A mente é o novo corpo: a configuração temporal do consumo na construção da subjetividade.

July 25, 2017 | Autor: Adriana Lima | Categoria: Publicidade, Regimes De Visibilidade, Comunicação E Consumo
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A Mente é o Novo Corpo: A Configuração Temporal do Consumo na Construção da Subjetividade. 1 Adriana Lima2 ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing – São Paulo - SP Resumo Considerando os conceitos de dispositivo de Foucault e ampliados por Giorgio Agamben, este artigo pretende investigar os regimes de visibilidade na esfera do consumo a partir de exemplos nos quais as imagens e os discursos publicizados utilizam recursos e técnicas de linguagem que tomam a ‘parte pelo todo’, num processo de construção de sentido potencializado pelas novas tecnologias e externado nos modos de ser e conviver socialmente. Palavras-chave: comunicação e consumo; regimes de visibilidade; dispositivos; publicidade.

Introdução A economia informacional faz emergir um novo corpo. A vitalidade, parece, não está mais encerrada nos processos biológicos, mas na virtualidade da vida, criando um novo poder de metamorfose e de criação. É na capacidade de influenciar e ser influenciado que estão os fundamentos das novas formas de cooperação. Para além da sensação de aceleração, os limites sensoriais dos indivíduos se tornam cada vez mais aguçados e concentrados para a realização das mais diversas tarefas ao mesmo tempo.

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Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 9 – Comunicação, discursos da diferença e biopolíticas do consumo, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Mestranda do PPGCOM – ESPM/SP em Comunicação e Práticas de Consumo. E-mail do autor: [email protected].

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Essa formatação pós-moderna da vida social suscita uma condição humana na qual predomina o desapego, a versatilidade em meio à incerteza e a vanguarda constante de um ‘eterno recomeço’ (BAUMAN, 2008). A vida de consumo não pode ser outra coisa senão uma vida de aprendizado rápido mas, também, de esquecimento veloz. E é justamente neste contexto que encontramos as sensações de inadequação, de deslocamento e de inconformidade com o espaço e tempo. Segundo Canevacci (2005), o homem contemporâneo não é mais ‘indi’ de indivisível, mas ‘multi’, complexo, fugidio, fugaz. Não concebemos mais uma única identidade, mas identidades no plural. Identidade móvel e flutuante, em trânsito, passageira. E a sua completude, ainda que momentânea, impulsiona-o para o consumo fanático por idéias, celebridades, relações interpessoais superficiais e, por conseguinte, para o consumo exacerbado. Neste sentido um mesmo indivíduo, uma mesma substância, pode ser o lugar dos múltiplos processos de subjetivação: o blogueiro, o escritor, o não global etc., correspondentes ao ilimitado crescimento dos dispositivos de nosso tempo (AGAMBEN, 2009). E sobre estes, trazemos à luz exemplos de estratégia e produção de conteúdo disseminados de forma objetiva pela publicidade e ordenados de forma crível pelo acesso às novas tecnologias, nas quais o indivíduo é convocado a se reinventar em um mundo que se apresenta repleto de possibilidades consumíveis a um click e capazes de operar transformações em seu bem-estar físico e mental. Embora a visão aponte para a impressão de que a categoria de subjetividade de nosso tempo vacila e perde consistência (AGAMBEN, 2009), na raiz de todo o processo está o desejo demasiadamente humano de felicidade, e a captura e a subjetivação deste desejo, numa esfera separada, constituem a potência do dispositivo. O conceito de dispositivo, empregado para análise dos exemplos neste artigo, compreende, como veremos adiante, um conjunto heterogêneo de discursos, instituições e leis que interagem sobre o sujeito, a partir de um contexto histórico potencializado pelas novas tecnologias, e que transformam seu modo de ser e conviver socialmente.

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Sobre a definição de dispositivo Giorgio Agamben, em um ensaio apresentado no Brasil3, se apropria da noção de dispositivo esboçada por Michel Foucault, em uma entrevista publicada em 1977, para ampliar as questões de terminologia, tão caras à filofosia. Embora Foucault nunca tenha elaborado propriamente sua definição, ele se aproxima de algo como: Aquilo que procuro individualizar com este nome é, antes de tudo, um conjunto absolutamente heterogêneo que implica discursos, instituições, estruturas arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas, em resumo: tanto o dito como o não dito, eis os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se estabelece entre estes elementos [...]. [...] O dispositivo está sempre inscrito num jogo de poder e, ao mesmo tempo, sempre ligado aos limites do saber, que derivam desse e, na mesma medida, condicionam-no. Assim, o dispositivo é: um conjunto de estratégias de relações de força que condicionam certos tipos de saber e por eles são condicionados. (Dits et écrits, v. III, p. 299-300 apud AGAMBEN, 2009, p. 28) A resposta proposta por Agamben à pergunta ‘O que é um dispositivo?’ indica a centralidade metodológica deste termo em um breve percurso pela obra foucaultiana para, em seguida, traçar uma genealogia do termo, perpassando a noção arqueológica de ‘positividade’ a partir do ensaio de Jean Hyppolite, Introduction à La Philosophie de l’histoire de Hegel: Se ‘positividade’ é o nome que, segundo Hyppolite, o jovem Hegel dá ao elemento histórico, com toda a sua carga de regras, ritos e instituições impostas aos indivíduos por um poder externo, mas que se torna, por assim dizer interiorizada nos sistemas das crenças e dos ____________________ 3. Giorgio Agamben apresentou uma primeira versão deste ensaio como um das conferências que realizou no Brasil em 2005; uma dessas conferências foi na Universidade Federal de Santa Catarina. O autor cedeu o texto da conferência, que foi traduzido do original em italiano por Nilcéia Vadati, para a edição do número 5 da Revista Outra Travessia, cujo título é A excessão e o excesso. Agamben&Bataille, organizado em comemoração pela passagem do filósofo italiano por aquela universidade.

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sentimentos, então Foucault, tomando emprestado este termo (que se tornará mais tarde ‘dispositivo’), toma posição em relação a um problema decisivo [...]: a relação entre os indivíduos como seres viventes e o elemento histórico, entendendo com este termo o conjunto das instituições, dos processos de subjetivação e das regras em que se concretizam as relações de poder [...] (AGAMBEN, 2009, p. 32). Isso, nos parece, sintetiza o objetivo último de Foucault que é o de investigar os modos concretos em que as positividades (ou os dispositivos) agem nas relações, nos mecanismos e nos ‘jogos’ de poder. Para Foucault (2014), o poder está imbricado no saber e consiste, sobretudo, em identificar quais lutas reais e quais relações de dominação são mobilizadas para se chegar aos fins. E, considerando o saber como algo ligado aos desejos humanos, este se apresenta (materializado) na forma de um bem, disponível para consumo. Esse formato do saber construído, embalado e disponível é o que, por vezes, constitui a proliferação de artefatos tecnológicos que fornecessem assistência total ao estilo de vida contemporâneo. Ao menos dois tipos de sujeito consumidores alimentam essa tendência4: de um lado aqueles para quem a forma física, o progresso na carreira e as conquistas acadêmicas são uma nova marca de sucesso e, portanto, mais uma área em que podem superar seus colegas; e de outro, os consumidores para quem o tempo se tornou uma opressão (trabalho demais, estressados e tomados pela ansiedade). Ambos requerem essa emergência por inovação (novos saberes), que ofereça o alívio necessário para as pressões da vida moderna. Em suma, estamos falando dos novos dispositivos modernos. “Hoje não haveria um só instante na vida dos indivíduos que não seja modelado, contaminado ou controlado por algum dipositivo” (AGAMBEN, 2009, p. 42). O termo, tanto no uso comum como na concepção foucaultiana, parece remeter a um conjunto de práticas ______________________ 4. As pesquisas que caracterizam essa tendência ao consumo de artefatos tecnológicos e o comportamento do consumidor contemporâneo foram feitas junto ao site mundial de tendências Trendwatching.com que divulga regularmente suas análises e nos ajuda a refletir sobre os pressupostos levantados no texto.

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e mecanismos que têm como objetivo fazer frente a uma urgência (determinada por um sujeito ‘multi’) e obter um efeito mais ou menos imediato. E, de fato, todo dispositivo implica um processo de subjetivação, do contrário se reduziria a um mero exercício de violência (AGAMBEN, 2009). E para falar do processo de subjetivação, Agamben (2009) propõe a distinção entre vida em seu sentido meramente biológico, comum a todos os seres vivos (zoé), e vida no sentido de uma existência dotada de sentido e sigularidade (bios). Segundo o autor, a redução das formas de vida à ideia de vida enquanto fato acarreta consequências consideráveis e toma como ponto de partida duas grandes classes: os seres viventes (ou as substâncias) e os dispositivos. E, entre os dois, os sujeitos. “Chamamos sujeitos o que resulta da relação e, por assim dizer, do corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos” (AGAMBEN, 2009, p. 41). Segue o raciocínio (idem, ibdem), considerando que os dispositivos possuem sua raiz no mesmo processo de ‘hominização’ que tornou ‘humanos’ os animais que classificamos sob a rubrica homo sapiens. Por fim, na intencão de problematizar a incursão pela definição de dispositivo, destacamos as novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) considerando-as, também, como brechas no processo de subjetivação: Quanto mais os dispositivos se difundem e disseminam o seu poder em cada âmbito da vida, tanto mais o governo se encontra diante de um elemento inapreensível, que parece fugir de sua apreensão quanto mais docilmente a esta se submete (AGAMBEN, 2009, p. 50). Isto não significa que ele (o sujeito) representa em si mesmo um elemento revolucionário, nem mesmo que possa deter ou somente ameaçar a máquina governamental, mas consideramos aquele que o autor chama de ‘Ingovernável’ que é o início e, ao mesmo tempo, o ponto de fuga de toda a política. A dominação capitalista que antes se localizava nas fábricas, hoje mostra sua face na mais rigorosa das exigências: a flexibilidade. Ser flexível significa adaptar-se às demandas de tempo e permanecer sempre disponível, tornando pouco clara a separação da vida pessoal e vida profissional. Como consequência disto, a 5

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sujetividade deixa de ter um valor em si mesma para tornar-se a demonstração de capacidades pessoais desejáveis de serem consumidas. Snack Culture: O consumo de idéias fast food a partir do estudo do TED (Technology, Entertainment and Design) Em março de 2007, um artigo da revista norte americana Wired5 trouxe, pela primeira vez, o conceito snack culture para definir o consumo rápido e fragmentado de produtos culturais. Um fenômeno que começou nos anos 80 com o acesso à internet e que determinou mudanças profundas de comportamento. Segundo Pollyana Ferrari, autora do livro Hipertexto, Hipermídia (2012), o usuário atual se realiza por meio de recortes e sensações que memorizou, interpretando-as posteriormente por meio de flash backs de memória. Essa mudança, portanto, não é um fenômeno que se configura somente pela internet, trata-se de um fenômeno social. No entanto, se o ponto negativo do snack culture é a falta de profundidade, o ponto positivo é o ‘faça-você-mesmo’, a ‘remixagem’ diária da sociedade. Para Pollyana (2012) estamos vivendo o fim da autoria. Não existe, na música, na literatura e nas artes em geral, uma grande descoberta, mas sim vários autores juntos produzindo uma releitura de algo. E com o objetivo de estudar as estratégias de produção inseridas neste novo contexto, trazemos o exemplo das conferências do TED (Technology, Entertainment and Design) que, segundo as palavras da própria organização, tem como conceito ‘Ideas Worth Spreading’ (idéias que merecem ser espalhadas). Originalmente influenciado pelo Vale do Silício (EUA), sua ênfase era tecnologia e design, mas com o aumento da popularidade os temas abordados passaram a ser mais amplos, abrangendo quase todos os aspectos de ciência e cultura. Mais do que idéias que inspiram, estamos falando de um formato de ‘negócio’ que sobrevive há três décadas, ________________ 5. Revista Wired. Mifesto Snack Attack. 15.03.2007. Disponível em:

Acesso em 09 de maio de 2014.

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utilizando a tecnologia como suporte e transformando pessoas em celebridades instantâneas.

Figura 1. Portal TED www.ted.com onde estão disponíveis os vídeos das palestras. Mais informações podem ser vistas no hot site ideas.ted.com.

O que parece caracterizar essa nova sociedade em rede é a predominância da identidade como seu princípio organizacional. E por identidade, entende-se o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significados, principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla e outras estruturas sociais (CASTELLS, 1999, p. 57-58). A informação, com o advento das mídias eletrônicas, perde sua característica de relação ‘um para um’, para se transformar em dados com múltiplos significados e leituras. A sociedade atual move-se em torno das pessoas e suas histórias, de seus costumes, de suas expectativas de vida. Uma nova forma de organização, liderada por uma revolução informacional, em que se instaura uma visão fragmentada, a partir de uma teia não linear e com múltiplas possibilidades de interação (FERRARI, 2012). A música, o cinema, os videogames e a globalização marcaram o início das atividades do TED, uma organização sem fins lucrativos dedicada à difusão de idéias, geralmente sob a forma de palestras de curta duração. Segundo seus organizadores, Churchill, Rossevelt e King (referência a Winston Churchill quando conclamou os ingleses à resistir ao avanço das tropas nazistas em maio de 1940, a Franklin Delano Roosevelt ao assumir a presidência dos Estados Unidos em 1933 e Martin Luther King em seu famoso discurso ‘I have a dream’, de 1963) provaram que, com uma boa

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causa e as palavras certas, é possível mudar o mundo em menos de 18 minutos. É exatamente esta a proposta de um dos maiores fenômenos de comunicação contemporânea. Dezoito minutos é a duração máxima de cada apresentação do TED, um seminário nascido nos EUA, em 1984, e que, desde 2006 publica suas palestras na internet para qualquer um ver e compartilhar. Grande parte desse sucesso deve-se às mudanças não somente no campo tecnológico, mas também no econômico e social. A virada do século significou crescimento mundial, e o aparecimento das tecnologias (redes) sociais6 promoveram um misto de comunicação, informação, entretenimento e publicidade. Ainda que a democratização e o acesso a essas novas tecnologias não seguiram a mesma velocidade que o aparecimento e adesão dessas redes; elas são o cenário para uma pluralidade só conseguida nestes tipos de espaço que Santaella (2010) chamou de ‘intersticiais’, isto é, uma mistura inextricável entre os espaços físicos e o ciberespaço, possibilitadas pelas mídias móveis. Assim, nos encontramos numa sociedade da velocidade e do consumo que se materializa nestes não-lugares; correspondentes a um espaço físico, mas também à forma como os atores sociais aí se relacionam, em uma lógica funcional cuja preocupação é tornar cada vez mais rápida a movimentação na sociedade e a satisfação das necessidades. É justamente nessa mobilidade, compreendida pela idéia de um ato de deslocamento, onde objetos, pessoas, idéias e coisas circulam livremente, que o acesso e a produção – de um conteúdo potencialmente publicizável - tornam as mais diversas manifestações culturais relativas e pasteurizadas. Esse fenômeno já havia sido sinalizado pelo sociólogo francês Gilles Lipovetsky, autor de A Era do Vazio (1983) e o Império do Efêmero (1987), observando a fugacidade das manifestações culturais, sua relação com a sociedade de consumo e as diversas manifestações que esse processo tem provocado. E neste cenário o TED se apresenta como um novo ________________________ 6. O Google foi criado em 1998, o Orkut (rede filiada ao Google) foi criado em 2004, mesmo ano do surgimento do Facebook por Mark Zuckerberg, o Youtube em 2005 (comprado pelo Google em 2006) e o Twitter em 2006.

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dispositivo que condiciona certos tipos de saber e por ele são condicionados. Nesta relação entre o sujeito e o dispositivo estão incorporados as relações de poder, ampliadas ou reduzidas, quanto maior recurso de difusão e disseminação de um dispositivo em determinado contexto histórico.

Figura 2. O TED Global de 2014 aconteceu no Rio de Janeiro e um exemplo do TEDx (uma licença concedida para que o formato seja replicado de forma independente com entrada gratuita) que aconteceu na ESPM em 2012. www.tedxespm.com.br

Essa é a principal característica do saber informatizado, que desloca o centro de gravidade para algumas atividades cognitivas desempenhadas pelo coletivo social. Esse relativização da verdade, da objetividade e da crítica ocorre em função do rítmo cada vez mais rápido da esfera tecnocientífica e o conhecimento e habilidades que dela evoluem. Segundo Lévy (1995), com o advento das tecnologias da inteligência, fatores muito distantes da idéia de verdade podem intervir na avaliação de um modelo: a facilidade de simulação, a velocidade de realização e modificação, as conexões possíveis com programas de visualização, de auxílio a decisão ou ao ensino. A idéia é não mais criticar e sim corrigir os erros possíveis. Os critérios de pertinência do aqui e agora tomam, pouco a pouco, o lugar de universalidade e da própria objetividade. Uma processo ininterrupto de bricolagem e de reorganização intelectual. “A simulação, portanto, não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação com o mundo, mas antes, a um aumento dos poderes da imaginação e da intuição” (LÉVY, 1995, p. 77).

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Segundo os críticos do modelo TED, o formato de falas ensaiadas e limitadas a 18 minutos leva a palestras superficiais. Mas a simplificação é, de certa forma, o preço a se pagar para atingir um público maior. É a performance como publicidade, de que nos fala Zumthor (1997), considerando que a nossa cultura, consciente do poder dos efeitos provocados, codifica com cuidado a escolha dos componentes: tempo, lugar, participantes – constitutivos da performance. Todo esse movimento também implica competência: além de ‘saber-fazer’ e de ‘saber-dizer’, a performance manifesta um ‘saber-ser’ no tempo e no espaço. Se o capitalismo fordista era o mundo das autoridades que ditavam leis, dos projetistas de rotina e dos supervisores e educadores, e portanto, um mundo de “homens e mulheres dirigidos por outros, buscando fins determinados por outros, de modo determinado por outros” (BAUMAN, 2001, p. 75); o capitalismo da contemporaneidade, mais leve e amigável, não aboliu as autoridades nem as tornou dispensáveis, apenas deu lugar e permitiu a existência de “autoridades em número tão grande que nenhuma poderia se manter por muito tempo e menos ainda atingir a posição de exclusividade” (ib., p. 76). Neste cenário propício, as autoridades não mais ordenam e sim seduzem, na busca de se tornarem mais agradáveis a quem detém o poder de escolha, ou seja, aquele que consome. Em uma sociedade onde o poder tem a pretensão de se fazer flexível, a escolha e, portanto, a responsabilidade, está totalmente atrelada ao sujeito. Sucesso e fracasso, redenção e condenação são produzidas pelo indivíduo e somente por ele como resultado de sua ‘liberdade’. Não é mais a autoridade que amplia o número de seguidores, recurso muitas vezes utilizados pela publicidade para garantir a aceitação de uma idéia, produto ou serviço; mas, no mundo líquido (BAUMAN, 2001), é o número de seguidores que faz – que é – a autoridade. Neste sentido, as ‘não-celebridades’, os homens e mulheres ‘comuns’ que aparecem no palco por um momento passageiro para contar suas histórias (de vida) podem fazer com que o ‘exemplo’ seja mais fácil de seguir. O TED, como objeto de estudo, torna-se ainda mais interessante pois vai imprimindo em sua história (e seu fazer) códigos que nos permitem identificar comportamentos. Não é mais o mundo

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imaginário da televisão e dos folhetins, mas a superfície colorida da tecnologia que nos permite reconhecer os ‘modelos’ que se estabelecem ou vão sendo substituído conforme uma linguagem específica compartilhada e pública, a qual deve ser reconhecida pelas pessoas que se comunicam nessa linguagem. Basta um olhar mais atento aos diversos eventos TEDx7 ao redor do mundo para percebermos a preferência por histórias de vida que respondem a uma demanda genuína e tem valor pragmático inegável. Mais uma vez as fronteiras se dissolvem em prol desta mobilidade que nos remete a uma nova forma de pensar o saber. Metonímia contemporânea: ‘tomando a parte pelo todo’ nos anúncio da Revista Veja. No intuito de complementar a perspectiva do consumo rápido e fatiado de idéias, refletido a partir do conceito de dispositivo e a concretização das relações de poder ligados aos limites do saber, apresentamos outro exemplo, o da publicidade na virada do século8, onde constatamos uma manifestação, em vários segmentos, do corpo fragmentado, em que a produção do conteúdo da mensagem ‘tomam a parte pelo todo’.

Figura 3. Revista Veja: Ed. 1639 de 08/03/2000 e Ed. 1657 de 12/07/2000 respectivamente. ________________________ 7. TEDx, a inclusão do ‘x’ no nome do evento se refere a uma licença concedida para que o formato seja replicado de forma independente com entrada gratuita. Mais informações em https://www.ted.com/about/programs-initiatives/tedx-program 8. Pesquisa de anúncios da Revista Veja compreendida entre 2000 e 2010. Acervo Veja Digital disponível em www.veja.abril.com/acervodigital. Acesso entre os meses de março a junho de 2014.

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Figura 4. Revista Veja: Ed. 1665 de 06/09/2000 e Ed. 1671 de 18/10/2000

Figura 5. Revista Veja: Ed. 1687 de 14/02/2001 e Ed. 1923 de 21/09/2005.

O que mais nos chama a atenção, não é o ineditismo da técnica, mas a manifestação de um corpo sem dono, em uma alusão às possibilidades ‘em aberto’ sem personificação a um sujeito, mas a um comportamento. O que suscita a reflexão sobre este evento é justamente o consumo de idéias que tem o poder simbólico de se materializar em qualquer corpo, ampliando, assim, as possibilidades de construção de uma identidade plural. Neste sentido, tanto o dito como o não dito são os elementos constituintes do dispositivo. Todavia, essa carga de regras, ritos e instituições impostas por um poder externo pressupõe o sujeito como elemento histórico. Assim, quando Agamben nos propõe pensar a divisão do existente em duas classes: a dos seres viventes (ou, as

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substâncias) e a dos dipositivos em que estes são incessantemente capturados; chegamos a este sujeito, circunstaciado por múltiplos processos de subjetivação. Essa subjetivação é construída por discursos e imagens fragmentadas, como podemos ver nos exemplos do TED, por meio de suas palestras no formato de 18 minutos e nos anúncios da revista Veja, que utiliza imagens construídas a partir de um corpo ‘em pedaços’. Os regimes de visibilidade contemporâneos requer o consumo rápido de idéias e conceitos para a construção de um corpo flexível com capacidade para transitar nesses espaços ‘intersticiais’ abertos pelas novas tecnologias, refletidas neste texto sob a forma de dispositivos. São esses novos dispositivos que afetam o sujeito e interferem na sua composição identitária que, consequentemente, também se apresenta fragmentada. Cosiderações Finais Na esteira dos processos de produção apresentados, destacamos a publicidade como importante mola propulsora deste movimento que abarca termos como fast food, snack, derivados de outros segmentos, mas que trazem o ‘consumo’– rápido e fatiado – de idéias como se fossem comida, necessário, sobretudo, à sobrevivência do indivíduo. Com base neste argumento, a hipótese de que a ‘mente é o novo corpo’ se torna mais palpável já que, do processo de subjetivação do ser vivente em contato com os novos ‘dispositivos’, resulta um corpo que também é virtual. Entendemos o virtual, não como oposição ao real, mas ao ‘atual’. Ele se desloca do mundo real para criar vida a partir de avatares em páginas da internet. E para sustentá-los, vemos surgir a necessidade de um consumo de idéias que deverão, a partir daí, delinear as novas identidades. Embora isso não seja uma novidade, já que diversas ideologias alimentaram gerações passadas e provocaram mudanças profundas na organização da sociedade, o que vemos hoje é um movimento muito mais acelerado em que o controle, ainda que rigoroso, deixa escapar manifestações outras que podem surgir a partir do acesso e disposição a esses novos dispositivos. Agamben (2009) nos apresenta o termo

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‘profanação’ como uma forma de fazer frente a situações de dominação e controle impostas pelos dispositivos, em nosso cotidiano. Entendendo ‘profano’, o termo que provém da esfera do direito e da religião, como aquilo que, de sagrado ou religioso que era, é restituído ao uso e à propriedade dos homens, ou seja, ao uso comum. “A profanação é o contradispositivo que restitui ao uso comum aquilo que o sacrifício tinha separado e dividido” (AGAMBEN, 2009, p. 45). Considerando o ‘contradispositivo’ como o acesso a esses novos dispositivos, facilitado pelos avanços tecnológicos e mudanças na esfera econômica e social, possibilita o sujeito intervir no processo produtivo gerando novos saberes. Ainda que isso não signifique uma ameaça ao sistema midiático ou governamental, essa é a brecha que se instaura a partir de um sujeito ingovernável. É nessa possibilidade do ‘ingovernável’ que repousa as futuras mudanças a partir de uma geração acostumada a esse rico e dinâmico conteúdo, mas que precisa entender que o jogo em que se insere a metonímia contemporânea, mostra apenas ‘uma parte e não o todo’.

Referências: AGAMBEN, Giogio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009. 5a. Reimpressão – 2013. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. _________________. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. CANABRAVA, Vera Lúcia, G. A recusa do tempo e suas implicações na subjetividade (UFRJ, jun 2008). Disponível em < http://ade-bergson.blogspot.com.br/2013/06/a-recusa-dotempo-na-subjetividade-vera.html >. Acesso em 27 jul.2014. CANEVACCI, Massimo. Culturas Extremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

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