A moralidade kantiana: uma breve apresentação e uma caracterização das diversas formulações do imperativo categórico

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A moralidade kantiana: uma breve apresentação e uma caracterização das diversas formulações do imperativo categórico Monica Franco – graduanda do curso de Filosofia (UFSC)

Resumo: Este pequeno texto é uma introdução resumida à moralidade kantiana, tal como ela é apresentada na Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Se trata de um "percurso" pelo processo de fundamentação da moral, ou seja, dos passos necessários para o estabelecimento do princípio supremo da moralidade. Igualmente, uma vez fundamentada, a moral pode contar com o imperativo categórico, que se desdobra em várias formulações diferentes. Com este trabalho não se pretende, portanto, nada além de uma elucidação das distinções que são necessárias para que Kant estabeleça seu projeto moral, bem como uma visão geral sobre tal projeto, mostrando como os diversos aspectos de sua ética se interrelacionam. Palavras-chave: Immanuel Kant, imperativo categórico, ética, dever, obrigação, autonomia. Abstract: This text is an brief introduction to Kant's morality, such it is presented on the Groundwork for the Metaphysic of Morals. It is an "itinerary" by the moral's grounding process, that is, by the necessary steps for the establishment of the morality's supreme principle. Alike, once grounded, the moral can count with the categoric imperative, which unfolds in many different formulations. With this work doesn't want, so, nothing beyond of elucidate the distinctions that are necessary for Kant to establish his moral project, as well an overview of such project, showing how the various elements os his ethics are interrelated. Keywords: Immanuel Kant, categorical imperative, ethics, duty, obrigation, autonomy.

A moralidade kantiana: uma breve apresentação Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Immanuel Kant pretende encontrar e estabelecer o princípio supremo da moralidade. Esta obra faz parte de um grande sistema kantiano, onde a capacidade da razão é posta à prova, de modo que é preciso, então, antes de partir diretamente ao conhecimento, se perguntar pela possibilidade e pelos limites do conhecimento que podemos ter. Nesse sistema, revela-se a arquitetônica da razão kantiana, a qual também é referida na fundamentação. Ela mostra que a razão é uma só, mas que seus domínios, o prático e o teórico, além do juízo estético (que tem a função de ligar os dois anteriores), têm cada um as suas próprias condições de possibilidade, as quais Kant visa estabelecer em algumas de suas obras. Assim, ele tem um projeto para a moralidade semelhante aquele que ele fez para o conhecimento científico na Crítica da Razão Pura. Pois, pode-se dizer que ele tomará o imperativo categórico como o "juízo sintético a priori da moralidade", e visará estabelecer, então, como ele é possível. Kant, para cumprir tal objetivo, na Fundamentação, quer mostrar que a experiência não é necessária para entender o que é uma ação moral, ou seja, que é possível fazê-lo a priori, unicamente pelo raciocínio filosófico, por algo que é, portanto, anterior e independente à experiência. Ele faz esse procedimento, porque todo o seu sistema, coerentemente, pretende

mostrar que, nas diversas perspectivas do uso da razão, é possível ter conhecimentos que não se limitam à experiência, apesar de que todo conhecimento comece com ela – uma grande pergunta, que ele visa responder através da sua filosofia, então será: "como são possíveis os juízos sintéticos a priori?". Então, partindo do conhecimento moral comum que temos, ele visa mostrar como é possível chegar a um conhecimento filosófico da moralidade, e depois, a partir desse conhecimento filosófico, retornar para ver como esse princípio se aplica na realidade. Assim, na Fundamentação, ele parte da constatação de que ao julgarmos uma ação como boa ou má, utilizamos como critério o fato de se aquela ação foi praticada com, ou melhor, por uma boa vontade. Esta, segundo Kant, é a única coisa boa de modo absoluto, todas as outras coisas – nossas capacidades intelectuais, habilidades físicas, riquezas, poderes – podem até ser boas, mas não em sentido absoluto, pois necessitam de uma boa vontade que as conduza, de modo que pode ocorrer então que não sejam boas. A noção de boa vontade, por sua vez, remete à noção de dever, pois a ação moralmente boa e, portanto, feita a partir de uma vontade boa, é somente aquela que é feita por dever. Por isso, Kant introduz a distinção entre ações feitas por dever e ações conformes a ele. Assim, estão descartadas de se enquadrar como ações moralmente boas aquelas que são apenas conformes ao dever, ou seja, que produzem um resultado bom, mas que não têm uma boa vontade como motivação. Pode-se dizer que, nesse caso, se trata apenas de uma conformidade "externa", "aparente". Assim, ele descarta ações que poderiam parecer boas, do ponto de vista das suas consequências, e toma como fundamento da ação moral não as consequências da ação, mas a boa vontade pela qual a ação é feita, ou seja, mais propriamente o "modo" como a ação se dá. Isto quer dizer que só possui valor moral a ação feita não por inclinação (por sentimentos, paixões) nem por interesses, mas unicamente pelo próprio dever, por respeito à lei moral. Assim, dos motivos (móbiles) possíveis para a ação, nomeadamente, a razão, os impulsos, e os interesses, a ação cuja a razão é o motivo para agir é a única passível de ser considerada boa, pois, para que uma ação seja tal, ela deve ser, sobretudo, independente de impulsos e interesses. Aqui, então, o dever motiva por si mesmo, de modo a agirmos desinteressadamente. Desse modo, agir moralmente, como foi dito, é agir por dever. A Ética kantiana, orientada pela noção de dever é, portanto, uma ética deontológica, pois apesar de considerar as consequências das ações – como, por exemplo, na formulação do imperativo categórico que trata sobre o reino dos fins, que será explicitada mais adiante –, não as toma como o fundamento das ações morais (como fazem as éticas consequencialistas como, por exemplo, o utilitarismo). Igualmente, não concebe a ação moral como sendo explicada em termos de fins e meios e como dirigida, em última instância, a fins, sendo algum deles, como, por exemplo, a felicidade, o fim último que orientaria todas as nossas ações (como as éticas teleológicas, a exemplo da ética aristotélica). Uma pequena digressão pode ser feita aqui para explicar porquê Kant não entende a moral como orientada pela felicidade, isto porque, para este fim, Kant argumenta, seria mais útil a nós que tivéssemos apenas o instinto, e não a razão; ora, uma vez que a razão nos foi dada, é para o propósito de exercer nossa liberdade (de darnos a nós mesmos a obrigação que é necessária à nossa vontade, como será explicado mais adiante); dito de uma forma simples, a razão não nos foi dada para sermos (diretamente) felizes, mas para que, ao agirmos, nos tornemos dignos da felicidade. Retomando o que falávamos antes, a ética do dever busca, então, explicar como funciona o dever, uma vez que constata que essa é a noção adequada de como definir a moralidade e fundamentá-la.

Kant acredita que nunca poderemos ter certeza, ao tentarmos nos auto examinar exaustivamente, se nossa ação foi completamente isenta de inclinações ou motivos egoístas. Assim, faz-se necessário um teste para tal. Desse modo, a ética de Kant pode ser também pensada como formal, pois ela oferece uma fórmula, um mecanismo que nos permite avaliar quando nossas máximas "passam" nele e podem, portanto, valer para todo ser racional. Eis o caráter universal da sua ética que, como veremos, almeja saber se as nossas motivações particulares e subjetivas para agir (isto é, as nossas máximas), se aplicam a todos os seres racionais, ou seja, se elas têm validade objetiva – dito de outra forma, se nossas máximas, de fato, constituem uma lei moral. As leis morais, portanto, têm necessidade absoluta, não admitem exceções, como será dito mais adiante. Kant, então, tendo a noção de dever como central, toma mais duas noções, as quais associa à noção de dever: a de autonomia e a de obrigação. O primeiro ponto é compreender que a moralidade só é possível se houver realmente a possibilidade de escolha entre as ações boas ou más, isto é, se houver liberdade. Por isso, Kant trabalha em sua Crítica da Razão Pura – mais precisamente na terceira das antinomias da razão – como é possível pensar a liberdade nas ações humanas, mesmo havendo determinismo quanto ao mundo natural e físico. Ora, a ação livre, para Kant, não pode se dar de qualquer maneira: ela não pode ser uma ação arbitrária, ou seja, onde vou variando aleatoriamente o que faço, de modo inconstante, ao acaso. Parece que a ação livre deve ser, então, determinada, "regida", por algo. Então, pode ser descartado que a ação regida de forma heterônoma – aquela determinada por vontades de outros, ou por qualquer coisa externa à própria vontade do indivíduo, como, por exemplo, por inclinações – seja uma ação moral. Dessa forma, a única possibilidade do agir livre é quando o próprio sujeito age de acordo com uma regra que ele mesmo se dá, e dessa forma, a determinação da sua vontade e o princípio da sua ação se encontram em si próprio, na sua razão. Assim, é somente pela autodeterminação da vontade, pela autonomia, que é possível ter ações livres. Portanto, Kant constata que há sim espaço para a liberdade humana e, por conseguinte, para a moralidade. Ao vincular o agir por regras à ação, de um modo autônomo, percebe-se logo que há certa obrigação envolvida na ação livre, pois, como foi dito, ela não pode ser completamente desvinculada de regras (senão, ela seria arbitrária). Por outro lado, o homem não parece, ele mesmo, sempre fazer com que a sua razão determine sempre, de modo necessário, a sua vontade. Logo, como esta se encontra sujeita a inclinações e instintos, o homem precisa da obrigação – pois o que se é obrigado a fazer não coincide de maneira necessária ao que, por natureza, ele faria; em outras palavras, os imperativos se fazem necessários para seres cujo querer não coincide necessariamente com a "lei objetiva", com a regra do que deve ser feito, de modo que a obrigação é necessária portanto, apenas para um querer imperfeito, como o querer humano. Essa obrigação é, como foi dito, de forma tal que a própria razão do sujeito se dá. Kant então esclarece que há diferentes formas de obrigações, em outras palavras, há diferentes formas da razão, ela mesma, se autodeterminar, se autovincular a uma regra; há diferentes formas de ela se auto obrigar. À essas diversas formas, ou melhor, às "fórmulas" dessas obrigações, Kant chama de "imperativos". Então, justamente pelo fato de a vontade ser passível de determinação (pois é livre, e não deve ser, portanto, arbitrária), é necessário que ela se autodetermine por meio de uma obrigação. Pode-se ter, assim, dois tipos de imperativos: os hipotéticos e o categórico.

Imperativos hipotéticos são condicionados. O que isso quer dizer? Que dependendo do fim que se quiser alcançar, deve-se seguir certas regras. Sua "estrutura", lembra, por isso mesmo, a de um condicional, típico de um raciocínio hipotético: "se [queremos] x, então [devemos fazer] y". É possível que se tenha tanto intenções possíveis como também reais. Os imperativos hipotéticos podem ser de dois tipos: ou é assertórico-prático ou é problemático. O imperativos problemáticos são aqueles que lidam com o possível, pois são aqueles onde se têm inúmeros fins e inúmeros meios, por isso, são questão de habilidade ou destreza de quem o segue, pois seus meios são precisos, porque apresentam regras "técnicas", e, então, dependendo da sua execução, o fim pode ou não ser alcançado. Os imperativos de tipo assertórico-prático lidam com o real, e seu fim pode então ser bem delimitado, pois se trata do fim que é compartilhado mutuamente por todos os seres humanos: a felicidade. Para este fim, existem, portanto, imperativos condicionais, mas não sob a forma de regras técnicas, mas de conselhos de prudência. Isto porque a felicidade, apesar de ser um fim real comum, é em si mesma indeterminada, pois como ela se trata da soma de todas as inclinações (as quais variam amplamente de pessoa para pessoa), não há regra clara para ela, ou seja, os meios são imprecisos. Cabe assim, a cada um, por meio da prudência, buscar os meios para atingir o maior bem-estar próprio. Os imperativos hipotéticos têm, então, validade circunscrita a quando se almeja o fim que suas regras visam promover, pois algo é tomado como bom apenas em virtude do fim que visa promover (pode-se, também, dizer que os imperativos hipotéticos existem unicamente em função do fim que promovem). Já o imperativo categórico têm validade irrestrita: são universais (valem para todo ser racional), são objetivos e não admitem exceções. Isto quer dizer que as ações que ordenam são boas em si mesmas e não estão, portanto, condicionadas a um fim específico. Pois, os imperativos hipotéticos, apesar de poderem ser bens, não o são em sentido absoluto; enquanto que as obrigações categóricas valem de modo necessário independentemente de qualquer fim. Para Kant, somente este tipo de obrigação, que transforma as máximas subjetivas que nela tomam parte em leis universais e objetivas é o verdadeiro imperativo da moralidade – como Kant esclarece, os imperativos hipotéticos poderiam se chamar de imperativos "técnicos" (aqueles que dizem respeito a uma arte ou técnica) e imperativos "pragmáticos" (aqueles que dizem respeito ao bem-estar, à felicidade); de modo que somente o categórico pode ser chamado de imperativo "moral".

A moralidade kantiana: uma caracterização das diversas formulações do imperativo categórico Kant, então, apresenta o imperativo categórico como um único só (que se desdobra e é melhor compreendido através de cinco formulações), expresso pela fórmula: (1) "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.". Para saber, então, se nossas máximas subjetivas podem ser leis morais objetivas, e, portanto, se elas são universalizáveis, podendo assim valer para todo ser racional, e sem exceções, devemos verificar se elas constituem um imperativo categórico - este é, portanto, o "teste" para as nossas máximas; e, como será explicado, elas devem poder ser pensadas como

universalizadas sem contradições, e se o puderem sê-lo, devem ainda, quando pensadas como universalizadas, ser desejáveis sem contradições por todo e qualquer ser racional. Como exemplos de máximas que "passam no 'teste'" do imperativo categórico e constituem leis morais objetivas, Kant apresenta deveres que são (1) perfeitos e (2) imperfeitos, os quais se subdividem em (1-a) deveres perfeitos para consigo mesmo, que, como exemplo, ele cita a proibição do suicídio; em (1-b) deveres perfeitos para com os outros, que ele exemplifica com a proibição da falsa promessa; em (2-a) deveres imperfeitos para consigo mesmo, a exemplo da proibição do não desenvolvimento dos talentos naturais; e, por último, em (2-b) deveres imperfeitos para com os outros, onde cabe a proibição indiferença ao sofrimento alheio. Ele faz o "teste", mostrando que o suicídio e a falsa promessa não podem ser pensados como universalizados sem contradições. O suicídio, porque, como ele é feito pelo amor de si, sendo que este foi-nos dado para a conservação da vida, nota-se que ele não pode ter essa "dupla função" (não posso usá-lo também para destruir a vida); quanto à falsa promessa, quer dizer, quando se promete sem a intenção de cumprir (ou seja, promete-se de "má fé", já pretendendo não cumprir), se acaba fazendo com que a promessa perca também o "sentido", pois a promessa é para ser cumprida (ou, ao menos, para que, ao fazê-la, se deseje que ela seja cumprida), portanto, ela também não pode ter essa "dupla função", servindo também para querer, de antemão, não cumpri-la. Isso quanto aos deveres perfeitos, pois, quanto aos imperfeitos – mais precisamente quanto ao que eles proíbem –, não é possível a nós, enquanto seres racionais que somos, querê-los sem contradição, ainda que possamos pensá-los sem contradições como valendo de modo universal. Podemos, desse modo, conceber um mundo onde todas as pessoas não desenvolvessem seus talentos e fossem indiferentes ao sofrimento alheio, mas, nenhum ser humano poderia verdadeiramente querer que essas máximas fossem universalizadas, ou seja, querer viver em um mundo assim. Para aproximar a ideia do imperativo categórico da nossa compreensão, é possível compará-lo a uma lei da natureza. Não é o caso que as máximas que passam no teste do imperativo categórico serem ou constituírem leis da natureza, ou seja, de constituírem esse domínio da mesma forma que as leis da natureza; mas, se trata apenas de uma comparação. O que Kant quer mostrar é apenas que o imperativo moral se comporta da mesma forma que as leis da natureza, funciona de modo análogo a elas, ou seja, não admite exceções e tem validade irrestrita, independentemente, como foi dito, de qualquer vontade, intenção ou fim. Assim, podemos chegar a uma segunda formulação do imperativo categórico, que pode ser expressa por (2) "Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza.". Uma outra formulação derivada do imperativo categórico é a da humanidade. Ela nos pede respeitemos tanto a humanidade dos outros seres racionais como, também, a que há em nós, e a tratemos sempre como fim e nunca como meio. O que está em questão aqui é a humanidade e não o outro propriamente dito; isto quer dizer que não devo instrumentalizar a humanidade que há no outro, pois esta lhe confere dignidade – pois, como Kant mostrará, mais adiante será dito que no "reino dos fins" as coisas têm preços, mas só o homem possui dignidade, e, assim, não há nada que lhe seja equivalente, pois ele está acima de todo preço, porque a dignidade está acima de todo preço; e, segundo Kant, justamente a moralidade e a humanidade (enquanto esta é condição para a moralidade) são as únicas coisas que possuem dignidade. Desse modo, é importante notar que a formulação da humanidade não proíbe, entretanto, de tratar o outro, enquanto pessoa concreta, "corpórea", como meio. Esta

formulação derivada corresponde, então, a (3) "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.". Como foi dito, as ações morais são frutos de regras, de ordens, que o próprio indivíduo se dá, pois a liberdade, que é a condição de possibilidade da moralidade, depende da noção de autonomia, que, por sua vez, implica em um tipo peculiar de obrigação, os imperativos – sendo que apenas o imperativo categórico pode realizar plenamente a liberdade humana, porque, justamente, não está vinculado (não é condicionado) a nenhum fim; aliás, ele independe de qualquer fim. Essa necessidade de autonomia para o exercício da liberdade confere ao indivíduo, ou melhor, à sua vontade, o poder de escolher, por meio da sua razão, quais máximas quer submeter a teste para que, talvez, sejam leis universais, válidas para todo ser racional. Ora, isso quer dizer que cada indivíduo, por ter essa capacidade, é um legislador, um legislador que visa que suas máximas se tornem universais, e, portanto, este fato, somado à noção de que a humanidade que há no homem deve ser respeitada, leva a uma consequência interessante: podese pensar no conceito de "Reino dos Fins" (que, segundo Kant, se trata apenas de um ideal). Esse conceito sugere uma ligação de forma sistemática (por isso a palavra "reino") entre os seres racionais – que, como foi dito, são fins em si mesmos e propõem a si também fins (por isso a palavra "fins") – por meio de leis comuns. Isso quer dizer que cada um, sendo um legislador universal, não pode se isentar de atentar para os efeitos de suas ações, ou de suas máximas, nos outros seres racionais. O homem não está sozinho no mundo e nem pode deliberar sobre suas máximas como se estivesse. Ele está imerso em uma grande "rede" de seres racionais que se afetam mutuamente pelas consequências das suas ações. Assim, nesse "reino" todos são ao mesmo tempo legisladores, ou seja, são "colegisladores", e também súditos, pois se encontram igualmente submetidos às leis que lhes são comuns. Essa pode ser, então, contada como uma formulação derivada do imperativo categórico, a formulação (4) "Age segundo máximas de um membro universalmente legislador em ordem a um reino dos fins somente possível". Desta forma, essa formulação pode ser considerada mais ampla, pois trabalha a moral pensada na coletividade. Por fim, pode-se incluir também uma outra formulação, (5), que, embora não seja explicitamente enunciada, é importantíssima, pois também tem relação estreita com todas as anteriores. Se trata da formulação da autonomia, que é, como foi dito, aquilo que confere dignidade à natureza do homem, à sua humanidade, uma vez que ele é justamente dotado de razão e capaz, portanto, de agir segundo uma regra que ele mesmo se dá. Então, nessa formulação podemos nos ver como esse ser que livremente se dá a regra através da sua razão, e que, ao mesmo tempo, pretende que suas máximas se tornem leis morais objetivas, ou seja, e que, ao mesmo tempo, é legislador universal. Assim, a formulação da autonomia é como uma "síntese" das anteriores, pois, como veremos, todas podem ser reduzidas a ela – igualmente, todas podem ser reduzidas à formulação universal, (1). Como é possível perceber, o imperativo categórico de Kant, vai se desdobrando em diferentes formulações, o que torna claro o fato de que todas essas visões e perspectivas desse mesmo imperativo podem, portanto, ser reduzidas aquele que é expresso pela formulação universal, (1), e aquele que é expresso pela formulação da autonomia, (5). Isso faz com que todas as formulações se interconectem e se impliquem mutuamente. Assim, a formulação da lei da natureza, (2), se mostra necessária, visto que deriva do caráter universal do imperativo categórico. A formulação da humanidade, (3), mostra que o homem, por ser autônomo, tem,

na (e por causa da) sua humanidade, que é condição para a moralidade, dignidade. Dessa formulação, então, deriva-se diretamente a do reino dos fins, (4), que, partindo igualmente da autonomia, mostra que o homem, dada a sua humanidade e, portanto, a sua dignidade, integra junto com outros seres racionais um reino no qual estão unidos por leis comuns. Isto porque, como posto na formulação da humanidade, (3), a humanidade dos homens deve sempre ser tomada como fim, e por isso, esses fins, somados aqueles aos quais os próprios indivíduos se impõem, constituem o reino dos fins. A formulação da autonomia, (5), se relaciona com as demais, na medida que todas também podem ser reduzidas a ela, pois a autonomia é uma das noções-chaves da ética kantiana, e é tomada como ponto de partida para as diversas formulações do imperativo categórico, justamente porque, como foi dito, nela se encontra a explicação de como a liberdade humana se vincula a regras, a medida que a moralidade depende da liberdade, e a liberdade, por sua vez, depende de regras que o próprio indivíduo racionalmente se dá, em outras palavras, a liberdade depende da autodeterminação da vontade por meio de regras, ou seja, da própria razão se auto obrigar. Essas obrigações, por sua vez, são imperativos, mas que têm de ser o categórico, pois para Kant somente este, que é universal e tem validade irrestrita, é o imperativo verdadeiramente moral.

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