo realmente aconteceu? Será que é a fonte do jornal que mente? Será que é o próprio jornal que mente? Será que as estátuas foram realmente destruídas ou não? Mas então para que serviu todo aquela encenação por parte dos extremistas? Porque não passaram os jornais a informação de que as estátuas eram falsas? - e o cidadão trabalhador (mortal) comum acaba por se confundir perante toda a informação e contra-informação com que é bombardeado. A notícia passa a funcionar a partir de uma espécie de política ou técnica empresarial - a polémica - e a estabelecer-se como um programa de alienação do ser perante o que o rodeia. A notícia transforma-se então a ela própria num produto consumível fabricado a partir de alienações e falsidades, estas que se constroem a partir das técnicas de conotação e produção de imagem, sendo esta (a imagem), por sua vez, apropriada pela imprensa devido ao seu carácter factual e documental, devido à sua origem na aproximação e analogia à realidade... Referências: Barthes, Roland (1977) ‘The Photographic Mesage.’ In Image, Music, Text. tradução por Stephen Heath. Londres: Fontana Press. ISBN 0-00-686135-0 [Consult. 2015-03-28]. Disponível em
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