A música da fala dos trovadores. Desvendando a prosódia medieval

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Gladis Massini-Cagliari

Esta obra tem como o objetivo central a investigação de fenômenos prosódicos do Português Arcaico, a partir de uma comparação das características linguísticas das cantigas medievais profanas com as das cantigas religiosas. Para a análise fonológica, será usado o aparato fornecido pela Teoria da Otimalidade. Durante a análise, são colocados lado a lado fenômenos fonológicos segmentais e fenômenos prosódicos (tais como acento, ritmo, estruturação silábica e processos fonológicos que façam referência direta a esses fenômenos), em um período passado, do qual não se tem registros orais.

A música da fala dos trovadores

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Gladis Massini-Cagliari

A música da fala dos trovadores

Desvendando a prosódia medieval

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A MÚSICA DA FALA DOS TROVADORES

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FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho Curador Mário Sérgio Vasconcelos Diretor-Presidente Jézio Hernani Bomfim Gutierre Editor-Executivo Tulio Y. Kawata Superintendente Administrativo e Financeiro William de Souza Agostinho Conselho Editorial Acadêmico Áureo Busetto Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza Elisabete Maniglia Henrique Nunes de Oliveira João Francisco Galera Monico José Leonardo do Nascimento Lourenço Chacon Jurado Filho Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan Paula da Cruz Landim Rogério Rosenfeld Editores-Assistentes Anderson Nobara Jorge Pereira Filho Leandro Rodrigues

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GLADIS MASSINI-CAGLIARI

A MÚSICA DA FALA DOS TROVADORES

DESVENDANDO A PROSÓDIA MEDIEVAL

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© 2015 Editora Unesp Direitos de publicação reservados à: Fundação Editora da Unesp (FEU) Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br [email protected]

CIP – Brasil. Catalogação na publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ M371m Massini-Cagliari, Gladis A música da fala dos trovadores [recurso eletrônico]: desvendando a prosódia medieval / Gladis Massini-Cagliari. – 1.ed. – São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. Recurso digital Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-68334-58-4 (recurso eletrônico) 1. Linguística comparada. 2. Língua portuguesa – Brasil. 3. Língua galega. 4. Livros eletrônicos. I. Título. 15-27113

CDD: 410. CDU: 81’1

Este livro é publicado pelo projeto Edição de Textos de Docentes e Pós-Graduados da UNESP – Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UNESP (PROPG) / Fundação Editora da Unesp (FEU)

Editora afiliada:

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Aos meus dois amores, Luiz e Gianluca. Ao agora e ao sempre; e aos grandes momentos que passamos na Inglaterra. Às Profas. Dras. Maria Helena Mateus e Rosa Virgínia Mattos e Silva (in memoriam), admiração e inspiração.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES, que financiou meu Estágio Pós-Doutoral na Universidade de Oxford (processo BEX0095/02-8), durante o qual foi iniciada a redação da tese de Livre-Docência, cuja atualização originou este livro. À Universidade de Oxford, que, ao abrir-me os portões para um Pós-Doutoramento, possibilitou o acesso a diversos textos de publicação antiga. Aos funcionários das Bibliotecas Taylorian e Bodleian (central), sempre simpáticos e prestativos. Ao Linacre College, que calorosamente me acolheu como Visiting Senior Member. A todo o pessoal do Centre for Brazilian Studies, pelo apoio institucional. Agradeço especialmente ao Prof. Dr. Stephen Parkinson, orientador de meu estágio, pelo apoio decisivo, pelo incentivo ao meu trabalho e pela sua amizade. Ao CNPq, que, através de bolsas de Produtividade em Pesquisa (processos 301748/95-0 NV, 300690/2003-7, 306845/2006-7 e 302222/2009-0), deu suporte a este texto, que é resultado das pesquisas de base financiadas por essa agência. À FAPESP, pelo financiamento da digitalização do corpus das cantigas profanas e religiosas que foram objeto desta pesquisa (processo 2010/06386-0). Aos meus colegas do Departamento de Linguística da FCL/UNESP, pelo apoio que me foi dado no momento de meu estágio pós-doutoral e pelo incentivo para a solicitação de abertura do concurso de Livre-Docência. Ao Luiz e ao Gianluca, por terem aceito caminhar comigo, como uma família, mesmo nos momentos mais complicados dessa missão de escrever (novamente!) uma tese.

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Porque trobar é cousa en que jaz entendimento, poren queno faz á-o d’aver e de razon assaz, per que entenda e sábia dizer o que entend’ e de dizer lle praz, ca ben trobar assi s’á de ffazer. E macar eu estas duas non ey com’ eu querria, pero provarei a mostrar ende un pouco que sei, confiand’ en Deus, ond’ o saber ven; ca per ele tenno que poderei mostrar do que quero alg ũa ren. (Afonso X, In: Mettmann, 1986, p.54-5)

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SUMÁRIO

Nota prévia 13 Lista de abreviaturas e símbolos 15 Introdução 17 1 2 3 4 5

Cantigas medievais profanas e religiosas 29 Sílaba 75 Acento 153 Processos rítmicos: sândi 219 Processos rítmicos: paragoge 283

Conclusão 333 Apêndice 341 Referências bibliográficas 347

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NOTA PRÉVIA

O trabalho que ora se apresenta em formato de livro se iniciou com a elaboração de minha tese de Livre-Docência de mesmo título, defendida junto ao Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp, câmpus de Araraquara, em 1o de julho de 2005. No entanto, o texto atual, um pouco mais enxuto, porém não menos completo do que o original, apresenta algumas alterações importantes, além das devidas atualizações bibliográficas e correções decorrentes do tempo passado desde a data da defesa. Nesses quase dez anos, procurei incorporar ao texto os resultados de pesquisas recentes, desenvolvidas, coordenadas e/ou orientadas por mim, no contexto do Grupo de Pesquisa “Fonologia do Português: Arcaico & Brasileiro”, aprofundando o conhecimento em construção sobre a prosódia do ancestral medieval da nossa língua.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

A ou CA

Cancioneiro da Ajuda

B ou CBN Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa C

Tavola Colocciana

CSM

Cantigas de Santa Maria

D

Pergaminho Sharrer

E

Códice dos músicos – El Escorial, Real Monasterio de San Lorenzo, MS B.I.2

F

Códice de Florença. Firenze, Biblioteca Nazionale Centrale, Banco Rari, 20

L

Volume miscelâneo Vat. Lat. 7812 da Biblioteca Vaticana

LP

Lírica Profana Galego-Portuguesa (1996)

M

Volume miscelâneo MS924a da Biblioteca Nacional de Madrid

MT

desinência modo-temporal

N ou PV

Pergaminho Vindel

NP

desinência número-pessoal

P

Páginas 9-11 do volume miscelâneo MS419 da Biblioteca Pública Municipal do Porto

PA

Português Arcaico

PB

Português Brasileiro

PE

Português Europeu

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ps.

pessoa do singular

pp.

pessoa do plural

T

Códice rico ou Códice das histórias. El Escorial, Real Monasterio de San Lorenzo, MS T.I.1

To

Códice de Toledo. Madrid, Biblioteca Nacional, MS 10.069

TO

Teoria da Otimalidade

V ou CV

Cancioneiro da Vaticana

VT

vogal temática

|

cesura

/

limite de verso

[ ]

fone ou trecho inserido

/ /

fonema

< >

grafema elemento apagado ou elemento extramétrico



forma ótima



forma variante, menos recorrente do que a forma ótima ou forma ótima, não escolhida devido à hierarquia considerada



forma não ocorrente na língua, mas escolhida como ótima, devido à configuração do tableau

ω

palavra fonológica

σ

sílaba



sílaba leve



sílaba pesada

As transcrições fonéticas seguem o padrão do IPA (International Phonetic Alphabet).

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INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste estudo é investigar fenômenos prosódicos do Português Arcaico (de agora em diante, PA), a partir de uma comparação das características linguísticas das cantigas medievais profanas com as das religiosas. Este livro, portanto, representa um aceite ao convite de Leão (2007, p.165), que afirma que muitos “problemas de linguagem mereceriam estudos específicos nas Cantigas de Santa Maria” – entre eles, os de prosódia. Neste livro, decidiu-se optar pelo rótulo “Português Arcaico” em detrimento de “galego-português” porque o objetivo mais amplo da pesquisa que originou este livro,1 a longo prazo, é estabelecer o percurso de possíveis mudanças fonológicas na história do português. Vale lembrar, porém, que, na época trovadoresca, essas duas línguas não se diferenciavam (ou pouco se diferenciavam) – o aspecto mais importante é que essas variedades (?) eram reconhecidas pelos falantes da época como sendo a “mesma” língua. A esse respeito, Gladstone Chaves de Melo (1967, p.114) afirma: “O que até o século XII era a mesma língua já são duas línguas diferentes no século XVI, dois codialetos, o português e o galego”. A relevância da pesquisa reside em colocar lado a lado, na descrição, fenômenos fonológicos segmentais e fenômenos prosódicos (tais como acento, 1 Projetos: “Características prosódicas do Português Arcaico” (CNPq, processo 300690/20037); “Fonologia do Português – análise comparativa: séculos XIII-XIV e XX-XXI” (CNPq, processo 306845/2006-7); “Identidade fonológica do Português: estudo comparativo – séculos XIII-XIV e XX-XXI” (CNPq, processo 302222/2009-0); “Digitalização do corpus do Projeto ‘Identidade fonológica do Português: estudo comparativo – séculos XIII-XIV e XX-XXI’” (FAPESP, processo 2010/06386-0).

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ritmo, estruturação silábica e processos fonológicos que façam referência direta a esses fenômenos), em um período passado, do qual não se tem registros orais. Dentre os temas eleitos dentro do recorte feito ao objeto de estudo, são focalizados, neste livro, a silabação, o acento e dois processos que revelam as interações entre silabação, acento e ritmo: sândi e paragoge. A cada um desses fenômenos corresponde um capítulo do livro. Com relação à definição de prosódia, Couper-Kuhlen (1986, p.1) afirma que em poucos campos da ciência reina uma “confusão terminológica” como a que se encontra nessa área da Linguística. Passados já quase trinta anos da publicação do livro da autora, houve avanços, com o desenvolvimento cada vez maior de pesquisas nessa área, mas ainda podem ser encontradas definições bastante díspares do termo, mesmo em dicionários técnicos de Linguística. Por exemplo, enquanto Trask (2004, p.242) define prosódia, remetendo-se ao nível fonético, como “variações em altura, volume, ritmo e tempo (velocidade de emissão) durante a fala”,2 Xavier e Mateus (1990, p.300) restringem-se ao nível da ortoépia,3 definindo o termo como “pronúncia regular das palavras no que respeita ao acento e à quantidade (ou duração), e que constitui a base da métrica”. Já Câmara Jr. (1973, p.322) alertava para o uso de prosódia como termo sinônimo de ortoépia, acepção que emprestam ao termo as linguistas portuguesas. A restrição da definição de Trask (2004) ao nível fonético está, hoje, cada vez mais em desuso, já que a prosódia das línguas vem sendo, desde o advento das Fonologias Não Lineares na década de 1970,4 mais estudada no nível mais “abstrato” da Fonologia. Mas já antes de Trask, Câmara Jr.

2 É esta a definição de prosódia que é adotada nos principais manuais de Fonética e Fonologia atualmente. Um exemplo é Mateus et al. (1990, p.191), que afirmam: “Como [...] a maior parte das propriedades prosódicas estão relacionadas com a evolução no tempo da frequência fundamental, da duração e da intensidade, o termo ‘Prosódia’ é, muitas vezes, utilizado para referir o conjunto de fenómenos que envolvem qualquer um desses três atributos acústicos”. 3 “Parte da gramática normativa que, tendo em vista o uso culto, a pronúncia tradicional e os traços fonológicos relevantes, determina e prescreve no âmbito da fonologia de uma língua: 1) a escolha entre as variantes livres dos fonemas; 2) a nitidez de articulação dos grupos vocálicos e consonânticos; 3) os tipos de ligação que se devem fazer ou evitar; 4) as modalidades condenáveis de metaplasmo; 5) a sílaba que deve receber o acento nos vocábulos de acentuação duvidosa” (Câmara Jr., 1973, p.292). 4 Os trabalhos de Goldsmith (1976), sobre tom, Liberman (1975), Prince (1975) e Liberman e Prince (1977), sobre acento e ritmo, podem ser considerados os detonadores desse movimento.

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(1973, p.322) trazia a definição de prosódia para os domínios da Fonologia, explicando-a como a “parte da fonologia referente aos caracteres da emissão vocal que se acrescentam à articulação propriamente dita dos sons da fala, como em português o acento e a entoação”. Couper-Kuhlen (1986, p.2) adverte para o fato de que os elementos prosódicos não devem ser confundidos com os suprassegmentais. Uma definição bastante difundida de suprassegmento é a de Lehiste (1970, p.23): “Suprasegmental features are features whose arrangement in contrastive patterns in time dimension is not restricted to single segments defined by their phonetic quality”.5 Embora haja aproximações entre esses termos, eles não são completamente sinônimos. O termo suprassegmento vem da tradição estruturalista, em cujo modelo teórico o contínuo da fala era segmentado em unidades mínimas, fonemas, correspondentes a consoantes e vogais. Entretanto, nem todos os fenômenos fonológicos podem ser reduzidos a esse nível de análise. Entre esses fenômenos que “pairam sobre” os segmentos, além da acentuação, do ritmo e da entoação, figuram outros, como duração vocálica, espraiamento da nasalização, coarticulação, assimilação, dissimilação e harmonia vocálica. Embora vários desses fenômenos sejam prosódicos e suprassegmentais, fenômenos como coarticulação, assimilação, dissimilação, nasalização e harmonia vocálica, apesar de suprassegmentais, não são prosódicos. Scarpa (1999, p.8) mostra que A preferência pelo termo prosódia voltou à tona pela pressão das teorias fonológicas não lineares e pelo desenvolvimento descritivo e tecnológico efetuado no âmbito da fonética acústica. A base da argumentação em favor do uso do termo prosódia em vez de suprassegmento é a certeza de que os fatos fônicos segmentais e os prosódicos não são independentes.

Segundo Couper-Kuhlen (1986, p.1), o termo prosódia, historicamente, remonta aos gregos, que o usavam para se referir aos traços da fala que não podiam ser indicados na ortografia, especificamente tom e acento melódi-

5 “Traços suprassegmentais são traços cujo arranjo em padrões contrastivos na dimensão tempo não é restrito a segmentos isolados definidos pelas suas qualidades fonéticas.” [Todas as traduções para as citações são de nossa inteira responsabilidade, a não ser quando houver indicação contrária.]

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co, que caracterizavam e opunham palavras no Grego antigo. Dessa forma, desde os primórdios, o termo associou-se a traços melódicos da língua falada. A autora mostra que, no século II d.C., o termo prosódia sofreu uma extensão de significado, passando a ser usado como referência geral a traços que não podiam ser expressos na sucessão da cadeia segmental de vogais e consoantes. Foi essa extensão semântica que possibilitou a aplicação do termo à duração vocálica. Por fim, segundo a autora, foi através da ligação entre duração vocálica e acento que, a partir do século XV, o termo adquiriu o significado de “versificação”, uma de suas primeiras denotações até hoje. Neste livro, pois, são consideradas as duas acepções modernas principais do termo prosódia: a partir da métrica das cantigas medievais profanas e religiosas (prosódia, no sentido de versificação) é possível inferir os padrões de silabação, acento e ritmo da língua que dá sustento aos versos (prosódia, no sentido linguístico). Assim como já fizemos anteriormente, em Massini-Cagliari e Cagliari (2001, p.113), considera-se que, como na música, a fala tem melodia (entoação, tons) e pulsação (acento, ritmo e duração). São esses os fatores que aqui estamos considerando como prosódicos. É, portanto, à música da fala dos trovadores medievais em galego-português que se dedica esta pesquisa. Pouco se sabe a respeito da prosódia do PA. Até mesmo em trabalhos mais recentes sobre esse período da Língua Portuguesa (cf. Maia, 1997[1986]; Mattos e Silva, 1989; Ramos, 1985), não é possível encontrar tais informações. Pode-se contar apenas com algumas citações a respeito da localização do acento principal das palavras e outras poucas sobre o ritmo predominante em PA.6 Em uma época em que obviamente não havia tecnologia suficiente para o arquivamento e transmissão de dados orais, a possibilidade de escolha entre material poético ou em prosa para constituição do corpus não existe. Como os textos remanescentes em PA são todos registrados em um sistema de escrita de base alfabética, sem notações especiais para os fenômenos prosódicos, fica praticamente impossível de serem extraídas informações a respeito da prosódia da língua desse período a partir de textos escritos em prosa; o

6 A este respeito, ver Massini-Cagliari (1999a, p.147-50). Mattos e Silva (2008, p.567-75) apresenta uma “Breve nota sobre a prosódia no período arcaico”, em que retoma os resultados de Massini-Cagliari (1999a).

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procedimento mais viável, nesses casos, é buscar esses dados na estrutura métrica de textos poéticos, obrigatoriamente alicerçada nas características rítmicas da língua que a ela dá suporte (cf. Abercrombie, 1967; Cagliari 1981, 1984, 2007; Lehiste, 1985, 1990; Hayes; MacEachern, 1996). Porque os textos poéticos metrificados levam em conta o número de sílabas e/ou a localização dos acentos em cada verso, eles acabam por trazer muitas das informações necessárias para uma pesquisa sobre a prosódia de línguas mortas ou de períodos ancestrais de línguas vivas, uma vez que, a partir da observação de como o poeta conta as sílabas (poéticas), pode-se inferir os limites entre as sílabas das palavras e, a partir daí, sua estruturação interna; a partir da observação de como o poeta conta as sílabas (poéticas) e localiza os acentos em cada verso, podem ser inferidos os padrões acentuais e rítmicos da língua na qual os poemas foram compostos; da localização dos acentos poéticos, pode-se concluir a localização do acento nas palavras, ou seja, os padrões de acento lexical da língua, e, da concatenação desses acentos dentro dos limites de cada verso, os padrões rítmicos da língua em questão.7 Além do mais, como diz Allen (1973, p.103): [...] metrical phenomena cannot be ignored, since, especially in the case of “dead” languages, the relationship between poetry and ordinary language may provide clues to the prosodic patterning of the latter; and in any case verse form is a form of the language, albeit specialized in function […].8

Como mostram alguns trabalhos já desenvolvidos na área de Fonologia não linear (entre eles, Prince, 1989; Halle, 1989; Kiparsky, 1989; Hayes, 1989; Verluyten, 1982) e outros a partir do modelo gerativo padrão de Chomsky e Halle (1968; conhecido como SPE) – entre eles, Halle; Keyser,

7 Em Massini-Cagliari e Cagliari (1998), mostramos como a consideração da poesia metrificada como objeto de estudo pode contribuir na descrição gramatical, em especial de elementos fonológicos, viabilizando a descrição de elementos prosódicos (como acento e ritmo, por exemplo) – insondáveis através de textos em prosa. 8 “[...] fenômenos métricos não podem ser ignorados, na medida em que, especialmente no caso de línguas ‘mortas’, a relação entre poesia e língua comum pode fornecer pistas para o padrão prosódico da última; em qualquer caso a forma do verso é uma forma da língua, embora especializada em função [....].”

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1971 –, a escolha de textos poéticos para se estudar fenômenos prosódicos (e, em especial, o ritmo) de uma língua, inclusive e principalmente em seus estágios passados, já se provou adequada e eficaz, sobretudo quando se toma a descrição em um nível “mais abstrato” (fonológico e não fonético). Os textos poéticos remanescentes em galego-português podem ser divididos em duas vertentes: a profana (cantigas de amor, de amigo e de escárnio e maldizer) e a religiosa (as Cantigas de Santa Maria, de Afonso X). Por ser a documentação poética remanescente do PA constituída dessas duas dimensões, profana e religiosa, é objetivo desta pesquisa estruturar a análise dos fenômenos prosódicos dessa época em uma comparação de sua realização nesses dois tipos de discurso. Em trabalhos anteriores (Massini-Cagliari, 1995, 1999a), o alvo das investigações desenvolvidas restringiu-se à dimensão profana da lírica galego-portuguesa, sobretudo às cantigas de amigo e de amor. Faltava, pois, acrescentar à pesquisa a dimensão do discurso religioso. Portanto, em termos de abrangência de corpus, o objetivo principal da presente pesquisa é a análise linguística das cantigas religiosas de Afonso X – as Cantigas de Santa Maria – através da seleção de textos dessas cantigas, que servirá de base à comparação com os resultados já obtidos (anteriormente e nesta pesquisa) referentes às cantigas profanas. Embora em ambas as dimensões da lírica medieval galego-portuguesa a linguagem poética empregada possa ser classificada como palaciana, correspondendo a uma modalidade de língua restrita à corte e aos usos a que esta camada social estava acostumada,9 há uma considerável distância geográfica e de função entre essas duas vertentes poéticas. Enquanto, na lírica profana, proveniente de Portugal e Galiza, a língua poética corresponde a um uso artístico da língua nativa da população, nas cantigas religiosas, o galego-português é usado como língua de cultura em um país estrangeiro, Castela, a mando do Rei, para poder melhor louvar a Virgem, na língua mais apropriada para essa finalidade. Trata-se, portanto, de uma 9 Katz e Keller (1987, p.2) referem-se a essa modalidade do galego-português como “a specialized and artificially erudite form of that particular language” [uma forma especializada e artificialmente erudita daquela língua particular]. Filgueira Valverde (1985, p.XXXIX), porém, considera que a língua dos trovadores não era algo artificial, mas um produto artístico, sincero, inspirado muito proximamente no galego vulgar, que hoje perdura com muitas das características que sobreviveram na língua falada.

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especialização de uso, em território alienígena. A esse respeito, Aita (1922, p.12) afirma: Ter o Rei Affonso adoptado o gallego em vez do castelhano para as suas populares cantigas tinha preoccupado muito os criticos antes da divulgação dos codices vaticano 4803 e Colocci Brancuti que, revelando tantos trovadores espanhóes, e não da Gallicia, que tambem dictaram as suas rimas em gallego, provaram a justeza da asserção do Marquês de Santillana, que, desde a metade do seculo XV, na sua famosa carta ao condestavel de Portugal, escrevia: “Non á muchos tiempos, qualesquier dicidores e trovadores destas partes, agora fuesen castellanos, andaluces ó de la Extremadura, todas sus obras componiam en lengua Gallega”.

A razão que teria levado Afonso X a adotar uma língua estrangeira em vez de sua língua materna, o castelhano, na principal obra poética que organizou, transcende, segundo Leão (2007, p.149-50), os domínios ibéricos, sendo um fenômeno geral na Europa: Parece que o motivo não estaria nem numa excentricidade do Artista, nem numa leviandade política do Monarca, mas no fascínio exercido por uma língua que, no contexto linguístico da Ibéria, se afirmava como apta, ou até como ideal, para a poesia. Aliás, esse fato não era único na Europa Medieval, onde três línguas vernáculas gozavam da preferência dos poetas: a) o galego-português, no mundo ibero-românico; b) o provençal no domínio galo-românico; e c) o toscano no âmbito ítalo-românico. O seu prestígio era tão amplamente reconhecido, que muitos trovadores, no ato de trovar, deixavam de lado as suas respectivas línguas maternas e adotavam uma das três grandes línguas poéticas de então. Foi o que ocorreu com D. Afonso X. Compôs suas próprias cantigas e dirigiu ou supervisionou a composição de outras pelos seus colaboradores, utilizando o galego-português.

A esse respeito, é importante o esclarecimento trazido por Carballo Calero e Garcia Rodríguez (1983, p.12): O idioma, pois, non se vincula à nacionalidade, conceito que, por suposto, ten na Idade Média conotacións mui distintas das que lle atribuímos hoje. Literariamente, a cultura dispón de línguas protocolárias. Nun existe oposición

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entre língua nacional e língua colonial. Afonso X non se consideraba colonizado pelos galegos. Emporiso, escrebia a sua lírica en galego, e ao seu redor bulian trovadores, segreis e jograres que poetaban, escrebian, cantaban e falaban na nosa língua, porque a nosa língua era o español lírico da época, ou se se prefere, a língua obrigada para a poesia lírica española.10

Talvez tenha sido esse fato que fez com que as Cantigas de Santa Maria (de agora em diante, CSM) de Afonso X tenham ficado, por tanto tempo, praticamente esquecidas como fonte primária do português (ou galego-português) medieval. A questão que daí surgia era a seguinte: é legítimo considerar o produto mandado fazer por um rei castelhano escrevendo em galego-português como uma manifestação ancestral do Português?11 No entanto, essa questão não é tão fechada assim, já que alguns estudiosos, entre eles Peña (1973, p.XIX – traduzida por Leão, 2007, p.150), levantam a possibilidade de que Afonso X tenha sido falante nativo de galego-português: A circunstância de que o rei tenha escrito aquela parte de sua obra que poderia ser considerada mais íntima e pessoal, as Cantigas, em idioma galaico-português surpreendeu a mais de um erudito. Isso, entretanto, não será tão estranho se levarmos em conta que muito provavelmente o Rei foi criado na Galiza.

Filgueira Valverde (1985, p.XI) considera esta não uma possibilidade, mas uma certeza, uma vez que, para esse autor, “seguramente” o rei teria passado parte de sua infância na Galiza, onde tinha possessões o seu aio García Fernández de Villaldemiro, casado com uma dama de estirpe galega, dona Mayor Arias. Já à página XIV, Filgueira Valverde dá a extensão dessa

10 Optamos por não traduzir, aqui, as citações em galego, uma vez que, além de não haver entraves à percepção do significado, a Galiza, apesar de pertencer geograficamente à Espanha, constitui um espaço lusófono, sendo membro Observador Consultivo da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). 11 Segundo Leão (2007, p.152), é preciso levar em conta, ainda, que “muitas das fontes utilizadas por Dom Afonso estavam escritas em latim, fosse nos hinos litúrgicos, fosse nas coleções de milagres de propriedade de santuários marianos. E isso transparece frequentemente na sintaxe das Cantigas de Santa Maria. Algumas frases têm construção tão arrevesada em relação à língua oral, que se diriam cunhadas em moldes latinos”. A investigação da influência do latim na sintaxe das CSM escapa, no entanto, do escopo deste livro.

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estadia de Afonso X na Galiza durante a infância: de 1223 a 1231 – não desprezíveis nove anos, bem na fase de aquisição da língua materna (dos dois aos onze anos). Beltrán (1990, p.10-1; 1997, p.8) também considera que desde o começo de sua vida o rei aprendeu em galego suas primeiras canções para louvar a Virgem. Por outro lado, Leão (2007, p.152) considera que indubitavelmente Afonso X também “tem como língua materna o castelhano, o que torna inevitáveis as interferências dessa língua no galego-português do texto, principalmente quando a Cantiga é da lavra do próprio Rei”. A proposta desta obra, de comparar a língua das cantigas profanas e religiosas, se quer também como tentativa de contribuir para responder a perguntas desse tipo. No entanto, o principal objetivo é investigar se há, de fato, entre os dois tipos de lírica, diferenças linguísticas relevantes no que diz respeito aos elementos prosódicos recortados. A preocupação se justifica porque há uma tendência, talvez pelo fato de o autor/organizador dos poemas ser castelhano, de identificar a linguagem das CSM mais com o galego do que com o português. De acordo com Leão (2007, p.153): Considerando [...] o problema da identidade linguística, o galego-português literário do século XIII constituía ainda uma unidade, porém uma unidade já instável. Com certeza, no oral corrente, essa unidade já começava a dar mostras da futura bifurcação entre galego e português. E o mesmo ocorria na língua literária: dentro daquela unidade artificial já se percebiam prenúncios de separação, isto é, de um lado galeguismos e, de outro, lusitanismos que, vindos da língua oral, penetravam no texto. Aliás, os prenúncios dessa separação, que viria a gerar, de um lado, o galego e, de outro, o português, podem notar-se, grosso modo, no conjunto da poesia trovadoresca. De um modo geral, a linguagem dos três cancioneiros profanos se encaminha, pouco a pouco, para o padrão português em formação, enquanto que a linguagem do cancioneiro sacro, pelo menos no que diz respeito à fonologia e à morfologia, tende para o padrão galego, também em formação.

Em termos cronológicos, o tempo histórico coberto por esta pesquisa compreende os séculos XIII e XIV. Esse espaço de tempo localiza-se, indiscutivelmente, no princípio do período que a maioria dos estudiosos da história do português denomina de arcaico. No contínuo da Língua Portu-

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guesa, esse período corresponde às primeiras manifestações em uma língua diferente do latim (mas derivada dele), que acabam por receber, dos seus próprios falantes, um novo rótulo. É provável que antes do século XIII existissem manifestações orais nesse vernáculo já diferente do latim clássico;12 porém, por não terem sobrevivido em suporte escrito, o que se considera como PA é constituído apenas de textos escritos remanescentes, datados a partir do final do século XII, literários ou não, em prosa e em verso. Desta forma, como mostra Mattos e Silva (1994), o consenso entre os estudiosos quanto ao início do período arcaico é muito maior do que com relação ao seu término. Se, de maneira geral, os estudiosos consideram como início do período arcaico o século XIII, para o seu término, alguns indicam o século XV (Michaëlis de Vasconcelos, 19123, p.19, seguida por Mattos e Silva, 1989, p.15, e Ali, 1971, p.18, que rotula esse período de “português antigo”); outros se estendem até o século XVI (Vasconcellos, 1959, p.16; Silva Neto, 1970 [1957], p.398).13 Silva Neto (1970[1957], p.398), com base em Michaëlis de Vasconcelos (1912-3, p.19-20), embora discorde dela quanto ao final do período, subdivide o período arcaico em duas fases: a fase trovadoresca, do último terço do século XII até 1350, ou 1385 (data da batalha de Aljubarrota), que denomina de galego-portuguesa; e a fase da prosa histórica, de 1385 até o século XVI. É, portanto, à língua registrada no período unanimemente denominado de trovadoresco e situado entre o finalzinho do século XII e meados do século XIV que se dedica esta pesquisa.

12 Esse período de formação do português, anterior ao início dos registros escritos, costuma receber dos estudiosos o rótulo de proto-histórico (cf. Silva Neto, 1986[1957], p.405; Michaëlis de Vasconcelos, 1912-3, p.17; e Nunes, 1969, p.17). Situado entre os séculos IX e XII, esse período pode ser captado a partir das palavras e expressões portuguesas que aparecem em documentos escritos em latim bárbaro. A fase anterior ao proto-histórico é a pré-histórica (cf. Mattos e Silva, 1991, p.15-6). 13 Messner (2002, p.97) é um grande crítico da periodização estabelecida para a diacronia do português, porque considera que “não só a maior parte dos autores utiliza os mesmos termos, mas também [...] estes termos não são genuinamente linguísticos, mas literários”. Avaliando a grande unanimidade com relação à quebra de periodização em 1350, Messner (2002, p.103) afirma que, mesmo sem fazer referência aos fatos linguísticos, os autores acabam por identificar os limites do tempo em que ocorrem as maiores mudanças na língua, em que, a exemplo do que ocorre também em francês, “as evoluções regulares baseadas na fonética histórica substitui-se o estabelecimento de paradigmas uniformes”.

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No âmbito da Fonologia, a contribuição principal desta pesquisa é descrever, pela primeira vez no Brasil, características da prosódia da língua veiculada pelas Cantigas de Santa Maria. Embora razoavelmente exploradas em outros aspectos (musicais, literários, codicológicos, iconográficos, históricos, filosóficos), as CSM não têm recebido atenção com relação ao seu aspecto linguístico, nem no Brasil, nem no exterior. Segundo Leão (2007, p.148), “é curioso que nada exista de estudos linguísticos sobre as Cantigas de Santa Maria”. Em seu livro, a renomada autora consegue mapear apenas dois trabalhos de Rudolf Rübecamp,14 na década de 1930, e o glossário de Walter Mettmann (1972). Depois disso, a estudiosa dá um salto até a década de 1990, em que “já podemos encontrar uns poucos artigos e trabalhos de grau sobre aspectos linguísticos das Cantigas, alguns deles ligados à pós-graduação” (é preciso dizer que esses trabalhos acadêmicos, no Brasil, em sua grande maioria, são ligados ao Grupo de Pesquisa liderado pela Profa. Dra. Ângela Vaz Leão, e orientados por ela). No exterior, tem-se notícia de apenas uns poucos artigos esparsos,15 tratando de questões linguísticas diversas, além do Lessico in Rima de Betti (1997), que não foi citado por Leão (2007). Snow (1987, p.478-80) faz um panorama do estado da questão do estudo das CSM, na década de 1980, mostrando que o interesse pelos estudos das CSM começou a aumentar apenas a partir da década de 1970. Com relação aos estudos linguísticos, as áreas exploradas, segundo Snow (1987, p.480), são as seguintes: estudos linguísticos voltados ao estilo (popular vs. erudito); estudos satíricos; investigação de traços estilísticos ligados a técnicas poéticas específicas e a passagens com usos linguísticos não convencionais; estudos do caráter subjacente de narratividade da poesia afonsina. Como se vê, a partir do estado da questão tal como colocado por Snow (1987), os estudos de aspectos de linguagem que ora se desenvolvem a partir das CSM estão todos, completa ou parcialmente, subordinados a perguntas de pesquisas de áreas como os estudos literários, os de estilo e os de discurso. Não há, a rigor, estudos de linguística formal, nos temas arrolados 14 Ver Rübecamp (1932, 1933). 15 Snow (1987, p.479) afirma que não há trabalhos recentes de fôlego sobre Afonso X e quase todos os trabalhos recentes aparecem em forma de artigo, e, quando não é este o caso, na forma de capítulos ou partes específicas de monografias nas quais a poesia afonsina tem um papel coadjuvante.

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por Snow (1987). É por esse motivo que é impossível concordar com o autor (Snow, 1987, p.483), quando afirma que “in short, there is no lack of study in areas of importance to Alfonso’s Marian compilation”.16 A brecha existe; e corresponde aos estudos de linguística formal, da língua que dá suporte aos versos da coleção das CSM. Nesse contexto aparece este livro, como contribuição ao desvendamento da fonologia dos trovadores afonsinos. A análise fonológica dos dados será realizada a partir da Teoria da Otimalidade (doravante, TO).17 Em uma dimensão mais ampla, constitui também um objetivo deste trabalho promover a avaliação da adequação dessa teoria (extremamente popular entre os fonólogos a partir da década de 1990), com relação à explicação de dados verdadeiramente produzidos em um tempo passado (e não dados construídos a partir da intuição do falante-nativo pesquisador). Além disso, objetiva-se também a avaliação da adequação da teoria ao tratamento de dados literários, construídos com finalidades artísticas, muitas vezes apresentando usos estilísticos desviantes.

16 “em resumo, não há falta de estudos em áreas de importância à compilação mariana de Afonso”. 17 Para uma introdução ao formalismo e aos pressupostos da TO, ver o Capítulo 2.

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CANTIGAS MEDIEVAIS PROFANAS E RELIGIOSAS

Quando se inicia um estudo científico cujo objeto principal tem enormes dimensões, é costume começar o procedimento por um “recorte”, pela delimitação dos dados. Este é o caso desta pesquisa, uma vez que seu objeto, o Português Arcaico (PA), além de ser de difícil delimitação e compreensão como um todo (assim como qualquer outra língua), na qualidade de período ancestral de nossa língua, é de difícil abrangência na totalidade de suas remanescências atuais. Como todo recorte científico, o adotado nesta pesquisa baseia-se na focalização de alguns elementos, deixando outros como pano de fundo, a partir dos objetivos que se quer alcançar. Como visto anteriormente, o objetivo principal da presente pesquisa é o estudo de alguns fenômenos prosódicos do passado de nossa Língua Portuguesa, no período identificado como trovadoresco. Desse período, vários são os tipos de documentos remanescentes, desde os literários em prosa até os cartoriais, passando pelos textos poéticos. Mas, quando se tem como objetivo o estudo de elementos não segmentais, as possibilidades de escolha já se encontram restringidas desde o princípio pela natureza dos próprios objetivos da pesquisa, uma vez que devem ser privilegiados documentos que trazem informações outras que não apenas a representação linear dos elementos segmentais. De todos os sobreviventes dessa época, os que imortalizam textos poéticos são os únicos que se encaixam nessa categoria. Mattos e Silva (1989, p.17) considera mais acessível ao estudioso interessado no período arcaico do Português o corpus poético do que a delimitação do corpus em prosa, já que:

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Quis o destino que sobrevivessem os três cancioneiros galego-portugueses, e ainda os códices das Cantigas de Santa Maria, que, sem dúvida, não somam toda a produção poética trovadoresca, mas constituem um conjunto concreto sobre o qual o pesquisador tanto com interesse literário como com intenção de análise linguística pode definir como sendo representativo da produção medieval poética portuguesa.

Por ser a documentação poética remanescente do PA constituída dessas duas dimensões, profana e religiosa, é objetivo desta pesquisa estruturar a análise dos fenômenos prosódicos dessa época em uma comparação de sua realização nesses dois tipos de discurso. No entanto, essa decisão coloca o problema da dimensão (no sentido de quantidade de dados), uma vez que, para as finalidades práticas deste estudo, seria impossível abranger a totalidade do legado de textos poéticos galego-portugueses profanos e religiosos (mais de dois mil poemas, conforme será visto na Seção 1.1). Por esse motivo, optou-se por centrar a pesquisa no estudo primeiramente de um corpus, uma seleção de algumas das cantigas profanas e religiosas, para tornar o trabalho viável, do ponto de vista prático. Dessa forma, serão considerados dois corpora, o primeiro composto de cem cantigas profanas (cinquenta de amor e cinquenta de amigo), e o segundo, de cinquenta cantigas de Santa Maria. O trabalho com um corpus, na impossibilidade prática de abrangência de toda a produção lírica trovadoresca, tem a vantagem de considerar as formas contextualizadas e flexionadas (no caso de palavras variáveis). No entanto, dada a sua diminuta dimensão, um corpus sempre tem a desvantagem de apresentar apenas um pequeno conjunto da riqueza lexical do todo. Por esse motivo, optou-se por trabalhar, paralelamente ao corpus, com um conjunto de vocabulários e glossários da lírica profana e religiosa, como suporte adicional às análises. Apesar de nem sempre apresentarem as formas contextualizadas ou fazerem referência à fonte do item que apresentam, os vocabulários e glossários contribuem com uma maior riqueza lexical – o que pode ser de boa utilidade (por exemplo, no estudo do acento lexical). Para a seleção dos poemas para compor o corpus de cantigas profanas, na impossibilidade de tomar todos os textos poéticos remanescentes de cada tipo de cantiga, foram levados em consideração critérios de representatividade, procurando fazer presentes, no corpus, trovadores de todas as épocas

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(uma vez que o trovadorismo, em Portugal e Galiza, durou cerca de cento e cinquenta anos), lugares (dado o fato de que conviviam trovadores galegos, portugueses e castelhanos) e status social (já que havia trovadores de alta sociedade, inclusive reis, nobres importantes e clérigos, e jograis, de classe mais baixa). Para tal, foi usado como fonte básica de informação o estudo de Oliveira (1994), que traz as fichas biográficas mais completas que se conhece dos trovadores dos cancioneiros portugueses e que retoma importantes trabalhos anteriores (como o Michaëlis de Vasconcellos, 1904, por exemplo). Foram também consultadas as biografias elaboradas por Muniz (2009).1 Já para a seleção do corpus de cantigas religiosas, por serem irrelevantes os critérios estabelecidos para as cantigas profanas, uma vez que as CSM são atribuídas a um único autor (Afonso X, apesar da consciência da impossibilidade de terem sido todas compostas por ele – ver Seção 1.2) e formam uma coleção fechada e muito mais homogênea que as cantigas profanas em termos de época de produção, estilo e temas, optou-se por basear a escolha em dois critérios principais: tipos de cantigas (louvor, milagre, “quintas”, festas, prólogo, petiçon), de modo a fazer presentes no corpus cantigas de todas as variedades presentes nas CSM; e distribuição da cantiga na coleção, de modo a fazer presentes no corpus tanto cantigas do início, como do meio como do final da coleção, uma vez que os especialistas acreditam na evolução, tanto em termos de temas, como em termos de estilo, variedade métrica e tamanho, a cada expansão (de 100 a 200, e de 200 a 400 – ver Seção 1.2) sofrida pela coleção (cf. Parkinson, 2000a; Schaffer, 2000).2 Optou-se por fazer, a cada seção, os recortes necessários no imenso universo da lírica trovadoresca, de acordo com as possibilidades vislumbradas a partir do assunto focalizado. Assim, o corpus mínimo delimitado nos parágrafos anteriores será acrescido, de acordo com as necessidades metodológicas. Por exemplo, para os estudos que dão conta da estruturação da sílaba (Capítulo 2) e dos processos de sândi (Capítulo 4), a consideração do corpus anteriormente estabelecido será fundamental para a viabilização de cálculos de frequência dos processos em questão, mostrando a sua produtividade (ou não). Por outro lado, para o estudo do acento, serão consideradas todas as 1 A lista das cinquenta cantigas de amor e das cinquenta cantigas de amigo que compõem o corpus das cantigas profanas encontra-se no Apêndice. 2 A lista das cinquenta cantigas de Santa Maria escolhidas para o corpus, com base nesses critérios, também está apresentada no Apêndice.

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palavras em posição de rima em todas as cantigas de amigo e de amor (não apenas as constantes do corpus), e todas as palavras na mesma posição nas 420 CSM. Além do mais, em todos os casos, os glossários e vocabulários disponíveis serão fonte importante de informação a respeito dos limites de possibilidades do léxico (por exemplo, quanto a tipos silábicos ou a padrões de acentuação). Já com relação ao estudo da paragoge (Capítulo 5), o universo completo das cantigas profanas e religiosas será considerado, uma vez que há informações confiáveis, advindas de estudos anteriores (Cunha, 1982, e Ferreira, 1986, para as cantigas profanas, e Wulstan, 1993, para as CSM), a respeito de quais poemas, em todo esse universo, apresentam esse fenômeno. Foram consultados os Glossários de Michaëlis de Vasconcelos (1920), Nunes (1973, v.III, p.575-704) e Sodré (2009), o Índice Onomástico e o Vocabulário de Lapa (1970), o Glossário de Mettmann (1972, 1989) e o Lessico in Rima de Betti (1997), como fontes secundárias de informação. Em todos os momentos, optou-se por analisar os dados a partir de edições fac-similadas3 ou com a ajuda de microfilmes dos próprios manuscritos (no caso dos códices Escorial rico e de Florença das CSM), recorrendo ao auxílio de edições diplomáticas e interpretativas,4 em caso de dúvidas de

3 Foram consideradas as seguintes edições fac-similadas: Cantigas profanas: Cancioneiro da Ajuda, edição fac-similada de 1994, Edições Távola Redonda; Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, edição fac-similada de 1982, Imprensa Nacional/Casa da Moeda; Cancioneiro Português da Biblioteca Vaticana, edição fac-similada de 1973, Centro de Estudos Filológicos/Instituto de Alta Cultura; Pergaminho Vindel: edições de Ferreira (1986) e Monteagudo (1998) – inclui as versões dos dois outros cancioneiros para as cantigas de Martim Codax; Pergaminho Sharrer: Sharrer (1991), Ferreira (2005) e slides fornecidos a esta pesquisadora pelos Arquivos Nacionais Torre do Tombo. Cantigas religiosas: códice de Toledo: edição fac-similada de 2003, Ed. Galaxia; códice da Escorial: Anglés (1964). Esta pesquisa teve acesso apenas superficial às edições fac-similadas do códice rico de Escorial e do códice de Florença, preparadas pela Edilán; esses dois manuscritos foram lidos a partir dos microfilmes fornecidos pelas bibliotecas em que estão depositados. De fato, as edições fac-similadas das Cantigas de Santa Maria (códice Rico – Escorial e códice de Florença), editadas pela Edilán, são extremamente caras (sendo acessíveis apenas a instituições, já que o preço é proibitivo a pesquisadores individuais) e sua disponibilidade é muito restrita (não há mais exemplares novos à venda, e a editora coordena a venda dos exemplares usados que muitíssimo raramente são colocados no mercado através de leilões). No Brasil, estão disponíveis apenas ao grupo de pesquisa da Profa. Dra. Ângela Vaz Leão, da PUC de Minas Gerais. 4 A respeito dos diferentes tipos de edição que sofreram as cantigas medievais galego-portuguesas, ver Massini-Cagliari (2007a). Para uma introdução aos diferentes tipos de edição de documentos antigos, ver Cambraia (2005).

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decifração.5 A consideração da fonte direta, sobretudo no caso da estruturação silábica (sequências de vogais, marca de nasalização etc.), é de fundamental importância, porque, muitas vezes, uma marca crucial da versão original pode “desaparecer” de uma edição interpretativa, depois de aplicadas as convenções ortográficas atuais. Seguimos, pois, o conselho de Sodré (2010, p.35), para quem Um dos óbices mais sérios ao estudo crítico-literário da lírica galego-portuguesa é, sabe-se bem, a instabilidade textual dos manuscritos, sua “movência”,6 tanto das leis medievais peninsulares, do tratado poético, como dos cancioneiros em que se recolheram as cantigas. Isso exige que o pesquisador se ampare tanto na observação desses manuscritos dos fac-símiles, como em suas edições críticas mais autorizadas.

1.1 Lírica profana7 Segundo Tavani (1974, p.46), o patrimônio poético profano é composto de 1685 textos, dos quais 431 seriam cantigas de escárnio e maldizer (cf. Lapa, 1995), 510 de amigo (cf. Nunes, 1973, v.II) e 735 de amor (cf. Nunes, 1972),8 além das 420 Cantigas de Santa Maria de Afonso X (Parkinson,

5 Para a decifração das cantigas profanas, foram consultadas as seguintes edições diplomáticas, semidiplomáticas ou paradiplomáticas: Monaci (1875) (para V); Molteni (1880) (para B); Carter (1941) (para A); Machado e Machado (1949) (para B); M. P. Ferreira (1986) (para N) e Sharrer (1991) (para D); e as seguintes edições interpretativas: T. Braga (1878); Bell (1925); Pimpão (1942); Bernárdez (1952); Berardinelli (1953); Cunha (1956); Cidade (1959); Lapa (1960); Nunes (1973); Azevedo Filho (1974 e 2000); Gonçalves e Ramos (1985); M. E. T. Ferreira (1998); Vieira (1987); Camargo et al. (1990, 1992 e 1995); Spina (1991); Ferreiro (1992); Martínez Pereiro (1992); Zenith (1995); Lírica profana galego-portuguesa (1996); Arias Freixedo (2003); Cohen (2003); Nobiling (2007); Mongelli (2009) e Lang (2010). Para as CSM, consultou-se principalmente Mettmann (1986, 1988, 1989). 6 Termo de Cunha (2004). 7 Para uma introdução aos gêneros, às fontes e às edições da lírica medieval profana, ver Massini-Cagliari (2007a). 8 Os números de Lapa e Nunes não correspondem exatamente à soma de Tavani, mas se aproximam dela. Por sua vez, Lapa (1929) conta 2116 composições (a lírica medieval mais rica da Europa, na sua opinião). Sánchez e Zas (2001, p.12) contam 1680 cantigas de caráter profano e 426 de temática religiosa. Mongelli (2009, p.XXVII) considera, como total da lírica profana galego-portuguesa, 1664 cantigas.

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1998a, p.189), totalizando, segundo Oliveira (1994, p.21), cerca de 160 autores. A produção lírica profana remanescente sobreviveu em um número muito reduzido de fontes: três cancioneiros (compilações gerais, o “livro medieval por excelência”, segundo Cunha, 2004, p.80) e cinco conjuntos de folhas avulsas contendo uma ou mais composições – apenas oito testemunhos no total (Oliveira, 1994, p.15), produzidos entre o final do século XII e o século XVI (Lírica profana galego-portuguesa, 1996, p.24-5):9 • • • •



• • •

Cancioneiro da Ajuda (A); Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (B); Cancioneiro da Vaticana (V); Pergaminho Vindel (N), fólio que contém sete cantigas de amigo de Martim Codax (musicadas), atualmente na Pierpont Morgan Library de Nova York; Pergaminho Sharrer (D), fólio que contém fragmentos de sete cantigas de amor de D. Dinis (acompanhadas de notação musical), atualmente nos Arquivos Nacionais Torre do Tombo (ANTT), Lisboa; Volume miscelâneo Vat. Lat. 7812 da Biblioteca Vaticana (L), que contém em três fólios os cinco lais de Bretanha que aparecem abrindo B; Volume miscelâneo MS 9249 da Biblioteca Nacional de Madri, que contém uma tenção entre Afonso Sanches e Vasco Martins de Resende (M); Páginas 9-11 do volume miscelâneo MS 419 da Biblioteca Pública Municipal do Porto, que também contém a tenção de M entre Afonso Sanches e Vasco Martins de Resende (P).

A datação dos testemunhos já nos deixa entrever um grave problema do trabalho com este material: há documentos produzidos em época contemporânea aos trovadores ou pouco posterior a ela (como o Cancioneiro da Ajuda) e documentos copiados em época posterior aos trovadores, inclusive por falantes de outra língua, talvez desconhecedores do galego-português (é o caso dos Cancioneiros da Biblioteca Nacional de Lisboa e da Vaticana, copiados na Itália, no século XVI). A maior parte das composições e quase a totalidade dos autores foram preservadas apenas pelos dois volumosos cancioneiros copiados na Itália, 9 Adiante, será feita uma apresentação sucinta das características de cada uma das fontes aqui consideradas.

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na primeira metade do século XVI, a mando de Angelo Colocci: o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (antigo Colocci-Brancuti) e o Cancioneiro da Vaticana. Apesar de ambos estarem incompletos, graças à conservação, na Biblioteca Vaticana, da Tavola Colocciana (C), provavelmente um índice de B elaborado por Angelo Colocci, podemos reconstituir hipoteticamente as suas partes faltantes (ou, pelo menos, pode-se estimar o tamanho das lacunas e o conteúdo de seu preenchimento). O mesmo scriptorium no qual foi copiado o Cancioneiro colocciano teria sido responsável pela produção do Cancioneiro da Vaticana, ambos provavelmente copiados por volta de 1525-6 (Ferrari, 1993b, p.123), sob a supervisão de Angelo Colocci. Ferrari (1993b, p.123) ressalta a grande afinidade entre os dois cancioneiros: Desde sempre foi notada a estreita afinidade que o liga a B, mas nos últimos anos, da análise aprofundada de B e do estudo conjunto dos dois cancioneiros, emergiram novos elementos que permitem reconhecer entre B e V um parentesco ainda mais estreito, isto é, a derivação de ambos de um mesmo antecedente. Tudo leva a pensar que no scriptorium curial, sobre um único exemplar distribuído em cadernos, tivessem trabalhado simultaneamente, por um lado, o copista de V, por outro, os copistas de B [...]: as lacunas recíprocas de B e V seriam imputáveis a incidentes de cópia devidos à desordenada e apressada alternância dos copistas (extravio de cadernos, ligações mal conseguidas...).

Quando comparados com o Cancioneiro da Ajuda, mesmo sendo mais completos, os códices italianos têm uma clara desvantagem, por não serem contemporâneos aos autores das cantigas, transportando, por esse motivo, para dentro de si, os problemas que sucessivas cópias (feitas em situações adversas e às vezes por pessoas que desconheciam a língua representada) trazem para a forma final do manuscrito. Por sua vez, o Cancioneiro da Ajuda, datável entre finais do século XIII e princípios do século XIV (Ramos, 1993, p.115), padece menos (mas não está completamente isento) desses problemas, por ser a coleção mais antiga de poesia lírica galego-portuguesa chegada até nós. Infelizmente, é uma cópia inacabada, que não contém cantigas de todos os gêneros, compilando quase que exclusivamente cantigas de amor.

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Michaëlis de Vasconcelos (1904, p.180-209) foi quem primeiro esboçou um critério subjacente à organização dos três cancioneiros profanos galego-portugueses, que seguiriam a de uma “espécie de Cancioneiro Geral da primeira epoca da lyrica peninsular”, por serem todos, em diferentes níveis de aproximação, cópias desse arquétipo inicial. Apesar de seguirem esse modelo original, por causa dos percalços do momento de sua organização ou cópia, nenhum dos três cancioneiros remanescentes segue à risca o esquema delineado, já que todos eles, inclusive o da Ajuda, o mais antigo, são cópias (cópias “primeiras” ou cópias de cópias), não podendo ser considerados a “compilação” original. Os dois critérios básicos de organização desse Cancioneiro Geral primitivo seriam: a tripartição nos três gêneros poéticos canônicos utilizados pelos trovadores (a saber, cantigas de amor, de amigo e de escárnio e maldizer10) e a cronologia dos autores inseridos em cada uma das partes. Assim, este Cancioneiro Geral seria organizado originalmente em três seções, correspondendo cada uma delas a um dos três gêneros básicos, assim ordenadas: primeiro, a seção de amor; em segundo lugar, a seção de amigo; por último, a seção das cantigas de escárnio e maldizer. Internamente, cada uma dessas seções seria organizada pelo critério cronológico dos trovadores, indo do mais antigo para o mais recente. O Cancioneiro da Ajuda é o que menos se desvia da organização básica anteriormente descrita, por conter apenas a primeira seção (a de amor). Porém, com relação aos dois cancioneiros quinhentistas, Oliveira (1994, p.36) mostra que existem duas zonas claramente diferenciadas no domínio da organização das composições: “Uma primeira, onde autores e composições foram ordenados de acordo com critérios definidos previamente [...], e uma segunda na qual os critérios parecem ter sido esquecidos pelo respectivo compilador”. Na segunda zona das três seções, rotulada como “caótica” pelo autor, os critérios teriam sido “esquecidos” porque estas correspondem a momentos em que aparecem textos acrescentados por recolhas posteriores à compilação original, fora da ordem estabelecida pelos critérios originais, quando foram registrados cancioneiros inteiros de certos trovadores (que acabam por comparecer com composições dos três gêne10 As principais características de cada um desses três gêneros canônicos serão apresentadas brevemente adiante, em seção dedicada exclusivamente a esse tema.

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ros em uma única seção), cancioneiros coletivos (o cancioneiro de reis e magnates e o cancioneiro dos jograis galegos, por exemplo), composições dispersas e poemas de época posterior.

1.1.1 Fontes11 Dos três cancioneiros remanescentes que contêm cantigas profanas galego-portuguesas, o Cancioneiro da Ajuda, conhecido pelas siglas A ou CA, é o mais contemporâneo aos trovadores e é o único de procedência ibérica. Dos três, é obviamente a cópia mais próxima do que teria sido o arquétipo das compilações de trovas profanas galego-portuguesas, mas não é o antecedente de que teriam sido copiados B e V (Tavani, 1988, p.92). É um manuscrito constituído hoje por 88 fólios, de grandes dimensões, que oscilam entre 438 e 443 mm na altura e 334 e 340 mm na largura, em pergaminho, datável entre o final do século XIII e o início do XIV. Dadas as suas dimensões, não pode ser considerado, como mostra Ramos (1993, p.117), um cancioneiro de mão, tratando-se de um códice que estava sendo preparado para o canto e para a execução musical. Prova disso é o espaço calculado para a transcrição musical unicamente na primeira estrofe (as demais repetem a melodia da primeira) e para algumas f iindas. Para a transcrição do códice, foi usada tinta preta; o estilo de letra empregado corresponde à minúscula gótica de proveniência francesa, tendo sido respeitadas as regras tradicionais da escrita gótica da época, e “o recurso à convenção de siglas, ocasionalmente presente no refram, pode levar a crer que se tratava de copistas habituados à transcrição de códices de natureza jurídica, gramatical ou religiosa” (Ramos, 1993, p.116). Segundo a autora (Ramos, 1994, p.38), teria sido copiado por várias mãos. Infelizmente, trata-se de um manuscrito incompleto, em diversos sentidos. Em primeiro lugar, porque contém apenas 310 composições, referentes a apenas 38 autores – quase todas elas situadas no gênero das cantigas de amor. Em segundo lugar, embora o códice tenha espaços previstos para a inclusão de notação musical, esta nunca chegou a ser iniciada. Também não foram finalizadas a decoração e as rubricas que deveriam identificar 11 Considero nesta seção apenas as fontes consultadas nesta pesquisa – o que exclui as folhas contendo a tensão entre Afonso Sanches e Vasco Martins de Resende e os fólios no volume miscelâneo da Biblioteca Vaticana, contendo os lais de Bretanha.

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os trovadores. Apenas as primeiras miniaturas são pintadas e muitas estão incompletas. Em muitas páginas, falta a decoração das maiúsculas iniciais e, em outras, as maiúsculas iniciais de estrofe nem chegaram a ser incluídas. Há, também, várias lacunas, apontadas pelos estudos especializados desde Michaëlis de Vasconcelos (1904).

Figura 1.1. Cantiga Pois non ei de dona Elvira (A62). Cancioneiro da Ajuda – Lisboa: Edições Távola Redonda, 1994. Edição fac-similada. p.107.

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Devido ao local em que foi encontrado, foi denominado primeiramente de Cancioneiro do Collegio dos Nobres, por ter sido encontrado por Charles Stuart de Rothesay, embaixador do governo britânico em Portugal, na Biblioteca do Real Colégio dos Nobres, e tornado público em 1823. Em 1832, foi transferido para a Biblioteca Real, no Palácio da Ajuda, de quem recebe o nome até hoje (Ramos, 1994, p.27). Em 1843, onze fólios encontrados na Biblioteca Pública de Évora foram incorporados ao volume. Sua ordem atual, incluindo os fólios encontrados em Évora, corresponde à organização vislumbrada por Michaëlis de Vasconcelos (1904) – cf. Ramos (1993, p.116). Por se pensar que os poemas pertenciam ao conde de Barcelos, foi encadernado em um único volume com uma cópia do Livro de linhagens do conde D. Pedro, que, para vários especialistas, teria sido o seu compilador (Ramos, 1993, p.115). Ramos (1994, p.28), no entanto, lembra que há outros “prováveis compiladores ou conselheiros da compilação”: o rei D. Afonso III de Portugal ou o rei D. Afonso X de Castela. Para Michaëlis de Vasconcelos (1904), sua elaboração teria sido levada adiante na última fase do reinado de Afonso III ou nos primeiros anos de atividade de D. Dinis. Como o trovador mais recente que comparece em A é Pai Gomes Charinho, falecido em 1295, Oliveira (1993, p.117) localiza temporalmente sua confecção nos últimos anos do século XIII. O segundo cancioneiro, conhecido pelas abreviaturas B ou CBN, e antigamente denominado de Cancioneiro Colocci-Brancuti, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (cota Cod. 10991), é visto como o mais completo, dentre os três cancioneiros com cantigas profanas galego-portuguesas. Foi chamado inicialmente de Colocci-Brancuti, por ter pertencido a Colocci, um humanista italiano a quem devemos a conservação tanto dos textos desta coleção quanto dos do Cancioneiro da Vaticana; o nome Brancuti teria sido adicionado posteriormente, porque, no momento de sua descoberta, em 1878, o códice se achava com o conde Paolo Antonio Brancuti, residente em Cagli (Michaëlis de Vasconcelos, 1912-3, p.423). Ao contrário do que afirma Michaëlis de Vasconcelos (1912-3), segundo Cintra (1981) e Nunes (1973, v.I, p.441), o códice teria sido descoberto em 1875 (ou pouco depois de 1875) – e não em 1878, por Constantino Corvisieri.

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Segundo Cintra (1981), o primeiro a estudar o manuscrito foi Enrico Molteni, que “se dedicou à preparação da edição diplomática da parte do Cancioneiro que não tinha correspondência no Cancioneiro da Vaticana”. Sua morte prematura fez que seu mestre, Ernesto Monaci, publicasse o seu trabalho em 1880. Conforme pode ser percebido através de notas manuscritas no original (B, p.4), Ernesto Monaci primeiro tomou emprestado o manuscrito ao conde Brancuti (em 1880) e depois o comprou dele (em 1888). Depois de sua morte, em 1918, seus descendentes, após inúmeras negociações, venderam o manuscrito para a Biblioteca Nacional de Lisboa, da qual empresta sua denominação até hoje, em 26 de fevereiro de 1924 – data oficial (cf. Cintra, 1981, e Nunes, 1973, v.I, p.442). Para Michaëlis de Vasconcelos (1912-3, p.423), B é “cópia daquele grande Cancioneiro de que ele [A. Colocci] extraíra o Indice, ou seja a Tavola Colocciana (Ms. 3217 da livraria dos Papas), com nomes de autores e numeração das obras deles”, de fins do século XV, ou princípios do imediato. Tavani (1988, p.55-99) não acredita que B e V sejam cópias um do outro, porque, embora a maioria das cantigas seja comum aos dois Cancioneiros, há algumas que figuram somente em um deles. Sua opinião se baseia em uma reconstrução conjectural, com base na metodologia filológica, a respeito das relações históricas entre os três Cancioneiros remanescentes: A, B e V. Embora de dimensões menores do que A, ainda assim o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa é um grosso volume que, a partir da edição de 1982, que inclui inclusive as capas, possui 758 páginas; pela numeração de Molteni (1880), possui 335 folhas. Segundo Ferrari (1993a, p.119), o Cancioneiro é constituído, atualmente, por 355 folhas de papel de 280 × 210 mm, numeradas por Molteni quando o códice apresentava já diversas mutilações, e protegidas por modernos fólios de guarda iniciais (aos quais está cosido o fólio com nota de posse de Monaci) e finais. Traz cerca de 1560 cantigas, pertencentes aos três gêneros canônicos, de autoria de cerca de 150 trovadores e jograis. O Cancioneiro propriamente dito tem início na página 15 da edição de 1982, com o capítulo iiijo da terceira parte da Poética fragmentária que lhe serve de introdução. Faltam as duas primeiras partes da Poética, além dos três primeiros capítulos da terceira parte. É muitíssimo provável que os

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capítulos iiijo, vo e o início do vjo da terceira parte tenham sido acrescentados posteriormente, já que estão escritos em letra diferente, atribuída pelos especialistas a Angelo Colocci. As folhas até a página 18 foram puladas. Em seguida, na página 19, figuram cinco lais, “adaptações galegas de composições francesas correspondentes, extraídas da Historia Tristani” (Spina, 1991, p.383-4). A transcrição das cantigas dos trovadores galego-portugueses começa somente na página 31. Assim como no Cancioneiro da Vaticana, as cantigas, em B, encontram-se agrupadas quanto ao tipo: primeiro as de amor, depois as de amigo, seguidas das de escárnio e maldizer. Porém, esse agrupamento não é assim tão rígido, já que, conforme visto anteriormente, algumas cantigas de amigo encontram-se entre as de amor e vice-versa, o mesmo ocorrendo em relação às cantigas de escárnio e maldizer, como mostra Oliveira (1994, p.32): A própria C. Michaëlis se deu conta de que, quer a separação dos três gêneros poéticos, quer a ordenação cronológica dos autores, não tinham sido realizadas na sua totalidade. [...] Um olhar atento às três secções de ambos os cancioneiros [B e V] revela que, apesar de em boa parte delas se terem mantido os critérios deduzidos por C. Michaëlis, a partir de dada altura, em cada uma dessas secções esses critérios deixaram de estar presentes no espírito do compilador. É esquecida não somente a divisão por gêneros poéticos – incluindo-se, por exemplo, cantigas de amigo e cantigas de escárnio na secção de cantigas de amor –, mas também a preocupação por uma sequência minimamente cronológica dos autores.

Nunes (1973, v.I, p.443) suspeita que, “da omissão de várias estrofes, muitas vezes indicadas apenas por iniciais, bem como de aqui ou ali se não ter completado a cópia parece deduzir-se que o original se encontrava já bastante deteriorado”. A deterioração do original pode ser responsável pelo fato de que, apesar de as cantigas terem sido numeradas, ter havido descuido na sua numeração, repetindo-se umas vezes os mesmos números, outras vezes colocando-se duas cantigas seguidas sob um mesmo número, ainda outras vezes atribuindo-se dois números diferentes a uma mesma cantiga.

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Figura 1.2. B1118. Cantiga de amigo de Pero de Berdia e rubrica atributiva da autoria. Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci-Brancuti). Cod. 10991. Reprodução fac-similada. Lisboa: Biblioteca Nacional/Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982. p.514.

Para Ferrari (1993a, p.120), a escrita de B foi realizada por “seis mãos (mais a omnipresente de Colocci)”; para a autora, “a distribuição das diversas mãos é desordenada e não parece corresponder a qualquer planificação lógi-

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ca”. Os nomes dos trovadores, muitas vezes, e outras rubricas foram provavelmente postos mais tarde, já que se encontram escritos em letra diferente – a mesma que “completou” a Poética fragmentária, atribuída a Angelo Colocci. Dos seis copistas que intervêm na transcrição, cinco utilizam variedades gótico-bastardas, e um só, o copista principal – não só pela quantidade mas também pela qualidade “filológica” da cópia (o único que escreve também os reclamos e as rubricas atributivas) escreve em cursiva itálica chancelaresca. Talvez nenhum deles seja italiano (?) e em geral revelam uma origem e uma educação gráfica ibéricas; hábitos gráficos particulares (por ex., traço horizontal cortado como sinal genérico de abreviatura) ligam explicitamente dois deles ao ambiente gráfico da Cúria pontifícia. São diversos tanto o grau de profissionalismo e de perfeição quanto a extensão e densidade das intervenções. (Ferrari, 1993a, p.120)

De acordo com Ferrari (1993a, p.119), é “o mais importante dos três principais códices da lírica profana galego-portuguesa”, pelos seguintes motivos: Com efeito, não só é aquele que conserva o maior número de textos e autores (é testemunho único para cerca de 250 composições e a ele devemos o conhecimento dos nomes de numerosos poetas não presentes no seu irmão, o Cancioneiro da Biblioteca Vaticana; quanto ao Cancioneiro da Ajuda, é desprovido de atribuições) e é o único que transmite a fragmentária Arte de Trovar. Além disso, graças à presença constante de seu comitente-supervisor e primeiro proprietário, o humanista italiano Angelo Colocci, fornece-nos muitos elementos extratextuais, preciosos para fins ecdóticos e para o estudo da tradição manuscrita no seu conjunto.

Além do cancioneiro quinhentista que antigamente levava o nome de Angelo Colocci, o humanista mandou copiar um segundo, o Cancioneiro da Vaticana, também na Itália, muito provavelmente, no mesmo scriptorium em que foi copiado o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, por volta de 1525-6. Esse manuscrito é conhecido pelas abreviaturas V ou CV. Encontra-se atualmente na Biblioteca Vaticana, para onde foi levado em 1558 (Ferrari, 1993b, p.123). Seu número de cota, nessa Biblioteca, é Vat. Lat. 4803.

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Ao contrário de B, o manuscrito foi transcrito por um único copista, com tinta sépia bastante corrosiva – o que torna o manuscrito de difícil leitura, pois, em muitos pontos, a tinta “vaza” do recto para o verso (e vice-versa); o tipo de letra adotada é a cursiva humanística (Ferrari, 1993b, p.124). Ao contrário de Ferrari, Cintra (1973, p.VIII), no estudo que antecede a edição fac-similada de V, considera que o manuscrito foi produzido por duas mãos: a que escreveu as poesias e a das rubricas e anotações que se seguem às poesias. Segundo Ferrari (1993b, p.124): O códice é constituído por 210 fls. de papel de 300x200 mm (protegidos por fólios de guarda), numerados por Colocci de 1 a 10 (esta numeração foi depois riscada) e em seguida, de novo, de 1 a 200 (mas entre as duas numerações o texto continua sem interrupção); mais 18 fls. não numerados e em branco. Estes fólios não numerados e brancos estão actualmente deslocados como segue: três no início, um entre o f. 10 da numeração riscada (a seguir, acompanhada de ápice) e o f. 01 e catorze no fim. Note-se, no entanto, que a posição dos primeiros três fólios brancos se deve a uma transferência ocorrida por ocasião do restauro do códice em 1877: os dois fólios que actualmente são os primeiros estavam de facto colocados entre os fls. 2’ e 3’, e assim estão, como é óbvio, na edição fac-similada de 1973. Por ocasião do mesmo restauro foi dada ao códice uma foliação mecânica que, incluindo também os fólios não numerados, vai de 1 a 228: duas intervenções mais que inoportunas, na medida em que se modificou a estrutura de um códice e se a tornou definitiva com uma imprevidente numeração irreversível, sem antes se ter esclarecido qual teria sido a sua estrutura originária, nesta zona particularmente problemática (por exemplo, por que motivo o fólio branco e não numerado entre 10’ e 1 ficou no seu lugar?).

Os textos que o Cancioneiro transmite são em grande parte os mesmos de B, no que diz respeito à sucessão dos textos, às atribuições aos autores e à lição (Ferrari, 1993b, p.124). Entretanto, a quantidade de textos de B é muito superior à de V: enquanto B tem cerca de 1700 cantigas, V traz apenas por volta de 1200 composições. A lacuna principal é a inicial, que priva o códice de 390 cantigas (presentes em B). Por conta de o copista de V ser mais atento ao aspecto estético do que à fidelidade (por exemplo, “perante textos ilegíveis, enquanto os copistas de B tentam decifrar o texto,

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e portanto deixam espaço branco a indicar a lacuna, este normalmente passa à frente sem assinalar o problema, obtendo, como é óbvio, uma cópia mais limpa”), Ferrari (1993b, p.125) reconhece em V um “valor filológico” inferior a B. Talvez por essas razões, ou talvez pelo fato de ser atualmente dos três o cancioneiro que conta com a edição fac-similada menos acessível, V tem recebido, nos últimos tempos, menos atenção do que os outros dois cancioneiros remanescentes.

Figura 1.3. V1040. Cantiga de escárnio de D. Pedro de Portugal, conde de Barcelos e rubricas explicativa e atributiva. Cancioneiro Português da Biblioteca Vaticana (Cód. 4803). Reprodução fac-similada com introdução de L. F. Lindley Cintra. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos/Instituto de Alta Cultura, 1973. p.365.

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Além desses três cancioneiros, esta pesquisa se beneficiou também de edições fac-similadas de duas folhas volantes: os Pergaminhos Vindel e Sharrer. Até onde se sabe, o Pergaminho Vindel é o único testemunho remanescente de músicas de cantigas de amigo, contendo textos de sete cantigas de amigo de Martim Codax, acompanhadas da respectiva música (com exceção de uma, para a qual só há a anotação do texto). Segundo Cunha (1986, p.IX), foi escrito provavelmente em fins do século XIII ou princípios do XIV. Ferreira (1986, p.73) estreita esta datação para o último terço do século XIII, o que faz desse manuscrito um apógrafo contemporâneo ou pouco posterior ao autor das cantigas que inclui, “o que torna o seu testemunho particularmente valioso para o estudo da lírica trovadoresca”. Foi descoberto pelo livreiro madrilenho Pedro Vindel (de quem deriva a sua denominação) em 1915, encapando uma outra obra (um De Officiis, de Cícero). Encontra-se atualmente na Pierpont Morgan Library, em Nova York (cota M 979) e é conhecido pelas abreviaturas N ou PV.

Figura 1.4. N5. Cantiga de amigo de Martim Codax, Quantas sabedes amar, amigo. Reprodução do fac-símile em: Monteagudo, Henrique. Martín Codax – cantigas. 2.ed. Vigo: Galaxia, 1998.

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O Pergaminho apresenta particularidades paleográficas próximas das observadas no Cancioneiro da Ajuda e nos códices das Cantigas de Santa Maria (Ferreira, 1993, p.536); entretanto, diferencia-se bastante dos cancioneiros italianos copiados a mando de Colocci, quanto à ortografia, à utilização do ponto de marcação do final dos versos, à separação vocabular e à transcrição do refrão (Cunha, 1956, p.25). Trata-se de uma folha volante, cujas dimensões aproximadas rondam os 34 (altura) e 45 (largura) cm – cf. Ferreira (1986, p.65). A letra usada no pergaminho é gótica redonda, típica da segunda metade do século XIII (cf. Ferreira, 1986, p.71). O texto está escrito em preto, apresentando iniciais de dois tamanhos, alternando as cores azul e vermelha. Os pentagramas aparecem em tinta vermelha. Aparecem, ao todo, três mãos, segundo Ferreira (1993, p.536): o texto da última cantiga foi copiado por uma mão diferente da que copiou as demais – provavelmente a que anotou a melodia correspondente à das cantigas I, IV e V –, enquanto a música das cantigas II e III teria sido anotada por um terceiro escriba. O Pergaminho Sharrer, conhecido pela abreviatura D, é um fólio mutilado e muito danificado da última década do século XIII ou, talvez, dos primeiros anos do século XIV, que foi descoberto por Harvey Sharrer (de quem recebe o seu nome) em 2 de julho de 1990, nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (ANTT). Assim como o Pergaminho Vindel, o Sharrer também servia de capa a outro livro, um registro de documentos notariais de Lisboa. Atualmente, continua na Torre do Tombo. Em termos de conteúdo, contém fragmentos de sete cantigas de amor de D. Dinis, que se apresentam na mesma ordem em que aparecem em B e V (e em uma versão muito próxima à desses cancioneiros), acompanhadas da música. Isso dá a esse manuscrito uma importância ímpar, uma vez que é o único manuscrito de data medieval da obra de D. Dinis, e também o único a conservar (mesmo que parcialmente, devido ao estado de deterioração do manuscrito) a música de cantigas de amor, além de ser o único a conservar melodias de cantigas portuguesas (Ferreira, 1991, p.35), uma vez que Martim Codax (cujas cantigas de amigo estão preservadas, em texto e música, no Pergaminho Vindel) era de origem galega.12 12 Para um estudo da notação musical presente no Pergaminho Sharrer, remetemos o leitor ao trabalho de Ferreira (1991, 2005).

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Figura 1.5. Slide do Pergaminho Sharrer, contendo sete cantigas de amor de D. Dinis, com respectiva notação musical (recto). Arquivos Nacionais Torre do Tombo, Lisboa, 1996.

Sharrer (1993, p.534) considera o pergaminho uma folha extraviada de um livro mais avantajado, talvez produzido no scriptorium régio de D. Dinis. No estado atual, como folha avulsa, mede 455 × 271 mm e traz os textos poéticos e a música anotados em três colunas. As letras iniciais e

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capitais são alternadas em azul e vermelho, e uma filigrana modesta ornamenta as capitais das primeiras estrofes (Sharrer, 1991, p.16). Todos os estilos caligráficos que aparecem no manuscrito são góticos (Sharrer, 1993, p.535). Há também anotações feitas por outra mão, posterior, do século XIV, e anotações bem posteriores (de quando o pergaminho já se tornara capa do livro notarial), do século XVI (Guerra, 1991, p.33).

1.1.2 Gêneros das cantigas profanas Os três gêneros canônicos cultivados pelos trovadores galego-portugueses (as cantigas de amor, de amigo e de escárnio e maldizer), como foi visto, são a base da compilação inicial que deu origem aos cancioneiros remanescentes, aparecendo como gêneros bem delimitados na Arte de trovar ou Poética fragmentária, tratado poético incompleto que sobreviveu nas páginas iniciais do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa. Entretanto, de acordo com Sodré (2010, p.99), “por mais que a Arte de trovar nos aponte gêneros [...] e recursos formais [...], ele [o manuscrito] ainda não é suficiente, embora seja fundamental – dada a ausência de congêneres galego-portugueses –, para esclarecer uma série de dúvidas que ainda hoje arranham as hipóteses dos investigadores”. Tradicionalmente, considera-se que o gênero de amor é o que mais se aproxima da matriz provençal, que teria sido levada a Galiza pelos trovadores galego-portugueses. Pelas próprias trovas que compuseram, é possível perceber que os trovadores portugueses não eram somente grandes conhecedores da escola de Provença, como também assumiam essa influência. Os versos a seguir, de D. Dinis, afirmam a fonte provençal da qual teria bebido o rei português: Quer’eu em maneira de proençal fazer agora um cantar d’amor (B520, V123)13 Proençaes soen mui ben trobar e dizen eles que é con amor (B524b, V127)14

13 Na versão de Lang (2010, p.225). 14 Na versão de Arias Freixedo (2003, p.375).

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Nunes (1973, v.I, p.83) adverte, entretanto, que não se deve considerar que tudo o que nos foi transmitido pelos Cancioneiros seja decalcado sobre modelos provençais. Sua opinião deriva do fato de poderem ser observados três tipos de cantigas de amor nos Cancioneiros remanescentes (cf. Nunes, 1973, v.I, p.86): [...] as primeiras [...] ou de mestria são de pura convenção, imitadas das provençais, e, para me servir da obra de Anglade, deixando ver, como elas, na sua “concepção, original sem dúvida, alguma coisa de factício e de artificial, pouco conforme com a realidade”; nas segundas essa imitação já é menos servil; as terceiras são rigorosamente nacionais, isto é, feitas sobre modelos populares.

Para Michaëlis de Vasconcelos (1904, p.751-2), não se pode considerar que a “imitação” dos padrões provençais pelos trovadores galego-portugueses teria sido feita de natureza “servil”: Do conhecimento e da imitação propositada da obra tanto de troveiros como de trovadores, flagrante no conjunto, na parte technica e na mira ideal, nunca resultaram decalcos servis. Não ha producções gallaïcoportuguesas que possamos derivar inteiras de outras determinadas de trovadores ou troveiros. Ha, isso sim, concordancias de expressões, vocabulos, artificios metricos, motivos, generos, trechos soltos, ideias, espirito; ou digamos dos logares communs que formam a trama e urdidura da lyrica medieval toda, provençal e francesa. Em numero tal que a obra dos poetas peninsulares se compõe d’ellas e resume n’ellas.

Com relação à influência provençal, é importante considerar, também, a diferente concepção de autoria do homem medieval. Assim, conforme mostra Cunha (2004, p.42), “na Idade Média, [...] a individualidade do artista mais se exercia na variação do transmitido do que na criação integral”, sendo que o ideal literário se pautava “no perfeito domínio da técnica comum: o poeta seria tanto melhor quanto maior virtude canônica revelasse no uso dos processos, conteúdos e formas correntes”. A literatura especializada tem mostrado que há todo um rígido formalismo sentimental ligado ao gênero de amor. Nessas cantigas, o trovador se

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dirige diretamente à dama amada, sua “senhor”, seguindo um “modelo” central que se resume, segundo Mongelli (2009, p.XXVI), ao paradoxo “meu bem é meu mal”. Ceschin (2004, p.296) mostra que o uso da palavra “senhor” constitui, nesse gênero de cantiga, “uma referência na linguagem artística, espécie de ‘palavra-chave’ que denunciava com sua simples menção o desencadear de um ato poético-musical”. Para Spina, (1991[1956], p.25), nas cantigas de amor, o trovador demonstra uma submissão absoluta à sua dama, representada por uma vassalagem humilde e paciente, na promessa de honrá-la e servi-la com fidelidade. O uso do senhal (imagem ou pseudônimo poético com que o trovador oculta o nome da mulher amada) é um recurso recorrente, ao lado da mesura, prudência, moderação, a fim de não abalar a reputação da dama (pretz). Segundo Lanciani (1993, p.137), a cantiga de amor se apresenta em geral estruturada em três ou quatro estrofes de sete versos, decassílabos, octossílabos ou heptassílabos, sendo muitas vezes arrematadas pela fiinda, remate temático e métrico presente em algumas cantigas. Ocorrem também cantigas de atá-fiinda, nas quais o discurso ultrapassa os limites estróficos para se desenvolver ininterruptamente do primeiro verso da primeira estrofe até ao último verso da fiinda. Além disso, não faltam neste gênero exemplos de cantigas de refrão, com estrofes de quatro ou cinco versos seguidas por um refrão de um, dois ou três versos. As cantigas de amor e de amigo diferenciam-se não apenas em relação à sua forma, mas também quanto ao assunto de que tratam. Infelizmente, com relação ao assunto, foram perdidas as definições das cantigas de amor e de amigo que constaram provavelmente da primeira e da segunda partes e do io, iio e iiio capítulos da terceira parte da Poética fragmentária (cf. Michaëlis de Vasconcelos, 1912-3, e Spina, 1991) – ou a Arte de trovar (cf. Spina, 1991 e Tavani, 1993) – que precede as cantigas do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa. Resta, entretanto, uma diferenciação entre elas, citada no capítulo iiijo da terceira parte da Poética, baseada na pessoa que fala primeiro na cantiga (se o namorado ou a amiga): E, porque algũas cantigas hy ha en que falam eles e elas, outrosy porem he bem de entenderdes se som d’amor, se d’amigo, porque sabede que, se eles falam na prim[eir]a cobra e elas na outra, [he cantiga d’]amor porque se move a rrazom dela, como vos ante dissemos, e, se elas falam na primeira cobra, he

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outrosy d’amigo, e, se ambos falam em hũa cobra, outrosy he segundo qual d’eles fala na cobra primeiro.15

Desde cedo os investigadores perceberam que essa distinção era observada pelos próprios Cancioneiros, no que diz respeito à sua organização geral (cf. Oliveira, 1994), não sendo, no entanto, tão rigorosa que não deixasse de ser transgredida; dessa forma, o critério mais utilizado para a definição tipológica dos cantares passou a ser o assunto abordado. Segundo o Quadro geral de Oliveira (1994, p.295), as cantigas de amigo, em termos estatísticos, correspondem ao tipo de cantiga profana do qual se tem mais registro, o que revela a importância do culto dos trovadores a este gênero. Segundo Spina (1991, p.44), as cantigas de amigo são mais comprometidas com a música e com a dança, sendo que a diferença principal, com relação aos cantares de amor, é o fato de que, basicamente, é a dama quem fala. Com relação ao assunto abordado e à maneira de abordagem, são muito mais variadas do que as de amor, podendo comportar seis categorias (cf. Spina, 1991, p.79): o cantar d’amigo exclusivamente amoroso (em que a donzela nos narra a separação do namorado e as circunstâncias acessórias dessa partida); o cantar de romaria (em que a donzela convida companheiras, a irmã ou a própria mãe para uma peregrinação a santuários); a alva (ou alba) (cujo tema típico é o da separação dos amantes ao amanhecer, depois de um desfruto amoroso durante a noite); a pastorela (que versa normalmente os temas de encontro entre cavaleiros e pastoras que são por eles requestadas de amor); as bailadas (que traduzem as manifestações coreográficas das populações primitivas, versando sobre os temas da dança e das circunstâncias sentimentais que ela pode suscitar); as marinhas ou barcarolas (a versarem temas de amor envolvidos por sugestões e circunstâncias da vida do mar). Os investigadores também são unânimes em considerar as cantigas de amigo mais populares e nacionais, quando comparadas aos cantares de amor. O paralelelismo cultivado pelos trovadores especialmente neste gênero de cantigas talvez possa ser apontado como o principal responsável por esse julgamento, uma vez que a esse formato são atribuídas características

15 Na interpretação de Nunes (1973, v.I, p.1). Ver, também, Machado e Machado (1949, p.15) e Pimpão (1942, p.27). A edição mais recente, acompanhada de fac-símile, é de Tavani (2002) – nessa edição, o trecho focalizado encontra-se na p.41.

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nacionais, genuinamente galego-portuguesas, autóctones e não importadas de Provença: o paralelismo é “característica da cantiga d’amigo na sua forma original, quase autóctone” (Spina, 1991, p.392). Veja-se, por exemplo, a comparação que faz Lapa (1960, p.11), entre os cantares de amor e de amigo, a respeito da influência provençal: As primeiras cantigas que se compuseram denunciam logo, no tema e na forma versificatória, a influência do lirismo provençal. Havia contudo em Portugal e na Galiza uma forte tradição de poesia lírica popular, velhos temas que celebravam as fontes, os rios, o mar, as romarias, as danças primaveris, a despedida dos namorados ao romper da alva, etc. Essas cantigas eram bailadas, geralmente a dois coros, de modo que a sua forma estrófica era paralelística e consistia num repetir dos mesmos versos, com variantes no fim. Que fizeram os nossos trovadores? Cultivaram embora a canção ao modo provençal, quase com tôdas as complicações do amor cortês; mas tomaram também êsses temas e essas formas populares e compuseram com êles belíssimas cantigas.

Para Nunes (1973, v.I, p.3-4), as cantigas de amigo “mostram cunho popular que não têm as de amor, as quais se apresentam, na sua quási totalidade, como decalcadas sôbre um e mesmo modelo”, revelando, portanto, mais variedade. Segundo o Quadro geral de Oliveira (1994, p.295), as cantigas de amigo, em termos estatísticos, correspondem ao tipo de cantiga profana do qual se tem mais registro, o que revela a importância do culto dos trovadores a este gênero. Por fim, sob o rótulo de cantigas de escárnio e maldizer, estão reunidas não apenas as sátiras morais e políticas, as sátiras literárias ou as maledicências pessoais, como também prantos,16 tenções17 e paródias. Desta forma, Tavani (1993, p.138) afirma, a partir do próprio critério de distribuição adotado pelos organizadores das antologias medievais, que o grupo de cantigas desse gênero deve ser definido mais propriamente “a negativo”, ou 16 “Gênero lírico medieval galego-português, derivado do provençal planh ou planch, do latim plancto, forma de expressão elegíaca tradicional por ocasião da morte duma pessoa de alta sociedade, e que muitas vezes é protector do poeta.” (Jensen, 1993, p.562) 17 Gênero de cantiga em que dois trovadores dialogam sobre um assunto em relação ao qual têm opiniões opostas (cf. Gonçalves, 1993).

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seja, um “conjunto indiferenciado de todas as poesias galego-portuguesas que não pertencem aos outros dois géneros principais”. Braga (1945, p.XXIII-IV) compara o assunto das cantigas de escárnio e maldizer ao das cantigas de amor: Diametralmente opostos aos versos eróticos, em que os poetas delicadamente divinizam a amada, estão as Cantigas de escarnho e maldizer em que pretendem matar de riso, às gargalhadas: – sátiras violentas, de realismo brutal, verdadeiras exposições de torpêsas e aleijões morais e físicos: a crónica escandalosa da côrte e dos acompanhamentos, patenteada com bárbara sem-cerimónia.

A Arte de trovar que serve de introdução a B considera as cantigas de escárnio e maldizer como dois tipos diferentes, embora, nos dois casos, as cantigas sejam feitas para dizer mal d’alguém. A diferença residiria em como isso era feito, de maneira coberta ou descoberta, isto é, se a cantiga podia ter duas interpretações, uma difamatória e outra não – dois entendimentos –, ou se a cantiga falava mal diretamente de alguém, sem procurar disfarçar a difamação. “Em última instância, trata-se de falar ou não por metáforas” (Mongelli, 2009, p.186). No primeiro caso, tem-se a cantiga de escárnio; no segundo, a de maldizer. Cantigas descarneo som aquelas que os trobatores fazen querendo dizer mal dalgue com elas e dizlho por palavras cubertas que aiã doys entendymentos para lhelo nõ entenderen.18 Cantigas de mal dizer son aquela[s] que fazen os trobatores mais descubertamente; en elas entran palauras que queren dizer mal e non aver[an] outro entendimento senon aquel que querem dizer chaãmen[te] e outrossy as todos fazen dizer mais.19

Até pelo fato de alguns dos tipos de cantigas de escárnio e maldizer serem compostos a partir de modelos provençais (como o pranto, por exem-

18 Interpretação minha. A única diferença com relação à ortografia original de B é o desenvolvimento das abreviaturas. Para uma edição semidiplomática, ver Tavani (2002, p.42). 19 Interpretação de Machado e Machado (1949, p.16-7).

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plo), e por usarem recursos como o das “palavras cobertas” (isto é, o falar não direto, metafórico), em termos formais, não se configuravam como tão populares quanto as de amigo. De acordo com a Arte de trovar, podiam ser tanto de mestria quanto de refrão (“Estas cantigas se pode fazer outrosy de meestria ou de rrefrã”20); as que optavam por um formato tipo “de mestria” assemelhavam-se muito mais, na métrica, às cantigas de amor do que às de amigo.

1.2 Cantigas religiosas As Cantigas de Santa Maria (de agora em diante, CSM) do Rei Afonso X de Castela, o Rei Sábio (1221-1284), são uma coleção de 420 cantares21 em louvor da Virgem Maria22 – um monumento literário, musical e artístico da mais elevada importância (Parkinson, 1998a, p.179), o cancioneiro em louvor da Virgem Maria mais rico da Idade Média (Mettmann, 1986, p.7; Bertolucci Pizzorusso, 1993a, p.142), “de longe a maior e mais rica coleção produzida nos vernáculos românicos da Idade Média” (Leão, 2007, p.21); o repertório musical mais importante da Europa no que se refere à lírica medieval (Anglés, 1964). Na opinião de Ferreira (1994, p.58), do ponto de vista musical, a coleção das CSM é especialmente notável entre a documentação remanescente de música medieval monódica, por duas razões: 20 Interpretação minha. 21 Descontadas as repetidas – cf. Mettmann (1986, p.7 e 24), Parkinson (1998a, p.179) e Bertolucci Pizzorusso (1993a, p.142). 22 Segundo Leão (2007, p.82-3), “o culto da Virgem, que é a própria razão-de-ser da poesia religiosa do Rei-Sábio, praticamente não se encontra na poesia trovadoresca profana. Nesta, [...] os santos que aparecem são outros: San Servando, San Simeon, San Clemenço, Santa Cecília, Santa Marta, San Bernardo, San Mamede, San Simeon de Val de Prados, além do celebrado padroeiro mesmo Santiago [...]. Na verdade, trata-se, na quase totalidade das ocorrências, de uma presença apenas nominal, em que o nome do santo é lembrado para identificar uma simples ermida ou um centro de romaria. Não há nada aí que se compare ao louvor sistemático de Santa Maria, tema constante da poesia religiosa afonsina. Não obstante serem as cantigas profanas e as sagradas contemporâneas, parece que as primeiras nos remetem ao universo da arte românica, em que ermidas e igrejas se dedicam ao culto de vários santos em todo o ocidente europeu, enquanto as últimas parecem lembrar o universo da arte gótica, em que, para celebrar Santa Maria, catedrais e igrejas se erguem, no mesmo Ocidente europeu [...].” A respeito das CSM como representantes de um “estilo gótico na lírica ibérica medieval”, ver Castro (2006).

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a) representa vinte anos de investimento centralizado de composição e edição e b) usa dois sistemas notacionais semimensurais originais. Para louvar a Virgem, segundo Mongelli (2009, p.283-4), “atento às diretrizes culturais e religiosas de seu tempo e num feliz casamento, Afonso X submete o culto mariano em ascensão no século XII, sob a forma de intervenção de Maria na vida dos homens, à retórica dos apaixonados fiéis, sucumbidos às vicissitudes de Amor”. Nas diversas edições que tiveram, e nas referências internas com relação à autoria que constam dos manuscritos, as CSM sempre aparecem atribuídas no conjunto à lavra de Afonso X, em pessoa. Por esse motivo, pode parecer estranho, mesmo sem o ser, formular a pergunta: “Quem foi o autor das Cantigas de Santa Maria de Afonso X?” (como bem mostra Parkinson, 1998a, p.181). Por um lado, é realmente difícil de acreditar, dada a vasta dimensão e a incomensurável qualidade artística (literária e musical) da coleção, que o Rei fosse pessoalmente o autor de todas as músicas e poemas das CSM. Além disso, o valor artístico desigual das cantigas aponta para uma multiplicidade de autores (Mettmann, 1986, p.14). Mas, por outro lado, como mostra Parkinson (1998a, p.183), a lógica indica que, embora seja impossível que o rei tenha composto todas as 420 cantigas, sendo ele próprio um poeta e estando empenhadíssimo na estruturação e na composição da obra, é improvável que não tenha composto algumas delas. Para Mettmann (1986, p.20), é mais provável que Afonso X tenha escrito apenas as cantigas em que fala na primeira pessoa de suas vivências, mas Fidalgo (2002, p.64) acredita que o rei não compôs nem essas, atendo-se ao papel de organizador, supervisor e revisor. Para ele (Mettmann, 1986, p.20), um poeta, de cuja identidade nada sabemos, mas que bem poderia ter sido Airas Nunes (hipótese que faz a partir de uma nota marginal à cantiga 23, em que aparece o nome do trovador – cf. Fidalgo, 2002, p.61), compôs um grande número das CSM, tendo atuado talvez também como coordenador da compilação da coleção. Mas, indiscutivelmente, Afonso X é o “autor” das CSM, no sentido de que é o “mestre de obras”, planejando, supervisionando e revisando, confiando o grosso da execução a seus colaboradores, “numa espécie de processo medieval de trabalho cooperativo, sob sua direção” (Leão, 2007, p.20). Assim, o projeto como um todo, dada a sua grandiosidade, implica a

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intervenção de várias pessoas, tanto no aspecto criativo dos textos poéticos, como na própria confecção dos manuscritos complexos que os contém (Parkinson, 1998a, p.186). Para Montoya Martínez (1999a, p.35),23 Alfonso X é indiscutivelmente o “autor” das CSM, dentro de um conceito “teológico” de autoria, no qual a ideia de autoria se assemelha muito à que tem a Igreja com relação à autoria divina da Bíblia, sendo Deus o autor principal do Livro, mas servindo-se de “autores secundários”, que propriamente o escrevem. Entretanto, o papel de Afonso X vai muito além do de organizador, segundo Castro (2006, p.190), uma vez que, “além de assumir um papel fora da obra criada, o papel de criador, o rei assume um papel como personagem dentro da obra”, falando de si tanto para o público terreno quanto para Santa Maria; desta forma, “o rei se manifesta e se apresenta como a persona trovador”.

Figura 1.6. Afonso X, entre seus colaboradores, na miniatura de abertura do Códice Escorial rico (T). Reproduzido de Álvarez (1987, lâmina VIII).

23 Nesse texto, Montoya Martínez reafirma a posição já expressa anteriormente em 1987 (p.373-4) e que mantém em Montoya Martínez (1999b, p.280-1). Filgueira Valverde (1985, p.XXVIII) e Snow (1999, p.160-1) também assumem esta concepção “teológica” de autoria.

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De qualquer forma, tendo sido Afonso X o autor de todas ou de apenas algumas das CSM, sua biografia é o fator crucial na datação dos poemas da coleção, sendo relevante apontar as datas de seu nascimento (1221, em Toledo) e morte (1284, em Sevilha). Seu reinado inicia-se em 1252, tendo sido rei até sua morte. Durante todo esse período, “sua figura está no centro da atividade poética ibérica do século XIII” (Bertolucci Pizzorusso, 1993b, p.37).

1.2.1 Fontes São quatro os códices contendo cantigas da coleção das CSM: dois deles pertencem à Biblioteca del Monasterio de El Escorial, na Espanha; o terceiro está conservado na Biblioteca Nacional de Madri; e o último pertence à Biblioteca Nazionale Centrale de Florença, Itália. As cotas desses manuscritos, bem como as siglas convencionalmente utilizadas para referência a eles são as seguintes (cf. Parkinson, 1998b, p.86, nota 3):24 E: El Escorial, Real Monasterio de san Lorenzo, MS B.I.2 (códice dos músicos); T: El Escorial, Real Monasterio de san Lorenzo, MS T.I.1 (códice rico ou códice das histórias); F: Firenze, Biblioteca Nazionale Centrale, Banco Rari, 20 (códice de Florença); To: Madrid, Biblioteca Nacional, MS 10.069. Segundo Parkinson (1998a, p.180), o menor e o mais antigo é o códice de Toledo (To); o mais rico em conteúdo artístico é o códice rico de El Escorial (T), que forma um conjunto (os chamados códices das histórias) com o manuscrito de Florença (F); e o mais completo é o códice dos músicos – El Escorial (E).25 Embora sejam todos os quatro manuscritos datados do final do século XIII, a época de sua confecção não coincide exatamente: To é considerado

24 Muito embora alguns autores demonstrem expressamente discordâncias quanto à adoção dessas siglas (cf. Wulstan, 2000, p.183, nota 2). 25 O ótimo quadro apresentado por Parkinson (1998a, p.180) evidencia as principais diferenças entre os quatro códices das CSM.

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um pouco anterior aos demais,26 enquanto F é por alguns considerado um pouco posterior. De qualquer forma, To é o único manuscrito que chegou até nós completo; T, F e E nunca chegaram a ser terminados (embora sua confecção tenha parado em momentos muito diferentes: em E falta apenas a notação musical de algumas cantigas finais, enquanto a confecção de F foi paralisada em um momento muito anterior) – cf. Schaffer (2000, p.207). Parkinson (2000b, p.271), no entanto, com base na presença das entradas do índice de T, conclui que esse manuscrito, em vez de inacabado, deve ser considerado danificado (faltam a ele as últimas cinco cantigas). Os especialistas costumam apontar 1275 como a provável data de término de To, enquanto a confecção de T, F e E é localizada por volta de 1280-4, os anos finais do reinado de Afonso X (Parkinson, 2000c, p.217).27 A diferença na datação dos quatro manuscritos remanescentes não deve ser considerada acidental: ela revela um processo de ampliação e evolução contínua da coleção (Parkinson, 1988, 1998a, 2000a; Schaffer, 2000). Portanto, para Schaffer (2000, p.186-7), cada manuscrito deve ser visto de duas maneiras: como uma entidade inteiramente coerente em si mesmo e, ao mesmo tempo, na sua relação com os outros; e é essa relação que revela a evolução do projeto afonsino com relação à compilação das CSM: These four Alfonsine manuscripts are not copies of a single exemplar or of a single work. On the contrary, each manuscript or version represents a particular perspective, vision or project. At the level of text, they document the reconceptualization of a poetic collection, the gradual development of a macrotext, key processes of recompiling and repurposing songs, and successive phases of poetic revision and refinement. At the level of codex, they record the intense collaboration of patron, poets, musicians and artists, subtly revealing decision-making processes necessary to increasing complex design.28 26 Anglés (1964), Mettmann (1986, p.24) e Torres (1987, p.117) são vozes discordantes a este respeito. 27 Ferreira (1994, p.72) afirma que é razoável propor que T foi copiado no começo da década de 1280; F, depois da morte de Afonso X em 1284, enquanto E teria sido iniciado antes de 1284 e terminado depois desse ano. 28 “Os quatro manuscritos afonsinos não são cópias de um exemplar único de um trabalho singular. Ao contrário, cada manuscrito ou versão representa uma perspectiva, visão ou projeto particular. No nível do texto, eles documentam a reconceptualização de uma coleção poética, o desenvolvimento gradual de um macrotexto, processos chaves de recompilação

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Segundo a maior parte dos especialistas, o que subjaz à evolução da coleção das CSM é provavelmente a ideia de “dobrar” a coleção inicial e, a partir daí, a anterior (de cem a duzentas cantigas e, destas, a quatrocentas), sucessivamente incorporando seu predecessor menor na totalidade (Schaffer, 2000, p.187). Assim, a coleção inicial teria cem poemas,29 correspondendo a To (sendo este ora considerado a compilação original – ver Schaffer, 2000; Parkinson, 1988; 2000a –, ora como uma cópia desta – ver Mettmann, 1986; Torres, 1987; Schaffer, 1995; Wulstan, 2000). Segundo Parkinson (1998a, p.187): Esta colección foi estructurada en grupos de dez (sendo cada décima cantiga unha de loor, relacionada esta estructura co modelo do rosario30) establecendo así un principio básico de organización de todos os manuscritos. En rigor, esta primeira colección consta de 103 cantigas, pois hai dúas cantigas prologais e unha petiçon final; das cales a primeira e a última fan referencia explícita ó feito de o cancioneiro central constar de cen cantigas.

Evidências apresentadas por Mettmann (1986) e Parkinson (1988) sugerem fortemente que T provavelmente começou sua vida como uma coleção fechada de duzentas cantigas (o dobro de To). Em algum ponto posterior no tempo, uma decisão foi tomada no sentido de expandir a coleção de T: um segundo volume, justamente F, teria sido preparado, para conter mais duzentas cantigas (o que dá o dobro do volume inicial T) – ver Schaffer (2000, p.188). Porque essa decisão teria sido tomada já em um momento tardio na vida do monarca, e porque a execução dos códices de las historias é extremamente complicada e demorada (dadas as dimensões de sua qualidade artística e musical), um novo projeto foi concebido, mais modesto em termos de iluminuras, em um único volume, capaz de conter a coleção total de quatrocentas cantigas: E (o códice dos músicos).

e reproposição de canções, e fases sucessivas de revisão e refinamento poético. No nível do códice, eles registram a intensa colaboração de patrão, poetas, músicos e artistas, sutilmente revelando processos de tomadas de decisão necessários para ampliar o design complexo.” 29 Wulstan (2000, p.168 e 180) acredita que a coleção original conteria apenas cinquenta cantigas (as primeiras cinquenta constantes de To), ou talvez ainda menos (apenas quinze cantigas de loor). 30 A este respeito, ver Parkinson (1988, p.92-3).

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Analisando a gênese de uma das cantigas de Castroxeriz, a 242, Parkinson (1998b, p.85) mostra como a preocupação com a quantidade operou bastante cedo na história das coleções da CSM, ou seja, no começo da expansão do códice rico de duzentas para quatrocentas cantigas. Parkinson mostra como, no nível textual, também escribas, e não somente talentosos poetas, estiveram envolvidos na elaboração e na expansão dos milagres coletados – o que acabou, no caso da cantiga analisada, gerando “duas cantigas ao preço de uma”, ou seja, duas cantigas muito parecidas e sobre o mesmo milagre: 242 e 249. Dessa forma, embora a produção de F constitua, em um sentido, uma continuação de T, em um outro, F representa um estágio bastante diferente na grande empreitada afonsina de compilação das CSM, um estágio no qual o vislumbre da conclusão estava presente desde o princípio, ficando a cada dia mais urgente (Parkinson, 1998b, p.86). A urgência do término seria também a responsável pela menor consistência do nível literário e pela menor variedade métrica da última centena de cantigas da coleção (Parkinson, 1998a, p.188). Dos manuscritos mais “tardios”, F ficou muito incompleto (sem música e com diversas lacunas); em compensação, E é quase completo, mas incorpora sete cantigas duplicadas e duas cantigas sem notação musical (Parkinson, 1998a, p.188). Isso faz de E o modelo “óbvio” para a sequência das cantigas, embora não necessariamente dê primazia textual a esse manuscrito (Parkinson, 1987, p.22). A evolução do projeto inicial ao final da coleção das CSM também pode ser sentida com relação ao conteúdo dos milagres retratados. Schaffer (2000, p.189-92) mostra que histórias de milagres marianos “internacionais”, ou seja, de tradição europeia, predominam no conjunto das primeiras cem CSM. A proporção dessas cantigas com relação às demais diminui drasticamente conforme se avança a cada grupo de cem cantigas. Contrariamente, a cada grupo de cem cantigas, a proporção de narrativas localizadas na Península Ibérica aumenta. E, no final, há um aumento considerável de focalização em eventos associados ao Rei Afonso X diretamente, ou a membros de sua corte ou de sua família.31 Por sua vez, Parkinson (2000a, p.148) concebe a evolução da coleção das CSM não apenas numericamente, mas artisticamente, porque não apenas a 31 A este respeito, ver também o quadro em Mettmann (1986, p.12).

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quantidade de cantigas foi aumentada de cem a quatrocentas, mas também houve um enriquecimento no projeto artístico. Similaridades e marcas evolutivas quanto ao conteúdo das miniaturas, ao layout das páginas e às imagens introdutórias são, ainda, aludidos por Schaffer (2000) como provas da evolução da coleção das CSM de cem a duzentas e, posteriormente, a quatrocentas cantigas. Ao final de todas as expansões, o total das CSM conhecidas é de 420. Esse total não corresponde diretamente a nenhum dos testemunhos completos dos códices sobreviventes (nem a E, o mais completo de todos). Parkinson (1998a, p.189-90) assim apresenta uma lista do repertório completo das CSM (os números das cantigas correspondem aos da edição de Mettmann 1986, 1988, 1989): 2 cantigas iniciais: título e prólogo (Mettmann A/B) 2 cantigas finais: Pitiçon, Nembressete Maria (números 401-402 na edición de Mettmann) 40 cantigas de loor (das cales dúas se repiten nas cantigas de festas de E) 353 milagres (mais sete milagres en E que repiten outras cantigas) 11 cantigas das festas de Santa María (números 410-422 na edición de Mettmann) mais dúas repetidas 7 cantigas de milagre de To e F qure non foran incluídas en E (números 403409 da edición de Mettmann) 5 cantigas de festas de Xesucristo de To, que non foron incluídas noutros manuscritos (números 423-427 da edición de Mettmann)

Toma-se normalmente esse repertório como um conjunto de cantigas organizadas de dez em dez, nas quais as primeiras nove contam milagres ocorridos por intercessão da Virgem e a décima, identificada por um tipo diferente de rubrica (e por uma miniatura especial, em E), configura um louvor a Santa Maria. Segundo Mettmann (1986, p.13), a estrutura dos poemas narrativos (milagres) se conserva, com poucas exceções, invariável, e a predominância da forma de virelai em mais de 90% dos poemas contribui para esta uniformidade. O estribilho (= refrão) inicial, peça essencial para a ordenação temática das cantigas para Fidalgo (2002, p.101), repetido depois de cada

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estrofe, apresenta a ideia principal, a “lição” que se quer passar.32 Para Mongelli (2009, p.285), o refrão das CSM “contém o sentido moral do relato e dele deriva, como uma conclusão a priori”. Normalmente a primeira estrofe (e, em alguns casos, a segunda ou até mesmo a terceira), traz indicações mais ou menos concretas sobre o tempo e o espaço da narrativa, e indicações vagas sobre a fonte na qual foi coletado o milagre (Mongelli, 2009, p.285). Também são nomeadas as personagens (pessoas que participam do milagre ou que o presenciam). Já entre as cantigas não narrativas (louvores), predominam os hinos, em que Maria é celebrada como auxiliadora, medianeira e procuradora (Mettmann, 1986, p.14-5). Para Schaffer (2000, p.186), a história completa das CSM tem que levar em consideração todos os quatro manuscritos remanescentes, porque eles têm características – e “virtudes” – próprias. Por exemplo: as histórias ibéricas e afonsinas presentes em E são raras em To e em T; o caráter enciclopédico de E não poderia jamais ser encontrado em To; E, T e F pintam retratos visuais de Afonso ×, mas To usa prólogos para expressar as visões e os desejos do rei com relação à própria coleção das CSM; e a riqueza musical e visual pretendida para F só pode ser vislumbrada porque os outros três manuscritos sobreviveram. O códice de Toledo tem 160 folhas de pergaminho, medindo 315 mm × 217 mm (espaço de texto: 225 mm × 151 mm), além das folhas de guarda; a letra é francesa, típica de códices do século XIII (Mettmann, 1986, p.25). Segundo Ferreira (1994, p.77), o manuscrito foi copiado por pelo menos cinco escribas; a música, porém, transcrita em pautas de cinco linhas (excepcionalmente, quatro ou seis), parece ter sido copiada por apenas uma pessoa (Ferreira, 1994, p.80). Para Schaffer (2000, p.207-8), To é o mais enigmático dos códices das CSM, porque, apesar de ser pequeno em dimensões, é sutil em execução, surpreendente na qualidade dos seus materiais, provocativo nos seus comentários marginais. Um cuidado bastante esmerado foi dedicado à cópia das cantigas e ao registro das epígrafes explicativas que as acompanham.

32 Ver, no entanto, Parkinson (1987), que mostra que “falsos refrões” foram introduzidos ainda na fase de cópia dos manuscritos, induzindo os editores a erro, na consideração da estrutura “real” de algumas cantigas.

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Figura 1.7. Início de To1 (CSM1). Cantigas de Santa María. Edición facsímile do Códice de Toledo (To). Biblioteca Nacional de Madri (Ms. 10.069). Vigo: Consello da Cultura Galega, Galaxia, 2003, fólio 9r.

Em To, excepcionalmente, a primeira cantiga é um louvor (“gênero” reservado às “décimas”), “ementando os vii goyos que ouve de seu filho” (Mettmann, 1986, p.56), Figura 1.7. As cantigas 50 e 100 também possuem um status diferenciado na coleção. A de número 50 é dedicada aos “sete pesares que viu Santa Maria do seu fillo” (To50; em Mettmann, 1986, 1988, 1989, corresponde ao número 403), em um jogo opositivo com a primeira. Por essa razão, alguns estudiosos creem que a primeira compilação dos milagres marianos era composta de cinquenta (e não cem) cantigas (cf. Wulstan, 2000, p.168). As rubricas explicativas de To dão conta de que o Rei teria decidido, após a transcrição das cem cantigas e da Pitiçon final, acrescentar

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à coleção inicial cinco cantigas de festas de Santa Maria. Depois dessas, foi também acrescentado um grupo de cinco cantigas de festas de Jesus Cristo e, finalmente, mais algumas cantigas de milagres.33 No total, To possui 128 cantigas (Ferreira, 1994, p.59). Schaffer (1995, p.66) aponta a importância ímpar de To, no que diz respeito aos prólogos das cantigas de festas, que sugerem a cronologia de um projeto, um traço que faz de To o mais explícito dos quatro manuscritos no que concerne à caracterização do papel de Afonso X e da história externa das compilações das CSM. To também teria uma importância ímpar, na opinião de Schaffer, por ser o manuscrito com o maior número e a maior variedade de notas marginais. Já em um artigo anterior, Schaffer (1990-1991, p.81) apontava a “primazia” de To com relação aos demais manuscritos das CSM no que diz respeito à redação mais “rica” das epígrafes. Embora muito provavelmente corresponda à primeira tentativa do scriptorium de Afonso X de compilar os milagres e os louvores marianos e não seja tão ricamente adornado como os demais (especialmente T e F), na opinião de Parkinson (2000a, p.133), a qualidade de To não deve ser subestimada como manuscrito. To é de menores dimensões, se comparado a E e a T/F (To tem 27 ou 29 linhas por coluna, ao passo que E normalmente tem 40 e T/F, 44), mas aloca mais espaço por linha do que E a várias cantigas (Parkinson, 2000a, p.134, traz um cálculo aproximado da quantidade de texto por linha em To e E). Ao contrário de T e F, To tem as letras iniciais decoradas, mas não iluminadas – ao estilo do que aparece em E, nas cantigas múltiplas de 10 (Parkinson, 2000a, p.134). A alternância de tinta preta e vermelha, nesse manuscrito, também parece servir a um propósito decorativo. À maneira do que ocorre nos índices de T e E, em To a troca das cores vermelha e preta ajuda a distinguir os dois componentes das entradas do índice, a rubrica (ou epígrafe) e o incipit (Parkinson, 2000a, p.134). Para Parkinson (2000a, p.134), em alguns sentidos, To é mais decorativo do que E, famoso pelas miniaturas retratando instrumentos musicais, porque faz uso extensivo de tintas vermelhas e azuis para o preenchimento de linhas nas quais o texto não alcança a margem direita da coluna. To adota a alternância de cores no preenchimento dos espaços das linhas de uma maneira mais conscientemente decorativa ao longo de todo o manuscrito. A 33 Algumas dessas cantigas de festas têm apenas To como fonte.

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função decorativa do preenchimento da linha é ressaltada pela alternância sistemática de cores em To, ao passo que, em E, ela é feita com a mesma cor adotada no texto, na forma de uma continuação deste. To não é menos ornado do que E no que diz respeito à decoração das iniciais, e, nesse quesito, tanto To quanto E são mais decorativos do que T/F, nos quais as iniciais são iluminadas, mas não ornadas. Parkinson (2000a) conclui o seu importante estudo sobre o layout de To, ponderando que os elementos decorativos desse manuscrito podem ser tomados como uma confirmação inicial da suposição de que To é um manuscrito “de qualidade” – e não uma cópia feita em condições desfavoráveis –, devendo ser considerado um “manuscrito nobre ou real”. T, o códice escorialense de cota MS T.I.1, é conhecido como códice rico, dada a riqueza do material com que foi feito, o cuidado e o capricho de suas notações musicais e das letras das cantigas e a riqueza e beleza das suas miniaturas. Torres (1987, p.119) o caracteriza como “a joia da miniatura europeia do século XIII”. Segundo Parkinson (2000b, p.245), recentemente, o rótulo códice rico tem sido estendido também a F, considerado a sua continuação, o seu “segundo volume”. Ambos estão registrados em letra gótica francesa, típica do final do século XIII (Aita, 1922, p.11; García Cuadrado, 1993, p.40, para F). T e F não correspondem em dimensões: as folhas de T medem 485 mm × 326 mm, ao passo que as de F, 456 mm × 326 mm (Aita, 1922, p.14);34 porém, desde o princípio, notou-se que as folhas de F foram cortadas posteriormente, já que a falta da numeração inferior das páginas dá indício disso (Aita, 1922, p.10). Apesar das diferenças nas dimensões, ambos utilizam a mesma área de texto (335 mm × 217 mm, segundo Parkinson, 2000b, p.246) – o que confirma, entre outras características, o caráter “gêmeo” dos dois códices. Em ambos os códices, a disposição dos textos e da notação musical das cantigas pode ser dividida nas mesmas partes em que aparecem em To e E: rubrica, pautas com a música e a letra de pelo menos o primeiro refrão e a primeira estrofe, e o restante do texto da cantiga (Parkinson, 2000b, p.247). A diferença de T/F com relação a E/To está, no entanto, na adoção de um layout muito mais complicado, que vislumbra a presença de miniaturas 34 García Cuadrado (1993, p.34), que elabora um extenso trabalho sobre F, fornece as seguintes medidas para as folhas desse códice: 445 mm de alto por 310 mm de ancho.

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como parte integrante de cada cantiga – o que não acontecia em E/To, em que os textos/músicas das cantigas se seguem uns aos outros, sem troca de página nem espaços demarcatórios intermediários. O profundo e cuidadoso trabalho de Parkinson (2000b, p.245-6) sobre o layout dos códices ricos dá conta da apresentação do complicado esquema de mise en page que aproxima T e F, distanciando-os de E e To: (a) com relação à ilustração: Cada cantiga é seguida de uma página inteira de miniaturas; as cantigas terminadas em 5 (as “quintas”, na terminologia de Parkinson) possuem duas páginas de miniaturas cada, uma no verso da página em que a cantiga está anotada e outra no recto adjacente. O conjunto de cantigas que vai das “sextas” (cantigas terminadas em 6) até a “quinta” seguinte constitui um “quintfold” – unidade sobre a qual se constrói o layout de T e F (Parkinson, 2000b, p.259); o que diferencia o layout dos códices ricos do de E, baseado no conjunto de dez cantigas que vai das “primeiras” até as “décimas” (= cantigas de loor). (b) com relação à integridade: A rubrica, o texto, a música e as miniaturas de uma mesma cantiga se restringem a um conjunto de páginas determinado e nunca há mais de uma cantiga anotada em cada página (ao contrário do que acontece em E/To). (c) quanto ao preenchimento das páginas: O espaço disponível é utilizado o mais completamente possível. (d) quanto às dimensões das páginas: Embora as dimensões dos dois códices ricos seja um pouco diferente (como visto anteriormente), o espaço útil é o mesmo. Parkinson (2000b, p.246) chama atenção para o fato de que as prosificações em Castelhano dos milagres das cantigas 2-25 em T são geralmente acreditadas como acréscimos posteriores. (e) quanto à quantidade de linhas por página: Em T e F, as páginas normalmente têm 44 linhas de texto. E normalmente tem 40 e To flutua entre 27 e 29. (f) distribuição da notação musical: As pautas musicais normalmente ocupam um espaço de 3 linhas. Baseado nas características de layout explicitadas anteriormente, Parkinson (2000b, p.261) chega a uma importante conclusão quanto à confecção

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de T e F, diretamente derivada da adoção desse “modo de fazer”: dada a reordenação das cantigas de To em T (Parkinson, 1988), visando à escolha das “quintas”, essas tinham que ser posicionadas antes de qualquer outra no conjunto de dez; por esse motivo, os números das cantigas tinham que ser assinalados posteriormente – o que pode ter levado a algumas “incorreções”.

Figura 1.8. T10 (CSM10). Códice Escorial rico (microfilme cedido pela Biblioteca Real Monasterio de San Lorenzo, El Escorial, MS T.I.1), fólio 9v.

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Segundo Parkinson (2000b, p.267), a diferença mais marcante entre os dois códices é o fato de F ser menos generoso no espaçamento do que T, o qual tende a colocar mais estrofes sob a notação musical, o que faz que a notação musical ocupe mais espaço do que a música, ao reservar um número maior de páginas a cantigas mais longas e ao usar formas mais generosas de estrofes, em oposição às formas mais “econômicas” de F. Por isso, ao contrário de F, T apresenta alguns problemas de “excesso” de espaço: algumas cantigas contêm linhas em branco e algumas outras repetem o refrão completo para “absorver” linhas não usadas (Parkinson, 2000b, p.269).

Figura 1.9. Miniaturas da CSM183, em T183. Códice Escorial rico (Biblioteca Real Monasterio de San Lorenzo, El Escorial, MS T.I.1). Reprodução de um cartão-postal adquirido no Museu de Faro, Portugal.

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Apesar dessas pequenas diferenças, que poderiam ser erroneamente interpretadas como contraevidência à concepção de T e F como códices-irmãos, Parkinson (2000b, p.269) considera que esses não são casos de adoção de diferentes layouts, mas resultado da falta de espaço em F, que forçou o organizador a “relaxar” um pouco os seus parâmetros, o que sugere que T e F estariam sendo produzidos ao mesmo tempo, e que o “pânico” que deixou F tão “bagunçado” começou enquanto as últimas cantigas de T ainda estavam sendo copiadas.

Figura 1.10. Cantiga F88 (CSM228). Códice de Florença (microfilme cedido pela Biblioteca Nazionale Centrale, Banco Rari, 20), fólio 112v.

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Aita (1922, p.11), ao descrever F,35 nos transmite a ideia da riqueza e da beleza dos códices ricos: No alto da pagina ha uma rubríca com o titulo da cantiga, que lhe explica o teôr. Cada cantiga começa sempre com o estribilho escripto por inteiro debaixo da pauta destinada ás notas musicaes, que não foram escriptas, e é ordinariamente assignalado por um ou dois versos depois de cada estrophe. Titulo e estribilho são sempre escriptos em tinta vermelha, as estrophes com tinta preta, e as iniciaes, alternativamente, em vermelho com frisos azues e em azul com frisos vermelhos. A maiuscula inicial do estribilho, no principio de cada cantiga é finamente miniaturada a côres diversas, com figura de animaes, muitas vezes passaros estranhos, de cabeça humana, e plantas estilizadas, taes como se encontram nos manuscriptos francêses e italianos da epoca. A parte superior da primeira folha r. é occupada por uma miniatura dividida em duas scenas, a qual representa o piedoso monarcha no acto de exhortar os fiéis ao culto da Virgem. A cada cantiga se seguem uma ou duas paginas delicadamente miniaturadas, divididas em seis quadrinhos que lhe illustram o teôr com clareza e minucia. Um friso de motivos geometricos, pintado a côres vivas, tendo nos angulos as armas de Léon e de Castella (isto é, o leão negro em campo branco e o castello doirado em campo vermelho), encerra os seis quadrinhos, separados verticalmente pelo mesmo friso. Em cima de cada quadrinho ha um espaço destinado ás legendas (muitas vezes ausentes) que lhe esclarecem o assumpto.

O outro códice escorialense, E, cota MS B.I.2, conhecido como códice dos músicos, é o mais completo dos quatro. É considerado por Anglés (1964) o códice princeps das cantigas religiosas de Afonso X. Contém todas as CSM conhecidas, excetuando-se apenas dez, que aparecem exclusivamente em To (cf. Torres, 1987, p.120). A ordem das primeiras duas centenas de cantigas de E corresponde à de T, com algumas exceções. Mas as duzentas últimas seguem uma ordem bastante diferente da de F. 35 García Cuadrado (1993, p.49-57) faz um estudo do esquema geral das miniaturas de F e de sua filiação estilística.

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Mettmann (1986, p.27) informa que o códice escorialense tem seis folhas de guarda, 361 de pergaminho avitelado e restos de outras três, provavelmente em branco, que foram cortadas ao fim do manuscrito. A altura de cada folha é de 402 milímetros, com largura de 274. O texto, escrito em duas colunas de 40 linhas cada uma, em letra francesa de códices do século XIII, mede 303 mm ou 309 mm por 198 mm, e a largura das colunas é de 92 milímetros.

Figura 1.11. Cantiga CSM 10. Códice dos músicos (Escorial), E10, fólio 39v. (Reproduzido de Anglés, 1964, 39v).

Logo após o primeiro fólio, que contém o selo da Biblioteca Escorialense, há, no segundo, uma epígrafe de letras góticas maiúsculas, alternadamente azuis e vermelhas, que traz a inscrição: Prólogo das cantigas das cinco festas de Sca Maria Primeyra (Mettmann, 1986, p.27). Abaixo da epígrafe, inicia-se a transcrição das cantigas de festas, antes mesmo do índice, que só se inicia no fólio 13, e que vai até o fólio 26. Os fólios 27 e 28 estão em branco.

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A transcrição do refrão inicial e da primeira estrofe das cantigas é acompanhada da notação musical. As demais estrofes e a indicação da repetição do refrão vêm a seguir. As letras capitais alternam-se entre azuis com adornos vermelhos e vermelhas com adornos azuis. Na parte superior do fólio 29 está a famosa miniatura do Rei Afonso X, rodeado de seus jograis, poetas e músicos.

Figura 1.12. Miniatura de abertura. Códice dos músicos (Escorial), fólio 29r. Reproduzido de Álvarez (1987, lâmina I).

O códice E apresenta um layout baseado em uma estrutura de dez cantigas, estabelecido a partir do realce das cantigas de louvor, correspondentes às “décimas” – diferente da de T/F, estabelecida a partir das “quintas” (Parkinson, 2000b, p.259). Esse “realce” das cantigas de louvor é dado pela presença de uma miniatura, encabeçando cada uma dessas cantigas, ou seja, de dez em dez. A partir do conteúdo da miniatura inicial e das miniaturas que encabeçam as cantigas de louvor em E, e sobre o fascínio que têm exercido desde sempre sobre músicos e amantes da música, Torres (1987, p.119-20) afirma que os instrumentos mostram impressionantes detalhes de realismo, mas não guardam uma relação particular com as cantigas cujo texto acompanham, nem há evidências de que indicam algum tipo de “instrumentalização” adequado a cantigas específicas. Por outro lado, parecem construir uma espécie de catálogo totalizador dos instrumentos da época.

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Figura 1.13. Miniaturas. Cantigas CSM250 e CSM 10. Códice dos músicos (Escorial), E250, fólio 227r, e E10, fólio 39v. Reproduzido de Álvarez (1987, lâminas V e I).

Segundo Ferreira (1994, p.66), E é linguisticamente menos confiável do que os outros manuscritos, principalmente por causa da divisão errônea de palavras galego-portuguesas e pela presença de um grande número de formas que denotam uma forte influência castelhana.

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SÍLABA

O principal objetivo deste capítulo é analisar a silabação do Português Arcaico, dando conta das estruturas silábicas possíveis e impossíveis nessa língua. Dessa forma, são apresentados os principais fatores geradores do padrão de silabação do PA, dentro de uma abordagem otimalista. A análise desenvolvida nesta seção restringe-se, no entanto, ao tratamento da silabação no que concerne aos fenômenos intravocabulares, embora processos intervocabulares, por exemplo os de sândi, estejam também diretamente relacionados ao assunto.1 Para tal, este capítulo se organiza em duas partes. A primeira centra-se na discussão das margens silábicas; em outras palavras, na estruturação dos onsets (ataques) e codas possíveis nessa língua. A segunda parte focaliza a estrutura do núcleo silábico, centrando a discussão nas possibilidades de resolução de encontros vocálicos em ditongos ou em hiatos. Essa segunda parte inclui, também, uma discussão a respeito da resolução de sequências de vogais nasais e orais. A constituição da sílaba no passado de nossa língua foi escolhida como o primeiro foco de atenção deste livro por ser ela o primeiro dos níveis prosódicos, dentro das abordagens dos modelos de Fonologia Prosódica – Selkirk (1980, 1984) e Nespor e Vogel (1986). Assumindo, pois, que a sílaba é o primeiro domínio prosódico a partir do qual as línguas organizam a sua fonologia, observa-se que as formas das sílabas variam de uma língua para outra e que a silabação é, dentro de cada língua, previsível. Dessa maneira, 1 Os processos de sândi vocálico externo no PA são objeto da análise desenvolvida no Capítulo 4.

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nesta seção, serão buscados os padrões de estruturação silábica do PA, que serão formalizados a partir do aparato fornecido pela Teoria da Otimalidade (TO). Como corpus principal da análise desenvolvida neste capítulo, consideram-se as seleções de cantigas profanas e religiosas descritas no Apêndice. Como fontes secundárias, foram consultados os glossários e vocabulários arrolados no Capítulo 2.

2.1 Distribuição dos segmentos na sílaba Em uma pesquisa elaborada dentro do Projeto “Fonologia do Português Arcaico” (realizada sob minha orientação), e com base no mesmo corpus de cem cantigas profanas aqui utilizado, acrescido das sete cantigas de amigo de Martim Codax presentes no Pergaminho Vindel e das sete cantigas de amor de D. Dinis do Pergaminho Sharrer, Biagioni (2002, p.87-8) pôde mapear dezessete tipos de sílabas fonéticas na língua das cantigas profanas galego-portuguesas:2 V (a-mi-go); CV (a-mi-go); CCV (fre-mo-sa); VV (eu); CVV ( foi); CVV (mha = miá); CVV (somente ditongos com QU-/GU-: gua-rir); CCVV (prey-to); VC (ve-er); CVC (a-mor); CVVC (mais); CVVC (somente ditongos com QU-/GU-: qual); CCVC (en-trar); VN (vi-ã); CVN (en-ten-di); CVVN (somente ditongos com QU-/ GU-: quan-do); CCVN (gran). A partir do levantamento quantitativo que efetuou, Biagioni (2002, p.88) observa que o tipo de sílaba mais comum em PA, ou seja, sua sílaba canônica, não por coincidência, é também o tipo de sílaba mais comum em todas as línguas do mundo, ou seja, CV. Isso porque esse é o tipo de sílaba ótima, segundo o Princípio do Contorno Obrigatório (cf. Odden, 1986), já que há a alternância entre consoantes e vogais, garantindo sempre elementos funcionalmente diferentes ao lado de um determinado segmento. Por outro lado, os tipos menos comuns envolvem sempre sílabas complexas, CCVN, CCVV, CVV. Já a sílaba mínima, em PA, como na maioria das

2 No esquema de Biagioni (2002), quando há ocorrência de ditongo, o núcleo é indicado em negrito. Além disso, Biagioni separa as sílabas travadas por nasal das sílabas travadas por outras consoantes.

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línguas do mundo, é composta por um elemento (V), mas há vários tipos de sílaba máxima, todos eles compostos por quatro elementos. A partir daí, Biagioni chega à conclusão de que o PA não pode ter mais do que quatro elementos na sílaba no nível fonético, embora sua distribuição possa variar. Depois de desenvolver um estudo de como cada uma dessas sílabas fonéticas deve ser interpretada no nível fonológico, abordando o fenômeno a partir dos modelos não lineares de Fonologia, Biagioni (2002, p.147) chega a um total de catorze tipos de sílabas possíveis no nível fonológico: V (a-mi-go); CV (a-mi-go; gua-rir); CCV ( fre-mo-sa); VV (eu); CVV (foi); CVV (mha/miá); CCVV (prey-to); VC (ve-er); CVC (a-mor; qual); CVVC (mais); CCVC (en-trar); VN (vi-ã); CVN (en-ten-di; quan-do); CCVN (gran). No entanto, se for entendido (ao contrário de Biagioni, mas seguindo a tradição dos estudos sobre o PB desde Câmara Jr., 1970) que as sílabas do tipo (C)VN podem ser consideradas como tendo um travamento nasal, então esse inventário fica reduzido a apenas onze: V; CV; CCV; VV; CVV; CVV; CCVV; VC; CVC; CVVC; CCVC.

2.1.1 O ataque silábico: onset Com relação à estruturação do ataque silábico, o onset, a análise do corpus mostrou que, a exemplo do que já ocorria em latim e do que ocorre até hoje no português, esse elemento silábico pode ser de dois tipos, em PA: simples (composto de um único elemento) ou complexo (composto de dois elementos). Em posição intervocálica, parece não haver restrições para a constituição de onsets simples em PA: todas as consoantes da língua podem figurar nessa posição – ver Quadro 2.1. Esse quadro mostra, também, que, em posição inicial de palavras, há algumas restrições que atuam na escolha da consoante do ataque: /ɲ/, /ʎ/ e /ɾ/ só configuram onsets simples em posição intervocálica.3

3 Como não é objetivo da presente pesquisa estabelecer as relações entre letras e sons com relação às grafias possíveis na lírica medieval galego-portuguesa, o Quadro 2.1 parte de informações coletadas em Mattos e Silva (1989), Maia (1986), Gonçalves e Ramos (1985), Toledo Neto (1996) e Pinheiro (2004). Também foram consultados Vasconcellos (1959), Coutinho (1954), Nunes (1969), Câmara Jr. (1985[1975]) e Cintra (1984).

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Quadro 2.1. Onset simples. Consoante

Grafema(s) correspondente(s)

p

p, pp

Exemplos per, padre, peor, perfia, poder, pois, Espanna, çapata, apparellados

b

b

bailar, bispo, belas, buscar, bõa, ambos, cabeça

t

t, tt

uistes, tal, tan, tirar, todavia, toller, tornar, noite, majestade, quanttas

d

d

ondas, delgado, dereito, dizer, dona, dar, dia, dulta

k

c, cc, qu, ch

coitado, candea, cobra, cuidar, pecados, peccados, queimar, que, casa, patriarcha, quitar, querer

ɡ

g, gu

kw

qu

guerra, vigo, gasalhado, gannar, gota, desguisado quando, quantas, qual

ɡw

gu, go

guardar, guarir, lingua, lingoa

f

f, ff, ph

fazer, ffazer, fiar, folia, festa, soffrer, sofrer, prophetando, prophetas, profetaron

v

v, u

cevada, uiuer, ueer, valer, ualia, vegada, uiir, viuva, uosco

ts ou ş(a)

ç, c

pareceu, precisson, coraçon, lança, çapata, çima, çego, conhoçuda

dz ou z̦ (b)

z

s

ss, x, s

fazia, juizo, sazon, razon, dizer, zarello sabedor, sair, sazon, seer, sinal, solaz, sofrer, canssada, assi, trouxe, Afonso, saia, precisson, Perssia, falsso, sse, ssũũ

z

s

ʃ, ʧ

ch, x (?), sch (?)

mesura, casa, fremosa

ʒ, ʤ

j, i, g, y (?)

m

m

mar, madre, maldizer, mentiral, mha, migo, morrer, mui, namorado, amor, amigo

n

n, nn

nunca, nacer, nada, namorado, nembrar, noite, Anna

ɲ

nn, nh

l

l, ll

levado, lazerado, lavrar, leal, liar, loado, falla

ʎ

ll, lh

mellor, fillar, moller, senlleira, melhor, molher, olhos, ollos

r

r, rr

ramo, razon, recado, reinha, ren/rren, riir, rogar, querria, morrer, onrra, rrica

ɾ

r

chamar, chave, crischãos, chus, chorar, chegar, xe, xi, Xerez, bischocos (?) magestade, majestade, ia, jazer, iazer, ya (?), gejũar, jograr, juizo

tenno, sennor, sonno, senhor, sanha

Maria, parecer, poren, marauilhado, paraiso

(a) Consoante fricativa predorsodental surda, segundo Mattos e Silva (1989, p.92). (b) Consoante fricativa predorsodental sonora, segundo Mattos e Silva (1989, p.92).

Para a compreensão das posições assumidas no Quadro 2.1, devem ser apresentados alguns esclarecimentos, já que nele foram tomadas algumas decisões com relação a questões polêmicas, que necessitam de alguma discussão.

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A oposição assumida no Quadro 2.1 entre [ş/z̦ ], por um lado, e [s/z], por outro, segue o quadro apresentado em Mattos e Silva (1989, p.92). Entretanto, para Ramos (1985, p.107), ao invés de corresponderem a fricativas predorsodentais, os grafemas e correspondem às africadas [ts, dz]. Concordam com essa posição Cardeira (2006, p.50) e Monteagudo (2008, p.159). Mattos e Silva (2008, p.553) revê seu posicionamento de 1989, afirmando que as predorsodentais são o desenvolvimento histórico das africadas. O Quadro 2.1 assume as consoantes labializadas [kw/ɡw] como parte do inventário de fonemas do PA. Isso quer dizer que essas consoantes têm status de consoantes comuns no que diz respeito à estrutura silábica, assumindo uma única posição no onset, que é simples. A decisão de considerar as sequências grafadas como QU-/GU- como consoantes labializadas no PA, quando não constituem dígrafos (isto é, quando o u é pronunciado, como nas palavras qual e água), baseia-se em evidências arroladas em trabalhos anteriores sobre o PA (Massini-Cagliari, 1999a, 2003a,b; Biagioni, 2002; Pinheiro, 2004, p.98-102), o PB (Câmara Jr., 1970) e o PE (Freitas, 2001). Em Massini-Cagliari (1999a), através de uma análise do ritmo do PA baseada na recorrência de troqueus moraicos, a hipótese de que a semivogal U ocupa a posição de núcleo não é válida, porque a semivogal nunca é determinante do peso das sílabas iniciadas por QU-/GU-. Se a semivogal fosse moraica, o acento mudaria de posição em algumas palavras do PA, por exemplo, em áugua>*auguá e, no português atual, ambíguo > *ambiguó. Isso prova que U não está presente na posição nuclear. Por esse motivo, foi possível encontrar no corpus sílabas iniciadas por GU- (e, portanto, contendo um ditongo crescente – fonético – formado pela semivogal U e pela vogal que a segue) em todas as posições da pauta acentual, enquanto ditongos decrescentes (ditongos “verdadeiros”, segundo a terminologia de Bisol, 1989), formados por duas vogais moraicas, atraem para si o acento, quando posicionados na última sílaba da palavra. Já a sequência QU- só foi constatada no corpus em posição tônica. O primeiro a propor que as sequências QU-/GU- em PB constituem consoantes complexas foi Câmara Jr. (1970), que as classificou como unidades monofonemáticas. Sua posição é assumida por Bisol (1989, p.216-7) e Silva (2001, p.151-2). Com base em um estudo de aquisição, mas com relação ao PB, Santos (2001, p.128 e 196) considera as sequências QU-/

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GU- como consoantes complexas. Seus dados mostram que a aquisição desses segmentos se dá depois da aquisição dos onsets complexos CCV (CCV: aos 2;0 para um sujeito e aos 2;2 para o outro; [kw/ɡw]: depois de 2;5 para um sujeito, e depois de 2;7 para o outro. Os ditongos são adquiridos aos 1;5 para os dois sujeitos – Santos, 2001, p.112-7). Outro esclarecimento necessário com relação ao Quadro 2.1 diz respeito ao status das consoantes /r/, /ʎ/ e /ɲ/, uma vez que alguns estudos recentes têm conferido a elas um caráter de geminadas (no nível fonológico, embora se comportem como consoantes de ataque simples, no nível fonético), no PA ou no PB. Também trabalhando como pesquisadora do Projeto “Fonologia do Português Arcaico”, Somenzari (2006) efetuou um mapeamento de todas as possibilidades de consoantes grafadas como duplas na escrita das cantigas medievais profanas galego-portuguesas, partindo da análise do mesmo conjunto de cem cantigas de amor e de amigo aqui considerado. Seu estudo concluiu que o recurso à grafia dupla para as consoantes não representa uma marca de geminação, em quase todos os casos. Somenzari (2006) atribui um status de consoante simples no nível fonológico a todas as ocorrências de , e . Somenzari também mapeou um único caso de representando o som de /l/, caso em que obviamente o grafema representa uma consoante simples, no nível fonológico. Esse dado, entretanto, foi considerado um provável erro de cópia, visto que todas as outras ocorrências do grafema estão relacionadas ao som /ʎ/ e não /l/. O único caso ao qual Somenzari (2006) indiscutivelmente atribui um status de geminada é o de intervocálico; as demais ocorrências de (no início de palavras ou no início de sílaba, depois de consoante – ex.: onrra) constituem consoantes simples, no nível fonológico. O argumento a favor dessa hipótese é baseado na variação da representação de uma mesma palavra, entre //, em uma mesma palavra (ex.: morreu/ moyreu), ou em um mesmo paradigma verbal (ex.: morrer/moiro/moira). Nesses casos, para que a primeira sílaba do verbo morrer mantenha inalterada a quantidade de moras, no processo de flexão verbal. Somenzari (2006), fecha a questão do status fonológico de /ʎ/ e /ɲ/ com base em Massini-Cagliari (2005a, p.93), que retoma a análise de Wetzels (2000, p.6) para o PB. O autor arrola uma série de evidências a favor de considerar essas consoantes como geminadas:

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As soantes palatais /ñ, ʎ/ do Português Brasileiro (PB) se comportam, sob muitos aspectos, diferentemente das soantes não palatais. Em se tratando da nasalização da vogal precedente, a nasal-palatal se comporta como se fosse uma consoante na coda, embora ela ocorra exclusivamente em posição intervocálica. Acrescentado a isso, as sílabas que precedem uma soante palatal são sempre leves, como pode ser observado não só na completa ausência de rimas pesadas precedendo uma soante palatal intervocálica, como também no algoritmo de silabação, que cria hiato no caso de sequência de Vogal + Vogal Alta que precedem /ñ, ʎ/ (moinho, faúlha), enquanto antes de /m, n, r, l/ os ditongos decrescentes surgem obrigatoriamente (queima, baila). Além disso, se uma soante palatal ocorre como onset de uma sílaba em final de palavra, como em alcunha, o acento da palavra nunca cai na antepenúltima sílaba, embora o acento proparoxítono seja um padrão possível no PB.

Por compartilharem das mesmas características das consoantes laterais e nasais palatais do PB, pode-se dizer que, no PA, esses segmentos também constituem consoantes complexas, ou seja, geminadas. No PA, assim como no PB, /ɲ/ e /ʎ/ ocorrem exclusivamente em posição intervocálica, como em uenna (“venha”) e parella (“parelha”), ou em enclíticos, como em lhe; as sílabas que precedem /ɲ/ e /ʎ/ são sempre leves, como em mellor (“melhor”) e manna (“manha”); antes de /ɲ/ e /ʎ/ nunca ocorre ditongo, assim como no exemplo rainha; e, quando /ɲ/ e /ʎ/ estiverem no onset da sílaba final da palavra, o acento nunca cai na antepenúltima, como em parelha e conselho. No entanto, o clítico lhe ocorre no início de estrofe (= início de frase; CSM69, v.30: Ll’aveo que foi perant’ a ygreja), o que constitui um argumento contrário à análise desses segmentos como geminados. O PA também apresenta ataques silábicos formados por mais de uma consoante, embora haja fortes restrições à formação de onsets complexos. De todas as consoantes arroladas no Quadro 2.1, apenas /p, b, t, d, k, ɡ, f, v/ aparecem na primeira posição de onset complexo; na segunda posição, somente as líquidas /l, ɾ/ são permitidas. Os exemplos encontrados no corpus estão apresentados no Quadro 2.2. Para as sequências de obstruinte mais /ɾ/, apenas alguns exemplos aparecem no Quadro 2.2; no entanto, com relação às sequências C+l, todos os exemplos encontrados aparecem no Quadro 2.2. A conclusão óbvia, a partir daí, é a de que a distribuição dos onsets do tipo C+l é muitíssimo mais restrita em PA do que a do tipo C+r.

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Quadro 2.2. Onsets complexos (exemplos tirados do corpus). Sequência consonantal

Exemplos

Sequência consonantal

Exemplos

pr

prologo, provarei, pran, prazer, sempre, aprouguer, primeira, comprida, prata

pl

templo

br

braço, cobrar, Gabriel, obridar, sobre, nembros, nembrar, nobreza, abrir

bl

Poblo,* estableçudo**

tr

trobar, mostrar, outras, outro, tres, estranna, maltreito, maestro, trage, entrar, mentre, tristura

tl

---

dr

madre, pedra, padre, ladron, Emperadriz, pedreiras

dl

---

kr

sepulcro, criada, Cristo, cruz, escrito, creer, crerigo, crerizon, craridade

kl

Claridade,*** clérigo,**** clemeto

gr

grado, sagrado, gran, miragre, groriosa, gracir, jograr, gresgar, alegria

gl

---

fr

fremosa, fror, offrecer, soffreu, francamente, fria, frade

fl

---

vr

lyvro, lavrar, livrar, teevroso

vl

paraula

* No corpus, a palavra poblo aparece em quatro cantigas de Santa Maria: 28, 143, 211 e 225. Na versão de To da cantiga 211 (ToVII), aparece a forma poboo; nas versões para as demais cantigas em To, aparece poblo. ** A forma estableçudo ocorre na CSM384, que só foi transmitida por E384. Interessantemente, há um espaço entre as consoantes b e l, no manuscrito, claramente visível no fac-símile de Anglés (1964, p.345v): segund estab leçud era. *** Em E69 e To54, a palavra claridade aparece duas vezes, assim grafada, nos versos 31 e 33. Já em T69, no verso 31, aparece claridade, mas na repetição, no verso 33, aparece craridade. **** A palavra clérigo aparece em três cantigas do corpus, todas religiosas. Em E225, a palavra clérigo aparece abreviada na epígrafe como cligo; em F67, aparece crerigo. Em E283, a palavra clérigo aparece na epígrafe e no verso 21 abreviada como cligo; já em F8 aparece duas vezes grafada como crerigo. Em E384, aparece no verso 10 abreviada como cligo.

Com relação à constituição dos onsets complexos, há uma notável diferença, se comparados os dados advindos das cantigas profanas com os dados das cantigas religiosas. Na análise que foi feita das cem cantigas de amigo e de amor, só foi possível encontrar, em posição de onset, sequências de oclusivas ou fricativas labiodentais mais tepe. A única palavra em que aparece uma lateral na segunda posição do onset seguindo uma oclusiva é o nome próprio Clemenço (grafado como clemeto, em B, e como clemento e clemenço, em V) – na cantiga “Non vou eu a San Clemenço” (B1202, V807), de Nuno Perez. Os outros seis exemplos presentes no Quadro 2.2 provêm das CSM. Uma razão para essa marcante diferença pode estar no fato de o léxico das CSM ser muito mais variado e rico do que o das cantigas de amigo e de amor. Nesse sentido, por ter de dar conta de campos semânticos mais

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variados no relato dos milagres, nas CSM seria necessário aludir a termos religiosos e técnicos mais específicos. Mas, logo em uma primeira análise das palavras contendo sequências C+l nas CSM pode-se perceber que não se trata de termos altamente especializados e técnicos. No entanto, não se pode esquecer que as CSM têm um nível de formalidade de expressão muito maior do que as cantigas profanas; esse fato pode levar à hipótese de poderem essas formas corresponder a hipercorreções, típicas de uma linguagem que se quer de um nível elevado. Um argumento a favor dessa hipótese é o fato de, com exceção de templo e Clemenço, todas as demais formas terem correspondentes sem o cluster C+l dentro dos limites do próprio corpus (às vezes, ocorrendo nos limites da própria cantiga ou em versões da mesma cantiga em outros manuscritos): poblo/poboo; estableçudo/estabeliçudo; claridade/craridade; clérigo/crérigo; paravla/palavra. Por outro lado, várias formas com l na segunda posição de onset estão entre as palavras que Rodríguez (1983) arrola como castelhanismos presentes nas CSM (poblo é uma dessas palavras). Mesmo na literatura especializada sobre o PA podem ser encontradas poucas referências à ocorrência de sequências de oclusivas e fricativas (labiodentais) mais lateral na posição de onset. No Glossário de Michaëlis de Vasconcelos (1920, p.68), estão arroladas apenas duas formas: pleito (pleyto: cantiga 269 da edição de 1904; CA, p.226) e plazer (sem abonação, com a classificação de “castelhanismo”). Ao estudar a variação entre os grafemas l e r precedidos de consoantes, Mattos e Silva (1989, p.100) observa que todos os casos de variação gráfica em causa provêm de consoante latina seguida de l e não de r. Consideramos rara essa variação em comparação, por exemplo, com a sistematicidade documentada em, pelo menos, 800 ocorrências de pr (< pl, pr) e de 106 ocorrências de gr (< gr), não incluídas aí as ocorrências de gram, grande,-s (532).

Por sua vez, Maia (1997[1986], p.618-9 e 627), afirma, primeiro sobre os grupos consonânticos iniciais pl, kl, fl e, depois, sobre a sequência gl: Documenta-se [...] a tendência para manter inalterados os referidos grupos consonânticos, muito provavelmente por influência culta latinizante. [...] Com

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essas formas convivem outras em que l, segundo elemento de um dos grupos consonânticos considerados, se transforma em r. [...] em documentos da Galiza, o referido grupo [gl] pode aparecer conservado em palavras de carácter culto (cf. regla [...]; rreglas [...]); à semelhança do que acontece em espanhol. É mesmo provável que se trate de formas devidas à influência do castelhano na Galiza.

A partir das observações de Mattos e Silva (1989) e Maia (1986), pode-se hipotetizar que essas formas com sequências C+l estariam aparecendo com maior frequência nas CSM do que nas cantigas profanas dada a tendência mais latinizante do discurso religioso, que, embora composto em galego-português, referia-se a um universo em que dominava o latim, língua oficial da Igreja. Nesse sentido, não é de se admirar que, no conjunto das sete palavras do corpus contendo clusters cuja segunda posição é preenchida por l, cinco se referem ao universo religioso. Além disso, o que a pouquíssima frequência de palavras desse tipo comprova é que, diacronicamente, a substituição de /l/ por /ɾ/ em clusters era um processo já bastante avançado nessa época do PA, mesmo em discursos mais formais e que se referiam ao universo religioso, como as CSM. Por isso, mesmo existindo, essas formas devem ser consideradas como obsoletismos, que, na quase totalidade, já se encontravam em variação com formas livres do grupo consonantal C+l. Mesmo nos glossários considerados como fonte secundária desta pesquisa (que presumidamente dão conta do léxico de toda a lírica galego-portuguesa, profana e religiosa, uma vez que, no conjunto, abrangem toda a lírica profana, inclusive as cantigas de escárnio e maldizer, e religiosa), formas contendo onsets complexos cuja segunda posição é preenchida pela lateral são muito raras. Num levantamento exaustivo efetuado em todos os glossários e vocabulários considerados nesta pesquisa, foi possível encontrar apenas 35 palavras nessa categoria;4 todas elas foram arroladas no Quadro 2.3. Comparando os Quadros 2.2 e 2.3, pode-se perceber, com relação às sequências de obstruintes mais lateral na posição de onset, que as mais produtivas (em termos de quantidade de palavras em que figuram) são as 4 Nesse total, obviamente, estão incluídas as sete palavras já mapeadas no corpus.

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constituídas de oclusivas labiais (/p, b/) e oclusivas palatais surdas /k/: as sequências pl, bl e kl foram mapeadas tanto no corpus como nos vocabulários. A sequência gl, por sua vez, aparece apenas em três palavras. As sequências de fricativas labiodentais /f, v/ seguidas de lateral são menos frequentes, mas são possíveis. Com relação a essas sequências, pode-se dizer que, a exemplo do que acontece com relação ao cluster vr, a sequência vl apresenta uma distribuição restrita: não ocorre em início de palavra. Quadro 2.3. Onsets complexos: C+l (exemplos tirados dos glossários). Sequência consonantal

Exemplos

pl

plazer, pleito, plena, completas, complidos, esplandor, templo

bl

blanco, blando, poblado, poblador, establo, noble, poblo, establecer

tl

---

dl

---

kl

clérigo, clerizia, clemente, clusa, Claraval, claridade, claro, claustro, clemenço, esclareceu, clerizon

gl

glorioso, igleja/egleja; Englaterra

fl

flores/flor, flemoso

vl

nevla, paravla, tavleiro, tavlado

No entanto, as sequências tl e dl, ao que tudo indica, são impossíveis em PA. A razão para essa impossibilidade pode ser encontrada na obrigatoriedade da formação de um contorno dentro do constituinte de ataque, contorno este impossível de ser alcançado dado o caráter [+ coronal] tanto das oclusivas alveolares como da lateral.5 Assim sendo, deve-se considerar que, em comparação com o português atual, brasileiro e europeu, o PA era muito mais restrito com relação à construção de onsets complexos. As restrições para construções de onsets complexos em PB, segundo Silva (2001, p.157, em itálico no original), são as seguintes: Restrições em sílabas com duas consoantes prevocálicas a. Quando C1 e C2 ocorrem, a primeira consoante é uma obstruinte (categoria que inclui oclusivas e fricativas prá-alveolares) e a segunda consoante é uma líquida (categoria que inclui /l, ɾ/).

5 A respeito dessa mesma restrição no PB, ver Collischonn (1996, p.105).

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b. /dl/ não ocorre e /vl/ ocorre apenas em um grupo restrito de nomes próprios que são empréstimos (ex: Wladmir, Wlamir, etc.). c. /vɾ/ e /tl/ não ocorrem em início de palavra e apresentam distribuição restrita, ou seja, com poucos exemplos.

Uma última questão interessante relacionada com a estruturação dos ataques silábicos do PA levantada quando da análise do corpus é a ocorrência da consoante seguida de uma ou mais consoantes no início de palavra, como nos exemplos em (2.1):6 (2.1) ouv’ a strela mostrada (CSM1, v.39) Santa Maria, Strela do dia (CSM100, v.2)

Nesses dois exemplos do uso da palavra estrela, a métrica do verso está correta, não havendo a necessidade de inserção da vogal inicial para “acertar” a contagem das sílabas poéticas. No entanto, no verso a seguir, o editor (Mettmann, 1989, p.282) achou por bem introduzir a vogal inicial, para que o verso tivesse o número de sílabas exigido pela métrica do poema: (2.2) que ao çeo semella quand’ é con sas [e]splandores (CSM384, v.18)

A partir da comparação dos exemplos de (2.1) com o de (2.2), pode-se concluir, então, que a vogal não era pronunciada nos dois versos transcritos em (2.1). Embora esta constatação resolva um problema em termos da metrificação do poema, cria outro, em termos da descrição da língua que subjaz aos versos: qual a estrutura da sílaba inicial da palavra strela, nesses casos? Seria constituída de um onset supercomplexo, que feriria as regras de aumento da sonoridade dos elementos da sílaba das margens para o núcleo?7 6 Neste livro, os exemplos retirados das CSM aparecem grafados segundo a edição de Mettmann (1986, 1988, 1989), apresentando, por este motivo, marcas como apóstrofo e pontuação. Isso se deve ao fato de terem sido consultados quatro microfilmes e duas edições fac-similadas, o que, no caso de cantigas que sobreviveram em mais de uma fonte, coloca questões quanto à qual grafia utilizar, quando ocorrem registros alternantes. Ao contrário, como para as cantigas de amor e de amigo foi utilizada apenas uma edição fac-similada para cada gênero, os exemplos aparecem grafados de acordo com a edição considerada. 7 A respeito da organização dos sons dentro das sílabas do português, a partir do aumento da sonoridade das bordas para o núcleo, ver Freitas e Santos (2001) e Mateus e d’Andrade (2000).

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Esse é um problema conhecido da Fonologia, dado o fato de línguas já bastante exploradas (como o inglês e o italiano) possuírem sílabas desse tipo.8 No entanto, não parece ser esse o caso do PA. Em todos os exemplos mapeados, as sequências de S+C(C) sempre ocorrem depois de palavra terminada em vogal, a não ser no caso do exemplo em (2.2), em que o editor postula a necessidade da vogal inicial. Por esse motivo, é mais provável a hipótese de estar ocorrendo um processo de sândi, que apaga a vogal inicial de estrela (ou impede a sua inserção, no caso de modelos fonológicos que consideram essa vogal epentética) e liga o “S desgarrado” à coda da sílaba anterior. É o que parecem indicar os exemplos mostrados anteriormente em (2.1) e também os de (2.3), a seguir. (2.3) de Spirit’ avondada (CSM1, v.70) De Spirito. E dali sen lezer (CSM427, v.33)

Nos exemplos de (2.3), muito provavelmente a escolha do editor em separar a sequência de spirito como tal segue a grafia dada para essas sequências com relação aos dois versos citados em todos os manuscritos em que aparecem. No entanto, uma escrita como esta poderia muito bem estar representando d’espirito, padrão regular resultante da aplicação dos processos de elisão, na época.9 Também os exemplos de (2.4) mostram casos em que processos de sândi (crase, no primeiro caso, e elisão, no segundo10) ocasionam o “desgarramento” do S da sílaba a que originariamente pertenceria, dado o apagamento do núcleo, e a sua adjunção ao núcleo da sílaba imediatamente anterior. (2.4) que a terra toda ’sclareceu (CSM15, v.91) eno mes d’ agosto, no dia ’scolleito (CSM77, v.27)* * Esta versão do verso 27 da CSM77 aparece apenas em T77 (eno mes dagosto no dia scolleito); E77 traz eno mes dagosto no dia escolleito, que tem uma sílaba poética a mais.

8 A respeito das soluções dadas a este problema no modelo não linear, ver Hogg e McCully (1987, p.31-61). 9 Sobre a elisão no PA, ver o Capítulo 4. Na CSM427, v.4, a forma Espirito aparece, na expressão Sant’ Espirito. Note-se que, neste caso, o processo de elisão apaga (regularmente) a vogal átona final da primeira palavra (e não a inicial da segunda). Por esse motivo, acredito que a expressão de spirito seria mais corretamente interpretada se grafada, numa edição com ortografia atualizada, como d’ espírito. 10 Para a distinção entre os vários processos de sândi ativos no PA, ver o Capítulo 4.

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O último caso dessa natureza mapeado no corpus está apresentado em (2.5). Como pode ser observado, trata-se claramente de uma citação em latim. (2.5) poren dizemos: “Ave maris stela”. (CSM180, v.53)

Como em nenhum dos casos analisados foi possível afirmar que o “S desgarrado” se realiza no onset da sílaba, pode-se afirmar que o PA não possui ataques silábicos supercomplexos.

2.1.2 Coda Embora no PA predominem as sílabas abertas (no corpus analisado por Biagioni, 2002, p.87-8, 65,42% correspondem a sílabas abertas), o travamento silábico é permitido. No entanto, são bastante restritas as possibilidades quanto às consoantes que podem ocupar a posição de coda nessa língua, como mostra o Quadro 2.4. Quadro 2.4. Consoantes em posição de coda simples. Consoante

Grafema(s) correspondente(s)

Exemplos

/l/

l

soldada, salvar, deslealdade, altar, dulta

/r/

r

lazerar, ueer, flor, mar, loor, carne, portas, altar, salvar, abrir

/S/ /N/

s, x, z m, n, ~

poys, quix, diz, cantigas, mais, deus, deslealdade, aduz, cruz bem, ben, be, cantiga, bondade, razon, enton, coraçõ, pore, etender

No levantamento realizado no corpus, foram atestados somente /r/, /l/, /S/ e /N/ formando codas simples. O segmento /S/ aparece representado no Quadro 2.4 como arquifonema porque pode ter mais de uma realização fonética nesse contexto (a saber, todas as realizações correspondentes a e a quando em onsets simples), o que indica uma relação de neutralização, no jargão da fonologia estruturalista.11 Também o travamento nasal aparece representado como arquifonema, à moda do que faz Câmara

11 A respeito da ocorrência de sibilantes na coda nas Cantigas de Santa Maria, ver Gementi (2013).

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Jr. (1970) para o PB. A razão para tal é, entre outras, a neutralização da oposição que há em posição inicial de sílaba, em contexto de travamento silábico, entre os sons /m/ e /n/, além da possibilidade da nasalização da vogal também ser uma realização possível da nasalização como travamento silábico no nível fonológico. Já os segmentos /r/ e /l/ aparecem representados como simples fonemas. Não há provas de que já havia, naquela época, o mesmo tipo de variação livre atestada atualmente, no PB, na pronúncia de /r/ em posição final de sílaba, principal argumento a favor da sua consideração como arquifonema no PB. Por sua vez, /l/ tem valor de fonema (em uma perspectiva estruturalista) porque o PA, diferentemente do PB, não vocaliza esse som em final de sílaba. Apesar de a ocorrência de codas simples ser permitida no PA, as evidências apontam para uma forte proibição quanto à formação de codas complexas nessa língua. Nenhum caso de coda complexa pode ser encontrado no levantamento que foi feito no corpus de cantigas profanas e religiosas. Nos glossários e vocabulários considerados, é possível encontrar apenas três palavras, candidatas a apresentarem coda complexa em uma de suas sílabas: moestamento (Mettmann, 1989, p.389); monstrar (Lapa, 1970, p.64); obscuro (Lapa, 1970, p.68). O primeiro caso, moestamento, é citado em Mettmann (1989), porém sem abonação. No glossário da edição anterior das CSM, a de Coimbra, Mettmann (1972, p.197) grafa essa palavra como mõestamento – sem a coda complexa da sílaba es (=/eNS/), portanto. Abona essa palavra com o verso 20 da cantiga 65, que tem como fontes E65, T65 e To88: Pois que o preste viu que mõestamento. Nos dois primeiros manuscritos, a palavra aparece grafada como mõestam̃ to; em To, está escrita como mõestameto. Todas as grafias apresentadas pelos manuscritos para essa palavra excluem a possibilidade de coda complexa na segunda sílaba. O segundo exemplo de possível coda complexa mapeada nos glossários aparece entre as cantigas de escárnio e maldizer: é a palavra monstrar, citada por Lapa (1970, p.64) e abonada com o verso 13 da cantiga B1631/V1165: de pran Deus lhi monstrou aquel logar. É estranho que Lapa tenha optado por colocar em sua edição por uma forma irregular que aparece em apenas um dos manuscritos, quando o outro traz a forma regular, sem a coda complexa (em V165, aparece mostrou), e quando em todas as outras ocorrências dessa palavra em outras cantigas a nasal não está presente (cf. o verbete

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“mostrar”, Lapa, 1970, p.64). As evidências a favor da consideração de uma coda complexa neste caso são, pois, muito débeis. O terceiro caso mapeado na análise dos glossários é um pouco mais problemático. Trata-se da palavra obscuro, arrolada por Lapa (1970, p.68). Aparece em uma cantiga do conjunto das de escárnio e maldizer – B1464, V1074, verso 2: Don Beeito, ome duro / foi beijar pelo obscuro. A exemplo do que foi dito com relação à forma monstrar, também obscuro aparece em apenas um dos manuscritos (B); em V1074, ocorre pelo o scuro. A opção de Lapa pela forma obscuro parece repousar na métrica do poema, que exige sete sílabas poéticas por verso (pela lição de V, haveria apenas seis sílabas poéticas). Uma possibilidade de discussão deste assunto seria explorar a hipótese de a forma scuro, de V, estar por escuro (forma que “acertaria” a métrica do verso e que aparece em outras cantigas profanas). Porém, deixando de lado essa possibilidade e aceitando como legítima a forma obscuro, a questão que surge, em termos da fonotática da palavra, é: qual é a divisão silábica mais provável para esta palavra: com uma coda complexa na primeira sílaba (obs-cu-ro) ou com um onset complexo na segunda (ob-scu-ro) (sem contar a coda preenchida por uma consoante oclusiva na primeira)? Essa questão será deixada em aberto, por enquanto, uma vez que o problema voltará a ser discutido adiante (ver exemplo 2.36), quando serão consideradas as formas contendo ditongos seguidos de /S/ (ex.: deus, mais, pois), que colocam um problema semelhante a este (“excesso” de elementos na coda; não por coincidência, o elemento “excedente” é sempre /S/). No entanto, pode-se já adiantar que, como este exemplo problemático e proveniente de uma só fonte é a única evidência a favor da consideração da existência de codas complexas em PA, é possível afirmar que o PA proíbe a formação de codas complexas. Com relação ao preenchimento de codas simples, nota-se uma interessante oposição entre os corpora de cantigas profanas e de cantigas religiosas. No corpus de cantigas profanas, só há casos de codas simples preenchidas pelas consoantes listadas no Quadro 2.4. No entanto, no corpus de cantigas religiosas, puderam ser mapeados alguns casos problemáticos, com relação aos quais a dúvida que se levanta é a seguinte: trata-se de consoantes mudas (ou seja, sem correspondentes na fala, apenas consoantes da escrita, etimológicas, em alguns casos) ou da realização de consoantes oclusivas na coda? O que motiva a dúvida, nesses casos, é o fato de, em todos os casos

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mapeados, a métrica do verso estar correta, sem a necessidade de inserção de uma vogal epentética, após a (suposta) oclusiva na coda. Esse é o caso dos exemplos a seguir: (2.6) Elisabeth, que foi dultar (CSM1, v.21) a Virgen, d’ Elisabet coirmãa (CSM69, v.88) En Monsarrat, de que vos ja contei (CSM52, v.10)* dentro en Cidad-Rodrigo. E é mui maravilloso (CSM225, v.9) * Além de figurar neste verso, a forma Montsarrat aparece na epígrafe da CSM52.

É interessante notar, porém, que todos os casos citados em (2.6) envolvem nomes próprios não galego-portugueses, em cuja língua de origem a consoante em questão figurava na coda. Por essa razão, no discurso poético, em que tradicionalmente desvios do padrão da língua são explorados com finalidades estilísticas, pode-se explicar a ocorrência dessas consoantes na coda, mesmo que esse padrão esteja completamente banido da estrutura do PA. Por outro lado, é possível que essas consoantes não fossem “pronunciadas”, constituindo o que se convencionou chamar de “consoantes mudas”. Note-se, também, que pelo menos dois desses nomes são castelhanos, o que pode ser um argumento para considerar esses casos de castelhanismos, uma vez que esse fenômeno é exclusivo do corpus das cantigas religiosas. No entanto, deve-se levar também em consideração o nível de formalidade da escrita dos manuscritos da CSM, muito mais ricos e cuidados do que os manuscritos remanescentes das cantigas profanas (inclusive A), o que leva à clara manutenção de latinismos na escrita, como o que ocorre no exemplo (2.7). Neste exemplo, claramente não há a inclusão de uma vogal epentética após a consoante c de doctores. (2.7) segund’ estableçud’ era polos seus santos doctores (CSM384, v.53)

Outros exemplos há, entretanto, em que a oclusiva “muda” aparece seguindo outra oclusiva, como em (2.8), ou após uma nasal (2.9). (2.8) Judas, que foi gran tenpo | cabdelo dos judeus (CSM401, v.21) (2.9) que del Cond don Ponç’ era connoçudo (CSM69, v.16)

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Em ambos os exemplos anteriores, a métrica do verso está correta sem a necessidade de inserção de uma vogal epentética.12 No caso de (2.8), restam as opções de interpretação que consideram a oclusiva como se realizando na coda ou como sendo apagada. No entanto, a realização da consoante d na coda, em (2.9) levaria à formação de uma coda complexa – algo que foi anteriormente determinado como proibido em PA. Pode-se argumentar, porém, que isso estaria sendo prevenido dada uma possível haplologia, já que o d em questão é seguido de outro d, em don. O processo de haplologia, entretanto, não consegue dar conta da realização da consoante d no exemplo (2.10): (2.10) sempr’ en ela fora, segund fui oyr (CSM76, v.9)

Para a explicação do exemplo em (2.10), apenas as hipóteses do apagamento ou da realização da oclusiva na coda estão disponíveis. Contudo, há um fato que pode favorecer a hipótese da realização da consoante na coda, sem “estragar” a estrutura da língua (que proíbe consoantes desse tipo nessa posição). Para a interpretação do corpus considerado nesta pesquisa, nunca se pode perder de vista que o que se tem são poemas compostos para serem cantados: portanto, o nível fonético de realização das palavras, e sua realização específica no canto, é o alvo. Ora, reestruturações não permitidas no nível lexical em uma língua são possíveis em um nível fonético pós-lexical. No PB atual, pronúncias do tipo [pɔ́ʧ] e [númɾo], para pote e número (que contêm, respectivamente, uma consoante obstruinte africada na coda e um onset complexo constituído de nasal mais tepe, estruturas proibidas na fonologia do PB) são atestadas e podem ser utilizadas por poetas para “acertar” a métrica de versos em poemas metrificados. Pode-se argumentar, então, que processos desse tipo poderiam estar sendo explorados pelos trovadores do século XIII, gerando formas proibidas pela língua no nível fonológico de organização das sílabas, mas “permitidas” no nível da pronúncia, sobretudo quando recursos estilísticos que exploram os limites estruturais da língua com finalidades estéticas se aplicam.

12 Nos casos em que uma vogal epentética deve ser realizada, ela costuma ser marcada na escrita (exemplo: CSM425, v.27: e Jacobe con aloe).

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2.1.3 A sílaba do Português Arcaico segundo a Teoria da Otimalidade13 Como, na TO, a Gramática é vista como sendo constituída por um conjunto de restrições (constraints) violáveis e hierarquizadas, a tarefa deste trabalho é estabelecer a hierarquia de restrições responsável pela silabação do PA, a partir da verificação da atuação de restrições relativas à estrutura silábica. A TO surgiu de um trabalho apresentado por Prince e Smolensky na Conferência de Fonologia da Universidade do Arizona, em 1991 (Silva, 2001, p.217); mas o marco de seu início geralmente é referido ao trabalho de Prince e Smolensky (1993). É um programa de pesquisa de cunho gerativo que propõe metas para a Linguística geral: essas metas devem ser alcançadas para todos os níveis da Gramática (inclusive o sintático), embora a Fonologia seja, nesta linha, o foco de pesquisa. Nesse modelo, a Gramática é vista como sendo constituída por um conjunto de restrições (constraints) violáveis e hierarquizadas. Dessa forma, as regras e as derivações são eliminadas do aparato formal da Fonologia, considerando-se que há apenas restrições hierarquizadas, que podem ser violadas para que não ocorra uma violação a outra restrição mais alta na hierarquia, e que apontam, mesmo quando violadas não fatalmente, para as formas “ótimas”, dentro das possibilidades da língua, ou para formas agramaticais, no caso de violações fatais.14 A TO conta com um mecanismo gerador de possíveis outputs, a partir de um input. Esse mecanismo é chamado de GEN (do inglês generator). Todos os dados variantes de uma unidade dependente de um input são colocados para avaliação, para se saber o grau de aceitabilidade que eles têm. Dessa forma, o GEN coloca em avaliação todas as formas possíveis (e, em princípio, até impossíveis) relacionadas com o input. 13 Uma versão anterior da análise apresentada nesta seção aparece em Massini-Cagliari (2005b). 14 Para uma introdução aos fundamentos básicos da teoria, além do manual didático básico de Archangeli e Langendoen (1997), ver Roca (1997), Kager (1999), Hammond (1999) e Dekkers; Leeuw; Weijer (2000). No site Rutgers Optimality Archives (ROA), http://roa. rutgers.edu/, estão à disposição do público muitos trabalhos feitos dentro da Teoria de Otimalidade. Com relação a textos introdutórios em português, ver Cagliari (2002, p.131-79) e Schwindt (2005).

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Os dados fonéticos (output do sistema) são justificados como válidos e corretos através dessa avaliação feita pela intuição do sujeito falante e através de uma avaliação formal processada a partir do input, que é um tipo de forma de base (de forma subjacente) – ou de estrutura morfológica com seus fonemas. Essas formas podem ser dadas pela sequenciação direta dos fonemas constitutivos das palavras (ou enunciados) ou por exigências próprias do output, requerendo, por exemplo, que o input seja o mais semelhante possível ao output (e vice-versa). A diferença entre input e output surge porque, na fala, há a presença de muitas variantes para um mesmo dado. A TO é, pois, essencialmente, uma teoria que opera sobre o fenômeno de variação linguística, levando em conta apenas objetos (dados) linguísticos. O conjunto de dados do output são os candidatos à avaliação feita pelo mecanismo avaliador, chamado EVAL (do inglês evaluator). Esse mecanismo irá dizer qual dos candidatos é o melhor, ou seja, o “ótimo” (razão pela qual o modelo se chama “Teoria da Otimalidade”), ou quais são aceitáveis ou não aceitáveis. Para fazer isso, são colocadas em ação as restrições. O objetivo do mecanismo EVAL é associar um output ideal a um input e excluir o que não for aceitável. EVAL cria uma ordem entre as restrições de acordo com sua harmonia relativa (em inglês, “relative harmony”), ou seja, de acordo com o poder que cada uma delas tem de agir, permitindo ou não violações e, desta forma, fazendo as devidas seleções entre os candidatos do output. O conjunto de restrições forma o componente CON (em inglês constraints) e define o sistema universal da linguagem humana. O CON é o que constitui o elemento estrutural primordial inato da linguagem. Em outras palavras, a linguagem humana na sua forma mais básica é um sistema montado com o que constitui o CON. Em princípio, é vedado o uso de uma restrição ad hoc, ou seja, que sirva apenas para resolver um caso particular de uma língua.15 Uma restrição pode ser formulada pelo lado positivo – por exemplo: “Toda sílaba tem onset” – ou pelo lado negativo, como em “a sílaba não pode ter coda” (isto é, deve ser apenas formada por CV e não por CVC, VC etc.).

15 Restrições desse tipo, que agem isoladamente sobre poucos dados, são chamadas de “restrições paroquiais” (em inglês, parochial constraints).

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A partir de um input, o mecanismo EVAL opera com restrições em uma dada ordem, para ver se um determinado output viola ou não uma restrição e se aceita ou exclui um candidato, porque incorreu em uma violação suportável (uma forma possível ou variante) ou em uma violação fatal (criou algo inexistente na língua). O ranking é a “hierarquia”, a ordem que deve ser usada para escalonar uma restrição antes ou depois de outra. As considerações a respeito dos dados e das análises na TO costumam ser apresentadas resumidamente na forma de um tableau, ou seja, de uma tabela ou planilha de avaliação, que segue o modelo a seguir.

(2.11) /input/ [outputs], isto é, os candidatos

restrições resultado da avaliação (violações ou não)

Partindo para a análise das margens silábicas do PA dentro deste arcabouço teórico, pode-se perceber que o núcleo da sílaba é sempre vocálico. Inclusive, há sílabas constituídas apenas por esse núcleo (V) – fato que prova que o PA permite onsets vazios. Há já vários trabalhos na literatura da TO (entre eles, Kager, 1999, p.103) que demonstram que, quando não há apagamento da vogal sem onset nem epêntese para criar um onset, é porque as restrições MAX e DEP dominam ONSET, que pode ser violada. Na análise que fez da silabação do PB atual à luz da TO, Lee (1999) divide a restrição DEP em duas: DEPOns, atuando no mesmo nível hierárquico que MAX, e DEPNuc, dominada por MAX. Essa divisão de DEP revela que Lee considera, para o PB, que não há onsets epentéticos, apenas núcleos. No entanto, em Cagliari e Massini-Cagliari (2000), foi investigada a epêntese consonantal em PB, considerando-a possível nessa língua, em contextos de derivação, como consequência do alinhamento dos morfemas. Como é possível que o mesmo fenômeno já ocorresse em PA, a atuação de DEP será tomada, aqui, como igual, para onsets e núcleos. Além disso, é necessário considerar que DEP pode ser violada, ao passo que MAX não, porque em PA podem ocorrer (como será visto adiante) epênteses, para resolver estruturas silábicas inaceitáveis, mas não ocorrem apagamentos, com essa mesma finalidade.

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A partir das considerações anteriores, foi construído o Tableau em (2.13), que estabelece as interações entre as restrições definidas em (2.12):16 (2.12) MAX: os elementos do input devem ter correspondentes no output. DEP: os elementos do output devem ter correspondentes no input. ONSET: as sílabas têm onsets. NÚCLEO: as sílabas têm núcleo. (2.13) /amigo/ a. ☞ a.mi.go b. 䊐a.mi.go c. mi.go d. am.ig.o

MAX

NUC

DEP

ONSET *

*! *! ***!

Apesar de o PA ter, com mais frequência, sílabas abertas do que fechadas, a ocorrência de codas é permitida. Isso quer dizer que, em PA, a restrição ONSET domina *CODA (= NOCODA), que tem uma posição bastante baixa na hierarquia, dadas a possibilidade e a frequência de sua violabilidade. Além disso, é preciso dizer que *CODA também é dominada por DEP, porque é preferível que a consoante permaneça na posição de coda do que a inserção de uma vogal epentética, como núcleo de uma nova sílaba – Tableau (2.15), construído a partir de (2.14): (2.14) *CODA: As sílabas acabam em vogal. (2.15) /amor/

a. ☞ a.mor b. a.mo.r䊐

DEP

ONSET *

*

*

*CODA *

16 O ponto indica as fronteiras silábicas, o quadradinho, um elemento inserido (epentético) e os parênteses angulares, elementos apagados.

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No entanto, como não é qualquer consoante em PA que pode ocorrer nessa posição (ocorrem apenas /r/, /l/, /S/ e /N/ – ver Seção 2.1.2), isto quer dizer que há a atuação da restrição CODA-COND, alta na hierarquia, que restringe as possibilidades de consoantes na coda, conforme o estabelecido em (2.16) e demonstrado em (2.17). A definição de CODA-COND, que aparece em (2.16), é retirada de Lee (1999, p.147), já que as restrições para o aparecimento de codas não mudaram, do PA ao PB. (2.16) CODA-COND: A coda pode ter somente: [- vocálico, + soante] ou [- soante, + contínuo, + coronal] (2.17) /mal/

CODA-COND

MAX

DEP

*CODA *

a. ☞.mal. b. ma

*!

c. ma.l䊐

*

Quando a possível coda não satisfaz a restrição CODA-COND, a solução é uma violação a DEP, provocando a epêntese vocálica. É o que acontece, também, quando, na derivação ou na flexão, surgem sequências de várias consoantes, em posição de coda, uma vez que o PA proíbe terminantemente codas complexas. Isto equivale a dizer que a restrição *COMPLEXCoda domina DEP e *CODA, estando localizada tão alta na hierarquia quanto CODA-COND e MAX. É o que se pode ver no Tableau (2.19). (2.18) *COMPLEXCoda: Codas complexas são proibidas. (2.19) /amor+S/

CODA-COND MAX

*COMPLEXCoda

a. ☞. a.mo.r䊐s b. a.mor c. a.mors.

*! *!

DEP *

*CODA * * *

A questão da complexidade dos onsets, no PA, é semelhante à das codas. Embora onsets complexos sejam permitidos, eles são bastante restritos: só são permitidas sequências de oclusiva/fricativa mais tepe ou lateral. A par-

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tir desse fato, pode-se afirmar que a restrição *COMPLEXOns, ao contrário de *COMPLEXCoda, é baixa na hierarquia, atuando no mesmo nível de *CODA, já que pode ser facilmente violada. Para dar conta da existência de onsets complexos em PB, Lee (1999, p.152) utiliza a restrição SONORIDADE, baseada na restrição SON-SEQ, a seguir apresentada conforme definição de Kager (1999, p.267): (2.20) SON-SEQ: Complex onsets rise in sonority, and complex codas fall in sonority.* * “Ataques complexos crescem em sonoridade, e codas complexas decrescem em sonoridade.”

Uma restrição desse tipo leva em consideração escalas de sonoridade como a a seguir, construída a partir de Clements e Hume (1995, p.269): (2.21) obstruinte nasal líquida vogal

[soante] – + + +

[aproximante] [vocóide] – – – – + – + +

escala de sonoridade 0 1 2 3

Na opinião de Lee (1999), a restrição SON-SEQ teria que ser tão alta na hierarquia quanto CODA-COND e MAX. Mas o problema com a atuação dessa restrição é que, embora permita onsets complexos cujos elementos aumentem de valor na escala em direção ao núcleo, não proíbe a ocorrência de onsets como os seguintes, em que a sequência de sonoridade também é respeitada: nl, nr, mr, ml, pn, pm, fn, fm etc. Com relação a esta questão, Mateus e d’Andrade (2000, p.41) afirmam que a proposta para a hierarquia dos segmentos da escala de sonoridade não é suficiente para estabelecer as possibilidades das sequências dos onsets complexos em português, ou seja, é necessário haver também uma distância mínima entre os segmentos na escala. Isto quer dizer que os onsets complexos não podem ter graus adjacentes de sonoridade (por exemplo, sequências de oclusiva mais fricativa ou fricativa mais nasal). Essa premissa é a base da condição de dissimilaridade, que estabelece que é necessário estipular,

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para cada língua, o valor da diferença de sonoridade permitida entre dois segmentos pertencentes à mesma sílaba, com base na escala de sonoridade (Selkirk, 1984). Para os autores, em português, as sequências consonantais em onset não incluem consoantes com o mesmo grau de sonoridade, como sequências de duas oclusivas ou duas fricativas (*/tb/, */pt/, */sf/, */vʃ/ etc.). Também não são possíveis sequências de oclusiva+fricativa (*/tf/, */bʃ/, */pʒ/, */ts/ etc.) e fricativa+nasal (*/fn/, */sn/, */ʃm/, */vɲ/ etc.). Esse fato aponta para a inaceitabilidade de sequências incluindo elementos adjacentes na escala de sonoridade, categoria que inclui as sequências de nasal+líquida (*/ɲl/, */mʎ/, */mɾ/, */nɾ/, etc.). Por esse motivo, torna-se mais adequado propor a atuação, ao invés de SON-SEQ, de uma restrição que imponha condições sobre a ocorrência de onsets complexos, à moda do que foi feito em relação às codas. Como as restrições quanto à construção de onsets complexos no PA são semelhantes às do PB, pode-se buscar na literatura sobre nossa língua atual uma formulação para a restrição que controla a sua complexidade. Collischonn (1996, p.105) restringe, da seguinte maneira, a ocorrência de sequências consonantais no onset, em PB: (2.22) * + cont + cont ⎫ ⎧ ⎩+ cor + cor ⎭

Em outras palavras, para Collischonn, o onset complexo não pode conter sequências de consoantes [+ cont, + cont] (o que previne a formação de sequências como sɾ e sl, por exemplo) e [+ cor, + cor] (o que previne a formação de tl/dl). Com base em formulações desse tipo, foi definida a restrição COMPLEXOns-COND, que se localiza no nível mais alto da hierarquia. Em (2.23), a seguir, apresenta-se a definição de COMPLEXOns-COND, além de *COMPLEXOns, necessárias para a compreensão do Tableau (2.24), que explica a avaliação dos candidatos que aponta como forma ótima a que contém um onset complexo porém dentro das especificações de COMPLEXOns-COND. (2.23) *COMPLEXOns: Onsets complexos são proibidos. COMPLEXOns-COND: Só são permitidas sequências de [-sonte] [+líquida]

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(2.24) /grado/ a. ☞ gra.do b. 䊐g.ra.do c. 䊐.g䊐.ra.do d. g䊐.ra.do

COMPLEXOns- CODA-COND *COMPLEXCoda DEP *CODA *COMPLEX Ons -COND * *!

* **! *

*

A restrição COMPLEXOns-COND entra em conflito com DEP, porque há casos, no PA, em que segmentos complexos (que não seguem as condições impostas para a existência de onsets complexos) provocam epêntese no output – Tableau (2.26). Nesses casos, a posição da vogal epentética é dada por CONTIG (Kager, 1999, p.250; Lee, 1999, p.148), cuja definição aparece em (2.25). (2.25) CONTIGUIDADE: a saída é contígua à entrada. (2.26) COMPLEXOns- CODA- MAX NUC *COMPLEXCoda DEP CONTIG ONSET *CODA *COMPLEX Ons -COND -COND * * ** a. ☞ s.tar b. (s)tar *! * c. s䊐.tar * * * d. s.tar *! * e. .star. *! * * /star/

Com base no estudo desenvolvido nesta seção, pode-se afirmar que as estruturas silábicas de superfície do PA são obtidas a partir de interações e hierarquizações de restrições de duas famílias (de estruturação silábica e de fidelidade), de acordo com a abordagem da TO. Dessa forma, a hierarquia geral das restrições que gera o padrão silábico do PA pode ser representada da seguinte forma: (2.27) COMPLEXOns-COND; CODA-COND; MAX; NUC; *COMPLEXCoda >> DEP >> CONTIG >> ONSET >> *CODA; *COMPLEXOns

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Já a hierarquia das restrições geradora do padrão silábico do PB, segundo Lee (1999, p.155) é a seguinte: (2.28) SONOR; MAX; DEPOnset; NUC; CODA-COND >> DEPNuc >> CONTIG >> ONSET >> NOCODA; NOCOMPLEX

Quando comparadas as hierarquias de restrições que geram a silabação do PA, em (2.27), e do PB, em (2.28), nota-se a enorme semelhança entre a proposta deste trabalho e a de Lee (1999). As diferenças, que são mínimas, devem-se mais a divergências de interpretação do maquinário da teoria do que a diferenças de comportamento da silabação nos dois momentos da língua. Entre (2.27) e (2.28), as principais diferenças são apenas duas: a) em (2.27), COMPLEXOns-COND ocupa a posição de SONOR em (2.28); já foi dito anteriormente que a definição da restrição que atua sobre a complexidade dos onsets em termos de COMPLEX é preferível à SONOR porque a atuação desta restrição, embora permita onsets complexos cujos elementos aumentem de valor na escala em direção ao núcleo, não proíbe a ocorrência de onsets inexistentes em qualquer época do português (por exemplo, nasais mais líquidas), em que a sequência de sonoridade é respeitada; b) (2.27) considera a atuação de DEP como semelhante para núcleos e onsets, (2.28) separa DEP em duas restrições; essa diferença se deve ao fato de Lee não considerar a possibilidade de consoantes epentéticas. Analisando-se a posição das demais restrições nas hierarquias propostas para o PA e o PB, nota-se que há uma coincidência tanto quanto às restrições utilizadas como com relação à sua posição na hierarquia. Como, no arcabouço teórico da TO, a mudança fonológica é definida como um caso de constraint reranking (“re-hierarquização das restrições”) (Jacobs, 1995, p.1), deve-se concluir que não houve, pois, mudança na silabação do PA ao PB, já que a hierarquia das restrições se mantém praticamente a mesma.

2.2 O núcleo silábico: sequências vocálicas O objetivo da pesquisa apresentada nesta seção é descrever a estrutura do núcleo das sílabas do PA, mapeando e analisando todas as sequências

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vocálicas possíveis naquela época, dentro dos limites da palavra. Através do estudo de fenômenos segmentais e suprassegmentais do Português Medieval, apreendidos pela análise da métrica das cantigas, apresenta-se primeiramente um estudo quantitativo dos encontros vocálicos do PA, discutindo, posteriormente, todas as possibilidades de resolução dessas sequências (i.e. ditongos crescentes, ditongos decrescentes e hiatos), em busca de um algoritmo que preveja a ocorrência de cada um desses tipos, dentro de uma abordagem otimalista da Fonologia. Para o mapeamento dos dados, a metodologia empregada foi a já anteriormente utilizada em minha tese de doutoramento (Massini-Cagliari, 1995, 1999a) e em trabalhos que nela se baseiam (dissertações de mestrado e teses de doutorado por mim orientadas na UNESP de Araraquara: Granucci, 2001; Zucarelli, 2002; Biagioni, 2002; Pinheiro, 2004; Somenzari, 2006; Costa, 2006; Fonte, 2010a – publicado em Fonte, 2010b; Prado, 2010; Abreu, 2012; Amaral, 2012; Favaro, 2012; Migliorini, 2012; Gementi, 2013; Fonte, 2014).17 Essa metodologia parte da busca na escansão dos versos em sílabas poéticas dos limites entre as sílabas fonéticas. Especificamente com relação ao estabelecimento das fronteiras silábicas internas à palavra no caso de encontros vocálicos e à categorização desses encontros como ditongos ou hiatos, é particularmente relevante a observação dessas fronteiras no meio dos versos, como mostra o exemplo (2.29), que traz a segunda estrofe da cantiga A42, reproduzida na Figura 2.1, “Maravilho-m’eu, mia senhor”, de autoria de Martin Soares,18 já que, no final dos versos, por causa dos preceitos de metrificação da época, que exigiam que às vezes as sílabas átonas finais de verso fossem desconsideradas na contagem, às vezes não (a chamada lei de Mussafia),19 podia haver dúvidas quando à consideração, por exemplo, de eu em deu e seu (versos 5 e 6 da segunda estrofe) como ditongo (portanto, finalizando versos agudos, como monossílabos tônicos) ou como hiato (finalizando versos graves, como dissílabos

17 Para um panorama dos trabalhos já desenvolvidos no contexto do Grupo de Pesquisa Fonologia do Português: Arcaico & Brasileiro, ver Massini-Cagliari (2013). 18 Na versão de Michaëlis de Vasconcelos (1904, p.91). 19 Cunha (2004, p.88) define a lei de Mussafia como “a correspondência de versos metricamente distintos mas aritmeticamente iguais quanto ao número de sílabas”. A respeito da lei de Mussafia (Mussafia, 1896), ver Massini-Cagliari (1999a, p.57-9) e as obras aí referidas.

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paroxítonos). Comparem-se estas duas palavras com a ocorrência de Deus, nos versos 3 e 5 dessa mesma estrofe, que, por estar posicionada no meio do verso, indiscutivelmente deve ter a sequência eu classificada como ditongo, já que, caso fosse um hiato, o verso fugiria ao padrão métrico da cantiga: versos octossílabos agudos. Pelas mesmas razões, devem ser consideradas ditongo decrescente a sequência eu do primeiro verso do exemplo, ditongo crescente a sequência ia do primeiro verso, e hiatos as sequências ia, do sexto verso, e oe, do último. (2.29) A/ques/to/ di/gu’eu,/ mia/ se/nhor. por/ quan/to/ vus/ que/ro/ di/zer: por/ que/ vus/ fez/ Deus/ en/ten/der de/ to/do/ ben/ sem/pr’ o/ me/lhor. E/ a/ quen/ Deus/ tan/to/ ben/ deu, de/vi/a-/s’a/ nem/brar/ do/ seu o/men/ cui/ta/d’, e/ a/ do/er.

Figura 2.1. Segunda estrofe da cantiga “Maravilho-m’eu, mia senhor” (A42). Cancioneiro da Ajuda – Lisboa: Edições Távola Redonda, 1994. Edição fac-similada, p.97.

Dentro da perspectiva da TO, um estudo quantitativo como o que será apresentado na Seção 2.2.1 é de extrema relevância, no sentido de apontar as tendências principais da língua, em termos de silabações ótimas e excepcionais, além de resoluções inaceitáveis em PA para sequências de vogais.

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Como mostra a Tabela 2.1, a seguir, foi mapeado no corpus um total de 6777 sequências vocálicas, incluindo encontros de duas vogais orais, uma vogal oral e uma vogal nasal, uma vogal nasal e uma vogal oral, e duas vogais nasais. Tabela 2.1. Sequências vocálicas mapeadas no corpus. Fonte

Quantidade absoluta de sequências vocálicas (percentual)

Cantigas profanas

2331 (34,4%)

Cantigas religiosas

4446 (65,6%)

TOTAL

6777 (100%)

2.2.1 A combinação de vogais no Português Arcaico: ditongos e hiatos Como mostram o Gráfico 2.1 e a Tabela 2.2, no levantamento que foi feito no corpus considerado, foi possível encontrar um total de 6777 encontros entre vogais internamente à palavra, dos quais 4764 (70,3%) são ditongos e 2013 (29,7%), hiatos. Desse fato, pode ser inferida a enorme preferência do PA pela silabação de sequências de vogais como ditongos. No entanto, ao contrário do que acontece no PB atual, os hiatos são mais tolerados em PA e, em alguns casos, são a única solução possível de silabação de encontros vocálicos intra e intervocabulares (por exemplo, vogais duplas).

Gráfico 2.1. Tipos de encontros vocálicos.

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Tabela 2.2. Tipos de encontro vocálico no PA. Tipo de encontro vocálico

Quantidade absoluta (percentual)

Ditongos crescentes: I+V profanas religiosas

127 (1,8%) 45 (0,7%)

Subtotal (ditongos I+V)

172 (2,5%)

QU-/GU- + V profanas religiosas

135 (2%) 201 (3%)

Subtotal (ditongos QU-/GU- + V)

336 (5%)

Subtotal (ditongos crescentes)

508 (7,5%)

Ditongos decrescentes: profanas religiosas

1702 (25,1%) 2554 (37,7%)

Subtotal (ditongos decrescentes)

4256 (62,8%)

Subtotal (ditongos)

4764 (70,3%)

Hiatos (vogal oral + vogal): profanas religiosas

313 (4,7%) 1182 (17,4%)

Subtotal (hiatos vogal oral + vogal)

1495 (22,1%)

Hiatos (vogal nasal + vogal): profanas religiosas

54 (0,8%) 464 (6,8%)

Subtotal (hiatos vogal nasal + vogal)

518 (7,6%)

Subtotal (hiatos)

2013 (29,7%)

TOTAL

6777 (100%)

2.2.1.1 Ditongos

Dentre os ditongos, os dados de Zucarelli (2002, p.67 e 76), que estudou os encontros vocálicos intravocabulares do PA em uma perspectiva derivacional não linear, considerando um corpus de 107 cantigas de amigo e amor, extraídas do Cancioneiro da Ajuda, do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa e do Pergaminho Vindel, permitem chegar a um total de 89% de ditongos decrescentes e apenas 11% de ditongos decrescentes. Esses últimos, de uma distribuição restritíssima, podiam ser formados, no nível fonológico, apenas pelas sequências ia, io, uma vez que Zucarelli não considera como ditongos fonológicos (mas apenas fonéticos) sequências do tipo QU-/GU- + V (por exemplo: augua; quando).

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Embora o corpus que aqui se considera seja muito mais amplo do que o de Zucarelli (2002), o levantamento quantitativo de dados possibilitou chegar a resultados muito semelhantes aos dessa pesquisadora, já que apontou como produto as seguintes quantidades: 89,3% de ditongos decrescentes (4764 casos) contra 10,7% de ditongos crescentes (apenas 508 casos) – Tabela 2.3.

Tabela 2.3. Ditongos. DITONGOS Ditongos crescentes: I+V profanas religiosas

127 (2,7%) 45 (0,9%)

Subtotal (ditongos I+V)

172 (3,6%)

QU-/GU- + V profanas religiosas

135 (2,9%) 201 (4,2%)

Subtotal (ditongos QU-/GU- + V)

336 (7,1%)

Subtotal (ditongos crescentes)

508 (10,7%)

Ditongos decrescentes: profanas religiosas

1702 (35,7%) 2554 (53,6%)

Subtotal (ditongos decrescentes)

4256 (89,3%)

TOTAL (ditongos)

4764 (100%)

Como se pode facilmente perceber a partir dos dados quantitativos obtidos através da análise do corpus, o ditongo decrescente é a silabação preferida pelo PA para uma sequência vocálica, mesmo quando são considerados e comparados entre si todos os tipos de soluções possíveis, incluindo os hiatos (ver Gráfico 2.2). Neste sentido, pode-se dizer que o ditongo decrescente é a silabação “ótima” para sequências de vogais no Português Medieval. Por esse motivo, a análise aqui pretendida de cada um dos padrões de silabação possíveis para encontros vocálicos no Português Medieval inicia-se justamente a partir dos ditongos decrescentes.

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Gráfico 2.2. Ditongos e hiatos.

A Tabela 2.4, a seguir, mostra a distribuição de cada tipo de ditongo decrescente no universo do corpus.

Tabela 2.4. Ditongos decrescentes. Ditongo

Cantigas profanas

Cantigas religiosas

Subtotal

ai

161

163

324

au

1

3

4

ei

378

480

858

eu /ew/

11

88

99

eu /ɛw/

571

449

1020

iu

12

96

108

oi

214

388

602

ou

180

545

725

ui

174

342

516

Subtotal

1702

2554

4256

O Quadro 2.5 traz todas as palavras contendo ditongos decrescentes que puderam ser mapeadas durante a análise, apontando todos os padrões de ditongos decrescentes encontrados.

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Quadro 2.5. Ditongos decrescentes. Sílaba pretônica ai

alcayotaria, alcayotas, bailar; bailemos; dayan, faiçon, mayor, mayores, Vayamos

au ei

bautismo, bautizar, caudela

oi

anoytecia, ascoitade, ascoitar, coydades, coidar, coidando, coitada, coitadas, coitado, coitados, moyreu, oimais, oyteenta

ou

apousentar, aprouguer, cousimento, cousir, cousira, dourada, jouve, jouvera, louçãa, loução, louçãos, loucura, mouron, ouçades, ourivez, ousadia, ousar, ousaron, oussase, ousei, ousou, outorgado, outorgar, outorgaria, outorgasse, outorgava, outre, outrossi, ouver, ouvera, ouveran, ouveron, ouvesse, ouuessedes, ouvessen, pousada, pousar, pousauã, prouguer, prouguesse, souber, soubera, soubere, souberon, soubesse, soubessedes, trouxeran, trouxeron, trouxesse

ui

acuitelada, ascuitado, ascuitados, cuydades, cuidado, cuidando, cuidar, cuidarei, cuidaria, cuidaron, cuidasse, cuidava, cuidavan, cuidei, cuidou, cuitada, cuitado, cuitados, cuitelo, juigados, Juyão, juygar

ai

Ai, alcayde, alfaya, ayre, caia, Cesaira, contrairo, demais, guaruaya, Locaya, iamays, mais, oymays, paay, quiçay, retraya, saya, vai

au

ao*

ei

acabei, acharei, achei, acordei, amarei, afeito, amei, andey, ampararei, arqueiros, arteiro, asperei, assanhey; assanharey, auenturey, auelaneyras, auerei, azỹeira, beeita, beeito, beijo, beira, busquei, cadeira, carreira, carreiras, cavaleiro, certeira, certeiro, ceveyra, chamei, cheira, cobrarei, comecei, congeyto, conpanneira, conpanneiro, conpanneiros, conqueiro, contarei, contei, contreita, contreito, cordeiros, cortarei, covilleira, cuidarei, cuidei, darei, deito, departirey, dereita/ mente,** dereito, dereitureira, deseiei, desfeito, despeito, dey, dezesseis, direi, duradeira, ei, enconlleito, enpreguey, enteira, erdeiro, errey, ensandeçerei, escolleyta, escolleito, escorreyto, escudeyro, estreito, falarei, falei, farei, fazfeiro, feita, feito, feitos, fiquei, fogueira, fronteira, guardey, guiarei, guysarey, irei, josticeira, lauey, lei, leite, leito, leixa, leixe, leixei, leuãtey, leuei, liey, loarei, loei, lumeeyra, madeira, maltreito, maltreitos, mandadeira, mandadeiro, maneira, maneiras, marteiro, mentireira, mõesteiro, moleira, monteira, morei, morrerei, namorey, neguei, neicio, odeito, omez[i]eyra, ousei, paguei, partirei, peito, peitos, perderei, perdoei, poderei, porteiros, porrey, prazenteira, preito, prenderei, primeira, primeiro, provarei, proveito, poderei, punnarei, punnei, queira, queiras, queixo, querrei, quitei, reçeei, refeiro, rei, reino, reis, retreito, reyne, reynos, ribeira, rogarei, roguei, sabedeiras, sei, seis, senlleira, sentirei, serey, servirey, soqueixo, sospeyta, teito, terceira, terrei, tolleito, tornei, torticeyra, trasgeito, trebelhey, treita, treyto, veerei, veira, verdadeira, verdadeira/mente, verdadeyro, vidreira, uiuerei

aleyuosa; beeizer, beeições, beijar, beijara, beijou, beyçudo, beyjando, cheiro, deitadas, deitar, deitaran, deitaron, deitava, deitou, dereitamente, dereitureira, deytada, deytan, eigreja, eixame, feituras, leixada; leixade; leyxades; leixar, leixara, leixara (fut.), leixarey; leixaremos, leixaria, leixarian, leixaron, leixasse, leixassen, leixava, leixavan, leixei, leixou, malfeitor, neiçidade, oqueijões, pedreiras, peyor, queimada, queimado, queimar, queirades, queixar, queixara (fut.), queixume, queixou, reinasse, sospeytada, sospeitaron

Sílaba tônica

Continua

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Quadro 2.5. Continuação Sílaba tônica eu /eu/

acolleu, acorreu, adormeceu, apareceu, apercebeu, aprendeu, caeu, cofondeu, cometeu, comeu, connoceu, conquereu, conteceu, conteo, converteu, creceu, deçendeu, deceu, defendeu, desaprendeu, ençendeu, enssandeceu, entendeu, ergeu, esclareceu, falleceo, leeu, meteu, morreu, naçeu, ofereo, pareceu, perdeu, prometeu, recebeu, respondeu, soffreu, sandeu, tolleu, torceu, tramateu, tremeu, venceo, viveu

eu /ɛw/ deu, deus, encreu, encreus,eu, Filisteus, greu, judeu, judeus, leu, lheu, Machabeus, Mateus, meu, meus, romeus, seu, seus, teu, teus iu

abriu, arreferyu, compriu, consentiu, consomiu, destroyu, dormiu, espedyu, faliu, feriu, fogiu, guariu, mentiu, oyu, partiu, paryu, pediu, recodiu, reemiu, repentiu, resurgiu, sayu, sentiu, viu

oi

agoiro, coidan, coita, coitas, depois, dormidoiro, foi, moira, moiro, noite, noites, oito, pois

ou

achou, acusou, ageollou, ajudou, alongou, amostrou, amou, andou, apresentou, assanhou, atravessou, babous, Badallouce, baratou, beijou, braadou, britou, buscou, cantou, catou, chamou, chegou, chorou, começous, consellou, contou, contou, cousa, cousas, criou, cuidou, deitou, demostrou, derribou, despreçou, dou, dous, durou, encontrou, enganou, enpregou, enprennou, entrou, ensserrou, enviou, errou, espertou, estou, falou, ficou, fillou, forçou, furtou, guardou, guiou, guisou, jurou, leixou, levou, livrou, louco, mamou, mandou, matou, morou, mouro, mouros, mostrou, mudou, nembrou, obridou, ou, ousa, ousou, outra, outras, outre, outro, outros, ouve, ouvo, pagou, parou, passou, pensou, pesou, pintou, pouca, poucas, pouco, poucos, provou, prougue, prougo, punnou, queixou, quitou, reçeou, rezou, rogou, sacou, sãou, serrou, soube, tallou, tardou, tesouro, tirou, topou, tornou, touca, toucas, trouxe, untou, vou

ui

cuide, cuido, cuita, cuitas, fruita, fui, mercuiro, mui, muita, muitas, muito, muitos

* Hiato realizado foneticamente como ditongo, como recurso estilístico-rítmico, com a finalidade de manter a isometria dos versos. ** Esta forma específica aparece nos versos 95 e 96 da cantiga CSM122: dereita aparece no final do verso 95, rimando com escolleyta e sospeita – na posição tônica principal do verso, portanto.

Como se pode observar, a partir da comparação entre o Quadro 2.5 e a Tabela 2.4, embora o ditongo éu /ɛw/ seja o mais recorrente no conjunto de cantigas considerado, é o ditongo ei que conta com a maior variedade de palavras. De fato, observa-se que há uma repetição das mesmas poucas palavras contendo o ditongo éu, especialmente as palavras eu, meu e Deus, que ocorrem em quase todas as cantigas analisadas, geralmente mais de uma vez. Por outro lado, o ditongo ei aparece em um maior número de palavras.20

20 Sobre a evolução do valor das grafias –eu e –eo em português, do século XIII ao XVI, ver Cunha (2004). Sobre a diferenciação das vogais médias nas CSM, ver Fonte (2010a,b e 2014).

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Na verdade, como mostra a Tabela 2.5, a maior ou menor recorrência dos ditongos está relacionada principalmente a dois fatores: o primeiro (já mencionado), é a ocorrência em um número maior de palavras; o segundo é o fato de alguns ditongos decrescentes serem suporte de marcas de tempo/ modo/aspecto, em terminações verbais. Dessa forma, a razão para o ditongo ei figurar entre os mais recorrentes é o fato de este ditongo caracterizar a terminação de dois tempos verbais: o Pretérito Perfeito do Indicativo (1a pessoa do singular; 2a conjugação – exemplo: acabei) e o Futuro do Indicativo (1a pessoa do singular; em todas as conjugações – por exemplo, prenderei). De fato, há apenas três ditongos que podem ocorrer como realização de flexões verbais, além de ei: eu /ew/ (Pretérito Perfeito do Indicativo; 3a pessoa do singular; 2a conjugação – por exemplo, prendeu), iu (Pretérito Perfeito do Indicativo; 3a pessoa do singular; 3a conjugação – por exemplo, abriu) e ou (Pretérito Perfeito do Indicativo; 3a pessoa do singular; 1a conjugação – por exemplo, achou). Com exceção de ou (que, como mostram as tabelas a seguir, quando comparadas ao Quadro 2.6, ocorre como parte do radical derivacional de várias palavras), todos esses ditongos são mais recorrentes em posição de flexão verbal do que em outros contextos. O ditongo iu, inclusive, não ocorre em qualquer outro contexto. Por sua vez, outros ditongos, como ai, oi, éu e ui, são também terminações de formas verbais irregulares muito recorrentes, como vai, deu, foi e fui. Tabela 2.5. Correlação: ditongo decrescente e terminação verbal. Ditongo

Em terminações verbais

Em outras posições na palavra

Subtotal

ai

5

319

324

au

---

4

4 858

ei

429

429

eu /ew/

92

7

99

eu /ɛw/

29

991

1020

iu

108

---

108

oi

235

367

602

ou

272

453

725

ui

17

499

516

Subtotal

1187

3069

4256

Como já foi mostrado em Massini-Cagliari (1995, 1999a), há uma forte correlação entre a ocorrência de ditongos decrescentes no PA e o posicio-

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namento do acento lexical. De fato, como mostra a Tabela 2.6, ditongos decrescentes nunca ocorrem em posições postônicas no PA: foi possível mapear ditongos dessa natureza apenas em posições tônicas e pretônicas. Esse fato tem sido um dos argumentos cruciais para a consideração da sensibilidade à quantidade silábica na atribuição do acento no PA, uma vez que sílabas contendo ditongos decrescentes comportam-se indubitavelmente como pesadas nessa língua (a exemplo do que ocorre com as sílabas travadas por consoante), atraindo para si o acento lexical, quando localizadas na última posição silábica da palavra.21 Tabela 2.6. Ditongos decrescentes: pauta prosódica (I). Ditongo

Sílaba pretônica

Sílaba tônica

Subtotal

ai

49

275

324

au

3

1

4

ei

131

727

858

eu /ew/

---

99

99

eu /ɛw/

---

1020

1020

iu

---

108

108

oi

45

557

602

ou

135

590

725

ui

67

449

516

Subtotal

430

3826

4256

A correlação entre pauta prosódica e ocorrência de ditongos decrescentes comprova que a atração do acento lexical em circunstâncias favoráveis é um fator crucialmente relevante, no sentido de que todos os ditongos decrescentes (com exceção de au, um quase arcaísmo, na época) são muito mais frequentes em posição tônica do que em posição pretônica. Três deles, inclusive, nunca aparecem em posição pretônica: éu (/ɛw/), eu e iu. De fato, não era mesmo de se esperar a ocorrência de éu (/ɛw/) em posição pretônica, uma vez que a vogal [ɛ] só é licenciada em posição acentuada. No entanto, não há restrições desse tipo com relação às vogais [i] e [e]. A restrição da ocorrência de iu em posição pretônica pode estar relacionada

21 Ver, a este respeito, Massini-Cagliari (1995, 1999a) e o Capítulo 3 deste livro.

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ao fato de este ditongo ter ocorrido apenas como marcador de desinência verbal (Tabela 2.5). Por sua vez, todas as ocorrências de eu em posição outra que não de terminação verbal referem-se à palavra sandeu; neste caso, uma restrição com relação à ocorrência desse ditongo fora do ambiente de desinência verbal pode ser relevante, a exemplo do que ocorre com o ditongo iu. Como já foi mostrado na Tabela 2.2, foram localizados no corpus apenas 508 casos de ditongos crescentes, correspondendo a apenas 7,5% entre todas as sequências vocálicas mapeadas – uma solução para a silabação de encontros vocálicos quase “marginal”, no PA, se comparada à quantidade de ditongos decrescentes. Além disso, todos os casos de ditongos crescentes mapeados podem ser distribuídos em apenas dois tipos: 1. ditongos formados pela vogal I, seguida de A ou O; 2. ditongos formados pela vogal U precedida de consoante oclusiva velar (/k/ ou /ɡ/), seguida de A. A distribuição desses dois tipos de ditongos crescentes no corpus é apresentada na Tabela 2.7. Tabela 2.7. Ditongos crescentes (geral). Fonte

Ditongos I+V

Ditongos QU-/GU- + V

Total de ocorrências

Cantigas profanas

127 (25%)

135 (26,6%)

262 (51,6%)

45 (8,9%)

201 (39,5%)

246 (48,4%)

172 (33,9%)

336 (66,1%)

508 (100%)

Cantigas religiosas Subtotal

Dos 508 casos de ditongos crescentes em PA, 172 (33,9% do total de ditongos crescentes e apenas 2,5% do total das sequências vocálicas) correspondem a ditongos crescentes formados pela vogal I seguida de A ou O. Na Tabela 2.8, apresenta-se a distribuição dos casos de ditongos desse tipo entre os dois corpora (de cantigas profanas e de cantigas religiosas). Tabela 2.8. Ditongos crescentes I + V. Fonte

IA

IO

Total de ocorrências

126

1

127

Cantigas religiosas

38

7

45

Subtotal

164

8

172

Cantigas profanas

O Quadro 2.6 traz todas as palavras localizadas no corpus, contendo ditongos crescentes do tipo I + V.

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A MÚSICA DA FALA DOS TROVADORES

113

Quadro 2.6. Ditongos crescentes I+V. Sílaba tônica ia

mia, mias, sabiades

io

soberviosa/mente*

ia

bestias, caomia, chuvia, comia, Perssia, reliquias, sábia, sábian, sábias, Segovia, sobervia

io

dormio, juyzio, nervio, novio

Sílaba postônica

* Esta forma específica aparece nos versos 48 e 49 da cantiga CSM192: soberviosa aparece no final do verso 48, rimando com groriosa – na posição tônica principal do verso, portanto.

Uma primeira observação importante a ser feita com relação a esse tipo de ditongo é a de que há uma enorme desproporção entre os casos de ditongos IA e IO: o ditongo crescente IO ocorre apenas oito vezes em todo o universo do corpus. Uma segunda e importantíssima observação dá conta do fato de que, ao contrário dos ditongos decrescentes, os ditongos crescentes podem ser encontrados em sílabas postônicas. Além disso, na análise que se fez do corpus, não foi possível encontrar qualquer caso de ditongo desse tipo em posição pretônica (ver Quadro 2.6). Esse fato pode ser observado a partir da Tabela 2.9.

Tabela 2.9. Ditongos crescentes I+V: pauta prosódica. Fontes

Sílaba tônica

Sílaba postônica

Subtotal

Cantigas profanas

123

4

127

Cantigas religiosas

15

30

45

Subtotal

138

34

172

A Tabela 2.9 mostra que, embora haja um número relevante de casos de ditongos crescentes ocorrendo em posição postônica, no cômputo geral, há uma maior concentração dos dados em sílaba tônica. Desde já, é importante ressaltar o fato de que a mera possibilidade de existência de ditongos crescentes em posição postônica já é algo bastante notável, em comparação com o que ocorre com os ditongos decrescentes. Porém, os dados apresentados na Tabela 2.9 encontram-se “mascarados” pela grande recorrência do pro-

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nome miá (e seu plural miá(s)) – que ocorre 122 vezes no corpus de cantigas profanas e 12 no de religiosas. Se retirarmos das quantidades supracitadas as relativas a esse pronome (ver Tabela 2.10), pode-se observar que, ao contrário do que parece a princípio, o ambiente “ótimo” para a ocorrência de ditongos crescentes dessa natureza é átono, ou seja, sílabas postônicas. Não se pode esquecer, também, que, com relação à palavra miá (tônica), monossílaba, não existe outra possibilidade de acentuação (ocorre, porém, a forma mía, dissílaba paroxítona).

Tabela 2.10. Ditongos crescentes I+V: pauta prosódica (excluindo a palavra miá). Sílaba tônica

Sílaba postônica

Subtotal

Cantigas profanas

Fontes

1

4

5

Cantigas religiosas

3

30

33

Subtotal

4

34

38

O outro único tipo de ditongo crescente possível no nível fonético no PA são os ditongos do tipo QU-/GU- +V (em que V=[a]). Foram localizados 336 casos de ditongos dessa natureza, distribuídos conforme mostra a Tabela 2.11. Essa quantidade corresponde a 66,1% do total de ditongos crescentes do corpus, 7,1% do total de ditongos e 5% do total de sequências vocálicas. Tabela 2.11. Ditongos crescentes QU-/GU- +V. QU- + V

GU- + V

Total de ocorrências

Cantigas profanas

Fonte

103

32

135

Cantigas religiosas

125

76

201

Subtotal

228

108

336

O Quadro 2.7 mostra todas as palavras encontradas que contêm ditongos desse tipo. É interessante observar que, ao contrário dos ditongos crescentes I+V e dos ditongos decrescentes, ditongos crescentes do tipo QU-/GU- +V podem figurar em qualquer contexto, com relação à pauta prosódica. Este fator é de suma importância para a determinação do status fonológico desse tipo de sequência (ver Seção 2.2.2).

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A MÚSICA DA FALA DOS TROVADORES

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Quadro 2.7. Ditongos crescentes QU-/GU- + V. Sílaba pretônica ua

Aguadalquivir, aguardador, aguardando, gualardon, guardada, guardade, guardado, guardador, guardar, guardaria, guardassen, guardava, guardey, guardou, guareçer, guarecera, guareçesse, guarida, guarido, guaridos, guarir, guariu, guarredes, guaruaya, quadrava

ua

enquanto, guarda, guarde, guarden, guardes, lenguages, menguada, menguado, minguar, pasqual, quaes, qual, quan, quando, quanta, quantas, quanto, quantos, quatro

Sílaba tônica

Sílaba postônica ua

agua/augua, egua, lingua, linguas, mingua

2.2.1.2 Hiatos

No levantamento quantitativo que se fez, considerando o corpus misto de cantigas profanas e religiosas, foram encontrados 2013 hiatos – o que corresponde a 29,7% dos casos de sequências vocálicas (uma solução não majoritária, portanto, mas estatisticamente bastante relevante). Os dados foram divididos de acordo com a natureza da primeira vogal envolvida no hiato, se oral (hiatos V+V) ou nasal (hiatos ṽ+V). Como mostra a Tabela 2.12, com relação aos hiatos, manteve-se a tendência geral de obtenção de muito mais dados a partir das cinquenta cantigas religiosas do que das cem cantigas profanas. Isso pode ser explicado pelo fato de as CSM serem tradicionalmente cantigas muito mais longas do que as profanas, além de, em muitos casos, terem versos mais longos (com um maior número de sílabas poéticas). Porém, há outra diferença relevante entre os dados provindos dos corpora de cantigas profanas, por um lado, e religiosas, por outro. Nas CSM, ocorre o dobro de hiatos do tipo vogal nasal + vogal do que no corpus de cantigas de amor e de amigo: nas CSM, há 28,2% de casos (464 em 1646); nas cantigas profanas, o percentual é de 14,7% (54 em 367). Tabela 2.12. Hiatos (geral). Fonte

Vogal oral + vogal

Vogal nasal + vogal

Subtotal

profanas

313 (15,5%)

54 (2,7%)

367 (18,2%)

religiosas

1182 (58,8%)

464 (23%)

1646 (81,8%)

Subtotal

1495 (74,3%)

518 (25,7%)

2013 (100%)

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Há 1495 casos de hiatos cuja primeira vogal é oral (hiatos do tipo vogal oral + vogal ou hiatos V+V). Essa quantia corresponde a 74,3% de todos os hiatos do corpus (ver Tabela 2.12) e a 22,1 % de todas as sequências vocálicas (ver Tabela 2.2). O Quadro 2.8 traz todas as palavras localizadas no corpus em que figuram os hiatos considerados no levantamento quantitativo.

Quadro 2.8. Hiatos (vogal oral + vogal). Pretônica + pretônica a+a

braadando, braadar, braadou, Faaron, gaannado, gaannar, sinaadamente

a+e

caentade, escaeçer, escaecia, escaentando, maestria, traedor

a+i

sayria

a+o

aorada, aorar, caomia

a+u

saudada, saudar, saudavas

e+a

creatura, deslealdade, lealdade

e+e

creeria, enpeecesse, meezinna, preegador, preegar, reemiu, seera, seeren, ueeran, veeras, veeredes, veerei

e+i

deidade

e+o

deoessa, leonor

i+a

criador, fiador, fiará, guiarei, piadade, piadades, piadosa, piadoso, Siagrio

i+e

piedade, piedosa

i+i

cobiiçar

o+a

Joachin, loadores, loarei

o+i

coirmãa, oydores, oyria

o+o

voontade, voontades

a+a

faago, gaanne, paay, sinaado, vaan

a+e

caendo, caente, caer, caera, caesse, caeu, maestre, maestres, retraer, saendo

a+i

ainda, campaynna, caỹ, caya, envayr, paraiso, rayz, sair, saisse, saissen, sayan, sayda, saydo, sayron, sayu, Ysaya

a+u

caudo, saudes, traudo

e+a e+e

adeante, creades, creamos, deante, desleal, eãyo, leal

Pretônica + tônica

Beleem, creede; creedes, creentes, creer; descreer, leer, leeu, lumeeira, oyteenta, reçeey; seendo, seer; ueede; ueedes; ueendo; ueer

e+ɛ

ueher; vehesse; veemos, veeron, vehesTes

e+i

creya, creyan, Reynna, seya

e+o

Leon, meogo, peor, peões, reçeou, Simeon

e+u

ameude, descreudo, neũu recreudo, veudo Continua

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Quadro 2.8. Continuação Pretônica + tônica i+a

adevyar, ciada, confiando, criada, criar, criaron, criava, desfiar, diabo, diabre, Diago, enviar, enviaron, enuyasse, fiança, fiar, fiavas, guiar, patriarcha, persiãos, vianda

i+e

i + e: liey

i+ɛ (?)

Gabriel

i+i

criia, fiiz, liia, remiir, riindo, riir, siia, sijam, tiinna, triigo, viinna, viir, viya

i+o

criou, enviou, groriosa, grorioso, guyou, luxurioso, pepiões, perfioso, preciosa, religion, religioso

i+u

fiuza, myudo, niũa, niun, Recessiundo

o+a

Ioana, loada, loado, loar, loaron, perdoasse, voando

o+e

aloe, doente, doede, doer, loei, loemos, perdoei, sangoento

o+i

choya, destroya, destroyr, goir, oir, oy, oya, oyda, oyde, oydes, oydo (subst.), oydo (v.part.), oyndo, oyo, oyren, oyron, oysse, oystes, oyu, soya

o+o

coor, coores, door, doores, loor, loores

u+i

destruyr, destruyu, juyz, juyzio Tônica + postônica

a+a

aa, aas, maa

a+e

cae, estadaes, quaes, taes

a+o

ao, aos, mao, maos

e+a

candea, candeas, correa, crea, fea, Galilea

e+e

cree, creen, lee, merçee, merçees, pee, pees, see, vee

e+o

Avangeo, ceo, ceos, creo, veo

i+a

abadia, alcayotaria, alegria, Almaria, anoytecia, apõyan, apparecia, atreuia, averia, avia, avian, azaria, bavequia, beuiã, bogia, britaria, cabia, cabian, casaria, cavalaria, caya, chamaria, choya, comerian, comia, comian, compannia, compria, conbatian, conceberia, consellaria, corria, cortesia, creeria, crerizia, creyan, crian, criia, cuidaria, daria, darian, decendia, deçia, desafiado, desprazia, destroya, deveria, devia, deuiades, deviamos, dia, dias, dizia, dizian, dizias, dormia, drudaria, entendia, entrestecia, entrevia, envia, eregia, ergia, ergian, escaecia, escomungaria, escrivia, espedia, estendia, falecia, faria, fazia, fazian, ferian, fia, folia, fria, frias, guardaria, guia, guisaria, ia/ya, irya, jazia, leixaria, leixarian, liia, outorgaria, ousadia, oya, oyria, maestria, Maria, Marias, merecian, melloria, metia, mia, mongia, morria, ordian, osmaria, pareçia, parria, partia, partiria, pedia, pedian, perdia, perdõaria, perfia, pesaria, poderia, podia, podian, porria, põyas, prazeria, prazia, prenderia, prendia, profecia, profecias, prometia, queria, queriades, querian, querria, receberia, recebia, reprendia, romaria, romarias, sabia, sabian, sandia, sayan, sayria, sentia, seria, servia, siia, sijam, soya, subia, Suria, valia, via (subst.), via (v.), vias, vigias, vingaria, terria, tĩia, tĩian, tragia, tragian, todavia, tricharia, ualia (v.), ualia (subst.), vençia, verria, vestia, vĩia, vĩian, vivia, vivias, vivirian, yan, yas, Ysaya

i+i

gentiis, fii

i+o

rio, Siagrio

o+a

boa

o+e

doe, does, oe Continua

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GLADIS MASSINI-CAGLIARI

Quadro 2.8. Continuação Tônica + postônica o+o

doo, loo, poos, soo, soon, soos

u+a

duas, rua, ruas, sua, suas, tua

e+e

omees

e+o

angeo, angeos

Postônica + postônica

i+a

Cecilia, lirias, ostia

i+o

Basilio, neicio

o+a

paravoa

o+o

poboo

A exemplo do que fizemos em relação aos ditongos, conduzimos uma busca pelos glossários disponíveis em busca de padrões de hiatos que não haviam sido encontrados no corpus. Esses padrões localizados apenas nos glossários são os seguintes: i+o – prioressa, violar (pretônica + pretônica); u+e – crueza (pretônica + tônica); u+ɛ – cruel, Samuel (pretônica + tônica); u+u – cuu, nuu, muu (tônica + postônica). Ressalte-se, entretanto, que esses padrões são pouquíssimos – o que demonstra a boa representatividade do conjunto de cantigas aqui considerado como base para a análise. Já a Tabela 2.13 mostra que ocorrem hiatos cuja primeira vogal é oral em todos os contextos possíveis, com relação à pauta prosódica: a saber, entre duas vogais pretônicas, entre uma vogal pretônica e a tônica, entre a tônica e a postônica imediatamente seguinte, e entre duas postônicas (no caso de proparoxítonas). É indispensável ressaltar, no entanto, que nem todas as combinações possíveis de vogais do PA aparecem formando hiatos em todos os contextos possíveis. Tabela 2.13. Hiatos (vogal oral + vogal): pauta prosódica. Hiatos

Pretônica + pretônica

Pretônica + tônica

Tônica + postônica

Postônica + postônica

Subtotal

a+a

9

5

42

---

56

a+e

12

33

7

---

52

a+i

1

48

---

---

49

a+o

3

---

53

---

56

a+u

3

3

---

---

6

e+a

4

10

11

---

25 Continua

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Tabela 2.13. Continuação Hiatos

Pretônica + pretônica

Pretônica + tônica

Tônica + postônica

Postônica + postônica

Subtotal

e+e

24

135

32

2

193

e+i

1

18

---

---

19

e+o

2

17

25

14

58

e+u

---

7

---

---

7

i+a

20

35

635

6

696

i+e

2

6

---

---

8

i+i

2

24

2

---

28

i+o

---

32

2

2

36

i+u

---

9

---

---

9

o+a

9

24

4

1

38

o+e

---

13

3

---

16

o+i

3

66

---

---

69

o+o

10

29

12

5

56

o+u

---

---

---

---

---

u+a

---

---

11

---

11

u+e

---

---

---

---

---

u+i

---

7

---

---

7 ---

u+o

---

---

---

---

u+u

---

---

---

---

---

Subtotal

105

521

839

30

1495

Há 518 casos de hiatos cuja primeira vogal é nasal (hiatos do tipo vogal nasal + vogal). Essa quantia corresponde a 25,7% de todos os hiatos (ver Tabela 2.12) e a somente 7,6% do total geral de sequências vocálicas (ver Tabela 2.2). O Quadro 2.9 traz todas as palavras do corpus em que foram localizados hiatos do tipo vogal nasal + vogal. Quadro 2.9. Hiatos (vogal nasal + vogal). Pretônica + pretônica ã+a

certãamente, chãamente, gãara

ã+e

mãefesta

ã+i

certãidade, sãydade, vãidade

e + e

beeições, beeizer, eemigo, eemigos, teevroso

e + o ageollasse, ageollou ĩ+a

devỹador, ordĩamento Continua

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GLADIS MASSINI-CAGLIARI

Quadro 2.9. Continuação Pretônica + pretônica ĩ+i

Trĩidade, virgĩidade

õ + a corõada, perdõados, perdõaria õ + e mõesteiro Pretônica + tônica ã+a

gãados, gãar, grãada, grãado, sãar, sãasse, ssãassen, sãava, sãavan

ã+e

gães

e + a

alumear, ceava, enlumear, nomear, peado

e + e

beeita, beeito, conveera, deteer, lumeeira, manteente, manteer, teen, teendes, teendo, teer, veeron, veesse, veessen

e + o deosto, geollos, meor e + u teuda ĩ+a

espĩaço, ordĩado, Reỹa

ĩ+e

azỹeira

ĩ+i

avĩir, fĩir, tĩia, tĩian, vĩia, vĩian, vĩir

ĩ+u

vỹudo

õ + a dõado, perdõar, perdõardes, perdõaron, perdõasse, razõar, rezõava, rezõavan, sõada, sõar õ + e apõedes, cõellos, compõer, põer õ + o cõorte ũ+a

assũada, comũal, jajũado, jajũar, jajũaron, jajũassen

ã+a

ãa, açãa, antivãa, cãa, canpãa,çertãa, cizillãa, chãa, chrischãa, coirmãa, grãa, humãa, jusãa, lãa, louçãa, mãa, maçãa, mannãa, quintãa, rãa, romãa, sãa, sãan, solarãa, toledãa, vãa

ã+i

eãyo, estrãya, estrãyo

Tônica + postônica

ã + o antivãos, cão, certãos, chão, chrischão, chrischãos, grão, irmão, irmãos, Juyão, loução, louçãos, mão, mãos, pagão, pagãos, persiãos, romãos, são, sãos, vão, vãos, vilão e + a

chea, cheas

e + e

atees, teen, tees, vees

e + o alleo, aveo, cheo, feo, meos, seo, veo ĩ+a

farỹa, menỹa

ĩ+o

camỹo, festỹo, menỹo, mesquỹo, vỹo

õ + a azcõa, bõa, bõas, corõa, dõas, Lisbõa, nõa, padrõa, perdõa, pessõa õ + e beeições, conpannões, corações, dões, ladrões, lijões, limpidõe, oqueijões, peões, pepiões, razões, trões, varões õ + o bõo, bõos, sõo ũ+a

algũa, hũa/ũa, niũa, ũas

ũ+u

algũus, neũu, sũu, ũu/hũu

e + e

omees

Postônica + postônica

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Apenas dois padrões de hiatos cuja primeira vogal é nasal foram localizados exclusivamente nos glossários: ã+e – Guimarães; ũ+e – lũes. Ambos os casos dizem respeito a hiatos em que a primeira vogal é tônica e a segunda, postônica. O que o Quadro 2.9 nos mostra é que, embora hiatos desse tipo possam figurar em todos os contextos possíveis, com relação à pauta prosódica, há restrições ao aparecimento de sequências específicas de vogais em determinados contextos. Por exemplo, no contexto postônica + postônica, em proparoxítonas, só foi localizado o hiato do tipo e+e (que ocorre uma única vez, entretanto). Por sua vez, algumas sequências de vogal nasal + vogal não ocorreram – nem como hiatos nem como ditongos: ã+u, e+i, õ+i, õ+u, ũ+e, ũ+i e ũ+o. Entretanto, tal fato pode estar relacionado apenas à coincidência de esses padrões não ocorrerem nesse corpus específico, não a proibições de ocorrência na língua (fato bastante comum quando se trabalha com dados históricos).

2.2.2 Interpretação fonológica22 Nesta seção, pretende-se apresentar uma análise da silabação de sequências vocálicas no PA, em uma perspectiva otimalista. O objetivo é chegar a uma hierarquia de restrições que preveja as soluções dadas pela língua para cada possibilidade de combinação entre vogais contíguas. O quadro pintado na seção anterior deste capítulo, em que dados quantitativos da ocorrência de cada uma das soluções possíveis de silabação para

22 A análise apresentada nesta Seção 2.2.2 é minha terceira abordagem do assunto, dando conta da distinção entre ditongos e hiatos no PA dentro da TO. Minha primeira proposta, contendo resultados preliminares relativos apenas ao corpus de cantigas profanas, foi apresentada no II Seminário Internacional de Fonologia, realizado na PUC-RS, de 1 a 9 de abril de 2002, na forma da comunicação intitulada Ditongos e hiatos em Português Arcaico: uma abordagem otimalista, que foi publicada em Massini-Cagliari (2003a). Resultados preliminares relativos apenas a uma sequência específica de vogais foram apresentados no L Seminário do GEL, realizado na FFLCH-USP, de 23 a 25 de maio de 2002, na forma da comunicação intitulada A silabação da sequência a+i no Português Arcaico: uma abordagem otimalista da distinção entre ditongos e hiatos (cf. Massini-Cagliari, 2003c). No XVIII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, realizado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, apresentei minha segunda proposta, uma abordagem otimalista da combinação entre vogais altas, na forma da comunicação A formação de ditongos e hiatos no Português Arcaico: a respeito da silabação do nome de um jogral (Massini-Cagliari, 2003d).

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encontros vocálicos foram considerados, sugere um “campo favorável” à abordagem otimalista, no sentido de que tendências claras em direção a, por um lado, privilegiar tipos específicos de silabação e, por outro lado, evitar outros puderam ser encontradas. Como foi mostrado na Seção 2.2.1, o ditongo decrescente é a silabação largamente preferida pelo PA, na combinação de duas vogais em sequência. E, como foi possível observar a partir da Tabela 2.6, esse padrão de silabação nunca ocorre em sílabas postônicas no PA, sendo exclusivo de sílabas tônicas e pretônicas. Essa tabela aponta, inclusive, três ditongos decrescentes que aparecem exclusivamente em posição tônica: eu (/ɛw/), eu e iu. Não é possível a ocorrência de eu (/ɛw/) em posição pretônica, uma vez que a vogal [ɛ] só é licenciada em posição acentuada. Porque a qualidade da vogal média está intimamente ligada à sua posição com relação ao acento, o ditongo eu (/ɛw/) não ocorre em posição pretônica, mas a restrição não se dá com relação ao ditongo como um todo, mas apenas com relação à qualidade da vogal-núcleo – o que, por si só, não é capaz de comprovar um condicionamento do acento sobre a ocorrência de ditongos decrescentes. No entanto, não há restrições desse tipo com relação às vogais [i] e [e]. A restrição da ocorrência de iu em posição pretônica pode estar relacionada ao fato de este ditongo ter ocorrido apenas como marcador de desinência verbal (Tabela 2.5). Mas o mesmo não ocorre com relação ao ditongo eu, que, além das ocorrências em posição de terminação verbal, aparece no nome substantivo sandeu. Como já foi dito anteriormente, a correlação entre pauta prosódica e ocorrência de ditongos decrescentes comprova que a atração do acento lexical em circunstâncias favoráveis é um fator crucialmente relevante, no sentido de que todos os ditongos decrescentes (com exceção de au, um quase arcaísmo, cujo ancestral latino fora transformado em ou) são muito mais frequentes em posição tônica (última ou penúltima sílabas da palavra, justamente aquelas que podem “atrair” para si o acento, por causa da sua localização na palavra – ver Capítulo 3) do que na posição pretônica. A percepção de fatos como estes fizeram que, desde o início dos estudos de sequências vocálicas no PA, fosse estabelecida uma correlação entre pauta prosódica e ocorrência de ditongos decrescentes, nessa língua (cf. Huber, 1986[1933]; Williams, 1975[1938]). Mas essa relação era princi-

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palmente de constatação da ligação entre esses fenômenos, nos estudos filológicos a respeito do vocalismo do PA, e não de causa-consequência, no sentido de que a posição do acento seria a responsável pela realização fonética de sequências vocálicas como ditongos decrescentes. Em minha tese de Doutorado (1995, publicada em 1999a), objetivei estudar o percurso da acentuação do latim ao PB atual, enfatizando, porém, o período arcaico da Língua Portuguesa, crucial para a compreensão da mudança observada nos padrões de acentuação do latim até hoje. Nessa ocasião, pude mostrar como o Português Medieval é sensível ao peso das sílabas para a localização do acento tônico. O que isso quer dizer é que qualquer sílaba pesada (isto é, com duas moras ou mais) localizada na última ou penúltima posição silábica da palavra atrai para si o acento principal. (2.30) sagrádo uírgo

vs. vs.

sagraçón uirgéu

É por esse motivo que não se pode encontrar ditongos decrescentes postônicos em PA. Como o ditongo ocupa duas posições moraicas, a sílaba que o possui é pesada, atraindo inevitavelmente para si o acento, caso esteja posicionada no fim da palavra. Tal fato prova que a correlação existente entre a ocorrência de ditongos decrescentes e a posição do acento é o reflexo fonético de uma relação de causa-consequência fonológica: o acento sendo construído sobre a silabação – e não o contrário. Em outras palavras, a sílaba é acentuada porque contém um ditongo crescente – e não: a sílaba contém um ditongo crescente porque é acentuada. Entretanto, em uma abordagem otimalista, não é necessário o estabelecimento de relações de anterioridade/posterioridade na aplicação de regras, como o que acontecia nos modelos derivacionais, uma vez que, sendo a Fonologia da língua governada por restrições hierarquizadas que avaliam múltiplos outputs de um mesmo input (todos candidatos a “forma ótima”), em tese, as restrições que governam tanto a atribuição de acento como a silabação podem agir ao mesmo tempo. Mesmo com essa possibilidade, os dados do PA provindos da análise quantitativa efetuada anteriormente conformam-se muito mais a um padrão de independência da silabação com relação à atribuição do acento do que a um modelo de inter-relação. Porém, sendo a língua sensível à quantidade silábica na atribuição do acento, o

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contrário não é verdadeiro, já que a localização do acento é decorrente da estruturação silábica. Portanto, na presente análise, pretende-se mostrar que a relação de causa-consequência entre silabação e acentuação estende-se a todos os padrões de silabação de sequências vocálicas no PA, não apenas aos ditongos decrescentes. Dentro da perspectiva da TO, um estudo quantitativo como o apresentado anteriormente é de extrema relevância, no sentido de apontar as tendências principais da língua, em termos de silabações ótimas e excepcionais e de resoluções inaceitáveis em PA para sequências de vogais. Dessa forma, o levantamento quantitativo apresentado apontou a enorme preferência do PA pelos ditongos crescentes, como padrão de silabação de sequências vocálicas. Nesse sentido, pode-se dizer, em termos otimalistas, que o ditongo decrescente é a silabação “ótima” para sequências de vogais orais no Português Medieval. Em trabalhos anteriores sobre a silabação do PA (Massini-Cagliari, 2003a,b,c,d), pude mostrar que a razão para este fato reside na exigência de fidelidade no PA entre as sequências vocálicas do input e do output, já que, quando há a formação de ditongos, não há epêntese de material vocálico ou consonantal entre as vogais que se encontram no input, nem apagamento de uma delas. Em termos otimalistas, pode-se afirmar que, no PA, dado um input VV e os outputs possíveis VG (ditongo decrescente, em que G=glide), GV (ditongo crescente) e VV (hiato), a realização estatisticamente mais relevante VG, na relação entre o input dado e o output escolhido, aponta para a importância das restrições DEP, MAX e ONSET, na silabação de encontros vocálicos. Comparando-se um input VV com um output VG, constata-se que este último não viola DEP, porque não há epênteses, nem MAX, porque também não há apagamentos. ONSET também não é violada (a violação a essa restrição aconteceria se o output preferido fosse o hiato, em que a segunda vogal inicia uma sílaba de onset vazio). Como intravocabularmente os hiatos são permitidos em PA, embora não sejam a silabação mais recorrente, conclui-se que ONSET ocupa uma posição na hierarquia de restrições que gera a silabação das sequências vocálicas em PA abaixo de MAX e DEP. Por atrair o acento para si, quando posicionados no final da palavra, os ditongos decrescentes do PA devem ser considerados pesados. Para ser pesada, a sílaba deve conter pelo menos duas moras.

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Há duas possibilidades teóricas para a distribuição das moras dos ditongos pela planilha silábica, para a constituição de sílabas pesadas (Hayes, 1995): (2.31)

No primeiro caso, tem-se uma sílaba aberta, já que o último elemento é nuclear, e o glide tem um status vocálico; no segundo caso, trata-se de uma sílaba fechada, travada, já que o último elemento pertence à coda, e o glide deve ser considerado consonantal, do ponto de vista fonológico (do ponto de vista fonético, ele é, obviamente, uma vogal). Portanto, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: em PA, o glide dos ditongos decrescentes pertence ao núcleo ou à coda da sílaba? Alguns estudiosos, como Mateus e d’Andrade (2000, p.46) defendem a primeira hipótese para o Português Europeu atual e afirmam que as rimas das sílabas do Português sempre têm uma vogal nuclear e que essa vogal pode ser seguida de um glide no nível fonético; desta forma, o núcleo pode incluir um ditongo decrescente. O argumento mais forte aventado por Mateus e d’Andrade (2000, p.48) é o fato de a nasalização, em palavras como mãe, irmão etc., espraiar por todo o ditongo. Para eles, se o glide estivesse na coda, como a nasal está na coda, somente ele deveria ser afetado pela nasalização. Ora, essa observação de Mateus e d’Andrade desconsidera o fato de que, quando o domínio da regra de nasalização é a rima, todos os elementos desse domínio são afetados pela nasalização. Dessa forma, o glide, inclusive no PE, poderia muito bem ser localizado na coda da sílaba. Com relação ao PA, esse argumento não é válido. Como foi comprovado a partir do levantamento feito no corpus, muitos dos atuais ditongos nasais do PE e do PB eram ainda hiatos no PA (ex.: mão, irmão), ou nem mesmo haviam perdido a consoante nasal interveniente entre as duas vogais em questão (ex.: mano,

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louçano). Parkinson (1993, p.55) mostra, a partir da consideração da métrica e da rima de cantigas medievais galego-portuguesas, que os cancioneiros não trazem evidências favoráveis à convergência de -ão, -ã, -õ e -õe (hiatos) para -ão (ditongo). Câmara Jr. (1985[1970]) classifica os ditongos do Português Brasileiro atual como uma sequência VV. Em uma perspectiva não linear, essa afirmação leva à interpretação de duas posições ocupadas no núcleo. Seu argumento é o fato de, por exemplo, depois de ditongo, não poder ocorrer “R” forte, só “R” fraco (tepe), o que significa dizer que, depois de coda preenchida, só ocorreria “R” forte, como em Israel. Se o glide do ditongo está na coda, então, deveria ocorrer “R” forte e não “R” fraco, como em Europa. O mesmo parece ocorrer em PA. Neste sentido, o glide deveria ser posicionado no núcleo silábico. Somenzari (2006) levantou evidências no sentido de que a consoante representada pela letra R em PA, na posição intervocálica, é geminada, no nível fonológico. Neste sentido, não poderia de forma alguma ocorrer depois de ditongos se o glide estivesse posicionado na coda, porque não haveria lugar de ancoragem para a consoante – o que efetivamente ocorre em PA. Por outro lado, se o glide estivesse no núcleo, isto deveria acontecer – o que não é possível no PA. Esse fato leva à conclusão de que o glide está na coda da sílaba, nos ditongos decrescentes. Mas o argumento mais forte quanto à consideração do glide na coda provém da distribuição das consoantes na parte periférica da sílaba. A exemplo do que ocorre até hoje no PB e no PE, apenas os chamados arquifonemas /S/ e /N/ e as consoantes /r/ e /l/ podem ocorrer na posição de coda, no PA: /r/ (veer, moller, certo, andar, sennor, pastor, Portugal, amor); /S/ (esto, faz, sospeita, aquesta, chus, solaz, triste); /N/ (entender, andar, nembrar, non, razom, coraçon, cantiga, gran, branca); /l/ (algun, sol, culpado, mal, Portugal). Ora, depois de ditongos, apenas /S/ pode ocorrer e, assim mesmo, em final de palavra, como em Deus, pois, mais. Assim, para o PA, a hipótese de que o glide estaria posicionado na coda é a mais adequada, pois dá conta melhor da descrição e da compreensão das estruturas silábicas da língua, que, em todos os outros casos, não possui mais de uma única posição preenchida no núcleo. Em resumo, considerando a distribuição dos elementos vocálicos e consonantais na sílaba do PA e o comportamento das sílabas contendo diton-

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gos, que é análogo ao das sílabas travadas com relação à acentuação (que leva em consideração o peso silábico – Massini-Cagliari, 1999a), deve-se concluir que o PA só aceita uma posição preenchida no núcleo; em consequência, nos ditongos decrescentes, o glide posiciona-se na coda. Assim, conclui-se também que a restrição *CODA – definida anteriormente em (2.14) – pode ser violada em PA para a formação de ditongos decrescentes e de sílabas travadas. A interação no componente EVAL entre esta e as restrições a que aludimos no parágrafo anterior é mostrada no Tableau (2.32). As restrições levadas em consideração para a construção desse tableau foram definidas anteriormente em (2.12). (2.32) a. ☞ b. c. d.

/rei/ .rei. re.i re.䊐i re

MAX

DEP

ONSET

*CODA *

* *! *!

Como os glides dos ditongos decrescentes são posicionados na coda em PA, em decorrência da consideração de núcleos simples, a silabação do glide como segundo elemento de um núcleo complexo é vetada. No Tableau (2.33), essa proibição é evidenciada a partir do conflito entre *CODA e *COMPLEX(N) – definida em (2.34). Por convenção, no Tableau (2.33) – e nos seguintes, quando necessário – o posicionamento do glide no núcleo será indicado por y, que representa o glide anterior (no caso do glide posterior, será utilizado w). (2.33) a. ☞ b.

/rei/ .rei. .rey.

MAX

DEP

*COMPLEX(N) ONSET

*CODA *

*!

(2.34) *COMPLEX(N): Núcleos têm apenas um elemento. (OU Núcleos complexos são proibidos)

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Como já apontado anteriormente, a consideração de uma proibição forte com relação a núcleos complexos no PA tem uma desvantagem (mas várias vantagens, como será visto adiante): parece não prever a possibilidade de ocorrência de ditongos crescentes seguidos de consoante, como ocorre em Deus, mais, pois. Em primeiro lugar, é necessário dizer que nem todas as consoantes licenciadas na coda podem aparecer nessa posição: apenas /S/ ocorre. Isso prova que essa posição não é uma coda “comum”. Para dar conta do posicionamento do glide dos ditongos decrescentes na coda e da proibição de codas complexas no PE, nesses casos, Fikkert e Freitas (1997, apud Santos, 2001, p.81) consideram o /S/ extrassilábico. Zucarelli (2002, p.101-2) prefere considerar a existência de codas complexas no PA, embora considere a hipótese de Fikkert e Freitas como uma solução alternativa. Biagioni (2002, p.147-8) mostra que a “sílaba máxima” do PA, ou seja, a sílaba possível com o maior número de elementos, nunca ultrapassa o número de quatro. As possibilidades listadas por Biagioni são: CCVC (cras); CCVV (preito) e CVVC (deus). As sílabas formadas por ditongos decrescentes seguidos de /S/ nunca ultrapassam o número máximo de elementos por sílaba – o que é um argumento desfavorável à hipótese da extrassilabicidade. Pelos motivos expostos anteriormente, é preferível considerar que, assim como o PA permite onsets complexos, colocando, entretanto, sérias restrições para a sua ocorrência, haveria a possibilidade de formação de codas complexas em contextos restritíssimos. As restrições ao aparecimento de onsets complexos no PA foram traduzidas, em termos otimalistas, na superioridade de COMPLEXOns-COND sobre ONSET no ranking de restrições. Por simetria, pode-se propor que uma restrição do tipo COMPLEXCoda-COND, definida em (2.35), que atuaria em conjunto com CODA-COND e *COMPLEXCoda (já definidas anteriormente em 2.16 e 2.18, respectivamente), está hierarquizada acima de *CODA – como no Tableau (2.36). Essa configuração das restrições hierarquizadas dá conta do aparecimento de palavras como deus, mais e pois. (2.35) COMPLEXCoda-COND: A segunda posição de coda só pode ser preenchida por /S/.

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(2.36) /deus/ MAX

a. ☞ b. c.

CODA-COND; DEP *COMPLEX(N) *COMPLEXCoda; COMPLEXCoda-COND

.deus. .dews. de.us

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ONSET *CODA

*! *

** * *

Como o PA só permite o preenchimento de uma posição no núcleo da sílaba, a atuação de *COMPLEX(N) explica por que as sequências de vogais iguais, no PA, são categoricamente silabadas como hiato. Como mostra o Tableau (2.37), o apagamento de qualquer uma das vogais feriria MAX; a inserção de uma consoante entre elas, DEP. Já a constituição de uma vogal longa fere *COMPLEX(N). A hierarquia de restrições adotada a seguir explica a ocorrência do hiato em todos os exemplos de vogais duplas mapeados no corpus.23 (2.37) a. ☞ b. c. d. e.

/kreer/ cre.er cre:r crer crer cre.er

MAX

DEP

*COMPLEX(N) *!

*! *! *!

ONSET *

*CODA (*) (*) (*) (*) (*)

É importante notar que, em termos diacrônicos, muito provavelmente a restrição *COMPLEX(N) perde posteriormente a sua força, ou seja, vai caindo para posições mais baixas na hierarquia, uma vez que, atualmente, tanto no PB como no PE, vogais duplas não são admitidas. Por outro lado, há, nessas duas variedades do português atual, a possibilidade de formação de ditongos nasais – inexistentes no PA, pela falta de espaço de ancoragem 23 O asterisco entre parênteses representa uma violação à restrição considerada, mas com relação a uma questão que não está sendo discutida no momento, ou com relação a uma outra sílaba da palavra que não a focalizada na discussão. Sem exceção, este tipo de marcação é aqui usado apenas para restrições muito baixas na hierarquia, porque, do contrário, o output avaliado seria descartado por violação fatal.

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para dois elementos vocálicos no núcleo da sílaba, uma vez que a nasal fica na coda, de onde espraia. A hierarquia de restrições considerada em (2.37) explica também a formação de hiatos em vários outros contextos, além da formação de vogais duplas. Por exemplo, quando a segunda vogal de uma sequência é diferente de /i/ e /u/ e não pode constituir um glide de ditongos decrescentes (portanto, não se encaixa nas condições estabelecidas por CODA-COND como uma possível coda), um hiato é obrigatoriamente formado. Isso explica o aparecimento de hiatos em sequências do tipo a+e (escaeçer, traedor, maestre, estadaes, quaes etc.), a+o (aorada, mao etc.), e+a (creatura, desleal, candea etc.), e+o (deoessa, Leon, peor, ceo, creo etc.), o+a (loadores, perdoasse, boa etc.) e o+e (doede, loemos, doe etc.), em que os outputs trazendo silabações possíveis para as combinações de vogal em questão são avaliados da mesma forma que os outputs considerados para a palavra traedor, no Tableau (2.38). (2.38) /traedor/ a. ☞ tra.e.dor b. trae.dor

MAX CODA-COND DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA * (*) *! *(*)

Porque o PA permite apenas um elemento no núcleo, hiatos também são formados quando uma vogal alta é seguida de qualquer outra vogal – Tableau (2.39), para os exemplos Maria e piedade. A tendência majoritária da língua com relação a sequências de V(alta) + V é, portanto, a de evitar a formação de ditongos crescentes. (2.39) a. ☞ b. c. ☞ d.

/maria/ Ma.ri.a Ma.ria /piedade/ pi.e.da.de pie.da.de

MAX

DEP

*COMPLEX(N)

MAX

DEP

*! *COMPLEX(N)

ONSET *

*CODA

ONSET *

*CODA

*!

Em sequências de V+V(alta), muitas vezes o resultado é, também, obrigatoriamente um hiato (e não o ditongo decrescente, tendência ma-

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joritária). Isso acontece quando, após a vogal alta, aparece uma consoante (≠ /S/, incluindo a nasal), porque, nesse caso, como a consoante preencherá prioritariamente a coda, não há mais local para alocação da vogal alta nesse constituinte; desta forma, a vogal alta deve obrigatoriamente ser silabada como núcleo de uma sílaba diferente da da vogal que a precede. Essa é a razão pela qual hiatos são formados nas palavras: ainda, envayr, sair, adevyar, confiando, criar, desfiar, enviar, fiança, fiar, guiar, patriarcha, persiãos, vianda, Gabriel, pepiões, religion, niũa, niun, Recessiundo, destroyr, goir, oir, oyndo, oystes. Nos termos da TO, a restrição à ocorrência de formas como *ail, *air, *ain etc. em rimas do PA pode ser expressa a partir da ação da restrição COMPLEX-CODA-CONDITION – definida em (2.35) –, que atua em conjunto com CODA-COND (2.16) – ver Tableau (2.40): (2.40) /sair/ a. ☞ b. c.

MAX

sa.ir .sair. .sayr.

CODA-COND; DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA COMPLEXCoda-COND * * *!

** *

*!

Pelos mesmos motivos, a formação de um hiato é obrigatória em sequências de V(alta)+V+V(alta), uma vez que, constituído um ditongo decrescente entre V e V(alta), a vogal alta que antecede essa sequência é silabada como núcleo da sílaba anterior – como em liey, enviou, destruyu (ver Tableau (2.41), para liey). (2.41) /liei/

a. ☞ b. c.

MAX

CODA-COND; COMPLEXCoda-COND

li.ei lie.i lyei

DEP

*COMPLEX(N) ONSET *CODA

* *

*! *!

* * *

Pelos motivos expostos anteriormente, fica também explicada a preferência pelo hiato na formação de palavras como rainha/reinha e campaynna.

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Na seção anterior deste capítulo, já foi estabelecido que as consoantes palatais /ʎ/ e /ɲ/ em PA devem ser consideradas complexas, pelas mesmas razões pelas quais Wetzels (2000) assim as considera em PB. Dessa maneira, a formação de um ditongo em reinha feriria COMPLEX-CODA-CONDITION – ver Tableau (2.42). (2.42)

a. ☞ b. c. d. e.

/reinna/ MAX COMPLEXOns- CODA-COND; DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA -COND COMPLEXCoda-COND re.in.na * * rein.na re.i.nna rey.nna reyn.na

*! *! *!

** * *! *!

*

Nos verbos, a partir da Teoria do Alinhamento de McCarthy e Prince (1993), pode-se explicar o aparecimento de vários hiatos cuja segunda vogal é alta, devido a exigências de alinhamento entre a vogal temática verbal (VT) com o núcleo da sílaba a que pertence – restrição ALINHE (VT,N), em (2.43). A necessidade de alinhamento da VT ao núcleo da sílaba acaba por gerar os hiatos mapeados nas formas de particípio caudo, traudo – ver Tableau (2.44). (2.43) ALINHE (VT, NUC): Nos verbos, alinhe a VT com o núcleo da sílaba a que pertence. (2.44) a. ☞ b.

/ka-u-do/ MAX ca.u.do cau.do

ALINHE (VT,N)

*!

DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA * *

No entanto, a hierarquia anteriormente estabelecida não explica a formação de ditongos crescentes nas formas miá, dórmio/dórmia, Simión, sobérvia, ravioso, sábia, cambiár. Há duas observações importantes a este respeito: 1) ao contrário do que acontece com relação aos ditongos decrescentes, os ditongos crescentes podem aparecer em posição postônica – o que prova que

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a sílaba em que se localizam é leve, isto é, monomoraica; 2) a recorrência de ditongos crescentes no corpus é realmente relevante somente com relação à palavra miá (134 ocorrências em um total de 172 – 78%); todas as outras palavras aparecem apenas uma vez ou duas (quatro, no máximo – e, nesse caso, em uma mesma e única cantiga). Esse fato sugere uma realização excepcional, lexicalmente marcada. Mesmo assim, é preciso explicar e prever a oposição entre as formas listadas em (2.45), aparentemente distintas apenas quanto ao acento e à silabação: (2.45) miá (pronome pessoal 1ps) vs. mía (pronome pessoal 1ps) dórmia (pres. subj. 3ps) vs. dormía (pret. imp. Ind. 3ps) sábia (subst.) vs. sabía (verbo)

Nos casos em que a alternância entre ditongo e hiato produz palavras diferentes, no quadro das teorias derivacionais, era possível dizer que a diferença é gramatical. Por exemplo, a estrutura morfológica dos verbos dórmia e dormía reflete importantes distinções de tempo, modo e aspecto (dórmia = Presente do Subjuntivo, 1a ou 3a pessoas do singular; dormía = Pretérito Imperfeito do Indicativo, 1a ou 3a pessoas do singular).24 (2.46) dórmia dormía

radical dormdorm-

VT i i

MT a ia

NP  

O primeiro fato a ser considerado é que, em dormía, há a formação de uma vogal bimoraica. Como já mostrei anteriormente em Massini-Cagliari (1999a, p.177-81), a ocorrência de vogais bimoraicas no PA é permitida em certos contextos de flexão verbal, em que a vogal temática verbal pode ser fundida com uma vogal de mesma qualidade de uma das desinências (modo-temporal ou número-pessoal) – o que resulta na soma das moras de

24 Em (2.46), as abreviaturas VT, MT e NP referem-se à estrutura morfemática desses verbos e significam, respectivamente, vogal temática, desinência modo-temporal e desinência número-pessoal.

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cada uma das vogais. Nesse sentido, em termos derivacionais, a diferença de padrão acentual entre dormía e dórmia é resultado direto do padrão de silabação dessas palavras. Em dormía, o acento recai sobre [i] porque esta é uma vogal bimoraica e o PA é sensível à quantidade silábica na atribuição de acento;25 já em dórmia, o acento recai sobre o radical, porque este é o padrão natural para os tempos presentes (Indicativo e Subjuntivo), nas três pessoas do singular e na terceira pessoa do plural. Por sua vez, e ainda dentro de uma abordagem derivacional, a manutenção da VT em formas como dórmia é algo excepcional, já que, nessas pessoas específicas dos tempos presentes, a VT cai, por regra, diante de outra vogal que carregue status de desinência verbal (ex.: canto: cant – a -  - o; cante: cant - a – e - ). Por esse motivo, pode-se dizer que, mesmo mantendo sua identidade fonética de vogal, i perde a mora a ela associada, em dórmia, o que permite que ela seja associada ao onset silábico – como em (2.47). Em termos derivacionais, portanto, o que se tinha era muito mais do que uma descrição do fenômeno, mas uma explicação, correlacionando a silabação excepcional da sequência mia como consoante mais ditongo crescente ao fenômeno mais geral de queda da VT nas formas presentes dos verbos. (2.47)

Em termos otimalistas, embora seja possível chegar a uma formalização do fenômeno que dê conta de descrevê-lo e de prever o padrão de silabação desejado, a motivação para a sua ocorrência fica menos transparente. Dado o imenso poder da TO, pode-se apontar o padrão de silabação desejado para cada um dos verbos em questão a partir da proposição de uma 25 A fusão da VT com a vogal desinencial seguinte também explica o padrão de silabação de outras formas encontradas no corpus: creýa, creýan, seýa, choýa, destroýa, oý, oýa, oýda, oýde, oýdo, oýu, oýren, oýsse, soýa.

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restrição forte, hierarquizada acima ou no mesmo nível de MAX. Embora esta estratégia aponte para a forma desejada como “ótima” nos tableaux, seu poder explicativo do fenômeno linguístico é bem menor do que o advindo das abordagens derivacionais, uma vez que a motivação para o fenômeno, que vem da conf iguração morfológica de cada verbo, f ica enfraquecida. Para a forma dormía (e similares), a consideração da sua estrutura morfológica leva à formulação de alguma restrição que, nesse caso específico, permita a construção de um núcleo complexo excepcional (contendo uma vogal bimoraica). Esse fato poderia ser expresso a partir da redefinição de *COMPLEX(N), como em (2.34’), prevendo que o núcleo deve ter um elemento apenas no nível segmental – e não no nível moraico. Dessa forma, no Tableau (2.48), em que são avaliados os vários outputs para o input do verbo dormir, nas 1a/3a pessoas do singular do Pretérito Imperfeito do Indicativo, não há violação a *COMPLEX(N) em a – o que faz dessa a forma “ótima”. (2.34’) *COMPLEX(N): Núcleos complexos são proibidos, a não ser os formados por VT+V(des.), em formas verbais. (2.48) a. ☞ b. c. d.

/dorm-i-ia/ dor.mi:.a dor.mi.a dor.mi.a dor.mi.i.a

MAX *! *!

DEP

*COMPLEX(N)

ONSET * * * **

*CODA (*) (*) (*) (*)

Esta solução tem, no entanto, um sério inconveniente: o caráter ad hoc da restrição formulada. Infelizmente, esta não é uma desvantagem exclusiva da restrição *COMPLEX(N). Para dar conta de prever as formas corretas de palavras com vogais duplas (como creer, riir, maa etc.), a definição em (2.34), de caráter mais universal, acabou ficando com um aspecto bastante “paroquial” em (2.34’). Dado o enorme poderio da teoria, qualquer restrição do tipo “paroquial” (isto é, para resolver um problema específico de uma língua específica, sem caráter universal) poderia ser chamada a resolver o problema, com o mesmo resultado prático. De fato, em uma de minhas abordagens anteriores para resolver a questão (Massini-Cagliari,

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2003d), propus a consideração da restrição *HIATO, que proíbe hiatos nas formas do “pretérito”,26 conforme definição em (2.49). Como se pode verificar, também o Tableau (2.50) aponta a forma correta como “ótima”. (2.49) *HIATO: Hiatos entre VT e V(desinência), nas formas “do pretérito”, são proibidos. (2.50) a. ☞ b. c. d. e.

/dorm-i-ia/ dor.mi:.a dor.mi.a dor.mi.a dor.mi.i.a dor.mi.䊐i.a

*HIATO MAX DEP *COMPLEX(N) * *! *! *! *!

ONSET *CODA * (*) * (*) * (*) ** (*) * (*)

Dado o esmagador poder representacional (mas não necessariamente explicativo, entenda-se bem) da teoria, no passado, alguns estudiosos atribuíram a incapacidade de resolver impasses da análise de forma outra senão através da criação de restrições “paroquiais”, consideradas ad hoc, à incapacidade do analista – e não à imperfeição da teoria (Archangeli, 1997, p.15). No entanto, diante de casos como esses, em que há uma aparente contradição no sistema (a saber, hiatos de vogais duplas são proibidos nas desinências verbais, mas obrigatórios nos demais contextos), há apenas soluções insatisfatórias disponíveis na TO. Uma delas é a que foi aqui adotada, ou seja, a proposição de restrições paroquiais. Uma outra é a criação de “subsistemas” dentro do sistema maior, o que equivale a criar duas (ou mais) hierarquias alternativas de restrições, uma que se aplica a um conjunto de dados, outra que se aplica a outro. Essa foi a solução adotada por Lee (2007) para a descrição da acentuação no PB e por Rosenthall (1994), para o acento do Espanhol. Lee (2007) propõe subsistemas diferentes para a geração do padrão acentual de nomes e verbos; por sua vez, cada um desses subsistemas subdivide-se em ainda outros subsistemas, que geram os diferentes padrões de acento: na última, na penúltima ou na antepenúltima sílaba. 26 1a pessoa do singular, Pretérito Perfeito do Indicativo, 2a/3a conjugações; todas as pessoas do Pretérito Imperfeito do Indicativo, 2a/3a conjugações.

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Rosenthall (1994) apresenta hierarquias distintas (e conflitantes, até) para os subsistemas que geram os padrões acentuais na última, na penúltima e na antepenúltima sílaba. O problema com essas soluções é que, em última análise, elas acabam por ter um caráter tão ad hoc quanto a postulação de restrições paroquiais, mesmo se considerada a possibilidade de processamento em paralelo, uma vez que é extremamente difícil prever qual dos diversos subsistemas deve avaliar os candidatos, já que a escolha correta do subsistema avaliador é necessária para alcançar o resultado correto – e a escolha determina o resultado. Sem prever um módulo derivacional dentro do sistema (representacional) da TO, fica impossível determinar qual subsistema (em outras palavras, qual das hierarquias de restrições) deve avaliar cada conjunto de candidatos. Porém, se a teoria teve como origem a proposição de um contraponto representacional às dificuldades advindas dos modelos fonológicos não lineares derivacionais, a introdução de módulos derivacionais dentro da TO chega a ser contraditória. É interessante considerar que a de postulação de restrições “paroquiais” têm a vantagem de espelhar mais fielmente os fatos linguísticos específicos de cada língua, num espírito que se aproxima mais da ideia anterior das teorias derivacionais não lineares de que há fatos linguísticos universais, comuns a todas as línguas do mundo, e outros que são particulares de cada língua (os “parâmetros”, na teoria gerativa de princípios e parâmetros). Nesse espírito, para dar conta da silabação de formas verbais “presentes” (do indicativo e do subjuntivo) como dórmia, ressaltando o seu caráter irregular pelo fato de a VT não cair, a proposição de uma restrição do tipo *-VT(Pres.), definida em (2.51), que proíbe o licenciamento da mora da VT nas formas presentes, é mais fiel aos fatos morfológicos do PA do que a postulação de subsistemas, porque reflete a natureza idiossincrática dessas formas. Nesse sentido, no Tableau (2.52), a forma em a não viola *μ-VT(Pres.) porque a vogal i está posicionada no onset – que é complexo, o que acarreta uma violação (não fatal, porque a restrição é bastante baixa na hierarquia) a COMPLEXOns. Além disso, (2.52a) não viola *COMPLEX(N), porque a vogal i não está silabada no núcleo silábico (a exemplo do que ocorre em 2.52b). Assim, recordando da afirmação de Bisol (1989) a respeito dos ditongos crescentes no PB, pode-se concluir que, também com relação ao PA, a intuição dos estudos derivacionais estava correta, no que tange à afir-

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mação de que os ditongos crescentes do português não constituem ditongos verdadeiros. E, não sendo estes casos de ditongos propriamente ditos, mas de onsets complexos, não pode haver violações a *COMPLEX(N). Um argumento que sustenta esta análise é o fato de, em PA, não existirem palavras contendo ditongos crescentes precedidos por onsets complexos: isso levaria a três posições preenchidas no ataque silábico – o que é impossível. (2.51) *μ-VT(Pres.): A mora da VT das formas verbais “presentes” não é licenciada. (2.52) /dorm-i-a/ MAX *μ-VT (Pres.) DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA COMPLEXOns * a. ☞ dor.mia b. dor.mya *! *! c. dor.mi.a *

Embora prevejam a distinção de silabação nos pares de verbos dormía/ dórmia e sabía/sábia, as soluções aqui adotadas são insuficientes para prever a distinção de silabação entre os não verbos, como acontece, por exemplo, entre mía/miá. A oposição miá/mía é bastante difícil de explicar, já que envolve duas realizações possíveis da mesma palavra. A este respeito, é bastante pertinente lembrar a conhecida citação de Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.409): Quanto ao possessivo mha, mho eu já expliquei que era proclítico, tinha acento na última vogal e que os Castelhanos também pronunciavam miá, mió, sempre monossilábicos. Segundo as leis de ditongação antiga, o acento recaía na vogal mais forte e sonora, e não na semivogal i. Existia todavia a forma absoluta mía bissilábica, colocada depois do substantivo. A princípio mhá senhor mas senhor mía. É a rima (com folia, etc) que autentica essa pronúncia.

No corpus considerado no presente estudo, há apenas duas ocorrências de mía, dissílabo paroxítono terminado em hiato (CSM2 e CSM100). A própria Michaëlis de Vasconcelos (1920, p.56) aponta apenas um caso, em uma cantiga que não pertence ao corpus considerado (V402). Dada a pou-

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quíssima produtividade dessa palavra como dissílaba, pode-se hipotetizar que a variação, nesse sentido, é provavelmente resultado de uma escolha estilística do poeta: para produzir a rima com dia, eregia, envia, vingaria, avia etc., a silabação original (excepcional – ditongo crescente) pode ser transformada em hiato, que é a silabação previsível, nesse contexto, pela hierarquia de restrições considerada. No caso específico de miá/mía, poder-se-ia propor um condicionamento prosódico, ligado à posição da palavra na frase (como pronome substantivo ou adjetivo), a partir da observação de Michaëlis de Vasconcellos. No entanto, o levantamento quantitativo aqui empreendido dá conta do comportamento idiossincrático de miá, mesmo dentro do contexto específico dos ditongos crescentes do tipo I+V no PA. Esse fato sugere um condicionamento marcado lexicalmente. Essa solução, apesar de altamente “paroquial”, no jargão da TO, está bastante adequada ao espírito da língua, aos fatos apontados através do levantamento quantitativo, que mostrou, por um lado, a pouca relevância estatística dos ditongos crescentes I+V no contexto geral das sequências vocálicas do PA (apenas 2,5%), mas a relevância da recorrência de miá, dentro do conjunto dos ditongos desse tipo. Dessa maneira, propõe-se uma solução “local” para um problema “local”: diferenciar as duas formas do pronome a partir da restrição *μ-i (miá), definida em (2.53), que proíbe especificamente o licenciamento de mora de i em /mia/(det.). Como a marcação se dá através de categorias lexicais, a marca é, pois, lexical. Em termos da TO, isto equivale a dizer que há uma marca no input. (2.53) *μ-i (miá): A mora de i em /mia/ (det.) não é licenciada. (2.54) /mia/(det.) MAX *μ-i (miá) DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA COMPLEXOns * a. ☞ mia b. mya *! *! c. mi.a *! * /mia/(adj.) MAX *μ-i (miá) DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA COMPLEXOns d. mia *! * e. mya *! *! * f. ☞ mi.a

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Porém, uma solução tão particular como a apresentada anteriormente não costuma agradar. Dessa forma, seria mais elegante buscar restrições, mesmo “paroquiais”, mas que dessem conta, pelo menos, de prever a silabação de todos os casos de ditongos crescentes I+V. Outra solução mais “elegante”, mas também problemática, seria a adoção de hierarquias de restrições alternativas, nas quais *COMPLEX(N) apareceria hierarquizada em posições diferentes, de modo a produzir a forma desejada (a saber, alternativamente ditongo crescente e hiato). Mas, no fundo, esta é uma solução que não consegue escapar da sua própria circularidade: os outputs de um determinado input são avaliados pelo sistema indicado na marcação do input; e o input é marcado para que os outputs produzidos a partir dele sejam avaliados pela hierarquia “correta”, aquela que produz o efeito desejado. O levantamento quantitativo apresentado mostrou que os ditongos crescentes do tipo I+V nunca ocorrem em posição pretônica no PA. E, diferentemente dos ditongos decrescentes, esse tipo de ditongo crescente pode ocorrer em posição postônica. Tal fato sugere uma correlação entre silabação e pauta prosódica. Resta investigar se esta é uma relação de causa-consequência e, no caso afirmativo, em que sentido. Uma primeira hipótese que pode ser formulada é a de que os ditongos crescentes, em formas como sobérvia, ocorreriam para evitar a formação de proparoxítonas – padrão acentual ainda mais excepcional no PA do que em PB/PE. Para verificar essa hipótese, foi construído o Tableau (2.56), em que as restrições TROQUEU e BINARIDADE dos pés (definidas em 2.55), que produzem o padrão acentual do PA (ver Capítulo 3), são hierarquizadas acima de MAX, o que representa a precedência do acento sobre a silabação. (2.55) TROQUEU: os pés têm cabeça inicial. BINARIDADE: os pés são binários. (2.56) /sobervia/ TROQUEU; MAX COMPLEXOns- DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA COMPLEXOns BIN

a. ☞ b.

so.(bér.vya)

c.

so.(bér.vi.a)

d.

so.ber.(ví.a)

-COND(dit)

so.(bér.via)

*! *!

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* *

(*) (*) (*) (*)

*

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No entanto, a hierarquia de restrições em (2.56) só é capaz de apontar a forma correta como “ótima”, se se considera, ao lado das restrições responsáveis pela geração do padrão acentual, uma reformulação na condição de construção de onsets complexos específica para os ditongos crescentes – expressa através de COMPLEXOns-COND(dit). Se essa restrição, definida em (2.57) com base em COMPLEXOns-COND, apresentada em (2.23), for retirada do tableau – veja (2.56’) –, e substituída por COMPLEXOns-COND, a hierarquia aponta como forma “ótima” o hiato paroxítono, ou seja sobervía, mesmo tendo sido consideradas as restrições relativas ao padrão acentual, porque, nesse caso, não há a possibilidade de silabar i no onset. Tal fato prova que não há uma relação de causa-consequência na direção acento-silabação, mas sim na direção contrária, mesmo nos casos em que aparentemente essa relação poderia existir. (2.57) COMPLEXOns-COND(dit): Onsets complexos constituídos de C+i são permitidos. (2.56’) /sobervia/ TROQUEU; MAX COMPLEXOns- DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA COMPLEXOns BIN

a. ☺

so.(bér.via)

b.

so.(bér.vya)

c.

so.(bér.vi.a)

-COND

*! *! *!

d. ☹ ☞ so.ber.(ví.a)

* *

(*) (*) (*) (*)

*

Outro argumento a favor da não determinância do acento sobre a silabação é o fato de existirem, no PA, proparoxítonas terminadas em hiato ia/io, como óstia, neicio, Cecilia, por exemplo, e uma forma verbal como deviades, interpretada como proparoxítonas por Michaëlis de Vasconcellos (1904, p.266), editora da cantiga de amor em que aparece (A131). A silabação dessas formas proparoxítonas terminadas em hiato é completamente previsível a partir da hierarquia de restrições que vem sendo aqui considerada (Tableau 2.58): seu padrão de acentuação é que é excepcional (ver Capítulo 3). O padrão de silabação das demais palavras proparoxítonas terminadas em hiato mapeadas no corpus – omees, angeo(s), paravoa e poboo – também pode ser previsto pela hierarquia considerada em (2.58).

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(2.58)

a. ☞ b.

/ostia/ os.ti.a os.tya

MAX

DEP

*COMPLEX(N)

ONSET *

*CODA

*

A conclusão a que se chega a partir da análise dos ditongos crescentes do tipo I+V no PA que aqui se esboçou é que não é possível prever a realização de ditongos crescentes desse tipo, a não ser a partir da adoção de restrições ad hoc, “paroquiais”, ou a partir de hierarquias de restrições paralelas, mas circulares. No fundo, esses dois tipos de solução levam a questões do tipo “o ovo e a galinha”. Com relação à postulação de restrições particulares para dar conta da silabação da vogal i desses ditongos no onset e não no núcleo, a pergunta circular na qual se cai é: a mora da vogal i de ditongos crescentes não é licenciada porque é silabada no onset, ou o i é silabado no onset porque não é moraico? No caso da postulação de hierarquias paralelas, é o caso de se perguntar: o input é marcado para que os seus outputs sejam avaliados a partir da hierarquia que vai gerar o padrão correto ou a hierarquia “correta” avalia os outputs desse input específico porque ele é marcado? E, ao se considerar a relação entre o acento e a ocorrência de ditongos crescentes, pode-se também perguntar: o ditongo crescente não carrega acento porque é leve, ou é leve porque não recebe acento? De fato, a silabação de palavras como sobérvia com um ditongo crescente final é tão excepcional no contexto geral da silabação de sequências vocálicas do PA, que soluções consideradas “paroquiais” acabam sendo mais adequadas ao espírito da língua. Dessa forma, dentro das limitações que uma análise otimalista do assunto propõe, a postulação de uma reformulação em COMPLEXOns-COND, especificamente para dar conta da silabação de ditongos crescentes, parece ainda ser a melhor solução, porque dá conta do grupo de palavras desse tipo como um todo. No entanto, problemas de motivação para que a silabação das palavras desse grupo seja diferente do padrão mais geral (hiato, no caso de sequências ia/io) permanecem. E não podem ser resolvidos por nenhuma das soluções disponíveis a partir deste aparato teórico. Em resumo, pode-se dizer que, neste tipo de abordagem otimalista, é fácil prever a realização do padrão de silabação majoritário (ditongos decrescentes) e distingui-lo dos padrões minoritários (hiato e ditongo crescente), prevendo a sua realização ou não nos contextos favoráveis. A dificuldade

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está em distinguir os padrões minoritários entre si, prevendo corretamente a sua realização quando o contexto aparentemente é o mesmo. Além do fato de uma abordagem otimalista da distinção entre ditongos e hiatos poder ter problemas de decisão entre padrões não preferenciais de silabação para sequências vocálicas, muitas vezes dificuldades surgem no momento de apontar um padrão minoritário, que ocorre em um contexto em que o padrão majoritário predomina. É justamente o que acontece no caso de hiatos constituídos por vogal + vogal alta em posição pretônica ou no contexto pretônica + tônica, contextos em que a silabação preferida para essas sequências é o ditongo decrescente. As palavras do corpus nessa situação são: saudada, saudar, saudavas, saudes, deidade, miúdo, rayz, juyz, fiúza e juyzio.27 Com exceção de deidade (> deĭtatis), todas as palavras envolvidas neste caso têm algo em comum: em todas elas o hiato é resultado do conhecido processo de queda das coronais sonoras entre vogais: salutāre > saudar, saudada, saudavas, saudes; fiducĭa > fiúza; judicĭo > juízio; minūtus > miúdo; radix/-īcis > raiz; judīce > juiz.28 Em um modelo derivacional, poderia ser proposta uma consoante na forma de base dessas palavras, que bloquearia a formação do ditongo decrescente e que seria eliminada em um momento posterior da derivação. O problema com relação a essa solução é o fato de que é sincronicamente difícil separar os casos em que a consoante deve ser apagada (ex.: fiúza, juízio) daqueles em que a consoante deve aparecer na superfície (avelana) e ainda daqueles em que a consoante não existe mais na forma de base e nos quais, por outros motivos (da ordem da flexão verbal), deve ser formado um ditongo (ex: sai). Além disso, esse tipo de processo derivacional é incompatível com os preceitos teóricos otimalistas. Pelos motivos expostos no parágrafo anterior, estritamente nos domínios da TO, é muito difícil identificar a correta silabação dessas pala-

27 Em Massini-Cagliari (2003b), arrolei também nesse caso o nome próprio Juião, considerando a seguinte afirmação de Lapa (1981, p.230-1), que, a partir da metrificação das cantigas de escárnio e maldizer, considera esse nome quadrissílabo: “O nome de baptismo de um dos nossos talentosos jograis [...] tem rigorosamente quatro sílabas (CV786): Ju-i-ã-o”. No corpus aqui considerado, esse nome aparece em apenas uma cantiga de Santa Maria (CSM15), com três sílabas – e um ditongo decrescente na primeira sílaba: Jui-ã-o. 28 Fonte da etimologia considerada: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2001).

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vras, dada a opacidade dos dados. A criação de uma restrição paroquial, exclusivamente para solucionar este problema ao PA, embora marginal e problemática, parece ser, no momento, a única possibilidade de solução dentro da teoria, já que mesmo a aceitação de processos derivacionais deixaria a distinção entre os grupos aludidos no parágrafo anterior por resolver. A proposição de uma hierarquia de restrições paralela, estritamente para avaliar esse tipo de palavras, também acaba por enfrentar os mesmos problemas, uma vez que seria necessário apontar um critério que agrupasse essas palavras. Além disso, esse tipo de alternativa só seria possível se se propusesse o rebaixamento de MAX nessa hierarquia alternativa, já que a consoante interveniente do input não pode aparecer no output – uma solução não muito adequada ao espírito do PA que, apenas em raríssimos casos (ver Capítulo 4), permite o apagamento de elementos do input. Em outras palavras, uma solução desse tipo negaria o princípio de fidelidade do input ao output, extremamente forte no PA – o que é expresso pelo fato de MAX ser a restrição mais alta na hierarquia. Assim, para ficar dentro do espírito da manutenção da fidelidade, pode-se propor dar conta desses casos através da atuação de uma restrição da família de alinhamento, que denominamos de Tipo VValta: ALINHE(μ, N) – definida em (2.59) e demonstrada no Tableau (2.60). (2.59) ALINHE(μ, N): Alinhe a mora das vogais das palavras do Tipo VValta com o núcleo da sílaba. (2.60)

a. ☞ b. c.

/saudar/ ALINHE MAX DEP *COMPLEX(N) ONSET *CODA (Tipo VV) (μ, N) sa.u.dar * (*) sau.dar *! (*) saw.dar *! *! (*)

A outra possibilidade de formação de ditongos crescentes em PA, no nível fonético, diz respeito aos encontros vocálicos u + V, precedidos das velares /k, ɡ/, sendo que V é sempre igual a /a/. O esquema de silabação da sequência u + V é o seguinte: depois de /k, ɡ/: ditongo crescente (por exemplo: quanto, agua); depois de outras consoantes: hiato (por exem-

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plo: duas, rua). A distribuição estabelecida anteriormente mostra que a relação da vogal alta é muito mais estreita com a consoante que a precede do que com a vogal que a sucede. É por essa razão que, ao contrário dos demais ditongos, os crescentes (fonéticos) desse tipo podem aparecer em qualquer posição com relação ao acento, incluindo as sílabas átonas finais (Quadro 2.7). Todos esses fatos fizeram que, em estudos desenvolvidos dentro das perspectivas estruturalistas (cf. Câmara Jr., 1985[1970], para o PB) e, posteriormente, das teorias não lineares derivacionais (cf. Zucarelli, 2002, p.116-9 e Biagioni, 2002, para o PA; Freitas, 2001, para o PE, com base em evidências provindas do processo de aquisição da linguagem), as sequências QU- e GU- fossem consideradas consoantes complexas, diante de vogal – portanto /kw/ e /ɡw/. É justamente esta a posição aqui assumida, com relação às sequências QU-/GU-. Aceito o status dessas sequências QU- e GU- como consoantes complexas /kw/ e /ɡw/, então, na verdade, não constitui exatamente um ditongo crescente o encontro das vogais u+a nesse caso: no nível fonológico, essas sequências formariam sílabas do tipo CV, com núcleos simples, mas com onsets (também simples) preenchidos por consoantes complexas. Dessa forma, o ditongo crescente do tipo I+V corresponde, na realidade, à única possibilidade de formação de ditongos crescentes em PA – o que ressalta ainda mais o seu caráter excepcional. A última possibilidade de silabação de sequências vocálicas apontadas no levantamento quantitativo apresentado anteriormente é a formação de hiatos entre uma vogal nasalizada e a vogal que a segue. Trabalhos anteriores sobre o sistema vocálico do PA (Granucci, 2001) e sobre a constituição silábica nessa língua (Biagioni, 2002) mostraram que as vogais nasais do PA não podem ser consideradas intrinsecamente nasais, mas o resultado do espraiamento do traço nasal de uma consoante não especificada, posicionada na coda da sílaba. Um argumento adicional a esse favor foi acrescentado por Massini-Cagliari (2000a,b, 2001a): palavras e monossílabos terminados em vogais nasalizadas não podem se elidir com as palavras seguintes iniciadas por vogal, o que comprova o travamento da sílaba que contém vogais nasalizadas – que, por esse motivo, devem ser consideradas uma sequência de vogal + consoante nasal. Assim, da mesma maneira que Cagliari (1998, p.41) para o PB, considera-se que, no PA, “nenhuma vogal traz o traço [nas] na forma básica”, sendo a nasalidade da vogal adquirida de uma consoante

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nasal por espraiamento, isto é, a nasalidade é vista como resultado de um caso de assimilação no qual um segmento sofre uma alteração sonora devido à apropriação de uma qualidade fonética (que até então não possuía) de um segmento que lhe é próximo. Portanto, a questão com relação às formas contendo hiatos do tipo vogal nasal + vogal não é explicar a constituição do hiato, uma vez que a formação de um ditongo está completamente descartada, bloqueada pela consoante nasal interveniente entre as duas vogais; a questão principal é explicar por que razão a nasal fica preferencialmente posicionada na coda da sílaba anterior e não no onset da segunda sílaba – inclusive porque essa possibilidade está disponível na língua e é largamente explorada (por exemplo: mão vs. mano). Uma questão ainda anterior a esta e que deve ser respondida para que esta também o possa ser é: o que realmente a escrita do til está representando? Não se pode esquecer que, em todos os manuscritos considerados, mesmo que produzidos em diferentes épocas, o til tinha múltiplas funções dentro do sistema de escrita. Sua função preponderante era marcar a abreviatura e, na maior parte das vezes, essa abreviatura nada tinha a ver com marcas de nasalização. Por exemplo, q͂ equivalia a que.29 Uma hipótese radical que pode ser formulada a partir daí dá conta de que toda ocorrência de til, na escrita desses cancioneiros, marca uma abreviatura. Uma hipótese como essa se alicerça no fato de serem comuns alternâncias gráficas do tipo: entender/etender/eteder; sennor/senor etc. e pelo fato de haver rimas do tipo Minỹa/ Reynna (CSM180). Então, no caso de palavras como corações, bõa, perdõados, o til estaria, na verdade, marcando a realização de uma consoante nasal interveniente abreviada, o que corresponderia às realizações: coraçones, bona, perdonados. No entanto, é preferível trabalhar com a hipótese menos radical de que nem todos os casos de til indicam abreviatura: no caso de alocação de til sobre vogais, trata-se de uma marca de nasalização. O problema com relação a essa hipótese é determinar a natureza fonética da vogal que está representada com til: será ela uma vogal nasalizada ou uma vogal oral seguida de consoante nasal? 29 Sobre as funções do til na escrita dos cancioneiros medievais galego-portugueses, remeto o leitor a Massini-Cagliari (1998a).

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Para as finalidades deste trabalho, porém, a determinação exata da qualidade fonética dessa vogal não é crucial. O importante é saber a qual sílaba pertence a nasalidade, seja ela realizada como consoante ou como nasalização da vogal. Em um modelo derivacional, é possível considerar a nasalidade, nesses casos, como um traço flutuante que, a depender do contexto, pode se realizar como onset (quando esse constituinte não estiver previamente preenchido) ou como nasalização da vogal (através do espraiamento do traço nasal sobre a vogal). O certo é que a configuração da hierarquia de restrições considerada até o momento prevê que a melhor realização para a nasal, nessas condições, é como onset – e não como traço nasal da vogal. Isso pode ser comprovado no Tableau (2.61), em que foram opostas as formas mano e mão. (2.61) a. ☞ b.

/maNo/ ma.no mã.o

MAX

DEP

*COMPLEX(N)

ONSET

*CODA

*

*

A verdade é que, talvez até por conta da incerteza quanto à representação gráfica desses casos, os dados mapeados são bastante heterogêneos, chegando a ser contraditórios. Por exemplo, há muita variação com relação à representação gráfica de algumas palavras: bõa vs. bona vs. boa; mão/maão vs. mano; perdõar vs. perdoar; Reỹa vs. Reynna; vĩir vs. viir; razõar vs. razoar; coirmãa vs. irmana; louçãa/loução vs. louçana/louçano; omee s vs. omees; veo vs. veo; menỹa vs. meninha; camỹo vs. caminho; Lisbõa vs. Lisboa; bõo vs. bon; (h)ũa vs. (h)unha. Essa enorme variação na representação gráfica do fenômeno pode ser interpretada de diversas maneiras. Em primeiro lugar, pode-se hipotetizar que se trata de maneiras diferentes de representar uma e mesma palavra: portanto, as variações gráficas corresponderiam a uma única forma fonética. Nesse caso, o difícil é chegar a essa forma fonética: com consoante interveniente ou com nasalização da vogal? Ou, ainda, com vogal oral seguida de consoante nasal na coda? Por outro lado, pode-se dizer que essas diversas formas gráficas correspondem a diferentes realizações fonéticas – uma situação de variação, no contexto geral da língua. Esta é uma hipótese mais plausível, sustentada,

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inclusive, pelo fato de diversas dessas formas ocorrerem em rima, o que confirma a sua realização fonética alternante, em diferentes casos. Na edição que faz de algumas das CSM, Lapa (1933, p.IV) opta por manter a distinção gráfica desses casos, com base nas observações anteriores de Nobiling (1907, publicado no Brasil apenas em 2007), que advogava a necessidade de se distinguir, numa escrita uniformizada, os casos “seguros” de nh < n+y, de formação antiga, dos casos mais recentes, como ĩo < -īnu, nos quais as grafias alternantes e as rimas dos cancioneiros não permitem deduzir uma pronúncia indubitavelmente palatalizada. Mas, segundo Lapa (1933, p.IV-V): A questão é ainda mais complicada do que supunha Nobiling, porque nos aparecem agora grafias como estrãyo, eãyo, eayo, comoyon, quỹon, que indicam um tratamento fonético irregular para n + y. Para a outra classe de fenómenos, as cousas também se complicaram. No códice E fl. 317v. (cant. no 354) aparecem, na 1a estrofe, as rimas Reynna, tĩia, agynna [...]. Parece não haver dúvidas de que a pronúncia mais geral seria tĩĩa, Reĩa, etc. Contudo deveriam subsistir ainda, como arcaísmos, as pronúncias tĩia, vĩia. Resta saber se já então formas como tiynha [...], agynha, Reýnha, admitiriam num ou noutro caso, como nos parece, o grau mais avançado da palatalização: nh.

Essa hipótese se sustenta, também, a partir do conhecimento acerca do percurso diacrônico das sequências como -ão (cf. Parkinson, 1997). Com base nos conhecimentos a respeito do percurso diacrônico que acabou por gerar os ditongos nasais atuais, é possível formular a hipótese de que haveria mais de uma forma existente para cada palavra, cada uma delas representando um estágio diferente de uma mudança em curso. Para dar conta da evolução mano > mão (hiato) > mão (ditongo), Parkinson (1997, p.260), em uma abordagem derivacional nos quadros da teoria autossegmental, postula um primeiro estágio, em que a nasalidade seria libertada de sua “prisão consonântica”: [...] o enfraquecimento da consoante implica um enfraquecimento da sua influência sobre a vogal precedente. Para se conservar a nasalidade, é preciso que haja uma mudança fonológica que liberte a nasalidade da sua prisão consonântica, antes de a consoante se enfraquecer irremediavelmente.

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O enfraquecimento da consoante nasal implica a “libertação” do traço nasal e, consequentemente, a nasalização da vogal precedente por reassociação do autossegmento nasal. Para Parkinson (1997, p.261-2), a derivação de /mano/ → mão segundo este modelo é vista da seguinte forma: (2.62)

A derivação apresentada em (2.62) dá conta da passagem de mano a mão (hiato). Como mostra Parkinson (1993), na época em que foram constituídos os cancioneiros medievais galego-portugueses, ainda não havia ditongos nasais. Dessa maneira, confirmando a observação de Parkinson, no corpus aqui considerado, apenas essas duas formas variantes ocorrem para essa palavra específica. Já com relação a outras palavras, há três formas variantes – por exemplo: bona/bõa/boa; neste caso, as formas concorrentes são as seguintes, em ordem crescente de “inovação” linguística: com a consoante nasal interveniente (ex.: bona), hiato entre uma vogal nasalizada e uma vogal oral (ex.: bõa), hiato de vogais orais (ex.: boa). Dentro do arcabouço teórico da TO, fenômenos de variação são expressos a partir de mudanças na posição de certas restrições na hierarquia. Entretanto, nenhuma alteração de posição das restrições ONSET e *CODA em (2.61) seria capaz de fazer que a forma mão fosse preferida em detrimento de mano, já que essas duas restrições já são bastante baixas na hierarquia. Não se trata, portanto, de uma alteração na posição de restrições na hierarquia.

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Com base na evolução histórica da palavra boa, cujos três momentos históricos são atestados no corpus (bona, bõa e boa), pode-se perceber a natureza da mudança em curso captada pelo levantamento quantitativo aqui feito. Em latim, o input dessa palavra contém uma consoante nasal plenamente especificada com relação ao lugar de articulação ([+coronal]), que se realiza no onset da segunda sílaba, priorizando o esquema silábico CV. Esse é o ponto de partida da mudança observada – Tableau (2.63). (2.63) a. ☞ b.

/bona/ bo.na bõ.a

MAX

DEP

*COMPLEX(N)

ONSET

*CODA

*

*

Em um segundo momento, a nasal torna-se não especificada e o traço nasal, flutuante. O fato de haver na língua uma restrição à maximização de elementos não especificados expressa em termos de violações a DEP faz que, no Tableau (2.64), haja uma violação a DEP na forma bona, uma vez que a nasal não especificada do input ganha um caráter de segmento pleno. O caráter não especificado da nasal é representado pela maiúscula no input. (2.64) a. b. ☞

/boNa/ bo.na bõ.a

MAX

DEP *!

*COMPLEX(N)

ONSET

*CODA

*

*

Já num terceiro momento, a nasal já não se encontra mais no input – o que produz a forma boa. Todos os exemplos de hiatos de vogal nasalizada + vogal mapeados no corpus se encaixam no segundo momento histórico dessa evolução. Já os exemplos relativos ao terceiro momento da mudança foram contabilizados como hiatos de vogal oral + vogal, e os exemplos relativos ao ponto de partida da mudança não foram quantificados, por se tratar de estruturas do tipo CVCV. Enfim, com base no estudo apresentado neste capítulo, pode-se afirmar que os padrões silábicos de superfície dos encontros vocálicos intravocabu-

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lares no PA são obtidos a partir de interações e hierarquizações de restrições de duas famílias (de estruturação silábica e de fidelidade), de acordo com a abordagem da TO. Além disso, foi possível mostrar que não há uma relação de causa-consequência na direção padrão acentual – silabação; o condicionamento existe, no entanto, no sentido contrário, o que quer dizer que a localização do acento nas palavras do PA depende da silabação, mas a silabação é independente do padrão acentual. Apesar da necessidade de recorrer a restrições “paroquais” em diversos momentos da análise, a hierarquia aqui considerada dá conta de prever e explicar a silabação de todos os encontros vocálicos presentes no corpus e de todos os padrões de hiatos não presentes na seleção de cantigas aqui considerada como base da análise, mas mapeados nos vocabulários e glossários consultados.

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ACENTO

Como desde sempre apontaram os estudos filológicos e desde cedo mostraram os trabalhos em fonologia, o acento lexical, como contexto de força, resiste mais fortemente a mudanças, sendo sua localização, até os dias de hoje, o ponto de aproximação do ritmo, por um lado, entre latim e português, e, por outro, entre Português Europeu (PE) e Português Brasileiro (PB).1 Sendo o PA o ponto medial entre esses extremos temporais, e sendo crucial a importância do posicionamento do acento lexical para a constituição da prosódia de uma língua, uma vez que é a base de seu ritmo, faz-se necessário, pois, que uma considerável parcela deste estudo seja dedicado à investigação desse fenômeno. Neste contexto, o objetivo deste capítulo é apresentar os padrões acentuais possíveis no PA, no nível lexical, para que, nos próximos capítulos, seja possível investigar processos outros, de ordem rítmica.

3.1 Acento em Português Arcaico: abordagens tradicionais Em geral, a vasta bibliografia que se desenvolveu sobre o PA concentra-se dos fins do século XIX até meados do século XX, sendo herdeira da

1 A este respeito, ver Massini-Cagliari (2014), versão publicada da conferência proferida no Congresso Internacional 500 Anos de Língua Portuguesa no Brasil. Évora: Universidade de Évora, 8 a 13 de maio de 2000.

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tradição de estudos filológicos-linguísticos própria ao historicismo oitocentista (Mattos e Silva, 1991, p.46). Por esse motivo, são raras, nessa bibliografia, afirmações a respeito da prosódia dessa época. Quanto à localização do acento, os poucos autores que tratam do assunto concordam em relação ao fato de que o PA possuía uma grande quantidade de palavras paroxítonas e oxítonas, mas discordam quanto à existência de proparoxítonas. Os que trataram de corpora fechados (como Nunes, 1972, 1973, por exemplo), principalmente compostos de textos poéticos, só puderam encontrar paroxítonos e oxítonos. Já os que fazem afirmações mais generalizantes admitem a existência de proparoxítonos, porém raros – Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.62), Teyssier (1987, p.24). A este respeito, Michaëlis de Vasconcelos (1990[1904], p.XXV) afirma: Não verifiquei ainda, quantas palavras esdrúxulas entraram no vocabulário dos trovadores. Em todo o caso devem ser poucas, se abstrairmos dos tipos com semivogal i (sábya, rávya, cámbyo; na ortografia do sec. XIV sabha, ravha, cambho, e posteriormente saiba, raiva, caimbo; êste último regressou a cámbio) que eu contaria á maneira espanhola, entre os parocsítonos.

No entanto, o assunto mais abordado nos textos da época, quanto à prosódia do PA, diz respeito à chamada “lei da persistência da tônica” (Coutinho, 1954, p.138) e às exceções a essa “lei”, que dá conta da permanência do acento na mesma sílaba em que ocorria em latim – o que não quer automaticamente dizer que essa sílaba, no PA, ocupe a mesma posição que aparecia no latim (as alterações são devidas, principalmente, a processos de síncope das postônicas) – Vasconcellos (1959, p.29), Nunes (1969, p.32), Williams (1975[1938], p.26), Teyssier (1987, p.8). Segundo Nunes (1969, p.33-4), as causas das exceções à persistência da tônica são de três tipos: fonéticas (i tônico na antepenúltima sílaba seguido de outra vogal transformava-se em átono e a vogal seguinte, em tônica; “positio debilis” – a antepenúltima sílaba tônica, seguida de oclusiva com líquida, transformava-se em átona e a penúltima, em tônica), morfológicas (casos em que a “consciência da composição” foi perdida, na passagem do latim ao PA) e analógicas (mudança de acentuação nas duas primeiras pessoas do plural, nos Pretéritos

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Imperfeito e Mais-que-perfeito). Segundo Grandgent (1940, p.12), Battisti (1946, p.57-9), Niedermann (1953, p.15-7), Silva Neto (1956, p.96-7) e Maurer Jr. (1959, p.68-72), essas alterações são anteriores ao período trovadoresco do PA, tendo acontecido já na passagem do latim clássico ao vulgar. Em relação às alterações de posicionamento do acento do latim ao PA, chama a atenção dos estudiosos a “tendência de transformar proparoxítonas latinas em paroxítonas”, apontada por Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.61), que atribui aos vocábulos esdrúxulos um “quid estranho, estrambótico”, no português daquela época. Essa tendência de “evitar proparoxítonos” no PA é também apontada por Nunes (1969, p.68) e Bueno (1955, p.30). Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.63-4) registra a mudança de palavras paroxítonas a oxítonas, no decorrer do período arcaico da língua, além da transformação de proparoxítonas em paroxítonas: Vocábulos outrora graves passaram a ser agudos. Soo, doo, maa, sã-o, mã-o foram contraídas em só, dó, má, sã, mão, [...]; esdrúxulos antigos como perigoo, bágoo, párvoo (parvulus) passaram a graves, como perigo, bago, parvo.

Em relação ao ritmo do PA, de maneira mais geral, as informações coletadas nos estudos tradicionais são ainda mais escassas. A maior parte das observações diz respeito a afirmações de Michaëlis de Vasconcelos sobre o Cancioneiro da Ajuda. Segundo essa autora, a grande maioria dos versos desse Cancioneiro termina em palavras oxítonas, isto é, trata-se de versos agudos (Michaëlis de Vasconcelos, 1912-1913, p.63 e p.399). Embora tal fato possa aparentemente sugerir para o PA um ritmo predominantemente iâmbico, Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.63) diz que “isso não corresponde de maneira alguma ao organismo verdadeiro do idioma”, sendo um reflexo da “estética rudimentar dos trovadores”. Para ela, nos gêneros populares, quando os poetas se afastam dos modelos franceses e provençais, surgem rimas graves, “em harmonia com o carácter da língua”. A autora chega, inclusive, a propor uma divisão entre esses dois tipos de ritmo, quanto a seu caráter mais predominantemente popular ou elitista – Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.401):

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O povo gostava e gosta do ritmo trocaico – descendente – de marcha ou de dança saltada. Por isso o poeta da corte preferia o ritmo jâmbico, ascendente. O povo gostava de rimas graves (inteiras) sem desprezar as agudas. Os áulicos preferiam as agudas.

No entanto, apesar de “preferirem” os versos agudos, os trovadores da corte não “desconheciam” os versos graves. Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.396) afirma que D. Dinis, o rei trovador, se serve de um ritmo que ela chama de “trocaico” e “naturalíssimo” em dezenove das suas cantigas.

3.2 Acento em Português Arcaico: abordagem derivacional Em trabalhos anteriores, empreendi uma análise da acentuação do PA com base na teoria métrica paramétrica de Hayes (1995) – Massini-Cagliari (1995, 1998b, 1999a,b). Massini-Cagliari (1999a) é uma versão revisada da tese de Doutorado defendida em 1995, quando empreendi uma análise do acento em três momentos do contínuo temporal que levou à formação do português do Brasil – a saber, o ponto de “partida”, o latim; o PA, como ponto temporal medial (tomado como uma espécie de checkpoint – ponto de checagem – especial); e PB, ponto de “chegada”. Ao final da análise, um fato surpreendeu: o conjunto dos valores dos parâmetros do acento desses três períodos do português não se diferencia, como pode ser observado no confronto que se fez, a seguir, das escolhas paramétricas da língua quanto ao ritmo, nos três momentos históricos considerados.2

2 Além disso, também não se alteram as restrições quanto à construção de pés degenerados (em todos os três períodos considerados, aplica-se uma proibição fraca) e a atribuição de moras aos elementos da sílaba (são moraicos os elementos da rima como um todo, inclusive os da coda), quando da consideração da quantidade silábica, no momento da construção dos troqueus moraicos.

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(3.1) LATIM PA PB pé básico troqueu moraico troqueu moraico troqueu moraico 1. Quantidade de binário binário binário sílabas por pé 2. Dominância esquerda esquerda esquerda sim sim sim 3. Sensibilidade à quantidade das sílabas 4. Direcionalidade da direita para a da direita para a da direita para a esquerda esquerda esquerda 5. Iteratividade não iterativo não iterativo não iterativo

As escolhas paramétricas explicitadas em (3.1) dão conta da grande maioria das palavras (padrões não excepcionais) da língua nesses três momentos: paroxítonas e proparoxítonas, em latim (3.2a); oxítonas e paroxítonas, em PA (3.2b) e PB (3.2c).3 (3.2) a.

(x) for ti tū ——

(x) (x) ve he men i ni mī   — —

(x .) fa ci 

(x .) le gi 

(x .) sub si di —

(x .) coy ta do — 

(x .) so y da de 

(x) por tu gal — —

(x) co ra çon —

b. (x .) lu me  (x) pra zer —

(x .) do o  (x) san deu ——

3 Em (3.2), os símbolos — e  representam, respectivamente, “sílaba pesada” e “sílaba leve”. O cálculo do peso de cada sílaba é feito de acordo com a teoria de Hayes (1995), conforme o estabelecido para o PA em Massini-Cagliari (1999a, p.89-91 e 169). Já os símbolos (x) e (x .) representam, respectivamente, pé composto por apenas uma sílaba pesada e pé trocaico, composto por duas sílabas leves.

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c.

(x .) ba ta ta 

(x .) de te ti ve 

(x) ar ma zém ——

(x) por tu guês —  —

(x) po mar  —

(x) cha péu  —

(x) co ro nel — (x) ir mão

(x) pai

——



Com relação ao PA, o único caso não contemplado pelas escolhas paramétricas explicitadas em (3.1), entre os não verbos do corpus analisado em 1995-1999, é o de palavras oxítonas terminadas em sílaba leve – aqui, ali, alá, acá, assi. A solução encontrada foi considerá-las como compostas da preposição a + base (Massini-Cagliari, 1995, p.214; 1999a, p.173-4); nesse caso, a base, enquanto um monossílabo leve, constitui um pé degenerado, proeminente, no nível da palavra prosódica. As escolhas paramétricas explicitadas em (3.1) para o PA também dão conta de todas as formas verbais encontradas, a partir do uso da estipulação de extrametricidade (é extramétrica a coda final de verbos que porte elemento com status de flexão, ou seja, {N, S} – Massini-Cagliari, 1999a, p.176). As únicas exceções são as formas da 1a pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo, nas 2a e 3a conjugações (ex.: perdí, partí), resolvidas através da consideração da última sílaba dessas formas como bimoraicas, resultado da fusão das vogais temáticas e da desinência número-pessoal, ambas moraicas, e as formas do Futuro do Presente, consideradas compostas do infinitivo do verbo principal, seguido do Presente do Indicativo do verbo haver. No entanto, em Massini-Cagliari (1995, 1999a), uma diferença importante pode ser observada quanto à estipulação da extrametricidade, na passagem do latim ao PA, em relação ao constituinte a ser marcado como invisível à regra de acento: em latim, todas as sílabas finais de palavras eram consideradas extramétricas; já em PA e PB apenas segmentos podem ser assim marcados – e, mesmo assim, sujeitos a um condicionamento morfológico: apenas em verbos. No latim, a regra de extrametricidade é, de fato, bastante simples: é extramétrica a última sílaba de cada palavra. Tal regra se aplica pós-lexical-

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mente em todos os casos, sem exceções e independentemente da estrutura morfológica das palavras. Desta forma, uma sílaba extramétrica tanto pode fazer parte do radical (igi), como pode ser constituída da última consoante do radical seguida de desinência nominal (ro), como ainda pode corresponder a uma desinência ou parte dela – verbal (abē) ou nominal (omnĭ). Tais exemplos atestam a falta de condicionamento morfológico para a extrametricidade – o que é esperado em relação a uma língua em que a acentuação é aplicada pós-lexicalmente. Um fato interessante em relação ao latim (inclusive ao chamado latim clássico) que deve ser ressaltado é que, também pós-lexicalmente, mas posteriormente à atribuição do acento, são aplicados processos de redução (bastante atuantes, como mostram os registros de gramáticos da época – Silva Neto, 1946; Elia, 1974, p.44-6), que transformam proparoxítonas em paroxítonas (através da supressão de uma das duas sílabas ou vogais átonas finais – em geral, a vogal da penúltima sílaba: calido → caldo; auricula → oricla) e paroxítonas em oxítonas (através da supressão da vogal átona final: amare → amar). É claro que a atuação desses processos, embora não modifique a gramática (no sentido de que não altera qualquer parâmetro rítmico), transforma a experiência desencadeadora para as gerações futuras, uma vez que a manifestação superficial dos dados supracitados é passível de duas interpretações, explicitadas em (3.3), que resultam, por sua vez, da dupla interpretação possível quanto à forma de base da palavra – (3.4):

(3.3) a. extrametricidade da última sílaba (x .) ka li    b. nenhuma sílaba extramétrica: (x) kal do —

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(x) a mā — 

(x) a mar —

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(3.4) a. [kalid] [o] kalido

b. [kald] [o] kaldo

(x .) kaldo

não se aplica (x) não se aplica

kaldo

kaldo

forma de base afixação extrametricidade construção dos pés queda da 1a vogal postônica nas proparoxítonas output

Sendo assim, pode-se dizer que é a alteração da forma de base dessas palavras o fator desencadeador da mudança observada na sua estrutura métrica. E, como a modificação da forma de base não altera a estrutura superficial, é possível dizer que, na passagem de uma (3.4a) a outra (3.4b), do latim ao PA, houve uma reanálise, no sentido langackeriano do termo (Langacker, 1977, p.58). Está justamente na reanálise das formas de base das palavras que sofrem esse tipo de processos de redução a origem da mudança linguística que faz que o PA, posteriormente, não considere qualquer constituinte extramétrico em relação aos nomes. Já em relação aos verbos do PA, o condicionamento morfológico na atuação da extrametricidade é bem claro: são extramétricos os segmentos de final de palavra que ocupem a posição da coda dentro da sílaba, com status de flexão (ou seja, {N, S}, em cantas, cantam, cantavam, cantastes, por exemplo). Pode ser também observada, na passagem do latim ao PA, uma mudança no domínio de aplicação da regra de acento. Em latim, de acordo com Nespor e Vogel (1986), o domínio de aplicação do acento é o grupo clítico, já que regras (como a que altera a posição do acento da palavra quando a ela é adjungido um elemento enclítico – árma → armáque) fazem referência a domínios maiores do que a palavra. Já em PA, não existem razões para supor que o domínio do acento seja maior do que a palavra. Entre os argumentos que servem de apoio à consideração da palavra como domínio da acentuação em PA, destaca-se o fato de a colocação de clíticos à direita das palavras não alterar a posição do acento: veér-me, (ueerme) [B555]; doí-me del (Doi me del) [B562]; feze-o (Fezeo) [B563].4 Dessa forma, enquanto, em

4 Nos exemplos citados, entre parênteses, é apresentada a ortografia de B para a sequência de palavras em questão e, entre colchetes, o número da cantiga em que aparece em B – aqui tomado através da edição fac-similada de 1982.

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latim, o acento pode ser considerado um fenômeno pós-lexical, em PA não restam dúvidas quanto à sua aplicação lexical. A confirmação de que a regra de acento, em português, percorreu esse caminho, do módulo pós-lexical ao lexical, vem do comportamento da atribuição do acento no PB atual. De acordo com a proposta de Massini-Cagliari (1999a,b), em PB, o acento é atribuído em estratos diferentes do léxico às palavras proparoxítonas e paroxítonas terminadas em sílabas travadas, por um lado, e às que seguem o padrão default de acentuação, por outro. Para dar conta do grande número de exceções à regra padrão de atribuição de acento em PB, é preciso postular a existência de pés datílicos e espondaicos (ternários) excepcionais (exemplo em 3.5), atribuídos em um nível mais profundo do léxico (ou seja, no primeiro estrato lexical). (3.5) abóbora [abɔboɾ] [a]

revólver [xevɔLveR]

abɔboɾa (x . .)

(x .)

σσσ

——

não se aplica a’bɔboɾa

não se aplica xe’vɔʊ̯ver

forma de base 1o estrato afixação da marca de classe formação dos pés datílicos e espondaicos 2o estrato regra de acento output

Portanto, por causa do número muito maior de exceções que a regra de acento adquiriu no PB, pode-se dizer que a atribuição do acento atinge um nível mais profundo do léxico do que ocorria em PA, porque, quanto maior o número de exceções, mais profunda no léxico é a aplicação de uma regra (Zec, 1993).

3.3 Metodologia Para o estudo do acento do PA, serão consideradas todas as palavras em posição de rima em todas as cantigas de amigo e de amor (não apenas as constantes do corpus básico de cem cantigas), e todas as palavras na mesma posição nas 420 CSM, em busca dos padrões possíveis de acento lexical

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naquela época. Por ser a rima em poesia metrificada a posição mais proeminente do verso, serão observadas todas as palavras que ocorrem nessa posição no conjunto de cantigas analisadas, de modo a mapear todos os padrões (isto é, oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas) ocorrentes. Como já vimos anteriormente (Capítulo 1), sendo a estrutura métrica de textos poéticos obrigatoriamente alicerçada nas características rítmicas da língua que a ela dá suporte (cf. Abercrombrie, 1967; Cagliari, 1982, 1984; Lehiste, 1985, 1990), a focalização da posição de rima é importante, na medida em que se trata de uma proeminência rítmica, em nível lexical, reforçada em nível frasal, uma vez que, a exemplo do PB, também no PA o último acento lexical constitui a principal proeminência rítmica do enunciado. Assim sendo, as proeminências lexicais nessa posição são facilmente identificáveis e classificáveis, devido ao reforço que recebem, em nível rítmico. A posição de rima em versos metrificados constitui, portanto, a posição ótima para a observação dos padrões de acento lexical, em uma língua morta, que não possui registros orais. A metodologia baseia-se na obtenção do padrão rítmico da língua, a partir da consideração da estrutura poética dos versos metrificados a que subjaz. Para tal, a análise das cantigas consideradas segue algumas etapas, explicitadas a seguir. • Os dados foram tomados inicialmente a partir de edições fac-similadas5 ou de microfilmes dos próprios manuscritos (no caso dos códices Escorial rico e de Florença das CSM). • Recorreu-se ao auxílio de edições diplomáticas e/ou interpretativas, em caso de dúvidas de decifração.6 • Estabelecimento da estrutura métrica da cantiga, sobretudo quanto à disposição dos versos (principalmente em casos em que a translineação não correspondia à estrutura métrica do poema, em termos de segmentação dos versos) e à localização dos acentos poéticos. • Divisão dos versos da cantiga em sílabas poéticas.

5 A lista das edições fac-similadas consideradas nesta pesquisa foi apresentada no Capítulo 1. 6 As edições das cantigas profanas e religiosas consideradas nesta pesquisa também foram listadas no Capítulo 1.

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• Focalização das palavras em posição de rima: estabelecimento dos padrões acentuais encontrados. Além disso, como foi dito anteriormente no Capítulo 1, glossários e vocabulários da língua nessa época são fonte importante de informação a respeito dos limites de possibilidades do léxico (por exemplo, quanto a padrões possíveis de acentuação, mas menos frequentes, que, por esse motivo, podem não ter ocorrido no recorte do corpus imposto pela metodologia). Foram consultados os glossários de Michaëlis de Vasconcelos (1920) e Nunes (1973, v.III, p.575-704), o Índice Onomástico e o Vocabulário de Lapa (1970), o Glosario de Mettmann (1972, 1989) e o Lessico in Rima de Betti (1997), como fontes secundárias de informação.

3.4 Análise dos dados: tipos de verso Conforme mostra a Tabela 3.1, a seguir, foram analisadas 1231 cantigas profanas e religiosas. Essa soma inclui o total das cantigas contidas no Cancioneiro de Ajuda, todas as cantigas de amigo contidas no Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa e todas as Cantigas de Santa Maria (segundo Parkinson, 1998a, p.189). Tabela 3.1. Quantidade de cantigas analisadas. Fonte

Total de cantigas analisadas

Cantigas profanas: Cancioneiro da Ajuda Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa

308 (25%) 503 (40,9%)

Total (cantigas profanas)

811 (65,9%)

Cantigas religiosas: Cantigas de Santa Maria

420 (34,1%)

Total

1231 (100%)

Apesar de ter sido analisado praticamente o dobro de cantigas profanas (811 cantigas, 503 de amigo e 308 de amor) em comparação com as religiosas (420 CSM), por terem essas usualmente uma maior extensão, no que concerne à quantidade de estrofes, a quantidade de versos analisados provenientes de cantigas religiosas é praticamente o dobro da quantidade de versos profanos – ver Tabela 3.2.

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Tabela 3.2. Quantidade de versos analisados. Fonte

Total de versos analisados

Cantigas profanas: Cancioneiro da Ajuda Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa

6868 (14,6%) 8905 (18,8%)

Total (cantigas profanas)

15773 (33,4%)

Cantigas religiosas: Cantigas de Santa Maria

31495 (66,6%)

Total

47268 (100%)

Foi escolhida a posição de rima para observação dos padrões acentuais em PA por ser esta a única posição do verso em que se pode ter certeza absoluta do posicionamento do acento e das relações de proeminência estabelecidas entre as sílabas da palavra. Observando a pauta acentual da última palavra de cada verso, pôde ser constatado que os dois únicos padrões encontrados em posição de rima, no recorte da lírica medieval considerado, são as paroxítonas e as oxítonas – ver Tabela 3.3. Quando o verso acaba em uma palavra paroxítona, é dito “grave” (ou “feminino”); quando termina em uma oxítona, é “agudo” (ou “masculino”) – Pena (2000, p.43-4). Tabela 3.3. Tipo do verso, quanto à sua terminação. Fonte

versos graves versos agudos

Cantigas profanas: Cancioneiro da Ajuda Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa

652 3185

Total (cantigas profanas)

3837 (24,3%)

6216 5720

Total 6868 8905

11936 (75,7%) 15773 (100%)

Cantigas religiosas: Cantigas de Santa Maria 16539 (52,5%) 14956 (47,5%) 31495 (100%)

Entretanto, como mostra a Tabela 3.3, a distribuição de versos graves e agudos não se dá da mesma forma nos corpora de cantigas profanas e religiosas. Os percentuais apresentados na Tabela 3.3 revelam um maior equilíbrio na distribuição de versos graves e agudos nas cantigas religiosas do que nas cantigas profanas. Uma desproporção na distribuição dos dois tipos de verso pode ser encontrada sobretudo nas cantigas de amor do Cancioneiro de Ajuda, em que 90,5% dos versos são agudos. Porém, mesmo nos dados relativos às cantigas de amigo do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, há uma desproporção, uma vez que 64,2% dos versos são agudos.

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De uma maneira geral, o que a análise da relação entre o padrão de verso (grave ou agudo) e o tipo de palavra, quanto à pauta acentual (oxítona, paroxítona ou proparoxítona), que aparece na posição proeminente do verso revela é que, em posição de relevo rítmico no verso, os únicos padrões possíveis são as paroxítonas e as oxítonas. Em outras palavras, não há proparoxítonas em posição de rima. Essa constatação confirma o caráter marginal – fora do “espírito” da língua – desse padrão prosódico, considerado “estranho”, “estrambótico”, segundo Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.61). Sendo a posição de rima o foco prosódico por excelência do verso, e sendo que os versos são construídos a partir (e jamais ao contrário) do ritmo linguístico do idioma que lhes dá suporte, é a investigação do aproveitamento estilístico das terminações graves e agudas (e nunca esdrúxulas) nessa posição de destaque que revela a tendência rítmica do PA. Uma comparação entre os valores absolutos das ocorrências de cada tipo de verso no corpus considerado, como o que foi feito nos gráficos 3.1 e 3.2, pode levar à errônea conclusão de que as oxítonas, ou o ritmo iâmbico, seja o padrão acentual canônico no PA, dada a sua prevalência. Já Michaëlis de Vasconcelos (1912-1913, p.63), em citação já referida, alertava para o fato de que “isso não corresponde de maneira alguma ao organismo verdadeiro do idioma”. Em Massini-Cagliari (1995, 1999a), tivemos oportunidade de investigar aprofundadamente o assunto, chegando à confirmação da intuição da renomada filóloga, a partir da observação da maneira como os poetas da época consideravam na metrificação as sílabas átonas finais de verso.

Gráfico 3.1. Versos graves: comparação entre cantigas profanas e religiosas (valores absolutos).

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Gráfico 3.2. Versos agudos: comparação entre cantigas profanas e religiosas (valores absolutos).

Com relação à consideração da terminação grave ou aguda dos versos, há três possibilidades básicas de combinação: construir um poema inteiramente com versos agudos, construí-lo apenas com versos graves, ou alternar versos graves e agudos. Como pudemos comprovar em Massini-Cagliari (1995, 1999a), há duas estratégias de metrificação diferentes que co-ocorrem na lírica medieval profana galego-portuguesa quanto à consideração das sílabas átonas de final de verso. Na primeira estratégia, todas as sílabas, inclusive as átonas do final, fazem parte da estrutura métrica do verso – isto é, são consideradas na contagem das sílabas poéticas do verso. Nesse caso, um verso agudo de n sílabas corresponde a um verso grave de n-1 sílabas. Esse fenômeno ficou conhecido como lei de Mussafia.7 Já na segunda estratégia de versificação, as sílabas poéticas são contadas à moda atual, desconsiderando as átonas de final de verso. Nesse caso, versos agudos e graves têm a mesma quantidade de sílabas poéticas, mas os versos graves têm uma sílaba linguística a mais, depois do acento final. Massini-Cagliari (1999a, p.156) mostra que a primeira estratégia predomina sobre a segunda (45,5% contra 25,4%).8 A presente pesquisa reviu a análise de Massini-Cagliari (1995, 1999a) para as cantigas de amigo, estendendo-a, com base na mesma metodologia utilizada nesses trabalhos anteriores, para os corpora de cantigas de amor (Cancioneiro da Ajuda) e de cantigas religiosas (Cantigas de Santa Maria). 7 Sobre a lei de Mussafia, ver nota 28, Capítulo 2. 8 Os 29,1% faltantes para inteirar os 100% dizem respeito a casos em que, apesar de haver alternância entre versos graves e agudos, é impossível saber se o trovador considera ou não as átonas finais na contagem das sílabas poéticas.

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A Tabela 3.4 mostra os resultados obtidos, que revelam a presença das mesmas estratégias de metrificação observadas anteriormente nas cantigas de amigo também nas cantigas de amor e nas religiosas. Tabela 3.4. Tipos de cantiga, quanto à estrutura métrica dos versos. Estratégias de metrificação, quanto à consideração das sílabas átonas finais de verso Somente versos graves

Quantidade de Quantidade de cantigas: lírica profana cantigas nas CSM (percentagem) (percentagem) 127 (15,7%)

164 (39%)

A última sílaba átona faz parte da estrutura métrica do verso (lei de Mussafia)

91 (11,2%)

21 (5%)

A última sílaba átona não faz parte da estrutura métrica do verso

80 (9,9%)

61 (14,5%)

Não é possível determinar se a última sílaba átona faz parte ou não da estrutura métrica do verso

24 (3%)

22 (5,3%)

Alternância entre versos graves e agudos

Subtotal

195 (24,1%)

104 (24,8%)

Somente versos agudos

489 (60,2%)

152 (36,2%)

TOTAL

811 (100%)

420 (100%)

Exemplos de cada uma das estratégias de metrificação quanto à pauta acentual da palavra localizada no final do verso são apresentados em (3.6), (3.7), (3.8), (3.9) e (3.10). O exemplo (3.6) traz a CSM23, conforme a versão de Mettmann (1986, p.114-5); nessa cantiga, todos os versos são graves, de treze sílabas: (3.6) ESTA É COMO SANTA MARIA ACRECENTOU O VỸO NO TONEL, POR AMOR DA BÕA DONA DE BRETANNA. Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo, ben assi depois sa Madr’ acrecentou o vinno. Desto direi un miragre que fez en Bretanna Santa Maria por hũa dona mui sen sanna, en que muito bon costum’ e muita bõa manna Deus posera, que quis dela seer seu vezỹo. Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo,

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Sobre toda-las bondades que ela avia, era que muito fiava en Santa Maria; e porende a tirou de vergonna un dia del Rei, que a ssa casa veera de camỹo. Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo, A dona polo servir foi muit’ afazendada, e deu-lle carn’ e pescado e pan e cevada; mas de bon vỹo pera el era mui menguada, ca non tĩia senon pouco en un tonelcỹo. Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo, E dobrava-xe-ll’ a coita, ca pero quisesse ave-lo, non era end’ en terra que podesse por dĩeiros nen por outr’ aver que por el désse, se non fosse pola Madre do Vell’ e Menĩo. Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo, E con aquest’ asperança foi aa eigreja e diss’ «Ai, Santa Maria, ta mercee seja que me saques daquesta vergonna tan sobeja; se non, nunca vestirei ja mais lãa nen lỹo.» Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo, Mantenent’ a oraçon da dona foi oyda, e el Rei e ssa companna toda foi conprida de bon vinn’, e a adega non en foi falida que non achass’ y avond’ o riqu’ e o mesqỹo. Como Deus fez vỹo d’agua ant’ Archetecrỹo,

Há, porém, cantigas em que todos os versos são agudos. Esse é o padrão preferido nas cantigas de amor. No exemplo (3.7) está reproduzida uma dessas cantigas, A34, de autoria de Paio Soares de Taveirós,9 toda

9 Neste livro, sempre que necessário, a grafia dos nomes dos trovadores segue Oliveira (1994).

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construída a partir de octossílabos agudos. Em (3.7), apresenta-se a versão de Michaëlis de Vasconcelos (1904, p.75). (3.7) Meus olhos, quer vus Deus fazer ora veer tan gran pesar onde me non poss’ eu quitar sen mort’, e non poss’ eu saber por que vus faz agora Deus tan muito mal, ay olhos meus! Ca vus faran cedo veer a, por que eu moiro, casar, e nunca me d’ela quis dar ben, e non poss’ or’ entender por que vus faz agora Deus tan muito mal, ay olhos meus! E de quen vus esto mostrar’, nunca vus mostrará prazer, ca logu’ eu i cuid’ a morrer, olhos, e non poss’ eu osmar por que vus faz agora Deus tan muito mal, ay olhos meus!

No entanto, como mostra a Tabela 3.4, a alternância entre versos graves e agudos é também uma estratégia de versificação disponível aos trovadores medievais, presente tanto na lírica profana como na religiosa. A esse respeito, em Massini-Cagliari (1995, 1999a), comprovamos quantitativamente, para as cantigas de amigo, o que Nunes (1972, p.XLVII-VIII) já havia apontado para as cantigas de amor de sua coletânea, que a estratégia de alternar tipos de verso subdivide-se em duas, uma vez que o poeta pode adotar procedimentos de metrificação diferentes quanto à consideração ou não da sílaba átona de final de verso, na contagem do total de sílabas poéticas do verso. Com a análise de dados aqui desenvolvida, foi possível comprovar que essas duas diferentes estratégias quanto à átona final de verso estende-se a toda a lírica medieval galego-portuguesa, quer profana, quer religiosa, quando há alternância entre versos graves e agudos.

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A Tabela 3.4 mostra também que há uma leve diferença com relação às estratégias de metrificação quanto às sílabas átonas finais, quando há alternância de versos graves e agudos, se comparados os dados das cantigas profanas com os das religiosas. Enquanto, no conjunto de cantigas profanas, há uma preferência pela estratégia conhecida como lei de Mussafia, isto é, pela consideração das átonas de final de verso como participantes da estrutura métrica do poema, nas cantigas religiosas essa estratégia aparece menos do que a outra, em que as átonas finais são desconsideradas na contagem das sílabas poéticas. No conjunto de cantigas profanas, mas principalmente nas de amigo, podem ser encontradas diversas cantigas em que os versos alternantes graves e agudos têm o mesmo número de sílabas aritméticas, mas não o mesmo número de sílabas poéticas (segundo o nosso padrão atual de contagem), já que, até a última sílaba tônica lexical do verso, os versos graves teriam uma sílaba a menos. Nesse caso, versos agudos de n sílabas equivalem a versos graves de n-1 sílabas. Em (3.8), como exemplo dessa estratégia de contagem, encontra-se reproduzida a cantiga B704, de Fernan Fernandez Cogominho, conforme a versão de Nunes (1973, v.II, p.123-4).10 (3.8) Amiga, muit’ à que non sei, nen mi ar veestes vós dizer novas, que querria saber, dos que ora son con el-rei: se se veen ou se x’estam ou a que tempo se verram. Enquanto falades migo, dizede, se vos venha ben, se vos disse novas alguen dos que el-rei levou sigo: se se veen ou se x’estam ou a que tempo se verram.

(8) (8) (8) (8) (8) (8) (7*) (8) (8) (7*) (8) (8)

10 No exemplo (3.8), o algarismo entre parênteses representa a quantidade total de sílabas poéticas do verso, segundo o costume atual de contagem (que despreza a átona final). No caso dos versos graves, em que (supostamente) há uma sílaba poética a menos, esse algarismo aparece marcado com um asterisco.

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Daria mui de coraçon que quer que aver podesse a quen mi novas dissesse del-rei e dos que con el son: se se veen ou se x’estam ou a que tempo se verran.

(8) (7*) (7*) (8) (8) (8)

Mais ben sei [eu] o que faran: por que mi pesa, tardaran.

(8) (8)

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Já no exemplo (3.9), em que aparece a CSM200, segundo a versão de Mettmann (1988, p.242-3), todos os versos possuem a mesma quantidade aritmética de sílabas poéticas até a tônica final, desprezadas as sílabas átonas de final de verso. Essa é a estratégia mais presente no conjunto das cantigas religiosas, quando há alternância entre versos graves e agudos. (3.9) ESTA É DE LOOR DE SANTA MARIA. Santa Maria loei e loo e loarei. Ca, ontr’ os que oge nados son d’ omees muit’ onrrados, a mi á ela mostrados mais bees, que contarei. Santa Maria loei Ca a mi de bõa gente fez vĩir dereitamente e quis que mui chãamente reinass’ e que fosse rei. Santa Maria loei E conas sas piadades nas grandes enfermidades m’ acorreu; por que sabiades que poren a servirey. Santa Maria loei

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E dos que me mal querian e buscavan e ordian deu-lles o que merecian, assi como provarei. Santa Maria loei A mi de grandes pobrezas sacou e deu-me requezas, por que sas grandes nobrezas quantas mais poder direi. Santa Maria loei Ca mi fez de bõa terra sennor, e en toda guerra m’ ajudou a que non erra nen errou, u a chamei. Santa Maria loei A mi livrou d’ oqueijões, de mortes e de lijões; por que sabiades, varões, que por ela morrerei. Santa Maria loei Poren todos m’ ajudade a rogar de voontade que con ssa gran piadade mi acorra, que mester ei. Santa Maria loei E quando quiser que seja, que me quite de peleja daquest mund’ e que veja a ela, que sempr’ amei. Santa Maria loei

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Na Tabela 3.4 foram separados, dentre os exemplos de poemas em que se alternam versos graves e agudos, os casos em que não é possível determinar se a última sílaba átona faz parte ou não da estrutura métrica do verso. São duas as principais causas dessa impossibilidade: 1) É impossível saber se o trovador considera ou não as átonas finais de verso como parte integrante deste, quando os versos alternantes graves e agudos possuem uma quantidade diferente de sílabas poéticas (a não ser os casos de agudos de n sílabas e graves de n-1 sílabas). Encaixam-se também nesse caso os poemas em que convivem versos graves e agudos com a mesma quantidade n de sílabas poéticas e versos agudos com n+1 sílabas (situação em que haveria contexto para considerar ambas as estratégias versificatórias, em momentos diferentes do poema). 2) Não é possível determinar com exatidão se o trovador considera ou não as átonas finais como integrantes da estrutura do verso quando estrofes e refrão possuem uma quantidade diferente de sílabas (excluindo os casos de agudos de n sílabas e graves de n-1 sílabas) e as estrofes adotam um padrão (grave ou agudo) e o refrão, outro. A cantiga (3.10), em que se transcreve a CSM30, de acordo com versão de Mettmann (1986, p.134-5), exemplifica um desses casos em que é impossível saber a estratégia adotada pelo trovador quanto às átonas de final de verso, mesmo havendo alternância entre versos graves e agudos, uma vez que a cantiga é composta de decassílabos agudos que alternam com versos graves de seis sílabas. (3.10) ESTA É DE LOOR DE SANTA MARIA, DE COMO DEUS NON LLE PODE DIZER DE NON DO QUE LLE ROGAR, NEN ELA A NOS.

Muito valvera mais, se Deus m’ anpar, que non fossemos nados, se nos non désse Deus a que rogar vai por nossos pecados. Mas daquesto nos fez el o mayor ben que fazer podia, u fillou por Madr’ e deu por Sennor a nos Santa Maria,

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que lle rogue, quando sannudo for contra nos todavia, que da ssa graça nen do seu amor non sejamos deitados. Muito valvera mais, se Deus m’ anpar... Tal foi el meter entre nos e ssi e deu por avogada, que madr’, amiga ll’ é, creed’ a mi, e filla e criada. Poren non lle diz de non, mas de si, u a sent’ afficada, rogando-lle por nos, ca log’ ali somos del perdõados. Muito valvera mais, se Deus m’ anpar... Nen ela outrossi a nos de non pode, se Deus m’ ajude, dizer que non rogue de coraçon seu Fill’, ond’ á vertude; ca por nos lle deu el aqueste don, e por nossa saude fillou dela carn’ e sofreu paxon por fazer-nos onrrados Muito valvera mais, se Deus m’ anpar... No seu reino que el pera nos ten, se o nos non perdermos per nossa culpa, non obrando ben, e o mal escollermos. Mas seu ben non perderemos per ren se nos firme creermos que Jeso-Crist’ e a que nos manten por nos foron juntados. Muito valvera mais, se Deus m’ anpar...

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O fato de poder haver alternância entre versos graves e agudos e de coexistirem duas estratégias opostas de versificação quanto às sílabas átonas de final de verso é de crucial importância, porque fornece pistas na direção do estabelecimento do padrão rítmico básico do PA, ou seja, do pé rítmico que serve de base à localização do acento lexical. Como já foi dito anteriormente, uma análise superficial dos dados poderia levar à errônea conclusão de que o padrão canônico do PA é o iambo, realizado plenamente, em nível lexical, nas palavras oxítonas, uma vez que, nas cantigas de amor, há um predomínio absoluto de versos agudos; mesmo nos dados provenientes das cantigas de amigo, embora o predomínio de versos agudos não seja tão marcante quanto nos dados provenientes de A, é ainda bastante claro. No entanto, nas cantigas religiosas, há um leve predomínio de versos graves, o que, em termos de pé rítmico básico, combina mais com o padrão trocaico. Em relação às estratégias de versificação, quanto à consideração das sílabas átonas de final de verso, a tendência observada, quando se comparam dados das cantigas profanas com os das religiosas, é inverso: enquanto, nas profanas, a maior parte das cantigas em que há alternância entre versos graves e agudos adota um esquema métrico em conformidade com o que ficou conhecido como lei de Mussafia, considerando as átonas finais como parte integrante do verso, nas cantigas religiosas, o padrão mais recorrente, no caso de alternância entre tipos de verso, é desconsiderar as átonas finais, contando as sílabas poéticas somente até a tônica. Estariam os dados apontando para duas línguas diferentes? Ou para duas variedades diferentes do galego-português, quanto ao ritmo? Seriam duas variedades da mesma língua, com diferentes funcionalidades, porém? Não podemos nos esquecer de que as CSM não foram compostas na Galiza e em Portugal, mas em Castela, caso em que o idioma era utilizado como língua de cultura. Entretanto, os poetas coordenados pelo rei Afonso X para a grande empreitada de louvar a Virgem nas CSM eram (ou supostamente foram), em grande parte, portugueses ou galegos; seria impossível, para eles, falantes nativos, “esquecerem” o padrão rítmico “natural” da língua, adotando um outro, artificial, apenas para compor versos especificamente para fins religiosos (já que os profanos seguem outro padrão, em sua maioria). Por outro lado, não há qualquer indício no léxico (os padrões prosódicos marginais encontrados em maior quantidade nas CSM não estão ausentes

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por completo das cantigas profanas) ou na gramática das cantigas religiosas que possa indicar, com absoluta certeza, a configuração de outra língua, diferente do galego-português, ou mesmo de outro dialeto – casos em que seria justificável considerar a possibilidade de diferentes padrões rítmicos. Talvez o único indício que aponte para essa possibilidade é a verificação de duas estratégias distintas de versificação, quanto à consideração das sílabas átonas finais. Mas seria legítima uma afirmação de tal grandeza a partir de tão pequeno indício? Em Massini-Cagliari (1995, 1999a), deparei-me com o mesmo problema, mesmo considerando apenas os dados provenientes das cantigas de amigo. Nesses estudos anteriores, considerou-se que os indícios na direção de dois tipos rítmicos diferentes coexistindo naquela época são muito débeis e facilmente falseáveis. O argumento mais contundente a esse respeito é o fato de essas estratégias de versificação distintas quanto à consideração das átonas finais serem adotadas pelo mesmo trovador, em poemas diferentes, mas do mesmo tipo (todas cantigas de amigo). Embora não se possa saber com certeza quais os autores das 420 CSM (porque são todas atribuídas a Afonso X), foi possível constatar que o mesmo se verifica no corpus das cantigas de amor (isto é, o mesmo trovador utilizando as duas estratégias opostas de versificação). Ora, como um mesmo falante não pode ficar variando a tipologia rítmica conforme a situação, conclui-se que se trata de uma única e mesma língua, que, por sua vez, dá suporte a versos construídos a partir de mais de uma estratégia de versificação. Sendo assim, é preciso verificar qual tipo de pé rítmico básico é capaz de estruturar as diferentes estratégias versificatórias adotadas pelos trovadores medievais. Massini-Cagliari (1999a, p.164) mostra que apenas um ritmo trocaico possibilitaria a coexistência de estratégias versificatórias que ora considerassem, ora não, as sílabas átonas finais na contagem de sílabas poéticas. O exemplo (3.11) mostra que, embora ambas as estratégias de metrificação considerem o mesmo nível prosódico (a sílaba) como nível de segmentação e contagem, elas escolhem níveis prosódicos diferentes para delimitação do verso. Em outras palavras, ambas as estratégias elegem a sílaba como nível prosódico de contagem, mas a estratégia que considera as sílabas átonas finais na contagem (lei de Mussafia), em (3.11a), mantém-se nesse mesmo nível para a delimitação do verso; já a outra estratégia, a que conta as sílabas

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poéticas unicamente até a última tônica do verso, sobe para o nível do acento lexical (em outras palavras, o da palavra fonológica), para a delimitação do verso – (3.11b):11 (3.11) a. (x) (x .) (x) (x) (x) (x .) Hũ pa pa gay mui fre mo so b. (x) ( x) (x) ( x ) (x) (x .) (x) (x) (x) (x .) Hũ pa pa gay mui fre mo so

→ σ: nível de segmentação, contagem e delimitação do verso → : nível de delimitação do verso → σ: nível de segmentação e contagem

Por outro lado, caso se verificasse no PA uma tendência rítmica iâmbica, não haveria possibilidade de consideração das sílabas átonas finais como integrantes do verso, quer se focalizasse a sílaba, quer a palavra fonológica, como nível de delimitação do verso, uma vez que essa sílaba átona final já não teria condições de ser segmentada, no primeiro nível prosódico (o da sílaba) – como em (3.12):12 (3.12)

(x) ( x ) (x) ( x ) (x) (x) (. x ) (x) (. x) Hũ pa pa gay mui fre mo so

nível da palavra prosódica (ω) nível da sílaba (σ)

Da argumentação desenvolvida anteriormente, conclui-se que todos os versos aqui analisados, quer provenientes do corpus de cantigas profanas, quer provenientes do de religiosas, são compostos a partir de um ritmo linguístico básico trocaico. Essa constatação leva às seguintes perguntas: a consideração de um ritmo básico trocaico não é incompatível com a predominância de versos agudos (isto é, terminados em oxítonas) nas cantigas profanas? Não seria de se esperar que um ritmo trocaico básico gerasse apenas versos graves, terminados em palavras paroxítonas? 11 Verso extraído de B534, de autoria de D. Dinis. Em (3.11), os símbolos  e  significam, respectivamente, sílaba e palavra fonológica (a respeito dos níveis prosódicos, ver Nespor e Vogel, 1986; para uma bibliografia em português, Bisol, 1996). 12 Em (3.12), o símbolo (. x) refere-se a um pé iâmbico.

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Em Massini-Cagliari (1995, 1999a), a partir de uma abordagem derivacional não linear, mostramos que não há incompatibilidade entre a consideração de um ritmo trocaico e a predominância de versos agudos terminados em oxítonas, quando se leva em consideração, também, o peso silábico, na atribuição do acento lexical. A esse respeito, mostramos, em Massini-Cagliari (1999a, p.169), que, no, PA, qualquer sílaba pesada (ou seja, com duas moras), posicionada na penúltima ou na última posição silábica da palavra, atrai para si o acento lexical. Em outras palavras, uma sílaba pesada nunca pode ser “pulada”, na direção do final para o início da palavra, no posicionamento do acento lexical. Os exemplos em (3.13) comprovam esse fato:13 (3.13) ámo, amoróso ∪∪∪∪∪∪ vírgo —∪ sagrádo ∪∪∪

vs. vs.

amór ∪— virgéu ——

vs.

sagraçón ∪∪—

O que os exemplos em (3.13) mostram é que, mais do que sílabas, o processo de atribuição do acento lexical em PA conta moras, posicionando o acento sobre a sílaba que contenha a segunda mora, da direita para a esquerda (sendo as moras contadas a partir da margem final da palavra). A partir desse algoritmo, os padrões lexicais canônicos no PA, quanto ao acento, são as paroxítonas terminadas em sílaba leve (como amigo, por exemplo) e as oxítonas terminadas em sílaba pesada (como amor). Não por coincidência, são estas as duas pautas acentuais que estruturam os dois padrões de verso (graves e agudos), que recorrem em toda a lírica galego-portuguesa, profana e religiosa.14

13 Os exemplos em (3.13) retomam, de modo mais explícito e aprofundado, os exemplos apresentados em (2.30), no capítulo anterior. 14 Para a formulação do algoritmo de atribuição do acento em PA e para as análises a serem desenvolvidas nas Seções 3.5 e 3.6, considera-se que o PA, no cálculo da quantidade silábica, conta todos os elementos presentes na rima (o que inclui a coda), conforme o estabelecido em Massini-Cagliari (1995, p.206), e não apenas os elementos do núcleo. Para uma apresentação dos problemas envolvidos na contagem moraica dentro da teoria não linear, ver Hayes (1995, p.300) e Perlmutter (1995). Cagliari e Massini-Cagliari (1998) analisam as relações entre

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3.5 Análise dos dados: padrões de acento lexical Como foi mostrado na seção anterior, os padrões mais recorrentes de acento lexical no PA registrado nas cantigas profanas e religiosas, considerados canônicos, são as paroxítonas terminadas em sílaba leve (isto é, sílaba aberta, com apenas uma mora) – exemplos em (3.14) – e as oxítonas terminadas em sílaba pesada (sílaba bimoraica, travada por consoante ou contendo um ditongo decrescente no núcleo) – exemplos em (3.15). A explicitação do padrão encontra-se em (3.16). (3.14) amigo namorado Santiago doo folia

religiosa maravilhada coitado mercee requeza

lume buscade connoçuda eigreja braço

(3.15) amor pastor enton solaz cantar acabou

virgeu Portugal coraçon tardei defender sacou

prazer sandeu mortal falei Dinis aduz

(3.16) a mi go

a mor

μ μ μ

μ μμ

↑ acento

↑ acento

Enquadram-se, também, ao algoritmo “acento na sílaba que contém a segunda mora da direita para a esquerda” as palavras paroxítonas terminadas em sílaba leve precedida por uma sílaba pesada (padrão que inclui tanto as sílabas travadas por consoante como as sílabas contendo um ditongo decrescente) – explicitação do padrão em (3.17) e exemplos em (3.18): as predições dos modelos fonológicos não lineares a respeito da quantidade das sílabas e a efetiva realização fonética dessas sílabas, em termos de duração.

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(3.17) por ta

ri bei ra

μμ μ

μ μμ μ





acento (3.18) alto grande trobando quebranto carta mandadeiro cousimento morto

acento alva mande santa Patriarcha tallaste fazenda festa forte

semellança ando ante guarda verdadeira ende ouveste mouro

No capítulo anterior, averiguou-se o status fonológico das consoantes nasais e laterais palatais no PA, com base na hipótese de Wetezels (2000) para o PB. Com base nessa hipótese, foram levantadas evidências, em ambas as variedades do português, a favor da consideração das consoantes /ɲ/ e /ʎ/ como complexas. Dessa forma, as paroxítonas terminadas em sílaba leve precedida por consoante nasal ou lateral palatal – exemplos em (3.19) – encaixam-se no mesmo padrão já descrito em (3.17), uma vez que a penúltima sílaba é travada pela palatal – ver (3.20). (3.19) maravilha consello Espanna parella vergonna

batalla agulla manha fillo falla

venna nemigalha sanha Reinna fremosinha

(3.20)

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Seguem também o padrão descrito em (3.17) os exemplos citados a seguir em (3.21), em que figuram palavras terminadas em hiato formado por vogal nasalizada seguida de vogal oral. Como mostra (3.22), sendo a vogal nasalizada formada a partir de uma sequência de vogal oral mais vogal nasal, a sílaba que a contém deve ser considerada travada e bimoraica. (3.21) irmãa pagão feo bõa (3.22)

louçãa romão menỹa algũa

mão chea camỹo neũu

ir mã a μμ μμ μ ↑

acento

As paroxítonas terminadas em ditongo crescente seguem o mesmo padrão, uma vez que o status fonológico das sequências QU- e GU- é de consoantes complexas – portanto, /kw/ e /ɡw/. Dessa forma, na verdade, não constitui exatamente um ditongo crescente, no nível fonológico, o ditongo fonético existente entre as duas últimas vogais da palavra. Portanto, no nível fonológico, essas sequências formam sílabas leves do tipo CV, com núcleos simples, mas com onsets (também simples) preenchidos por consoantes complexas. (3.23) egua

lingua

mingua

(3.24) au gua μμ μ ↑

acento

É fato notável, entretanto, que, apesar de o PA ser sensível ao peso silábico na atribuição do acento (pelo menos, é isto o que mostram todos os dados analisados até o momento), a consoante /S/, quando corresponde à realização da desinência de número plural dos nomes, parece ser invisível ao processo de contagem de moras (fenômeno conhecido como “extrame-

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tricidade”, nas abordagens derivacionais não lineares do acento). Os exemplos em (3.25) comprovam essa “invisibilidade”: (3.25) Palavra soláz amíga amígas

Estrutura morfológica [solaz]rad + gen + num [amig]rad + agen + num [amig]rad + agen + snum

Estrutura moraica [μ]σ [μμ]σ [μ]σ [μ]σ [μ]σ [μ]σ [μ]σ [μ(μ)]σ

No caso da flexão de número de palavras oxítonas terminadas em sílabas travadas, a formação do plural não interfere no posicionamento do acento. Mesmo quando é necessária a epêntese de uma vogal para “corrigir” a estrutura silábica anômala formada com a pluralização (exemplo 3.26), a desinência de plural parece não interferir no peso da sílaba a que adere, cujo núcleo é justamente a vogal epentética. (3.26) amor + snum = [a]σ *[mors]σ a mo res [μ]σ [μ]σ [μ(μ)]σ

flexão epêntese estrutura moraica

A grande maioria das palavras mapeadas nos corpora de cantigas profanas e religiosas e nos glossários considerados encaixa-se, quanto à pauta acentual, no padrão “acento na sílaba que contém a segunda mora da direita para a esquerda”. Entretanto, foram mapeados padrões que constituem exceção a essa tendência. Passaremos, agora, a identificar cada um desses padrões marginais, tanto com relação à estrutura prosódica, quanto com relação à quantidade de ocorrências. As oxítonas terminadas em sílaba leve constituem um desses padrões “marginais”. Esse padrão engloba dois subtipos, exemplificados em (3.27): (3.27) a.

aqui ali alá assi acá aló outrossi

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b.

rubi javali Tomé Jesse Salomé aloé Jesu maravedi

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Em Massini-Cagliari (1999a, p.173-4), considerando um corpus composto somente de cantigas de amigo, foram localizados apenas exemplos semelhantes aos que aparecem em (3.27a). A solução encontrada para esses casos, naquele momento, foi considerá-los compostos: os primeiros, da preposição a com as formas monossilábicas dos advérbios qui, li, lá, ssi, cá e ló, e o último, de outro e ssi. Essa hipótese foi formulada com base no fato de que, a partir da consideração dos padrões ortográficos do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (B), não é possível ter certeza absoluta nem do status de “palavra” com relação a esses exemplos, uma vez que, nesse manuscrito, é muito comum duas ou mais palavras estarem escritas sem espaços delimitativos. Dessa forma, pode ser que os exemplos em (3.27a), em vez de uma palavra, constituam duas palavras, ou seja, uma locução adverbial. Consideradas essas formas compostas, seu padrão acentual não seria excepcional, uma vez que, nos compostos, cada uma das bases mantém sua integridade no nível do acento lexical, sendo o acento da base final dominante, no estabelecimento da relação de proeminência entre as duas bases do composto. No entanto, a localização dos exemplos citados em (3.27b) no corpus não permite que a hipótese delineada anteriormente, mesmo que comprovada, seja generalizada, já que as palavras em (3.27b) não podem ser consideradas compostas em hipótese alguma. Outro padrão acentual excepcional é o das proparoxítonas. No corpus de cantigas profanas e nos glossários que dão conta desse tipo de cantigas, a ocorrência de proparoxítonas é bastante marginal. Já no corpus das cantigas religiosas e nos glossários das CSM as proparoxítonas são um pouco menos raras, embora seja esse padrão ainda bastante excepcional. No entanto, como foi visto anteriormente, esse tipo de pauta acentual jamais ocorre na posição rítmica mais importante do verso (posição de rima). Mesmo nas cantigas religiosas, nas quais as proparoxítonas podem ser localizadas nas epígrafes das cantigas, esse padrão ocorre apenas em posição medial do verso. Em (3.28), encontram-se alguns exemplos de nomes proparoxítonos mapeados no corpus de cantigas religiosas. Note-se que todas as palavras a seguir são proparoxítonas terminadas em duas sílabas leves. Neste caso, o acento recai sobre a sílaba que contém a terceira mora, da direita para a esquerda.

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(3.28) prologo dicipolo filosofo paravoa lampada duvida vespera Theophilo

angeo ydolo poboo sabado Evora citola

espirito letera crerigo camara folego perigoo Pascoa

Entretanto, há também casos (raríssimos) de proparoxítonas em que uma das duas últimas sílabas é pesada, porque travada por consoante – exemplos em (3.29): (3.29) Locifer

mercores

Princeps

omees/omees

Porém, não apenas a pouca ocorrência atesta o caráter marginal desse padrão prosódico; processos fonológicos que transformam antigas proparoxítonas em paroxítonas são bastante atestados. Mettmann (1972, p.232), no Glossário das CSM, dá conta da ocorrência de perigo e periglo, ao lado de perigoo. O mesmo tipo de variação ocorre com as formas poboo vs. pobro e poblo (Mettmann, 1972, p.235). São atestadas também as formas cimiteiro, cossairo e santuairo (Mettmann, 1972, p.62, 79 e 276, respectivamente). Um tipo bastante recorrente de proparoxítonas no universo das cantigas religiosas, mas também atestado em algumas poucas cantigas profanas, é o daquelas terminadas por hiato, sempre constituído das sequências ia ou io, como em (3.30): (3.30) Cecilia Basilio

neicio Segovia

Perssia ostia

No entanto, há palavras também terminadas em ia/io, cujo padrão acentual não é proparoxítono, mas paroxítono, nas quais essas sequências constituem ditongos crescentes no nível fonético – exemplos em (3.31).

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(3.31) nervio sobervia bestias

novio relíquias

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chuvia juyzio

É a estrutura métrica do poema, em termos de contagem de sílabas poéticas, que corrobora a diferença de padrão prosódico observada nos exemplos de (3.30) e (3.31). É o que se mostra através dos versos transcritos em (3.32): (3.32) a. ia = ditongo on/tre/ bes/tias/ d’a/ra/da. (CSM15)* 1 2 3 4 5 6 b. ia = hiato a/ hos/ti/a /a /cos/tu/me/ ro/mã/a. (CSM69)** 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 * Equivalente, em CSM15, a per mort’ outra vegada, é end’ envergonnada, estranna e preçada, e outros, todos versos graves de seis sílabas. ** Na CSM69, os versos são todos decassílabos graves.

Além da alternância entre os padrões proparoxítonos e paroxítonos, verificam-se, nesse grupo de palavras, os mesmos tipos de processos fonológicos que agem no sentido de transformar em paroxítonas palavras originariamente proparoxítonas, fazendo que os hiatos formados pelas sequências ia/io sejam foneticamente realizados como ditongos, ou fazendo que a vogal i se consonantize, o que acaba por gerar o tipo de variação focalizada em (3.33): (3.33) Basilio (CSM15) Cecilia (B1271)

vs. vs.

Basillo (CSM15 e Mettmann, 1972, p.40) Cezilla (CSM89)

Com relação a exemplos dessa mesma natureza, Mettmann (1972, p.38 e 271) atesta Babilonna e sacrifiço. O interessante com relação às palavras desse grupo é que, além de poderem ser realizadas como proparoxítonas, como paroxítonas terminadas em ditongo crescente e como paroxítonas, a partir da consonantização de i, há casos em que elas se realizam indubitavelmente como paroxítonas termina-

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das em hiato. É o que ocorre no exemplo em (3.34), uma cantiga de amigo de Martin de Ginzo (B1272), em que Cecilia rima com romaria e queria.15 (3.34) Treides, ai mia madr’, en romaria orar u chamam Santa Cecilia: e, louçana irei ca já i est’o que namorei e, louçana irei. E treides migo, madre, de grado, ca meu amigu’é por mi coitado: e, louçana irei ca já i est’o que namorei e, louçana irei. Orar u chaman Santa Cecilia pois m’aduss’o que [eu] ben queria: e, louçana irei ca já i est’o que namorei e, louçana irei. Ca meu amigu’é por mi coitado, e, pois, eu non farei seu mandado? e, louçana irei ca já i est’o que namorei e, louçana irei.

Outro padrão excepcional de acentuação, que no entanto é paralelo ao padrão proparoxítono (e, por esse motivo, tão marginal quanto esse), é o das paroxítonas terminadas em sílaba pesada – exemplos em (3.35). Note-se que, na maior parte desses raros exemplos, a sílaba final é travada por nasal; mas há também casos de travamento pelas demais consoantes permitidas na posição de coda.

15 B1272 não é o único exemplo em que Cecilia rima com paroxítonas terminadas em hiato. O mesmo ocorre em B1273 e 1274, em que rima com dia.

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(3.35) virgen vermen caliz

omagen Ruben alcaçar

orden omen

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marmor/marmol arvor/arvol

Com relação aos verbos, os padrões mapeados são os mesmos já encontrados para os nomes e os demais itens lexicais não verbais. A maior parte segue o padrão canônico: paroxítonos terminados em sílaba leve – exemplos em (3.36) – ou oxítonos terminados em sílaba pesada (3.37).16 Nesses dois exemplos, apresenta-se uma lista das formas que se encaixam no padrão focalizado em termos de tempo, modo e pessoa. (3.36) canto (Presente Ind. 1ps) canta (Presente Ind. 3ps) cantava, devia, partia (Imperfeito Ind. 1ps/3ps) cantara (Mais-que-perfeito Ind. 1ps/3ps) cantaria (Futuro do Pretérito Ind. 1ps/3ps) canta (Imperativo 2ps) cantade (Imperativo 2pp) cante (Subjuntivo 1ps/3ps) cantasse (Imperfeito Subj. 1ps/3ps) cantado (Particípio) cantando (Gerúndio) (3.37) cantei (Perfeito Ind. 1ps) cantou (Perfeito Ind. 3ps) cantar (Fut. Subj. 1ps/3ps) cantar (Infinitivo)

No entanto, uma análise das formas verbais flexionadas mapeadas no corpus mostra que as exceções aos padrões prosódicos supracitados são muitas. A maior parte dos verbos que fogem a esse padrão corresponde 16 Nesses exemplos, privilegia-se a forma da primeira conjugação, quando as diferenças morfológicas entre as conjugações não redundam em diferenças no padrão prosódico; caso contrário, são mostradas as formas das três conjugações. Os algarismos após a identificação do tempo e do modo correspondem à pessoa do discurso; as abreviaturas ps e pp correspondem a “pessoa do singular” e “pessoa do plural”, respectivamente.

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a vocábulos paroxítonos terminados em sílaba travada. Todos os verbos paroxítonos que acabam em uma marca de flexão que gera um travamento silábico estão listados em (3.38), explicitados em termos de tempo, modo e pessoa. (3.38) cantas (Presente Ind. 2ps) cantamos (Presente Ind. 1pp) cantades (Presente Ind. 2pp) cantan (Presente Ind. 3pp) cantavas, devias, partias (Imperfeito Ind. 2ps) cantavan, devian, partian (Imperfeito Ind. 3pp) cantaste (Perfeito Ind. 2ps) cantastes (Perfeito Ind. 2pp) cantamos (Perfeito Ind. 1pp) cantaron (Perfeito Ind. 3pp) cantaras (Mais-que-perfeito Ind. 2ps) cantaron (Mais-que-perfeito Ind. 3pp) cantes (Pres. Subjuntivo 2ps) cantemos (Pres. Subjuntivo 1pp) cantedes (Pres. Subjuntivo 2pp) canten (Pres. Subjuntivo 3pp) cantasses (Imperfeito Subj. 2ps) cantassen (Imperfeito Subj. 3pp) cantares (Futuro Subj. 2ps) cantarmos (Futuro Subj. 1pp) cantardes (Futuro Subj. 2pp) cantaren (Futuro Subj. 3pp)

Note-se que, nas formas verbais citadas em (3.38), os morfemas flexionais (desinências) nunca recebem acentuação. Obviamente, a vogal temática verbal, parte do tema do verbo, não tem status de desinência; pode, portanto, ser suporte do acento. Para dar conta desse fato, bastaria formular uma restrição, proibindo a atribuição do acento a desinências verbais. Na tentativa de expressar restrições dessa natureza, abordagens derivacionais recorrem à noção de extrametricidade, uma estipulação de “invisibilidade” de certos elementos para regras de atribuição de acento.

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Especificamente para este caso, em um trabalho anterior (Massini-Cagliari, 1999a, p.176), formulei a seguinte estipulação: (3.39) Extrametricidade nos verbos: Marque como extramétrica a coda final que porte elemento com status de flexão, ou seja, {N, S}.

Note-se que a estipulação supracitada não está definida em termos da invisibilidade da desinência em si, mas de um segmento específico, que carrega status de flexão – de relevância semântica, pois. Nesse sentido, nas desinências número-pessoais de 1a e 2a pessoas do plural, -mos e -des/-tes, respectivamente, apenas o /S/ final é extramétrico, porque somente esse segmento, na desinência como um todo, posiciona-se na coda. Essa solução foi formulada, naquele momento, para dar conta não somente da previsão do posicionamento do acento nas formas verbais citadas em (3.38), mas também das formas da 2a pessoa do singular e da 3a pessoa do plural do Futuro do Pretérito do Indicativo, nas quais o acento recai sobre a desinência – (3.40). (3.40) cantarias (Futuro do Pretérito Ind. 2ps) cantarian (Futuro do Pretérito Ind. 3pp)

O problema com a solução adotada está em considerar as formas do Futuro do Pretérito como sendo simples, flexionando-se segundo o padrão canônico do português (desde aquela época até os dias de hoje): radical + vogal temática + desinência modo-temporal + desinência número-pessoal. Nesse caso, e tradicionalmente, a desinência modo-temporal do Futuro do Pretérito do Indicativo é identificada como sendo -ria. Ora, acontece que as formas do Futuro do Pretérito, em vez de estabelecer um paralelo, em termos de comportamento flexional, com as formas “simples” (todas as citadas em 3.36, 3.37 e 3.38), aproximam-se mais das formas do Futuro do Presente do Indicativo, considerado, em Massini-Cagliari (1999a, p.181), como compostas do infinitivo do verbo principal seguido da forma flexionada no verbo aver no Presente do Indicativo – (3.41). Como compostas, essas formas possuiriam dois acentos, um para cada base; no estabelecimento da relação de proeminência entre esses acentos, o segundo tem precedência, seguindo o padrão do PA.

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(3.41) cantár cantár cantár cantár cantár cantár Infinitivo

+ + + + + +

éi ás á émos édes án Presente do Indicativo, 1ps

Os argumentos a favor de considerar esses dois tempos como compostos são a variação entre formas do tipo viverey e ey a viver, viveria e ia a viver e a possibilidade de mesóclise apenas nesses dois tempos: ir-m’ei, ir-m’ia. Corrobora essa posição a seguinte afirmação de Michaelis de Vasconcelos (1904, p.XXII): “No futuro e condicional o acento recaía ora no infinitivo, ora no aussiliar, conforme as exijéncias do ritmo e suas pausas”. A esses argumentos, pode ser somada a observação de Williams (1975[1938], p.211) de que, nos “cancioneiros primitivos”, é possível a “coordenação” de dois futuros, a partir de uma só “terminação”: direy e non estar. Dessa maneira, tanto nas formas desses dois tempos “regulares” quanto ao acento (as paroxítonas terminadas em sílaba leve: cantaria; e as oxítonas terminadas em sílaba pesada: cantarei, cantarás, cantarán) como nas “irregulares” (as paroxítonas terminadas em sílaba travada: cantarias, cantarian, cantaremos, cantaredes; as proparoxítonas(?): cantariamos, cantariades; e as oxítonas terminadas em sílaba leve: cantará), os morfemas com status de desinência verbal nunca recebem acento.17 No entanto, a terceira pessoa do singular do Futuro do Indicativo não é a única forma verbal oxítona terminada em sílaba leve. Seguem essa pauta prosódica as formas da primeira pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo nas 2a e 3a conjugações (defendi, parti) e alguns verbos irregulares, conjugados em outros tempos (está, por exemplo). Na primeira conjugação, o acento, na primeira pessoa do Pretérito Perfeito do Indicativo, recai sobre a vogal temática:18

17 Sobre o status morfofonológico e prosódico das formas verbais de Futuro em PA, ver Massini-Cagliari (2006) e Borges (2008). 18 Em (3.42), as abreviaturas VT, MT e NP significam, respectivamente, “vogal temática”, “desinência modo-temporal” e “desinência número-pessoal”.

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(3.42)

am radical

e VT



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i NP

MT

Ora, a única diferença, em termos de estrutura morfológica, entre a forma da primeira pessoa do singular na primeira conjugação com relação à segunda e à terceira conjugações é o fato de a VT, nessas duas conjugações, ser de natureza igual à da vogal da NP: (3.43)

defend part radical

i i VT

  MT

i i NP

Nesse caso, tanto na primeira como na segunda e na terceira conjugações, o acento recai sobre a sílaba que contém a segunda mora da direita para a esquerda, seguindo o mesmo padrão de acentuação dos itens lexicais não verbais, embora isto não seja nítido quando se parte exclusivamente da superfície dessas formas verbais – (3.44). (3.44)

cantei ||

defendi

μμ ↑

parti

μ μ ↑

acento

μ μ ↑

acento

acento

Já uma forma irregular como está deve seu padrão acentual ao fato de ser a VT a única vogal não epentética, portanto pertencente à forma de base, no momento da flexão. Assim sendo, a pauta oxítona é predizível e esperada, nesse contexto – conforme explicitado em (3.45): (3.45)

st radical

a VT





MT

NP

Porém, a grande questão, com relação aos padrões acentuais possíveis nas formas verbais flexionadas em PA, é determinar, com certeza, se existem formas proparoxítonas. Candidatas a esse padrão prosódico são as formas verbais apresentadas em (3.46).

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(3.46) cantavamos, deviamos, partiamos (Imperfeito Ind. 1pp) cantavades, deviades, partiades (Imperfeito Ind. 2pp) cantaramos (Mais-que-perfeito Ind. 1pp) cantarades (Mais-que-perfeito Ind. 2pp) cantariamos (Futuro do Pretérito Ind. 1pp) cantariades (Futuro do Pretérito Ind. 2pp) cantassemos (Imperfeito Subj. 1pp) cantassedes (Imperfeito Subj. 2pp)

A dificuldade de estabelecer com exatidão o padrão acentual das formas verbais listadas em (3.46) consiste no fato de essas formas nunca aparecerem em posição de saliência rítmica do verso (ou seja, em posição de rima), como acontece na quinta estrofe da CSM143, transcrita em (3.47), e no refrão da CSM262, em (3.48).19 (3.47) E disse: « Se quisessedes gracir est’ a Deus e a ssa Madre servir e de vossos pecados vos partir, a chuvia logo verria. Quen algũa cousa quiser pedir (3.48) Se non loassemos por al ⏐a Sennor mui verdadeira devemos-la loar porque ⏐ [nos] demostra en carreira.

No entanto, mesmo aparecendo em posição medial, em alguns casos é possível levantar pistas, a partir da estrutura métrico-poética da cantiga, que nos levam ao estabelecimento das formas específicas dos tempos listados em (3.46) como proparoxítonas. Por exemplo, no caso da primeira estrofe da CSM180, transcrita em (3.49), em que aparece a forma deviamos, é possível ter a certeza de que se trata de uma forma proparoxítona, a partir da contagem de sílabas poéticas dos versos. Na cantiga em questão, todos os versos são decassílabos (com exceção do refrão, com cinco sílabas). Ora, para que o sexto verso dessa estrofe seja decassílabo, é necessário que se constitua um hiato entre as vogais i e a e que essa forma seja proparoxítona;

19 As CSM citadas em (3.47), (3.48) e (3.49) são apresentadas a partir da edição de Mettmann (1986, 1988, 1989).

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caso fosse constituído um ditongo crescente entre essas vogais específicas, a forma obrigatoriamente seria paroxítona. (3.49) Desta guisa deve Santa Maria seer loada, ca Deus lle quis dar todas estas cousas por melloria, porque lle nunca ja achassen par; e por aquesto assi a loar deviamos senpre, ca por nos vela. Vella e Minỹa...

O mesmíssimo fenômeno acontece na cantiga de amor A131, de autoria de Rui Queimado, da qual as duas primeiras estrofes são transcritas em (3.50).20 Na segunda estrofe dessa cantiga aparece a forma deviades, proparoxítona com certeza, a partir da estrutura métrico-poética da cantiga, composta de decassílabos agudos. Ora, se essa forma verbal é proparoxítona, por que não o seria a forma soubessedes, que aparece na primeira estrofe? (3.50) Senhor, que Deus mui melhor parecer fez de quantas outras donas eu vi, ora soubessedes quant’eu temi sempr(e) o que ora quero cometer: de vus dizer, senhor, o mui gran ben que vus quero, e quanto mal me ven, senhor, por vos, que eu por meu mal vi. E sabe Deus que adur eu vin i dizer-vus como me vejo morrer por vos, senhor; mais non poss’al fazer! E vel por Deus, doede-vus de mi, ca por vos moir’, esto sabede ben; e se quiserdes, mia senhor, por én non me deviades leixar morrer.

20 Em (3.50), A131 está apresentada a partir da edição de Michaëlis de Vasconcelos (1990[1904], p.266).

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Além dessas, foram mapeadas, no corpus de cantigas de amor, as formas ouvessedes (A285) e matassedes (A285). Já no corpus de cantigas de amigo, foram mapeadas apenas três formas: ouvessedes (B579), queriades (B579) e mostrassedes (B648). Com relação a essas três ocorrências, em Massini-Cagliari (1995, p.234), com base na hipótese de Vasconcellos (1959, p.172) de que a forma da segunda pessoa do plural no imperfeito do indicativo, no PA, era paroxítona (falabádes), esses verbos foram considerados paroxítonos. No entanto, as evidências aqui apresentadas, e a própria silabação da forma queriades em B579, exigem que essa posição seja revista. Como se pode observar em (3.51), em que está transcrita a terceira estrofe da cantiga “Por Deus, amigo, quen cuidaria”, de D. Dinis,21 para que o padrão métrico da cantiga seja mantido (decassílabos agudos alternando com versos graves de nove sílabas, é preciso que a sequência vocálica ia seja silabada como hiato, gerando, portanto, um proparoxítono. (3.51) Jurastes-m’ enton muit’ aficado que logo, logo, sen outro tardar, vos queriades pera mi tornar, e des oi mais, ai meu perjurado, nunca molher deve, ben vos digo, muit’ a creer per juras d’amigo.

Comparando a notação musical das CSM com o texto que a acompanha, e fazendo um mapeamento das coincidências e não coincidências entre proeminências musicais e linguísticas, Massini-Cagliari (2008a) e Costa (2010) mostram que, como as proeminências musicais se combinam preferencialmente com proeminências no nível linguístico, muito provavelmente essas palavras eram realizadas como proparoxítonas, uma vez que a proeminência musical que as acompanha, na maior parte dos casos, recai sobre a antepenúltima sílaba. Mesmo tendo sido comprovada a existência de formas verbais proparoxítonas no PA, o caráter marginal dessa pauta prosódica, em relação às paroxítonas terminadas em sílaba leve e oxítonas terminadas em sílaba pesada (majoritárias), fica manifesto em duas dimensões: a pouquíssima 21 Na edição de Nunes (1973, v.II, p.31).

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ocorrência de formas dessa natureza22 e a impossibilidade de focalização de formas desse tipo na posição de saliência rítmica do verso (posição de rima).

3.6 Interpretação a partir da Teoria da Otimalidade23 Segundo Kager (1999, p.142-3), a extensa pesquisa de Hayes (1995) sobre a tipologia das línguas quanto ao acento primário tem mostrado que os padrões acentuais são um domínio de forças potencialmente conflitantes, entre as quais o ritmo (pressão em direção à distribuição regular de sílabas fortes e fracas), a sensibilidade ao peso silábico (pressão no sentido de combinar sílabas pesadas com proeminências rítmicas) e a marcação de fronteira (pressão na direção de marcar as fronteiras de domínios morfológicos por sílabas fortes). É à investigação das maneiras pelas quais essas forças contrárias atuam na geração dos padrões de acentuação do PA que é dedicada esta seção. Mostrar-se-á como as pautas acentuais do PA são o resultado da tensão entre duas dessas tendências: a tendência rítmica trocaica e a marcação da fronteira morfológica do radical (raiz)/tema pelo acento. Está em foco, também, a maneira como a sensibilidade ao peso silábico se relaciona com essas duas tendências majoritárias. A análise dos dados, desenvolvida na Seção 3.4, mostrou que o PA, em posição de foco rítmico (isto é, em posição de rima, no corpus em questão), considera apenas dois padrões: versos graves (terminados em paroxítonas) e versos agudos (terminados em oxítonas). Com base na possibilidade de alternância desses dois padrões em uma mesma cantiga, chegou-se à conclusão de que apenas um ritmo de base trocaico seria capaz de dar sustentação linguística a versos dessa natureza. Já no item 3.5, mostrou-se que a grande maioria das palavras do PA possui, de fato, terminação grave (paroxítona) – o que reforça a consideração de um ritmo básico trocaico. Na seção anterior foi mostrado, também, que a grande maioria das palavras do PA recebe o 22 É importante ressaltar que muitas formas aparentemente proparoxítonas encontradas na edição das CSM de Mettmann (1986, 1988, 1989) constituem, na verdade, uma sequência de formas verbais paroxítonas mais pronome enclítico: levárono (CSM24); trouxérono (CSM213); matárono (CSM277); temérona (CSM283) etc. 23 Versões anteriores da análise apresentada nesta seção aparecem em Massini-Cagliari (2001b,c, 2005c,d, 2007b).

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acento na segunda mora, do final para o início da palavra, o que gera dois padrões básicos de acentuação: paroxítonas terminadas em sílaba leve e oxítonas terminadas em sílaba pesada. Outro fator importante a ser ressaltado é a “janela de três sílabas” (para usar um termo de Bisol, 1992a) na atribuição do acento: apenas as três últimas sílabas da palavra são acentuáveis (e, mesmo assim, a antepenúltima, em condições excepcionais). O fato de terminarem as palavras do PA em troqueus (e não se iniciarem por pés dessa natureza) comprova a enorme importância da direcionalidade na construção dos pés: os pés – e portanto, o ritmo, em nível de atribuição de acento lexical – se constroem do final para o início da palavra (ou, em uma metáfora espacial, da direita para a esquerda). É imprescindível, pois, iniciar esta análise pela tensão entre o tipo de pé adotado como base do ritmo da língua e a direcionalidade na construção desses pés. Iniciaremos, pois, por analisar a tensão entre duas restrições de mesma natureza, uma vez que tanto a natureza do pé (troqueu) como a direcionalidade de construção dos pés são expressas ambas por restrições da família de alinhamento (McCarthy; Prince, 1993). Alguns trabalhos de cunho otimalista têm mostrado (cf. Kager, 1999, p.171; Crowhurst; Hewitt, 1995, p.8) que, quando a restrição ALL-FT-X (definida em (3.52), a seguir, de acordo com a teoria do alinhamento generalizado de McCarthy e Prince, 1993)24 não é dominada por outras restrições, isto é, ocupa a posição mais alta na hierarquia, somente um pé pode permanecer na margem (direita ou esquerda) da palavra. Isso quer dizer que, nesse caso, quando a palavra tiver mais sílabas do que as necessárias para formar um pé na margem da palavra, nem todas elas serão segmentadas. Em outras palavras, ALL-FT-X domina PARSE-σ – (3.53).25 (3.52) ALLFT-RIGHT (todos os pés à direita). Alinhe (Pé, direita, Palavra prosódica, direita). Todo pé permanece na borda direita da palavra prosódica.

24 A restrição ALL-FT-R também pode ser definida nos termos de Cohn e McCarthy (1994, p.9): “The right edge of every foot coincides with the right edge of some PrWd” [“A margem direita de cada pé coincide com a margem direita de alguma palavra fonológica”]. 25 Cf. McCarthy e Prince (1993, p.11), Cohn e McCarthy (1994, p.7), Hammond (1995, p.8), Crowhurst e Hewitt (1995, p.3) e Kager (1999, p.162). Em Hammond (1997, p.44), essa restrição é definida como: “Two unfooted syllables cannot be adjacent” [“Duas sílabas não segmentadas em pés não podem ser adjacentes”].

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(3.53) PARSE-σ (segmente a sílaba): As sílabas são segmentadas em pés.

Como a borda em que o acento incide em PA é a direita, pode-se estabelecer a seguinte relação de dominância: (3.54) ALL-FT-R >> PARSE-σ

Porém, o ranking estabelecido anteriormente não é suficiente para determinar qual o tipo de pé “construído”. Em termos otimalistas, a tendência trocaica do ritmo do PA pode ser alcançada através do posicionamento alto da restrição TROCHEE (“troqueu”, ou RHTYPE=T, “tipo rítmico = troqueu”) – cuja definição aparece em (3.55)26 – na hierarquia das restrições. (3.55) TROCHEE (TROQUEU): os pés têm proeminência inicial.

A interação entre as restrições consideradas anteriormente é responsável por gerar o padrão mais recorrente de acentuação em PA, o paroxítono terminado em sílaba leve. É o que está demonstrado no Tableau (3.56), a seguir: (3.56) a. ☞ b. c. d.

/amig+o/ a.(mí.go) a.(mi.gó) (á.mi).go (a.mí).go

TROQUEU

ALL-FT-R

* *

* *

PARSE-σ * * * *

No entanto, como foi visto no item 3.5, as palavras paroxítonas terminadas em sílaba leve não são a única pauta acentual encontrada no PA. As oxítonas terminadas em sílaba pesada são também um padrão comum e recorrente (evidenciado na enorme repetição de rimas agudas, sobretudo nas cantigas profanas, especialmente as de amor). A obtenção desses dois padrões concomitantemente é dada, nas abordagens derivacionais, pela consideração de um ritmo baseado na construção de troqueus moraicos,

26 Cf. Hammond (1997, p.44) e Kager (1999, p.172-3). Em McCarthy e Prince (1993, p.11) e Cohn e McCarthy (1994, p.7), esta restrição recebe o rótulo de FOOT-FORMATION (TROCHAIC).

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da direita para a esquerda, em um sistema sensível ao peso silábico (Hayes, 1995; Massini-Cagliari, 1995, 1999a, especificamente para o PA). Nas seções anteriores deste capítulo, sugeri que o acento, nas palavras do PA, é atribuído à segunda mora, contada a partir do limite final da palavra. Ora, dessa análise decorre um sistema sensível ao peso silábico. Wetzels (2003, p.107) mostra que existe polêmica em torno da consideração do português atual, tanto na variedade europeia como na brasileira, ser sensível ao peso silábico na atribuição do acento.27 Segundo Wetzels, a origem dessa polêmica talvez esteja em uma interpretação errônea de uma afirmação de Troubetzkoy (1939), segundo a qual apenas línguas que possuem distinção fonêmica entre vogais longas e breves poderiam constituir sistemas de acentuação sensíveis ao peso da sílaba, isto é, uma regra de acento que conta moras. Wetzels (2003, p.131) conclui que há algumas línguas que contradizem essa generalização, e que, portanto, a rejeição de uma regra de acentuação sensível ao peso para o português, ou qualquer língua sem distinções de duração de vogais, não pode ser justificada apenas por razões tipológicas, mas deve ser baseada em argumentos internos à estrutura da língua. Ora, sendo o PA uma língua em que também não há distinções fonêmicas de duração entre vogais, o raciocínio desenvolvido por Wetzels para o português atual também se aplica. Portanto, não se pode descartar a priori a sensibilidade ao peso silábico, quando se consideram os mecanismos de atribuição de acento no PA. Na literatura que se desenvolveu a respeito da análise de sistemas rítmicos sensíveis à quantidade das sílabas sob a perspectiva da TO, estabeleceu-se que, quando as sílabas pesadas recebem obrigatoriamente acento, é porque WSP (Hammond, 1997, p.172), conforme definida em (3.57), encontra-se em uma posição alta na hierarquia das restrições. (3.57) WSP – WEIGHT-TO-STRESS PRINCIPLE [PRINCÍPIO DO PESO-PARA-ACENTO] Sílabas pesadas são acentuadas.

27 Lacy (1997, p.34-45) apresenta diversas abordagens, formais e funcionais, do peso silábico. Sua tese rejeita as explicações funcionais do peso silábico, fornecendo uma alternativa dentro do arcabouço teórico otimalista.

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Nesse sentido, poder-se-ia argumentar que é a interação entre WSP, TROQUEU e PARSE-σ que produz a pauta acentual oxítona, quando a sílaba final é pesada. Nesse caso, WSP tem que ser hierarquizada acima de TROQUEU. Os efeitos de uma hierarquização desse tipo são mostrados no Tableau (3.58): (3.58)

a. ☞ b. c.

/amor/ a.(mór) (a.mór) (á.mor)

WSP

TROQUEU

PARSE-σ *

* *

No entanto, pode-se perceber que o PA dá mais prioridade à formação de troqueus do que ao peso das sílabas da palavra; na verdade, o que importa é somente a quantidade da última sílaba da palavra, uma vez que uma sílaba pesada na antepenúltima posição da palavra, seguida de duas leves, não atrai para si o acento: *cóytado. Dessa forma, pode-se concluir que, em PA, a restrição TROQUEU está hierarquizada acima de WSP. Além disso, a sensibilidade do PA ao peso das sílabas é relativa, em dois sentidos. McGarrity (2003, p.206) afirma que, quando WSP domina a hierarquia das restrições, o resultado é um sistema sensível ao peso silábico, tanto com relação ao acento primário, quanto com relação ao secundário. Nesse sentido, a sensibilidade do PA ao peso das sílabas é apenas relativa, porque, embora as sílabas pesadas finais atraiam para si o acento, sílabas pesadas em posição medial ou inicial de palavra não atraem obrigatoriamente o acento secundário. Porém, mesmo se considerando a posição final da palavra, a sensibilidade do PA à quantidade é relativa, no sentido de que sílabas finais travadas por consoantes que correspondem a marcas desinenciais (de número plural, nos nomes, por exemplo, ou de número e pessoa, nos verbos) nunca atraem o acento (ver exemplo 3.25). Talvez, então, o fato de o acento ser atraído para a sílaba final de amór não esteja ligado à sensibilidade do PA ao peso das sílabas, mas à tendência de marcação da fronteira morfológica entre radical e desinências. Essa tendência já foi afirmada, em relação ao comportamento do acento no PE (Mateus, 1983) e no PB (Cagliari, 1999) – o que coloca o português atual como uma língua que, na tensão entre as forças conflitantes que geram os

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padrões acentuais arroladas por Kager (1999), privilegia o reforço, através do acento, de constituintes morfologicamente importantes (marcação de fronteiras de domínio morfológico). Pode-se perceber, com relação ao PA, que o alinhamento do acento com a última vogal do radical (radical derivacional, no caso de palavras não primitivas) é uma tendência relevante. Tanto em amór, como em amíga, ou amígas, o acento se posiciona sobre a última vogal do radical, não recaindo sobre vogais portadoras de status gramatical, ou seja, desinências. É por esse motivo que, em amigas, o acento não retrocede para a última sílaba, travada pela consoante que carreia a marca de número, mas cai na última sílaba de soláz, uma vez que, nessa palavra, a consoante final não é desinência de número, integrando o radical. É o que mostra o Tableau (3.59), em que o alinhamento entre o acento e a última vogal do radical é expressa pela restrição ALINHE (AC, D, Rad., D), definida em (3.60). (3.59) /solaz+∅+∅/ AC,

a. ☞ b. c.

so.(láz) (só.laz) (so.láz) /amig+a+∅/

e. f. g.

i. j. k.

WSP

* *

ALINHE

TROQUEU

PARSE-σ

WSP

D, RAD., D * * ALINHE

AC,

h. ☞

PARSE-σ

*

a.(mí.ga) a.(mi.gá) (á.mi).ga (a.mí).ga /amig+a+S/ a.(mí.gas) a.(mi.gás) (á.mi).gas (a.mí).gas

TROQUEU

*

AC,

d. ☞

ALINHE D, Rad., D

* * TROQUEU

* * * * PARSE-σ

WSP

* * * *

*

D, RAD., D * *

* *

* *

(3.60) ALINHE (AC, D, Rad., D): alinhe o acento com a borda direita do radical. (A sílaba acentuada é a última do radical)

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À luz do que foi dito anteriormente, ocorrências como amígo, amór, coytáda, salvadór, Portugál, coraçón, entre outras, mais do que comprovar a sensibilidade do PA à quantidade da última sílaba, na atribuição do acento, mostram que a binaridade é um fator importante na construção dos pés trocaicos, uma vez que se buscam construir pés com dois elementos, no nível moraico: o PA forma pés bimoraicos, com duas sílabas leves ou com uma pesada. Entretanto, a comparação entre amígo, cóyta e coytáda mostra que a binaridade no nível moraico é menos importante do que o tipo do pé construído (trocaico, isto é, com proeminência inicial), haja vista a acentuação em cóyta. Também o tipo e a binaridade do pé são mais importantes do que a consideração da quantidade silábica (WSP), porque, como já foi mencionado, em palavras do tipo coytádo, o acento se mantém na penúltima leve, não retrocedendo para a antepenúltima, só porque esta é pesada – o que comprova, mais uma vez, a dominância de ALL-FT-R. Dessas considerações resulta a importância da restrição BINARIDADE, definida em (3.61), que interage com TROQUEU e ALL-FT-R, gerando o padrão conhecido como “troqueu moraico”, na teoria derivacional.

(3.61) BIN (FOOT BINARITY = binaridade do pé) Os pés são binários em algum nível de análise (μ, σ).

No entanto, a binaridade dos pés não é tão importante no PA quanto o tipo de pé a ser construído e a borda em que ele deve ser construído. Pode-se comprovar isso a partir da análise dos casos de oxítonas terminadas em sílaba leve, como rubi e javali. Nessas palavras, tanto a binaridade dos pés como a segmentação das sílabas são sacrificadas para que o acento recaia sobre a última vogal do radical – Tableau (3.62):

(3.62) /rubi+∅+∅/ AC,

ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP D, RAD., D

a. ☞ ru.(bí) b. c.

(ru.bí) (rú.bi)

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*

*

* *

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Como foi mostrado na Seção 3.5, o PA possui monossílabos pesados (3.63a), que seguem o padrão gerado pela hierarquia estabelecida no Tableau (3.62), e leves (3.63b), que, sozinhos, não podem gerar um pé bimoraico: (3.63) a.

Rey ben uez mal mar

b.

fe (= “fé”) la ia (= “já”)

Como até mesmo as palavras listadas em (3.63b) recebem acento em PA, a conclusão lógica é que a restrição ROOTING28 – (3.64) – não pode ser violada, ocupando uma posição bastante alta na hierarquia. Pode-se dizer que essa restrição é até mais alta na hierarquia do que BIN, uma vez que é mais importante, no PA, o fato de as palavras possuírem um acento do que este ser gerado por um pé binário. No Tableau (3.65) está demonstrado como a restrição ROOTING interage com as demais, sobretudo com BINARIDADE, para gerar o padrão acentual dos monossílabos leves. (3.64) ROOTING: As palavras devem ter um acento. (3.65) /f+∅+∅/ ROOTING

ALINHE

TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP

AC, D, RAD., D

a. ☞ (fɛ) b. fɛ

* *

O problema com relação à abordagem do acento dos nomes e demais itens não verbais no PA aqui desenvolvida consiste em explicar e prever o padrão das proparoxítonas. Como se pode ver no Tableau (3.66), a hierarquia de restrições adotada até o momento – e que explica de forma bastante satisfatória as interações entre as pressões exercidas pelas tendências contrárias que agem sobre o posicionamento do acento nas palavras do PA – não é capaz de prever e explicar a acentuação dos nomes proparoxítonos e demais itens lexicais que seguem esse padrão. Nesse tableau, a forma apon28 Cf. Hammond (1995, p.9; 1997, p.44; 1999, p.261).

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tada como ótima é a paroxítona dicipólo, e as duas formas proparoxítonas, marcadas com ☺, não são escolhidas no processo de avaliação dos outputs possíveis. (3.66) /dicipol+o+∅/

ALINHE

TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP

AC, D, RAD., D

a. ☞ b. ☺ c. ☺

di.ci(pó.lo) di.(cí.po)lo di.(cí.po.lo)

** * *

* *

**! *

Tradicionalmente, a colocação do acento nas proparoxítonas vem sendo um problema clássico da fonologia do português atual, em ambas as variedades, europeia (Mateus, 1975, 1983; Carvalho, 1989; d’Andrade; Laks, 1991; Mateus; d’Andrade, 2000) e brasileira (Leite, 1974; Duarte, 1977; Costa, 1978; Maia, 1981; Bisol, 1992a; Wetzels, 1992; Alvarenga, 1993; Lee, 1995). Até o momento, não se tinha enfrentado esse problema com relação ao acento do PA, uma vez que no corpus com que então trabalhava não estavam presentes nomes proparoxítonos – o que confirma a análise de Nunes (1973) de que não há proparoxítonos no conjunto das cantigas de amigo galego-portuguesas (Massini-Cagliari, 1995, 1999a). Além disso, não era possível decidir, apenas com elementos do próprio corpus, qual a pauta acentual dos poucos verbos encontrados, candidatos a proparoxítonos, até aquele momento. Mas, dada a relevante incidência de nomes dessa natureza, sobretudo no corpus de cantigas religiosas (exemplos em 3.28, 3.29 e 3.30), mas também no de amor, isto se faz agora imprescindível. Várias possíveis soluções têm sido apontadas, ao longo do tempo, para a acentuação “esdrúxula” (nos dois sentidos) das proparoxítonas do português. Do meu ponto de vista, tais soluções podem ser agrupadas em três tipos, que passo a apresentar, porém não em ordem cronológica de seu aparecimento. O primeiro tipo de solução é adotar um padrão completamente diferente de acentuação para casos marcados e para casos não marcados (as proparoxítonas são, obviamente, o caso marcado, no PB e no PA). Lee (1995) adota uma solução desse tipo, uma vez que a sua tese propõe que o acento em nomes e verbos é gerado por subsistemas diferentes, que, por

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sua vez, também se subdividem em dois casos, o marcado e o não marcado. Explicando melhor, o que Lee (1995) propõe é que o acento dos nomes e dos demais itens não verbais é gerado, no caso não marcado (paroxítonas e oxítonas), pela atribuição de um pé iâmbico na borda direita do radical (derivacional, nas palavras não primitivas); já no caso marcado (proparoxítonas), o acento seria dado pela construção de um troqueu, nesse mesmo domínio. Para os verbos a situação se inverte, porque, no caso não marcado (paroxítonas e proparoxítonas), o pé construído é o troqueu, enquanto, para o caso marcado (oxítonas), é o iambo.29 Em resumo, a solução apresentada por Lee (1995) propõe que haja dois subsistemas completamente diferentes para atribuição de acento nos verbos e nas formas não verbais. Essa solução é aceitável, dentro do arcabouço teórico da Fonologia Lexical (Kiparsky, 1982; Mohanan, 1986). O que é questionável é o fato de o sistema marcado dos verbos ser igual ao não marcado dos nomes e o marcado dos não verbos ser igual ao não marcado dos verbos. Portanto, na verdade, o que se tem não são dois sistemas subdivididos (o que totaliza quatro), mas apenas dois, cada um deles atribuindo acento a verbos e não verbos. Além disso, essa solução não consegue abrir mão de dois artifícios bastante criticados ao longo do desenvolvimento da fonologia de cunho gerativo: 1) pressupõe que o direcionamento para o subsistema específico para cada grupo é dado pelo léxico. Em outras palavras, os casos marcados têm que, necessariamente, receber uma marca lexical, que os encaminhará para a regra de acento “correta”; caso contrário, receberão a acentuação não marcada; 2) continua a fazer uso de estipulações de extrametricidade (veja a discussão do segundo tipo de solução comum às proparoxítonas) para algumas desinências verbais. A segunda solução clássica dada pelos estudos de caráter derivacional para a obtenção do padrão acentual das proparoxítonas no português é a postulação de uma estipulação de extrametricidade. A extrametricidade de um elemento pode ser definida como a sua invisibilidade para as finalidades de aplicação de regras rítmicas de atribuição de acento. O exemplo clássico de extrametricidade são as sílabas finais das palavras latinas, inacentuáveis. Segundo Hayes (1985, p.195) e Halle e Vergnaud (1987, p.31-

29 Santos (2001) adota a solução apresentada em Lee (1995).

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4), a extrametricidade é regulada por duas condições: a de perifericidade, que estipula que o elemento extramétrico tem que ser periférico ao domínio, isto é, tem que estar posicionado no limite desse domínio; e a de não exaustividade, que estipula que um domínio fonológico não pode ser por inteiro extramétrico. É essa última condição que faz com que monossílabos latinos sejam acentuáveis. Com relação ao PB (Bisol, 1992a), a solução típica dada pelos modelos derivacionais ao padrão das proparoxítonas é estipular a extrametricidade da última sílaba, que seria marcada no léxico enquanto tal. Dessa forma, excluída a sílaba final, o acento das proparoxítonas é dado pela construção de um pé trocaico, no limite do domínio da palavra fonológica, excluída a sílaba final extramétrica – exemplo (3.67). (3.67)

(x .) fo nɛ ti

(x .) ju pi

A adoção de estipulações de extrametricidade para dar conta da pauta proparoxítona do português tem sido muito criticada, principalmente por dois motivos: seu caráter ad hoc (esse tipo de estipulação só tem função para a atribuição de acento); e o fato de estipulações desse tipo resultarem na concepção de um léxico muito carregado de marcas, uma vez que todas as palavras proparoxítonas teriam de ser marcadas, uma a uma. Mas há variações quanto ao uso da estipulação de extrametricidade no interior dos trabalhos derivacionais. Com relação às proparoxítonas do PE e do PB, respectivamente, d’Andrade e Laks (1991) e Alvarenga (1993) aludem a sufixos acento-repelentes, entre os quais -voro, -gero, -fero.30 Por sua vez, Duarte (1977) e Maia (1981) fazem referência a sequências inacentuáveis, entre as quais -ic- (do sufixo -ica, -ico) e -im- (do sufixo -íssimo). A inovação dessas propostas consiste em considerar inacentuáveis as vogais da penúltima e não da última sílaba das proparoxítonas. Com relação ao PB, o argumento favorável à adoção da extrametricidade da penúltima sílaba provém da observação de que, com relação aos processos fonoló-

30 Note-se que são estes os mesmos sufixos apontados por Wetzels (1992, p.38) como indutores de ritmo datílico, na aplicação da regra de abaixamento datílico.

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gicos de redução (deleção, levantamento de vogais átonas etc.), as vogais da sílaba átona não final das proparoxítonas são muito mais débeis do que as da sílaba final. No entanto, esse tipo de procedimento fere a condição de perifericidade, quando o domínio do acento é tomado como sendo o da palavra fonológica. A vantagem de soluções como essas é que elas não mais consideram sílabas como extramétricas, mas sufixos ou sequências inacentuáveis – o que aliviaria o léxico, já que apenas alguns poucos sufixos ou sequências deveriam ser marcadas. Por outro lado, esse tipo de solução só explica o padrão acentual das proparoxítonas derivadas (como fonética e belíssima, por exemplo), mas não explica o padrão de lâmpada e sábado, não derivadas. Além disso, no caso da marcação de sequências específicas como inacentuáveis (para dar conta também das proparoxítonas não derivadas), o problema que aparece é o fato de haver sequências, ao mesmo tempo, acentuáveis (nas paroxítonas) e inacentuáveis (nas proparoxítonas) – por exemplo: sequência -ad-, em lâmpada e empada. Uma terceira alternativa de explicação para a pauta acentual das proparoxítonas do PB é dada por Wetzels (1992). De certa forma, esse terceiro tipo de solução reúne características das duas anteriores. Consiste em considerar um pé excepcional para dar conta dos padrões marginais das proparoxítonas e paroxítonas terminadas em sílaba pesada, como a solução apresentada por Lee (1995), mas, ao contrário deste, Wetzels propõe pés excepcionais apenas quanto à quantidade de sílabas (ou de moras, já que considera um sistema sensível ao peso silábico), mas não quanto à posição da cabeça do pé. Em outros termos, ao contrário de Lee, Wetzels nunca cogita a alternância de troqueus e iambos, mas apenas a alternância entre pés de proeminência inicial, com duas ou três moras. Assim, Wetzels propõe pés datílicos (três sílabas leves) e espondaicos (uma sílaba – leve ou pesada – seguida de uma sílaba pesada). Da mesma forma que as soluções que se baseiam na postulação de algum tipo de extrametricidade, a proposta de Wetzels acaba por gerar a inacentuabilidade das duas últimas sílabas das proparoxítonas, embora, na sua proposta, nenhuma das duas sílabas átonas finais fique não segmentada. Em comum com os dois tipos de solução anteriores, a de Wetzels também recorre à marcação dos casos excepcionais no léxico, já que os pés datílicos e espondaicos são formados em um nível mais profundo do léxico, na perspectiva da Fonologia Lexical, em que são gerados os padrões

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excepcionais de ritmo; os demais padrões, não excepcionais, são formados em um nível mais superficial. Em Massini-Cagliari (1999a), das três soluções para as proparoxítonas do PB, considerei a solução de Wetzels (1992) como a mais adequada, por preservar a tendência trocaica da língua, por expressar bem o caráter marginal e excepcional das proparoxítonas, por não deixar qualquer sílaba não segmentada, escapando da postulação de estipulações de extrametricidade, e por preservar o princípio de que o acento primário (no PB, no caso) nunca pode ultrapassar a barreira de três moras, contadas do final para o início da palavra. No âmbito da TO, tanto a estipulação da extrametricidade da sílaba final das proparoxítonas como a formação de um pé datílico excepcional podem ser geradas a partir da ação da restrição de NON-FINALITY (=NÃO FINALIDADE), uma vez que, de acordo com Prince e Smolensky (1993, p.42), essa restrição focaliza a boa formação do pico acentual, e não a segmentação da sílaba final. McGarrity (2003) analisa em profundidade a atuação de NON-FINALITY no segundo capítulo de sua tese e sua relação com a ideia de extrametricidade. A autora (McGarrity, 2003, p.53) mostra que, nas teorias não lineares derivacionais, a noção de extrametricidade era usada para dar conta dos seguintes fenômenos: 1) línguas com sílabas CVC pesadas em posição não final, mas leves em posição final; 2) colocação de acento na antepenúltima sílaba em línguas cuja acentuação é baseada na atribuição de pés binários; 3) explicação de sistemas em que o acento nunca cai na sílaba final das palavras; 4) colocação de acento primário em um pé não periférico. McGarrity (2003, p.53) explicita que a restrição de NÃO FINALIDADE não corresponde exatamente à ideia de extrametricidade porque demanda que nenhuma cabeça de palavra prosódica seja final. Esta é, portanto, uma restrição relativa à posição do acento primário, não à inacentuabilidade de sílabas. Nesse sentido, embora dê conta bem de expressar a extrametricidade das sílabas finais do latim, de acordo com McGarrity (2003), a alta hierarquização de NÃO FINALIDADE talvez não seja a melhor solução para expressar a acentuação proparoxítona no PA, já que, nessa língua, nem todas as sílabas finais são inacentuáveis. De fato, ao contrário do latim, em que os padrões mais recorrentes são as paroxítonas e as proparoxítonas,

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no PA, o padrão oxítono é o segundo mais recorrente, atrás apenas das paroxítonas. No caso do PA, então, a solução seria hierarquizar NÃO FINALIDADE acima de TROQUEU e ALINHE (AC, D, Rad., D) apenas para as proparoxítonas – o que não é uma solução satisfatória, dado o seu caráter ad hoc, ou “paroquial” (isto é, criado para resolver um problema específico de uma única língua ou variedade), no jargão da TO. Além disso, a adoção de NÃO FINALIDADE exclusivamente para as proparoxítonas não exime a presente solução de um recurso a marcas lexicais, uma vez que elas são necessárias para que a acentuação padrão paroxítona seja evitada. Note-se que a ação de NÃO FINALIDADE, tal como definida em (3.68), exclusiva para as proparoxítonas, acaba por fazer com que seja escolhida como forma ótima aquela em que é construído um pé de proeminência inicial (trocaico), mas com três sílabas – Tableau (3.69) –, muito semelhante aos pés datílicos propostos por Wetzels (2002). (3.68) NÃO FINALIDADE(rad): Nas palavras marcadas (proparoxítonas), a proeminência é não final, com relação ao domínio Radical. (3.69) /dicipol+o+∅/ *FIN(rad)

ALINHE

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AC, D, RAD., D

a. b.

di.ci(pó.lo) di.(cí.po)lo c. ☞ di.(cí.po.lo)

* * *

* *

** **! *

Como foi mostrado em 3.5, no PA, assim como no PB, o comportamento das paroxítonas terminadas em sílaba pesada é análogo ao das proparoxítonas, quanto ao acento. Como se pode ver nos exemplos em (3.35), nessas palavras, o acento recai sobre a penúltima vogal do radical – exatamente como ocorre nas proparoxítonas –, devido à ausência de desinências de gênero e número. Dessa forma, (3.68) deve ser reformulada como em (3.68’), para que a restrição NÃO FINALIDADE dê conta de explicar e prever o padrão acentual também das proparoxítonas terminadas em sílaba pesada. Nesse sentido, ao invés de considerar que a marca lexical recai sobre a classe das proparoxítonas, propomos que a marca é dada a radicais especiais, que podem ser seguidos ou não de desinências de gênero. Assim, em (3.68’),

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a palavra “especiais”, que aparece entre parênteses, refere-se a essa classe de radicais. (3.68’) NÃO FINALIDADE(rad): Nas palavras marcadas (radicais especiais), a proeminência é não final, com relação ao domínio Radical.

O Tableau (3.70) mostra como a ação de *FIN(rad) faz com que seja escolhida a forma desejada como ótima, no caso das proparoxítonas terminadas em sílaba pesada: (3.70) /virgen+∅/ *FIN(rad) a. ☞ b. c.

(vír.gen) (vír).gen vir.(gén)

ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP AC, D, RAD., D * * *

*

*

* *

* *

* *

Com relação às formas verbais do PA, foi mostrado anteriormente que os padrões mapeados no corpus são os mesmos encontrados para os nomes e demais itens lexicais não verbais. Isso quer dizer que foram encontrados os mesmos tipos de pauta acentual manifestos nos nomes, e na mesma proporção, quanto à recorrência: predominância de paroxítonos, mas com incidência significativa de oxítonos e raros proparoxítonos. Nada faz crer, portanto, que verbos e não verbos tenham um comportamento diferenciado, quanto à colocação do acento, no PA. De fato, a hierarquia de restrições estabelecida até o momento para dar conta do padrão de acentuação dos itens não verbais explica e prevê perfeitamente bem o padrão dos verbos paroxítonos terminados em sílaba leve. Encaixam-se nessa categoria: a 1a e a 3a pessoas do singular do Pretérito Imperfeito do Indicativo, 1a conjugação (ex. cantava); a 2a pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo (ex. cantaste); a 1a e a 3a pessoas do singular do Pretérito Mais-que-perfeito do Indicativo (ex. cantara); a 1a e a 3a pessoas do singular do Pretérito Imperfeito do Subjuntivo (ex. cantasse); a 2a pessoa do plural do Imperativo (ex. cantade); e as formas nominais do gerúndio (cantando) e do particípio (cantado). Em todas essas formas, percebe-se o mesmo jogo das forças conflitantes que agem sobre a locali-

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zação do acento que pôde ser deduzida da análise dos nomes e outros itens lexicais não verbais: tendências concomitantes em direção à produção de um ritmo trocaico e à marcação com a proeminência acentual da fronteira morfológica do radical. É preciso ressaltar, no entanto, que, no caso dos verbos, o domínio morfológico a ser ressaltado não é exatamente o radical, mas o tema verbal, que consiste na soma do radical com a vogal temática. É o que mostra o Tableau (3.71), em que são analisadas as formas cantava (1a/3a pessoa do singular do Pretérito Imperfeito do Indicativo) e cantaste (2a pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo). (3.71) ALINHE

/cant+a+va+∅/

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AC, D, TEMA, D

a. ☞ b. c. d.

can.(tá.va) (can.tá).va can.(tá).va (cán.ta.va) /cant+a+∅+ste/

e. ☞ f. g. h.

* * ALINHE TROQUEU AC, D, RAD., D

can.(tás.te) (can.tás).te can.(tás).te (cán.tas.te)

* *

* *

* * **

* * *

* *

* * **

* * * *

* ** ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP

* **

A hierarquia de restrições adotada até o momento também explica e prevê muito bem o padrão dos verbos paroxítonos terminados em sílaba travada – o que vem reforçar a ideia de que não há diferenças de comportamento entre verbos e não verbos no PA, quanto à acentuação. Encaixam-se nesse padrão as seguintes formas verbais: a 1a e a 2a pessoas do plural do Presente do Indicativo (cantamos e cantades, respectivamente); a 2a pessoa do singular e a 3a pessoa do plural do Pretérito Imperfeito do Indicativo, 1a conjugação (ex. cantavas e cantavan); as três pessoas do plural do Pretérito Perfeito do Indicativo (cantamos, cantastes, cantaron) e a 3a pessoa do plural do Pretérito Mais-que-perfeito do Indicativo, que coincide com a 3a pessoa do plural do Pretérito Perfeito (cantaron); a 2a pessoa do singular do Pretérito Mais-que-perfeito do Indicativo (cantaras); as formas da 2a

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pessoa do singular (cantasses) e da 3a do plural (cantassen) do Pretérito Imperfeito do Subjuntivo; a 2a pessoa do singular e as três pessoas do plural do Futuro do Subjuntivo (ex. cantares, cantarmos, cantardes, cantaren, respectivamente). No Tableau (3.72), estão analisadas as formas da 1a pessoa do plural do Presente do Indicativo (cantamos) e da 3a pessoa do plural do Pretérito Imperfeito do Indicativo (cantavan). (3.72) /cant+a+∅+mos/

ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP D, TEMA, D * ** * * * ** * * ** ** * ** * ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP AC, D, RAD., D * ** * * * ** * * ** ** * ** *

AC,

a. ☞ b. c. d.

can.(tá.mos) (can.tá).mos can.(tá).mos (cán.ta.mos) /cant+a+va+N/

e. ☞ f. g. h.

can.(tá.van) (can.tá).van can.(tá).van (cán.ta.van)

Também fica automaticamente previsto e explicado pela hierarquia aqui considerada o padrão das formas verbais oxítonas terminadas em sílaba travada, como é o caso da 1a e da 3a pessoas do Futuro do Subjuntivo e do infinitivo pessoal (cantar – Tableau 3.73) e do infinitivo impessoal. (3.73) /cant+a+r+∅/ a. ☞ can.(tár) b. (can.tár) c. (cán.tar)

ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP AC, D, TEMA, D * * * * *

* *

O mesmo vale para as formas da 1a pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo na 1a conjugação (ex. cantei) e para a 3a pessoa do singular do mesmo tempo/modo, em todas as conjugações (ex. cantou, defendeu, partiu), que formam oxítonas terminadas em ditongos – Tableau (3.74).

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(3.74) ALINHE

/part+i+∅+u/ AC,

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D, TEMA, D

a. ☞ par. (tíu) b. (par.tíu) c. (pár.tiu)

* * *

*

* * *

Já com relação à 1a pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo na 2a e na 3a conjugações (defendi, parti), a situação é um pouco mais complicada. É preciso lembrar que, a exemplo do que acontece em todas as formas verbais do PA, a vogal temática verbal está sempre presente na forma no input. Como já foi mostrado anteriormente no exemplo (3.43), nessas formas verbais específicas, a vogal temática e a vogal da desinência número-pessoal são de natureza idêntica. Faz-se necessário, então, explicar por que não há o apagamento da vogal temática, como acontece nas formas do presente (veja adiante), nem a formação de um hiato, como seria o padrão do PA, para sequências de vogais desse tipo, nos nomes (ver Capítulo 2). Para tal, faz sentido recorrer à mesma restrição formulada no Capítulo 2 para dar conta desse mesmo fenômeno – *HIATO, cuja definição está repetida a seguir em (3.75) –, que proíbe a formação de um hiato entre a vogal temática e a vogal da desinência. Essa restrição atua em conjunto com MAX(VT,des.)-Pret., definida em (3.76), que impede o apagamento da vogal temática nos tempos do “pretérito”, como ocorre nas formas do presente, através da maximização das vogais da VT e da desinência. A partir da ação conjunta dessas duas restrições, hierarquizadas acima de todas as outras, é possível verificar, no Tableau (3.77), que a forma ótima escolhida corresponde àquela que preserva as moras provenientes de ambas as vogais. Esse fato comprova que, embora de menos importância quando comparada às tendências à produção de ritmo trocaico e à marcação de fronteira morfológica, a tendência à preservação das moras e à consideração do peso silábico na localização do acento em PA não deve ser menosprezada. (3.75) (=2.48) *HIATO: Hiatos entre VT e V(desinência), nas formas “do pretérito”, são proibidos. (3.76) MAX(VT,des.)-Pret.: Maximize VT e V(desinência) nos verbos do “pretérito”. (= Não apague VT e V(desinência) nos verbos do “pretérito”.)

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(3.77) /part+i1++i2/ *HIATO MAX(VT,DES)-Pret.

ALINHE

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AC, D, TEMA, D

a. ☞ par. (ti:) b. (par.tí:) c.

(pár.ti:)

d.

par.(ti)

e.

par.(ti)

f.

par.(tí.i)

*

*

*

* *

*

*

*

*

*

*

*

*

*

*

*

*

*

A operação conjunta das restrições *HIATO e MAX(VT,des.)-Pret. explica também a pauta acentual das formas do Pretérito Imperfeito do Indicativo, na 2a e na 3a conjugações, em que a vogal temática i se funde com a vogal inicial da desinência modo-temporal –ia. É importante ressaltar que, mesmo nesses casos, mantém-se o alinhamento da proeminência do acento com a última vogal do tema – que, no caso, encontra-se fundida com a vogal da desinência de modo/tempo – Tableau (3.78). (3.78) /part+i1+i2a+/ *HIATO MAX (VT,des)

ALINHE

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AC, D, TEMA, D

a. ☞ par. (ti:.a) b. (par.tí:.a)

* *

c.

(pár.ti:.a)

*

d.

par.(tí.a)

e.

par.(tí.a)

f.

par.(ti.i.a)

*

g.

par.ti.(í.a)

*

**

* ** *

*

**

*

* *

*

*

*

*

*

*

**

*

Ao contrário do que ocorre com os nomes proparoxítonos, nos verbos dessa pauta acentual, o acento recai invariavelmente sobre a VT. Ora, como mostra o Tableau (3.79), isto é resultado da atuação de ALINHE (AC, D, Radical/Tema, D), que pressiona no sentido a marcar a fronteira morfológica da base invariável, à qual se adjungem as flexões, tanto nos verbos como nos não verbos. Têm padrão semelhante ao da 1a pessoa do plural do Pretérito Imperfeito do Indicativo, cujo processo de avaliação dos candidatos está retratado no Tableau (3.79), a 2a pessoa do plural do Pretérito Imperfeito do Indicativo (cantávades, devíades, partíades), a 1a e a 2a pessoas do plural

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do Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo (cantáramos, cantárades) e 1a e a 2a pessoas do plural do Pretérito Imperfeito do Subjuntivo (cantássemos, cantássedes). (3.79) /cant+a+va+mos/ AC,

a. ☞ b. c. d. e.

can.(tá.va.mos) can.(tá.va).mos (cán.ta).va.mos (can.tá).va.mos can.ta.(vá.mos)

ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP D, TEMA, D * * ** * ** ** * ** ** * * ** ** ** * ** **

Para os tempos do Futuro, já há algum tempo estudiosos vêm apontando para o português atual (Mateus, 1983, e Mateus; Andrade, 2000, para o Português Europeu, e Bisol, 1992a, e Massini-Cagliari, 1995 e 1999a, para o Brasileiro) essas formas do Futuro como compostas: do infinitivo do verbo principal e, no caso do Futuro do Presente, as formas do verbo haver, no Presente do Indicativo, ou do Pretérito Imperfeito do verbo ir, no caso do Futuro do Pretérito.31 Em trabalhos anteriores (Massini-Cagliari, 1995, 1999a, 2006), as formas do Futuro do Presente e do Futuro do Pretérito do PA foram consideradas como compostas – posição reafirmada aqui na Seção 3.5. Em uma abordagem otimalista, ao considerar como compostos esses tempos verbais, muda o input dessas formas, uma vez que são constituídas por duas bases, cada qual com a sua estrutura morfológica interna. Uma análise desse tipo dá conta do padrão acentual dessas formas verbais a partir da hierarquia que aqui vem sendo adotada – como se mostra no Tableau (3.80),32 uma vez que a restrição ALINHE(AC, D, Rad./Tema, D) não é violada fatalmente, já que o acento recai sobre a última vogal do tema nas duas bases componentes das formas do Futuro, tanto as do Futuro do Presente como as do Futuro do Pretérito (ou Condicional). A ação de ROOTING garante que ambas as bases recebam acento, no nível primário.

31 Diferentemente de Bisol (1992a) e Mateus e Andrade (2000), que consideram o condicional como composto do infinitivo do verbo principal seguido do verbo haver, no imperfeito do indicativo. 32 No Tableau (3.80), o limite entre as bases é representado por “#”.

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(3.80)

a. ☞ b.

a. ☞ b.

a. ☞ b. c.

/cant+a+r/# ROOTING /e+∅+∅+i/ can.(tár)#(éi) can.ta.(réi) *! /cant+a+r/# ROOTING /i+∅+ia+∅/ can.(tár)#(í.a) can.ta.(ri.a) *! /cant+a+r/# ROOTING /i+∅+ia+∅/ can.(tár)#(í.a.mos) can.ta.(ri.a).mos *! can.(tár)#(í.a).mos

TROQUEU ALL-FT-R BIN PARSE-σ WSP

ALINHE AC, D, TEMA, D

* ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN AC, D, TEMA, D

* **

* * PARSE-σ WSP * **

* ALINHE TROQUEU ALL-FT-R BIN AC, D, TEMA, D * * * *

* * PARSE-σ WSP * ** **

** ** **

Os únicos tempos verbais que trazem problemas para a proposta de análise que ora se apresenta são os do Presente, cujas formas não podem ser geradas apenas através da hierarquia até agora considerada. Para resolver o problema, adota-se, aqui, a restrição NÃO FINALIDADE(Presente), definida em (3.81), hierarquizada acima de TROQUEU e ALINHE (AC, D, Rad./ Tema, D), ou seja, dominando todas as outras. Como fica demonstrado no Tableau (3.82), o efeito da ação dessa restrição é fazer com que o acento não se posicione na sílaba final da palavra nas formas do presente, ou seja, nas formas do Presente do Indicativo e do Subjuntivo. Estabelece-se, portanto, uma clara tensão entre *FIN(Pres.) e ALINHE(AC, D, Rad./Tema, D), uma vez que a ação desta vai no sentido de posicionar o acento na última sílaba, nas formas da 2a pessoa do singular (cantas) e da 3a pessoa do plural (cantan) do Presente do Indicativo e da 2a pessoa do singular do Imperativo (canta), à qual pertence a vogal temática verbal. (3.81) NÃO FINALIDADE(Presente): as formas do Presente (Indicativo e Subjuntivo) não têm acento final, no domínio da palavra fonológica. (3.82) /cant+a+∅+s/ *FIN(Pres.) TROQUEU

ALINHE

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AC, D, RAD., D

a. ☞ b.

(cán.tas)

*

(cán).tas

*

c.

can.(tás)

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*

*

* *

*

*

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*

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*

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No entanto, a ação isolada de *FIN(Pres.) não é capaz de explicar e prever a queda da vogal temática, sempre presente no input, nas formas da 1a pessoa do singular do Presente do Indicativo (canto) e das 1a, 2a e 3a pessoas do singular e da 3a pessoa do plural do Presente do Subjuntivo (respectivamente, cante, cantes, cante, canten). Para tal, formulou-se PCO(VT)-Pres. (=Princípio do Contorno Obrigatório com relação à vogal temática nas formas do Presente), tal como apresentada em (3.83). No momento da avaliação dos candidatos (Tableau 3.84), sua ação faz com que sejam descartados os outputs que contenham a vogal temática expressa nas formas do presente, ou seja, faz que não sejam escolhidos os outpus em que se forma uma sequência de duas vogais, a VT e uma V(desinência) (tanto número-pessoal, como no Indicativo, como modo-temporal, como no Subjuntivo). (3.83) PCO(VT)-Pres.: Sequências de VT + V(desinência) são proibidas nas formas do presente. (= Apague VT quando seguida de V(desinência) nas formas do presente.) (3.84) /cant+a+e+s/ PCO(VT)- *FIN(Pres.) TROQUEU -Pres.

ALINHE

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AC, D, RAD., D

a. ☞ (cán.tes)

*

b.

(cán).tes

*

c.

can.(tés)

d.

can.(tá.es)

*

e.

(cán.ta.es)

*

*

*

*

*

*

*

*

*

*

*

**

A partir da ação conjunta de PCO(VT)-Pres. e de *FIN(Pres.), ficam previstos os padrões acentuais das formas da 1a e da 2a pessoas do plural do Presente do Subjuntivo (ex. cantemos, cantedes). Como mostra o Tableau (3.85), no caso dessas pessoas específicas do Presente do Subjuntivo, a tensão entre as forças que, por um lado, vão no sentido do apagamento da vogal temática e da não atribuição do acento à última sílaba da palavra e, contrariamente, à delimitação do tema como constituinte morfológico importante acaba por fazer que, nesse caso, o acento recaia, excepcionalmente, sobre uma vogal que carreia status de desinência verbal. Apesar de excepcional, por receberem essas formas acento sobre a desinência, a pauta acentual da

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1a e da 2a pessoas do plural do Presente do Subjuntivo, num outro sentido, reforça a tendência rítmica trocaica do PA, garantida a partir desse padrão excepcional. (3.85) /cant+a+e+mos/ PCO(VT)- *FIN TROQUEU -Pres. (Pres.) a. ☞ can.(té.mos)

ALINHE

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AC, D, RAD., D

*

b.

(can.té)mos

c.

can.(té)mos

*

d.

can.ta.(é.mos)

*

e.

can.(tá.e.mos)

*

*

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* **

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A hierarquia de restrições que propomos explica de forma bastante satisfatória as interações entre as pressões exercidas pelas tendências a um ritmo trocaico e à marcação da fronteira morfológica entre o radical e as desinências, ao mesmo tempo que evidencia o papel (menos importante do que essas duas tendências, mas também relevante) da consideração do peso silábico, no processo de posicionamento da proeminência acentual, no nível da palavra. Não se trata, pois, de negar a importância do peso silábico na atribuição do acento do PA, mas de relativizar a sua relevância. Nesse sentido, esta proposta preserva a intuição, expressa na Seção 3.5, de que o acento do PA nunca pode ultrapassar a barreira de três moras, contadas do final para o início da palavra, caindo prioritariamente na segunda mora.

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PROCESSOS RÍTMICOS: SÂNDI

Fechando a análise de alguns aspectos da prosódia do Português Medieval proposta neste livro, os dois últimos capítulos são dedicados ao estudo de dois processos: sândi e paragoge. Nesse sentido, pretende-se exemplificar a importância do posicionamento do acento lexical e da pauta prosódica das sílabas envolvidas para a ocorrência de processos rítmicos, bem como a sua interação com fatores linguísticos de outra natureza (de fonotática, por exemplo, ou seja, da boa formação da estrutura das sílabas). No entanto, há uma razão para o enfoque dado aqui a esses dois processos: eles foram escolhidos dada uma característica importante que os opõe. Enquanto o sândi é fortemente condicionado por fatores linguísticos, sendo a ocorrência de elisões, hiatos e ditongações determinada muito mais pela própria estrutura da língua dos trovadores do que pela sua “vontade”, a paragoge rítmica é um fenômeno estilístico por natureza, já que atua sobre a estrutura superficial “normal” da palavra, “transformando-a”, para que ela melhor possa se adequar à estrutura poética do verso.

4.1 Sândi Sândi é uma “modificação de pronúncia numa fronteira gramatical” (Trask, 2004, p.260), um “fenômeno da fonética sintáctica em que um segmento inicial ou final de palavra é afectado pelo contexto em que ocorre, podendo apresentar diferentes realizações que dependem das características do som que antecede ou segue uma fronteira de palavra” (Xavier; Ma-

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teus, 1990, p.327-8). Em outras palavras, o fenômeno de sândi compreende as “mudanças resultantes de assimilações ou dissimilações de um vocábulo em contacto com outro” (Câmara Jr., 1973, p.341). Esse tipo de mudança que “acontece na divisa entre duas palavras consecutivas” é chamado de sândi externo (Trask, 2004, p.260). Na vasta literatura que foi produzida sobre o PA, incluindo os estudos linguísticos e literários a respeito das cantigas medievais portuguesas, profanas e religiosas, três processos de sândi vocálico externo – que promovem, segundo Cunha (1961, p.27), a “solução dos encontros vocálicos interverbais” – têm recebido destaque: elisão, hiato e ditongação.1 Dois desses fenômenos, o hiato e a ditongação, já foram tratados no Capítulo 2, quando foram abordadas as soluções dadas pela língua medieval a sequências formadas por duas (ou mais) vogais, internamente às palavras. Dessa forma, pudemos verificar que a ocorrência de hiatos e de ditongos, no nível lexical, é, na maior parte dos dados, predizível, a partir do contexto (ou seja, da qualidade das vogais em contato e da estrutura da sílaba em que se encontram – presença de travamento, de onsets etc.). No contexto intervocabular, as definições de hiato e de ditongo são semelhantes às utilizadas no estudo desses fenômenos no nível lexical. Assim, uma “sequência de duas vogais que pertencem a sílabas diferentes” (Xavier; Mateus, 1990, p.201) é um hiato, ao passo que uma “sequência vocálica no interior de uma única sílaba” (Xavier; Mateus, 1990, p.132) constitui um ditongo. A diferença com relação aos processos tratados no Capítulo 2 está no contexto de sua aplicação: enquanto, lá, as sequências vocálicas em foco pertenciam a uma mesma palavra, aqui serão analisadas apenas as sequências formadas em juntura de palavras, em que cada vogal pertence a palavras diferentes (a primeira, à última sílaba da primeira palavra, e a segunda, à primeira sílaba da segunda palavra – que tem que ser iniciada por vogal).2 Do ponto de vista da sua realização, nos processos de sândi, o encontro de vogais pode nem mesmo constituir uma “sequência” no nível fonético (como no caso da elisão, em que uma das vogais é apagada; a realização fonética da sequência corresponde, pois, a apenas uma vogal).

1 Note-se que já em trabalhos de Michaëlis de Vasconcelos (1904, 1912-1913) há referências a esses dois processos de solução de encontros vocálicos interlexicais. 2 Obviamente, palavras iniciadas por consoante bloqueiam a ocorrência de sândi.

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Já a elisão, segundo Xavier e Mateus (1990, p.140), pode ser definida como um “fenómeno de fonética sintáctica que consiste na supressão de uma vogal átona final quando a palavra seguinte começa por vogal”.3 Como exemplos da aplicação do processo de elisão, podem ser citados casos de supressão da vogal da preposição DE, seguida de palavras iniciadas por vogal: linha d’água, galinha d’angola, frescor d’orvalho, cantigas d’amigo, cantigas d’amor. Pode ocorrer, também, entre duas palavras lexicais, independentemente de sua classe gramatical: blusa usada → blususada; leite em pó → leit[ĩ]pó; conta histórias → contistórias. Exemplos de elisão, retirados de cantigas medievais profanas, são: e nõ me sei consel lachar (“e non me sei conselh’ achar” – A16-v.7, na versão de Michaëlis de Vasconcelos, 1990[1904], p.37); de todo ben sempr o mellor (“de todo ben sempr’o melhor” – A42-v.11, Michaëlis de Vasconcelos, 1990[1904], p.91); Que tristoie meu amigo (“que trist’oj’é meu amigo” – B555-v.1, Nunes, 1973, p.7). No hiato, ao contrário, a qualidade e a posição das vogais das palavras é mantida, como nos exemplos: Ay amiga eu ando tã coytada (B573-v.15, Nunes, 1973, p.26); quando a non posso per ren ueer (A 129-23, Michaëlis de Vasconcelos, 1990[1904], p.263). No capítulo “Hiato, sinalefa e elisão na poesia trovadoresca”, Cunha (1961, p.91-2),4 depois de uma exaustiva análise desses processos na poesia de dois trovadores (Pai Gomes Charinho e João Zorro), chega a quatro conclusões de ordem geral e dez de ordem particular, a respeito do seu funcionamento, no PA: De ordem geral: a) aos trovadores não repugnavam os hiatos, embora revelassem acentuada inclinação para elidir a vogal do encontro, quando átona; b) o regime da elisão estava ligado ao ritmo do verso e era contrarregrado por impedimentos fonéticos, fonêmicos e morfológicos;

3 A definição colhida em Xavier e Mateus (1990) coincide com definições anteriores desse processo, encontradas em dicionários de Linguística. A este respeito, ver Câmara Jr. (1973, p.157), que chama a atenção para o fato de a elisão também ser denominada, na literatura especializada, de “sinalefa”. Como se pode ver adiante, é exatamente este o termo utilizado por Cunha (1961). Já Trask (2004, p.91) define elisão apenas de modo geral, como “omissão de sons”. 4 O artigo de 1961 corresponde a Cunha (1950), com poucas alterações.

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c) a vogal final átona dos polissílabos perdia-se com mais frequência que a dos monossílabos; d) a sinalefa era aparentemente rara. De ordem particular: a) a vogal da preposição de só não se elidia antes de vogal quando esta era o corpo do pronome átono o, a, os, as; b) a vogal dos pronomes átonos me, lhe (ou lhi), se (ou si), xe (ou xi) sempre se elidia antes de outros fonemas vocálicos; c) a vogal do pronome mi elidia-se antes de palavras iniciadas por e, i e u, mas ditongava-se com as vogais a e o, quando as precedia; d) o pronome pessoal oblíquo o (a) combinava-se com as formas pronominais me, te, xe, e lhe, mas, em outros casos, mantinha a sua autonomia silábica; e) o pronome lo (la) conservava sua vogal quando precedia formas do auxiliar aver, mas podia perdê-la ou não antes de outras palavras de início vocálico; f) não se elidia nem se yodizava a vogal do pronome e da conjunção que, bem como a das conjunções ca e se; g) a copulativa e não se ditongava com uma vogal subsequente; h) a preposição a contraía-se com o artigo el, mas hiatizava-se com outras palavras iniciadas por vogal; i) a vogal átona final de verbo não sofria elisão nem sinalefa quando seguida do pronome o(s), a(s); j) em caráter exceptivo, admitia-se a fusão silábica de vogal nasal + oral (oral + nasal).

Já o processo de ditongação – ou “sinalefa”, no dizer de Cunha (1961) – consiste na união, em uma só sílaba, de duas vogais, uma, átona, localizada no final da primeira palavra, e outra, no início da palavra seguinte, formando uma combinação de semivogal e vogal (não necessariamente nesta ordem): que mia uerra per bõa fe (“que mi-averrá per bõa fé” – A224-v.4, Michaëlis de Vasconcelos, 1904, p.433); E nunca mho farã creer (“E nunca mi-o farán creer” – B1040-v.16, Nunes, 1973, p.290). Comparando esse processo com o da elisão, Cunha (1961, p.42) ressalta a aproximação quanto à sua natureza: “Elisão e sinalefa não se opõem [...]. São, na verdade,

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dois aspectos de um mesmo fenômeno, a perda total ou parcial da natureza silábica de uma vogal em contacto com outra”. Como bem resume Cunha, a questão é, então, com relação aos processos de sândi, estabelecer se há ou não contexto para a “perda” – total (elisão) ou parcial (ditongação) – da “natureza silábica” da vogal átona da primeira palavra. Dessa forma, elisão e ditongação não se opõem, mas formam um bloco que se opõe ao hiato, ou seja, à não aplicação do sândi, à preservação total da “natureza silábica” da primeira vogal. Por esse motivo, este capítulo se estrutura a partir de duas seções, dedicadas, a primeira, à oposição da elisão à sua não aplicação (hiato) e, a segunda, à comparação entre a ditongação e a sua não ocorrência (hiato, novamente). Como nem todas as vogais que se encontram em posição átona final de palavra são suprimidas ou transformadas em semivogal (isto é, perdem sua “natureza vocálica”) diante de uma vogal inicial de outra palavra, uma questão se faz pertinente: seriam os fenômenos de sândi vocálico externo (e, especialmente, a elisão e a ditongação) apenas processos de estilo, a respeito dos quais podiam os trovadores da época optar por aplicá-los ou não, fazendo uso deles para chegar à métrica desejada em cada verso? Sobre este assunto, Cunha (1961, p.43) é taxativo, com base nas cantigas de Pai Gomes Charinho e João Zorro, que analisou a fundo, considerando muito estreita a “margem de arbítrio” dos trovadores: Em relação ao hiato, 80% dos exemplos que aparecem nos textos examinados são decorrentes de impedimentos fonéticos, fonêmicos e morfológicos. E, dos 20% restantes, mais de 10% ainda se explicariam por fenômenos peculiares ao enunciado versificado. A margem de arbítrio – talvez artifício ou qualquer razão não apurada de métrica ou de língua – fica relegada a menos de 10%, ou seja, a uma fração insignificante dos exemplos estudados.

Diante dessas duas possibilidades, é necessário verificar se a elisão e a ditongação, enquanto fenômenos de sândi vocálico externo, são processos obrigatórios – e, portanto, da língua (da fonologia, da gramática da língua), dos quais o trovador não pode fugir sem caracterizar uma “transgressão” poética – ou opcionais, de estilo – dos quais o trovador pode abrir mão sempre que necessário para produzir a métrica desejada para o verso.

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Para tal, é preciso comparar os casos de elisão e ditongação com os casos de hiato, para identificar se há algum impedimento linguístico para a ocorrência da elisão e da ditongação, ou se se trata de opção do poeta. Como corpus desta pesquisa, foi considerada a seleção de cem cantigas profanas e cinquenta cantigas religiosas apresentada no Capítulo 1 e no Apêndice. Para a escansão dos versos e consequente mapeamento dos ditongos, hiatos e elisões em contexto de juntura vocabular, foi utilizada a mesma metodologia empregada para a análise dos encontros de vogais em nível lexical (Capítulo 2). Como já visto anteriormente, essa metodologia busca abstrair da escansão dos versos em sílabas poéticas os limites entre as sílabas fonéticas. Dessa forma, especificamente no caso de encontros vocálicos e da categorização desses encontros como ditongos ou hiatos, é particularmente relevante a observação das fronteiras de palavras no meio dos versos. Em outras palavras, a escansão e a contagem das sílabas poéticas dos versos podem elucidar dúvidas acerca da consideração de uma sequência de vogais pertencente a duas palavras em uma única ou em sílabas diferentes. Ao lado disso, a escrita dos manuscritos medievais aqui considerados como fonte é particularmente reveladora do fenômeno da elisão, já que não costumavam ser grafadas as vogais apagadas nesse processo. A escansão dos poemas em sílabas poéticas é também uma aliada no estudo da elisão, já que a não realização fonética da vogal não grafada pode ser confirmada a partir da contagem das sílabas poéticas do verso. A aplicação da metodologia anteriormente descrita à análise dos dados das cantigas medievais profanas e religiosas, com vistas ao mapeamento dos processos de sândi, está exemplificada em (4.1), em que aparecem a vigésima segunda e a vigésima terceira estrofes da CSM411 (Figura 4.1), na versão de Mettmann (1989, p.331). Nessa cantiga, os versos contém treze sílabas graves; cada um deles pode ser subdividido em dois hemistíquios de seis sílabas graves. Dessa forma, é possível estabelecer, com certeza, o caráter de ditongo da sequência I-O, no quarto verso da 23a estrofe. Também é possível perceber as elisões presentes no segundo verso da 22a estrofe (id’a = ide + a) e no primeiro verso da 23a (ll’esto = lle + esto). Além disso, devem ser consideradas indubitavelmente como hiatos as sequências A-E (primeiro verso, 22a estrofe); E-I (segundo verso, 22a estrofe); E-O (terceiro verso, 22a estrofe); A-Ó (primeiro verso, refrão); E-A (segundo verso,

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refrão). Ocorre também hiato na cesura dos hemistíquios do primeiro verso do refrão.

Figura 4.1. 22a e 23a estrofes da CSM411, primeira festa de Santa Maria em To. Cantigas de Santa María. Edición facsímile do Códice de Toledo (To). Biblioteca Nacional de Madrid (Ms. 10.069). Vigo: Consello da Cultura Galega, Galaxia, 2003. fólios 136r-v.

(4.1) Cousa, e non passedes | de Deus seu mandamento, e id’ a vossa casa | logo sen tardamento; ca se o non fezerdes, | quiçay por escarmento vos dará Deus tal morte | que será mui sõada.” Beeyto foi o dia | e benaventurada a ora que a Virgen | Madre de Deus, foi nada.

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Tanto ll’ esto mostraron | e per tantas razões, que lles respos chorando: | “Pois que vos praz, varões, farei vosso consello; | mais, por Deus, compannões, guardade-mi os gãados | en aquesta mallada.” Beeyto foi o dia | e benaventurada a ora que a Virgen | Madre de Deus, foi nada.

4.2 Sândi vocálico externo nas cantigas profanas e religiosas A partir da metodologia estabelecida, foram mapeados todos os casos de encontros vocálicos intervocabulares, classificando cada caso de acordo com o fenômeno de sândi verificado. Foram encontrados, nos corpora de cantigas profanas e religiosas considerados, 3956 casos de encontros entre vogais em juntura de palavras, 1317 no corpus de cantigas profanas e 2639 no de cantigas religiosas. Esses números mostram que, apesar de o corpus total compreender o dobro de cantigas profanas (cem contra cinquenta CSM), a extensão das cantigas religiosas foi o fator preponderante para que pudessem ser encontrados muitos mais casos de contato entre vogais no corpus das CSM do que no das cantigas profanas. Como mostra a Tabela 4.1, 52,8% dos casos foram resolvidos em elisões, 45,7% em hiatos e apenas 1,5% em ditongos. A elisão é, pois, de modo geral, o processo de sândi mais recorrente nas cantigas medievais galego-portuguesas.

Tabela 4.1. Soluções para os encontros vocálicos nas cantigas profanas e religiosas. Processos de sândi

cantigas profanas

CSM

Quantidade (percentual)

Elisões

848 (21,4%)

1241 (31,4%)

2089 (52,8%)

Hiatos

418 (10,6%)

1388 (35,1%)

1806 (45,7%)

Ditongos

51 (1,3%)

10 (0,2%)

61 (1,5%)

Total

1317 (33,3%)

2639 (66,7%)

3956 (100%)

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No entanto, como mostram a Tabela 4.1 e os Gráficos 4.1. e 4.2, a preponderância da elisão se dá principalmente no corpus de cantigas profanas, em que a elisão ocorre em 848 de 1317 casos (64,4% do total contra 31,7% de hiatos).

Gráfico 4.1. Soluções para os encontros vocálicos: cantigas profanas.

Já no corpus de cantigas religiosas, como mostra o Gráfico 4.2, o hiato é a solução mais recorrente para o encontro de vogais em situação de juntura de palavras. Entretanto, a diferença entre os casos de hiatos e de elisões não é tão acentuada quanto no corpus de cantigas profanas. O hiato é a solução encontrada em 52,6% dos casos (1388 em 2639), enquanto a elisão aparece em 47% (1241 casos).

Gráfico 4.2. Soluções para os encontros vocálicos: cantigas religiosas.

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Os dois corpora mostram também concordâncias e discrepâncias com relação à consideração da ditongação como processo de sândi vocálico externo. Em ambos os corpora, o processo de ditongação é minoritário, apesar de se constituir em um processo mais relevante no corpus de profanas do que no de religiosas. Como se verá adiante, a pouca ocorrência de casos de ditongação como processo de resolução de juntura vocabular dá-se em decorrência do contexto extremamente restrito de sua aplicação: a sinalefa só pode acontecer com os pronomes mi e ti – e apenas quando seguidos das vogais [a, o, ɔ].

4.3 Elisão, hiato e crase A Tabela 4.2 traz as vogais envolvidas em todos os processos de sândi mapeados no corpus. Ela mostra que, enquanto praticamente todas as sequências vocálicas podem formar hiatos, há sérias restrições quanto à ocorrência dos demais processos de sândi. Como se vê, para que ocorra a elisão, é necessário que a vogal átona da primeira palavra seja /a/, /e/5 ou /o/;6 já para a ditongação (enquanto processo de sândi), necessariamente a vogal átona da primeira palavra tem que ser /i/ (e, como se verá adiante, não um /i/ qualquer, mas a vogal dos monossílabos mi ou ti – especialmente mi).

5 Segundo Maia (1997[1986], p.521), os grafemas , e podem aparecer tanto em posição átona como em posição tônica. Em relação ao grafema , Maia considera que ele pode representar, na posição átona, tanto o fonema /e/ como o fonema /i/. Além disso, há variação entre as letras e , nesse contexto. Para essa autora, “o fonema /i/ surge apenas nalgumas formas pronominais, nalgumas formas verbais e em algumas palavras invariáveis (advérbios ou numerais)”. Portanto, na Tabela 4.2, a abreviatura “e +” refere-se à representação da vogal no nível fonêmico (/e/) e à grafia usual da letra ausente, uma vez que não é possível determinar com absoluta certeza qual a verdadeira atualização fonética dessa vogal nesse contexto. 6 Também a abreviatura “o +”, na Tabela 4.2, se refere à representação fonológica da vogal átona e à sua grafia usual. Segundo Maia (1997[1986], p.526), “desde o início da fixação escrita do galego-português, a vogal final, tanto quando representa /ŭ/ como /ō / do latim clássico, aparece de modo quase uniforme representada pelo grafema –o. No período mais antigo e, mesmo assim, de modo muito pouco frequente, aparece o grafema u em formas em que a vogal final tinha uma ou outra procedência”.

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Tabela 4.2. Contextos dos processos de sândi nas cantigas profanas e religiosas. vogal átona final da vogal inicial da primeira palavra segunda palavra

a+

Subtotal:

e+

Subtotal:

é (/ε/) +

Subtotal:

i+

Subtotal:

o+

Subtotal:

Elisão

Hiato

Ditongo

Subtotal

a (a, ã/an)

69

119

---

188

e (e, e / en) é (/ε/) i o ó (/ɔ/) u (ũ / un) a +V a (a, ã/an)

21 3 1 4 1 --99 431 430

188 34 42 108 9 36 536 336 184

-------------------

209 37 43 112 10 36 635 767 614

64 29 146 46 32 1178 -----

74 24 185 6 26 835 1 7

-----------------

138 53 331 52 58 2013 1 7

-----------------

----6 --1 15 34 34

------------40 ---

----6 --1 15 74 34

------------236 377

6 3 18 --11 106 123 73

----19 2 --61 -----

6 3 37 2 11 167 359 450

51 27 70 27 24 812

8 13 44 5 6 272

-------------

59 40 114 32 30 1084

e (e, e / en) é (/ε/) i o ó (/ɔ/) u (ũ/ un) e +V a (a, ã/an) e (e, e / en) é (/ε/) i o ó (/ɔ/) u (ũ / un) é (/ε/) + V a (a, ã/an) e (e, e / en) é (/ε/) i o ó (/ɔ/) u (ũ / un) i +V a (a, ã / an) e (e, e / en) é (/ε/) i o ó (/ɔ/) u (ũ / un) o +V

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Tabela 4.2. Continuação vogal átona final da vogal inicial da primeira palavra segunda palavra

u+

Subtotal:

Elisão

Hiato

Ditongo

Subtotal

a (a, ã / an)

---

13

---

13

e (e, e / en)

---

17

---

17

é (/ε/)

---

7

---

7

i

---

---

---

---

o

---

4

---

4

ó (/ɔ/)

---

1

---

1

u (ũ / un)

---

---

---

---

u +V

---

42

---

42

2089

1806

61

3956

TOTAL

Como mostra a Tabela 4.2, foram mapeados 2089 casos de sândi vocálico externo em que ocorre elisão, ou seja, casos em que, como nos exemplos em (4.2),7 a vogal átona final da primeira palavra é apagada, e uma nova sílaba é formada, a partir da adjunção do onset da sílaba átona final da primeira palavra com a vogal inicial da segunda palavra. (4.2) a. confiand’ en Deus, ond’ o saber ven; (CSM B-12) confiand’en = confiando + en b. vyu a pedr’ entornada (CSM1-46) pedr’ entornada = pedra + entornada c. Do meu amor e douossy enmetauã (B641-11) do uoss’y = uosso + y d. Cuydades muyta miga la morar (B936-9) muit’amig’alá: muito + amiga + alá e. tanto me ueie mui gran coitãdar (A 158-18) vej’en = vejo + en; coit’andar = coita + andar

Como mostram os dados quantitativos da Tabela 4.2, os casos mais típicos de elisão ocorrem quando a vogal átona da primeira palavra é /e/ ou /o/ – exemplos em (4.3). 7 Entre parênteses, aparece o número que a cantiga da qual foi retirado o exemplo, juntamente com a indicação da fonte (A – Cancioneiro da Ajuda; B – Cancioneiro da Biblioteca Nacional e CSM – Cantigas de Santa Maria). O(s) algarismo(s) depois do hífen refere(m)-se ao verso da cantiga em que aparece o exemplo. No caso das cantigas profanas, os exemplos são apresentados na ortografia original dos manuscritos A ou B; já as CSM são apresentadas segundo a edição de Mettmannn (1986, 1988, 1989).

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(4.3) a. do sepulcr’ e o demo destroyr (CSM143-26) sepulcr’e = sepulcro + e b. Madre quero geuyr ueer (B932-1) quer’oj’eu = quero + oge + eu c. se me matassedes ia prazer mia (A285-24) m’ia = me + ia d. a guisa d’ om’ esforçado, quer en guerra, quer en paz. (CSM183-8) d’om’esforçado = de + ome + esforçado e. Muito foi noss’ amigo | u diss’: “Ave Maria” (CSM210-5) noss’amigo = nosso + amigo; diss’Ave = disse + Ave f. [G]rand’ alegria ouv’ ali (CSM425-35) grand’alegria = grande + alegria; ouv’ali = ouve + ali

Analisando mais detidamente a Tabela 4.2 e os dados referentes aos casos de elisão mapeados no corpus, nota-se que há algo a mais do que apenas a restrição quanto à qualidade da vogal átona final da primeira palavra (que tem que necessariamente ser /a/, /e/ ou /o/). Pode-se perceber uma diferença no comportamento de alguns dos exemplos, quando se comparam os casos de elisão, se a vogal átona final da primeira palavra é /a/, com aqueles em que a vogal apagada é /e/ ou /o/. Em primeiro lugar, é necessário ressaltar uma diferença na ocorrência de casos com vogal elidida /a/, por um lado, e /e, o/, por outro. Os casos de apagamento de /a/ correspondem a apenas 4,7% dos casos (99 em 2089), enquanto os de /e/ equivalem a 56,4%, e os de /o/, a 38,9%. Como se pode notar, a ocorrência de elisão com palavras cuja vogal átona final é /a/ é muito mais restrita do que com /e, o/. A própria Tabela 4.2 já mostra isso, se for considerada a proporção de hiatos e elisões, com relação à qualidade da primeira vogal. No caso de /a/, a solução preferida para os encontros vocálicos é o hiato (536 casos, 84,4%, contra apenas 99 elisões, 15,6%). Com relação a /e/ e /o/ essa proporção se inverte. Dos 2013 casos de sândi com vogal átona /e/, 1178 (58,5%) resolvem-se em elisão e 835 (41,4%), em hiato. Se descontarmos desses casos os relativos a monossílabos bloqueadores de elisão (bastante recorrentes) terminados em /e/ (vejam-se as Tabelas 4.6 e 4.7, adiante), como que, e, se (conjunção), a desproporção entre os casos de elisão e hiato acentua-se ainda mais: dos 835 casos de hiato, 705 devem-se à presença desses monossílabos. Já com relação a /o/, dos 1084 casos mapeados, 812 (74,9%) correspondem a fenômenos de elisão e 272 (25,1%), de hiato.

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Além disso, enquanto o processo de elisão de /e, o/ se dá diante de todas as vogais, a elisão de /a/ acontece preferencialmente diante de /a/ mesmo ou /e/. Inclusive, como mostra a Tabela 4.2, há pouquíssimos casos de elisão de /a/ diante de vogais diferentes dessas e não foi localizado no corpus qualquer caso de elisão de /a/ diante de /u/. Uma comparação entre as Tabelas 4.2 e 4.3 mostra que os casos de elisão de /a/ diante de vogais diferentes de /a/ mesmo concentram-se no corpus das Cantigas de Santa Maria. Como mostra a Tabela 4.3, no Cancioneiro da Ajuda (A), há apenas seis casos de elisão de /a/ diante de vogal diferente de /a/ (quatro diante de /e/, um diante de /o/ e um diante de /ɔ/); no Cancioneiro da Biblioteca Nacional (B), não há qualquer caso. Tabela 4.3. Elisão nos corpora de cantigas profanas.

a+

A

B

SUBTOTAL

a (N)

22 (2,59%)

5 (0,59%)

27 (3,28%)

e (N)

4 (0,47%)



4 (0,47%)

ɛ







i (N)







ɔ

1 (0,12%)



1 (0,12%)

o (N)

1 (0,12%)



1 (0,12%)

u (N) Subtotal

e+







28 (3,3%)

5 (0,59%)

33 (3,89%)

a (N)

82 (9,67%)

67 (7,9%)

149 (17,57%)

e (N)

124 (14,62%)

102 (12,03%)

226 (26,65%)

ɛ

23 (2,71%)

15 (1,77%)

38 (4,48%)

i (N)

7 (0,83%)

4 (0,47%)

11 (1,3%)

ɔ

4 (0,47%)

32 (3,77%)

36 (4,24%)

o (N)

25 (2,95%)

3 (0,36%)

28 (3,31%)

u (N)

2 (0,24%)

4 (0,47%)

6 (0,71%)

267 (31,49%)

227 (26,77%)

494 (58,26%)

a (N)

44 (5,19%)

35 (4,13%)

79 (9,32%)

e (N)

108 (12,73%)

67 (7,9%)

175 (20,63%)

Subtotal

ɛ

8 (0,94%)

8 (0,94%)

16 (1,88%)

i (N)

4 (0,47%)

10 (1,18%)

14 (1,65%)

ɔ

11 (1,3%)

8 (0,94%)

19 (2,24%)

o (N)

11 (1,3%)

4 (0,47%)

15 (1,77%)

u (N)

1 (0,12%)

2 (0,24%)

3 (0,36%)

Subtotal

187 (22,05%)

134 (15,8%)

321 (37,85%)

TOTAL

482 (56,84%)

366 (43,16%)

848 (100%)

o+

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Com base na discrepância no número de casos observados e na diferença de comportamento da queda da vogal átona quando esta é ou não /a/, em estudos anteriores (Massini-Cagliari, 1999b, 2000a), elaborados a partir de dados coletados nas cantigas de amigo do CBN, ou a partir do corpus de cem cantigas de amigo e de amor aqui considerado (Massini-Cagliari, 2001b e 2003a), concluí estar diante de dois processos diferentes de sândi, quando a vogal átona da primeira palavra é /a/ e a inicial da palavra seguinte também é /a/ e quando a vogal átona final da primeira palavra é /e/ ou /o/, independentemente da qualidade da vogal seguinte. No segundo caso, trata-se do processo clássico de elisão; já no primeiro caso, o processo observado é a crase entre vogais de mesma qualidade. De fato, a consideração de que ocorreria somente a crase (e não a elisão) quando a vogal átona final da primeira palavra é /a/ explicaria o fato de o hiato ser a solução preferida para encontros vocálicos formados pela vogal /a/ seguida de outras vogais – exemplos em (4.4).

(4.4) foy ferida e mal treita (B798-8) que uus agora e pesar (A14-12) Ala igreia de uigo (B1280-2) per que faça o meu peor (A230-7) cada u uou por me uos asconder (A185-22) veron sa offerta dar / estranna e preçada. (CSM1-41,42) Essa ora logo sen tardada (CSM15-131) E por dar a cada ũu segundo o que merece, (CSM335-10)

No corpus das cantigas religiosas, foram encontrados 24 casos em que os encontros vocálicos intervocabulares entre /a/ e outras vogais foram resolvidos pela elisão. Os únicos seis casos mapeados no corpus das cantigas profanas encontram-se listados em (4.5): (4.5) a. p bõa fe de nullen ueia auer (A2-11) nulh’enveja = nulha + enveja b. e sela foi mesquinne eu fiquei (A227-3) mesquinh’a = mesquinha + e

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c. nena gran coyt en que me faz uiuer (A293-6) coit’en = coita + en d. da muy gran coyt en que uiuo sofrer (A293-20) coit’en = coita + en e. de qual mior oystes dizer (A41-18) or’oístes = ora + oístes f. se nõ quantora me oystes diz(er) (A2-16) quant’ora = quanta + ora

Apesar da existência de exemplos dessa natureza, considerei, em estudos anteriores (Massini-Cagliari, 2000a,b, 2001a), que realmente há processos diferentes de sândi vocálico externo que se aplicam no PA de acordo com a qualidade da vogal átona da primeira palavra – se /a/, o processo de sândi que se aplica é a crase, e apenas diante de outro /a/; se /e/ ou /o/, aplica-se a elisão. Como será visto a seguir, além das desproporções já apontadas, há outros argumentos que sustentam a hipótese de o processo de sândi ocorrente entre duas vogais /a/ não ser a elisão – entre eles, o fato de nem todos os casos de aparente elisão da vogal /a/ respeitarem as restrições rítmicas e fonotáticas a que estão submetidos os casos de elisão de /e/ ou de /o/. Seriam, então, exceções ditadas por razões estilísticas os exemplos de elisão arrolados em (4.5) – e não os casos de hiato entre /a/ e vogais de outra natureza em juntura de palavras. Estudando os processos de sândi vocálico externo no Português Brasileiro contemporâneo (PB), Bisol (1992b, 2002) também estabelece uma diferenciação entre as palavras terminadas em /a/ átono final, por um lado (em que ocorre, na sua opinião, degeminação), e, por outro, as palavras terminadas por outras vogais átonas (em que ocorre elisão, propriamente dita, ou outro processo de sândi). Na opinião de Bisol (1992b, p.91-2), exemplos do tipo casa amarela → casamarela e casa albergue → casalbergue, são explicados considerando-se, primeiramente, a perda da fronteira silábica, seguida da fusão entre as vogais (4.6a), seguida de uma ressilabificação (4.6b) e da incorporação (reassociação do “onset” silábico) – (4.6c). Esses processos formariam uma vogal “geminada” – daí a necessidade de uma degeminação (encurtamento) da vogal – (4.6d).

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(4.6) a.

b.

c.

d.

Nos trabalhos anteriores em que tratei do assunto, preferi denominar o processo de sândi ocorrente entre dois as como crase – e não como degeminação –, já que é, por sua natureza, um pouco diverso do processo descrito por Bisol, uma vez que não pressupõe a simplificação da sílaba, considerando que as duas moras, correspondentes a cada uma das vogais /a/ que se fundem, se mantêm. Isso porque se considera que, diferentemente do que acontece com as palavras terminadas em /e, o/ átonos finais, a vogal /a/ átona final não pode cair (do contrário, o processo da elisão poderia ser aplicado). Sendo assim, considera-se que há restrições quanto à redução

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dessa vogal, com consequências para os processos de sândi – o que faz do processo de crase, presente no PA, diferente do processo de degeminação, considerado por Bisol (1992b, 2002) e Tenani (2002) para o PB. Dessa forma, em estudos anteriores, descrevi o processo de crase no PA como o desligamento do núcleo da sílaba inicial da segunda palavra, seguido da sua reassociação ao núcleo da sílaba precedente – (4.7b) –, representando uma ressilabificação da estrutura inicial, apresentada em (4.7a). (4.7) a.

b.

Por restrições impostas pelo Princípio do Contorno Obrigatório (PCO), as duas vogais acabam se fundindo, embora as moras às quais estavam inicialmente associadas se mantenham: (4.8)

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Nesse sentido, pode-se dizer que, em uma perspectiva derivacional não linear, a diferenciação do processo de elisão, representado em (4.9), com relação à crase, está, principalmente, nos níveis de desassociação da primeira vogal e de associação da vogal inicial da palavra seguinte, que ocorrem logo abaixo da rima, para que a mora correspondente à vogal final da primeira palavra seja eliminada (na crase, esta mora se mantém) e apenas a mora da vogal inicial da segunda palavra se mantenha. (4.9)

Há outros argumentos que sustentam que a crase é a solução dada para o fenômeno de sândi ocorrente entre dois as, que não foram apresentados em meus trabalhos anteriores, mas que passo aqui a apresentar. Em primeiro lugar, foi possível observar, principalmente a partir da consideração do corpus das CSM, mas também na seleção de cantigas de amor do Cancioneiro da Ajuda, que apenas quando a primeira vogal é /a/ (e nunca, quando é /e/ ou /o/), é possível ocorrer sândi, mesmo quando a sílaba átona final da primeira palavra não tem o onset preenchido. Isso prova que, quando há sândi entre /a/ e /a/, não precisa ser respeitada a restrição fonotática que dita que a elisão só pode acontecer quando o onset da sílaba final da primeira palavra for preenchido (ver Seção 4.4). Os exemplos arrolados em (4.10) provam esse fato. Já os exemplos em (4.11) comprovam que, quando a vogal átona final da primeira palavra é /e/ ou /o/ e está em uma sílaba átona de onset vazio, o hiato é a única solução disponível. (4.10) Santa Mari’, ay amigos meus, (CSM15-73) perdia por ela, non llo queri’ ascoitar. (CSM16-23) ca sei que Santa Mari’, en que todo ben jaz, (CSM64-93) loar, lo’ a que par non á, (CSM160-3) sol non acharon y hũ’ almocela? (CSM180-46)

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que o reino do Algarve tĩi’ aquela sazon (CSM183-7) e Santa Mari’ a vila de Faaron nomear (CSM183-17) a Osti’, ar quis o sangui consomir do glorioso (CSM225-19) Se podi’ aver ontr’ eles algũa tal deoessa (CSM335-80) que me non poderiamor (A28-2) E mia senor des aquel dia y (dia+ai) (A38-9) de dur uerri aqui mentir (A115-18) (4.11) trões que ll’ ouve merçee a Sennor conprida (CSM77-26) e santidade, u mercee achar (CSM180-58) e o que non cree esto muito per faz gran sandece (CSM335-12) mercee e por ssa Madre, ca ben de certo sabian (CSM213-98) comprida, certãa / lee, e non vãa, (CSM192-146,147) de Juyão, e disse: “Por Deus (CSM15-71) Este Juyão avia guerra (CSM15-23) Onde ll’ aveo assi (CSM18-35) Onde ll’aveo un dia que de ssa casa saydo (CSM213-21)

Uma outra evidência do comportamento diferenciado dos processos de sândi que ocorrem quando a primeira vogal é /a/ – e ao contrário de /e, o/ – provém de exemplos como os citados em (4.12). Nesses exemplos (todos retirados do corpus de cantigas religiosas), existe a possibilidade de ocorrência de um processo de sândi um pouco diferenciado da elisão, já que a vogal apagada é a segunda (ou seja, a vogal inicial da segunda palavra). (4.12) que a terra toda ’sclareceu, (CSM15-91) eno mes d’ agosto, no dia ’scolleito, (CSM77-27) que era ’ng[an]osa / muit’ e mentirosa (CSM192-50, 51) E tan toste começaron d’ andar per essa ’ncontrara, (CSM277-32)

Note-se, porém, que, em todos os exemplos em (4.12), a vogal apagada é sempre /e/ – a vogal epentética por natureza no PA – e encontra-se no contexto inicial de palavra, seguida por uma consoante em coda e uma oclusiva, no onset da sílaba seguinte. Ora, é justamente este um dos contextos em que, necessariamente, há epêntese de uma vogal para “corrigir” a estrutura silábica, em nível lexical. Nos exemplos em (4.12), há a possibilidade de a vogal da palavra anterior preencher o núcleo dessa sílaba irregular, se não

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houver a epêntese. Se essa explicação é a correta, então o processo de juntura que ocorre não é a elisão. Isso fica bastante claro no exemplo a seguir, (4.13), já que a epêntese inicial da palavra “estrela” claramente não ocorre. A coda inicial “desgarrada” /S/, então, adjunge-se ao núcleo da sílaba anterior. (4.13) aos tres Reis en Ultramar / ouv’ a strela mostrada, (CSM1-38, 39)

Mais clara ainda é a ocorrência desse processo no exemplo em (4.14), encontrado no corpus das cantigas profanas, no Cancioneiro da Ajuda. Nesse exemplo, apaga-se a vogal epentética da preposição em (que normalmente já não aparece nas contrações no(s), na(s), mas se mantém nas formas arcaicas eno(s), ena(s)), porque está precedida de uma palavra acabada por uma vogal átona. Esse processo, bastante marginal, foi encontrado apenas uma vez, em um verso que se repete duas vezes (refrão). (4.14) delo dian que uos non ui (A172-5 e 11)

Os exemplos citados em (4.10), opostos aos de (4.11), sugerem que o processo de sândi entre duas vogais /a/ é diferente da elisão – conclusão reforçada pelos exemplos de (4.12), (4.13) e (4.14), em que processos de sândi ocorrem apenas quando a primeira vogal envolvida é /a/. É claro que esses são processos marginais, cuja função é prioritariamente estilística, nos quais o poeta encontra apoio para obter a quantidade de sílabas poéticas desejada para o verso. Mas não se pode negar que, mesmo com função estilística, seu aparecimento está condicionado ao fato de a qualidade da primeira vogal ser /a/. Mas o argumento crucial a favor da consideração do sândi entre dois as como um processo diferenciado da elisão é o fato de esse fenômeno poder ocorrer quando a vogal final da primeira palavra é tônica. O único exemplo localizado no corpus aparece em (4.15). Como se verá adiante, esse verso de A10 não se submete à restrição rítmica que controla o aparecimento da elisão, que estabelece que a primeira vogal não pode ser tônica. (4.15) ca, pois eu morrer’, logo dirá ‘lguen (A10-19)* * Na interpretação de Michaëlis de Vasconcelos (1990[1904], p.23).

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No corpus considerado, há também dois casos, apresentados em (4.16), de sândi entre o /a/ de um monossílabo tônico (ca) e outro /a/ inicial pretônico e um caso de sândi entre o monossílabo ca e o artigo a – o que consiste em mais um argumento a favor de considerar este um fenômeno de crase, e não de elisão. (4.16) casi me en forçad amor (A16-10) (c’assi = ca + assi) cassi estarei dela mellor (A28-10) (c’assi = ca + assi) c’a azcũa chantou toda per hũa grand’ azỹeira. (CSM213-79) (c’a = ca +a)

Se a hipótese aqui esboçada (a de que o processo de sândi que ocorre no contexto A+A é a crase, e não a elisão) é correta, então os casos de elisão, quando a primeira vogal é /a/, ficam reduzidos a apenas trinta (apenas 1,4% do total das elisões, ou seja, 2089, ou 30% do total das elisões/crases de /a/), já que, dos 99 casos de elisão de vogal /a/ mapeados no corpus, 69 ocorrem entre dois as. Resumindo o que foi apresentado nesta seção, pode-se dizer que uma forte restrição com relação à qualidade da vogal átona final da primeira palavra rege o aparecimento da elisão. Para que esse processo de sândi ocorra, é preciso que a vogal átona da primeira palavra seja /e/ ou /o/; somente no caso de aproveitamento da elisão como processo estilístico a favor da metrificação do poema, essa vogal pode ser /a/. Caso essas condições não sejam atendidas, a solução a ser dada para os encontros vocálicos será um outro processo de sândi disponível na língua. Se a primeira vogal for /a/ e a vogal inicial da segunda palavra também for /a/, o processo de sândi que ocorre é a crase. Por outro lado, se a primeira vogal for o núcleo dos pronomes átonos mi ou ti, o processo de sândi a ser escolhido é a ditongação. Em todos os outros casos, incluindo aqueles em que a primeira vogal é /i/, mas não corresponde ao núcleo dos pronomes mi/ti, a única solução possível é o hiato, ou seja, a não aplicação de processos de sândi. Além dessas condições, a ocorrência do processo de elisão é regida também por restrições rítmicas, fonotáticas e prosódicas. A Tabela 4.4 mostra o contexto prosódico de aplicação da elisão, do hiato e da ditongação. Nessa tabela, os casos de crase encontram-se somados aos de elisão.

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A partir da Tabela 4.4, é possível ver que existe uma forte restrição de ordem rítmica, que regula a ocorrência da elisão. Como é possível observar, não há um único caso de elisão, quando a primeira vogal envolvida no processo, ou seja, a vogal da primeira palavra, é tônica; os quatro casos contados de elisão/crase entre (C)V tônica e vogal pré-tônica referem-se aos exemplos apresentados anteriormente em (4.15) e (4.16) – casos de crase, portanto. Essa restrição de natureza rítmica já havia sido anotada por Cunha (1961, p.42), que observou que “contra-regrando o fenômeno essencial do regime da elisão, verificamos ser o hiato o efeito obrigatório do encontro em que a prepositiva é tônica ou semitônica”. Tabela 4.4. Contexto prosódico de aplicação dos processos de sândi – cantigas profanas e religiosas. Contexto de aplicação final da primeira início da segunda palavra palavra

Elisão/ crase

Hiato Ditongo Subtotal

V tônica

---

62

---

62

V pré-tônica

3

70

---

73

1

64

---

65

---

15

---

15

---

17

---

17

... (C)V tônica +

V (leve) monossílabo VV (ditongo) VC Subtotal

4

228

---

232

V tônica

299

93

---

392

V pré-tônica

419

93

---

512

450

270

---

720

161

14

---

175

150

79

---

230

... (C)V (átona) +

V (leve) monossílabo VV (ditongo) VC Subtotal

1479

549

---

2028

V tônica

187

292

10

489

V pré-tônica

226

300

14

540

67

270

32

369

61

63

---

124

monossílabo +

V (leve) monossílabo VV (ditongo)

65

104

5

174

Subtotal

VC

606

1029

61

1696

Subtotal

2089

1806

61

3956

Os exemplos a seguir, em (4.17), mostram que o hiato é a única solução possível para encontros de uma vogal tônica com outra vogal, independentemente da qualidade dessas vogais.

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(4.17) Sã saluador sabe que assy e (B1245-13) per bõa fe o mellor que eu sei (A158-23) Q̃ se foy daqui ay madre nõ ue (B1204-6)

e diss’ assi: «Aquel que non erra, (CSM15-29) e ali u jazia / a prezes, foi-lle nenbrar (CSM18-40,41) E disse-ll’ assi: «Ide falar con mia sennor (CSM64-56) querrá a Virgen que Deus foi parir, (CSM143-36) a mi á ela mostrados / mais bees, que contarei. (CSM200-6,7) pero o tent’ o diabo, | nunca o fará errar (CSM206-refrão) ca sempre dos que a chaman é amparanç’ e escudo (CSM213-8) E quando pararon mentes, virono en pe estar (CSM282-27) E u esto dizer queria (CSM283-42) se á ontre vos omagen que non an estes pagãos (CSM335-87)

Um fato que comprova que as restrições rítmicas para a ocorrência da elisão levam em consideração apenas a tonicidade da primeira vogal envolvida no processo e não a da segunda é a possibilidade de haver elisão quando a primeira vogal da segunda palavra é tônica. Nesse sentido, basta que a última vogal da primeira palavra seja átona e que a segunda palavra seja iniciada por vogal (tônica ou pré-tônica, ou monossílabo), para que a elisão ocorra – como comprovam os exemplos em (4.18). Além disso, a aplicação da elisão não é bloqueada nem mesmo quando, depois da queda da vogal átona final da primeira palavra, um choque acentual é produzido – exemplos em (4.19).8 (4.18) Meu amigo de tristandar (B555-5) E moyragora rendolhi ben (B658-3) falou uoscay ben talhada (B676-16) ora vehesso meu amigo (B676-19) Possend auerdade saber (B1390-4) E quãdel ujr os olhos meus (B714-13) pois de seiades mia mort auer (A111-2)

8 Bisol (1992b, p.96) mostra que, no PB atual, ao contrário do que acontece em PA, a formação de um choque acentual bloqueia a aplicação da elisão. Também o processo de degeminação, para Bisol (1992b, p.87), é bloqueado quando forma sequências de duas ou mais vogais acentuadas.

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(4.19) Antel candeas de paris (B1202-18) – ánt’él Que Tristoie meu amigo (B555-1) – tríst’ój’é Amiga estadora calada (B573-8) – estád’óra eu a tod ome que ueio morrer (A2-2) – tód’óme Pelos meus ollos ouueu muito mal (A163-1) – óuv’éu Cuidand’ ela seu dereyto (CSM132-138) – cuidánd’éla que ante do mundo foi todavia / criada, e que nunc’ á de minguar (CSM180-15, 16) – núnc’á Aqueste mour’ era / daquel om’ e seu / cativo, e fera- / ment’ era encreu (CSM192-34 a 37) – móur’éra; feramént’éra

Cunha (1961, p.91) afirma que “a vogal final átona dos polissílabos perdia-se com mais frequência que a dos monossílabos”. Embora, em termos de quantidades absolutas, a afirmação de Cunha seja correta, a possibilidade de a vogal de um monossílabo se elidir ou não com a vogal seguinte (do início da palavra seguinte) está relacionada mais diretamente com o grau de tonicidade desse monossílabo (e com restrições fonotáticas, que serão explicitadas adiante) do que com a quantidade de sílabas das palavras envolvidas. Os monossílabos tônicos incluem-se entre as palavras que bloqueiam a ocorrência da elisão. Entre esses, Cunha (1961, p.43) cita as conjunções e,9 que,10 ca11 e se, que, segundo esse autor, mantinham sua “integridade” por 9 Embora Cunha considere a conjunção e como “semiforte” (+ tônica), não há como se ter certeza a respeito do seu grau de tonicidade, analisando unicamente o processo da elisão, uma vez que, como será visto adiante, essa conjunção não pode se elidir com a vogal da palavra seguinte por restrições fonotáticas. 10 Cunha (1961, p.59) afirma que “a integridade do monossílabo que mantinha-se na versificação trovadoresca de forma absoluta”. Mais tarde, a respeito da mudança no grau de tonicidade da conjunção que, na história da Língua Portuguesa, tira quatro conclusões: “a) na fase primitiva das línguas românicas o que deveria apresentar tonicidade apreciável, pois, de outra forma, não lhe seria possível desempenhar as funções de vocábulo de apoio nem manter sua individualidade antes de palavras de início vocálico; b) em sua evolução românica êsse monossílabo perdeu, progressivamente, a intensidade originária, passando a mera partícula proclítica; c) em consequência dessa atonificação, não pôde conservar sua integridade antes de fonemas vocálicos, com os quais passou a formar sílaba; d) em português, no entanto, a sinalefa e a elisão do que são fenômenos tardios, datáveis, quando muito, de fins do séc. XIV ou princípios do séc. XV.” Arbor Aldea (2008, p.22) reafirma o caráter tônico atribuído por Cunha (1961) ao monossílabo que no Cancioneiro da Ajuda. 11 “Na linguagem dos trovadores [...], o ca teria tonicidade apreciável, suficiente para servir de palavra de apoio e para conservar-lhe a integridade antes de fonemas vocálicos.” (Cunha, 1961, p.76-7).

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serem “semifortes”, na época. De fato, seu comportamento com relação a processos de sândi (como a elisão) confirma o caráter tônico, atribuído por Cunha a essas palavras, uma vez que elas jamais se elidem com a palavra seguinte iniciada por vogal. Dessa forma, com exceção de e, em relação à qual restam dúvidas quanto à sua tonicidade (por não poder se elidir com a palavra seguinte, mais devido a restrições fonotáticas, de estrutura silábica, do que rítmicas, de tonicidade), essas conjunções, em PA, não devem ser consideradas clíticos fonológicos, uma vez que mantêm sua autonomia. Em Massini-Cagliari (2001a), acrescentamos à lista de Cunha (1961) a preposição so. Como se pode ver, através da Tabela 4.5, esses monossílabos realmente selecionam preferencialmente ou exclusivamente o hiato como solução aos encontros formados entre eles e uma palavra iniciada por vogal.

Tabela 4.5. Solução dada aos encontros vocálicos formados por monossílabos seguidos de vogal – cantigas profanas e religiosas. Monossílabo

Elisão

Hiato

Ditongo

Subtotal

artigos definidos

---

97 (100%)

---

97 (100%)

pronomes oblíquos

---

51 (100%)

---

51 (100%)

A (preposição)

---

63 (100%)

---

63 (100%) 51 (100%)

CA

3 (5,9%)

48 (94,1%)

---

CHE

4 (100%)

---

---

4 (100%)

DE

217 (93,5%)

15 (6,5%)

---

232 (100%)

E

---

288 (100%)

---

288 (100%)

LHE

159 (99,4%)

1 (lhi) (0,6%)

---

160 (100%)

ME*

142 (94,7%)

8 (5,3%)

---

150 (100%)

MI

---

12 (16,7%)

60 (83,3%)

72 (100%)

QUE

1 (0,3%)

357 (99,7%)

---

358 (100%)

SE (pronome)

77 (98,8%)

1 (1,2%)

---

78 (100%)

SE (conjunção)

---

45 (100%)

---

45 (100%)

SO

---

6 (100%)

---

6 (100%)

TE

4 (100%)

---

---

4 (100%) Continua

Além disso, por terminar em vogal a, o monossílabo ca não estaria, de acordo com a hipótese veiculada neste livro, sujeito ao processo de elisão e sim ao de crase; no entanto, o que os dados mostram é que, pelo seu grau de tonicidade, tampouco se sujeita à crase, antes de palavras iniciadas pela vogal a.

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Tabela 4.5. Continuação Monossílabo

Elisão

Hiato

Ditongo

Subtotal

TI

---

6 (85,7%)

1 (14,3%)

7 (100%)

XE

8 (100%)

---

---

8 (100%)

Total

615 (36,8%)

998 (59,6%)

61 (3,6%)

1674 (100%)

* Como a vogal elidida não aparece grafada, não é possível determinar se se trata de ME ou MI. Portanto, usa-se, aqui, a representação com E, por ser a mais usual, mas é necessário dizer que não é possível determinar com precisão a qualidade da vogal, nesse contexto. O mesmo serve para os monossílabos aqui representados como DE, LHE, SE e XE.

Como mostram os exemplos em (4.20), o comportamento dos monossílabos ca e so é análogo ao dos monossílabos tônicos ia (=já), é e u, com relação à impossibilidade de a vogal de seu núcleo se elidir. Dessa forma, podem ser considerados tônicos, a exemplo do que fez Cunha (1961, p.43), para ca. (4.20) a. Ca o amor desta Sen[n]or é tal, (CSM-B-27) ca o fogo no pe lle começou (CSM259-43) Ca os que y jajũavan foron sãos e guaridos (CSM277-350) ca espell’ é de Santa Eigreja. (CSM280-refrão) b. lle sayu per so a unlla aquel poçon tan lixoso. (CSM225-49) So aqstas aulaneyras granadas (B1158-8) c. En Roma foi, ja ouve tal sazon, (CSM17-10) que ja oya o galo e a rãa. (CSM69-63) d. Elisabeth, que foi dultar, / é end’ envergonnada”. (CSM1-21, 22) esta claridade non é humãa.” (CSM69-33) e. log’ aquel mõesteiro, u al non averia. (CSM285-40) hu e meu amigue se o poder ueer (B1158-8)

A Tabela 4.5 mostra que, com relação a que (conjunção ou pronome relativo), em 99,7% dos casos, ocorre hiato entre a vogal do monossílabo e a vogal inicial da palavra que o segue – exemplos em (4.21). Essa é uma forte indicação do seu caráter tônico.

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(4.21) Ca os que y jajũavan foron sãos e guaridos (CSM277-350) per bõa fe o mellor que eu sei (A158-23) oque apastor dizia (B676-7) e fiz mal por queo nõ fiz (B723-6) q aqstasera feyta (B798-10) que ouv’ ela, u vyu alçar (CSM1-55) que a Deus rogasse que lla fezesse gãar. (CSM16-33) que era tafur e ladron (CSM24-10) poren m’ enviou que entr[e] ontr’ os teus (CSM76-38) Que u quis descomungaçon (CSM283-53)

Em todo o corpus, aparece um único caso de elisão de que com a vogal da preposição en, reproduzido em (4.22). Anteriormente, em (4.14), já foi mostrado como, no PA, era possível que a vogal da preposição en, que é epentética, não fosse inserida, sendo que a nasal, flutuante, seria adjungida como coda à sílaba final da palavra anterior. Ora, em (4.22) não se pode ter certeza de que a vogal apagada é mesmo a primeira (ou seja, a vogal final do monossílabo que), conforme o sugerido pela interpretação da edição de Mettmann (1986, p.184), no que diz respeito ao posicionamento do apóstrofo, uma vez que, em qualidade, ela coincide com a vogal epentética da preposição en. Assim, é bem provável que não esteja, de fato, ocorrendo um processo de elisão, mas um outro processo de ressilabação, que apaga a segunda vogal, aquela que é epentética, em nível lexical. Por esse motivo, pode-se afirmar que os dados aqui coletados comprovam o caráter tônico do monossílabo que no período medieval do português, apontado por Cunha (1961). (4.22) Ant’ a eigreja qu’ en un vale jaz (CSM52-20)

Com relação ao monossílabo se, Cunha (1961, p.83) afirma que: Como os monossílabos e, que e ca – tudo faz crer –, a conjunção se era ineledível na métrica dos trovadores, e, nisso, contrastava com o seu equivalente gráfico, o pronome se. Dizemos gráfico, porque os dois monossílabos se opunham,

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na língua antiga, quanto à acentuação. A forma pronominal era átona, mas a conjuncional deveria possuir relativa tonicidade, a suficiente, pelo menos, para garantir-lhe a autonomia antes de palavras iniciadas por vogal e o emprêgo como vocábulo de apoio frásico.

De fato, a partir da Tabela 4.5, é possível constatar que, em todo o corpus não foi localizado qualquer caso de elisão com a conjunção se. Dos 45 casos de sequências vocálicas formadas pela vogal da conjunção se e outra vogal qualquer, todos se resolvem em hiato – fato que representa uma evidência do caráter tônico dessa conjunção. Os exemplos listados em (4.23), a seguir, ilustram esse fato. (4.23) hu e meu amigue se o poder ueer (B1158-8) Esseas eu mays oysse (B1262-19) sena ueer se ante non morrera (A227-6) se era ja que ferido ou [se] sse ssentia mal. (CSM282-29) e se en algũa cousa ll’ erraran per neçidade (CSM384-67) que se alguen queria / a hũa delas levar (CSM18-76,77) oyde-mio, se ouçades prazer (CSM52-8)

Por outro lado, a Tabela 4.5 mostra que, em 98,8% dos casos em que o pronome se é seguido por vogal, ocorre elisão. É o que mostram os exemplos em (4.24). (4.24) poys sso meu foy e non faloumigo (B676-10) Foissora daquj sanhuda (B785-1) E pauor eu dessalongar (B723-7) poys sso meu foy e non falou migo (B676-10) Quãdossel demj partia (B696-7) deuia sa nembrar do seu (A42-13) con aquela dona; mais pois s’ ir dali cuidou (CSM64-17) ant’ o preste e que ss’ ageollasse (CSM69-51) e foi-ss’ a casa do monje privado (CSM69-61) meteu-ss’ en orden pola mellor servir. (CSM76-44)

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Como mostra a Tabela 4.5, o monossílabo de, em geral, submete-se à elisão (em 93,5% dos casos), o que comprova seu caráter átono. Os exemplos citados em (4.25) comprovam esse fato. (4.25) Doutro mal del ca deʃquandeunacy (B573-26) Semeu auos dassanhar nõ ouuer (B636-13) de fala domou de moller (A16-24) de nõ poder dela partir (A28-17) sennor e lume destes ollos meus (A158-30) d’ a touca da seda dar / senpre ll’ escaecia. (CSM18-32, 33) Seend’ y o Emperador d’ Espanna (CSM69-10) per que na fogueira / d’ inferno que cheira (CSM192-94, 95) son d’ omees muit’ onrrados (CSM200-5) A mi livrou d’ oqueijões (CSM200-34)

No entanto, a preposição de pode não se elidir em alguns contextos específicos. A Tabela 4.5 mostra que isso ocorre em quinze casos mapeados no corpus (6,5% de 232 casos). Para Cunha (1961, p.92), “a vogal da preposição de só não se elidia antes de vogal quando esta era o corpo do pronome átono o, a, os, as”. Em (4.26) são apresentados exemplos em que a preposição de não se elide com a palavra iniciada por vogal. Em todos eles, a segunda palavra representa o corpo do pronome acusativo, o que confirma a conclusão de Cunha, consistindo de um monossílabo leve, constituído de uma única vogal. Qualquer outra palavra iniciada por vogal (inclusive o artigo definido), em posição imediatamente posterior à preposição de, não consegue bloquear a ocorrência da elisão. Dessa forma, deve-se considerar uma restrição, de natureza morfossintática, que bloqueia a aplicação da elisão nos exemplos em (4.26), com a finalidade de diferenciar as sequências de + artigo definido de de + pronome acusativo.12

12 Até hoje, as Gramáticas Normativas do Português preceituam, como regra de “bom uso” na escrita, a não elisão de de + artigo, quando este for o primeiro elemento de um sintagma nominal com função de sujeito (ex: A ideia de a revolução industrial ter acelerado a pobreza...), com a finalidade de diferenciar essas construção de outras, em que o artigo faz parte de um sintagma nominal com função genitiva (ex: casa da Maria). Essa restrição não é do mesmo tipo da retratada nos exemplos em (4.26) para o PA; no entanto, mostra que a língua pode fazer uso de critérios sintáticos e/ou morfológicos como restrições à aplicação da elisão.

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(4.26) Ca tal sabor ei de o ueer (B1040-4) De a pr mi boã fazer (B1173-14) Poys eu emha uoontade / Deo nõ veer sõ be fiz (B1202-17) dea ssfrd͂ s faredes rrazõ (B795-10) de a ueer ca se a uir (A41-97) ca le pesa de a amar (A144-6) e que sempr eu punnei de a seruir (A199-3) A que as portas do ceo | abriu pera nos salvar, / poder à nas deste mundo | de as abrir e serrar. (CSM246-refrão) de a servir, seu enguento | aduss’ a bõa Sennor (CSM206-41) mas o demo provou de os partir. (CSM259-9) que non poderei en seu ben falir / de o aver, ca nunca y faliu (CSM-B35, 36)

De acordo com a Tabela 4.5, além de ca (monossílabo tônico que se submete à elisão, em circunstâncias especiais e com finalidades estilísticas) e dos monossílabos átonos de e se (pronome), apenas os monossílabos me, lhe, te, che e xe podem ser elididos com a vogal inicial da palavra seguinte – exemplos em (4.27). Dessa forma, conclui-se que esses são monossílabos essencialmente átonos, na medida em que não seria possível a aplicação da elisão, caso fossem acentuados, por causa da restrição rítmica que bloqueia a ocorrência desse processo quando a primeira palavra acaba em vogal tônica. Assim sendo, devem ser considerados clíticos, que se adjungem à palavra imediatamente posterior. (4.27) a. Qysomoiun caualeyro dizer (B719-1) que massanharey por el tardar (B714-2) Tã sanhudo nõ me semeu q’ser (B1118-7) (me = m’é) humeueia tãto mã de guardar (1226-15) (mã = m’an) Assanhey meu muyta meu amigo (B630-1) (meu = m’eu) quen me quiser uennam aqui buscar (A64-7) a uos non miria partir (A115-19) muitouue gran sabor de menganar (A199-4) Poren todos m’ ajudade (CSM200-39) o que vi vos direy todo, se m’ en fordes oydores. (CSM384-58) M’ ide polo que fez a meezinna (CSM69-71)

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b. edixilheu qnõ lhera mest~ (B719-15) tornou muj triʃte eu ben lhentendi (B719-5) edefendilho eu e hunha ren (B719-3) o al non lle coita de pran (A155-14) (lle = ll’é) Ca llo nego pola ueer (A87-15) e tanto ll’ andou o dem’ en derredor (CSM76-13) Pero aveo-ll’ atal que ali u sãava (CSM77-35) atravessou-xe-ll’un osso na garganta, e sarrada (CSM322-23) Respondeu-ll’ o ome bõo: Esto faria de grado (CSM335-36) c. por quanto me feziste | de ben, e t’ amará (CSM401-101) e se t’ aqueste pan non refeiro (CSM15-56) t’ ás a departir (CSM192-101) d. Meu Fillo esto ch’ envia. (CSM2-45) Virgen, dos teus miragres, | peço-ch’ ora por don (CSM401-4) e. Mays comoxe muy trobador (B1173-4) (xe = x’é) poys lhentendem ca posto xeia (B1226-11) (xeia = x’é já) Pero quem quer xentendera (A229-7) Non soube que xera pe sar (A155-1) ca x’ é noss’ avogada. (CSM1-82)

Enfim, com relação aos monossílabos, pode-se concluir que eles estão submetidos à restrição rítmica que regula o aparecimento da elisão. Dessa forma, monossílabos tônicos não podem se elidir com as vogais que os seguem. Já os monossílabos átonos de vogal /e/ podem se elidir com as vogais seguintes. Como será visto a seguir, em relação aos demais monossílabos citados na Tabela 4.5, os terminados em /i/ e os constituídos de apenas uma vogal, há outras restrições, que não de ordem rítmica, que impedem a sua submissão ao processo de elisão. Existem também condições de natureza fonotática, ou seja, concernentes à estrutura da sílaba, que devem ser seguidas, para que o processo de elisão possa se aplicar: do contrário, o hiato é a solução obrigatória. A primeira restrição diz respeito ao preenchimento da rima da sílaba final da primeira palavra envolvida no processo da elisão: esta tem que ter

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apenas uma posição preenchida. É por esse motivo que a elisão fica bloqueada se a primeira palavra terminar em ditongo, uma vez que o núcleo da sílaba, nesse caso, tem duas posições preenchidas – exemplos em (4.28).13 (4.28) Ay amiga eu ando Tã coytada (B573-15) e mia senor direi eu en (A131-27) E macar eu estas duas non ey (CSM-B-9) vyu a pedr’ entornada (CSM1-46)

Da restrição supracitada decorre que a sílaba da primeira palavra tem que ser aberta, ou seja, não pode ter coda preenchida. Isso explica por que uma palavra terminada em sílaba travada por consoante obviamente jamais irá se elidir com a palavra seguinte (nesse caso, a possibilidade é haver uma ressilabificação da consoante da coda da última sílaba da primeira palavra como “onset” da primeira sílaba da palavra seguinte) – exemplo em (4.29). (4.29) E pauor ey dessalongar (B723-7)

Por esse motivo, uma vogal nasal (considerada como uma sequência de vogal + consoante nasal), mesmo que átona, não pode se elidir com a que a segue: (4.30) nunca de uos ouuene ey (A38-15) Mha filha nõ ey eu prazer (B840-1) querendo leixar ben e fazer mal (CSM-B-30)

A terceira e mais importante restrição de natureza fonotática diz respeito ao preenchimento do onset da sílaba final da primeira palavra. Como mostra a Tabela 4.6, na maior parte dos casos, sequências de sílaba átona de onset vazio e vogal são preferencialmente resolvidas em hiato (82,4% dos casos). 13 Os casos de ditongos seguidos de vogal não foram considerados no levantamento quantitativo aqui considerado. Não aparecem, portanto, na contagem dos hiatos. O mesmo procedimento foi adotado com relação às sequências de vogal nasalizada + vogal.

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Tabela 4.6. Processos de sândi – primeira sílaba com onset vazio (com exceção de monossílabos). Processo

Quantidade

Elisão

18 (17,6%)

Hiato

84 (82,4%)

Total

102 (100%)

É preciso dizer, no entanto, que todos os dezoito casos em que aparentemente acontece elisão dizem respeito a sequências de duas vogais /a/ (exemplos foram apresentados anteriormente em 4.10); como já foi visto, o processo de sândi que ocorre entre sequências dessa natureza tem diversas características que o opõe à elisão, aproximando-o muito mais da crase. Porém, quando a sílaba átona de onset vazio é preenchida por uma vogal diferente de /a/ (/e/ ou /o/ – exemplos anteriormente apresentados em 4.11), a única solução possível é o hiato. A partir desse fato, é possível afirmar que é preciso que a vogal a ser elidida pertença a uma sílaba com onset preenchido – caso contrário, o hiato torna-se obrigatório. É também por esse motivo que monossílabos constituídos de apenas uma vogal não estão sujeitos à elisão: a sílaba em que se situam tem o onset não preenchido. Estão nesse caso os artigos definidos, os pronomes acusativos, a preposição a e a conjunção e – exemplos em (4.31). Conforme mostra a Tabela 4.5, eles nunca podem ser apagados. Nesses casos, a elisão não pode se aplicar também por questões de preservação de estrutura, uma vez que, caindo a vogal, nada sobraria da sílaba original – o que acarretaria problemas de ordem semântica, com consequências para a interpretação do enunciado. (4.31) a. artigos definidos: des que leixara a ost’ alçando (CSM15-164) servos que tu amas, e quer’ a outra leixar. (CSM16-73) Ll’ aveo que foi perant’ a ygreja (CSM69-30) lle ficou end’ a espinna. (CSM132-120) e se ss’ ao sol parava, log’ a aranna viya (CSM225-33) Ca o amor desta Sen[n]or é tal (CSM-B-27) O emperador lles pos praz’ atal (CSM17-50) e por aquesto a foi o infançon prender (CSM64-13)

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b. pronomes acusativos: comeu uos dixe ia o e mayor (A2-26) e o eu nõ q’sr catar (B714-15) Porque o a Groriosa / achou muy fort’ e sen medo (CSM2-37, 38) e que a ajades quant’ eu poder punnarei (CSM64-62) e porende os cativos a yan sempr’ aorar (CSM183-16) de o aver, ca nunca y faliu (CSM-B-36) un lyvro, e ele o abryu (CSM15-116) e assi o en trouxeron (CSM102-79) muitas que o outorgasse (CSM132-50) c. preposição A: que deu a un seu prelado (CSM2-8) sayu a el por xe ll’ omillar (CSM15-28) mas tal amor ouv’ a hũa dona, que de pran (CSM16-12) sejan perdõados, se vos a outri vou dar (CSM64-39) Senon a esta, que é Sennor Espirital (CSM64-41) e quando chegou a Elvas, foi logo desafiado (CSM213-32) d. conjunção E: e o q mende guardar nõ poder (A2-23) e eu nõ posso end al fazer (A14-14) pola negar e a mentir (A28-23) e essa me tem en poder (A41-4) E o uir eu be talhada (B1290-16) E el morto sera seme nõ vyr (B1198-5) e enuyoumj dizer e roguar (B868-2) E ilo ey ueer por en (B932-17) Madre; e eles fugiron (CSM102-67) Os outros, quando chegaron a el e o jazer viron (CSM213-86) E aveo dessa vez (CSM28-77) e en un algar deitaron (CSM102-39) E quando foi aas portas | da vila e entrar quis (CSM246-36) e d’ome que mal serve | e é mui pedidor. (CSM401-51) de vossas eigrejas e ir (CSM283-30) e u quer que ya (CSM285-19) e as armas todas essa vez / acharon, e a lança jazendo (CSM15150, 151)

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Uma restrição de natureza prosódica para a ocorrência da elisão diz respeito à divisão do enunciado em sintagmas entoacionais e à posição das palavras nesses sintagmas: é necessário que as duas palavras envolvidas no processo da elisão pertençam a um mesmo grupo entoacional (I) e sejam pronunciadas sem pausa entre elas. É por esse motivo que a elisão não pode ser aplicada entre versos nem no meio do verso quando ocorre cesura – exemplos em (4.32):14 (4.32) Que Triʃtoie meu amigo / Amiga no seu corazõ (B555-1/2) Nõ vou eu a sã clemeto | orar e faço grã razõ (B1202-1) Ca se el madussesse | o por q eu moiro damor (B1202-13) eu mia soffro | e ia que est assi (A260-3) e grand’ e muit’ arrizado, | e a maravilla fera (CSM312-16) per que a aver podesse, | e ar catou mandadeiras (CSM312-51) e achar sol nona pode, | e cuidou que se mudara (CSM335-5) en ti quen souber esto | e mais te servirá (CSM401-100)

4.4 Ditongos e hiatos Como foi mostrado anteriormente a partir da Tabela 4.1, a ditongação é o processo escolhido para resolver os encontros vocálicos intervocabulares em apenas 1,5% dos casos. No conjunto dos dois corpora analisados, foram encontrados apenas 61 exemplos de ditongos formados entre vogais de duas palavras diferentes, sendo que 51 casos foram encontrados no corpus de cantigas profanas (37 em A, e 14, em B) e apenas dez, no conjunto das cinquenta Cantigas de Santa Maria escolhidas. Esses números já dão ideia de quão marginal era esse fenômeno na lírica trovadoresca. Como veremos a seguir, esse fato se dá por uma razão linguística: o contexto de ocorrência da ditongação como processo de sândi é extremamente restrito. A marginalidade do fenômeno da ditongação no contexto da lírica medieval galego-portuguesa enquanto processo de sândi é tal, que Arbor

14 Nos exemplos em (4.32), a cesura é indicada pela barra vertical ( | ).

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Aldea (2008, p.21), analisando o Cancioneiro da Ajuda (justamente o cancioneiro no qual mais dados foram mapeados nesta pesquisa), chega a se questionar se a ditongação (que ela denomina “sinalefa”, a exemplo de Cunha, 1961) seria mesmo realizada: “Os casos de sinalefa documentados em A e as correcións que neste cancioneiro se introducen para marcar unha elisión parecen sinalar que, em moitos casos, nos encontramos ante um fenómeno puramente gráfico”. Consideraram-se, aqui, apenas os casos de ditongação como processo de sândi (a ditongação nos limites da palavra já foi estudada no Capítulo 2), devidamente comprovados pela estrutura métrica do verso, isto é, casos em que as duas vogais envolvidas no processo ocupam, de fato, a mesma sílaba poética, para que a estrutura métrica do poema perfeita (ou seja, para que todos os versos sejam isossilábicos). É o que ocorre no exemplo (4.33), a seguir:15 (4.33) Se

1 con

1

lh’eu 2

fiz 3

tor 4

to 5

la 6

ze 7

rar8

mi-o9

gran 2

de 3

rei 4

to, 5

ca 6

lhi 7

ei

10

non 8

fa 9

10

lei

No caso do manuscrito B (Cancioneiro da Biblioteca Nacional), um outro fator, de ordem gráfica, pode diferenciar a realização das sequências I-V como ditongos ou hiatos. No exemplo supracitado, o fato de a sequência IO estar representada na escrita como HO, em lazerarmho ei, comprova a sua realização como ditongo. Caso devesse ser realizada como hiato, estaria grafada como IO, YO ou JO. Não se pode esquecer que, na escrita de B, a letra H podia ser utilizada para representar o som da semivogal /i/, em ditongos crescentes e também em outros casos, como em soberuha, dormho, seruho etc.16

15 Versos 6 e 7 da cantiga B658, de Airas Carpancho, na versão de Nunes (1973, v.II, p.84). A cantiga é composta de decassílabos agudos. 16 A respeito do uso do grafema em B, ver Massini-Cagliari (1998a).

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Figura 4.2. Notação de ditongo resultante de sândi em B. Trecho da cantiga B696, de João Lopes de Ulhoa. No segundo verso deste trecho, “eqmhauya iurado”, a presença da letra h representa a vogal i, formando um ditongo crescente.

Dentro do universo das 150 cantigas profanas e religiosas escolhidas para comporem o corpus do presente estudo, a ditongação, enquanto processo de sândi (isto é, como resolução de encontros vocálicos intervocabulares), só aparece em um único contexto: para ligar os pronomes mi ou ti a uma palavra iniciada pelas vogais representadas pelos grafemas e (como mostra a Tabela 4.2, na maior parte dos casos, este último grafema representa o som de /o/; em apenas dois casos, representa o som de /ɔ/). A grande maioria dos casos de ditongação acontece entre o pronome mi e a vogal seguinte, inicial de palavra – exemplos em (4.34): (4.34) Leda mhandeu (B641-3) pr q mhã dades irado (B1147bis-19) eqmhauya iurado (B696-16) Nen mha duz o meu amigo (B1202-3) pero mho eu cuydado uj (B723-3) E nunca mho farã creer (B1040-16) Semho non feze ren ueer (B1040-17) Dizen mhora muit que uen (B1040-2) Se nõ assi como mio ei (A16-20) de qual mior oystes dizer (A41-97) e se mia el dar non quiser (A70-17) e pesar mia en si deus mi perdon (A242-4) e est’ orgullo que mi ás mostrado (CSM15-63) que rogas[s]’ ao seu Fillo que cedo mi a morte désse (CSM225-38) que os que mio fillaren | mio sábian gradeçer.(CSM401-41) mi acorra en mias coitas | por ti, e averá (CSM401-98) Ca à porta do templo | disseron-mi os porteiros (CSM411-70) guardade-mi os gãados | en aquesta mallada. (CSM411-118)

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Apenas um caso de ditongação envolvendo o pronome ti pôde ser mapeado no corpus. Esse dado encontra-se reproduzido em (4.35): (4.35) Deus tio demande, que pod’ e val (CSM15-64)

O contexto definido anteriormente (pronomes mi/ti seguidos de vogal grafada como ou ) é o único contexto favorável à ocorrência da ditongação. Nos demais contextos, aplicam-se outros processos de sândi (elisão ou crase, havendo contexto para tais processos) ou o encontro vocálico se mantém, formando um hiato. Nos casos de uma vogal /i/ (final de qualquer palavra que não mi/ti) seguida de outra vogal, o hiato é a solução para o encontro vocálico formado, como no verso: Pois naçi nunca ui amor (A 80-117). No entanto, há várias ocorrências de hiatos formados pelos pronomes mi/ti mais vogal – exemplos em (4.36). Como mostra a Tabela 4.5, no caso do pronome mi, a solução mais frequente para os encontros vocálicos é a ditongação (83,3%); há apenas doze casos de hiato, que correspondem a 16,7% do total. Já com relação ao pronome ti ocorre o inverso: dos sete casos encontrados, seis (85,7%) são resolvidos em hiato; apenas um (reproduzido em (4.35)), se resolve em ditongo. (4.36) a. Tan coytado pmi anda (B1036-15) Ay ds q doo q eu de mi ey (B1128-1) pr mi aly quandoa fez (B1173-8) de mi e da outra dona, a que te mais praz (CSM16-67) ir migo e mi algo derdes (CSM102-23) a mi á ela mostrados (CSM200-6) e desdennares a mi e a meu Fill’, o santo Rey (CSM285-107) b. Tantas son as merçees, | Sennor, que en ti á (CSM401-92) que mui mais sei eu ca ti assaz (CSM15-35) Madre de Deus, non pod’ errar | quen en ti á fiança. (CSM24-refrão) ca Deus a ti a / outorgaria (CSM100-19, 20)

Tal fato levanta a hipótese da existência de duas formas para cada um desses pronomes: uma tônica (que bloqueia a ditongação) e outra átona (sujeita à ditongação). Nesse sentido, no caso de ti, pode-se dizer que o

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pronome é prioritariamente tônico, já que bloqueia, na grande maioria dos casos, a ditongação. Esta, quando ocorre, pode, inclusive, ser interpretada como um aproveitamento estilístico desse processo – marginal, portanto. No entanto, no caso de mi, embora haja exemplos que comprovem o caráter tônico desse pronome – (4.37), em que o pronome mi é, inclusive, o ponto mais proeminente do verso –, há outros, como (4.38), que comprovam sua atonicidade e sua capacidade de realizar-se como clítico. Mesmo nesse caso, pode ocorrer um hiato. Para esse pronome, no entanto, seria o hiato o processo de sândi não esperado, cujo uso poderia ter conotações estilísticas, portanto. (4.37) Cao nõ ui ne uyo el mi (B555-14) (4.38) amade-mi e vos muit’, e al non (CSM259-28)

Enfim, pode-se concluir que, enquanto para os monossílabos átonos terminados em /e/ a possibilidade mais frequente de sândi é a elisão, para os terminados em /i/, o hiato é a solução adotada, com exceção de mi seguido de /a, o, ɔ/, quando o processo de sândi selecionado é a ditongação. Portanto, de todos os processos de sândi possíveis no PA, é a ditongação o que tem o contexto desencadeador mais restrito: apenas ocorre depois do pronome átono mi (com o pronome ti, não é o processo preferencial).

4.5 Sândi: fenômeno estilístico? Sendo o sândi um processo essencialmente prosódico, quando as condições morfossintáticas, rítmicas, fonotáticas e fonológicas (relativas à qualidade das vogais envolvidas) para a ocorrência da ditongação, da crase e da elisão não são atingidas, o hiato é a solução obrigatória para os encontros vocálicos. Além dos hiatos obrigatórios, há, no corpus considerado, outros casos em que são anotados hiatos que, provavelmente, não deveriam ocorrer realmente nas cantigas: é o caso dos versos irregulares quanto à métrica, quando comparados aos demais versos da cantiga: invariavelmente, nesses casos, com uma sílaba a mais do que deveriam ter. A Tabela 4.7 mostra que há quarenta exemplos dessa natureza, concentrados sobretudo no manuscrito

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A, em que há 31 casos; B apresenta oito casos e, nas CSM, foi encontrado apenas um caso de verso irregular, que poderia ser “corrigido” através de uma elisão não realizada (apresentado em 4.39). Além disso, trata-se, como se pode ver nos exemplos em (4.40), de casos em que há contexto para a aplicação da elisão, ou seja, casos que atendem todas as condições rítmicas e fonotáticas para a ocorrência desse fenômeno. Dessa forma, pode ser levantada a hipótese de constituírem esses versos apenas “erros” de cópia, em que o copista deixou de anotar a elisão que, efetivamente, deveria ser realizada. (4.39) Este mui bon clerigo era e mui de grado liia (CSM384-10) (4.40) que o soubesse que nõ fosse ende (A210-16) se nõ quantora me oystes diz(er) (A2-16) que uus eu faço en uus querer (A14-5) e quãtos me entõ ueeran (A28-19) morrer se coidasse auer (A82-27) quãdo el ueer com eu serey (B714-9) Quãdo mel vyr e st͂ a marta estar (B1118-19) Q̃rra falar migo e nõ qrrey eu (B1118-21)

Na Tabela 4.7, a seguir, é apresentado um levantamento quantitativo de todos os casos de hiato intervocabular encontrados no corpus. Como se pode observar, 19,7% dos casos constituem casos de hiato não obrigatórios; os outros 80,3% são hiatos obrigatórios, explicados por razões linguísticas e não de estilo. Tabela 4.7. Fatores bloqueadores de elisão, crase e ditongação e favorecedores do hiato. Razão do aparecimento do hiato

Quantidade

Cesura, pausas, mudança de contorno entoacional

39 (2,2%)

Primeira vogal em sílaba com onset vazio

84 (4,7%)

Monossílabos bloqueadores de elisão na primeira sílaba

954 (52,8%)

Sílaba tônica na primeira posição

227 (12,6%)

Qualidade da primeira vogal (i/u)

92 (5,1%)

DE + pronome acusativo

13 (0,7%)

versos irregulares – com sílaba(s) a mais

40 (2,2%)

Razões estilísticas (hiatos opcionais)

357 (19,7%)

Total

1806 (100%)

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Em um trabalho anterior (Massini-Cagliari, 2003b, p.530), em que opus os casos de hiatos obrigatórios aos casos de hiatos opcionais, analisando apenas as cantigas profanas (de amigo e de amor) aqui também consideradas, mas levando em estudo na contagem também os casos de hiatos formados por ditongo + vogal, obtive uma proporção de 97,96% de casos de sândi ou de manutenção de hiatos regrados por restrições linguísticas muito específicas contra apenas 2,04% de hiatos excepcionais, ou seja, hiatos formados por vogais em relação às quais havia contexto para a aplicação de algum dos processos de sândi aqui analisados (ditongação, crase ou elisão), mas que, por alguma razão desconhecida, não se aplicam. Naquela época, esses resultados me levaram a concluir que, se há “margem de arbítrio” (como a chama Celso Cunha) para a aplicação dos fenômenos de sândi, ela é ainda menor do que estabeleceu o ilustre filólogo (“menos de 10%”). Ousamos dizer até que, dada a pouca relevância estatística das exceções, talvez estas ainda possam ser explicadas e previstas, como afirma Cunha (1961, p.43), por algum “artifício ou qualquer razão não apurada de métrica ou de língua”. Nesse caso, não haveria qualquer opção por parte dos trovadores quanto à aplicação ou não dos fenômenos de sândi, constituindo esses processos da língua (da fonologia, da gramática) por trás dos versos e não unicamente de estilo. Dessa forma, acabei por afirmar o caráter obrigatório da elisão e da crase, quando há contexto para a sua aplicação, na língua dos trovadores, o PA, dos quais não é possível fugir sem criar uma transgressão, uma licença poética. De fato, a análise agora empreendida comprova que, para o corpus de cantigas profanas (e sobretudo para B), o condicionamento dos fenômenos de elisão, crase e ditongação é principalmente linguístico. Descontando-se da conta feita em 2003 os casos de hiatos formados por ditongos seguidos de vogal (que, agora, não foram considerados), os casos de hiatos não explicados por razões linguísticas, no corpus das cantigas profanas, chega a 13,9% – uma margem de arbítrio maior do que a encontrada em 2003, mas muito próxima dos 10% estimados por Cunha (1961, p.43). Já com relação às cantigas religiosas, a possibilidade de serem formados hiatos não previstos pelo contexto é maior: chega a 21,6% de todos os hiatos mapeados no corpus de cantigas religiosas.

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Um dos contextos em que foi detectada maior variação entre elisão/ crase e hiato ocorre quando a primeira palavra ou um monossílabo é seguido por um monossílabo formado por uma única vogal (que pode corresponder a um artigo definido, a um pronome acusativo, ao corpo da conjunção e ou da preposição a, ou a monossílabos tônicos formados unicamente por vogal). Nesse contexto, o comportamento dos corpora de cantigas profanas e religiosas é inverso, embora a variação exista em ambos os conjuntos de cantigas. Nas cantigas profanas, a solução preferencial dada ao encontro de vogais nesse contexto é a elisão, sendo que há raríssimos casos de hiato – exemplos em (4.41). Há 211 casos de elisão contra 120 hiatos, nesse contexto (não descontados os hiatos em que a primeira vogal é /i, , ɔ/ ou /a/ não seguido de /a/, obrigatórios).

(4.41) a. elisão: meu cor dest euolen cobri (A14-25) des que meu part e nulla ren (A16-5) de todo ben sempr o mellor (A42-11) omen cuitad e a doer (A42-14) ds ora uehesso meu amigo (B676-19) e disse quãde qual dia (B696-9) tornou muj triste eu ben lhentendi (B719-5) edeffendilho eu e el entõ (B719-10) b. hiato: de mi por esto e non per outra ren (A157-16) sen consello e del desasperado (A10-7) a ome o que nõ quer dizer (A87-30) Nullome aqueo non diga (B1036-6) Que sse behesse logo asseu grado (B936-5) Ca el nõ mi tolhe acoita q trago no meu coraçõ (B1202-2)

Já nas cantigas religiosas, a solução mais recorrente para encontro de vogais no contexto V átona ou monossílabo seguido de V é o hiato: são 420 hiatos (também não descontados os hiatos obrigatórios originados pelas restrições relativas à qualidade da primeira vogal) contra 341 elisões.

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(4.42) a. elisão: o que entend’ e de dizer lle praz (CSM-B-7) confiand’ en Deus, ond’ o saber ven (CSM-B-12) ca per esto o perd’ e per al non (CSM-B-32) Jesu-Crist’, e foy-o deytar (CSM1-28) en a loar noyt’ e dia. (CSM2-15) foi logo mort’ e perdudo (CSM2-64) com’ a Virgen dit’ avia. (CSM2-65) E poren lle disse: “Amigo, creed’ a mi (CSM16-40) pareceu-lle log’ a Reinna esperital (CSM16-62) b. hiato: ca per esto o perd’ e per al non. (CSM-B-32) no seu reyno e nos erdar (CSM1-8) nen como a contrada (CSM1-37) a un sant’ abade e disse-ll’ en confisson (CSM16-32) pareceu-lle log’ a Reinna esperital (CSM16-62) E enton lle disse a Sennor do mui bon prez (CSM16-75) En aquel tenpo o demo mayor (CSM17-25) e por aquesto a foi o infançon prender (CSM64-13) sempre acaron vestia. (CSM132-27)

Como se pode ver, em (4.41) e (4.42) estão apresentados exemplos de mesma natureza. A diferença entre os corpora de cantigas profanas e religiosas está, apenas, na proporção entre os casos de a e b. Nas cantigas profanas, os casos de a – elisão – são mais frequentes; nas religiosas, o hiato é mais recorrente. Enfim, diante desse quadro, pode-se concluir que os processos de sândi no PA são altamente condicionados por fatores linguísticos. No entanto, há uma pequena margem de manobra, que pode ser explorada pelos trovadores com finalidades estilísticas, que podem optar por aplicar os processos de ditongação, crase e elisão, ou manter o hiato entre as vogais que se encontram, de modo a obter a quantidade de sílabas poéticas necessária à boa estruturação do verso.

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4.6 O sândi nas cantigas medievais galego-portuguesas, interpretado a partir da Teoria da Otimalidade Em termos fonológicos, tradicionalmente os processos de sândi vocálico externo vêm sendo descritos como casos de ressilabificação; no entanto, como mostra Face (1998, p.2), ao reexaminar o processo de ressilabificação em espanhol no quadro da TO, a adoção da ideia de que todas as restrições operam simultaneamente torna essa noção de ressilabificação impossível (como não há derivação, não se pode silabificar e, depois, ressilabificar). Dessa forma, a partir de Prince e Somlensky (1993), os processos intervocabulares de elisão e ditongação passaram a ser vistos como estratégias de reparação de estruturas silábicas menos perfeitas, em direção da obtenção da sílaba universal CV. Nesse contexto, a elisão é uma estratégia para resolver uma sequência VV, criada quando uma palavra terminada em (C)V é seguida por outra iniciada por V, gerando CV1#V2. Em termos otimalistas, a opção das línguas pela elisão pode ser expressa pela hierarquização de apenas duas restrições: ONSET e MAX. ONSET, da família das restrições responsáveis pelos princípios de silabação das línguas, definida anteriormente em (2.11) (Capítulo 2), estabelece que sílabas que possuem onset são melhores do que as que têm esse constituinte vazio. Já MAX é uma restrição de fidelidade (também definida em 2.11), que opera no sentido de verificar se os elementos presentes no input também estão igualmente presentes no output; do ponto de vista da avaliação efetuada por MAX, são melhores palavras as que não apagarem qualquer elemento do input. Em termos resumidos, pode-se dizer que a opção das línguas pela elisão ou pelo hiato reside no estabelecimento de uma hierarquia entre os princípios de silabação e de fidelidade. Se a silabação for mais importante, ONSET será hierarquizada acima de MAX, e o resultado é a elisão – Tableau (4.43); se, ao contrário, a língua optar por resolver os casos de V#V a partir da manutenção do hiato, isto significa que a fidelidade ao input é o que mais conta, e que MAX se sobrepõe a ONSET – Tableau (4.44). (4.43) a. ☞ b.

/triste+oje/ a. tris.to.je a. tris.te.o.je

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ONSET

MAX *

*

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(4.44) a. b. ☞

/triste+oje/ a. tris.to.je a. tris.te.o.je

MAX *

ONSET *

O exemplo de elisão representado no Tableau (4.43) é a reprodução de um dado do PA (B555-1). Como vimos anteriormente (Tabela 4.1), a elisão é o processo de sândi mais recorrente no Português Medieval. É um processo tão recorrente que, em trabalhos anteriores (Massini-Cagliari, 2001a, 2003b), sugeri, inclusive, sua obrigatoriedade. Depois da análise dos dados desenvolvida no item 4.1.2, foi comprovado que, embora a maior parte dos hiatos apareça devido a restrições rítmicas, prosódicas e fonotáticas impostas pela língua à ocorrência da elisão, há diversos casos em que seria possível a aplicação da elisão, mas em que o trovador opta pelo hiato, por motivos estéticos (para obter a quantidade de sílabas poéticas que deseja). De qualquer forma, mesmo não sendo um processo obrigatório e categórico, a elisão é um fenômeno possível e recorrente em PA. Ora, então, das duas hierarquias possíveis entre ONSET e MAX, o PA deve ter optado pela retratada em (4.43), ou seja, ONSET >> MAX. Essa relação hierárquica é, no entanto, contrária à que foi proposta anteriormente no Capítulo 2, quando estávamos em busca de gerar os padrões de silabação do PA. Na análise desenvolvida naquele capítulo, ONSET localizava-se em uma posição bem baixa na hierarquia das restrições, porque, em nível lexical (ou seja, no momento da formação das palavras), o Português Medieval tolera bem sílabas sem onset. Além disso, o PA prefere que a sílaba se mantenha com o onset vazio, do que apagar a sílaba isolada – Tableau (4.45). Assim, em nível lexical, ONSET se subordina a MAX – e não vice-versa. (4.45) a. ☞ b.

/amig+o/ a. a.mi.go a. mi.go

MAX

ONSET *

*

Como foi visto no Capítulo 2, quando há encontros vocálicos internos à palavra, o apagamento de uma das vogais nunca é a solução adotada pelo PA. Além disso, a inserção de uma consoante epentética em onset, para desfazer a sequência vocálica, não é uma solução disponível. Como o PA

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sempre mantém as duas vogais, no nível lexical, isso significa que a relação entre input e output é extremamente importante, e a restrição que a traduz (MAX) se localiza bem alta na hierarquia. A partir da manutenção dessas duas vogais, a língua tem duas possibilidades de resolução dos encontros vocálicos internamente à palavra: a ditongação e o hiato. Se a segunda vogal de uma sequência é [alta] e a coda está vazia, então é possível a formação de um ditongo – Tableau (4.46). (4.46) a. ☞ b. c. d.

/lei/ .lei. le.i le.䊐i le

MAX

DEP

ONSET

*CODA *

* *! *!

No entanto, se a ocorrência de um ditongo não é possível, pela falta das condições necessárias para tal (ausência de vogal alta em V2), então a única solução possível é o hiato – Tableau (4.47). (4.47) a. ☞ b. c. d.

/cande+a/ can.de.a can.de.䊐a can.de can.da

MAX

DEP

ONSET *

* *! *!

Além disso, no nível lexical, o hiato é a solução preferencial quando não há contexto para a formação de um ditongo decrescente, mesmo no caso de identidade entre as duas vogais que se encontram – Tableau (4.48). (4.48) a. ☞ b. c. d. e.

/seer/ se.er se:r ser ser se.䊐er

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MAX

DEP

*COMPLEX(N) *!

*! *! *!

ONSET *

*CODA (*) (*) (*) (*) (*)

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Há, então, evidentemente, um problema de compatibilização entre os padrões silábicos do PA e a hierarquia que os gera em nível lexical e a possível ocorrência de elisão entre palavras. O problema existe porque, no primeiro caso, quando MAX se sobrepõe a ONSET, a fidelidade ao input é mais importante do que o atingimento do modelo silábico ótimo universal CV. Por outro lado, a elisão atua no sentido de “consertar” a sílaba sem onset, fornecendo a ela o constituinte faltante, à custa de uma infração à fidelidade input-output. O problema surge porque a TO não é uma teoria derivacional, em que um dado, já previamente silabado de acordo com os princípios da língua, pode ser “transformado” em outro, para “consertar” uma estrutura deficiente. Além disso, a TO não é um modelo de gramática estruturada em componentes. Isso quer dizer que todas as restrições atuam na avaliação dos outputs de um determinado input ao mesmo tempo. Portanto, não há hierarquias diferentes (sobretudo, não há hierarquias concorrentes, contrárias), agindo em diferentes níveis gramaticais. Desse ponto de vista, então, como compatibilizar, em uma descrição otimalista de uma língua, um mesmo fenômeno que, em diferentes níveis (na formação da palavra, lexical, ou em juntura, pós-lexicalmente), comporta-se de forma oposta? Assim, como explicar, em uma abordagem otimalista, o fato de, no nível lexical, o PA estabelecer que a restrição de fidelidade tem um maior peso do que a de marcação, quanto ao preenchimento do onset, e, em juntura, estabelecer que a relação entre essas restrições é o inverso? Trata-se, portanto, da importante questão de como a gramática é concebida na teoria. A possibilidade de existência de hierarquias concorrentes e co-ocorrentes ou de inversão de relações hierárquicas destrói o princípio básico da teoria, que é representacional – e não derivacional.17 De fato, esse era um problema que não existia nas abordagens fonológicas derivacionais,

17 Lee (2005), que já tratou do sândi em PB do ponto de vista otimalista, parece não ter se dado conta do problema, já que, ao tratar dos fenômenos de elisão e ditongação nos níveis lexical e como resultado de sândi no PB, inverte a hierarquia entre MAX e ONSET por ele mesmo proposta em Lee (1999), sem uma palavra sequer sobre essa atitude – A hierarquia adotada em 2004 “corrige” a primeira? Ou são hierarquias concorrentes? A avaliação dos fenômenos se dá em paralelo ou não? Enfim, muitas perguntas ficaram sem resposta.

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como, por exemplo, nos modelos de Fonologia e Morfologia Lexical de Kiparsky (1982), Mohanan (1986) e Pulleyblank (1986). Na concepção desses autores da gramática fonológica como estratificada e componencial, os componentes lexical e pós-lexical, por serem domínios diferentes, podiam conter regras que geravam resultados opostos. Como esses níveis tinham apenas uma direção de alimentação (o nível lexical, cíclico, era input para o pós-lexical, não cíclico), em cada domínio as regras se aplicavam independentemente, não sendo, pois, contraditórias, no contexto geral da gramática. Além disso, as regras pós-lexicais eram cegas, com relação à estrutura interna da palavra – o que fazia que, pós-lexicalmente, estivessem acessíveis apenas os resultados da aplicação das regras lexicais, mas não as regras em si. Tentando resolver esse problema dentro da TO, Kiparsky (1998, 2000) propõe a divisão dos processos em lexicais e pós-lexicais, mesmo dentro do domínio de uma teoria representacional. Ao mostrar as falhas das abordagens otimalistas que tentaram resolver esse problema a partir da noção de simpatia (Kager, 1999, p.387-92) e das relações output-output (Kager, 1999, p.257-95), Kiparsky (1998, 2000) propõe uma espécie de retorno à derivação, a partir da formulação da teoria da LPM-OT (Lexical Phonology and Morphology-OT). Seu modelo propõe o abandono do total paralelismo de processamento em favor de sistemas estratificados de restrições. Kiparsky (2000, p.361) propõe que restrições do sistema STEM LEVEL (nível do radical ou raiz) podem diferir crucialmente das dos níveis da palavra e pós-lexical. Para Kiparsky (2000, p.362): Unlike ordering theories and sympathy theory, LPM-OT relates morphology to phonology in such a way that level differences motivated by phonological opacity predict morphological consequences (e.g. affix ordering) and vice-versa. Thus LPM-OT allows the morphology to tell the learner what phonological behavior to expect.18

18 “Ao contrário de teorias de ordenamento e da teoria da simpatia, LPM-OT relaciona morfologia e fonologia de modo que diferenças de nível motivadas por opacidade fonológica predizem consequências morfológicas (por exemplo, ordenamento de afixos) e vice-versa. Desta maneira LPM-OT permite que a morfologia diga ao aprendiz qual comportamento fonológico esperar.”

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Na opinião de Kiparsky (2000, p.364-5), a integração entre fonologia e morfologia traz uma solução para os problemas derivados de questões de fidelidade que ocasionam opacidade, sobretudo em estruturas derivadas. Dessa forma, considero que, apesar de ter sido criticada por representar um retorno à derivação, a teoria LPM-OT de Kiparsky (1998, 2000) traz luz ao problema de compatibilização de relações hierárquicas entre restrição enfrentado quando se quer tratar da questão da silabação do PA, em todos os níveis. Mais do que evidência de processamentos paralelos de verificação de diferentes fenômenos, as hierarquias de restrições aqui propostas, que explicam as soluções dadas às sequências vocálicas no PA no momento da formação da palavra e no momento de sua combinação com outra, são um argumento a favor da consideração de diferentes níveis de avaliação, como os propostos por Kiparsky. Dessa forma, o fato de ONSET ser dominado por MAX no momento da avaliação das estruturas silábicas, na formação das palavras (nível lexical), não impede que, em um nível pós-lexical, a hierarquia seja invertida, para gerar os padrões de silabação verificados em PA, derivados da ocorrência de fenômenos de sândi. Assim, mais do que subsistemas paralelos de restrições, a hierarquia considerada nesta seção e a anteriormente proposta no Capítulo 2 podem ser vistas como subsistemas organizados em níveis, em uma abordagem da TO baseada na distinção entre os níveis lexical e pós-lexical. Ocorrendo os fenômenos de sândi justamente na combinação entre palavras, sua descrição e explicação devem ser consideradas como pertencentes exclusivamente ao segundo domínio (ou nível, segundo Kiparsky, 2000). Do ponto de vista da TO, a hierarquização de ONSET sobre MAX garante que ocorra a elisão em detrimento do hiato, na combinação de palavras, mas não determina qual das vogais é apagada – veja Tableau (4.49), em que dois outputs são considerados como ótimos. (4.49)

a. ☞ b. ☞ c.

/triste+oje/ tris.to.je tris.te.je tris.te.o.je

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ONSET

MAX * *

*

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Casali (1996) analisa os fenômenos de elisão, coalescência e hiato em diversas línguas. Segundo ele, a preservação das vogais em sequência, ou seja, a ocorrência de hiatos, é determinada pela ação de restrições de fidelidade, relacionada à posição e à proeminência das vogais que se encontram. Em Casali (1996, p.21), a ocorrência da elisão é determinada pela hierarquização da restrição PARSE(F), que milita contra a perda de traços (“features”, daí “segmente os traços”), abaixo de ONSET. Se a hierarquia fosse invertida, seria gerado um hiato. Para estabelecer qual das duas vogais é apagada em caso de elisão, Casali (1996, p.24) propõe uma subdivisão a PARSE(F): PARSE(F)-[W prediz que deve ser preservado o segmento em posição inicial de palavra; PARSE(F)-lex preserva, na segmentação, morfemas e palavras lexicais. Lee (2005) aparentemente reinterpreta as restrições do tipo PARSE(F) propostas por Casali (1996) como pertencentes à família MAX, de fidelidade, já que militam contra o apagamento de elementos, tornando-as especificações dessa restrição mais geral. Assim, PARSE(F)-[W foi substituída por Lee (2004) por MAX[W, bem como PARSE(F)-lex aparece em Lee (2004) como MAX[LEX. As definições adotadas por Lee, no entanto, são as mesmas de Casali (1996, p.24) – (4.50). É a hierarquização entre essas duas especificações de MAX que determina qual das duas vogais será apagada, na elisão. Se MAX[W domina MAX[LEX, a vogal final da primeira palavra (V1) é apagada; se, ao contrário, MAX[LEX está mais alta do que MAX[W na hierarquia, então a segunda vogal (a vogal inicial da segunda palavra) é apagada.19 (4.50) MAX[W: o segmento na posição inicial de palavra no input é mantido no output. MAX[LEX: as palavras lexicais e os morfemas lexicais do input são mantidos no output.

Como mostram os dados, no PA, a vogal elidida é sempre a vogal final átona da primeira palavra (mesmo quando esta equivale ao morfema lexical que expressa gênero). Isso mostra que a hierarquia correta é MAX[W >> MAX[LEX. Já a relação hierárquica de ONSET com essas duas restrições é 19 A adoção de restrições como MAX[W e MAX[LEX encaixa-se perfeitamente bem na perspectiva da LPM-OT de Kiparsky (1998, 2000), já que ambas as restrições fazem referência à palavra como domínio prosódico e a características morfológicas definidas no léxico.

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estabelecida com base no grau de naturalidade dos candidatos a output; em ordem decrescente de naturalidade, tem-se: tris.to.je, com elisão de V1, mais recorrente; tris.te.o.je, com hiato, recorrente por finalidades estilísticas; tris. te.je, com elisão de V2, impossível em PA. (4.51) /triste+oje/

a. ☞ b. c.

MAX[W

tris.to.je tris.te.o.je tris.te.je

ONSET

MAX[LEX *

* *

Como mostra o Tableau (4.51),20 a ocorrência da elisão é motivada pela ação da restrição ONSET e a tipologia do apagamento da vogal é determinada pela hierarquização das restrições da família MAX, de fidelidade (Lee, 2005). No entanto, deve-se lembrar que o PA impõe uma séria restrição quanto à qualidade da primeira vogal para que ocorra a elisão: V1 tem que ser, obrigatoriamente, /e/ ou /o/; caso V1 seja diferente de /e, o/, ou seja, se V1 = /a, ɛ, i, ɔ, o, u/, a elisão fica barrada e a única solução possível para o encontro vocálico é o hiato – como mostra o Tableau (4.53).21 Nesse tableau, MAX[LEX é dividida em MAX[L (V) e MAX[L (e,o) – definidas em (4.52). EX

EX

(4.52) MAX[LEX(V): Vogais /a, ɛ, i, ɔ, o, u/ em final de palavra são mantidas. MAX[LEX(e,o): Vogais /e, o/ em final de palavra são mantidas. (4.53) /vila+estar/ a. ☞ b. c.

vi.la.es.tar vi.les.tar vi.las.tar

MAX[LEX(V)

MAX[W

ONSET MAX[LEX(e,o) *

* *

A atuação dessas duas restrições, aliada à atuação de *COMPLEX(N) (tal como definida em 2.34), é a responsável pela diferenciação entre os processos de elisão e crase, no PA – como mostra o Tableau (4.54). A atuação 20 O exemplo analisado no Tableau (4.51) provém da cantiga de amigo B555, verso 1. 21 O exemplo analisado em (4.53) é retirado da CSM28, verso 99.

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de *COMPLEX(N) mostra que a formação de uma vogal longa é preferível à sequência de dois as no núcleo. Como foi mostrado anteriormente, a crase, no PA, acontece exclusivamente no contexto /a/ + /a/. (4.54) /amiga+assi/ a. ☞ b. c. d.

a.mi.ga:.ssi a.mi.ga.a.ssi a.mi.ga.ssi a.mi.ga.ssi

MAX[LEX(V) MAX[W *COMPLEX(N) ONSET MAX[LEX(e,o) (*) *(*) (*) (*)

* *

Quando a primeira das duas vogais da sequência é tônica, a elisão também fica excluída, como solução de sândi. Isso significa que a vogal tônica deve ser preservada, maximizada – restrição expressa por MAX(V’), que maximiza as vogais acentuadas, ou seja, proíbe o seu apagamento. A atuação dessa restrição fica exemplificada no Tableau (4.55).22 (4.55) /poderá+errar/ MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W ONSET MAX[LEX(e,o) a. ☞ b. c.

po.de.rá.e.rrar po.de.re.rrar po.de.rá.rrar

* *!

* *

A preservação das vogais tônicas explica por que o único exemplo mapeado no corpus de crase entre sílaba tônica e pretônica deve ser considerado um uso estilístico. Como foi visto anteriormente, nunca ocorrem elisão ou crase, quando a primeira vogal é tônica, com exceção do verso ca, pois eu morrer’, logo dirá ‘lguen (A10-19), em que há crase de um /a/ tônico com um /a/ pretônico. Como mostra o Tableau (4.56), a solução ótima para essa sequência seria, de fato, o hiato. A segunda opção mais natural, marcada no tableau a seguir com o símbolo ☺, é a crase. A hierarquização dessas duas possibilidades, representada no Tableau (4.56), reflete o resultado do levantamento quantitativo efetuado, já que os exemplos de hiato, nesse contexto específico, prevalecem muito. 22 Exemplo proveniente de CSM16, segundo verso do refrão.

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(4.56) /dirá+alguen/ MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W *COMPLEX(N) PCO ONSET MAX[LEX(e,o) a. ☞ di.rá.al.guen b. ☺ di.ra:l.guen c. di.ral.guen d.

*

*

* *

*

di.rálguen

*

A preservação das vogais tônicas explica também por que os monossílabos ca, que, so e se (conjunção), considerados tônicos, não podem se elidir com as vogais iniciais das palavras que os seguem – o Tableau (4.57) apresenta exemplos com os monossílabos ca, so e que. (4.57) /ca+espelho/ a. ☞ b. c.

ka.es.pe.lho kes.pe.lho kas.pe.lho /so+aquestas/

d. ☞ e. f.

so.a.kes.tas sa.kes.tas so.kes.tas /que+aquesta/

g. ☞ h. i.

ke.a.kes.ta ka.kes.ta ke.kes.ta

MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W ONSET MAX[LEX(e,o) * *!

* *

MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W ONSET MAX[LEX(e,o) * *!

*

* MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W ONSET MAX[LEX(e,o) * *!

* *

Como foi visto anteriormente, o monossílabo se só é considerado tônico quando corresponde à realização da conjunção – Tableau (4.58). Quando corresponde ao pronome oblíquo, é átono, submetendo-se, portanto, à elisão – Tableau (4.59). (4.58) /se(conj.)+alguen/ MAX(V’) a. ☞ se.al.guen b. sal.guen c. sel.guen

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MAX[LEX(V)

MAX[W

ONSET MAX[LEX(e,o) *

*!

* *

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(4.59) /se(pron.)+alongar/ MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W a. ☞ b. c.

sa.lon.gar se.a.lon.gar se.lon.gar

ONSET

MAX[LEX(e,o) *

* *

Já a preposição de possui outro critério de diferenciação, quanto à sua submissão ou não à elisão. Como exemplifica o Tableau (4.60), na grande maioria dos casos, a preposição de, que é de natureza átona, é sensível à elisão. (4.60) /de+outro/ a. ☞ b. c.

MAX(V’)

MAX[LEX(V)

MAX[W

dou.tro de.ou.tro deu.tro

ONSET MAX[LEX(e,o) * *

*

No entanto, como foi visto anteriormente, quando a preposição de é seguida do pronome acusativo o(s), a(s), a elisão fica bloqueada. Como visto, trata-se de uma restrição de natureza morfossemântica, para distinguir essa sequência do encontro de de com o artigo definido, e não sintática. Por essa razão, e por ser esta uma restrição de contexto extremamente particular, optou-se por expressá-la através de uma restrição paroquial, expressa em (4.61), que bloqueia a ocorrência da elisão, nesse contexto específico. (4.61) MAX(DE+acus.): A preposição de é preservada diante de pronome acusativo. (4.62) /de+o(acus.)/ a. ☞ b.

de.o do

MAX(DE+acus.) *!

MAX[W

ONSET

MAX[LEX(e,o)

* *

*

Por serem átonos, os monossílabos me, lhe, te, che e xe são sensíveis à elisão, como mostra o Tableau (4.63):

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(4.63) /me+ajudade/ MAX(V’) a. ☞ b. c. ☞ d. e. ☞ f. g. ☞ h. i. ☞ j.

ma.ju.da.de me.a.ju.da.de /lh+eu/ lheu lhe.eu /te+amará/ ta.ma.rá te.a.ma.rá /che+ɔra/ chɔ.ra che.ɔ.ra /xe+ɛra/

MAX[LEX(V)

MAX[W

ONSET

MAX[LEX(e,o) *

MAX(V’)

MAX[LEX(V)

MAX[W

* ONSET

MAX[LEX(e,o) *

MAX(V’)

MAX[LEX(V)

MAX[W

* ONSET

MAX[LEX(e,o) *

MAX(V’)

MAX[LEX(V)

MAX[W

* ONSET

MAX[LEX(e,o) *

MAX(V’)

MAX[LEX(V)

MAX[W

xɛ.ra xe.ɛ.ra

* ONSET

MAX[LEX(e,o) *

*

Já os casos em que um hiato é gerado devido ao não preenchimento do onset da sílaba final da primeira palavra são ocasionados pela ação da restrição MAX(C0V1), definida em (4.64), que maximiza, ou seja, preserva o núcleo – o único elemento – dessa sílaba. (4.64) MAX(C0V1): O núcleo de uma sílaba de onset vazio na posição final da primeira palavra é preservado. (4.65) /aveo+assi/ a. ☞

a.ve.o.a.ssi

b.

a.ve.a.ssi

c.

a.ve.o.ssi

MAX(C0V1) MAX[LEX(V) MAX[W

ONSET MAX[LEX(e,o) **(*)

*

(*) *

*

(*)

Quando a vogal final da primeira palavra é /a/ e pertence a uma sílaba com onset vazio, há duas possibilidades: a formação de um hiato (solução preferida, ver Tabela 4.6) e a crase entre essas duas vogais. A maximização da sílaba sem onset explica por que essas duas são as únicas possibilidades

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de realização do encontro vocálico formado por a+a nesse contexto: mesmo havendo a crase, o primeiro /a/ estaria preservado, já que forma uma sílaba longa com o /a/ seguinte – possibilidade marcada com o símbolo ☺, no Tableau (4.66). Esse tableau mostra que essa é a segunda melhor solução, de acordo com a avaliação dos candidatos, a partir da hierarquia de restrições que tem sido considerada, podendo ser uma boa escolha, em situações de uso estilístico, em que é preciso “diminuir” uma sílaba poética no verso, já que seria uma solução muito mais natural do que as demais possibilidades. A melhor solução para encontros desse tipo, como mostra o Tableau (4.66) é, realmente, o hiato. (4.66) /podia+aver/ MAX(C0V1) MAX[LEX(V) MAX[W *COMPLEX(N) ONSET MAX[LEX(e,o) a.☞

po.di.a.a.ver

b.☺ c. d.

po.di.a.ver po.di.a.ver

**

po.di.a:.ver

* *

* *

* * *

A maximização das sílabas com onset vazio e, consequentemente, a preservação do conteúdo semântico que elas encerram explicam por que os monossílabos átonos constituídos de apenas uma vogal não podem ser apagados, não se submetendo, portanto, à elisão. Como já foi visto anteriormente, enquadram nessa categoria os artigos definidos, os pronomes acusativos, a preposição a e a conjunção e – Tableau (4.68). Bisol (2003, p.186), ao tratar dos fenômenos de sândi no PB em uma perspectiva otimalista, recorre à restrição MAXMS, adaptada de Casali (1997, p.507) e definida em (4.67), para justificar por que, no PB contemporâneo, não ocorre elisão em exemplos do tipo Moro na esquina. Para Bisol (2003, p.188), a vogal a, de na, não pode ser apagada porque é o único segmento do morfema a que pertence, e MAXMS milita contra a deleção de um monomorfema. (4.67) MAXMS: Todo segmento do input que é o único segmento no morfema a que pertence deve ter um correspondente no output.

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(4.68) /o+amor/ a. ☞ b. c. d. ☞ e. f. g. ☞ h. i. j. ☞ k. l.

o.a.mor a.mor o.mor /o+aver/ o.a.ver a.ver o.ver /a+esta/ a.es.ta es.ta as.ta /e+eles/

MAXMS

MAX[LEX(V)

MAX[W

ONSET

MAX[LEX(e,o) *

* MAX[W

** * * ONSET

MAX[LEX(e,o) *

*

** * *

MAX[W

ONSET

MAX[LEX(e,o)

*! MAXMS

MAX[LEX(V)

*! MAXMS

MAX[LEX(V)

*!

*

MAXMS

MAX[LEX(V)

e.e.les e.les e.les

** * *

* MAX[W

ONSET

MAX[LEX(e,o)

*

** * *

*

*!

Enfim, com relação à distinção entre os fenômenos de elisão, crase e hiato, em uma perspectiva otimalista, pode-se afirmar que todos os casos são obtidos pela interação de duas restrições: ONSET e MAX. Sobrepondo na hierarquia ONSET a MAX, a elisão é o resultado de um processo de avaliação que privilegia o preenchimento de um onset irregularmente vazio, a partir do apagamento da vogal final da palavra anterior. No entanto, como esse apagamento está submetido a várias restrições específicas da língua, de natureza diversas, que buscam preservar a integridade de V1, acabam por acontecer os fenômenos de crase e de hiato. Essas restrições que visam à preservação de V1, na hierarquia aqui proposta, revelam-se através da hierarquização de restrições da família de MAX, especificações desta, em posições mais altas do que ONSET. Em suma, a emergência desses três fenômenos resulta da tensão entre a boa formação silábica (restrições de marcação) e a preservação do input (restrições de fidelidade). Como foi visto anteriormente, o único contexto em que a ditongação aparece como resultado de sândi é: pronome mi seguido de /a, o, ɔ/. Nos demais contextos, e mesmo quando a vogal final da primeira palavra é /i/

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(mas não o /i/ do pronome mi), a solução encontrada é a formação de um hiato (mesmo com o pronome ti, o único caso de ditongação encontrado foi considerado um uso estilístico – excepcional, portanto). Assim sendo, o quadro que se forma é o seguinte: (4.69) qualidade de V1: i (pronome mi) i (demais contextos) a (diante de /a/) a (demais contextos) o, e (átonas) u (todos os contextos) todas as vogais (tônicas)

solução: ditongo hiato crase hiato elisão hiato hiato

Dado o contexto extremamente restrito de ocorrência da ditongação como fenômeno de sândi, o quadro em (4.69) chega a levar à hipótese de que a ditongação, no contexto intervocabular, pode ser apenas um recurso estilístico para diminuir a quantidade de sílabas poéticas no verso, e não um fenômeno de sândi externo recorrente e característico da língua. Reforça essa hipótese o fato de a ditongação ter sido encontrada em apenas 1,5% dos casos de sândi (Tabela 4.1). Isso mostra que os casos de ditongação, em quantidade, são ainda mais raros do que os usos estilísticos do hiato (357 casos, 9% do total geral, contra 61 ditongos). No nível lexical, em que a ditongação é a solução mais frequente para as sequências vocálicas, sua ocorrência chega a 70,3% dos casos (ver Tabela 2.2) – fato que mostra que há uma enorme diferença entre a ocorrência desse fenômeno intra e intervocabularmente. Dos ditongos formados nos limites da palavra, 62,8% correspondem a ditongos decrescentes e apenas 7,5%, a ditongos crescentes. Entre palavras, no PA, a análise dos dados mostrou que a formação de ditongos decrescentes é impossível; portanto, a solução mais frequente no nível lexical fica descartada entre palavras. Os únicos casos mapeados correspondem a ditongos crescentes, de vogal /i/ (exclusivamente do pronome mi) + /a, o, ɔ/. Como foi visto no Capítulo 2, ditongos decrescentes formam sílabas fechadas, uma vez que o glide está posicionado na coda; por

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sua vez, ditongos crescentes formam sílabas abertas, com núcleo complexo. Ora, esse fato comprova que, no contexto intervocabular, o PA provavelmente proíbe a formação de núcleos complexos, uma vez que os casos em que isso acontece são raríssimos. Em termos otimalistas, essa proibição pode ser expressa a partir da consideração de *COMPLEX(N), hierarquizada acima de ONSET. Dessa forma, como mostram os Tableaux (4.70) e (4.71), uma sequência de /i/ (tônica ou átona) + qualquer outra vogal resulta em hiato.23 (4.70) /ali+adeante/ MAX(V’) MAX[LEX(V) MAX[W *COMPLEX(N) ONSET MAX[LEX(e,o) a. ☞ b. c. d.

a.li.a.de.an.te a.lia.de.an.te a.la.de.an.te a.li.de.an.te

*(*)(*) * *

* * *

(*)(*) (*)(*) (*)(*)

(4.71) /ti+avia/ MAX(V’) MAX[LEX(V) a.☞ b. c. d.

MAX[W

*COMPLEX(N) ONSET MAX[LEX(e,o)

ti.a.vi.a tia.vi.a ta.vi.a ti.vi.a

*(*) * * *

(*) (*) (*)

Há, portanto, a partir das considerações feitas anteriormente, pelo menos duas possibilidades de interpretação da ditongação como fenômeno de sândi, no PA. A primeira delas é considerá-la um recurso estilístico, com base na sua pouquíssima recorrência (estatisticamente menos relevante do que os casos de usos estilísticos do hiato). Nesse caso, do ponto de vista otimalista, é possível dizer que, normalmente, sequências de mi + /a, o, ɔ/ deveriam formar hiatos, como mostra o Tableau (4.72), mas que acabam formando ditongos, por uma escolha consciente do trovador, de ignorar o candidato ótimo e escolher outro (marcado por ☺ no tableau), por finalidades exclusivamente estéticas.

23 O exemplo de (4.70) é retirado da CSM225, verso 58. Já o dado analisado em (4.71) foi extraído da CSM132, verso 107.

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(4.72) /mi+ɔra/ a.☺ b. ☞ c. d.

MAX[LEX(V)

MAX[W

*COMPLEX(N) ONSET MAX[LEX(e,o)

miɔ.ra mi.ɔr.a

* *

mɔ.ra mi.ra

*! *!

Já a segunda possibilidade é considerar a ditongação como um verdadeiro processo linguístico de sândi na língua, que, no entanto, é pouquíssimo recorrente, dado o seu contexto de aplicação extremamente restrito. Para que essa interpretação funcione, é necessário explicar por que, unicamente nesse caso, há a formação de um núcleo (aparentemente) complexo – estrutura proscrita da língua. Assim como foi feito no Capítulo 2 para explicar esses casos, considera-se que não há, na constituição de ditongos crescentes, a formação de um núcleo complexo. Ao contrário, o glide é silabado no onset, pelo fato de a sua mora não ser licenciada. Assim, a emergência de um ditongo nesse contexto será aqui explicada da mesma forma que o foi, em nível lexical: a partir da atuação da restrição *μ-i(mi) (definida anteriormente em 2.53 e aqui redefinida, de forma mais abrangente, em 4.73). Dessa forma, em (4.74), o candidato ótimo apontado pela avaliação é o que contém um ditongo crescente formado entre mi e a vogal que o segue. (4.73) *μ-i(mi): a mora de mi não é licenciada. (4.74) /mi+ɔra/ a. ☞ b.

miɔ.ra

c.

mɔ.ra

d.

mi.ra

mi.ɔr.a

*μ-i(mi)

MAX[LEX(V)

MAX[W *COMPLEX(N) ONSET MAX[LEX(e,o) *

*!

* *!

*!

*!

Essa solução inverte a questão: agora, são os casos de hiatos formados entre mi e a vogal seguinte que são considerados usos estilísticos. Do ponto de vista do total de dados, os usos estilísticos introduzem, no conjunto, variação quanto à solução dada para uma determinada sequência de vogais, em um contexto também determinado. Uma das soluções é a

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predominante, considerada aqui como ótima, porque mais recorrente e claramente condicionada por fatores linguísticos. A outra é o uso considerado de estilo, porque não esperado e cuja razão de aparecimento escapa às observações feitas até aqui. Desde os primeiros desenvolvimentos da TO (Prince; Somlensky, 1993), a variação interlinguística tem sido expressa através de diferentes hierarquias para o mesmo conjunto de restrições. Archangeli (1997, p.17), em um texto didático de apresentação da teoria ao grande público, afirma: Language variation [...] also follows from the role of the constraints within particular languages. Two constraints A and B may be ranked A >> B in one language and B >> A in another. Each ranking characterizes the distinctive patterns of the two languages and leads to variation between then.24

Variações dialetais também são vistas pela teoria como fruto de diferentes hierarquias. Variações desse tipo também não são um problema, já que diferentes dialetos podem ter diferenças consideráveis de gramática, que devem ser representadas pelas interações entre as restrições em cada dialeto. Dessa forma, do ponto de vista otimalista, as variações estilísticas devem ser vistas mais como casos de desvio do que como casos de oposição entre hierarquias, já que o falante mantém sua hierarquia original, que gera a maioria dos dados, mas, em um momento específico, por razões extralinguísticas, opta por uma hierarquia alternativa, diferente da original. Não se trata, também, de processamento em paralelo, avaliando casos linguisticamente diferentes por hierarquias diferentes. Em primeiro lugar, porque não há diferenças contextuais entre os dados (o uso esperado e o não esperado ocorrem no mesmo contexto fonológico). Em segundo lugar, porque o falante tem consciência de que, em um ponto específico, optou por gerar um dado não esperado (o que prova que ele sabe qual é o esperado; em termos otimalistas, tem conhecimento – consciente ou não – da hierarquia de restrições com que a língua trabalha). 24 “A variação linguística [...] também deriva do papel das restrições dentro de línguas particulares. Duas restrições A e B podem ser hierarquizadas A >> B em uma língua e B >> A em outra. Cada hierarquia caracteriza padrões distintivos das duas línguas e resulta na variação entre elas.”

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Dessa forma, de meu ponto de vista, a melhor maneira de se tratar usos estilísticos, do ponto de vista da TO, é considerar que o falante avalia normalmente os candidatos, pela hierarquia de restrições da língua, sabe qual é o candidato escolhido, mas opta conscientemente por “suspender” essa avaliação, procedendo a uma outra, com base em uma hierarquia que gerará o resultado específico que ele, conscientemente e com finalidades artísticas, quer obter. Enfim, pode-se dizer que, para suprir necessidades artísticas, o trovador “inventa” um dialeto “literário”, usado apenas em contextos específicos e restritos. O uso estilístico, portanto, é desviante e deve, enquanto tal, receber uma representação que se baseie na noção de “desvio”, ou, em outras palavras, “diferente” do “padrão”.

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PROCESSOS RÍTMICOS: PARAGOGE

A paragoge é um processo fonológico que consiste, segundo Xavier e Mateus (1990, p.281), no “acrescentamento de um segmento fonético em posição final de palavra”. Citando Nebrija, Cunha (1982, p.236) afirma que a paragoge acontece quando, no final de alguma palavra, acrescenta-se letra ou sílaba (por exemplo, quando, em “Morir se quiere Alexandre de dolor del coraçone”, usa-se coraçone em vez de coraçon). Por esse motivo, o processo da paragoge vem comumente sendo tratado como um subtipo da epêntese (ou inserção). Por sua vez, esta vem sendo definida, de maneira geral, como a inserção de um segmento em uma palavra. Quando a adição do segmento ocorre no início da palavra, o termo mais comumente utilizado é prótese, ao passo que, se a inserção se dá no final, o rótulo utilizado é paragoge. Dessa forma, o termo epêntese, na maioria das vezes, fica restrito ao “acrescentamento de um segmento fonético em posição medial de palavra” (Xavier; Mateus,1990, p.146).1 No entanto, como se pretende provar a seguir, esse talvez não seja o procedimento mais apropriado, uma vez que existem dois tipos de inserção de vogais que atuam em final de palavra: um primeiro, motivado pela busca de estruturas silábicas possíveis dentro da língua (em relação ao qual será mantido o rótulo de “epêntese”), e um outro, de motivação rítmica (para o qual será reservado o rótulo de “paragoge”). Nesse sentido, o termo paragoge pode ser sucintamente definido como “epêntese rítmica”.2 1 Definição também adotada anteriormente por Câmara Jr. (1973, p.161). 2 Em Massini-Cagliari (2000d), opusemos os processos de epêntese e paragoge, apresentando as características próprias de cada um.

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Embora possa abranger a inserção de vogais ou de consoantes, muitas vezes, a literatura produzida sobre o assunto, em Fonética e Fonologia, pode tratar da epêntese apenas de consoantes, mais especificamente do caso das chamadas “consoantes intrusivas” (Hyman, 1975;3 Vogel, 1986; Cagliari; Massini-Cagliari, 2000). Também dentro do âmbito da Filologia e da Linguística Histórica, o comum é encontrar, classificados sob o rótulo de “epêntese”, apenas casos de inserção de consoantes (cf. Williams, 1975[1938], p.117-8). Já Lee (1993, p.847), trabalhando em uma perspectiva da Fonologia Lexical, define a epêntese, ao analisar dados do PB, simplesmente como inserção de vogal. Lee (1993) mostra que a epêntese ocorre ainda no componente lexical da Fonologia, tendo por objetivo a transformação de sequências de vogais e consoantes que não correspondem às estruturas do PB em sílabas bem formadas. Na opinião de Lee, a vogal epentética acrescentada é sempre, fonologicamente, um /e/ (porque esse é o único “segmento não especificado na representação de base”), podendo assumir as formas fonéticas de [e], [i] ou mesmo [ɛ], depois da aplicação da regra lexical de acento e de regras pós-lexicais de “redução” de vogais. Em todos esses casos, a vogal epentética é acrescentada na posição de núcleo da sílaba. Lee (1993, p.847) cita cinco casos de epêntese em PB: 1) inserção de vogal nos conjuntos de três consoantes, se a segunda consoante é /r/: (5.1a); 2) inserção de vogal em posição inicial, se a palavra se inicia por /s/ + consoante: (5.1b); 3) inserção de vogal antes da desinência de plural, quando a palavra termina em consoante: (5.1c); 4) inserção de vogal entre duas consoantes que não podem co-ocorrer na posição de “onset”: (5.1d); 5) inserção de vogal, na pronúncia de palavras estrangeiras e siglas, em que figura uma sílaba travada por um som [-soante] (5.1e): (5.1) a. b. c. d. e.

abr + e → ab[e]r + tura [e]special rapaz[e]s p[i]neu/p[e]neu, p[i]sicologia VARIG[i], club[i], fut[i]bol

De todos os casos listados por Lee, o único comparável ao processo de paragoge é o último. A aproximação observada entre esses dois processos é 3 Hyman (1975) analisa e descreve nove casos classificados como epenthesis ou insertion. De todos eles, apenas um insere vogais; todos os outros são casos de inserção de consoantes.

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o fato de ambos inserirem /e/ em posição final de palavra (no caso da epêntese em PB, este /e/ realiza-se como [i], por estar em posição átona final). Porém, a epêntese também pode ocorrer no meio de palavra (ex: futebol), enquanto a paragoge se restringe ao final da palavra, e especificamente em final de verso ou de hemistíquio. No entanto, a grande diferença entre eles, já notada por Cunha (1982, p.262), é o fato de a epêntese ser motivada pela busca de estruturas silábicas possíveis dentro da língua, enquanto a paragoge mexe com a estrutura de uma palavra já bem formada, em termos de estrutura silábica: “Características da estrutura silábica do português justificam a vogal de apoio que recebem, no idioma, os vocábulos terminados em oclusiva (bonde, clube, chique)”. No PB atual, os casos de paragoge4 (definida como um subtipo de epêntese) que podem ser encontrados são os do tipo VARIG ([varigi]), clube ([klubi]) – citados por Lee (1993, p.847). No entanto, por serem motivados por restrições fonotáticas, concordamos com o autor ao classificá-los como casos de epêntese, agrupando-os com os outros exemplos de inserção de vogal, independentemente da posição em que esta é inserida. Exemplos desse tipo também já eram encontrados no PA. Correspondem a ocorrências como a do verso 5 da CSM289: Desto direi un miragre grande que cabo Madride, em que a vogal epentética aparece para resolver a estrutura silábica anômala de uma palavra estrangeira (o nome da cidade Madrid), que possuía uma consoante oclusiva em posição de coda (estrutura proibida em PA).

5.1 A paragoge na lírica profana galego-portuguesa Em todo o universo da lírica profana galego-portuguesa, esse fenômeno aparece em apenas quatro cantigas, segundo o levantamento de Cunha (1982, p.246), que, no Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (B) e no Cancioneiro da Vaticana (V), recebem os seguintes números: B721/ V322, B903/V488, B1153/V755 e B1553.5 À lista de Cunha (1982) pode-se acrescentar a cantiga B1199/V804.6 Na análise que fez das cantigas de 4 Também chamada de epítese (Câmara Jr., 1973, p.162). 5 B1553 não aparece em V. 6 As razões para que Cunha não considere esta cantiga no seu levantamento são discutidas adiante.

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Martim Codax, Ferreira (1986, p.129-67), com base na notação musical do Pergaminho Vindel, considera a ocorrência de vogais paragógicas em N1, N5 e N7. A soma de todos esses casos perfaz um total de oito cantigas.7 A cantiga em que mais caracteristicamente aparece o fenômeno da paragoge em B/V é a de número 1153/755, uma paralelística de João Zorro – ver Figuras 5.1 e 5.2. Em B, a paragoge percorre (quase) todos os versos da cantiga, com exceção do refrão, como se pode ver na interpretação do fac-símile (p.247) que se fez a seguir:8 (5.2) El Rey de portugale Barquas mandou laurare E la iram nas barqs migo Mia filha e nossamigo El Rey portugale Barqs mandou fa faze E la iram nas barquas migo Barqs mandou laurare Eno mar as deytare E la irã Barqs mandou faz Eno mar as metere E la iram .:_____

7 Além das cantigas citadas anteriormente, em que o /e/ paragógico encontra-se documentado nos testemunhos dos versos das cantigas ou cuja presença é motivada por razões da notação musical presente, Ferreira (1998, p.50) considera a ocorrência de diversas paragoges na cantiga A155 de Vasco Gil, mesmo não estando representadas na escrita, por razões musicais. Embora a hipótese delineada por Ferreira seja bastante plausível, como não sobreviveu a partitura desta cantiga (ao contrário do que ocorre com as CSM e as cantigas de amigo de Martim Codax) e como o suposto e paragógico não está registrado na escrita, este caso não será considerado. 8 Preferi apresentar uma edição minha em vez de reproduzir a edição semidiplomática de Machado e Machado (1949, v.5, p.241-2), uma vez que esses autores desenvolvem as abreviaturas, além de fazerem intervenções ao texto, inserindo material linguístico – o que afasta bastante a sua edição das características de edições diplomáticas (e mesmo das semidiplomáticas).

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Figura 5.1. B1153 (edição fac-similada de 1982, p.29).

A edição diplomática que Monaci (1875, p.262) fez de V755 mostra que a paragoge está presente nas duas fontes dessa cantiga. É importante notar que, no verso 2, a presença de um til sobre o r final de laurare (representado por Monaci com um traço), sinal clássico de abreviatura que indica re ou er, pode estar indicando o fenômeno da paragoge. (5.3) El rey de portugale barqs mãdou laurar ela iram nas barqs migo mha filha e uossa migo El rey portugeese barqs mandou fa faze’ ela irã nas barqs migo Barqs mandou laurare eno mar as deytare ela ira Barqs mandou faz’e

755

5

10

eno mr as metere ela irã.

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Figura 5.2. V755 (edição fac-similada de 1973, fólio 119v).

Tanto a versão de Nunes (1973, v.II, p.350) como a versão da Lírica Profana Galego-Portuguesa (LP) (1996, p.573) para B1153/V755 mantêm as inclusões dos e de final de verso, muito embora a versão da LP seja mais próxima de B do que a de Nunes. B721/V322 é uma cantiga de amigo (marinha), de Estêvão Coelho. Nela, a paragoge ocorre apenas no último verso do refrão (al mar → al mare), como se pode ver na interpretação da primeira estrofe dessa cantiga, feita por Cunha (1982, p.246), em (5.4): (5.4) Se oj’ o meu amigo soubess’, iria migo: eu al rio me vou banhar al mare !

Como mostram as Figuras 5.3 e 5.4, a paragoge está anotada nos dois manuscritos.

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Figura 5.3. B721 (edição fac-similada de 1982, p.346).

Figura 5.4. V322 (edição fac-similada de 1973, fólio 52v).

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No entanto, nas interpretações que fazem dessa cantiga, nem Nunes (1973, v.II, p.142) nem a LP (1996, p.245) consideram esse último verso da cantiga. Porém, assim como o faz Cunha, é preferível confiar na versão de B/V, uma vez que é clara a existência desse verso no refrão, como se pode ver nas Figuras 5.3 e 5.4. Em B903/V488, uma cantiga de amor, marinha, de Rui Fernandes, a paragoge afeta apenas os versos do refrão, como se pode ver na interpretação da LP (1996, p.900),9 transcrita em (5.5).

Figura 5.5. B903 (edição fac-similada de 1982, p.419-20).

9 A versão de Nunes (1972, p.313-4) difere da apresentada na LP quanto à segunda estrofe.

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(5.5) Quand’eu vejo las ondas e las muyt’altas ribas, logo mi veen ondas al cor, pola velyda: maldito se(j)a ‘l mare que mi faz tanto male! Nunca ve(j)o las ondas nen as altas debrocas que mi non venham ondas al cor, pola fremosa: maldito se(j)a ‘l mare que mi faz tanto male! Se eu vejo las ondas e vejo las costeyras, logo mi veen ondas al cor, pola bem feyta: maldito se(j)a ‘l mare que mi faz tanto male !

Figura 5.6. V488 (edição fac-similada de 1973, fólio 78r).

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Como mostram as figuras 5.5 e 5.6, a paragoge considerada na edição da LP está anotada em ambos os manuscritos. Por outro lado, em B1199/V804, uma cantiga de amigo de Martim de Caldas, a paragoge só acontece no final de um único verso (o segundo da segunda estrofe). Como se pode observar na Figura 5.7, a paragoge está claramente anotada em B1199.

Figura 5.7. B1199 (edição fac-similada de 1982, p.544).

Já a Figura 5.8, que reproduz V804, mostra que, no caso desse manuscrito, a anotação da paragoge não é muito clara. Mas a presença de um til sobre o r de auer, mesmo nesse caso, pode ser interpretada como um indício de marcação da ocorrência desse fenômeno.

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Figura 5.8. V804, edição fac-similada de 1973, fólios 126r-126v.

No entanto, nem a interpretação de Nunes (1973, v.II, p.385) nem a da LP (1996, p.615) – que reproduz a de Nunes – dos versos dessa estrofe consideram a inclusão do -e paragógico final – ver (5.6).10 (5.6) E atal preito m’era mui mester, se mi Deus aguisar de o aver, e quanto o meu amigo quiser e que mi-o mande mia madre fazer, e, se mi Deus esto guisar, ben sei de mi que logu’eu mui leda serei. 10 No entanto, Nunes (1973, v.III, p.553) reconhece que, em B1199, no verso em questão, a última palavra é auere ou auerr. A esse respeito, a versão fac-similada do B, reproduzida na Figura 5.7, deixa claro que não pode ser auerr, sendo a única interpretação possível auere.

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Já em Massini-Cagliari (1995, p.216 – nota de rodapé) foi levantada a hipótese de se tratar esse caso apenas de um erro de cópia, já que os demais infinitivos em final de verso que aparecem nessa cantiga não apresentam o e paragógico. Talvez seja por esse motivo que Cunha (1982, p.246) não liste essa cantiga no seu estudo sobre paragoge. No entanto, há que se observar que o acréscimo de e final a auer, nesse contexto, possui as mesmas características da paragoge nos outros casos encontrados nas cantigas medievais galego-portuguesas (características estas que serão exploradas adiante): ocorre em final de verso (diante de pausa), depois de consoante líquida, e transforma uma palavra originalmente oxítona em paroxítona. Por esses motivos, o aparecimento da paragoge, nessa cantiga, não deve ser desconsiderado. A quinta cantiga em que ocorre o acréscimo do e paragógico em final de verso é B1553, uma cantiga de escárnio de Fernão Soares (ou Fernão Soares de Quinhones). A respeito dessa cantiga, diz Lapa, na edição de 1995 das Cantigas d’escarnho e de mal dizer (p.103): Curiosa composição, cheia de pontos obscuros, em que se mete a ridículo certo tipo de amor, fino, doloroso e derramado (sen tapon), ao modo antigo, e cultivado ainda pelo motejado Pero Canton. O mais interessante da cantiga, além da sua adjectivação rica e pouco vulgar, é o emprego do e paragógico na terminação nasal – on, recurso estilístico para acentuar o ridículo, caso não seja uma alteração italianizante dos escribas de Colocci. Também se poderá tratar de um refrã tradicional, sobre que se construiu a cantiga, que em CBN é atribuída a Fernan Soárez. Tudo indica que será Fernan Soárez de Quinhones, pois logo a seguir vêm as cantigas desse autor.

Nessa cantiga, a paragoge ocorre nos dois versos do refrão e sempre no último verso de cada estrofe, combinando com os do refrão – como se pode observar na Figura 5.9. Cunha (1982, p.246) exclui essa cantiga de seu estudo pelo fato de a paragoge ocorrer apenas depois de consoante nasal (nos outros casos, ocorre depois de consoantes grafadas como ou ).

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Figura 5.9. B1553 (edição fac-similada de 1982, p.683).

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Além desses casos de acréscimo de e paragógico depois de nasal, nessa cantiga ocorre a forma amore no refrão, como se pode ver na interpretação da cantiga B1553 de Rodrigues Lapa (1995, p.103-4), retomada em LP (1996, p.330-1), em (5.7). Talvez por considerarem que se trata mesmo de uma “italianização”, nenhum dos estudiosos citados considera a forma amore como um caso de paragoge. Ou talvez por faltar a essa ocorrência uma das características básicas da paragoge: seu contexto de aplicação é o final de verso (e, nesse caso, amore aparece no meio do primeiro verso do refrão). (5.7) Ai, amor, amore de Pero Cantone, que amor tan saboroso e sen tapone! Que amor tan viçoso e tan são, queno podesse teer atá o verão! Mais valria que amor de Chorrichão nen de Martin Gonçálvez Zorzelhone Ai, amor, amore de Pero Cantone, que amor tan saboroso e sen tapone! Que amor tan delgado e tan frio, mais non creo que dure atá o estio, ca atal era outr’amor de meu tio, que se botou á pouca de sazone. Ai, amor, amore de Pero Cantone, que amor tan saboroso e sen tapone! Que amor tan pontoso, se cuidades; fazer-vos-á chorar, se o gostades, e semelhar-vos-á, se o provades, amor de Don Palaio de Gordone. Ai, amor, amore de Pero Cantone, que amor tan saboroso e sen tapone! Que amor tan astroso e tan delgado; queno tevesse’ un ano soterrado! Aquel fora en bõo ponto nado que depois ouvesse del bõa bençone. Ai, amor, amore de Pero Cantone, que amor tan saboroso e sen tapone!

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Que amor tan astros’ e tan pungente, queno podess’aver en remordente! Mais valria que amor dun meu parente, que mora muit’acerca de Leone. Ai, amor, amore de Pero Cantone, que amor tan saboroso e sen tapone!

Com base em exigências musicais advindas da análise da notação adotada no Pergaminho Vindel, Ferreira (1986) considera a ocorrência de paragoge em N1, N5 e N7, embora a realização da vogal não esteja anotada na letra dessas cantigas de Martim Codax, nem nesse manuscrito (no qual se baseia a análise de Ferreira, 1986) – como mostram as Figuras 5.10 (N1), 1.4 (N5, Capítulo 1) e 5.11 (N7) –, nem nos testemunhos de B e V.

Figura 5.10. N1. Cantiga de amigo de Martim Codax. Reprodução do fac-símile em Ferreira (1986).

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Em N1, Ferreira (1986, p.129) considera a ocorrência da vogal epentética no interior dos versos 1 e 4, ao final da palavra mar:11 (5.8) Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? E ay Deus, se verrá cedo! Ondas do mar levado, se vistes meu amado? E ay Deus, se verrá cedo!

Já em N5, segundo Ferreira (1986, p.133), a paragoge aconteceria nos versos 1 (amare), 2 (mare), 4 (amare) e 5 (mare): (5.9) Quantas sabedes amar amigo treydes comig’ a lo mar de Vigo E banhar-nos-emos nas ondas! Quantas sabedes amar amado treydes comig’ a lo mar levado: E banhar-nos-emos nas ondas!

Em N7, Ferreira (1986, p.7) assinala a existência da vogal epentética ao final dos dísticos: (5.10) Ay ondas, que eu vin veer, se me saberedes dizer por que tarda meu amigo sen min? Ay ondas, que eu vin mirar, se me saberedes contar por que tarda meu amigo sen min?

11 Em (5.8) e seguintes, os versos de Martim Codax aparecem na versão de Cunha (1956). Os grifos são meus.

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Figura 5.11. N7. Cantiga de amigo de Martim Codax. Reprodução do fac-símile em Ferreira (1986).

Em todos esses casos, a ocorrência da paragoge estaria sustentada na ocorrência de melismas na notação musical, que exigiriam uma silabação, na realização cantada, apoiada na existência de uma sílaba a mais, gerada a partir do acréscimo de uma vogal paragógica, sobretudo em final de verso e de hemistíquios (Ferreira, 1986, p.139).12

5.2 A paragoge nas Cantigas de Santa Maria Em relação ao universo das cantigas medievais religiosas, a paragoge rítmica já foi estudada por Wulstan (1993). Considerando todo o conjunto

12 Cunha (2004, p.104) considera a análise de Ferreira (1986) uma “importante comprovação, pelo testemunho da música, do que vínhamos afirmando desde 1949 com relação à obrigatoriedade do -e paragógico nos versos das paralelísticas terminados ou cesurados em palavras agudas”.

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das 420 Cantigas de Santa Maria, o autor identifica oito cantigas em que ocorreria esse fenômeno: 10, 17, 76, 100, 102, 180, 197 e 350. Segundo Wulstan (1993, p.21), CSM17 é a única cantiga religiosa em que a paragoge aparece anotada no texto, se bem que em apenas um (E17) dos três testemunhos remanescentes da cantiga (E17, T17 e To7). Para esse autor, a paragoge está anotada em E17 com relação aos três primeiros versos da primeira estrofe (que acompanham a notação musical), mas deveriam ser estendidos para todos os demais versos da cantiga na mesma posição nas estrofes seguintes. Como se pode ver em (5.11),13 Wulstan (1993, p.21) considera a realização da paragoge ao final dos verbos oir, mentir e fogir, que rimam entre si. (5.11) Esta é de como Santa Maria guardou de morte a onrrada dona de Roma a que o demo acusou pola fazer queimar. Sempre seja beeita e loada Santa Maria, a noss’ avogada. Maravilloso miragre d’oir vos quer’ eu ora contar sen mentir, de como fez o diabre fogir de Roma a Virgen de Deus amada. Sempre seja beeita e loada En Roma foi, ja ouve tal sazon, que hũa dona mui de coraçon amou a Madre de Deus; mas enton soffreu que fosse do demo tentada. Sempre seja beeita e loada A dona mui bon marido perdeu, e con pesar del per poucas morreu; mas mal conorto dun fillo prendeu que del avia, que a fez prennada. Sempre seja beeita e loada 13 Em (5.11), a CSM17 aparece na versão de Mettmann (1986, p.102-4).

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A dona, pois que prenne se sentiu, gran pesar ouve; mas depois pariu un fill’, e u a nengũu non viu mató-o dentr’ en sa cas’ ensserrada. Sempre seja beeita e loada En aquel tenpo o demo mayor tornou-ss’ en forma d’ ome sabedor, e mostrando-sse por devỹador, o Emperador lle fez dar soldada. Sempre seja beeita e loada E ontr’ o al que soub’ adevyar, foy o feito da dona mesturar; e disse que llo queria provar, en tal que fosse log’ ela queimada. Sempre seja beeita e loada E pero ll’ o Emperador dizer oyu, ja per ren non llo quis creer; mas fez a dona ante ssi trager, e ela veo ben aconpannada. Sempre seja beeita e loada Poi-lo Emperador chamar m[a]ndou a dona, logo o dem’ ar chamou, que lle foi dizer per quanto passou, de que foi ela mui maravillada. Sempre seja beeita e loada O Emperador lle disse: “Moller bõa, de responder vos é mester.” “O ben”, diss’ ela, “se prazo ouver en que eu possa seer conssellada.” Sempre seja beeita e loada O emperador lles pos praz’ atal: “D’oj’a tres dias, u non aja al, venna provar o maestr’ este mal; se non, a testa lle seja tallada.” Sempre seja beeita e loada

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A bõa dona se foi ben dali a um’ eigreja, per quant’ aprendi, de Santa Maria, e diss’ assi: “Sennor, acorre a tua coitada.” Sempre seja beeita e loada Santa Maria lle diss’: “Est’ affan e esta coita que tu ás de pran faz o maestre; mas meos que can o ten en vil, e sei ben esforçada.” Sempre seja beeita e loada A bõa dona sen niun desden ant’ o Emperador aque-a ven; mas o demo enton per nulla ren nona connoceu nen lle disse nada. Sempre seja beeita e loada Diss’ o Emperador: “Par San Martin, maestre, mui pret’ é a vossa fin.” Mas foi-ss’ o demo e fez-ll’ o bocin, e derribou do teit’ hũa braçada. Sempre seja beeita e loada

Segundo esse autor, uma das evidências de que a paragoge deveria ser realizada ao final desses versos provém da notação de E17. Como se pode ver a partir da Figura 5.11,14 nesse manuscrito, a letra r final dos três verbos que rimam entre si encontra-se grafada em separado do resto da palavra, correspondendo a uma nota musical, que seria exclusiva para a realização da sílaba formada a partir da paragoge. No entanto, como mostram as figuras 5.12 e 5.13,15 esse tipo de notação não pode ser encontrado nos demais testemunhos dessa cantiga, T17 e To7. Apesar de a música não estar presente para as demais estrofes da cantiga, Wulstan (1993, p.23) considera que a paragoge se estende para todas as consoantes -r, -n e -l localizadas no final dos três primeiros versos das estrofes seguintes. Além disso, ele considera o desdobramento dos ditongos 14 As reproduções do códice dos músicos, Escorial (E), são feitas a partir da edição fac-similada de Anglés (1964). 15 As as reproduções do códice de Toledo são feitas a partir da edição fac-similada de 2003. Já reproduções do códice Escorial rico (T) são feitas a partir do microfilme cedido pela Real Biblioteca del Monasterio, San Lorenzo de El Escorial.

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-eu e -iu e a ocorrência de vogais “intrusivas” -w e y acrescentadas a -ou(w) e -i(ÿ), para acompanhar a música relativa à primeira estrofe. Desse ponto de vista, a ocorrência da paragoge em CSM17, se considerarmos que sua notação em apenas um dos testemunhos é evidência suficiente, apoia-se exclusivamente em necessidades musicais.

Figura 5.12. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM17, em E17 (Anglés, 1964, p.45r).

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Figura 5.13. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM17, em To7 (edição fac-símile do Códice de Toledo, 2003, f. 16r).

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Figura 5.14. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM17, em T17 (microfilme).

A notação musical é também evidência para que Wulstan (1993, p.17) considere a realização de uma paragoge ao final do verso 10 da CSM180, em (5.12).16 (5.12) Vella e Minỹa, Madr’ e Donzela, Pobre e Reynna, Don’ e Ancela.

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16 A numeração dos versos é a de Mettmann (1988).

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Desta guisa deve Santa Maria seer loada, ca Deus lle quis dar todas estas cousas por melloria, porque lle nunca ja achassen par; e por aquesto assi a loar deviamos senpre, ca por nos vela. Vella e Minỹa,

10

Para Wulstan, como as duas últimas linhas das estrofes dessa cantiga são cantadas com a mesma melodia do refrão, e como o refrão é composto de versos graves, à posição ocupada por loar, no verso 10, corresponde a posição da palavra (paroxítona) donzela, no refrão. Como mostram as figuras 5.15 e 5.16, que reproduzem a notação dessa cantiga nos seus dois testemunhos, as duas notas correspondentes a donzela se repetem acima de loar.

Figura 5.15. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM180, em T180 (microfilme).

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Figura 5.16. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM180, em E180 (Anglés, 1964, p.169r-v).

Wulstan (1993, p.17) afirma que o mesmo fenômeno ocorre em relação a CSM10 (5.13), em que também o refrão, composto de versos graves, alterna com estrofes compostas de três versos agudos e um grave. Na opinião do

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autor, as paragoges ajudam a dar paridade rítmica àquilo que, de outra maneira, corresponderia a um arranjo irregular de batidas. Vejam-se as Figuras 1.8 e 1.11 (Capítulo 1), que reproduzem, respectivamente, os testemunhos de CSM10 no códice Escorial rico (T10) e no códice dos músicos (E10). Na Figura 5.17, aparece a versão dessa cantiga no códice de Toledo (To10). (5.13) Rosas das rosas e Fror das frores, Dona das donas, Sennor das sennores. Rosa de beldad’ e de parecer e Fror d’alegria e de prazer, Dona en mui piadosa seer, Sennor en toller coitas e doores. Rosas das rosas e Fror das frores,

Figura 5.17. CSM10 em To10 (edição fac-símile do Códice de Toledo, 2003, f. 19v-20r).

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A alternância entre versos graves e agudos é a principal evidência para a realização da paragoge, também na CSM350 – (5.14).

Figura 5.18. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM350, em E350 (Anglés, 1964, p.313v-314r).

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(5.14) Santa Maria, Sennor, val-nos u nos mester for. E val-nos, Santa Maria ca mester é que nos vallas,

5

ca tu por nos noit’e dia cono diabo barallas e ar punnas todavia por encobrir nossas fallas, e por nos dar alegria

10

con Deus sempre te traballas, ca tu es razõador a el polo peccador. Santa Maria, Sennor...

Para Wulstan (1993, p.16-7), os versos “aparentemente” agudos do refrão contrastam com os versos das estrofes, na sua maioria graves, nos quais uma série de notas repetidas acomodam as sílabas extras. Assim, na primeira estrofe, (tra)ballas corresponde a duas notas, enquanto for, no refrão, e todas as outras rimas em r devem ter uma sílaba extra, paragógica. No entanto, como mostra a Figura 5.18, não há, no único testemunho remanescente dessa cantiga, E350, a notação de notas musicais “extras” ao final dos versos agudos. Na CSM197, para Wulstan (1993, p.21), a realização da paragoge elimina a necessidade de “emendas” (anotadas na edição de Mettmann entre colchetes) nas edições interpretativas. Wulstan percebe que o terceiro segmento do refrão, mayor l’ á en ben fazer, tem a mesma música do primeiro hemistíquio do quarto verso das estrofes (na primeira estrofe: e porend’ un gran miragre) – Figura 5.19. Para ele, esse fato não apenas sugere que há uma paragoge no r final de fazer (ver 5.15), no terceiro verso do refrão, como também em poder, no final do primeiro hemistíquio do primeiro verso da estrofe – o que elimina a necessidade do acréscimo de “de”, feito por Mettmann (1988, p.236).

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(5.15) Como quer que gran poder á o dem’ en fazer mal, mayor l’ á en ben fazer a Reynna spirital. Ca sse el algun poder á [de] os omees matar pelos pecados que fazen, e o quer [Deus] endurar, mui mayor poder sa Madr[e] á en os ressucitar; e porend’ un gran miragre vos direi de razon tal. Como quer que gran poder...

Figura 5.19. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM197, em E197 (Anglés, 1964, p.183r-v).

Ao contrário de Cunha (1982) para as cantigas profanas, Wulstan (1993) considera a possibilidade de paragoge em posição medial de verso. Por exemplo, em CSM102 (cujo refrão está reproduzido em 5.16), Wulstan (1993,

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p.19) considera que as rimas internas sugerem que aquelas terminadas em l possivelmente devem ter sido enfatizadas por uma paragoge. No entanto, a notação musical traz evidências confusas nesse sentido, já que, embora haja duas notas correspondendo a al, há apenas uma correspondendo a val, nos dois manuscritos que conservam esta cantiga – figuras 5.20 e 5.21. (5.16) Sempr’ aos seus val, / e de mal todavia guarda-os sen al / a mui Santa Sennor.

Figura 5.20. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM102, em E102 (Anglés, 1964, p.111v).

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Figura 5.21. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM102, em T102 (microfilme).

Já em CSM76, segundo Wulstan (1993, p.19), a motivação para a ocorrência da paragoge é a falta de uma sílaba no primeiro hemistíquio de alguns versos – o que faz que eles não correspondam ao primeiro hemistíquio do primeiro verso do refrão, do qual acompanham a música (figuras 5.22 e 5.23). Os versos em questão são os de número 8, 23 e 38, com relação aos quais, como mostra a reprodução de Mettmann (1986, p.249-51) em (5.17), o editor sentiu a necessidade de propor “emendas”, acréscimos.

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(5.17) Como Santa Maria deu seu fillo aa bõa moller, que era morto, en tal que lle désse o seu que fillara aa sa omagen dos braços. Quenas sas figuras da Virgen partir quer das de seu Fillo, fol é sen mentir.

5

Porend’ un miragre vos quer’ eu ora contar mui maravilloso, que quis a Virgen mostrar por hũa moller que muito [se] fiar sempr’ en ela fora, segund fui oyr. Quenas sas figuras da Virgen partir...

10

Esta moller bõa ouv’ un fillo malfeitor e ladron mui fort’, e tafur e pelejador; e tanto ll’ andou o dem’ en derredor, que o fez nas mãos do juyz vĩir. Quenas sas figuras da Virgen partir...

15

E poi-lo achou con furto que fora fazer, mandó-o tan toste en hũa forca põer; mais sa madr’ ouvera por el a perder o sen, e con coita fillou-s’ a carpir. Quenas sas figuras da Virgen partir...

20

E como moller que era fora de [seu] sen a hũa eigreja foi da Madre do que ten o mundo en poder, e disse-lle: “Ren non podes, se meu fillo non resurgir.” Quenas sas figuras da Virgen partir...

25

Pois est’ ouve dito, tan gran sanna lle creceu, que aa omagen foi e ll’ o Fillo tolleu per força dos braços e desaprendeu, dizend’: “Este terrei eu trões que vir Quenas sas figuras da Virgen partir...

30

O meu são e vivo viir sen lijon nen mal.” Quand’ est’ ouve dito, log’ a Madr’ Espirital resurgio-o dela, que veo sen al dizendo: “Sandia, mal fuste falir, Quenas sas figuras da Virgen partir...

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Madre, porque fuste fillar seu Fillo dos seus braços da omagen da Virgen, Madre de Deus; poren m’ enviou que entr[e] ontr’ os teus, per que tu ben possas conmigo goyr.” Quenas sas figuras da Virgen partir...

40

Quand’ a moller viu o gran miragre que fez a Virgen Maria, que é Sennor de gran prez, tornou-lle seu Fillo; e log’ essa vez meteu-ss’ en orden pola mellor servir. Quenas sas figuras da Virgen partir...

45

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Figura 5.22. Primeiras estrofes de CSM76, em E76 (Anglés, 1964, p.94r).

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Figura 5.23. Primeira estrofe e refrão da cantiga CSM76, em T76 (microfilme).

Também na CSM100 (5.18) a paragoge considerada por Wulstan (1993, p.18) ocorre em posição medial de verso, já que a música das estrofes revela rimas internas envolvendo paragoge. As rimas internas são, segundo Wulstan, enfatizadas por notas mais longas, sendo que a pista para a paragoge é a nota breve que ocorre em cada verso na posição apropriada. (5.18)

Santa Maria, Strela do dia, mostra-nos via pera Deus e nos guia. Ca veer faze-los errados que perder foran per pecados entender de que mui culpados son; mais per ti son perdõados

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da ousadia que lles fazia fazer folia mais que non deveria. Santa Maria... Amostrar-nos deves carreira por gãar en toda maneira a sen par luz e verdadeira que tu dar-nos podes senlleira; ca Deus a ti a outorgaria e a querria por ti dar e daria. Santa Maria... Guiar ben nos pod’ o teu siso mais ca ren pera Parayso u Deus ten senpre goy’ e riso pora quen en el creer quiso; e prazer-m-ia se te prazia que foss’ a mia alm’ en tal compannia. Santa Maria...

Figura 5.24. Interpretação de Wulstan (1993, p.18) da música da CSM100.

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Figura 5.25. ToX (CSM100). Cantigas de Santa María. Edição fac-símile do Códice de Toledo (To). Biblioteca Nacional de Madrid (Ms. 10.069). Vigo: Consello da Cultura Galega, Galaxia, 2003. fólio 156r.

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Figura 5.26. CSM100, em T100 (microfilme).

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Figura 5.27. CSM100, em E100 (Anglés, 1964, p.110v-111r).

5.3 O ponto de vista filológico: a paragoge vista por Cunha (1982) No célebre artigo “Sobre o e paragógico na épica e na lírica”, republicado na coletânea de 1982, Cunha faz uma revisão dos estudos feitos a respeito da paragoge nas línguas românicas, desde os apontamentos de Nebrija até a discussão das ideias de Menéndez Pidal, passando por uma análise desse fenômeno nas cantigas medievais galego-portuguesas. Ao

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refazer o percurso da análise de Menéndez Pidal, Cunha mostra que o aparecimento da vogal epitética é atribuído a várias razões diferentes, por diversos estudiosos e em diferentes momentos da argumentação: arcaísmo, vulgarismo, hipercorreção, resgate da vogal etimológica, exigência da música ou da estrutura poética (um fenômeno rítmico, no sentido mais amplo) ou uma regularização do sistema. Retomando o estudo de Menéndez Pidal, Cunha mostra que, na Espanha, no século XVI, o acréscimo de uma vogal paragógica era visto, na maioria das vezes, como um arcaísmo ou um vulgarismo, por figurar em “versos de romances espanhóis, não raro mesclados de lusismos”, “cantados por personagens de regra populares”. Credita a Amador de los Ríos a prova de que “tais formas aberrantes [as com -e paragógico] não eram fruto nem da ignorância nem do capricho dos editores quinhentistas, mas correspondiam a uma realidade”. Na sua opinião (Cunha, 1982, p.241), tal “realidade” era “justificável” pelas seguintes razões: 1a a frequência das terminações graves na língua espanhola; 2a a norma do canto, que, por causa da paridade de compassos finais, exigia a igualdade na terminação dos versos; a

3 a mistura de terminações agudas e graves numa mesma tirada [...], sendo muito mais fácil e natural que as rimas agudas passassem a graves do que o contrário [...]; a

4 a forma em que se recolheram e em que nos foram transmitidas certas cantigas populares, assim como o testemunho de Nebrija e de Salinas, que ouviram cantar as finais agudas dos romances com adição do -e; a

5 a notação dos romances nos livros de música do século XVI; 6a a frequente mescla de assonantes graves e agudos, documentada até em composições breves.

A partir dessas observações, constrói Menendéz Pidal as suas conclusões, retomadas por Cunha (1982, p.242). A primeira delas diz respeito ao fato de a paragoge não conservar a forma primitiva das palavras, pois muitas dessas vogais e finais são antietimológicas. Por outro lado, as formas resultantes da paragoge não podem ser classificadas como regionalismo, um modo de falar específico de uma região, pois assim seu emprego deve-

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ria ser categórico e não apenas em final de verso. Também não se trata de uma “correção” bárbara e arbitrária idealizada por editores “ignorantes”, nem de um recurso empregado por poetas “rudes” para uniformizar versos graves e agudos, porque a mescla de assonâncias femininas e masculinas era prática corrente na poesia popular, sem que fosse tida como defeito. Por esses motivos, Menéndez Pidal conclui que as únicas razões satisfatórias para o aparecimento da paragoge são musicais: reduzir à igualdade as terminações de versos graves e agudos. Mais tarde, esse estudioso recua, como mostra Cunha (1982, p.244-5), e reconhece nas palavras com e final paragógico formas arcaicas e hipercorretas – conclusão com a qual Cunha não concorda: [...] apressamo-nos em antecipar nossa conclusão: não estaríamos longe de concordar com suas [de Menéndez Pidal] palavras [...], se numa questão como esta, de melodia e versificação, por excelência, o insigne romanista tivesse invertido os termos do raciocínio e, em lugar de partir do vocábulo considerado etimologicamente, desse preeminência às características rítmicas da própria língua, em que a expressão poética tradicional deve estar assentada sólida e necessariamente, seja na épica, seja na lírica.

No entanto, Cunha (1982, p.266) ainda vai mais longe, ao afirmar que “no aparecimento da vogal epitética o elemento linguístico está indiscutivelmente subordinado ao fator ritmo”. Como o acréscimo do e paragógico só se processa em final absoluto dos versos (nas cantigas medievais portuguesas), Cunha (1982, p.270) conclui estar diante de “um recurso poético ou melódico diretamente ligado à estrutura métrica desses cantares”. Para esse autor, o uso da paragoge não seria apenas uma maneira de recuperar uma vogal etimológica, nem um simples arcaísmo. Seria, portanto, um recurso que, examinado do ponto de vista vocabular, corresponderia de início a uma realidade etimológica ou a uma criação ultracorreta, mas que nos séculos XII e seguintes se continuou a utilizar não como simples sinal arcaizante, denotador da antiguidade desses cantares, senão – e principalmente – por uma razão mais profunda, pertinente à própria estrutura rítmica, fundada no verso grave.

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Assim sendo, para Cunha (1982, p.272), a paragoge, nas cantigas medievais galego-portuguesas, pode ser considerada um “necessário apoio rítmico para acomodar as palavras agudas da língua à final grave” – um arcaísmo, ou, nas suas palavras, um “tradicionalismo, antes que linguístico, rítmico”. É por esse motivo que Cunha (1982, p.270-1) considera que a paragoge se aplica categoricamente em toda cantiga paralelística de versos agudos:17 Não será [...] aventurado supormos que a referida vogal se acrescentaria sempre às finais agudas das antigas paralelísticas galego-portuguesas, à semelhança do que ocorria nas gestas espanholas [...]. Se os tardios apógrafos italianos de regra a omitem, isto se poderia atribuir à deturpação posterior dos copistas, ou por terem ante os olhos a forma normal da palavra, que se empregava no interior dos versos desses cantares e, indiferentemente, nas poesias provençalizantes e afrancesadas, ou com maior probabilidade, por influência do gosto cortesão, que deveria sentir no e paragógico dessas formas líricas a mesma desprezível nota de rusticidade que percebia na vogal epitética dos romances.

Em primeiro lugar, é necessário salientar que a paragoge não é um fenômeno restrito às cantigas paralelísticas. Nos oito casos citados por Wulstan (1993) (todos de cantigas religiosas) nenhuma é paralelística; por outro lado, nas cantigas profanas, a paragoge realmente ocorre preferencialmente em cantigas paralelísticas (cinco, B721/V322, B1153/V755 e as três de Martim Codax, contra três não paralelísticas, B903/V488, B1199/V804 e B1553). Além disso, pode ser precipitado pressupor a aplicação categórica de um fenômeno tão pouco atestado nos documentos (apenas oito cantigas no total de cantigas profanas, e oito no total de religiosas – se bem que nem todas com registro gráfico nos manuscritos) ou mesmo a “correção”, por parte dos copistas, de quase todas as cantigas paralelísticas, eliminando todas as vogais paragógicas, delas deixando resquícios em apenas poucas composições. Ao lado disso, é também precipitado fazer uma afirmação tão abrangente, porque a vogal paragógica, ocorrendo em todos os casos, desfaria a equivalência entre verso agudo e verso grave com uma sílaba poética a 17 Naro (1973, p.156) compartilha dessa opinião de Cunha.

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menos,18 largamente cultivada por grande parte dos trovadores (lei conhecida na literatura como lei de Mussafia19).

5.4 O ponto de vista linguístico: a natureza fonológica da paragoge Como pode ser observado a partir das cantigas listadas nas duas primeiras seções deste capítulo, todos os casos de paragoge, em PA, envolvem o acréscimo de e ao final de uma palavra oxítona terminada em consoante líquida, ou seja, /l/, /ɾ/ ou /n/. Em outras palavras, pode-se dizer que, para o aparecimento da paragoge, é necessária uma palavra terminada em uma sílaba travada por /N/, ou pelos fonemas /r/ ou /l/. Isso pode ser observado nas listas em (5.19) e (5.20), que contêm, respectivamente, os casos de paragoge nas cantigas profanas e religiosas: (5.19) mar



mare

(B721/V322; B903/V488; N1; N5)

mal



male

(B903/V488)

portugal



portugale

(B1153/V755)

laurar



laurare

(B1153/V755)

fazer



*

fazere

(B1153/V755)

meter



metere

(B1153/V755)

auer



auere

(B1199/V804)

canton



cantone

(B1553)

tapon



tapone

(B1553)

zorzelhon



zorzelhone

(B1553)

sazon



sazone

(B1553)

gordon



gordone

(B1553)

uecon



uecone

(B1553)

**

18 Massini-Cagliari (1999c, p.147) mostra que, no universo das cantigas de amigo galego-portuguesas, a equivalência entre versos agudos e versos graves com uma sílaba a menos acontece em 17,01% dos casos (86 em 503), um percentual a não ser desprezado, uma vez que, no universo das cantigas que alternam versos graves com agudos, este percentual corresponde a 45,5% dos casos. 19 A respeito da lei de Mussafia, ver nota 28, Capítulo 2.

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leon



leone

(B1553)

amar



amare

(N5)

veer



veere

(N7)

dizer



dizere

(N7)

mirar



mirare

(N7)

contar



contare

(N7)

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* A forma “fazere” aparece grafada, em B1153 e V755, abreviada – faze/faz. Porém, como todos os infinitivos, nessa cantiga, recebem a vogal paragógica, e como essa forma rima com outras em que a paragoge foi aplicada, optou-se por considerá-la. ** Bençone, na interpretação de Lapa (1995, p.104) e LP (1996, p.331).



parecere

(CSM10)

prazer



prezere

(CSM10)

seer



seere

(CSM10)

oir



oire

(CSM17)

mentir



mentire

(CSM17)

fogir



fogire

(CSM17)

moller



mollere

(CSM76)

poder



podere

(CSM76; CSM197)

perder



perdere

(CSM100)

entender



entendere

(CSM100)

veer



veere

(CSM100)

per



pere

(CSM100)

amostrar



amostrare

(CSM100)

dar



dare

(CSM100)

gaar



gaare

(CSM100)

par



pare

(CSM100)

ben



bene (?)

(CSM100)

ren



rene (?)

(CSM100)

ten



tene (?)

(CSM100)

quen



quene (?)

(CSM100)

al



ale (?)

(CSM102)

val



vale (?)

(CSM102)

loar



loare

(CSM180)

fazer



fazere

(CSM197)

for



fore

(CSM350)

(5.20) parecer

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Há três fatores que contextualizam o aparecimento da paragoge: a) final de verso (diante de pausa);20 b) palavra originalmente oxítona; c) terminada em líquida. Como foi visto anteriormente, Wulstan (1993) considera a existência de paragoge, nas Cantigas de Santa Maria, no meio de versos. No entanto, como, nos casos citados por esse autor, a paragoge acontece no meio do verso mas imediatamente antes de cesura, pode-se dizer que o contexto “diante de pausa” não foi violado. Menéndez Pidal (citado por Cunha, 1982, p.244) acredita ser esta vogal um arcaísmo, resquício sobrevivente de uma vogal etimológica. Porém, o argumento de Menendez Pidal pode ser visto de outra maneira. Sendo a paragoge um processo poético (de estilo, portanto, na opinião de M. Pidal), como os demais recursos estilísticos, esse processo não pode, em nome da arte, criar formas incompreensíveis que fujam por completo à estrutura básica da língua (o que aconteceria se houvesse, de fato, paragoge com a ou o). Nesse sentido, a escolha só poderia ter recaído (como, de fato, aconteceu) em uma vogal que, através de processos fonológicos característicos da língua, pode “se perder”, em determinados contextos. Desse modo, o mesmo argumento utilizado por M. Pidal para dizer que se trata de uma vogal etimológica pode ser arrolado para justificar o e paragógico como resultado de uma construção estilística (o que explicaria o fato de várias dessas vogais paragógicas atestadas não corresponderem a vogais realmente existentes em formas latinas). Por sua vez, Cunha (1982, p.262) aposta em uma explicação muito mais condizente com a verdadeira natureza do processo da paragoge em PA: [...] o aparecimento do -e depois de /r/ e /l/ finais dependeria da articulação alveolar da consoante, de que seria um natural desenvolvimento [...]. Em contrapartida, a realização gutural do fonema consonântico impediria a epítese vocálica.

20 “[...] o aparecimento da vogal epitética pressupõe a existência da pausa, o que, é óbvio, já seria razão bastante para justificar a sua frequência no final de versos destinados ao canto.” (Cunha, 1982, p.258). “É claro que o acréscimo vocálico aparece em pausa e [...] predominantemente em pausa final absoluta.” (Cunha, 1982, p.261).

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Em trabalhos anteriores (Massini-Cagliari, 1999d,e), expliquei o fenômeno da paragoge (porém considerando exclusivamente o conjunto de cantigas profanas) como dependente da regra de acento, em uma perspectiva derivacional. Nesse contexto, a paragoge foi considerada um processo pós-lexical, pós-sintático, aplicado depois da regra de localização do acento de palavra, pois, como mostro em Massini-Cagliari (1995, 1999a), esta se localiza no componente lexical, já no PA. Com base na teoria métrica paramétrica de Hayes (1995), estabeleci anteriormente, nesses estudos, que o pé básico do ritmo do PA é o troqueu moraico. Como o PA constrói pés não iterativamente, da direita para a esquerda (isto é, no sentido do final para o início da palavra), basta que um único pé básico completo seja construído para que o acento da palavra seja atribuído – não é preciso continuar a construir pés até esgotar toda a extensão da palavra. Desse modo, a paragoge transformaria a estrutura de uma palavra oxítona, composta de uma sílaba travada/pesada, em uma paroxítona, composta de duas sílabas abertas leves. Ora, como em PA a grande maioria das palavras é paroxítona (56,7% dos casos analisados por Massini-Cagliari, 1995, 1999a), a estrutura rítmica canônica do português trovadoresco é o troqueu moraico composto de duas sílabas breves. Ora, sendo assim, a paragoge estaria perfeitamente dentro dos padrões do que se espera dos processos motivados ritmicamente, dentro da teoria métrica de Hayes (1995), uma que vez que tais processos se caracterizam por transformar estruturas rítmicas não padrão em canônicas e nunca vice-versa. Em Massini-Cagliari (1999d,e), seguindo a pista de Cunha (1982), interpretei a vogal epentética como desenvolvimento da consoante anterior. Do ponto de vista da Fonologia Autossegmental, conforme a teoria da Geometria de Traços de Clements e Hume (1995), seguida por Cagliari (1998), o que caracteriza as consoantes nasais, laterais e vibrantes enquanto grupo é o fato de serem [+soante], sendo que as laterais são [+contínuo], as vibrantes, [-contínuo], enquanto as nasais são, obviamente, [+nasal]. Como pôde ser observado, das consoantes possíveis em posição de coda no PA, apenas a fricativa não faz parte do grupo de consoantes-gatilho para o processo da paragoge. Entretanto, é importante observar que, no grupo das consoantes em posição de coda, /S/ é a única [-soante]. Em outras palavras, o que a configuração de traços desses sons mostra é que o PA não aceita

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como gatilho desencadeador do processo da paragoge consoantes “puras”, mas apenas as chamadas “líquidas”. Outra característica comum às três consoantes-gatilho da paragoge é o fato de serem [+coronal]. E é justamente através do espraiamento desse traço que se forma a vogal paragógica, grafada sempre como “e”. No entanto, é preciso relembrar que não basta à consoante ser coronal e estar em posição de coda para desencadear a paragoge: ela tem que ser, antes de tudo, soante (uma vez que este traço é hierarquicamente superior ao traço coronal). Desta forma, em Massini-Cagliari (1999d, p.178), o processo de espraiamento de coronal, que dá origem à vogal paragógica, foi descrito como em (5.21): (5.21)

A partir desse processo de espraiamento do traço coronal da consoante anterior, cria-se uma vogal também coronal. De acordo com o quadro das propriedades das vogais de Cagliari (1998, p.25), há quatro vogais coronais em PB: [i], [e], [ɛ] e [ɪ]. Pressupondo que o quadro das vogais do PA já fosse igual ao do PB atual (assim como o faz Granucci, 2001, p.93-100, para a posição tônica), haveria apenas três possibilidades de realização fonética para a vogal paragógica do PA, representada na escrita como e: [i], [e] e [ɪ] ([ɛ] ficaria excluída justamente por não poder figurar em posição pós-tônica final). No entanto, é necessário frisar que, em termos estruturalistas, essas três vogais (realizações fonéticas possíveis da vogal paragógica) podem ser consideradas alofones de um mesmo fonema (/e/) – o que torna a especificação da abertura da vogal, dada pelos traços open, dependente

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de informações quanto à localização do acento principal da palavra. No entanto, com base apenas em informações a respeito da representação ortográfica dessa vogal, fica difícil saber como ela era efetivamente realizada: como [i], [e] ou [ɪ]. Entretanto, estabelecer a exata realização fonética dessa vogal não é o mais importante: o mais relevante é saber que se trata de um desenvolvimento da consoante anterior, e que qualquer uma de suas possíveis realizações fonéticas está prevista e pode ser explicada pela descrição aqui apresentada. Depois de gerada a vogal paragógica através do processo de espraiamento do traço coronal, o processo é finalizado através da reestruturação das sílabas finais da palavra. Após o desligamento da coda da sílaba final, aplica-se o processo de ressilabação que transforma essa consoante em onset da nova sílaba. Note-se que, nesse processo, o segmento consonantal deixa de ser moraico, ou seja, deixa de ter peso para a atribuição do acento. A partir daí, a mora que antes estava ligada a esse segmento passa para o e paragógico introduzido, uma vez que uma vogal sempre é moraica, na teoria de Hayes (1995). Dessa forma, acrescenta-se um elemento (a vogal paragógica), sem que seja acrescentada qualquer mora à palavra: o peso do novo pé gerado se mantém equivalente ao do pé rítmico que o gerou. A partir da consideração do processo da paragoge tal como visto pelos modelos derivacionais de fonologia, pode-se concluir que a ideia de Cunha (1982, p.268), de que a origem da paragoge “[...] só pode estar na tendência à final trocaica, tão sensível nesses idiomas [castelhano, leonês, português e galego]” é acertada; no entanto, deve-se considerar que essa tendência apontada por Cunha não é apenas uma característica explorada artisticamente com finalidades estilísticas, no momento da construção de versos, mas uma característica da própria língua, inerente a ela, estruturadora do próprio ritmo linguístico do idioma, que serve de base à construção do seu ritmo poético. Nesse sentido, a ocorrência da paragoge nas cantigas medievais galego-portuguesas profanas e religiosas não deve ser vista apenas como um recurso estilístico, mas pode ser considerada o resultado da aplicação de processos rítmicos visando eurritmia, pautados na possibilidade aberta pelas próprias escolhas da língua quanto ao seu ritmo de base. É somente porque o ritmo básico do português naquela época era trocaico que existe a possibilidade de ocorrência de paragoge; se o ritmo do Português Arcaico fosse iâmbico (duas sílabas, sendo que a segunda é a proeminente),

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por exemplo, tal possibilidade não existiria, uma vez que não haveria lugar de ancoragem para a vogal introduzida. Desse modo, processos rítmico-poéticos como a paragoge só podem ser licenciados na língua quando estiverem de acordo com seus padrões básicos de ritmo linguístico, sobre o qual se constrói o ritmo poético. Além disso, sendo a vogal paragógica um desenvolvimento da consoante anterior, não se pode tratar esse processo meramente como uma questão de estilo, uma “vontade” do poeta de retomar “formas antigas” aleatoriamente, já que existe uma base verdadeiramente linguística para que essa vogal se desenvolva. Sendo assim, é possível concluir que a ocorrência da paragoge nas cantigas medievais galego-portuguesas não cumpre apenas uma função poética de igualar os versos agudos aos graves (padrão), acompanhando a música (o que a tornaria um processo unicamente do domínio da poesia) – mesmo porque essa igualdade não acontece em todos os casos –, mas que se constitui em uma utilização estilística de um processo fonológico, que se estrutura sobre possibilidades abertas pelo próprio sistema da língua.

5.5 Interpretação otimalista Tudo o que foi apresentado até o momento sobre o fenômeno da paragoge traz evidências para classificá-lo como um uso estilístico, ou seja, um fenômeno desviante, que causa efeitos artísticos. Isso porque se trata de um uso não esperado, cuja razão de aparecimento escapa de condicionamentos exclusivamente linguísticos. Aliás, desde o início, o processo da paragoge foi definido como uma epêntese, mas de um tipo especial – rítmica. Dessa forma, do ponto de vista otimalista, da mesma maneira como foram tratados os casos de usos estilísticos dos processos de sândi neste livro, o fenômeno da paragoge deve ser visto mais como um caso de desvio; em outras palavras, o falante procede à avaliação dos candidatos a partir da hierarquia original, que gera a maioria dos dados, mas, em um momento específico, por razões extralinguísticas, opta por uma hierarquia alternativa, diferente da original. No entanto, trata-se de um “desvio regrado”, ou seja, de um desvio condicionado pelas possibilidades do sistema linguístico, não um desvio aleatório; assim, trata-se de um desvio surpreendente do ponto

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de vista do uso, mas não do ponto de vista do sistema linguístico, já que a paragoge não gera formas agramaticais no nível fonológico. É o que Leão (2007, p.147), ao analisar algumas questões de linguagem das CSM, chama de “identidade” das peças do jogo linguístico, que se encaixam ao sistema, mesmo não sendo todas iguais (algumas correspondem a usos menos esperados, ou estilísticos): A linguagem de uma obra literária, na sua especificidade estilística, pode ser comparada ao conjunto de pequenos retalhos que se unem uns aos outros, para compor o patchwork de uma colcha. A harmonia do conjunto resulta não da igualdade das peças justapostas lado a lado, que aliás não existe, mas de sua coerência, do arranjo estrutural que as aproxima sem lhes destruir a identidade.

Anteriormente, no Capítulo 2, foi possível estabelecer que, no PA, é preferível que uma consoante (que satisfaz as condições de preenchimento da coda, ou seja, CODA-COND) permaneça na posição de travamento silábico do que aconteça a inserção de uma vogal epentética. Isso porque, nessa língua, o preenchimento de ONSET é preferido, comparado à constituição de sílabas travadas. Em outras palavras, a restrição ONSET domina *CODA, que tem uma posição bastante baixa na hierarquia, dadas a possibilidade e a frequência de sua violabilidade. Isso está representado no Tableau (5.22), para a palavra Portugal, que aponta justamente como candidato ótimo aquele que tem duas sílabas com coda preenchida (a forma realizada normalmente em PA). (5.22) a. ☞ b. c.

/portugal/ por.tu.gal por.tu.ga.le po.tu.ga

MAX

DEP

*CODA **

* **

A restrição responsável pela proibição de inserção de material linguístico ao input é DEP (definida anteriormente em 2.11). Para que haja a paragoge, então, é necessário que a importância dessa restrição na hierarquia que gera os padrões de silabação do PA seja diminuída. Ao mesmo tempo, é preciso que a importância da proibição de constituição de sílabas travadas

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seja reforçada. Dessa forma, do ponto de vista otimalista, a ocorrência da paragoge como uso estilístico pode ser obtida através da inversão da relação hierárquica entre essas duas restrições, como mostra o Tableau (5.23). (5.23) a. b. ☞ c.

/portugal/ por.tu.gal por.tu.ga.le po.tu.ga

MAX

*CODA ** (*)

DEP *

**

A posição da vogal inserida é obtida a partir da atuação da restrição CONTIGUIDADE (definida em 2.25), que proíbe inserções que estabelecem rompimento da cadeia do input (ou seja, inserções acontecem no início ou no final da cadeia segmental do input, nunca em posição medial). (5.24) a. b. ☞ c. d.

/portugal/ por.tu.gal por.tu.ga.le po.re.tu.ga.le po.tu.ga

MAX

CONTIG

*CODA ** (*)

*

DEP * **

**

Já a qualidade da vogal a ser inserida é dada por IDENT[cor] (definida em 5.24, adaptada de Cagliari e Massini-Cagliari, 2000, p.172), que impede que vogais que não tenham o traço de coronalidade sejam inseridas. Assim, apenas realizações fonéticas relativas ao fonema /e/ podem aparecer como vogais epentéticas e paragógicas no PA – Tableau (5.26). (5.25) INDENT[cor]: Elementos inseridos são [coronal]. (5.26) a.

b. ☞ c. d.

/portugal/ por.tu.gal por.tu.ga.le por.tu.ga.la por.tu.ga.lo

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MAX

INDENT[cor]

* *

*CODA *(*) (*) (*) (*)

DEP * *

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CONCLUSÃO

Ao final deste livro, é possível perscrutar, com relação aos elementos prosódicos aqui investigados, um pouco da música da fala dos trovadores de setecentos anos atrás. Foi possível mostrar que, com relação à cadência do PA, vários fatos se aproximam e outros se distanciam da “harmonia” (musical) do nosso próprio PB. Com relação aos padrões de silabação, quase não há diferenças entre o PA e o PB moderno (Capítulo 2), sobretudo com relação à constituição das margens silábicas, ou seja, com relação à organização das consoantes no início e no travamento silábico.1 Afora restrições mais severas sobre a constituição de onsets complexos e alguns usos estilísticos do apagamento de vogais (que acabam por originar estruturas de onset complexo /S/+C(C) V, especialmente no corpus de cantigas religiosas), os padrões do PA são surpreendentemente muito próximos dos encontrados até hoje no português falado no Brasil. O mesmo, no entanto, não ocorre com relação à organização dos núcleos silábicos, mais especificamente, com relação à solução dada para os encontros vocálicos internamente à palavra. Como foi possível demonstrar no Capítulo 2, o PA, comparado ao PB, era uma língua muito mais afeita aos hiatos (já que os trovadores da época não repudiavam muitos dos hiatos que, atualmente, já se transformaram em ditongos – hiatos formados de V 1 Talvez não fosse possível dizer o mesmo, se o parâmetro de comparação fosse a vertente europeia da língua, cujos agrupamentos consonânticos, formados a partir do apagamento de vogais, são caracteristicamente bem distintos dos padrões silábicos do PB (cf. Mateus; d’Andrade, 2000).

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nasal + V, mão, ou formados por vogais de mesma qualidade, creer, doo), embora, em nível intravocabular, os ditongos (principalmente os decrescentes) fossem a solução mais frequente para sequências vocálicas. Os ditongos crescentes, intravocabularmente, já naquela época, eram raros. A partir da interpretação otimalista dos dados, foi possível mostrar que não há uma relação de causa-consequência na direção padrão acentual – silabação; o condicionamento existe, no entanto, no sentido contrário, o que quer dizer que a localização do acento nas palavras do PA depende da silabação (mesmo em uma perspectiva não derivacional, em que parâmetros de ritmo e de silabação são avaliados em paralelo). Com relação ao acento lexical, foi possível mostrar que as duas pautas canônicas da língua são as paroxítonas e as oxítonas, os dois únicos padrões encontrados em posição de rima, no recorte da lírica medieval considerado. Há, também, raríssimas proparoxítonas, concentradas principalmente no corpus de cantigas religiosas, mas também mapeadas nas cantigas de amor de A (nas cantigas de amigo de B, só foram encontrados vocábulos oxítonos e proparoxítonos). Foi possível concluir, a partir da comparação entre os dados provenientes das cantigas profanas com os dados obtidos a partir das CSM, que há uma diferença entre esses dois recortes da lírica galego-portuguesa quanto aos tipos de verso preferidos (grave versus agudo). Porém, apesar da distância geográfica e de uso dessas duas vertentes de cantigas em galego-português (nas cantigas religiosas, o galego-português é usado como língua de cultura), não há diferenças quanto à tipologia dos padrões de acento encontrados; há, no entanto, uma ligeira diferença de recorrência desses padrões. Devido à maior riqueza lexical encontrada nas cantigas medievais religiosas (em comparação com as cantigas palacianas de amor e de amigo), padrões excepcionais de acentuação (proparoxítonas e oxítonas terminadas em sílaba leve) puderam ser mais frequentemente mapeados no corpus de cantigas religiosas do que no de profanas. Pela maior profusão de palavras excepcionais quanto à pauta acentual, os dados provenientes das CSM aproximam-se muito mais dos padrões acentuais encontrados atualmente no PB do que os de B (focalizados por Massini-Cagliari, 1995, 1999a), muito mais “regulares”. A proposta de análise otimalista do acento do PA preserva a intuição de que o acento do PA nunca pode ultrapassar a barreira de três moras,

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contadas do final para o início da palavra, caindo prioritariamente na segunda mora. Dessa maneira, a hierarquia de restrições adotada explica de forma bastante satisfatória os resultados da tensão entre as pressões exercidas pelas tendências a um ritmo trocaico e à marcação da fronteira morfológica entre o radical e as desinências, evidenciando, por outro lado, o papel (menos importante do que essas duas tendências, mas também relevante) da consideração do peso silábico, no processo de posicionamento da proeminência acentual, no nível da palavra. Assim, foi possível reavaliar a importância do peso silábico na atribuição do acento do PA, que foi relativizada em relação às propostas anteriores, elaboradas dentro do arcabouço teórico dos modelos derivacionais de fonologia (Massini-Cagliari, 1995, 1999a). Ao contrário do que aponta Bisol (1992b, 2002 e 2003) para o PB, no PA o processo de ditongação, como resultado de sândi vocálico externo, é muitíssimo menos frequente do que no PB atual.2 Como foi possível ver no Capítulo 4, a elisão (alternando com a crase, no caso da junção de /a/ e /a/) e o hiato são as soluções recorrentes para os encontros vocálicos intervocabulares no Português Medieval: havendo contexto para a ocorrência da elisão ou da crase, esses processos acontecem; se, por outro lado, alguma condição de natureza rítmica, fonotática ou prosódica impedir o aparecimento de um desses fenômenos, ambas as vogais são preservadas, aparecendo um hiato. O quadro apresentado em (4.69) resume os condicionamentos linguísticos que atuam sobre o sândi vocálico externo no PA, mostrando as restrições quanto à qualidade de V1 e ao grau de tonicidade das vogais envolvidas a que esses processos se submetem. Mostrou-se, também, que elisões, crases e hiatos não esperados acontecem. Esses casos foram interpretados como usos estilísticos a favor da métrica do poema, surgidos da necessidade artística do poeta de atingir um determinado número de sílabas poéticas, para manter, mesmo a custo das tendências rítmicas da língua de base, o isossilabismo dos versos. Por sua vez, o Capítulo 5 (que explora um fenômeno fonológico estranho à maioria dos falantes atuais de PB) mostrou que a ocorrência da paragoge nas cantigas medievais galego-portuguesas profanas e religiosas não 2 Uma comparação dos resultados obtidos nesta pesquisa aos apresentados por Bisol (1992b, 2002, 2003) para o PB foi realizada em Massini-Cagliari (2008b).

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deve ser vista apenas como um recurso estilístico, mas pode ser considerada o resultado da aplicação de processos rítmicos visando eurritmia, pautados na possibilidade aberta pelas próprias escolhas da língua quanto ao seu ritmo de base. Nos termos de Cunha (1982, p.268), trata-se de uma busca em direção à “tendência trocaica” do idioma. A partir daí, e ao contrário do que conclui Wulstan (1993) com relação à paragoge nas CSM, é possível concluir que a ocorrência desse fenômeno nas cantigas medievais galego-portuguesas não cumpre apenas uma função poética de igualar os versos agudos aos graves (padrão), acompanhando a música (o que a tornaria um processo unicamente do domínio da poesia) – mesmo porque essa igualdade não acontece em todos os casos –, mas que se constitui em uma utilização estilística de um processo fonológico, que se estrutura sobre possibilidades abertas pelo próprio sistema da língua. Como é possível observar, além de o PA não estar, em termos prosódicos, no nível fonológico, muito distante do que a realização do português até os dias de hoje, no Brasil,3 as duas dimensões do PA aqui consideradas, a vertente profana da lírica medieval galego-portuguesa e o seu contraponto religioso, as CSM (cuja comparação constitui um dos objetivos principais desta pesquisa), são muito próximas. Isso foi o que a análise dos dados desenvolvida ao longo dos três últimos capítulos deste livro revelou. As diferenças fonológicas notadas entre esses dois gêneros de cantiga são pouquíssimas. Com relação à estruturação de onsets e codas silábicas, as CSM são menos restritivas quanto à constituição de onsets complexos do que as cantigas profanas – fato que pode ter sido ocasionado pela maior dimensão (em versos, não em cantigas) do corpus de cantigas religiosas e pela maior diversidade lexical que encerra, dada a variedade temática imposta pela narrativa dos milagres, em oposição à mesmice discursiva das cantigas profanas (sobretudo das cantigas de amor), imposta pela tradição artística a que se associam os trovadores. Dada a maior presença de palavras estrangeiras relacionadas às histórias milagrosas, há maior ocorrência de codas irregulares constituídas de oclusivas nas cantigas religiosas do que nas profanas.

3 Isto não quer automaticamente dizer que a sua realização fonética seja muito próxima; trata-se de uma aproximação em um nível de organização mais abstrato.

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No que concerne à solução encontrada aos encontros vocálicos internamente às palavras, não há diferenças de padrões mapeados nos dois corpora, de cantigas profanas e religiosas. As diferenças são mais de frequência de dados (sobretudo com relação a padrões excepcionais, como os ditongos crescentes I+V) do que de tipos. Já com relação ao acento, padrões excepcionais (proparoxítonas e oxítonas terminadas em sílaba leve) puderam ser mais frequentemente mapeados no corpus de cantigas religiosas do que no de profanas, mas ocorrem também nas cantigas de amor e de amigo. É, pois, uma questão de frequência de dados, não de variação de estruturas. Com relação aos processos de sândi, há uma diferença relevante entre as duas dimensões da lírica medieval consideradas, no que concerne à preferência dos processos. Como foi observado no Capítulo 4, no corpus de cantigas profanas, há uma preponderância de elisões sobre hiatos, na resolução das sequências vocálicas em juntura de palavra; no corpus de cantigas religiosas, essa relação de preponderância se inverte, já que os hiatos são mais recorrentes do que as elisões. Com relação à ditongação, em ambos os corpora, o processo é minoritário, apesar de ser mais relevante no corpus de profanas do que no de religiosas. O que mostra a retomada dos resultados parciais dos capítulos 2, 3 e 4, quanto à comparação entre os corpora de cantigas profanas e religiosas, é que as distinções não são de tipologia dos fenômenos, mas de frequência. Não havendo distinções tipológicas, não há diferenças de sistema; em outras palavras, trata-se de uma e a mesma língua. Dessa forma, esta pesquisa traz elementos que comprovam a legitimidade das CSM como fonte primária do galego-português para o estudo do passado da nossa língua. As diferenças observadas entre dois corpora são, sobretudo, de uso. São casos em que os poetas optam por desvios do padrão, com finalidades artísticas muito bem definidas. Encaixam-se nesse padrão as oclusivas em coda encontradas mais frequentemente nas CSM e os usos estilísticos dos fenômenos de elisão e hiato, que percorrem todo o conjunto das cantigas medievais galego-portuguesas, não sendo uma exclusividade do gênero religioso. Sendo uma lírica mais “elevada” (afinal, destinava-se à Virgem em pessoa, e não a um mero mortal), é natural que efeitos de estilo sejam mais frequentes no corpus de cantigas religiosas do que no de profanas. Para Leão (2007, p.152):

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A versificação das Cantigas de Santa Maria é extremamente sofisticada, tanto na escolha e combinação dos metros, quanto na construção das estrofes e na disposição das rimas, deixando longe a simplicidade estrutural das cantigas de amigo e mesmo das cantigas de amor dos cancioneiros profanos.

No entanto, por não ser também o conjunto de cantigas de amor e de amigo um discurso de fala “natural”, mas um uso literário, os usos estilísticos (que, aliás, são dos mesmos tipos encontrados nas CSM) ocorrem. Prova disso é o fato de a paragoge rítmica, um processo resultante de um uso estilístico por excelência, ser encontrada em cantigas profanas e religiosas, sendo que a sua notação na escrita é até mais frequente no conjunto da lírica profana do que nas cantigas de Afonso X. Um objetivo secundário, também cumprido nesta pesquisa, corresponde à avaliação da adequação do modelo da TO para a descrição e explicação dos padrões prosódicos de línguas mortas ou de períodos passados de línguas vivas. Com relação à adequação desse modelo à descrição de padrões prosódicos em geral, McMahon (2000, p.25) foi feliz em seu comentário que aponta a maior aproximação desse programa teórico com certas áreas da Linguística (prosódia) do que com outras (questões segmentais). It is possible that general constraints of the OT type are more relevant for certain areas of phonology than others, reflecting the existence of universal, finite categories and constituents in prosodic phonology, whereas matters of vowel and consonant quality reflect continua to greater extent, are less directly ascribable to universal constraints, and perhaps more open to the disruptive effects of cumulative sound changes, even where such universals are ultimately at issue.4

Assim, embora os dados aqui considerados fossem diferentes do padrão dos dados-objeto dos trabalhos otimalistas por serem dados efetivamente

4 “É possível que restrições gerais do tipo da TO sejam mais relevantes para certas áreas da fonologia do que para outras, refletindo a existência de categorias finitas universais e constituintes na fonologia prosódica, enquanto questões de qualidade de vogais e consoantes, que refletem contínuos em maior grau, são menos diretamente imputáveis a restrições universais, e talvez mais abertas a efeitos disruptivos de mudanças sonoras cumulativas, mesmo quando tais universais estão definitivamente em questão.”

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produzidos (e não provenientes da intuição de falante-nativo) e de uma época já passada da língua (portanto, sem possibilidade de serem testados quanto à sua aceitabilidade por falantes nativos), foi possível realizar análises consistentes para todos os fenômenos prosódicos do PA focalizados. Desse ponto de vista, a TO mostrou-se adequada, pois. É claro que houve momentos de dificuldade em descrever características próprias do PA a partir de uma abordagem tão universalizante como a TO. Nesses momentos, conscientemente, optei por dar a aspectos particulares da língua uma solução também particular. Soluções desse tipo são, muitas vezes, criticadas pelo fato de as restrições propostas, paroquiais, não terem um caráter universal.5 Ao contrário de Archangeli (1997, p.15), que sugere que a adoção de restrições paroquiais é uma questão de fraqueza das análises, esta tese propõe que restrições desse tipo desempenham um importante papel de apontar para soluções marginais dentro da língua, dadas, geralmente, a casos excepcionais, dificilmente explicados pela hierarquização de restrições de caráter universal.6 Ao invés de considerar isso um problema, a análise desenvolvida neste livro propõe que a adoção de restrições paroquiais são a solução para alguns casos de opacidade, comumente resolvidos, na literatura, pela proposição de hierarquias de restrições alternativas em um processo de avaliação em paralelo, que, além de trazerem para a teoria o problema de estabelecer quais inputs serão avaliados por qual hierarquia, acabam por esconder o fato de que o dado específico que necessita da ação de uma restrição paroquial para ser gerado é marginal, excepcional, dentro do contexto da língua. Assim, para dados marginais, soluções excepcionais. Com relação à teoria, esta pesquisa traz também contribuições para a discussão da compreensão de fenômenos estilísticos, à luz da TO. Este livro advoga que, do ponto de vista otimalista, as variações estilísticas devem

5 Na nota 3 do primeiro capítulo de seu manual didático de TO, Archangeli (1997, p.15) afirma que “there are numerous analyses involving constraints whose status as a universal is minimal at best. At this point, it is unclear whether this is a weakness of the model itself, or a weakness of the analyses” [há numerosas análises envolvendo restrições cujo status como universal é, na melhor das hipóteses, mínimo. Neste ponto, não está claro se esta é uma fraqueza do próprio modelo, ou uma fraqueza das análises]. 6 Segundo McMahon (2000, p.1), é porque suscita inúmeras controvérsias que a TO pode ser considerada uma teoria “viva” e “em boa forma”: “If the health of an academic discipline is measured in terms of the liveliness of its controversies, then current phonological theory is clearly in good shape”.

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ser vistas mais como casos de desvio do que como uma questão de processamento em paralelo, que avalia casos linguisticamente diferentes por hierarquias diferentes. As evidências que sustentam a solução aqui adotada para os casos de uso estilístico dos processos de sândi e para todos os casos de paragoge são o fato de não haver diferenças contextuais entre os dados (o uso esperado e o não esperado ocorrem no mesmo contexto) e de o falante ter consciência de que, em um ponto específico, optou por gerar um dado não esperado (o que prova que ele sabe qual é o esperado). Ao fim e ao cabo, tendo aceito o convite de Leão (2007, p.165) para abordar os “problemas de linguagem” que “mereceriam estudos específicos nas Cantigas de Santa Maria”, esperamos ter conseguido, pelo menos em parte, e em comparação com a vertente profana da lírica medieval galego-portuguesa, preencher uma das brechas apontadas por Snow (1987), com relação à prosódia do PA, ou seja, à música da fala dos trovadores.

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APÊNDICE

Lista das cantigas do corpus Cantigas profanas Cantigas de amor: TROVADOR

Numeração (cf. Michaëlis de Vasconcelos, 1904)

Época

Categoria

Origem

Vasco Praga de Sandim

2 10

1a metade do XIII

trovador

galego

João Soares Somesso

14 16 28

1a metade do XIII

trovador

galego

Paio Soares de Taveirós

35 38

1a metade do XIII

trovador

galego

Martim Soares

41 42 50

1a metade do XIII

trovador

português

Airas Carpancho

64

meados do XIII

trovador

galego

Nuno Rodrigues de Candarey

68

meados do XIII

trovador

português

Nuno Fernandes (Torneol?)

70 80

meados do XIII

trovador

galego (?)

Pero Garcia Burgalês

82 87 104

meados do XIII

trovador

castelhano

João Nunes Camanês

111

meados do XIII

trovador

galego

Fernão Garcia Esgaravunha (D.)

115 122

meados do XIII

trovador

português

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GLADIS MASSINI-CAGLIARI

TROVADOR

Numeração (cf. Michaëlis de Vasconcelos, 1904)

Época

Categoria

Origem

Rui Queimado

129 131

meados do XIII

trovador

português

Vasco Gil (D.)

144 155

1a metade do XIII

trovador

galego

João de Aboim (D.)

157

2a metade do XIII

trovador

português

João Soares Coelho

158 163 172

meados do XIII

trovador

português

Rui Pais de Ribeira

186 198

meados do XIII

trovador

galego

João Lopes de Ulhoa

199 201

meados do XIII

trovador

galego

Fernão Gonçalves de Seabra

210 215

2a metade do XIII

trovador

português

Pero Gomes Barroso

222

fim XIII/início XIV

trovador

português

Afonso Lopes de Baião (D.)

224

meados do XIII

trovador

português

Mem Rodrigues Tenoiro

227

meados do XIII

trovador

galego

João de Guilhade

229 230

2a metade do XIII

trovador

galego

João Vasques de Talaveira

242

2a metade do XIII

jogral

castelhano

Paio Gomes Charinho

246 251

2a metade do XIII

trovador

galego

Fernão Velho

257 260

2a metade do XIII

trovador

galego

Bonifaz de Génova

265

2a metade do XIII

trovador

italiano

Pedro Anes Solaz

281

meados do XIII

trovador

galego

Fernão Padrom

285

2a metade do XIII

trovador

galego

Pero da Ponte

288

meados do XIII

trovador

galego

Vasco Rodrigues de Calvelo

293 295

2a metade do XIII

trovador

galego

Cantigas de amigo: TROVADOR

Numeração Numeração em B em V

Dinis (D.)

555

158

573

177

Estêvão Fernandes de Elvas

1092

683

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Época

Categoria Origem

fim XIII/início XIV trovador

português

fim XIII/início XIV trovador

português

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A MÚSICA DA FALA DOS TROVADORES

TROVADOR

Numeração Numeração em B em V

Época

343

Categoria Origem

Fernão Rodrigues de Calheiros

630

231

1a metade do XIII

trovador

português

Vasco Praga de Sandim

636

237

1a metade do XIII

trovador

galego

Nuno Fernandes (Torneol?)

641

242

meados do XIII

trovador

galego (?)

João Nunes Camanês

653

254

meados do XIII

trovador

galego

Airas Carpancho

658

259

meados do XIII

trovador

galego

João de Aboim (D.)

676

278

2a metade do XIII

trovador

português

João Soares Coelho

686

288

meados do XIII

trovador

português

João Lopes de Ulhoa

696

297

meados do XIII

trovador

galego

Fernão Fernandes Cogominho

703

304

meados do XIII

trovador

português

Gonçalo Anes do Vinhal (D.)

1390

999

meados do XIII

trovador

português

Rui Queimado

714

315

meados do XIII

trovador

português

Mem Rodrigues Tenoiro

719

320

meados do XIII

trovador

galego

Estêvão Travanca

723

324

meados do XIII

trovador

português

Afonso Lopes de Baião (D.)

738

339

meados do XIII

trovador

português

João de Guilhade

785

369

meados do XIII

trovador

português

a

João Vasques de Talaveira

795

379

1 metade do XIV

trovador

castelhano

Nuno Peres Sandeu

798

382

2a metade do XIII

trovador

português

a

Fernão Froiaz

804

388

2 metade do XIII

trovador

português

Paio Gomes Charinho

840

426

2a metade do XIII

trovador

galego

Vasco Peres Pardal

820

405

2a metade do XIII

trovador

português

Pero da Ponte

831

417

meados do XIII

trovador

castelhano

Airas Nunes

879

462

2a metade do XIII

clérigo

galego

a

Pero Gonçalves de Portocarreiro

920

508

2 metade do XIII

trovador

português

Rui Fernandes de Santiago

932

520

meados do XIII

clérigo

galego

Sancho Sanches

936

524

2a metade do XIII

clérigo

galego

João Airas de Santiago

1036

626

2a metade do XIII

trovador

galego

1040

630

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GLADIS MASSINI-CAGLIARI

TROVADOR Pedro Amigo de Sevilha

Numeração Numeração em B em V 1218

823

Época meados do XIII

Categoria Origem jogral

castelhano

Pero de Berdia

1118

709

meados do XIII

jogral

galego

Pero de Ver

1128

720

meados do XIII

jogral

galego

Bernal de Bonaval

1136

727

1a metade do XIII

jogral

galego

João Servando

1147

750

meados do XIII

jogral

galego

João Zorro

1158

760

2a metade do XIII

jogral

português galego

Juião Bolseiro

1173

779

meados do XIII

jogral

Pero Meogo

1189

794

2a metade do XIII

jogral

galego

Martim de Caldas

1198

803

meados do XIII

jogral

galego

Nuno Trez

1202

807

2a metade do XIII

jogral

galego

Pero de Armea

1204

809

meados do XIII

jogral

galego

João Baveca

1226

831

meados do XIII

jogral

galego

Martim Padrozelos

1245

850

2a metade do XIII

jogral

galego

Lopo (jogral)

1250

855

1a metade do XIII

jogral

galego

Galisteu Fernandes

1256

861

fins do XIII

jogral

galego

Lourenço, jogral

1262

867

meados do XIII

jogral

português

Martim de Ginzo

1272

878

2a metade do XIII

jogral

galego

Martim Codax

1280

886

meados do XIII

jogral

galego

João de Requeixo

1290

895

fim do XVIII

jogral

galego

Fernando Esquio

1298

902

meados do XIV

trovador

galego

Cantigas religiosas Cantigas de Santa Maria: Número da cantiga na edição de Mettmann

Página na edição de Mettmann (volume.páginas)

B 1

Fontes (Manuscritos)

Tipo

I.54-56

E; To

prólogo

I.56-58

E1; T1; To1

louvor

2

I.59-61

E2; T2; To2

milagre

10

I.84-85

E10; T10; To10

louvor

15

I.93-99

E15; T5; To33

milagre

16

I.99-101

E16; T16; To12

milagre

17

I.102-104

E17; T17; To7

milagre

18

I.104-107

E18; T18; To16

milagre

24

I.115-117

E24; T24; To17

milagre

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A MÚSICA DA FALA DOS TROVADORES

Número da cantiga na edição de Mettmann

Página na edição de Mettmann (volume.páginas)

Fontes (Manuscritos)

Tipo

28

I.128-132

E28; T28; To27

milagre

52

I.183-184

E52; T52; To66

milagre

56

I.193-194

E56; T56; To71

milagre

60

I.204-205

E60; T60; To70

louvor

64

I.212-215

E64; T64; To52

milagre

69

I.231-234

E69; T69; To54

milagre

70

I.235

E70; T80; To80

louvor

76

I.249-251

E76; T76

milagre

77

I.251-252

E77; T77

345

milagre o

100

I.304

E100; T100; ToX

louvor

102

II. 13-15

E102; T102

milagre

132

II.91-96

E132; T132; To77

milagre milagre

143

II.120-122

E143; T143

160

II.156

E160; T160

louvor

180

II.193-195

E180; T180

louvor

183

II.201-202

E183; T183

milagre

192

II.218-223

E192; T192

milagre

200

II.242-243

E200

louvor

206

II.254-256

E206; F54

milagre

210

II.261-262

E210; F96

louvor

211

II.262-264’

E211; F97; ToVII

milagre

213

II.266-270

E213; F89

milagre

225

II.292-294

E225; F67

milagre

246

II.343-344

E246; F1

milagre

249

II.348-349

E249; F69

milagre

259

II.370-371

E259; F43

milagre

277

III.48-50

E277

milagre

280

III.53-54

E280

louvor

282

III. 57-58

E282

milagre

283

III.59-61

E283; F8

milagre

285

III.63-67

E285; F28; ToIX

milagre/festa

312

III.121-124

E312; F45

milagre

322

III.146-147

E322; F25

milagre

335

III.175-178

E335; F103

milagre

362

III.234-236

E362; F42; To95

milagre

384

III.281-283

E384

milagre

401

III.303-306

E401; ToPit

petiçon

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Número da cantiga na edição de Mettmann

Página na edição de Mettmann (volume.páginas)

Fontes (Manuscritos)

Tipo

411

III.327-332

E1FSM; To1FSM

festa de Santa Maria

413

III.332-333

E3FSM; To3FSM

festa de Santa Maria

425

III.356-358

To3FJC

festa de Jesus Cristo

427

III.360-362

To5FJC

festa de Jesus Cristo

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SOBRE O LIVRO Formato: 16 x 23 cm Mancha: 27,5 x 49 paicas Cartão Supremo 250 g/m2 (capa) 1a edição: 2015 EQUIPE DE REALIZAÇÃO Capa Megaarte Design Edição de texto Paula Nogueira (Copidesque) Tomoe Moroizumi (Revisão) Editoração eletrônica Eduardo Seiji Seki Assistência editorial Jennifer Rangel de França

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Gladis Massini-Cagliari

Esta obra tem como o objetivo central a investigação de fenômenos prosódicos do Português Arcaico, a partir de uma comparação das características linguísticas das cantigas medievais profanas com as das cantigas religiosas. Para a análise fonológica, será usado o aparato fornecido pela Teoria da Otimalidade. Durante a análise, são colocados lado a lado fenômenos fonológicos segmentais e fenômenos prosódicos (tais como acento, ritmo, estruturação silábica e processos fonológicos que façam referência direta a esses fenômenos), em um período passado, do qual não se tem registros orais.

A música da fala dos trovadores

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Gladis Massini-Cagliari

A música da fala dos trovadores

Desvendando a prosódia medieval

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