A METAFÍSICA DE TOMÁS DE AQUINO E A DISTINÇÃO REAL ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA

May 31, 2017 | Autor: Pablo da Silva | Categoria: Metaphysics
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Doutorando em filosofia pela universidade federal do Rio de Janeiro, no PPGLM UFRJ, Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica.
Aristóteles: 2005, p 131. (Metafísica, livro Γ, 1003a).
Sobre isso Cf.: Aristotle's Metaphysics. In: http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-metaphysics/
Aristóteles op. cit., pág. 7. (Livro A, 981b).
Categorias, IV, 1b-2a.
A primazia da "substância" como única categoria independente e como objeto próprio da filosofia primeira fica evidente no tratado da Metafísica. No livro Λ, Aristóles afirma:
"O objeto sobre o qual versa nossa pesquisa é a substância: de fato, os princípios e as causas que estamos pesquisando são as das sustâncias.
E, com efeito, se considerarmos a realidade como um todo, a substância é a primeira parte; e se considerarmos como a série das categorias, também assim a substância é primeira, depois vem a qualidade, depois a quantidade.
Antes, falando em sentido absoluto, estas últimas nem sequer são seres, mas qualidades e movimentos da substância [...]"Aristóteles: op. cit., pág. 543. (Livro Λ, 1069a).
Sobre as semelhanças e diferenças entre as doutrinas de São Tomás de Aquino e Aristóteles Cf.: "Aristotle and Aquinas", Owens: 1993, pp. 38-59.
Sobre isso Tomás (1998, p. 78) afirma o seguinte no "Proêmio ao Comentário à Metafísica de Aristóteles": "Portanto, esta ciência recebe três nomes a partir da tríplice consideração supracitada da qual provém sua perfeição. É denominada ciência divina ou teologia na medida em que considera as substâncias separadas. Metafísica, na medida em que considera o ente e o que lhe é consequente. Pois, o que é transfísico se encontra na marcha analítica do pensamento como o que é mais geral após o menos geral. É denominada filosofia primeira, na medida em que considera as causas primeiras das coisas. Fica, portanto, explicado qual seja o tema desta ciência, como se relaciona com as demais ciências e por que nome é denominada.". Cf.: também, por exemplo, "Sobre o Tratado da Trindade de Boécio. Exposição do capítulo segundo", In: Aquino (idem, p. 96).
Aquino: 2005, p. 15.
Idem, loc. cit.
Ibidem, loc. cit.
Aquino, Suma teológica. Apud: Kenny (2002, p. 27).
Kenny: idem, p. 28.
O ente e a essência, cap. IV. Apud: Kenny (ibidem, p. 34). Na tradução brasileira usada aqui o tradutor optou por traduzir o termo latino "esse" por "ser". No entanto, concordamos aqui com Kenny de que o termo "esse" no sentido em que São Tomás o usa nessa passagem do De ente significa "existência". Por conta disso decidimos usar a tradução de Kenny.
Ibidem, p. 36.
A METAFÍSICA DE TOMÁS DE AQUINO E A DISTINÇÃO REAL ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA

PABLO BARBOSA SANTANA DA SILVA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

RESUMO: As ciências especulativas ou teóricas, como a entenderam Aristóteles e Tomás de Aquino, se dividiam em Metafísica, física e matemática. Nesse esquema, a metafísica, também filosofia primeira e teologia, é a ciência mais abstrata e anterior às outras ciências por tratar não somente das causas e princípios do ser, mas das causas e princípios primeiros. Na primeira seção deste texto tratamos das descrições que Aristóteles oferece da metafísica e de sua distinção das ciências teóricas. Comparamos na segunda seção as concepções metafísicas e a distinção das ciências teóricas de Aristóteles e Tomás de Aquino. Na terceira seção, tratamos do modo como o ente é entendido, tanto em sentido lógico como real, e a sua relação com a essência no primeiro capítulo do De ente et essentia de Tomás. Na seção final, a quarta, nos ocupamos da distinção aquiniana, no capítulo IV do De ente, entre essência e existência. São Tomás utiliza essa distinção para se opor à tese do hilemorfismo universal, de que mesmo as coisas imaterias são um composto de matéria e forma, o que explicaria sua potencialidade. Aquino, então, lança mão da noção de existência (esse) para explicar a potencialidade de substâncais imaterias como a alma e as inteligências (os anjos). Em todas as criaturas essência difere de existência. De modo que podemos conhecer a essência de homem e de fênix sem nada saber de suas existências. Somente em Deus, que é pura atualidade, essência e existência se confundem. De acordo com a posição que adotamos aqui a distinção aquiniana entre essência e existência não é lógica, e sim real.

INTRODUÇÃO
No seu tratado da Metafísica Aristóteles escreve sobre a ciência que estuda o ser universalmente. E distingue essa ciência, a metafísica, das ciências particulares, matemática e ciência da natureza, que se ocupam do ser de uma forma delimitada. Aristóteles, na Metafísica, descreve essa ciência de diversos modos. Assim, ela é chamada de a "ciência do ser enquanto ser", por se ocupar do ser universalmente, em especial da categoria da substância. É chamada de "sabedoria" (sophia) e "filosofia primeira" por ser o conhecimento dos princípios e causas mais elevados. E é "teologia" por se ocupar não somente dos seres naturais como ainda do ser divino, o primeiro motor imóvel. Além do tratado da Metafísica, outra obra importante para a compreensão da metafísica aristotélica é o seu tratado das Categorias que mesmo relacionado às obras de lógica dos corpora aristotélico contém importantes questões metafísicas. No tratado das Categorias trata dos diversos modos como os seres podem ser predicados.
Assim como para Aristóteles, para Tomás de Aquino a metafísica é a ciência do ser enquanto ser. Ou nos termos em que Aquino usa a ciência do ens commune que se ocupa dos aspectos mais fundamentais do ser. Para Tomás, a metafísica é uma ciência teórica que é considerada sob três aspectos e que por isso recebe três denominações. "Metafísica" por ser conhecimento tanto das coisas sensíveis como das não sensíveis, e por estar depois da física. É chamada "filosofia primeira", ou "prima philosophia" como se referiam a ela os escolásticos, por ser anterior às ciências particulares. E é "teologia" por tratar da natureza divina como as entidades angélicas e Deus – a causa primeira.
No opúsculo O ente e a essência, no capítulo I, o ente é entendido de dois modos, em sentido real e em sentido lógico. No primeiro caso, o ente em sentido real, é dividido nas dez categorias aristotélicas e são os entes que têm uma essência. E no segundo caso, o ente é entendido em sentido lógico por significar a verdade de proposições. Os entes reais podem ser entendidos em sentido lógico, uma vez que é possível predicar proposições afirmativas deles. Entretanto, não se pode dizer que todo ente lógico é um ente real, classes de entes como privações não possuem realidade, são entes meramente lógicos. Assim, um ente meramente lógico como a cegueira, que é a privação da visão, não possui essência. Somente entes reais a possuem. A essência é propriamente o aspecto definível dos entes que existem.
No capítulo IV do De ente é investigado como a essência é aplicada às subtâncias imateriais (alma, as inteligências ou anjos e Deus). Avicebron (Ibn Gabirol) no século XI havia defendido a tese do hilemorfismo universal ou que as substâncias imateriais são compostas de matéria e forma. A matéria em sentido aristotélico é o princípio da potencialidade. Assim, para explicar a potencialidade dos seres imateriais os defensores do hilemorfismo universal mantiveram que esses entes devem possuir materialidade. Mesmo que essa materialidade seja diferente da materialidade corpórea. Tomás conclui que essa tese é absurda. E introduz, para explicar a potencialidade das entidades finitas, a sua clássica distinção entre essência e existência (esse). Em todas as criaturas, com exceção de Deus, a essência e existência mesmo articuladas são diferentes. Desse modo, é possível conhecer a essência de um homem ou de uma fênix sem se saber nada sobre suas existências. Os comentadores divergem se a distinção entre essência e existência é uma distinção lógica ou uma distinção real. Pela linha que seguimos aqui, baseada na interpretação de Anthony Kenny, em seu Aquinas on Being, a distinção traçada por Aquino entre essência e existência é uma distinção real.

A METAFÍSICA ARISTOTÉLICA
Nesta seção, trataremos das diversas descrições que Aristóteles dá da metafísica e da diferença dela para as ciências particulares como a matemática e a ciência da natureza. No início do livro Γ de sua Metafísica, Aristóteles escreve sobre a ciência do filósofo que diz respeito ao ser universalmente ou a "ciência que considera o ser enquanto ser e as propriedades que lhe competem enquanto tal." Essa ciência que estuda o ser universalmente difere das ciências particulares como a matemática e as ciências da natureza que delimitam uma parte do ser, tomam o ser parcialmente, e se ocupam apenas das características desta parte do ser delimitada. A metafísica ou a filosofia primeira se ocupa dos elementos do ser enquanto ser. Esses elementos são os primeiros elementos, os mais fundamentais, dos seres. Assim, a filosofia primeira é o conhecimento dos primeiros princípios, das causas primeiras e universais do ser ou dos seres; e é também a ciência das substâncias (ousiai).
Aristóteles na Metafísica descreve o assunto de seu tratado de diversas formas: "a ciência do ser enquanto ser", "sabedoria" (sophia), "filosofia primeira", "teologia". No livro A da Metafísica, a partir de sua doutrina empirista o filósofo de Estagira, ou o filósofo, como se refere a ele São Tomás, estabelece uma hierarquia no conhecimento. O processo de aquisição de conhecimento em termos aristotélicos principia com os sentidos ou a sensação e por meio da experiência se conhece primeiramente as coisas. A experiência constitui o conhecimento dos particulares. Entretanto, este saber ou conhecimento dos particulares ainda não pode ser considerado ciência (episteme). O saber científico em sentido aristotélico é um saber teórico, é o conhecimento dos universais; ele constitui um conhecimento mais genérico e abstrato da realidade, um saber contemplativo de conceitos e princípios. Dentre as ciências, Aristóteles considera a filosofia primeira a mais elevada por conta desta ciência não ser apenas o conhecimento das causas e princípios, mas o conhecimento das causas primeiras e universais. O conhecimento dessas primeiras causas e dos primeiros princípios é identificado com a sabedoria. Desse modo, no tratado da Metafísica se afirma que "pelo nome de sapiência todos entendem a pesquisa das causas primeiras e dos primeiros princípios." O objeto de estudo do tratado são essas causas e princípios que a "filosofia primeira" se debruça.
Essa ciência é chamada de filosofia primeira por tratar dos primeiros princípios, os princípios mais gerais e abstratos ou das questões que são, de certo modo, as mais fundamentais e de maior generalidade. Em relação à descrição do "estudo do ser enquanto ser" não significa que há uma única coisa que é investigada, um "ser enquanto ser" em si. A investigação aristotélica no seu tratado da Metafísica não diz respeito a algo recôndito como se existisse alguma coisa como um "ser enquanto ser" a ser descoberto, mas é um estudo do ser ou dos seres. É uma forma de estudar o que é dito ser ou os seres na medida em que eles são seres. Como visto, no entanto, a metafísica não é a única ciência a estudar os seres, também as ciências naturais e a matemática o fazem, só que de modos e aspectos diferentes. Enquanto as ciências particulares estudam o ser parcialmente e se debruçam sobre as características do ser que é delimitada, a filosofia primeira se ocupa do ser de forma universal. Assim, o cientista natural estuda as coisas que se movem e são sujeitas à mudança, ele se ocupa das leis da natureza. E o matemático estuda as coisas contáveis e mensuráveis. Ao passo que o metafísico estuda, como visto no livro Γ da Metafísica, o ser universalmente ou os aspectos mais gerais e abstratos do ser enquanto ser.
No livro Ε, Aristóteles acrescenta que a ciência do ser enquanto ser ou a ciência dos primeiros princípios e das primeiras causas se identifica ainda com a "teologia". Tal ciência investiga as coisas que são eternas, não sujeitas à mudança e independentes da matéria. E é considerada por Aristóteles também por conta disso a primeira e mais elevada das ciências. Na Metafísica, livro Λ, Aristóteles distingue três tipos de substâncias. Estas são as substâncias perecíveis, como o homem e as plantas; a substância eterna, como a alma; e a substância imutável, o primeiro motor imóvel. As substâncias perecíves e eternas pertencem no modelo aristotélico à ciência da natureza, e a substância imutável à teologia. Da constatação da existência do motor imóvel, Aristóteles conclui que tanto as substâncias perecíveis como as eternas, tanto os céus e a natureza, dependem do ser imóvel. Pode-se então constatar o porquê de a teologia ou filosofia primeira, a ciência dos seres divinos, ser anterior às outras ciências e a mais universal. O motor imóvel é anterior às outras substâncias e estas são anteriores a todos os outros seres. Enquanto a física explica os seres naturais, a filosofia primeira explica tanto os seres divinos como os seres naturais.
Outra obra de particular importância para a compreensão do projeto metafísico aristotélico é o seu tratado das Categorias. Embora relacionado aos textos de lógica no Órganon aristotélico, por conta da análise dos termos que compõem as proposições e das quais inferências são construídas, o texto das Categorias começa com uma investigação dos seres que existem. Os seres, de acordo com Aristóteles, podem ser divididos em dez predicamentos ou categorias: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, estado, hábito, ação e paixão. Como Aristóteles escreve no texto das Categorias:
As palavras sem combinação umas com as outras significam por si mesmas uma das seguintes coisas: o que (a substância), o quanto (quantidade) o como (qualidade) com que se relaciona (relação), onde está (lugar), quando (tempo), como está (estado), em que circunstância (hábito) actividade (acção) e passividade (paixão). Dizendo de modo elementar, são exemplos de substância, homem, cavalo; de quantidade, de dois côvados de largura, ou de três côvados de largura; de qualidade, branco, gramatical; de relação, dobro, metade, maior; de lugar, no Liceu, no Mercado; de tempo, ontem, o ano passado; de estado, deitado, sentado; de hábito, calçado, armado; de acção, corta, queima; de paixão, é cortado, é queimado.

De todas essas categorias dos seres, Aristóteles confere primazia à primeira, a categoria da substância (ousia). As únicas coisas independentes são as substâncias, todas as demais categorias, chamadas de categorias acidentais, são dependentes das substâncias. Assim, quantidades são medidas ou a contagem de substâncias (1,80m, 75kg...), qualidades são qualidades de substâncias (branco, inteligente...), relações são os modos como as substâncias se relacionam umas com as outras (... casado com ..., ... maior que ...). Todas as categorias não-substanciais existem em uma substância, existem em um sujeito.

A METAFÍSICA DE TOMÁS DE AQUINO
O pensamento metafísico de Tomás de Aquino é fortemente influenciado pela concepção metafísica aristotélica. Para Tomás, a metafísica é o estudo do ser enquanto ser (ens commune) ou o estudo dos aspectos mais fundamentais do ser. Todas as ciências lhe são posteriores na ordem de conhecimento e dela recebem os seus princípios. Nesta seção, começamos com uma comparação entre a metafísica asristotélica e a metafísica de São Tomás. Em seguida, tratamos da distinção, herdada da tradição aristotélica, das ciências especulativas que correspondem às três partes da filosofia especulativa. E, por fim, nos voltamos para a questão do que vem a ser o fim próprio da metafísica segundo a visão tomásica.
São Tomás herda de Aristóteles, dentre outros conceitos, a distinção metafísica entre atualidade e potencialidade. Entretanto, vai além do aristotelismo e desenvolve baseado na noção de ato e potência a distinção entre essência e existência (esse). Para muitos, essa distinção que é o tema principal desse texto é a maior contribuição de Aquino à filosofia. Da tradição metafísica aristotélica também herda os conceitos de causa material, formal, eficiente e final. Ambos concordam ainda que as ciências teóricas são tripartidas em física, matemática e metafísica (filosofia primeira, teologia). O fim supremo de todo empreendimento humano é a contemplação intelectual. E que os corpos materiais são compostos de matéria e forma, sendo a matéria o princípio de individuação e a forma a substância universalizante. Embora compartilhe todos esses princípios, e mais outros, com o filósofo de Estagira, Aquino está longe de ser um mero comentador passivo e cuja doutrina metafísica é desprovida de originalidade. Assim, seu pensamento de proficuidade ímpar na história da filosofia, bem como sua metafísica, vai muito além da mera síntese entre o aristotelismo e os princípios da fé cristã.
A metafísica pertence ao campo das ciências especulativas. Tomás distingue o intelecto teórico ou especulativo e o intelecto operativo ou prático. O intelecto é meramente especulativo por contemplar as verdades de determinadas questões particulares. E o intelecto é prático ao determinar a verdade e buscar aplicá-la. A tal distinção corresponde a divisão das ciências em teóricas e práticas. As ciências teóricas ou especulativas são as ciências em que a verdade é contemplada. Ao passo que nas ciências práticas, a verdade é aplicada para algum propósito. Posto isso, todas as ciências particulares se diferenciam por se ocuparem de diferentes assuntos. No caso das ciências especulativas, o seu objeto tem de ser separado da matéria e do movimento. O conhecimento científico especulativo ou teórico é um conhecimento intelectual, Tomás defende que o intelecto assim como o seu objeto são imateriais. E por conta do conhecimento intelectual ser um conhecimento científico, é um conhecimento necessário – isto significa que não é sujeito à mutação ou ao movimento.
Tomás mantém, seguindo a tradição aristotélica, que algo é compreendido quando é separado da matéria e é necessário à coisa. Desse modo, ao compreender algo como uma árvore o que se compreende não é primariamente a sua matéria, mas o princípio estruturador da matéria que a organiza e a especifica. Ao se compreender corretamente uma árvore não se compreende um cão ou um gato. O que é compreendido não é qualquer coisa que não seja uma árvore, mas o que é necessário para o seu ser enquanto árvore. O conhecimento das coisas é separado da matéria e é necessário à coisa. O que está em movimento pode mudar, logo não é necessário. Assim, a maneira como algo é compreendido está relacionado com o modo como este algo é separado da matéria e do movimento. Portanto, o que é especulado nas ciências especulativas tem de ser separado tanto da matéria como do movimento, a distinção das ciências especulativas segue essa ordem de afastamento da matéria e do movimento.
Entre o que é especulável, há de distinguir os especuláveis dependentes da matéria e do movimento para serem e os que não têm dependência da matéria e do movimento no que é referente ao ser. Existem três divisões aplicáveis aos objetos especulativos que possibilitam diferenciar as ciências especulativas a que esses objetos correspondem. Portanto, Aquino admite três ciências teóricas que são as três partes da filosofia especulativa: a ciência da natureza ou a física, a matemática e a metafísica (filosofia primeira ou teologia). No caso da ciência natural ou física, há uma classe de objetos especulativos da qual ela se ocupa que são dependentes da matéria e do movimento tanto para serem como para serem compreendidos ou inteligidos. A matemática lida com a classe de objetos especulativos que dependem da matéria e do movimento para serem, mas não para serem compreendidos ou inteligidos. Assim, entidades matemáticas como pontos, linhas e números são coisas que não podem ser sem matéria. Entretanto, podem ser compreendidos sem se compreender a matéria em que eles se encontram. Por fim, a metafísica (filosofia primeira ou teologia) lida com a classe de objetos especulativos que não dependem nem da matéria nem do movimento tanto para serem como para serem compreendidos.
A metafísica, filosofia primeira ou teologia recebe essas três denominações por ser considerada sob três aspectos. É chamada de metafísica por estar depois da física, por conta do nosso conhecimento ir do sensível ao não sensível. Filosofia primeira por conta de todas as ciências receberem seus princípios dela e serem posteriores a ela na ordem da natureza. E é teologia por se ocupar de entes imateriais de natureza divina como as entidades angélicas e Deus. Como visto, a classe de especuláveis de que a metafísica se ocupa são as coisas imateriais que não dependem nem da matéria e nem do movimento tanto para serem como para serem compreendidos ou inteligidos. Dentre as questões que são objeto da metafísica para Tomás se encontram: ser, substância, potência, forma, ato, o uno e o múltiplo. Elas se aplicam às coisas materiais como os seres humanos, cavalos, cachorros... e em certa medida às coisas imateriais como o intelecto, as naturezas angélicas e a substância primeira. Assim, a metafísica é o estudo dos modos de ser que se aplicam a todas as coisas tanto materiais, como imateriais. É a investigação do ens commune, ou dos aspectos do ser que são comuns a todas as coisas e sem as quais as coisas não seriam.
Compete, portanto, ao metafísico descobrir os aspectos do ser que são comuns às coisas e sem os quais elas não seriam. Desses aspectos comuns a todas as coisas se encontram a composição entre substância e acidente; a matéria e a forma que são os aspectos comuns às ocorrências particulares do ser; e a essência e a existência.

ENTE E ESSÊNCIA
A essência assim como o ente, como afirma Tomás no prólogo de seu De ente et essentia, são as primeiras coisas conhecidas pelo intelecto. O primeiro capítulo do tratado começa com uma distinção feita por Aristóteles no livro Δ da Metafísica, a saber, de que o ente pode ser dito de duas maneiras: "de um modo que é dividido por dez gêneros; de outro modo, significando a verdade das proposições." O ente dito do primeiro modo é entendido em sentido real. E da segunda forma em sentido lógico.
No caso do ente em sentido real, o ente dividido nos dez gêneros são as categorias aristotélicas ou as diferentes formas de predicação. Para Aquino, se um predicado em uma categoria particular é atualmente verdade de alguma coisa, é o caso que existe no mundo uma entidade que corresponde a esse predicado. Assim, poderia-se predicar verdadeiramente de Aquino que era um ser humano, que era gordo, que tinha certas certas qualidades como a de ser inteligente e assim por diante. Se aos predicados de sentenças verdadeiras correspondem entidades em alguma das dez categorias, essas entidades têm um ser.
O ente dito do segundo modo, significando a verdade de proposições, é entendido em sentido lógico. Nesse sentido, o ente é qualquer coisa que pode ser objeto de uma proposição afirmativa, o que inclui também as negações e privações como a cegueira que é a privação da visão. Claramente os entes em sentido real, divididos nas dez categorias, podem ser chamados entes também em sentido lógico por ser possível fazer proposições afirmativas verdadeiras deles. No entanto, se todo ente real é também um ente lógico, não se pode afirmar que todos os entes lógicos são entes reais. Classes de entes como negações e privações são entes lógicos que não possuem realidade. Assim, Aquino afirma que "a afirmação é oposta à negação e que a cegueira está no olho." A cegueira está no olho aqui significa que a cegueira não põe nada na realidade, diferente de uma ficção ou algo irreal, a cegueira não possui realidade positiva como a visão, mas é a ausência dessa faculdade.
Apenas o ente em sentido real possui uma essência. Assim, não existe alguma coisa que possua a essência da cegueira, somente os entes nas dez categorias possuem essência. A essência significa "algo comum a todas as naturezas, pelas quais os diversos entes são colocados em diversos gêneros e espécies, assim como a humanidade é a essência de homem e igualmente a respeito dos demais." Ao afirmar que "Aristóteles é um ser humano" é afirmado que o predicado "é um ser humano" tem uma entidade correspondente a ele que é a humanidade de um undivíduo. Aquino afirma que os entes pertencentes às dez categorias possuem essências, e em seguida afirma que a humanidade é uma essência, no caso, é a essência de um ser humano. A diferença aqui entre "possuir essência" e "ser a essência" é que nesse caso é predicada a primeira das categorias que se distingue das demais. A essa categoria, Aristóteles chamou, como vimos anteriormente, de categoria da substância (ousia). A predicação nessa categoria nos diz de alguma coisa em uma sentença o que ela é; se é um ser humano, uma planta, uma pedra e assim por diante. Predicar a categoria da substância é diferente de predicar as outras nove categorias, ou categorias acidentais. Ao fazer uma predicação substancial e o predicado deixa de ser verdade de uma substância, a substância deixa de existir. Ao predicar a humanidade de Aristóteles, ao tirar a sua humanidade, Aristóteles deixa de existir. Em uma predicação acidental, por sua vez, como a predicação de que Aquino é gordo, que cai na categoria da quantidade, poderia ocorrer de Aquino deixar de ser gordo sem deixar de existir.
A essência é o que faz alguma coisa ser o que é, algo determinado, e não outra coisa, é aquilo mediante o qual o ente tem seu ser. É ela que faz um ser humano ser um ser humano, um triângulo ser um triângulo, um círculo ser um círculo e não algo diferente. Portanto, a essência é a própria definição da coisa, sua quidade. E é por meio dela que uma coisa é reconhecida, que um ente é cognoscível, em um gênero e em uma espécie e definida. De um modo geral, a essência é o aspecto definível das coisas que existem.

ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA
Tomás, no capítulo IV do ente, investiga como o conceito de essência se aplica às substâncias imateriais, a saber: à alma humana, às inteligências (os anjos) e à causa primeira (Deus). Como veremos a seguir, em uma passagem crucial do De ente, capítulo IV, São Tomás defende que se pode compreender a essência de um homem ou de uma fênix sem se saber nada sobre suas existências. Assim, conclui que em entidades finitas essência e existência, embora articuladas, são distintas. A essência é o que tem existência, no entanto, não se confunde com a existência. Assim, em todos os seres, com exceção de um, a essência é distinta da existência. Apenas em Deus que é pura atualidade sua essência é idêntica à sua existência, uma vez que a essência de Deus é a sua existência.
O intelecto ou a alma humana é a capacidade de produzir linguagem, capacidade esta que nos difere dos outros animais. Por meio dessa capacidade são produzidos conceitos ou ideias universais. São Tomás não admitia ideias inatas, e defendia que o intelecto ou a mente humana adquire conceitos da experiência sensível. Os homens compartilham a experiência com os animais, no entanto, apenas ele produz linguagem e conceitos universais devido à sua capacidade intelectiva específica. O intelecto humano apresenta dois aspectos. O intelecto ativo ou o intelecto agente é a capacidade de produzir ideias universais e verdades necessárias. E o intelecto passivo é onde as ideias e o conhecimento são guardados.
O intelecto ativo é necessário, para Aquino, porque os objetos do mundo não se ajustam à compreensão intelectual. Os objetos percebidos por meio da experiência sensível são transitórios, instáveis, individuais. Para Aquino, eles são somente potencialmente pensáveis ou inteligíveis. O intelecto ativo, para os tornar atualmente pensáveis, abstrai de sua matéria corruptível e individual e produz conceitos universais e necessários. Os universais são os objetos atualmente pensáveis. São Tomás, na Suma teológica, afirma que "qualquer substância inteligente deve ser totalmente desvinculada da matéria: não deve ter a matéria como uma parte de si mesma, nem ser uma forma imposta à matéria como as formas materiais o são.". Kenny observa que Tomás mantém que como os universais são imateriais, por serem separados da matéria, o intelecto também deve o ser. No entanto, dado este argumento, pode-se objetar que não se segue que dada uma propriedade de um universal seu possuidor deve possuir essa propriedade. Logo, os universais podem ser imateriais, sem as mentes nas quais estão contidos serem imaterias.
Ainda assim, como chama a atenção Kenny, poderíamos concordar com os dois modos de separação da matéria. Seria mais fácil de aceitar que a matéria não deve ter partes dela mesma, se São tomás tivesse mantido que a imaterialidade do intelecto ou da mente se deve ao fato dele ser uma potência, uma faculdade. E faculdades não têm partes materiais, não podem ser cortadas ou pesadas. Mesmo que o cérebro seja material, não se pode pesar ou cortar a mente e há boas razões para concordar que o cérebro não é o mesmo que a mente ou o espírito. O mesmo se sucede com a audição e o paladar, ambos não podem ser pesados ou cortados, mesmo que se possa fazer isso com os órgãos desses sentidos. Em relação à segunda forma de separação da matéria, não ofereceremos aqui razões para a rejeitar.
Além da alma, Tomás considera ainda as inteligências como imateriais e se opõe à tese de que elas têm matéria e forma. Esta tese é chamada de hilemorfismo universal e foi defendida pelo pensador judeu do século XI Avicebron. Para Aristóteles, a matéria é o princípio da potência das coisas. Baseado nessa tese aristotélica, São Boaventura manteve que as criaturas na medida em que são algo em potência devem ser materiais de alguma forma. Desse modo, mesmo as coisas imateriais devem ser em algum aspecto materiais, ainda que essa materialidade não seja como a materialidade corpórea. Esta posição, no entanto, é absurda para Tomás. Enquanto substâncias compostas como seres humanos, cachorros e outras são substâncias cuja essência envolve matéria e forma. Tomás considera que substâncias simples são pura forma. As substâncias compostas não se confundem com a sua essência; ao passo que substâncias simples a essência é a própria substância. As substâncias compostas também têm vásria entidades do mesmo tipo ou espécie, individudadas por sua matéria. Assim, existem vários indivíduos da espécie humana. Substâncias simples possuem um indivíduo em cada espécie. Desse modo, os anjos, Miguel e Gabriel são inteligências incorpóreas de espécies diferentes. Mesmo as substâncias não compostas não tendo matéria, elas não são completamente simples e sem composição. E contêm uma mistura de potencialidade, uma vez que não são pura atualidade.
Para explicar a potencialidade das substâncias imaterias, que não são Deus que é puro ato, logo estão em potência, Tomás explica que elas possuem existência (esse). Assim, substâncias imateriais como a alma e as inteligências elas têm essência e existência (esse), sua potencialidade provém não da matéria, mas da existência. Essa relação é explicada em uma das passagens mais famosas e discutidas dos escritos de Tomás. A partir dela, ele afirma que toda substância, tudo no universo, com exceção de Deus, possui potencialidade. Porque em todas as substâncias essência e existência são distintas, apenas em Deus são idênticas. Assim, no capítulo IV do De Ente Tomás afirma:
Seja o que for [pertence a uma coisa e] não faz parte do conceito de uma essência ou quididade, é algo que chega do exterior e é adicionado à essência; porque nenhuma essência pode ser concebida sem os elementos que são parte da essência. Mas toda essência ou quididade pode ser concebida sem que nada seja entendido em relação ao seu esse; pelo que posso entender o que um ser humano é, ou o que uma fênix é, e ser ainda ignorante se eles têm esse na natureza das coisas. Por isso, é claro que esse é diferente da essência ou quididade, a menos que haja algo cuja quididade é seu esse; e poderia haver apenas uma coisa primeira.
O que não provém da compreensão de qualquer essência é composto com o que vem de fora, posto não podermos compreender uma essência sem compreender suas partes. Entretanto, a essência de alguma coisa pode ser compreendida sem nenhum conhecimento de sua existência. Desse modo, pode-se compreender a essência de homem ou de fênix sem se saber nada sobre suas existências. Tomás conclui que essência e existência são distintas.
Alguns comentadores defendem que tal distinção é meramente lógica e mantêm que Tomás leva em consideração apenas a nossa compreensão da essência e não as coisas reais. Nessa leitura, compreender a essência de algo é distinto de compreender sua existência. Por conseguinte, a essência e a existência poderiam ser idênticas na coisa e diferirem somente na sua compreensão. Assim como a estrela da manhã e a estrela da tarde são formas conceituais diferentes de se falar do planeta Vênus, ainda que sejam ambas idênticas a Vênus. O mesmo acontece quando falamos de 22 e da 16. Em todos os casos o mesmo objeto é identificado de duas formas diferentes. Frege diria que têm a mesma referência (Bedeutung) e sentidos (Sinn) diferentes.
Outra posição defendida por comentadores como Anthony Kenny, e é a que seguimos aqui, é que esta distinção é real. Nesse caso, o ato de compreender a essência de uma coisa e o ato de conhecer sua existência são distintos atos cognitivos que apontam para uma distinção na realidade. Assim, há uma distinção real entre o planeta Marte e o planeta Vênus. Bem como entre a 9 e 3 16. Nesses casos, essência e existência não diferem somente no entendimento, mas também na própria coisa. Para Kenny, o argumento da fênix não é uma distinção lógica. E descrições como "a existência de X" e "a essência de X" não são descrições do mesmo objeto. A tese da distinção real, sugere que a pergunta pela essência de algo e pela sua existência fornece duas respostas diferentes para uma mesma questão. E são ainda respostas a perguntas de tipos completamente diferentes.
Para Kenny, no entanto, a tese da distinção real traz problemas. Temos de distinguir entre essência genérica e essência individual. A essência entendida em sentido genérico, tal como algo na realidade que corresponde a um predicado como "... é homem", "... é Deus" e outros, é de fato uma distinção real entre essência e existência. A existência de indivíduos que pertençam a uma categoria é diferente das características dessa categoria. Assim, existirem ou não dinossauros é diferente de saber se são répteis, ou se uma fênix é uma ave. A essência entendida dessa forma, contudo, traz problemas para a noção de que em Deus essência e existência são idênticos. A pergunta à "qual categoria pertence Deus?" é respondida por "Deus existe". Por sua vez, a doutrina da distinção real entre essência e existência nas criaturas é obscura e sem sentido. A essência tomada em sentido individual é aquela pela que podemos falar da humanidade individual que, por exemplo, apenas Aristóteles possui. Para Aristóteles, ou outro ser humano, existir é continuar a ser um ser humano. A existência de Aristóteles é a mesma coisa que continuar a possuir essência, de modo que se ele deixa de ser um ser humano sua essência individual desaparece das coisas.
Após estabelecer a distinção real entre essência e existência no capítulo IV do De ente, Tomás afirma que se houvesse uma coisa cuja essência é a sua existência, só poderia haver uma tal coisa que seria única e primeira. Em todas as demais a essência e a existência seria diferente. Para defender essa posição, considera o modo como as coisas podem ser multiplicadas. Elas podem ser multiplicadas de três formas, a saber, tal como um gênero em espécies, pode ser multiplicada por ser a forma recebida em diversas matérias ou por um ser absoluto recebido de algo. No De ente, capítulo IV, Tomás afirma:
A não ser que acaso haja alguma coisa cuja quidade seja o seu próprio ser. E esta coisa não pode ser senão única e primeira, pois é impossível que se dê plurificação de algo, senão pela adição de alguma diferença, como a natureza do gênero se multiplica em espécies; ou por ser a forma recebida em matérias diversas, como a natureza da espécie se multiplica em diversos indivíduos; ou por um ser absoluto e outro recebido em algo, como, se houvesse um certo calor separado, seria, pela sua própria separação, outro em relação ao calor não separado. (Aquino: 2005, pp.33-4)

No primeiro caso, alguma coisa pode ser multiplicada como um gênero em suas espécies através da adição de alguma diferença. Assim, por exemplo, através da adição de "racional", o gênero "animal" é multiplicado na espécie "humana". No segundo caso, a espécie pode ser multiplicada em seus indivíduos pela composição com a matéria. Nesse caso, a espécie "humana" pode ser multiplicada em vários seres humanos ao receber diversos aglomerados de matéria. E no terceiro caso pode ainda ser multiplicada como uma coisa absoluta compartilhada por muitas coisas particulares, como se houvesse algum fogo absoluto a partir do qual todos os outros incêndios foram derivados. Tomás afirma que um ser cuja essência é a sua existência não poderia ser multiplicado como um gênero em suas espécies, pois com a adição da diferença a essência não seria sua existência e sim sua existência mais alguma diferença. E também não poderia ser multiplicado como um indivíduo pela composição com a matéria porque não seria subsistente, entretanto deve subisistir, se existe em virtude do que ele o é.
Se, porém, for afirmada alguma coisa que seja apenas ser, de tal modo que o próprio ser seja subsistente, este ser não receberá adição de diferença, pois já não seria apenas ser, mas ser e, além disso, alguma forma; muito menos receberá adição de matéria, pois já seria ser, não subisistente, mas material. (Aquino: idem, p.34)
Aquino conclui que esta coisa que é a sua própria existência (esse) deve ser única. Só pode existir um ser assim. Em todas as outras coisas sua esse é diferente de sua quididade. Porque tudo o que pertence a uma coisa ou é por sua essência, através de seus princípios intrínsecos, ou por algum princípio exterior. Todas as coisas cuja essência é distinta da sua existência devem ser causadas por outra. E tem de haver uma causa para a existência das coisas que seja pura existência ou se cai no regresso ao infinito na causação. Pelo que se conclui que nas substâncias imateriais a essência está relacionada com a existência como a potência ao ato. Todas as coisas recebem a existência do ser cuja essência é a sua existência – Deus. Assim, a existência de qualquer coisa finita possui um ato de existência que atualiza uma potência correspondente, sua essência. Nas substâncias imateriais há um elemento de potência, entretanto não uma potência material.

CONCLUSÃO
A concepção metafísica de Tomás de Aquino é fortemente influenciada por Aristóteles. Tomás, no entanto, faz contribuições originais para a ciência do ser enquanto ser como a tese da distinção real entre essência e existência (esse). O Princípio, como vimos, é fundamental para explicar a potencialidade de seres imaterias como as inteligências. O hilemorfismo aristotélico e a tese de que a matéria é o princípio de individuação trouxe problemas para explicar a constituição de substâncias imateriais como as naturezas angélicas.
Tomás concordava com Aristóteles que os corpos são compostos de matéria e forma, e com a tese de que a matéria é o princípio de individuação. Se dois corpos são completamente semelhantes possuem a mesma forma, mas são dois corpos diferentes por possuírem matéria diferente. No entanto, se os seres são compostos de matéria e forma e a matéria é o princípio de individuação como explicar substâncias consideradas imaterias como os anjos? E como explicar mais de um anjo imaterial? São Boaventura considerou que os anjos possuem forma e matéria, ainda que uma matéria incorpórea. Tomás rejeita essa tese, como vimos, e considera que anjos possuem forma, mas não matéria, e se individuam por serem formas pertencentes à categorias diferentes; cada anjo, então, são de diferentes espécies. Tomás considera ainda que substâncias simples como os anjos não completamente simples e sem composição porque não são puro ato. E se distinguem de Deus por serem compostas com um elemento de potencialidade. Todas as coisas, exceto Deus têm potencialidade. Por conta disso, essência e existência (esse) são distintas em todas as criaturas, menos em Deus cuja essência é a própria existência.
Mantivemos aqui, seguindo a leitura de Kenny, que a distinção entre essência e existência (esse) em Aquino é real e não meramente lógica. Logo, essência e existência distinguem não só no entendimento, mas nas coisas. Essa tese, no entanto, como Kenny aponta, é problemática tanto se entendemos essência em sentido genérico como em sentido individual. No primeiro caso, responder a que categoria Deus pertence é afirmar que "Deus existe". E no segundo caso, temos problemas para falarmos das essências individuais, uma vez que a existência de alguma coisa é a mesma coisa que continuar a possuir sua essência.





REFERÊNCIAS:
Aristóteles. Metafísica (volume II, 2a edição). São Paulo: Edições Loyola, 2005.
_____. Organon. Primeiro volume: I CATEGORIAS II PERIÉRMINEIAS. Lisboa: Guimarães Editores, 1985.

Aquino, Tomás. O ente e a essência. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.
_____. Comentário ao tratado sobre a trindade de Boécio – Questões 5 e 6. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.

Kenny, Anthony. Aquinas on Being. Nova Iorque: Oxford University Press, 2002.

Kerr, Gaven. Aquinas: Metaphysics. In: http://www.iep.utm.edu/aq-meta/

Marc Cohen, S. Aristotle's Metaphysics. http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-metaphysics/

Owens, Joseph. Aristotle and Aquinas. In: The Cambridge Companion to Aquinas. Kretzmann, Norman e Stump, Eleonore (eds.). Cambridge: Cambridge University Press, 1993.

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