A Narrativa do Jogo na Hipermídia: a Interatividade como possibilidade Comunicacional

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SÉRGIO NESTERIUK GALLO A NARRATIVA DO JOGO NA HIPERMÍDIA: A INTERATIVIDADE COMO POSSIBILIDADE COMUNICACIONAL.

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO e SEMIÓTICA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Estudos PósGraduados em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Sérgio Bairon.

SÃO PAULO, AGOSTO DE 2002.

Folha de Aprovação

Parecer da Banca Examinadora

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Parcas

para Philadelpho Menezes

27 de julho de 2001

no reino de Plutão à tênue luz três pálidas mulheres fiam em silêncio a hipertrama de seda e de ouro presos a uma roca os fios do destino simples enredados por Laquesis tornam-se complexos sublimes melancólica Atropos aleatória e não linear mente corta a ventura amparada por Cleto da divindade inexorável torna-se eterno nem Delpho nem Phila amigo

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dedico este trabalho à Andréa e ao Ravi.

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Agradeço: ao meu orientador pela dedicação e paciência, ao Artur Matuck e Edson Pfützenreuter pelas preciosas dicas e orientações durante a qualificação, aos meus pais, meus sogros, meus alunos, meus amigos e colegas pelo incentivo e intercâmbio. Muito obrigado a todos!

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RESUMO A vontade do homem em contar histórias, seja para relatar algo ocorrido ou criar um simulacro, sempre o acompanhou desde as suas primeiras manifestações comunicacionais até as narrativas tecnológicas de última geração. Ao mesmo tempo em que repetia-se elementos recorrentes, as estruturas narrativas foram se adaptando a novos suportes e mídias, quebrando muitas vezes paradigmas estabelecidos. É o caso da literatura de Borges, Perec e Cortazar e dos filmes contemporâneos de Greenaway e Lynch, entre diversos outros casos. Com a chamada revolução digital a hipermídia começou a estar cada vez mais presente na vida (de parte) das pessoas. Assim, não demorou para que a partir da intersemiose entre características intrínsecas do jogo na hipermídia (videogame) e da narrativa, surgisse uma estrutura responsável pela instauração de novos paradigmas narrativos.O videogame, em pouco mais de 40 anos de sua invenção, tornou-se na opinião de Aarseth (1998) um fenômeno cultural extremamente diverso e metamórfico. Entretanto, pouquíssimas pesquisas se propuseram a estudar tal fenômeno sob o ponto de vista de sua estética e linguagem, em detrimento aos inúmeros estudos sociais- pedagógicos e técnicos-tecnológicos.Por meio do estudo da ludologia e da narratologia, a dissertação parte do princípio da utilização da interatividade enquanto possibilidade comunicacional na articulação das formas da narratividade no videogame. Ao operar dentro de sistemas de simulação - ao invés das formas representacionais adotadas nas narrativas tradicionais - o videogame permite ao jogador a possibilidade de imersão em um outro mundo, o mundo do jogo, no qual ele mesmo constrói, por meio de características interativas intrínsecas ao meio, a sua história e sua própria experiência. Jogos como Sim City (Brøderbund:1989),

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Myst (Cyan:1994) e The Sims (Maxis:2000) - que será analisado no trabalho por meio de um diário com minhas próprias experiências enquanto jogadorpesquisador - apontam para perspectivas bastante otimistas neste sentido. palavras-chave:

videogame,

hipermídia,

jogo,

interatividade,

narratologia,

ludologia, roteiro, simulação, simuladores, The Sims (Will Wright).

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ABSTRACT The will of the man in telling stories, either to tell something occurred or to create a simulacrum, followed him since his first attempts to communicate till the most up-to-date technological narratives. In these stories we can find both recurrent elements and innovative ideas using new supports and medias for breaking established paradigms. As an example of it we have the literature of Borges, Perec and Cortazar and the contemporary films of Greenaway and Lynch among many other cases. The so called "digital revolution" has begun to make part of many people's lives. Thus it hasn't take long that through the change between intrinsic features of the videogame and the narrative a stucture responsible for the establishment of new paradigms of storytelling came up. The videogame, wich is more than forty years old, became undoubtedly one of the most diverse and fast-changing cultural genre that ever existed (Aarseth: 1998). Just a few researchers were interested in studying this subject under its aestethics and language point of view despite the innumerable social –pedagogical and technical – technological approaches. The study of ludology and narratology allowed me to start from the principle of interactive as comunicacional possibility in the joint of narrativity forms in videogame. When operating inside of simulation systems – instead of representational forms adopted in traditional narratives - the videogame gives the player possibilities of agency in another world (the gameworld) in which he constructs by himself through interactive features intrinsics to the media his own story and experience. Games like Sim City (Brøderbund:1989), Myst (Cyan:1994) e The Sims (Maxis:2000) – which will be analised in this text through a daily with my own experiences as a research / player – points to a very optimistic perspectives.

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Keywords: videogame, hypermedia, game, play, interactivity, narratology, ludology, script, simulation, simulator, The Sims (Will Wright).

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SUMÁRIO Introdução...............................................................................................................10 1 - O jogo da hipermídia........................................................................................18 1.1 – Algumas considerações sobre hipertexto e hipermídia.................................19 1.2 – A metáfora da navegação e do labirinto........................................................26 1.3 – Interatividade.................................................................................................31 1.4 – Mudanças nas estruturas científicas..............................................................52 1.5 – A forma de ser da reticularidade e do jogo na hipermídia.............................56 2 – Narrativas tradicionais......................................................................................67 3 – Videogame........................................................................................................93 3.1 – Videogame: o jogo na hipermídia..................................................................94 3.2 – Narratologia e Ludologia..............................................................................110 3.2.1 – Ludologia e(m) videogame.......................................................................113 3.2.2 – Narratologia e(m) videogame...................................................................126 4 – The Sims.........................................................................................................166 4.1 – Sobre o designer, Will Wright......................................................................167 4.2 – Análise estrutural e qualitativa de The Sims................................................175 4.3 – Diário de um jogador....................................................................................197 4.3.1 – Diário de um Sim – Crônica de uma morte anunciada............................ 209 4.3.2 – Diário de um Sim – O embate entre ludus e logos...................................213 4.3.3 – Diário de um Sim – O primado da razão...................................................217

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Considerações Finais...........................................................................................222 Bibliografia............................................................................................................229 Anexos..................................................................................................................237

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INTRODUÇÃO Criado experimentalmente em um laboratório no final da década de 50 e lançado comercial ao grande público no início da de 70, o videogame – entendido nessa dissertação como um tipo específico de jogo que se processa e opera via hipermídia -, independentemente de ser jogado em um monitor de arcade ("fliperama"), televisão ou computador (Frasca: 2001), constitui, na opinião de alguns pesquisadores, um expressivo e complexo fenômeno cultural, estético e de linguagem (Aarseth: 1998), desenvolvendo ao longo de seu curto período de existência uma retórica própria. Por outro lado acompanhamos, há mais tempo, as transformações das formas e tecnologias narrativas em função dos suportes gerados pelo avanço tecnológico. Entretanto, elementos comuns das estruturas narrativas (expressos, sobretudo na tríade narrativa ação- personagem- ambiente) podem ser observados em suportes diversos como cinema, rádio, literatura impressa e televisão, por exemplo. Isto não impede que observemos também, dentro de cada suporte, especificidades próprias da linguagem do meio em relação à narrativa. Tal fato pode ser mais facilmente evidenciado no caso das adaptações, em que uma mesma história pode se apresentar de formas completamente diferentes em função das características intrínsecas do meio utilizado. Como um exemplo disso, podemos citar Memórias Póstumas de Brás Cubas, o livro de Machado de Assis que recentemente foi adaptado para o cinema por André Klotzel. Pelas especificidades do meio, o filme busca captar a essência das cerca de 120 páginas do livro para mostrá-la ao espectador em cerca de duas horas de projeção. Para isso, o diretor conta com sons e imagens, além das palavras

que

constituem

o

único

recurso

do

livro.

Sobre

esse

caso

especificamente, é possível observar que há uma certa correspondência (se é que se pode falar disso em meios distintos) entre o número de páginas do livro e a duração do filme, permitindo a André Klotzel manter detalhes da trama impressa, o

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que já não pode ser observado na adaptação da extensa obra de Marcel Proust, Em busca do Tempo Perdido, transformada no filme O Tempo Redescoberto, por Raoul Ruiz. Além das adaptações e suas modalidades (trabalhos inspirados, baseados, livremente adaptados e "adaptados na integra"), as narrativas também podem se expressar por meio dos chamados "roteiros originais", criados para a realização direta em um suporte específico, como no caso do roteiro de Pulp Fiction, escrito e dirigido por Quentin Tarantino. A partir desse contexto, a presente dissertação investiga as relações entre a narratologia e os jogos de videogame. Ainda que alguns pesquisadores como Jull (2001) acreditem que se possa identificar em todo e qualquer jogo de videogame a presença de estruturas narrativas mínimas – já que é possível identificar a tríade narrativa personagem – ação – enredo, ainda que presente em formas minimamente desenvolvidas -, pode-se observar que jogos como SimCity (Brøderbund: 1989), Myst (Cyan: 1994) e The Sims (Eletronic Arts: 2000) apontam para uma utilização diferenciada, em relação aos outros jogos de videogame, desses elementos. O diálogo entre a narratologia e os videogames não é, entretanto, um consenso. Laurel (1991), por exemplo, acredita que é possível transferir para o computador as formas básicas da poética aristotélica utilizadas amplamente nas narrativas mais clássicas, chamadas nesta dissertação de narrativas tradicionais, isto é, uma designação ampla e genérica das narrativas herdeiras desse modelo aristotélico estruturado no sujeito e no objeto, amparadas em um padrão comum de progressão linear das ações e em estruturas básicas de ordenação de seus elementos constituintes, independentemente do suporte utilizado. A mesma opinião não é corroborada por Ryan (2001), que acredita haver uma limitação da narratologia de tradição literária em dar conta do fenômeno

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das narrativas em videogame. A autora acredita que deve haver uma expansão do entendimento das formas da narratividade para além de suas modalidades diegéticas e dramáticas, capaz de abraçar uma nova categoria fenomenológica intrínseca ao videogame. A dificuldade no estudo das relações entre videogame e narrativa reside no fato da incorporação, por meio da hipermídia, de elementos de jogo à sua estrutura interativa. Huizinga (2000) entende que o jogo é um elemento inseparável da própria história da humanidade e sua evolução; da mesma forma Barthes (1971) considera que a narrativa também ocupa esse mesmo papel. Temos, portanto, o encontro de duas formas entendidas como inerentes à humanidade e sua própria história via um suporte hipermidiático. Podemos afirmar que o encontro das formas expressivas do jogo com as da narrativa já ocorreu anteriormente em manifestações diversas como na literatura – notavelmente nos casos dos trabalhos do grupo Oulipo (Ouvroir de litérature potentielle) e no RPG (Role Playing Game) – uma espécie de jogo de representação. Mas, ao se manifestar sob a forma de videogame, soma-se ao encontro das formas da narratividade e do jogo a complexidade das formas expressivas

da

hipermídia,

que

se

manifestam,

sobretudo

diante

da

interatividade, como possibilidade de comunicação. Com base nesse panorama, o primeiro capítulo busca, a partir do entendimento de conceitos e idéias básicas da hipermídia, principalmente aquelas mais recorrentes a própria estrutura do videogame, como a questão do labirinto e da própria interatividade, pensar – por meio da abertura de novos horizontes proporcionada

pelas

revoluções

nas

estruturas

científicas

-

em

novas

metodologias para o estudo, a análise e a criação da hipermídia presentes sobre a forma de ser do jogo e da reticularidade.

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O segundo capítulo discorre sobre as narrativas tradicionais, sua estruturação básica e algumas de suas noções elementares mais fundamentais, como personagem, temporalidade, espacialidade e autoria; a cooperação textual do leitor / destinatário; e a relação entre a narrativa e a noção de realidade, entendida como o mundo vivido fora do evento narrativo. Em seguida, o terceiro capítulo irá apresentar algumas informações específicas sobre o videogame, apreciado em suas diversas modalidades por milhões de jogadores no mundo todo, mas que se mantém um "ilustre desconhecido". As pessoas apontam quais os jogos preferidos, interessam-se por novidades, sabem quais são as vantagens de uma plataforma em relação à outra, mas normalmente entendem o videogame como algo que se destina ao consumo imediato. Os games podem, então, obcecar jogadores, que às vezes dedicam muitas horas de seu dia praticando esses jogos sem se interessar por aspectos mais formais ou analíticos. Assim o terceiro capítulo se dedicará a contar um pouco de sua(s) história(s), para posteriormente relacionar o videogame com as formas expressivas da hipermídia e, em momentos mais específicos, com a narratologia e a ludologia – o estudo das qualidades do jogo em si, que serão amparadas na hermenêutica de Gadamer (1997) e na diferenciação entre ludus (noção de games) e paidéia (noção de play) apresentada por Frasca (2001). O capítulo se encerra com uma breve discussão sobre a função do videogame e a noção de realidade. A partir das informações levantadas e analisadas, o último capítulo se propõe a fazer algumas considerações sobre o jogo The Sims, partindo inicialmente de algumas considerações sobre o seu designer, Will Wright. Após uma análise estrutural e qualitativa do jogo, será apresentado um diário – livremente inspirado no conceito de mystory de Gregory Ulmer1 - como forma de incorporar a subjetividade ao trabalho, por meio das anotações de três "modalidades" diferentes de jogo pelas quais procurei simular minha própria vida cotidiana doméstica em The Sims. 1

Cf.: http://web.nwe.ufl.edu/~gulmer/mystory.html

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Há um grande paradoxo, presente em qualquer trabalho escrito que se dispõe a falar sobre hipermídia, além do próprio fato de não se apresentar sobre a forma de uma hipermídia, na tentativa de propor qualquer tipo de fechamento ou compreensão finalizada, o que pode ser entendido como sinônimo de congelamento ou significado monolítico. Por outro lado, não se pode simplesmente apresentar uma "sessão fantasma", deixando o leitor tirar sua própria conclusão, o que também poderia não ser bem visto pelo cânone acadêmico. Neste sentido, serão apresentadas considerações finais sobre a dissertação sem com isso implicar em uma forma fechada conclusiva, pois como nos aponta Santaella (2001, 419), o significado quase nunca se dá a priori, já que a significação tem em sua essência o caráter de ergon, isto é, “existe basicamente para se ressignificar”. Cabe, assim, a cada leitor cooperar com suas próprias opiniões, sugestões e interpretações na leitura deste trabalho. O contato restrito na materialidade do papel pode ser ampliado por aquele que assim desejar por meio da Internet, isto é, pelo meu e-mail: [email protected] . Desde já, boa viagem a todos.

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1.1 – Algumas observações sobre hipertexto e hipermídia “ What if the word still won't be still? ”

Stuart Moulthrop O prefixo hiper significa sobre, acima de. Foi usado pela primeira vez no início do século pela física moderna para descrever um novo e diferente tipo de espaço, baseado na teoria da relatividade de Albert Einstein, o hiperespaço2. Essa teoria revolucionou a forma como os homens passaram a entender o conceito de espaço. Assim também o é com o texto; o hipertexto é um texto visto de uma nova maneira, um novo tipo de texto. "O prefixo hiper é considerado no sentido matemático de hiperespaço, ou seja, espaço a n dimensões. Tal como um hipercubo, um hipertexto ou hipermedia não são directamente acessíveis aos nossos sentidos" (Laufer e Scavetta: 1992, 6)

Ainda que seu princípio estivesse, de certa forma, presente – conforme veremos com a noção de arquitexto mais adiante neste trabalho - em mídias e suportes mais tradicionais, como no próprio livro impresso, o hipertexto ganhou projeção com sua utilização em computadores antes de se tornar conhecido na nomenclatura popular. O

pesquisador

sucintamente

o

norte

hipertexto

americano como

uma

Jay

David

rede

de

Bolter

(1991)

elementos

define

simbólicos

interconectados interativamente. A idéia é que o hipertexto possa manter a estrutura do pensamento multidimensional e não seqüencial, isto é, “As idéias não precisam ser separadas 2

Espaço imaginado pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955), onde o tempo é um elemento relativo. Assim, se alguém viajar pelo espaço à velocidade da luz por três anos e voltar para a Terra, a encontrará cerca de cinqüenta anos mais velha. A teoria é tida como revolucionária e inspirou inúmeras obras de ficção científica.

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nunca mais (...) Assim eu defino o hipertexto como escritas associadas não seqüenciais, conexões possíveis de seguir, oportunidade de leituras em diferentes direções” (Nelson, 1992: 161). O hipertexto utiliza-se das características próprias do meio, e reconfigura o espaço textual (a obra em si) para todos os envolvidos - que tendem inclusive a confundir seus papéis - neste processo comunicacional. O leitor transforma-se na figura do usuário, passa a ter o poder de escolha e intervenção e, à medida que interage, determina sua própria experiência no (hiper)texto (Bolter, 1991). Com isso passa a ter uma percepção mais ativa dentro do conflito ação-reação, sob o domínio da secundidade. Torna-se co-autor de um texto em constante (trans)formação, numa espécie de work in progress. A própria figura do autor enquanto escritor não mais textual, mas hipertextual, também é reconfigurada; assim como a idéia da autoralidade passa a ser discutida e questionada a partir de novos parâmetros, pois os textos, as obras, são constantemente alterados passando a serem construídos e desconstruídos por uma coletividade de usuários (Landow, 1997). O texto (a obra) em si ganha ainda uma maior complexidade estrutural e diagramática ao assimilar a estrutura rizomática dos níveis de multiplicidade, simultaneidade, não-linearidade e interatividade a seus elementos constituintes (Landow: 1997). Em hipermídia, o hipertexto adquire um caráter digital e compõe-se de diferentes blocos de informações, denominados lexias ou nós, que se vinculam eletronicamente por meio de elos, chamados de links. Por meio desses elos associativos o usuário percorre a trama textual a partir de escolhas que, na prática, podem ser mais ou menos pessoais de acordo com as possibilidades oferecidas. A respeito dos nós, Leão (1999) anuncia:

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“Imagem metafórica do impasse, da paralisia e do enredamento, o nó é aquilo que nos faz parar, que nos impede de prosseguir, é o não lugar que nos suga, a inércia violenta e poderosa. O nó pode e deve ser utilizado pelos que desenvolvem jogos (games). O nó seduz aqueles que procuram situações desafiantes, que gostam de decifrar enigmas” (Leão, 1999: 29).

Percebemos que os nós impõem uma construção textual sintética, podendo-se começar a ler o texto de qualquer ponto. Landow (1997) acredita que a potencialidade do hipertexto está na sobrevalorização do leitor, ativo e responsável pela trajetória de sua leitura e seus desdobramentos, provocando um “descongelamento dos nexos e das lexias”, fazendo do hipertexto um texto fragmentado e atomizado. Não temos, todavia como visualizar fisicamente a imagem completa deste texto como um todo, tal como o fazemos com um livro, por exemplo. Santaella (2001: 389-390) considera que a transformação do computador em aparato de comunicação foi o principal elemento transitório para a atual época de pós-modernidade comunicacional. A autora assevera ainda, que a revolução digital – também chamada por alguns de revolução teleinformática – vivenciada atualmente é psíquica, cultural e socialmente mais profunda do que outras grandes revoluções, como a invenção do alfabeto, a revolução de Gutenberg e a explosão da cultura de massa. Santaella afirma também que este momento, em termos antropológicos, chega a ser comparado por muitos especialistas à revolução neolítica. A autora analisa que a digitalização também possibilitou a base para um célere

desenvolvimento

homem-máquina,

sobretudo

em

seu

aspecto

informacional, marcado pela hibridização das tecnologias e pela convergência das mídias. A hipermídia, neste contexto, é uma linguagem inaugural em busca de si mesma, proporcionando, como em qualquer outra linguagem, novas formas de sensibilidade, de sentir, pensar e agir (Santaella: 2001, 390). 21

Para Bairon (2001) a hipermídia permite um caráter integrador e antropofágico de signos manifestados em códigos e suportes diversos em uma nova mídia digital, já que “(...) hipermídia significa a integração, sem suturas, de dados, textos, imagens de todas as espécies e sons dentro de um único ambiente de informação digital” (Bairon, 2001: 43). Essa opinião é corroborada por Santaella (2001) que, aplicando tal pensamento a sua hipótese das três matrizes da linguagem e do pensamento (sonora, visual e verbal), escreve: “Brotando da convergência fenomenológica de todas as linguagens, a hipermídia significa uma síntese inaudita das matrizes da linguagem e pensamento sonoro, visual e verbal com todos os seus desdobramentos e misturas possíveis” (Santaella: 2001,392).

Mais que um novo meio, a hipermídia é uma nova linguagem buscando ainda a si própria e que permite a manifestação de formas de pensamento heterogêneas, mas semioticamente convergentes. “O que distingue a hipermídia é a possibilidade de estabelecer conexões entre diversas mídias e entre diferentes documentos ou nós de uma mesma rede. Com isso, os elos entre documentos propiciam um pensamento não linear e multifacetado. O leitor em hipermídia é um leitor ativo, que está a todo o momento estabelecendo relações próprias entre diversos caminhos. Como um labirinto a ser visitado, a hipermídia nos promete surpresas, percursos desconhecidos...” (Leão, 1999: 16)

Neste sentido, o estudo da critica genética pode nos oferecer algumas pistas para reflexão, já que se propõe, de uma forma geral, ao estudo dos descaminhos da obra, as possibilidades e os “rascunhos relevantes” que vislumbram a descoberta de marcas do processo de criação, mas que são,

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todavia, quase sempre abandonados pelo próprio autor para que a obra tenha uma forma única, publicável. Ao se opor ao estruturalismo, em que o método de análise recai sobre o produto, a critica genética visa analisar o processo (obra inacabada) e seus mecanismos processuais – ao invés do produto (obra acabada) -, a partir do pressuposto semiótico da perspectiva do movimento do signo3. Se pensarmos em termos narrativos, podemos traçar um paralelo com o modelo de narrativas possíveis (possible narratifs) proposto por Bremond (1971) dentro de sua Logique du recit (Lógica da narrativa). De acordo com este modelo, um autor encontra ao longo da narrativa situações em que um agente qualquer se depara com uma determinada tarefa; diante dela, este agente pode aceitá-la ou não (o que significa uma abstenção: o agente não tenta). Aceitando, a tarefa se transforma em ação e o agente tem duas possibilidades distintas: completá-la (o agente executa a ação e obtém sucesso) ou não (o agente tenta executar a ação e não obtém sucesso). Após a definição de uma dessas opções, é montada uma seqüência narrativa e assim, sucessivamente, a própria história. Em uma narrativa tradicional, o autor faz escolhas sucessivas entre as múltiplas opções que se oferecem simultaneamente aos diferentes agentes narrativos. Assim, o autor vai montando uma história a partir do encadeamento de fragmentos narrativos possíveis. Se o autor decide que um personagem pega o trem das nove para a estação Jurubatuba, ele necessariamente não permanecerá na plataforma para pegar o trem das onze horas para o Jaçanã. Isto representa um direcionamento irreversível, que altera completamente a dinâmica da história. Na hipermídia, várias alternativas imaginadas podem coexistir em um determinado trabalho, sem que haja a necessidade de se estabelecer previamente

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Confira: SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado – processo de criação artísitca. São Paulo, SP: FAPESP: Annablume, 1998.

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uma hierarquia que determina a predominância de uma forma sobre as demais. O usuário tem o poder de escolher se a personagem irá pegar o trem das nove para a estação Jurubatuba ou o trem das onze horas para o Jaçanã. Em cada uma das opções escolhidas, diversas outras possibilidades poderão surgir, fazendo com que cada caminho escolhido constitua uma história e, conseqüentemente, uma experiência singular. No jogo de videogame Way of the Samurai (Bam: 2001), por exemplo, o jogador comanda um ronin, um samurai errante, que participa de uma disputa feudal entre dois clãs. Enquanto anda pelos arredores, diversas situações vão se desenvolvendo, permitindo que o jogador crie o seu próprio caminho. Em uma dessas situações, uma moça é seqüestrada por um outro samurai. O jogador pode não fazer nada, além de observar, e deixá-la ser raptada (abstenção), ou aceitar a tarefa de libertá-la. Neste caso, o ronin deverá duelar com o outro samurai (transformação da tarefa em ação), podendo derrotá-lo e salvar a moça (o agente executa a ação e obtém sucesso em sua tarefa) ou perder o duelo, sendo vencido pelo outro samurai ou até mesmo matando a moça "sem querer" (o agente tenta executar a ação e não obtém sucesso em sua tarefa). Cada opção oferece uma seqüência narrativa diferenciada. O próprio jogador constrói, em função de suas decisões e ações, sua seqüência, determinando assim o desdobramento da história e sua própria experiência. Este panorama pode, portanto, reconfigurar outros referenciais culturais e, conseqüentemente, a própria narrativa, alterando a moldura que se tem de um conhecimento da realidade e suas referências. Santaella (2001: 390 - 395) aponta “três grandes poderes definidores da hipermídia”: a taxionomia digital em forma de estruturas reticulares em uma arquitetura hipermidiática; sua possibilidade de armazenagem de dados que podem transmutar-se em inúmeras funções por meio da interação do usuário, na medida que este também é co-autor; e o próprio potencial aberto (inaugurado) pela sua existência e suas possibilidades exploratórias.

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A autora acredita ainda que por meio do terceiro grande poder definidor da hipermídia podemos avaliar qualitativamente uma obra neste suporte: “Através da exploração ou não deste potencial pode ser avaliado o teor criativo de uma produção hipermidiática: a isomorfia de seu desenho estrutural com o conteúdo que visa transmitir”. (Santaella: 2001,395) Obviamente como em qualquer outra linguagem, na hipermídia pode haver obras que melhor explorem suas características e o seu próprio potencial, onde se perceba uma isomorfia de seu desenho estrutural com o conteúdo, uma contaminação na retórica entre forma e conteúdo (o tema e o sistema: um explicitando o outro e vice-versa) e outras obras que não explorem esse potencial. O que vale aqui são as características intrínsecas e as potencialidades próprias da hipermídia em si.

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1.2 – A metáfora da navegação e do labirinto

Ultramarino o mar como fuga com seu balanço seu cheiro de mar um caminho com barcos um começo topa na pedra e espaventa pássaros enfim na praia ou o fim, naufrágio.

Andréa Catropa

No processo de “leitura” em hipermídia é comumente usada a metáfora da navegação. De fato, se formos refletir sobre os primeiros homens que pensaram a possibilidade de construir uma embarcação, não para simplesmente pescar ou para ir até localidades próximas (visíveis), mas para enfrentar o mar aberto, desbravar novos horizontes e partir rumo ao imprevisto e ao desconhecido, perceberemos que estes foram motivados por interesses quiméricos, não calculados. Na mitologia egípcia, a navegação estava associada à idéia de descoberta de mundos distantes e desconhecidos, como no caso da embarcação fúnebre de Íris e Osíris (em forma de barca lunar) rumo ao mundo dos mortos. Já na passagem bíblica do dilúvio, Noé, desencorajado e desestimulado pelos outros homens, foi incumbido por Deus da tarefa de salvar a vida no planeta, garantindo a sua preservação por meio de uma arca que guardasse, ao menos, dois exemplares de cada espécie animal para repovoar o planeta após o término do dilúvio.

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No século XV - durante a expansão marítima européia encabeçada pelas coroas espanhola e portuguesa - os grandes navios enfrentaram viagens longuíssimas para encontrar o novo mundo. Assim, ao mesmo tempo em que é algo finito em suas próprias dimensões, a embarcação procura explorar, por meio da navegação, um universo instável e cheio de experiências e possibilidades. Assim o foi com as primeiras naus e assim o é com as naves espaciais de última geração. A navegação permite aos seus empreendedores vivenciar o contato com novos horizontes, pois: “Na navegação, não vivenciamos um mundo que está ou não presente, mas a relação de nossos horizontes com os horizontes que se apresentam a nós” (Bairon: 2000, 65). A embarcação deve, ainda, ser forte o suficiente, pois a água carrega um duplo sentido para o navegador: é, ao mesmo tempo, o meio que pode levá-lo a conhecer outros horizontes, mas também a ameaça do naufrágio. A menor fissura na estrutura de uma nave pode levá-la ao fundo. Assim pode-se tentar um paralelo com a situação do usuário na hipermídia: a água como metáfora para as possíveis alternativas, os caminhos e os descaminhos, que podem levar o explorador a destinos previstos ou não. Tudo depende da sua estrutura – o casco, comparado com a própria experiência do usuário que o ajuda, ainda que intuitivamente, a fugir dos destinos menos férteis. A metáfora do labirinto, por sua vez, também é freqüentemente associada à hipermídia. De fato, até mesmo as estruturas dos chips dos computadores possuem os seus circuitos dispostos em forma de labirintos4. O labirinto, em diferentes culturas e épocas, adquiriu formas e representações peculiares. Em Creta ,talvez aquele que seja o mais conhecido dos labirintos serviu para enclausurar a figura mitológica do minotauro. No Egito,

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Cf.: LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no hiperespaço. São Paulo, SP: Iluminuras, 1999.

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adquiriu a finalidade prática de dificultar o acesso aos cômodos dos faraós, preservando-os. Nas igrejas católicas medievais, o fiel cristão percorria o labirinto como se este fosse uma via crucis, na qual ele poderia refletir e entrar em contado com sua espiritualidade. Já nos jardins labirínticos dos castelos medievais, o objetivo era proporcionar prazer e surpresa ao visitante que, ao se perder, contemplava e usufruía os diferentes ambientes que lhe eram oferecidos. Na hipermídia, os labirintos existem apenas virtualmente. No momento em que o usuário optar por um deles, haverá uma desterritorialização, ou seja, ele abandonará um território para penetrar em um outro, conhecido ou não. Machado (1997, 149 - 151) entende o labirinto da hipermídia em três estágios distintos. O primeiro é pensando o labirinto como um lugar repleto de possibilidades exploratórias. Neste sentido, o mais interessante não é achar a saída o mais rápido possível, mas conhecer o maior número possível de lugares. Neste labirinto, há o convite para sua exploração, que deve ser movida pela curiosidade, pela vontade de entrar em contato com o desconhecido.

Esta

primeiridade pode ser comparada ao funcionamento de nosso próprio cérebro. O segundo estágio é o da exploração sem mapas, já que é impossível prever a arquitetura do labirinto. O explorador, dotado apenas de sua percepção local, calcula seus movimentos sempre em função das partes, conhecidas ou não, pois está ciente de que existe uma dimensão inatingível em um labirinto. Esta secundidade pode ser comparada à vida em sociedade. O terceiro estágio é o retorno ao "labirinto construção", quando a experiência se refaz na mente do explorador. Corresponde ao desenvolvimento de uma inteligência característica, amadurecida em função de sua experiência. Ainda que para o observador externo pareça que o explorador erre e se mova aleatoriamente, ele vai se aperfeiçoando, tornando-se mais experiente e

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superando obstáculos cada vez mais difíceis. Esta terceiridade pode ser comparada à própria experiência do ser em si mesma. Destarte, podemos traçar um paralelo entre a experiência da navegação e da exploração labiríntica como metáforas da experiência do usuário em hipermídia. De fato, pode-se considerar o mar, o espaço sideral e os desertos - em suas vastidões - como imensos labirintos. No livro O Aleph, de Borges (1999, 676) há uma breve história chamada Os dois reis e os dois labirintos, que teria sido proferida por uma personagem de outro conto, intitulado Abenjacan, o bokari morto em seu labirinto. A história versa sobre um rei das ilhas da Babilônia que ordenou a seus arquitetos e magos a construção de um labirinto "(...) tão perfeito e sutil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar nele e os que entravam nele se perdiam" (Borges: 1999, 676). Passado algum tempo, o rei babilônico recebe em uma visita o rei dos árabes e para zombar do hóspede e ostentar a sua obra faz com que o visitante real entre no labirinto e só consiga achar a saída após solicitar ajuda divina. Ao sair, o árabe manteve-se calmo e disse ao rei da Babilônia que possuía em seu reino na Arábia um labirinto melhor e que algum dia, talvez, ele pudesse conhecêlo. Regressando à Arábia, o rei juntou imediatamente seu exército e retornou à Babilônia para devastá-la completamente, fazendo seu prisioneiro o rei que outrora o havia levado ao labirinto. Voltou novamente para a Arábia com seu prisioneiro e, amarrando-o a um veloz camelo, cavalgaram por três dias no deserto. Em determinado ponto, pararam e o rei árabe disse: "(...) agora o Poderoso achou por bem que eu te mostre o meu (labirinto), onde não há escadas

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a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que impeçam teus passos" (Borges: 1999, 676). Logo após essas palavras, o rei árabe desatou as amarras de seu prisioneiro, abandonando no meio do deserto o rei babilônico, que acabou perecendo de sede e de fome. Em ambas as metáforas (da navegação e do labirinto), a aventura do usuário é a mesma: a do conhecimento que se constrói e se reconstrói amparado na experiência do ser diante de uma realidade que o sobrepuja, que se apresenta sempre maior.

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1.3 – Interatividade Um outro conceito que também passou a ficar mais evidenciado depois do advento da hipermídia é o da interatividade. Interatividade é algo inerente ao estado de arte das coisas; obviamente, podemos perceber diferentes níveis e formas de interatividade conforme o objeto. O artista canadense David Rokeby (1997) evoca o livro Metamorfoses, do escritor grego Ovídio, e usa a história de Eco e Narciso, onde se apresentam as questões do reflexo espelhado e sincrônico e do reflexo distorcido e retardado, para dar sua definição de interatividade: “Uma tecnologia é interativa na medida em que reflete as conseqüências de nossas ações ou decisões devolvendo-as para nós. (...) O meio não apenas reflete, mas também refrata aquilo que lhe é dado; o que retorna somos nós mesmos, transformados e processados. Na medida em que a tecnologia nos reflete de forma reconhecível, nos proporciona uma auto-imagem, um sentido do eu. Na medida em que a tecnologia transforma nossa imagem, no ato da reflexão, nos proporciona um sentido de relação entre esse eu e o mundo vivenciado”. (Rokeby, 1997: 67)

Interativo é entendido, assim, como algo que faz retornar para o sujeito suas próprias ações, transformadas pelo contato com um outro, gerando nessa resposta, nessa reação, uma nova identificação do self alterado pela vivência desse processo. Ryan (2001), ao discutir a questão da narratividade nos videogames, sugere o entendimento da interatividade em quatro formas de estratégias possíveis baseadas em dois pares binários: interna / externa e exploratória / ontológica.

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Com essa classificação, a autora propõe mostrar como diferentes níveis de interatividade podem abrir diferentes possibilidades para os temas narrativos e as configurações de enredo, dentro de sistemas de jogos em hipermídia (videogames). "No modo de interatividade interna, o usuário projeta-se como um membro do mundo ficcional, seja por meio da identificação com um avatar ou pela apreensão do mundo virtual pela perspectiva de primeira pessoa. (...) No modo de interatividade externo, o leitor situa-se fora do mundo virtual, desempenhando o papel de um deus que controla o mundo ficcional de cima, ou conceitualizando sua atividade como uma navegação por um banco de dados" (Ryan: 2001).

Essa dicotomia corresponde, na opinião de Aarseth (1997, 63), à diferença entre a perspectiva pessoal (interna) e a perspectiva impessoal (externa). Na primeira forma temos como resultado a personificação do usuário que ocupa um espaço em um mundo povoado por existências individuais. Já na segunda forma, o envolvimento externo não necessita da criação de uma persona (avatar).

O outro par possível apresenta os modos de interatividade exploratória e ontológica, que a própria autora define da seguinte forma: "No modo de interatividade exploratória, o usuário é livre para circular pelo banco de dados, mas essa atividade não constrói a história ou não altera o seu enredo; o usuário não tem impacto no destino do mundo virtual (...) No modo de interatividade ontológica, ao contrário, as decisões do usuário enviam a história no mundo virtual para diferentes caminhos ramificados. Essas decisões são ontológicas no sentido que determinam quais os mundos possíveis e, conseqüentemente, qual história será desenvolvida de uma situação a partir da escolha apresentada" (Ryan: 2001).

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A combinação cruzada entre esses dois pares binários permite quatro possibilidades distintas de interatividade, cada qual característica de um gênero diferente, e que permite diferentes possibilidades narrativas: externa/ exploratória; externa / ontológica; interna / exploratória; e interna / ontológica. A primeira possibilidade consiste na interatividade externa / exploratória, característica das narrativas desenvolvidas em hipertextos (hiperdrama). A interatividade se apresenta aqui como a possibilidade de escolher entre opções oferecidas no texto, sem possibilidade de interferência no ambiente espacial narrativo. Os mapas - ícones de uma analogia estrutural e analógica, portanto referências mais estáveis - que normalmente aparecem nesses trabalhos apresentam uma representação imagética da rede de lexias dispostas no trabalho e não um mapa do mundo virtual. É o caso, por exemplo, de Afternoon, a Story (Joyce: 1988). Nessas obras, a história apresenta-se de forma embaralhada, cabendo ao usuário colocá-la, lexia por lexia, disposta em uma ordem que forme uma (ou mais) determinada(s) seqüência(s) narrativa(s). A interatividade é externa, pois não possibilita ao usuário uma verdadeira imersão, mas uma navegação pelo banco de dados disponíveis. A interatividade também é exploratória, na medida que o texto se apresenta como um quebracabeças, em que a dinâmica da descoberta pode variar de acordo com o usuário, sem que se altere a estrutura do todo recomposto. Há uma ênfase do jogo como processo de descoberta mais do que a própria narrativa em si. A segunda possibilidade corresponde à interatividade interna / exploratória. Nela o usuário utiliza um corpo virtual no mundo ficcional (Laurel: 1993, 14) sem que o seu papel, entretanto, influencie nos eventos narrativos. O usuário deixa a platéia e assume um lugar no palco, sem ser, todavia, o protagonista da história. Essa personagem, segundo Ryan (2001), pode ser uma viajante, uma confidente, uma historiadora ou detetive, que pode inserir-se em enredos de

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diversos tipos. Estes podem ser: enredos de mistério, em que as ações da personagem tentam reconstruir uma história, como em Myst (Broderbund: 1994); novelas ou outras histórias com enredos paralelos, em que diferentes personagens podem agir ao mesmo tempo em diferentes locações; narrativas focadas em relações interpessoais, nas quais o usuário pode, por exemplo, alterar seu ponto de vista ao mudar de personagem; narrativas espaciais baseadas em viagens e explorações, que se baseiam na observação de paisagens, objetos, personagens etc; e narrativas de lugar, que se concentram na complexa exploração de uma localização específica caracterizada pela presença de micronarrativas "escondidas nas fendas do mundo ficcional". A terceira possibilidade é representada pela interatividade externa / ontológica, em que o usuário assume o papel de uma espécie de "deus" onipotente. Aqui o usuário tem o poder de definir as características das personagens, tomar decisões por elas e delegar diferentes fios narrativos alterando o ambiente (environment). É o caso, por exemplo, dos chamados "filmes interativos, como The Last Express (Broderbund: 1997), em que o usuário tem a possibilidade de escolher entre opções diferentes que darão diferentes seqüências à história. É o que a autora chama de "narrativa de histórias virtuais" (virtual history narratives). "A atividade de jogar com parâmetros para ver como o sistema irá desenvolver é semelhante a operação em sistemas de simulação. Desde que o operador do sistema narrativo é externo ao mundo ficcional, ele não possui interesse particular por qualquer bifurcação de sua história virtual; sua gratificação reside na contemplação da totalidade do campo de possibilidades. As bifurcações individuais no enredo são, desta forma, menos interessantes do que o padrão global de suas interconexões" (Ryan: 2001).

A autora acredita que, dentro desta terceira possibilidade, as narrativas devam ter estruturas mais simples, oferecendo menos bifurcações e que cada uma delas possam "seguir por si só" por mais tempo, caso contrário o sistema 34

poderia conduzir a uma explosão combinatória que retrocederia até a completa aleatoriedade, "o leito de morte da coerência narrativa". Um exemplo é Sim City (EA Games: 1989), em que o usuário controla um sistema complexo (uma cidade) e cujas decisões podem influenciar a dinâmica e a evolução desse mesmo sistema. Por fim, a quarta possibilidade corresponde à interatividade interna / ontológica, em que "o usuário é imaginado como a personagem, determinando seu próprio destino atuando no mesmo tempo e espaço do mundo ficcional". Neste tipo de sistema, a interatividade é intensa, pois: "A interação entre usuário e mundo ficcional produz uma nova vida e, conseqüentemente, uma nova história da vida a cada nova execução do sistema. Esse destino é criado dramaticamente, por ser executado, ao invés de ser narrado diegéticamente" (Ryan: 2001).

Este seria o caso apresentado por Murray (1997) em seu livro Hamlet on the Holodeck, em que a autora aponta o computador como "o mais poderoso meio representativo jamais inventado", capaz de assimilar à sua linguagem o teatro, o jogo, a cidade etc, permitindo aos storytellers (contadores de história) encontrarem no computador uma nova e importante ferramenta compositora de narrativas. A partir deste ponto, há especulações sobre o futuro da narratividade e da narrativa no ciberespaço, que a autora designa de ciberdramas. A questão central – sugerida pela metáfora do próprio título - é se as tecnologias da hipermídia e da cibernética, conseguirão criar ciberdramas com virtudes qualitativas significativas, como podemos encontrar em Hamlet de Shakespeare. O Holodeck é uma espécie de virtual cave, em que a tripulação da nave espacial Enterprise - da série de televisão e filme de ficção científica Star Trek (Jornada nas Estrelas) - se retirava para lazer e entretenimento. Nesse ambiente virtual, o computador rodava um aplicativo de simulação tridimensional autoestereoscópica

(composto

principalmente

por

holografias),

baseado

em 35

tecnologias de um mundo ficcional, chamado de interactor. O enredo da história é gerado ao vivo e em tempo real por meio da interação dos participantes humanos (ou alienígenas) com as personagens virtuais criados pelo computador. A idéia do interactor vai ao encontro do pensamento de Laurel (1993), que imagina o computador como responsável pela projeção, em tempo real, de ambientes que tenham potencial para o desenvolvimento de muitas histórias, cada uma delas guiada pelas ações dos participantes. Esse processo é entendido pela autora como um desenvolvimento guiado pelos materiais, em oposição ao desenvolvimento guiado pela forma. Para Muray (1997, 23 - 24), a possibilidade de tornar-se uma personagem em uma ficção é tanto um prazer – presente no imaginário das pessoas desde suas infâncias - quanto um processo de aprendizado: "O holodeck, como qualquer experiência literária, é potencialmente valioso neste sentido. Ele fornece um lugar seguro no qual podemos confrontar sentimentos perturbantes outrora suprimidos; nos permite reconhecer nossas mais ameaçadoras fantasias sem ficarmos paralisados por elas. Como uma mágica nave espacial projetada para seguramente explorar a distância quadrante da galáxia, o holodeck é uma tecnologia otimizada para exploração da vida interna (inner life)" (Muray: 1997, 25).

A viabilidade do conceito de holodeck como modelo de narrativa digital parece algo distante – em Star Trek, por exemplo, a história se passa no século XXIV – e, na opinião de alguns, como Jull (2001), apresenta-se dentro de um gênero intitulado como a "utopia da narrativa interativa". Para Muray (1997, 25), independente de qualquer previsibilidade de futuro, a narrativa tem e continuará tendo a função de ajudar no relacionamento humano, com questões sobre o mundo e a esseidade. Quando isso acontece, perde-se a

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consciência

sobre

o

suporte

e

as

tecnologias

envolvidas

diante

das

potencialidades da história em si. Assim: "Se a arte digital atingir o mesmo nível de expressividade das mídias mais antigas, iremos não mais nos preocupar em como estamos recebendo a informação. Iremos pensar apenas sobre qual verdade nos foi contada sobre nossas vidas" (Muray: 1997, 25).

Hoje, por exemplo, a televisão ainda é uma forma de comunicação praticamente unidirecional, de interatividade limitada, onde quase toda a inteligência, todo o poder está (con)centrado no emissor.5 A participação do telespectador – o próprio termo já define sua função – é geralmente restrita à escolha de canais e, quando muito, a pequenas e modestas participações ao vivo (presencial), por carta, telefone, fax ou e-mail. Isso não significa que o espectador, em geral, não tenha a possibilidade de se "envolver emocionalmente" - como nos disse Murray - e de interagir diante de uma obra por meio de diferentes interpretações e experiências que se ofereçam a ele, ainda que de forma passiva ou apenas reativa6. Eco (1986), por exemplo, explora - a partir dos fundamentos da cooperação textual inferidos da pragmática peirceana - a interação na esfera da significação e da linguagem, do leitor para com a narrativa e suas estruturas. Na hipermídia, por sua vez, não apenas a interpretação do usuário é que se pode transformar, mas a própria mídia interativa que se apresenta de maneira instável e mutável, conforme nos afirma Couchot (1997): “Certamente não se vê duas vezes o mesmo quadro, mas, com a imagem interativa, é o próprio quadro que muda no seu existir sensível – aos olhos de 5

Confira: HOINEFF, Nelson. TV em expansão. Rio de Janeiro: Record, 1991. Heráclito, o antigo pensador grego, já nos dizia ser impossível um mesmo homem se banhar duas vezes em um mesmo rio, já que nem o homem, nem o rio, seriam mais os mesmos da primeira vez. 6

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todos – e não somente na interpretação do observador” (Couchot, 1997: 141 142).

A interatividade está presente no âmago da hipermídia, a partir de seu contato e de sua relação com o usuário. A interface do homem com a hipermídia se dá - ao contrário de outros meios como a televisão - em um sentido bidirecional e, muitas vezes, em um sentido multidirecional, quando envolve diversas entidades (humanas e tecnológicas) interconectadas entre si, interagindo em uma estrutura múltipla e rizomática. Trata-se de uma estrutura de conhecimento idiossincrática, em que o usuário tem a possibilidade, ele mesmo, de estruturar interativamente a informação da maneira como lhe for mais "apropriada". O usuário de hipermídia é inserido dentro de uma lógica de níveis topológicos de leitura, confundindo-se por muitas vezes com o próprio autor. Para Leão (1999), o conceito de topologia pode ser entendido dentro de uma lógica de pensamento baseada nos princípios da interatividade, conforme podemos perceber na seguinte afirmação:

“Em resumo, pode-se dizer que a topologia estuda as propriedades que permanecem inalteradas quando as formas se modificam ao serem submetidas a torções, dilatações ou compressões. Em topologia, o fato da forma ser circular ou quadrada não tem a menor importância, já que isso pode ser alterado por processos diversos, dilatando-se, por exemplo. O que a topologia investiga é se a forma apresenta possibilidades de ligações, se tem protuberâncias, buracos etc”. (Leão, 1999: 33)

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Destarte, a hipermídia se apresenta - dentro da teoria geral dos sistemas de Bertalanffy - como um sistema complexo dinâmico. Um sistema é considerado aqui como qualquer objeto de estudo composto por mais de uma parte e cujas partes interajam entre si. Um sistema complexo dinâmico é aquele que tem o seu estado, o relacionamento entre as partes constituintes de seu próprio sistema, alterado de maneira complexa, recuperando assim o sentido etimológico desta palavra (do latim complexus: aquilo que é tecido em conjunto - com o tempo). A teoria foi provada por Bertalanfly e outros matemáticos por meio de equações diferenciais simultâneas e não-lineares. A simultaneidade e a nãolinearidade são conceitos característicos dos sistemas complexos dinâmicos oriundos da matemática e comumente utilizados em casos como o da dinâmica dos fluídos, por exemplo. Até bem pouco tempo atrás, as informações simultâneas e não - lineares eram, obrigatoriamente, convertidas em estruturas lineares para obedecerem a finalidades práticas, dentro de uma metodologia reducionista. Podemos entender que o mesmo processo também acontece em termos narrativos – conforme veremos melhor mais adiante – sob o domínio do cânone das chamadas narrativas tradicionais, estruturadas como resultado principal da impossibilidade, ou melhor, da extrema dificuldade de resolução, sobretudo representativa, do dilema da lógica das narrativas possíveis de Bremond (1971). O “Efeito Borboleta” e a própria “Teoria do Caos” – ao incorporar o espírito das revoluções nas estruturas científicas - mostram que as coisas acontecem dentro de um princípio de rede, uma cadeia de acontecimentos sujeitos a inúmeras variantes e variáveis - incluindo a imprevisibilidade e o acaso - podendo ecoar em lugares e situações não pensadas a priori.

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A simultaneidade e a não-linearidade, embora não tão freqüentemente, também estão presentes em algumas obras literárias. O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, de Borges (1999, 524 - 533) e O Castelo dos Destinos Cruzados, de Calvino (1991, 9 - 69), respectivamente são dois, entre diversos outros exemplos bem conhecidos da utilização desses elementos em narrativas literárias, caracterizando assim o que podemos chamar de arquitextos narrativos. Laufer e Scavetta (1992: 53 – 58) consideram que o princípio enciclopédico produz um corpus ordenado pelo princípio de coleção e concordância, criando o que se denominou de arquitextos: "Os textos postos em concordância constituem, portanto, aquilo a que se chama, por vezes, um arquitexto, um artefacto justificado pela proximidade literal e interpretativa dos textos que reúne" (Laufer e Scavetta: 1992: 56).

Assim os autores citam como exemplo de arquitextos o antigo testamento da Bíblia, os gêneros de provérbio e fábula, as mitologias de uma forma geral, as obras completas de inúmeros autores (como Calvino e Borges), as legislações de cidades ou países... Textos que por seus princípios e estruturas são considerados precursores do hipertexto encontrado hoje nas mídias digitais7. Os arquitextos também necessitam da cooperação textual do leitor em sua formulação mental, pois: "Um arquitexto, na maior parte das vezes, mantém-se como um objeto mental, porque é difícil representar em papel (átomos) um objeto multidimensional (Laufer e Scavetta: 1992: 57)8." Em O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, Borges (1999, 524 - 533) conta uma história (declaração) que foi ditada, relida e assinada por um certo Dr. Yu Tsun. A história começa sem as duas páginas iniciais – o que já garante um certo ar de indeterminação à narrativa. 7

Johnson (2001, 80 – 101), por exemplo, explora as relações entre hipertexto e as narrativas sintéticas do romance vitoriano, sobretudo de seu último período. 8 Os parentêses são grifos meus.

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Yu Tsun era um chinês que se considerava condenado à morte, sob a tutela do Capitão Richard Madden, e que consegue fugir de trem até uma estação chamada Ashgrove. Lá chegando, o chinês é abordado por alguns garotos que, misteriosamente, sem que Tsun proferisse uma única palavra, indicam um caminho, a maneira de se chegar à residência do Dr. Stephen Albert: sempre dobrando à esquerda – caminho que a personagem associa ao procedimento comum para descobrir o pátio central de certos labirintos. Tsun é recebido pelo próprio Albert – um ex-missionário que se transformou em sinólogo. Albert começa a contar então a curiosa história de Ts'ui Pen, bisavô de Tsun – a história que mais nos interessa e que também caracteriza uma metalinguagem nesta narrativa de Borges. Pen era governador de sua província natal na China e um douto em astronomia, astrologia, xadrez, poesia, caligrafia e na interpretação de livros canônicos, que renunciou a tudo para se dedicar a duas tarefas: compor um livro e um labirinto. Pen enclausurou-se por treze anos no Pavilhão da Límpida Solidão até ser repentinamente assassinado por um estrangeiro. Os herdeiros quiseram queimar uns manuscritos caóticos que julgaram ser os rascunhos do livro - a única coisa que encontraram após procurarem incessantemente pela construção labiríntica –, mas foram impedidos pelo testamenteiro, um monge budista ou tauísta, que insistiu na sua publicação, a contragosto da família. Tsun afirma que concordou com a postura de sua família, já que certa vez ele mesmo leu os manuscritos caóticos que constituíam, na sua própria opinião, "(...) um acervo indeciso de apontamentos contraditórios". O sinólogo, entretanto, esclarece que após se dedicar algum tempo a estudar os manuscritos, chegou a conclusão de que este se tratava na verdade de: "Um labirinto de símbolos. Um invisível labirinto de tempo (...) Todos

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imaginaram duas obras; ninguém pensou que o livro e o labirinto eram um só objeto". Assim Albert afirma que duas situações o levaram a solução do enigma: a primeira era a lenda de que Pen se propusera a fazer um labirinto que fosse estritamente infinito, e a segunda, um fragmento de carta com a seguinte inscrição: "Deixo os vários futuros (não a todos) meu jardim de caminhos que se bifurcam". Mais adiante em seu raciocínio, Albert diz: "Quase de imediato compreendi; o jardim dos caminhos que se bifurcam era o romance caótico; a frase vários futuros (não a todos) sugeriu-me a imagem da bifurcação do tempo, não do espaço. (...) Cria, Assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do romance. (...) Na obra de Ts'ui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações" (Borges: 1972, 105).

Assim, em determinada passagem, Fang (que se pressupõe ser uma das personagens do romance de Pen) recebe um desconhecido e decide matá-lo; vários desenlaces são possíveis: Fang pode matar o intruso, pode ser morto pelo intruso, ambos podem viver, ambos podem morrer etc. Além disso, os caminhos desse labirinto se convergem: "(...), por exemplo, o senhor chega a esta casa, mas num dos passados possíveis o senhor é meu inimigo, em outro, meu amigo". (Borges: 1972, 105). Essas características aproximam o livro / labirinto de Ts'ui Pen das características de um labirinto cíclico (que se opõe às do labirinto arborescente) conforme nos explica Leão (1999): “Dizemos que um labirinto possui ciclos se este apresentar corredores que, quando percorridos uma só vez, possibilitem ao viajante passar sobre os próprios passos (...). No labirinto com ciclos, o viajante reencontra uma encruzilhada conhecida ao cruzar os próprios passos, enquanto no labirinto do

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tipo árvore o percurso se dá de forma inversa, e o andarilho tem que obrigatoriamente voltar sobre os próprios passos. Isso se dá porque o traçado do labirinto arborescente apenas encerra seus limites em um ponto cego. O retorno é, então, inevitável”. (Leão: 1999, 104)

Albert continua sua explanação, afirmando que não encontrou em toda a obra analisada a utilização da palavra "tempo", o que acredita ter sido um recurso empregado pelo autor semelhante aos utilizados em uma charada, em que a única palavra proibida é a própria resposta, isto é, a utilização de metáforas ineptas e de perífrases (circunlóquios) evidentes é o modo mais enfático de indicar uma palavra (omitida). Por fim, Albert, diz para Tsun: "(...) O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como o concebia Ts'ui Pen. Diferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em infinita série de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Não existimos na maioria desses tempos; nalguns existe o senhor e não eu. Noutros, eu, não o senhor; noutros, os dois" (Borges: 1972, 107 – 108).

Pouco depois, Yu Tsu é descoberto pelo Capitão Richard Madden (que pegou o trem seguinte em sua captura) e a história (primeira) tem o seu desfecho que incorpora algumas características apresentadas no livro/labirinto de Ts'ui Pen e que obviamente não irei revelar aqui – normalmente, no mundo narrativo, aquele que revela o desfecho da história é considerado, tal qual o jogador que negligencia o jogo, um estraga-prazeres. Trata-se de um enorme jogo em que o tema é o seu próprio tempo, já que Ts’ui Pên acredita em uma enorme série de tempos. O texto, à medida que vai se

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bifurcando, sugere que o final (e também as outras partes) de um texto é sempre arbitrário. No outro exemplo, em O Castelo dos Destinos Cruzados, Calvino (1991) usa um bloco narrativo introdutório – semelhante aos tutoriais ou guided tours presentes na hipermídia – contando a história de um cavaleiro que, após atravessar a duras penas um bosque, encontra um lugar que reúne características mistas, que não lhe permitem afirmar se o que vê é um castelo um tanto decadente, ou uma taverna funcionando nas instalações de um castelo abandonado. Nesse lugar misterioso, o viajante é recebido e acomodado em uma mesa: "Mas, naquela mesa, ao contrário do que sempre ocorre nas tavernas, e até mesmo nas cortes, ninguém proferia palavra. (...) Decido a romper o que julgava fosse um torpor da língua após os cansaços da viagem, tentei desabafar-me numa exclamação eufórica (...), mas da minha boca não saiu um som que fosse(...). Minha impressão se confirmou ao ver que todos os comensais moviam os lábios em silêncio com um ar graciosamente resignado: estava claro que a travessia do bosque havia custado a cada um de nós a perda da fala" (Calvino: 1991, 12 – 13).

A saída encontrada para as personagens conseguirem se comunicar foi por meio de um único maço de cartas de tarô da metade do século XV, composto por setenta e três cartas diferentes, que são jogadas em diferentes blocos narrativos – cada qual remete a história de uma personagem. À medida que as personagens tiravam novas cartas do maço, jogavam-nas na mesa (ao lado, acima ou abaixo das outras cartas que ali já se apresentavam) de modo que as outras personagens pudessem interpretá-las de modo narrativo. Assim, na "História do Ingrato Punido", por exemplo, a um jovem que se apresenta sob a figura do Cavaleiro de Copas é atribuída, por meio de uma interpretação da carta, uma:

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"(...) condição de abastança, sua inclinação para o luxo e a prodigalidade, mas igualmente – por mostrar-se cavalo – um certo espírito de aventura, embora movido – Assim julguei observando aqueles bordados que iam até a gualdrapa do corcel – mais pelo desejo de ostentação que por uma verdadeira vocação cavaleiresca" (Calvino: 1991, 17).

Desta forma, um jogador poderia ainda aproveitar as cartas jogadas anteriormente (por ele mesmo ou por um outro jogador / personagem), designando-lhe um novo sentido por meio de novas seqüências formadas, sem, contudo, excluir necessariamente o sentido original atribuído previamente. Calvino afirma que, após ter desenvolvido "a idéia de utilizar o tarô como máquina narrativa combinatória", pesquisou sobre as funções narrativas de cartas de adivinhação9, das quais retirou apenas a idéia para a elaboração do processo descrito: "Delas (pesquisas) retive principalmente a idéia de que o significado de cada uma das cartas depende do lugar que esta ocupa na sucessão de cartas que a precedem e a seguem; partindo desta idéia procedi de maneira autônoma, segundo as exigências internas de meu texto" (Calvino: 1991, 152 – 153)10.

Por exemplo, em "A história da Esposa Danada" um guerreiro de olhar melancólico joga a carta do Papa, de "austeras barbas brancas", representando "o primeiro dos pontífices que hoje guarda as Portas do Céu". A mesma carta, em "História de um Ladrão de Sepulcros", serve para mostrar a história de um ladrão de túmulos que, ao tentar violar o sepulcro de um Papa, encontra uma árvore (Ás de Paus) que o leva para o céu. Da mesma forma, a carta O Mago pode representar personagens tão distintas quanto um ilusionista, um poeta ou Mefistófeles em histórias diferentes.

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Calvino diz, entretanto, ter se influenciado muito mais por Orlando Furioso – obra do poeta italiano Ludovico Ariosto, publicada em 1516, e que era uma referência significativa de grande parte dos escritores europeus do século XIX e XX –, pois "podia muito bem representar o mundo visual em que a imaginação do poeta havia se transformado", do que por essas pesquisas. 10 Os parênteses são grifos meus.

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Calvino afirma que conseguiu terminar de escrever a obra em menos de uma semana, sem grandes dificuldades, baseando-se em um método de cruzamento de suas narrativas em torno de um quadrado mágico: "Bastava deixar que em torno dele (do quadrado mágico) tomassem forma as outras histórias que se entrecruzavam para obter assim, uma espécie de palavras cruzadas compostas de figuras (cartas) no lugar de letras, nas quais além disso cada seqüência se podia ler em ambos os sentidos" (Calvino: 1991, 154)11.

Essa mesma facilidade não foi encontrada, entretanto, pelo autor em A taverna dos Destinos Cruzados, uma espécie de continuação do Castelo, em que Calvino utiliza um outro tipo de tarô. Apesar de também ter publicado esse outro conto, Calvino garante que o fez para "libertar-se", já que não conseguiu aplicar a mesma sistemática do conto original. Sobre este outro processo, o autor declara: "Assim, passava dias inteiros a compor e a recompor meu quebra-cabeça, imaginava novas regras do jogo, traçava centenas de esquemas, em quadrado, losango, em estrela, mas sempre havia cartas essenciais que permaneciam fora e cartas supérfluas que ficavam no meio, e os esquemas se tornaram tão complicados (adquirindo às vezes até mesmo uma terceira dimensão, tornandose cubos e poliedros) que eu próprio acabava me perdendo neles" (Calvino: 1991, 155).

A dificuldade de compor esta outra narrativa incomodava tanto o autor, que por mais que se dedicasse, não conseguia compor o novo conto de maneira satisfatória: "Em várias ocasiões, a intervalos mais ou menos longos, nestes últimos anos, eu voltava a me enfurnar nesse labirinto que logo me absorvia inteiramente.

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idem ibidem.

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Estava ficando louco? (...) Ou era a vertigem dos grandes números que se desprendem de todas as operações combinatórias? De súbito decidia-me a renunciar, deixava tudo de lado, ocupava-me com outras coisas: era um absurdo perder tempo com uma operação da qual já havia explorado as possibilidades implícitas e que só tinha sentido como hipótese teórica" (Calvino: 1991, 156).

Podemos observar que Borges (1999) buscou, no conto analisado anteriormente, uma saída diferente para resolver o impasse da limitação estrutural do suporte impresso, que só poderia existir enquanto "hipótese teórica". Em Os Jardins dos Caminhos que se Bifurcam, Borges atribui a Ts'ui Pen (um escritor fictício) a tentativa – já que a personagem foi assassinada antes de concluir sua obra - de escrita paradoxal de uma narrativa limite, capaz de oferecer inúmeras possibilidades (até mesmo contraditórias) de narrativas simultâneas. Calvino, por sua vez, integrou o Oulipo (Ouvroir de litérature potentielle – Oficina de Literatura Potencial), grupo fundado em 1960 por Raymond Queneau (autor do poema múltiplo Cent Mille Milliards de Poèmes, em 1962). O Oulipo reuniu poetas, romancistas, cientistas, filósofos e matemáticos com o objetivo de procurar novas formas de criação literária. Estas se revelaram predominantemente calcadas no procedimento, buscando, muitas vezes, possibilidades a partir de regras fixas e calculadas, incorporando também elementos do jogo à narrativa: "(...) sentia que o jogo só tinha sentido se submetido à imposição de regras ferrenhas: ou arranjava uma necessidade geral de construção que condicionasse o encaixe de cada história no conjunto das outras, ou então era tudo gratuito" (Calvino: 1991, 155). Esse é também o caso de Georges Perec, outro ilustre integrante do Oulipo que, após ter reinventado o lipograma12, escreveu o romance La disparition, no qual a letra e (a mais usada na língua francesa) é suprimida. Essa desaparição do e está em conformidade com o conteúdo do texto, que narra a desaparição de 12

O lipograma consiste em um texto literário no qual o autor deliberadamente exclui uma ou mais letras do alfabeto. Essa forma literária, praticada na antiguidade, caiu no esquecimento durante o século XIX.

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uma personagem. Porém a obra de Perec na qual os elementos do jogo foram incorporados de forma mais radical é A Vida: manual do usuário (1991), exemplo daquilo que Calvino designou de hiper-romance, na qual múltiplas narrativas de vingança, querelas familiares, entre outras, mesclam-se à história de um excêntrico milionário cujo projeto de vida consiste em pintar aquarelas que serão transformadas em quebra-cabeças que o próprio milionário Bartlebooth irá montar. Depois, essas aquarelas serão levadas ao local de origem onde serão destruídas, de forma que seu projeto de vida torna-se cíclico. As descrições detalhadas das ações das personagens e do ambiente onde vivem – todas moram no mesmo prédio – não permite ao leitor, no entanto, entender as partes do livro de forma coerente, até que se chegue ao final da leitura – exatamente como ocorre com as peças de um quebra-cabeça. Sobre isso, Perec comenta no prefácio da obra:

"(...) a existência dos elementos não precede à existência do todo, não vem antes nem depois dele, de maneira que as partes não determinam a forma, mas a forma determina as partes. (...) (Perec: 1991, IX)."

Além de estruturar essa obra como um jogo (quebra-cabeças), Pérec também determina a passagem de um apartamento a outro se baseando no movimento do cavalo no xadrez – para completar o projeto de realização de um romance "desenhado, calculado e decidido pelo outro". Essa ênfase maior no processo do trabalho do que na "inspiração" responde a alguns questionamentos que surgiram no mundo literário, a partir de mudanças culturais e sociais vividas no fim do último século. Muitas dessas questões ganharam projeção com a utilização de novas mídias – como o computador – nas quais possibilidades inéditas de interação e participação fizeram com que a figura do autor centralizador de todas as decisões relativas ao

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andamento da narrativa fosse profundamente abalada. Isso porque elementos como simultaneidade e não-linearidade, encontrados esparsamente nos textos13 impressos ganham, em hipermídia, uma maior flexibilidade. Assim na hipermídia, por meio do suporte digital computacional (bits), são otimizadas algumas informações referenciais que podem estar dispostas em arquitextos. Percebemos melhor essa diferença quando comparamos um arquitexto e sua respectiva versão em hipermídia; uma enciclopédia, por exemplo. A enciclopédia em hipermídia permite, além de uma maior rapidez e flexibilidade, a incorporação de ferramentas e tecnologias computacionais - como as referências cruzadas -, facilitando a utilização de informações e recursos simultâneos e não-lineares. Rouse (2001, 125 - 127) acredita que a não-linearidade é um elemento chave na elaboração de jogos de videogame, principalmente aqueles que trabalham, de alguma forma, com modalidades narrativas. O autor propõe o entendimento de quatro elementos de não-linearidade presentes nos videogames, que podem interagir entre si para fazer "o todo maior do que a soma das partes": em termos da história do jogo (storytelling), em termos de como o jogador irá resolver os desafios do jogo (múltiplas soluções), em termos da ordem em que o jogador cuida dos desafios (ordenação) e em termos de quais desafios o jogador escolhe para se juntar (seleção). Sobre a utilização da não linearidade em diferentes suportes ou tecnologias, Bairon (1998) enfatiza o fato de que: “(...) a não linearidade se constitui na semiose essencial, constituinte do mundo, e não pode ser definida única e simplesmente pela tecnologia na qual estamos presos, porém, esta última pode delegar uma ontologia linear àquela”. (Bairon, 1998)

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Principalmente m notas de rodapé e índices, que funcionam como espécies de links.

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Em um sistema complexo dinâmico, a ênfase está no processo comunicacional interativo, pois cada parte constituinte (emissor ou receptor) já é um centro emissor, receptor e decodificador de uma mensagem ao mesmo tempo. Há uma dinâmica própria de interação entre seus centros componentes. Esta é a finalidade teleológica deste sistema, a ação diretora que o fim exerce sobre os meios, oposta ao mecanicismo, para o qual há no mundo uma finalidade que se sobrepõe à causalidade eficiente. A idéia de um centro único (unicentrismo) está normalmente relacionada, em diferentes épocas e culturas, com uma tradição unívoca. Observamos na hipermídia a presença do policentrismo, a co-existência de diversos centros concomitantes. Cada usuário pode ser emissor e receptor ao mesmo tempo, isto é, a inteligência não está mais centrada em um emissor, como no caso da televisão, por exemplo, mas distribuída de forma rizomática graças a sua multidirecionalidade e seu policentrismo. A organização e o relacionamento dos diversos centros na hipermídia tornase tão complexa que Leão (1999, 70) faz uma nova analogia com as estruturas labirínticas e suas experiências concebidas como um jogo em que diversos centros se entrelaçam. O recente surgimento, a rápida expansão e as complexidades instauradas pela hipermídia trazem consigo problemas referentes às questões tangentes à aplicação de uma metodologia capaz de estudar e analisar, de forma adequada, sua natureza e complexidade. Bairon (1998) propõe o estudo e a compreensão da hipermídia para além de conceitos isolados, sob uma nova ótica interdisciplinar, uma vez que a própria pragmática peirceana permite a superação das distinções tradicionais, o que possibilita a colocação de temas diversos em um mesmo patamar.

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Antes de falar deste método propriamente dito, cabe aqui ver as mudanças instauradas na ciência moderna contemporânea, diante de pensamentos e complexidades resgatadas e inauguradas e que nos possibilitam a abertura de novos horizontes, permitindo pensarmos hoje em novas metodologias para o estudo, a análise e a criação da hipermídia para além de um enfoque mais tradicional, inadequado e incapaz de dar conta da variedade e da complexidade das questões que envolvem o seu universo.

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1.4 – Mudanças nas estruturas científicas “ Assim como falham as palavras quando querem expressar qualquer pensamento, assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade”.

Fernando Pessoa As “revoluções científicas” constituem uma quebra no consenso e promovem a transição de um paradigma a outro. Descritas dessa forma, as “revoluções científicas” podem parecer atos isolados e inéditos, realizados por alguns poucos estudiosos geniais. Na verdade é possível que em parte sejam obra do gênio de um indivíduo, mas também constituem o aproveitamento da experiência científica acumulada. O que há de recorrente em todos os casos de “revolução científica”, independentemente da área de sua ocorrência, é que ela provoca a desintegração de uma unidade tradicional, forçando a comunidade científica a rever toda a teoria anterior e reformular suas idéias e conceitos que norteiam a práxis de uma determinada ciência. É a ciência moderna que propõe um diálogo singular entre a “ciência técnica”, que tem a ambição de modelar o mundo, e a “ciência teórica”, que tem a ambição de compreender o mundo. A união destas disparidades está cada vez mais possível dentro de uma metamorfose da ciência. A incorporação de elementos como a complexidade, a subjetividade e o devir, por exemplo, vislumbra a possibilidade de uma terceira via, uma síntese destas duas categorias. Ocorre ainda uma certa desmistificação em torno da ciência moderna: questionamentos sobre as relações entre o ser, eterno e imutável, e o devir; ou sobre gênese a partir de um meio indiferenciado (questões já apontadas e

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refletidas desde a Grécia antiga por pensadores como Demócrito, Platão e Aristóteles) voltam a ser discutidas novamente hoje. Além disso, a ciência moderna utiliza-se de um procedimento experimental, não trabalhando em cima de princípios postulados, mas com experiências do pensamento amparadas na complexidade das próprias coisas em si. Não se pode forçar a natureza a fazer tudo o que é esperado de antemão, e, sim, aceitá-la enquanto um ser independente, deixando-a manifestar-se por meio de sua própria linguagem, sempre maior e mais complexa. Esse “jogo científico” estabelece um novo diálogo com a natureza e aceita a influência da cultura na qual o próprio homem está inserido. Neste sentido, o diálogo experimental é uma aquisição irreversível. Ocorre, desta forma, a incorporação da crença enquanto elemento de arbitrariedade, que passa a ter um papel importante dentro do próprio desenvolvimento científico. Teoria e fato científico não são, deste modo, categoricamente separáveis. Todavia, a ciência moderna exige que “sua assimilação requeira a reconstrução da teoria precedente e a reavaliação dos fatos anteriores”. (Kuhn, 1975: 26). Para Prigogine e Stengers (1984), vivemos atualmente um momento de transição entre as chamadas ciências clássica e moderna. Um momento onde estamos aprendendo a lidar conjuntamente com as relações entre o nível elementar e o complexo. Essa nova compreensão serve de mote para cientistas e pesquisadores romperem barreiras e proporcionarem novas leituras estruturais no

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relacionamento com suas ciências, seus respectivos objetos e até mesmo com outras áreas14. A ciência hoje procura, portanto, superar seus próprios paradigmas, ignorando a onisciência e incorporando as metamorfoses da natureza. Procura ser aberta, livre de preconceitos e interdisciplinar.

A ciência que, no passado

ancorou-se nos discursos teológicos, aproxima-se hoje da tecnologia, criando a possibilidade de um novo diálogo cultural e uma nova aliança com a natureza, incorporando o jogo experimental e a aventura exploratória da ciência. A respeito dessa "colisão" entre as áreas de exatas e humanas, de ciência e tecnologia, Johnson (2001) afirma: "Mas o que surpreende não é a própria colisão – é o fato de ela ser considerada novidade. Poderíamos pensar que a vida de Leonardo da Vinci ou de Thomas Edison seriam suficientes para nos convencer de que a mente criativa e a mente técnica coabitam de longa data (...) Há uma coisa engraçada acerca da fusão da tecnologia e da cultura. Ela fez parte da experiência humana desde o primeiro pintor das cavernas, mas temos tido muita dificuldade em enxergá-la até agora" (Johnson: 2001,8).

Para o autor essa fusão parece ser mais factível pelo fator da velocidade com que tudo isso acontece hoje; velocidade demasiadamente maior que os casos precedentes, o que torna esse estágio mais abreviado temporalmente, portanto mais "visível". "A explosão dos tipos de meios de comunicação no século XX nos permite, pela primeira vez, apreender a relação entre a forma e o conteúdo, entre o meio e a mensagem, entre a engenharia e a arte. Um mundo governado exclusivamente

14 Como resultado destas questões introduzidas à história das ciências, há uma revolução historiográfica, ainda em seus primeiros estágios. Autores que trabalham com estas questões, como Alexandre Koyré, buscam, por exemplo, apresentar uma integridade histórica de uma determinada ciência a partir de seu próprio contexto. Procura-se assim apontar um novo viés, sugerindo que a pesquisa científica possa se desenvolver independentemente de esquemas tradicionalistas preestabelecidos.

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por um único meio de comunicação é um mundo governado por si mesmo" (Johnson: 2001,5).

Com a crescente instauração e desenvolvimento de ciências que exploram essas características – como a própria semiótica –, o diálogo entre ciência e arte é cada vez mais fértil e comum. Da mesma forma podemos pensar em diálogos possíveis da narrativa com a hipermídia e o jogo, entre inúmeros outros. A questão do jogo apresenta-se aqui como fundamental, não só para o entendimento deste panorama, como também, sob o ponto de vista da hermenêutica, para a análise de suas relações com as formas expressivas da hipermídia e da narratividade.

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1.5 – A forma de ser da reticularidade e do jogo na hipermídia Dentro da tradição de uma linearidade metodológica, a experiência da dispersão é considerada como algo pejorativo ao conteúdo, isto é, não interessa nesta lógica se perder no labirinto e deixar se envolver por sua complexidade, nem desbravar novos mares. Apesar desta tradição de se enfatizar os caminhos semânticos, a compreensão em si nunca se manifestou desta forma, pois: “Reticularmente é como se desdobra toda compreensão (...) A linguagem da reticularidade é o jogo”. (Bairon, 1998). Da mesma forma, a possibilidade de se jogar com a contradição também é importante para nos oferecer a circularidade da compreensão, contrária à qualquer dimensão semântica que pretenda fechar o mundo em elementos objetivos. O experimentar é supervalorizado na hipermídia, pois por meio da experimentação o usuário é motivado a se envolver e a interagir com a obra imersiva que se oferece a ele. Sobre essa questão, Bairon (2000) afirma que: “Num sistema de hipermídia, o equívoco pode ser compreensão, na mesma proporção em que dispersão não subverte a compreensão”. (Bairon: 2000, 55) O equívoco e a dispersão só podem existir no interior da multivocidade, da multiplicidade das vozes, e não da sua unicidade. Por isso, podemos entender a essência da hipermídia como algo fundamentalmente mutável. Assim, a ação na hipermídia não está totalmente fechada, mas em constante desequilíbrio. São cultivados, desse modo, traços mnemônicos que aproximam a experiência da virtualidade com a própria ação do ser no cotidiano e na vida em sociedade. Temos, entretanto, no tempo do relógio aplicado a ação do ser no cotidiano algo desterritorializante, virtual. Existe no cronotopos cotidiano um outro tempo, o

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tempo próprio da descoberta e da repetição do jogo. Nessa estrutura reticular, o tempo mecânico, cartesiano, não faz mais sentido. Dessa forma, a repetição e a reticularidade vão ao encontro da heterogeneidade, do jogo do alter. Na hipermídia o tempo do usuário (jogador), do jogo e da coisa que se joga é o mesmo, pois operam concomitantemente. Desta forma o jogo em si é ao mesmo tempo representação e autorepresentação. A representação do jogo é própria, independente do jogador. Tem o caráter mimético, como nos diz Gadamer, por isso mesmo, o auto-representar-se é a verdadeira essência do jogo e da própria obra de arte também na hipermídia, como analisa Bairon (1998): “A auto-representação da comunicação que se dá através do modo de ser da hipermídia, aponta para existência de um giro ontológico demarcado pela transformação e pela construção, pois de qualquer momento ou sentido, podemos partir para qualquer outro momento ou sentido” (Bairon: 1998) No interior da hipermídia, assim como no nosso cotidiano, o significado normalmente não se dá a priori, pois a significação enquanto ergon existe basicamente para se ressignificar, conforme nos afirma Santaella (2001): “A ressignificação é o único sentido que pode fazer sentido, porque sentido é aquilo que surge quando menos se espera”. (Santaella: 2001, 409). A repetição não é mais entendida dentro desta lógica como uma mera mesmice ou redundância, valorizando assim o prazer da vicissitude, do vaivém. Para a hermenêutica, a experiência estética é aquela que representa a forma essencial de imersão no mundo. Da mesma maneira que a obra de arte contém um mundo em si, a experiência estética deve conseguir tirar de si mesma a sua conexão com a vida. Destarte, a experiência estética é e sempre será inacabada, porque representa um todo e, não, a unidade de um processo.

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Portanto, assim como a nova visão científica, a abordagem metodológica para ser pensada e eventualmente aplicada em hipermídia não pode procurar entender os seus fenômenos como elementos concretos ou como baldrames de preceitos universais. Os valores hermenêuticos e ontológicos referentes à obra de arte aqui analisados devem ser os mesmos aplicados também à hipermídia. A imersão - fundamental para os julgamentos hermenêuticos e ontológicos em hipermídia se torna possível, pois sua própria techné se divide entre sua aplicabilidade e sua condição conceitual que define toda imersão como uma técnica como horizonte. O resultado disso é uma virtualidade responsável pela conquista da ampliação de unidades de sentido. A imersão em hipermídia deve ser encarada como – para usar um termo lacaniano – mostração; como um novo espaço aberto às manifestações do ser que se apresenta como uma construção permanente de sentido. O sentido é um jogo que sempre depende de seus contextos para se transformar em comunicação. Nas palavras de Bairon (2000): “A mostração lacaniana trata da verdade como um processo de diástole de sentido, submetendo todo processo de produção de sentido e verdade a partir de leis de formação não pré-estabelecidas, já que devem ser construídas (...) Desta forma, mostração é sempre abertura e, sendo abertura, será sempre realização do inconsciente”. (Bairon: 2000, 72-73)

O horizonte imersivo em hipermídia ultrapassa o seu caráter noumênico (o em si) para atingir a sua dimensão fenomênica (a relação do sentido com o em si), valorizando o conceito de causalidade kantiniano. Há

desta

forma

uma

sobrevalorização

na

hipermídia

do

“como

hermenêutico” – que se remete às afirmações anteriores às interpretações e representa a coisa que desaparece como instrumento e se revela – em relação ao “como apofântico” – que se remete à objetividade de sua designação e representa a coisa que aparece como um objeto à mão. 58

Isso se repercute também na arquitetura hipermidiática, onde o conteúdo aponta para além de si mesmo, de acordo com seu uso e seu lugar no contexto espacial e, logo, temporal também. Neste sentido, Santaella (2001) acredita que: “Modelar, neste caso, significa encontrar uma imagem magna que funcione como sistema nervoso central para o espraiamento prismático das idéias” (Santaella: 2001, 406) O usuário-navegador pode então se tornar autor, ou co-autor da obra, pois além de explorar o conteúdo pré-estabelecido por meio de novas ligações, pode ainda criar essas estruturas. A produção de hipermídia é, portanto, um desafio múltiplo de criação: o quê, como, quando, onde e porquê fazer, adquirindo a condição de torre de Babel, sendo impossível pensar em termos de uma compreensão finalizada, o que seria sinônimo de congelamento ou significado monolítico. A interação descontínua e não linear que então é propiciada ao usuário de hipermídia, só é possível pela disponibilidade de um roteiro que suporta um sistema multidimensional de conexões. A respeito deste tema, Santaella (2001: 394) observa que o usuário tem a possibilidade de refletir sua própria rede cognitiva, de acordo com a coerência do desenho estrutural e da abertura do percurso a ser percorrido por ele mesmo. O roteiro hipermidiático é entendido aqui como um “modelo-mapa-desígnio”, um mapa que contém, além das rotas de navegação, programas de viagem do usuário para um território imaterial, feito basicamente de fluxos e nexos, operando sempre de forma dinâmica, conforme nos explicita Santaella (2001) em essa outra passagem: “Assim como um ideograma desenha a forma de uma idéia, a estrutura de uma hipermídia deve se parecer a um hipergrama dinâmico, uma cartografia móvel da miríade de idéias que nela se organizam (...) Um tal modelo (roteiro em hipermídia) evidentemente não pode ser estático, pois isso inibiria o aspecto

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mais significativo do modelo de todos os modelos hipermidiáticos: seu funcionamento associativo por similaridade e contigüidade, mimetizando o próprio funcionamento das ações mentais humanas”. (Santaella: 2001, 406)15

Esse “modelo-mapa-desígnio” pode ainda ser definido pela noção peirciana de diagrama, conforme nos explica Santaella (2001) em este outro momento: “O diagrama como veículo para manipulações e experimentações mentais encontra na hipermídia um território operacional real, pois, nele, as manipulações mentais podem viajar do plano da imaginação para o plano da ação imediata. A navegação transforma a experimentação diagramática em ato” (Santaella: 2001, 410).

O desenrolar de interesses do usuário nesta disposição orgânica se aproxima da descrição de reticularidade, porque neles a navegação acompanha o tempo e o ritmo próprio do cotidiano. Esse desenrolar é calcado nas questões da antecipação de sentido e do pré-juízo. A antecipação de sentido é um recurso muito útil para o descobrimento de novos horizontes em qualquer cadeia de pensamento reticular. O pré-juízo é direcionado às questões da antecipação do sentido e da circularidade da compreensão, da reticularidade. Subjacente a estas idéias existe o conceito de que as partes que delimitam o todo adquirem qualquer sentido somente a partir deste todo, isto é, de uma totalidade aberta. No processo de imersão em horizontes, a percepção, como parte da moção da compreensão, nunca está isolada deste todo. São os pré-juízos verdadeiros e falsos que acabam fazendo o usuário se aproximar ou se desviar das coisas a cada instante, de seguir um rumo próprio entre as inúmeras opções possíveis.

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Os parênteses são grifos meus

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A medida que o usuário vai se enredando nos conteúdos encontrados na hipermídia, vai desenvolvendo - ainda que intuitivamente - a capacidade de lidar com a antecipação do sentido que todo caminho multiopcional oferece. Como o explorador do labirinto ou o navegador que, quanto mais perdido estiver, mais opções de interatividade irá encontrar. Santaella (2001), entretanto, nos alerta para o fato de que os vestígios que serão encontrados pelos usuários não devem ser didáticos, nem entrópicos, afim de que o usuário possa atingir um determinado alvo, ainda que seja a sua própria desorientação: “Enfim, as pistas estruturais (vestígios) devem encontrar um ponto de organização estratégico, justo e sugestivo, capaz de convidar a atenção, sem cair no mero didatismo, de um lado, nem mergulhar na entropia cognitiva, de outro. Como em um labirinto, a mais hábil dentre todas as metáforas para a hipermídia, o prazer de se perder só pode ser intensificado quando apoiado na expectativa persistente de que a promessa de um alvo a ser atingido será eventualmente cumprida”. (Santaella: 2001, 395)

Por meio dos pré-juízos e da antecipação de sentido, a reticularidade gera ainda, a simulação da compreensão em dois momentos distintos, mas complementares: primeiro quando escolhe a habitação construída como o locus mais apropriado ao modo de ser da linguagem e, segundo, quando procura sempre ultrapassar os limites dessa própria habitação e se perder no mundo da multiplicação dos horizontes. A compreensão pode, assim, explorar um determinado e específico horizonte em sua complexidade própria, ou partir para o descobrimento também complexo de novos horizontes. A compreensão, entretanto, não precisa ser oferecida, ela já é o próprio modo de ser do estar aí. Não saímos normalmente da compreensão, pois sua dinâmica está presente no âmago de todas as coisas. Mesmo a não compreensão

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pode ser entendida como compreensão, como a compreensão de que algo não foi compreendido. Enquanto interação, a compreensão tem no jogo da obra de arte uma de suas bases. O jogo revela a verdade como experiência estética. Encontramos no mundo da arte e do jogo tanto o que se revela quanto o que se esconde. Para Santaella (2001), o jogo na hipermídia tem um caráter fundamental: “Os jogos colocam em ação uma outra característica lúdica da hipermídia, a exploração da interatividade que é, por princípio, sempre lúdica”. (Santaella: 2001, 404). Da mesma forma, a essência do jogo e da arte também está diretamente relacionada à busca da identidade, na possibilidade de nos lançarmos a novos desafios, ainda que na aparente repetição do dia-a-dia16. Tal qual como o faziam os navegadores “quiméricos”. Para Bairon (2000), essa questão também se aplica a hipermídia: “Algo só pode se transformar em compreensão porque esconde um universo de sentidos não revelados. A compreensão na hipermídia é, essencialmente, uma presença feita de ausência”. (Bairon: 2000, 65). Na hipermídia, o prazer da busca cotidiana da identidade – que por estar localizada no próprio cotidiano também se renova à medida que se repete – está intrinsecamente relacionado com a questão da ausência, da falta, conforme podemos perceber nesta outra afirmação de Bairon (1998): “A falta é o fenômeno constitutivo de toda hipermídia na medida em que se apresenta como condição sine qua non da identidade. Esta se compõe da soma das possibilidades de navegação que virtualmente, vão se constituindo em ato a cada opção”. (Bairon, 1998)

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É preciso enfatizar que a repetição do dia-a-dia é, de fato, apenas aparente, já que cada dia é diferente de tudo o que foi e de tudo o que virá, carregando em si o germe da renovação. Os desafios cotidianos à medida que se repetem, também abrem, a cada vez, novos horizontes de imersão.

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Da mesma forma que a busca está relacionada com a falta, a imersão, por intermédio da interatividade, está relacionada com o outro e com a alteridade do ser na estruturação do jogo enquanto linguagem, já que: “(...) A interatividade constitui-se num paralelo mediatizado da atualização do inconsciente (entendido aqui tanto como mostração, como o discurso do outro), na medida em que vários sentidos que o sujeito presta ao interagir constituemse em momentos discretos de uma super rede que subjaz, discreta, mas determinante (...) Se o sujeito se encontra imerso na interação do jogo é porque seu agir e interagir com este outro virtual, que é o jogo possível de ser jogado (...), estrutura-se como linguagem”. (Bairon: 2000, 67)17

A imersão em ambientes horizônticos que se dá pela interação do jogo é a experiência basal do ser da compreensão em hipermídia, porque além de vislumbrar as possibilidades do outro e ali projetar seu(s) eu(s) e sua alteridade, o usuário encontra, a cada novo tempo, um novo campo de manifestação, uma nova abertura. Nesta imersão, o ser entende a si mesmo vivenciando o processo da compreensão e da imersão de maneira reticular. Tão logo algum sentido se forme neste contexto, o ser da compreensão já cria algum sentido do todo e para o todo, estruturando-o enquanto linguagem. A partir destas questões, Bairon (1998) propõe o entendimento da compreensão em hipermídia enquanto um jogo que define a linguagem baseada na interatividade da construção de sentido: “É nesta conjuntura que proponho uma compreensão da expressão da forma de ser da compreensão na reticularidade digital como um grande jogo, ou seja, um talhamento interativo de toda construção de sentido, definido em sua expressividade de linguagem. A maneira de ser da comunicação se constitui num jogo que, por um lado, redimensiona totalmente nossa interatividade com

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Os parênteses são grifos meus.

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as tecnologias de comunicação e, por outro lado, vem finalmente revelar o jogo como jogo de linguagem que inunda nosso cotidiano” (Bairon, 1998)

O usuário ativo que imerge na hipermídia encontra seu sentido enquanto manifestação da linguagem na possibilidade de modificação, de reconstrução da experiência do ser que a experimenta (self). O jogo é parte significante desse processo de compreensão, pois é ele que permite a imersão em ambientes horizônticos. No jogo, a realidade se apresenta como aparência e ilusão, presença e falta, pela tentativa de se apreender algo por meio da própria experiência. A experiência que se dá por meio da reticularidade da hipermídia não deixa de ser uma revelação da verdade, isto é, revela até que ponto aquele que conhece e reconhece algo nesta experiência hipermidiática e, até que ponto conhece e reconhece neste algo a si mesmo. Esse jogar na hipermídia proporciona a experiência do sentido em movimento, que se vai construindo durante e enquanto processo, pois a medida em que se desloca no seu interior, o usuário vai interagindo com a própria hipermídia. Assim sendo, a interatividade presente no jogo da hipermídia deve se sobrepor frente a qualquer rigidez metodológica. A respeito desta questão, Bairon (2001) comenta: “As coisas digitais e virtuais inseridas neste contexto de jogar, por um lado, superlativam, de forma inédita num meio de comunicação, todas as características do ato de habitar (a habitação só se dá após a construção) e, por outro lado, exploram, no desenrolar da compreensão enquanto jogo, a imersão em conceitos através de ambientes, como se nos fosse permitido hoje entrar numa obra de arte e conhecer o mundo através da experiência que esta imersão nos possibilita” (Bairon, 2001: 49)18.

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Os parênteses são grifos meus.

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Neste sentido, o jogo pode ser entendido ao mesmo tempo como sendo não determinado e determinado. Determinado, pois se pode recompor, a partir de um ponto de interrupção, os índices passados que serviram de elipse entre as ações realizadas, o que aparece, por exemplo, nas opções de comandos como “salvar como”. Indeterminado, pois jogar é um caminho mutável a ser percorrido; pertence à qualidade de ergon. Na repetição do caminhar e do interagir, observamos, como em nosso cotidiano, as relações de simulação (aquele que joga o jogo) e dissimulação (aquele que sonega o jogo) intensificadas. Neste caminho mutável do jogar, Bairon (2000) nos chama a atenção para o fato de que: “Caminhar e interagir constituem-se como homólogos entre estruturas diferentes, pois ambos revelam pontos discretos do prestar atenção na sua existência ou revelação (...) A revelação não se constitui numa solução do sujeito da interação frente ao outro, mas, sim, na sua formulação

propriamente

como

produto

resultante

(derivado)

da

interação, rede de significantes hipermidiáticos que constituem o estar-aí como linguagem” (Bairon: 2000, 67-68) Ativo na interatividade do jogo, o jogador é, ao mesmo tempo, um ser jogado que, como em um sonho, desconhece – pelo menos de maneira racional as regras do inconsciente, apesar de construir nele seu próprio horizonte. Presente em cena no jogo, o sujeito em hipermídia está imerso em caminhos que, mesmo não tendo um pleno domínio sobre eles, possibilitam a formação de novos horizontes de compreensão. Tanto o sonho – entendido aqui como um exemplo de manifestação do inconsciente - quanto o interior de uma estrutura hipermidiática são estruturados por regras abertas onde o sentido só existe enquanto processo interativo no jogar.

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“O que tais procedimentos revelam, acima de tudo, é que todo conhecimento tem algo de onírico. Imantado nessas camadas imersivas, o pensamento é jogo, coreografia de uma dança intelectual e sensível, graças à reticularidade multilinear da hipermídia (...)” (Santaella: 2001, 409).

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2 – Narrativas tradicionais " Uma obra dramática mostra a sucessão de exteriores do ato sem que em nenhum momento guarde realidade e sem que passe afinal de contas nada". Stéphane Mallarmé.

Podemos afirmar que o ato de narrar fatos e acontecimentos, de contar histórias, há muito acompanha o homem. O desejo de registrar essas narrativas revela-se em diversas formas, desde as pinturas rupestres até os atuais trabalhos que utilizam suportes tecnológicos de última geração. Barthes (1971) afirma que: "Além disso, sob estas formas quase infinitas, a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, não há em parte alguma, povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm suas narrativas, e freqüentemente essas narrativas são apreciadas em comum por homens de cultura diferente e mesmo oposta: a narrativa ridiculariza a boa e a má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está aí, com a vida" (Barthes: 1971, 18).

Percebemos que, mesmo em diferentes matrizes (sonoras, visuais e verbais), a estrutura narrativa possui elementos e estruturas recorrentes, possíveis de serem estudadas e analisadas como afirma Barthes (1971) em esta outra passagem: "(...) ou bem a narrativa é uma simples acumulação de acontecimentos, caso em que só se pode falar dela referindo-se à arte, ao talento ou ao gênio do narrador (do autor) – todas formas míticas do acaso – ou então possui em comum com outras narrativas uma estrutura acessível à análise, mesmo que seja necessária alguma paciência para explicá-la" (Barthes: 1971, 19).

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Essa afirmação de Barthes não invalida o fato de que cada forma de expressão possui suas próprias especificidades, que acabam por influenciar a dinâmica da narrativa. Isso fica evidenciado nos casos de adaptações, em que uma mesma história transforma-se em função do meio utilizado.

- Narrativas tradicionais: o conceito e seus elementos Entende-se aqui por "narrativas tradicionais", independentemente do suporte utilizado, uma designação genérica de narrativas herdeiras do modelo aristotélico estruturado no sujeito e no objeto, calcadas em um comum modelo progressivo linear das ações e em estruturas básicas de ordenação de seus elementos constituintes. Winck (2001) sopesa que as consideradas “narrativas tradicionais” – também chamadas por ele de metanarrativas - ordenam os eventos de modo seqüencial e diacrônico em que se: “ (...) constrói um argumento indutivo por meio de um epissilogismo , isto é, silogismo em que uma ou ambas as premissas são conclusão de um silogismo anterior”. (Winck: 2001, 54) Em outras palavras, reduz-se um problema a outro, podendo-se inferir um do outro e vice-versa. Neste contexto, o conflito – a premissa maior da narrativa – é resultado da proposição de um juízo analítico, em que uma dada resolução abdutiva não permite condições ou alternativas. Com isso, há geralmente apenas uma única ação principal – entendida como premissa dramática – a qual todas as ações consideradas secundárias se subordinam. Essa coerência teleológica é tradicionalmente distribuída na narrativa em três atos: início / apresentação; meio / confrontação e fim / resolução. Normalmente nessa disposição, o início e final da história apresentam-se fechados, dispostos nos extremos de seqüências fixas onde se encontram "a

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magnitude resoluta da história, sua unidade e totalidade" (Landow: 1997, 181). Mesmo nos casos em que uma narrativa parece terminar "aberta", ou seja, em que o final apresenta-se suscetível a mais de uma interpretação, essa "abertura" pode ser considerada apenas circunstancial, já que houve a manipulação por parte do autor da obra para a coroação de uma história com aquele tipo indeterminado de conclusão. Neste contexto, o enredo (plot) pode ser entendido como uma seqüência de ações fixas com um papel central. O todo narrativo contém um começo – que não necessariamente precisa vir depois de algo –, um meio – que vem depois de uma coisa (o começo) e antes de outra (o final) – e um final – que vem depois de algo (o começo e o meio) - e pode ou não oferecer (possibilidade de) continuação. No entendimento de Aristóteles (2001), um enredo bem construído não pode começar nem acabar em qualquer ponto, devendo além de ter uma provável ou necessária seqüência de eventos, seguir a lógica começo – meio – fim. O enredo, dentro da concepção aristotélica, é uma estrutura dinâmica que integra os diversos eventos narrativos em um todo (a história em si). Produz-se desta maneira, uma síntese temporal-espacial de circunstâncias, objetivos e significados heterogêneos. Assim, por associações predicativas, um evento múltiplo e multifacetado é integrado em um todo – que para o filósofo grego, por ser maior do que a soma das partes deve conter algo da ordem daquilo que chamou de magnitude. Esta magnitude é o que permite ao leitor ou espectador fabricar uma história completa a partir dos fragmentos apresentados pelo autor. Assim, ao deparar-se com uma cena em que a personagem principal traz na mão um machado e afirma ter sido agente de uma tragédia, por exemplo, o público logo busca completar a afirmação com hipóteses sobre o ocorrido: teria ela ferido ou assassinado alguém? Quem teria sido sua vítima? Neste sentido, Barthes (1971: 50) observa no sistema da narrativa dois processos fundamentais: a articulação, ou segmentação, que produz unidades (é

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o que Benveniste chamou de forma) e a integração, que recolhe estas unidades em unidades de um nível superior (sentido). A integração é um fator de isotopia que permite orientar a compreensão de elementos descontínuos, contíguos e heterogêneos (dados pelo sintagma da sucessão), impregnando os signos da narratividade e seus contextos. As seqüências narrativas podem, portanto, imbricar-se, isto é, podem unirse por elos de forma seqüencial. Assim, a narrativa ao mesmo tempo é (tient) e pretende ser (aspire), ou seja, a compreensão na narrativa, assim como na reticularidade cotidiana, no jogo e na hipermídia, é essencialmente uma presença feita de ausência. A linguagem narrativa tradicional condensa a história num fluxo sígnico temporal-espacial próprio: “Assim, a tecnologia narrativa sistematiza o fenômeno recortando-o e emoldurando-o numa sucessão de fatos encadeados e coerentes entre si” (Winck: 2001, 23). Analisando esta questão sob o domínio semiótico dos eixos paradigmáticos, Barthes (1971) pondera que: "A narrativa apresenta-se assim como uma série de elementos mediatos e imediatos, fortemente imbricados; a distaxia orienta uma leitura horizontal, mas a integração superpõe-lhe uma leitura vertical: há uma espécie de "encaixamento" estrutural, como um jogo incessante de potencias, cujas quedas variadas dão a narrativa seu "tônus" ou sua energia (...)" (Barthes: 1971,56).

Howard e Mabley (1996, 54) afirmam que o paradigma da divisão e estruturação narrativa em três atos – que se manifesta, portanto, de maneira isotópica por meio do processo de integração - é o que mais se ajusta às fases da vivência que o público tem com as "narrativas tradicionais", que estabelece com ele, portanto, um certo processo de entropia:

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"O primeiro ato envolve o espectador com as personagens e com a história. O segundo ato o mantém envolvido e aumenta o seu comprometimento emocional. O terceiro ato amarra o enredo e leva o envolvimento do espectador a um final satisfatório. Em outras palavras, uma história tem um começo, um meio e um fim". (Howard e Mabley: 1996, 54)

Field (1996: 21) determina até mesmo um modelo a ser seguido em que estabelece o número exato das páginas em que devem ocorrer cada uma dessas etapas, bem como sua extensão19. Para Comparato (1996: 20 - 21), um roteiro narrativo é composto ainda por três aspectos fundamentais: o logos, que é o discurso, a estruturação verbal de um roteiro; o pathos, que é o conflito dramático (seja uma tragédia ou uma comédia) que desencadeia os acontecimentos da história; e o ethos, que é a moral, a ética, o significado da história, ainda que este seja uma indagação. Dentro desta lógica existem, ainda segundo Comparato (1996: 22 - 29), seis etapas responsáveis pelo processo de formação de um roteiro: a idéia, isto é, a semente da história, o acontecimento que provoca no autor a necessidade de narrar fatos artificiais ("imaginários") ou naturais ("reais"); o conflito, a confrontação de forças e personagens com a qual a ação se desenvolve, as personagens, isto é, aqueles que vão viver a ação dramática; a própria ação dramática, a estrutura, a maneira pela qual a história será contada; o tempo dramático, o ritmo e a cadência narrativa; e a unidade dramática, etapa em que o roteiro adquire uma unicidade, passando a ser visto como um produto finalizado, ou pelo menos, pronto para ser executado.

19 Para tanto, o autor se baseia em um modelo de roteiro de longa metragem de 120 páginas, o que corresponderia a duas horas de filme. Assim, a apresentação (25%) estaria entre as páginas 1 e 30, o primeiro ponto de virada entre as 25 e 27, a confrontação (50%) entre as 30 e 90, o segundo ponto de virada entre as 85 e 90 e a resolução (25%) entre as 90 e 120. O autor recomenda ainda, que em caso de outras dimensões ou suportes seja mantida a mesma regra.

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Neste design tradicional narrativo, existem quatro momentos estratégicos que promovem e articulam a coerência interna entre as partes: o detonador (ou catalisador), o primeiro e o segundo pontos de virada (ou pontos de giro) e o clímax. O detonador, localizado no primeiro ato, coloca a trama em movimento e apresenta, ainda que parcialmente, os contextos da trama e os objetivos do protagonista. O primeiro ponto de virada liga o primeiro ato ao segundo, fazendo a narrativa ir a uma direção aparentemente inesperada, tanto para o público quanto para o protagonista. O segundo ponto de virada liga, por sua vez, o segundo ato ao terceiro, proporcionando uma nova guinada, apontando para a resolução do conflito. Finalmente no clímax, dentro do terceiro ato, resolve-se o conflito, com a proposição da “moral da história”.

APRESENTAÇÃO

I

CONFRONTAÇÃO

I (25%) detonador

I 1º P.V.

I

RESOLUÇÃO

I

(25%)

I (50%)

2º P.V.

clímax

diagrama estrutural do paradigma narrativo da divisão em três atos

Deemer (1997) questiona a presença, dentro das estruturas "narrativas tradicionais", daquilo que ele mesmo denominou de “a tradicional visão única do autor”, isto é, uma forma de comunicação unívoca em que a história, além de proporcionar o padrão estrutural aqui apresentado, não permite uma plena interatividade do público com a história, seja ela apresentada em livro, teatro, cinema, televisão ou outro suporte qualquer. A respeito dessa questão o autor indaga:

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“O que significa ter um plot, dois ou mais sub-plots, personagens principais, secundários e figurantes, se todas as tramas e todos as personagens estão ativos no espaço performático, o tempo todo, do começo ao final da história? (...) O que um autor apresenta para nós em uma narrativa é algo altamente pessoal, um desvio artístico da história que depende de suas escolhas pessoais: o que enfatizar aqui ou ali etc. É uma forma totalmente pessoal de “modelar” o material que nos é passivamente transmitido por meio de uma ação linear e padronizada” (Deemer: 1997).

Na construção da "narrativa tradicional", há um direcionamento da percepção do leitor, ou seja, ele só terá acesso àquilo que o autor apresenta ou deixa transparecer com palavras, sons e imagens. Em geral, este mesmo leitor não tem como acompanhar elementos deixados de lado pelo tronco principal da narrativa. Porém a importância desses elementos "fora de cena" nem sempre é secundária; muitas vezes ela pode ser central, como nas narrativas de terror ou suspense, em que o que justifica o acompanhamento da trama é justamente descobrir o que havia ocorrido nos "bastidores": quem matou a senhora X na noite do blackout, ou eram mesmo fantasmas assombrando aquela pobre família? É certo que atualmente conhecemos diversas obras, em diferentes campos artísticos (como teatro, cinema, literatura...), que foram bombardeando o modelo aristotélico de construção narrativa – peças em que o público tem a oportunidade de andar pelas locações (cenários) e até mesmo interferir no rumo da história, romances em que a "ação" ocorrem apenas no universo psicológico das personagens, filmes que mostram uma sucessão de imagens raramente intermediadas por diálogos... As linhas que outrora dividiam as narrativas em fatias estanques de tempo, em campos a serem privilegiados, em heróis e bandidos, parece terem se tornado cada vez mais tênues. No entanto, ainda a maior parte das obras que são consumidas em massa, como os best sellers ou os grandes lançamentos de Hollywood, aplica pelo menos alguns desses elementos constituintes das "narrativas tradicionais" em sua

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estrutura. Talvez porque utilizando estruturas que possam ser facilmente decodificadas torne-se mais fácil estabelecer empatia com o já massacrado grande público, facilitando assim a sua comercialização.

- Análise estrutural narrativa de Barthes Conforme a afirmação de Barthes transcrita nas páginas iniciais deste capítulo, é possível, com alguma paciência, penetrar na estrutura profunda que constitui as narrativas. Para isso, Barthes (1971: 25-26) classifica os níveis de descrição das obras narrativas em: funções – tal qual o termo foi tratado em Propp e depois retomado por Bremond -, ações – que equivale ao conceito de actantes em Greimas – e narrações – que corresponde por sua vez ao conceito de discurso em Todorov. "A função é evidentemente, do ponto de vista lingüístico, uma unidade de conteúdo: é "o que quer dizer" um enunciado que o constitui em unidade funcional, não a maneira pela qual isto é dito" (Barthes: 1971, 27).

O autor considera que as unidades narrativas são substancialmente independentes

das

unidades

lingüísticas,

podendo,

casual,

mas

não

sistematicamente, coincidir. Assim, as funções narrativas são representadas ora por unidades superiores à frase (grupos de frases de talhes diversos, até a obra no seu todo), ora inferiores à frase, sem deixar de pertencer ao discurso. Há Assim, segundo o mesmo autor, duas grandes classes de funções: as distribucionais (informantes) e as integrativas (que compreendem todos os índices): "Informantes e índices recobrem, portanto uma outra distinção clássica: as informantes implicam relata metonímia, as índices relata metafóricos; uns correspondem a uma funcionalidade do fazer, as outras a uma funcionalidade do ser" (Barthes, 1971, 30).

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Nas funções informantes, a notação possui correlatos, isto é, a unidade se remete a atos complementares e conseqüentes (sanção sintagmática). As funções índices, por sua vez, possuem uma natureza vertical de suas relações, isto é, remetem a um significado, não a uma operação (sanção paradigmática). Os índices se encontram em relações paramétricas, implícita, contínua e extensiva à obra ou às suas unidades (atmosfera, personagens sentimentos etc). "Os índices tem, pois sempre significados implícitos; os informantes, ao contrário, não o tem, pelo menos ao nível da história: são dados puros imediatamente

significantes.

Os

índices

implicam

uma

atividade

de

deciframento: trata-se para o leitor de aprender a conhecer um caráter, uma atmosfera;

os

informantes

trazem

um

conhecimento

todo

feito;

sua

funcionalidade, como a das catálises, é pois fraca, mas não é nula (...), serve para dar autenticidade à realidade do referente, para enraizar a ficção no real: é um operador realista, e neste título, possui uma funcionalidade incontestável, não ao nível da história, mas ao nível do discurso" (Barthes: 1971, 33).

A simples distinção entre essas duas funções já nos permite observar que algumas narrativas, como os contos populares, apresentam mais fortemente uma função informante, enquanto outras, como os romances psicológicos, uma função índice. Podemos observar, ainda segundo Barthes, duas subclasses de unidades narrativas: os núcleos (ou funções cardinais), que constituem articulações da narrativa, e as catálises (ou funções fáticas), que com sua natureza contemplativa preenchem o espaço entre essas articulações. As catálises possuem uma funcionalidade puramente cronológica, servem para preencher as narrativas com fatos que separam momentos substanciais da história, enquanto os núcleos apresentam uma dupla função, ao mesmo tempo consecutiva e conseqüente. Barthes (1971, 32) complementa afirmando que:

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"As funções cardinais são o momento de risco da narrativa; entre estes pontos da alternativa, entre estes dispatchers, as catálises dispõem de zonas de segurança, de repouso, de luxos; estes "luxos" não são entretanto inúteis (...) A função constante da catálise é pois, em todo estado de causa uma função fática (para retomar a palavra de Jakobson): mantém o contato entre o narrador e o narratário (narrataire)". (Barthes: 1971, 32)

Barthes (1971: 34) atenta ainda para o fato de que certas unidades podem ser mistas. Uma personagem que bebe uísque em um aeroporto pode servir de catálise à notação (cardinal) de esperar, bem como índice de uma atmosfera de sofisticação, por exemplo.

- A noção de personagem na narrativa A noção de personagem dentro das narrativas tradicionais corresponde a um agente que normalmente se apresenta sob a forma de um ser fictício - mesmo quando inspirada ou baseada em "pessoas reais", a personagem é sempre, dentro desta perspectiva, invenção - que vive na obra narrativa, desempenhando as ações e as funções ativas presentes em seu enredo. Para Ataide (1972), por exemplo: "A personagem é um suporte para a comunicação da experiência do artista e um dado essencial para a completação de sua mundividência. A personagem é capaz de provocar o enredo, como pode ser provocada por este. A personagem vive na obra através do comportamento que o artista lhe atribui" (Ataide: 1972, 37).

A personagem também pode ser entendida como agente ou actante, ultrapassando a noção de pessoa, já que pode ser um prédio, uma cidade ou um

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animal, por exemplo. Destarte, Barthes (1971: 41) afirma que: "(...) não existe uma só narrativa no mundo sem personagens, ou ao menos sem agentes". Em um primeiro momento histórico (ocidental) da narrativa, correspondente às histórias épicas e as tragédias clássicas, a noção de personagem era secundária, já que esta se submetia a noção de ação. Mais tarde, na Europa do século XVII, a personagem começa, gradativamente, a adquirir consistência psicológica, tornando-se um ser, um indivíduo plenamente constituído. Assim as personagens podem ser entendidas ainda hoje, não segundo o que são, mas segundo o que fazem: as articulações da práxis. Desta forma, conceitualmente as personagens não estão mais diretamente subordinadas à ação na estrutura narrativa, ainda que a única forma pela qual o leitor possa conhecer a personagem e sua consistência seja por meio de suas "atitudes" na obra, sejam elas pensamentos, falas ou ações propriamente ditas. Nos autores estudados há um consenso sobre o fato de que o desenvolvimento das classes psicológicas e da dinâmica visual das personagens é essencial para o desenvolvimento da própria narrativa. Field (1996, 44) afirma, por exemplo, que: "O bom personagem é o coração, a alma e o sistema nervoso do roteiro. É por meio das personagens que os espectadores experimentam emoções e são sensibilizados. Criar bons personagens é essencial para o sucesso do roteiro; sem personagens, não há ação; sem ação, não há conflito; sem conflito, não há história; sem história, não há roteiro" (Field: 1996, 44).

Dessa forma, Field complementa a asserção anterior de Barthes, colocando em termos mais concretos a relação de dependência recíproca que existe entre personagem e narrativa. A personagem pode ser classificada quanto a sua importância ou hierarquia, sua função e sua tipologia (Ataide: 1972, 41-46). Temos assim, em 78

termos hierárquicos, as personagens principais, aquelas sobre a qual incidem o foco maior da narrativa; as personagens secundárias, aquelas que formam o pano de fundo para o desenvolvimento das ações da personagem principal; e as personagens irrelevantes, aquelas que aparecem pouco e de modo esporádico, não interferindo diretamente no desenvolvimento das ações. Quanto às funções, uma personagem pode ser: protagonista, aquela que atua em primeiro plano, seja o herói ou o anti-herói, correspondendo normalmente à personagem principal; antagonista, aquela que desempenha o papel de opositor às ações da protagonista; confidente, aquele que escuta as confidências da protagonista; contraste, aquela personagem secundária que ilumina as ações do protagonista; figurantes, aquelas que correspondem às personagens irrelevantes, formando a paisagem humana necessária à obra. Por fim, Ataide (1972) afirma que a personagem pode ser pensada quanto a sua tipologia, podendo ser caracterizadas neste aspecto em duas grandes categorias. A primeira compreende as personagens planas (ou estáticas), que correspondem às personagens com poucos atributos e de baixa complexidade. Nesta categoria, as personagens podem ainda ser pensadas como tipo representação isotópica de uma média de indivíduos com características comuns reconhecidas em uma personagem, normalmente estática e invariável - e caricatura – personagem que apresenta características fixas e, por vezes, ridículas de forma estereotipada, normalmente presente em histórias de humor. A segunda grande categoria compreende todas as personagens redondas (ou dinâmicas), que se apresentam na condição de indivíduos plenamente constituídos, com disponibilidades psicológicas. São indivíduos singulares, com particularidades, profundidades e complexidades próprias. Possuem uma vida interior própria, constituindo por vezes um caráter iracundo, capaz de levar essa personagem a adquirir, muitas vezes, aquilo que os autores chamam de "vida própria" dentro da própria obra narrativa.

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Não há, entretanto, uma conformidade entre os narratólogos sobre qualidades e os elementos necessários para a criação e o desenvolvimento de uma personagem na narrativa. Isto provavelmente se deve ao fato do modo de ser da personagem na narrativa se aproximar muito ao modo de ser do homem em seu cotidiano e de sua vida em sociedade. qualidades

e

elementos

como

Por isso, muitos autores citam

coerência,

necessidade

dramática,

convencionalização, verossimilhança, universalidade, ponto de vista, mudança, atitude etc, mas sem que haja um consenso sobre esses termos e essa questão. Podemos afirmar que, da mesma forma que existem diversas ciências, como a filosofia e a psicologia (cada qual com diversas linhas de pesquisa diferentes), que se propõe a estudar a natureza humana e suas complexidades, a personagem na narrativa é alvo de um processo semelhante. Cada autor pode utilizar elementos e métodos criativos próprios para a criação e desenvolvimento das personagens, que podem, por sua vez, serem posteriormente analisados de formas e maneiras diversas por diferentes pesquisadores. Field (1996: 45 – 74), por exemplo, acredita que uma personagem é composta por quatro elementos significativos: necessidade dramática – a ambição da personagem durante a história -, ponto de vista – que expressa a maneira como a personagem "vê o mundo", as coisas em seus diversos aspectos -, mudança – se a personagem atravessa alguma transformação de qualquer ordem – e atitude – como a personagem age, reage e interage diante dos demais elementos narrativos. O autor, desta vez apenas sugere, a utilização de ferramentas para a criação de personagens, que reconhece poder ou não funcionar de acordo com as características e o método próprio de cada autor / roteirista. Essas ferramentas consistem, em um primeiro momento, na elaboração de uma ficha biográfica da personagem do momento de seu nascimento (em alguns casos mesmo antes) até o momento em que começa a história. Nesta biografia, podem ainda ser

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enfocados os aspectos profissionais, pessoais e privados desta personagem. Para a elaboração desta biografia, Field (1996: 54 – 56) diz que o autor pode utilizar a pesquisa "ao vivo" e a pesquisa "de texto", o que correspondem em termos acadêmicos, a pesquisa de campo e a pesquisa bibliográfica, respectivamente. Em um segundo momento, Field (1996) acredita ainda que, sobretudo em obras audiovisuais, a elaboração da dinâmica visual da personagem também tem grande importância para a construção e a elaboração de sua própria dinâmica. Por dinâmica visual podemos entender não apenas as características físicas (cor dos olhos, da cutis, peso, estatura, tipo de cabelo etc) da personagem, como os demais elementos que tem algum tipo de relação para com ela. Assim, também podem revelar aspectos da personagem o cenário (o tipo da casa, do quarto etc), outros elementos cenográficos (livros, carro, discos, diários, álbuns de fotografia, produtos de consumo etc), figurino (roupas e adereços) e elementos gestuais (modo de andar, de gesticular, "tiques nervosos" etc). Field (1996) sugere por fim, a elaboração de pensamentos ou diálogos das personagens – que podem aparecer em cena (on) ou estar em off -, e que juntos tem as funções de ajudar a mover a história, a comunicar fatos e informações ao público e a revelar e estabelecer relações entre as personagens, colaborando assim na expansão e ampliação das próprias personagens. A personagem da narrativa também vivencia um conflito da relação entre o tempo cronológico – tempo mais "mecânico", processado por sucessões cronológicas exteriores à personagem – e o tempo psicológico – tempo mais "pessoal" instruído por elementos interiores à personagem.

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- A questão do tempo-espaço na narrativa Começo narrativo implica em final, e final requer, de certa maneira, um fechamento formal. Em uma narrativa tradicional, a história se apresenta, normalmente, de forma linear e a expectativa do leitor culmina com a conclusão da história, que dá um ponto final àquela narrativa, ainda que de forma aberta e indeterminada, conforme vimos anteriormente. Escolher e determinar o início e o final de uma narrativa, que enquanto história é sempre um fragmento, um recorte temporal - espacial, também é uma decisão, na maioria das vezes, unilateral do autor. Por outro lado, devemos salientar que assim como na reticularidade cotidiana, no jogo e na hipermídia, também na narrativa o tempo só existe sob uma forma específica, o tempo próprio da narrativa: " (...) do ponto de vista da narrativa, o que chamamos tempo não existe, ou a menos só existe funcionalmente, como elemento de um sistema semiótico: o tempo não pertence ao discurso propriamente dito, mas ao referente; a narrativa e a língua só conhecem um tempo semiológico; o "verdadeiro" tempo é uma ilusão referencial" (Barthes: 1971, 35).

Podemos afirmar que a narrativa por promover um recorte temporal espacial de um universo e também por ter o seu próprio cronotopos, não opera, a rigor, com um tempo cronológico, na acepção do termo. Entretanto, o que se convencionou chamar na narratologia de tempo cronológico é, na verdade, o tempo narrativo que mais se aproxima à linearidade, à sucessão cronológica, desviando-se de uma ordem atemporal. O tempo interior da personagem, chamado de tempo psicológico, é aquele que demonstra o confronto do cronotopos próprio da personagem com as marcações "cartesianas" cronológicas narrativas (externas à dinâmica interna da personagem), podendo aparecer sobre as formas de elipse ou diástole temporal. 82

Além dessas duas categorias temporais, também se refere ao tempo na narrativa em relação à época em que se passa história – nos dias atuais, no século XVIII, no futuro... – e ao tempo dramático – o ritmo e a cadência própria da narrativa, a dimensão temporal da estrutura da obra conforme a concepção narrativa–temporal do autor e a duração psicológica e/ou cronológica da decodificação da obra para o público. A indissociabilidade do tempo em relação ao espaço leva-nos a fazer algumas breves considerações sobre a presença e a função desta segunda categoria na narrativa. Em um primeiro momento, em um nível mais elementar, o espaço tem o papel de localizar geograficamente a história; onde, em que lugar ocorre os fatos, se desenrolam as ações – no Brasil, na China, em uma cadeia... A noção de espaço na narrativa também esta associada, em um outro momento, a um estado anímico vinculado ao reflexo de uma condição humana, isto é, um locus simbólico. Nesta concepção, o espaço atinge o status de situação – ambiente e vai se tornando uma decorrência do tempo, interagindo com os demais elementos narrativos. Uma situação – ambiente pode ser formada por funções informantes, entendidas por fatores mais "objetivos", pois são pertencentes a uma estrutura semântica apreendida objetivamente – e por funções índices – entendidas por fatores mais "subjetivos", que emergem dos fatores mais "objetivos", por necessidade da criação de um universo particular da obra narrativa. Juntos, os fatores mais "objetivos" e mais "subjetivos" das diversas situações – ambientes da obra, são responsáveis pela criação do "clima" da narrativa, sua atmosfera (ambiente) conforme sublinha Ataide (1972):

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"Os dois fatores ("objetivos" e "subjetivos") concorrem juntos para a formação da atmosfera do texto, que nestas condições passa a ser muito mais do que um pano de fundo, é o que se lê nas entrelinhas, o que o autor tem enquanto cosmovisão, mas que não é revelado explicitamente (...) A atmosfera é uma espécie de tom emocional que se infiltra pelo enredo, pelas personagens, pelos lugares, na duração" (Ataide, 1972: 52).

Assim como as personagens e os demais elementos narrativos presentes em uma obra, a atmosfera é também resultado ou resultante, de uma cosmovisão do autor. É a figura do autor, por meio de sua gênese criativa e sua concepção narrativa, que determina a forma e a natureza dos elementos narrativos que estarão presentes (ou não) em sua própria obra.

- A noção de autor na narrativa Existem três concepções acerca do autor na narrativa – termo que Barthes (1971: 46) substitui neste contexto ao de doador – em relação a utilização da figura do narrador. A primeira diz que a narrativa é emitida pelo próprio autor, a expressão de um eu que lhe é exterior. A segunda faz do narrador uma espécie de "deus", que é ao mesmo tempo interior (onisciente), pois sabe tudo sobre o que se passa com as personagens, e exterior (onipresente), pois se manifesta e se identifica de igual forma entre elas. A terceira concepção revela um narrador limitado ao que pode observar e saber das personagens, como se cada personagem fosse, uma de cada vez, o emissor da narrativa. Independente da concepção utilizada, os autores correlatos à área de hipermídia mencionados neste trabalho identificam e criticam nas narrativas tradicionais, além das premissas dramáticas prontas, a supremacia do autor sobre o leitor e a divisão e a distinção entre produção e consumo.

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Benjamin (1975: 59) considera o processo de mão única emissor – receptor (que podemos estender dentro da lógica narrativa à dicotomia autor – leitor) um “fetichismo do objeto único”. O autor condena tal tipo de processo centrado na figura do gênio individual e expresso dentro de uma lógica de obra artesanal. Para Benjamin, tal “fetichismo” representa a opressão do emissor sobre o receptor graças ao monopólio dos meios de posse da autoria. A narrativa entendida dentro dessa lógica de obra artesanal marca a distinção entre produção e consumo, que também se estende a seus agentes: aquele que faz a obra não a consome e aquele que consome a obra não a faz. Em uma análise limite, pode-se considerar que as narrativas construídas dentro dos preceitos "tradicionais", a partir do momento em que são consideradas "prontas" pelo seu autor, possuem uma integridade enquanto obra material. Esse, entretanto, não é o enfoque adotado pela fenomenologia20, que acredita que a verdadeira matéria prima do autor não é o seu suporte, mas a sua própria experiência e que o verdadeiro locus de existência da obra é a própria experiência do público com essa obra, que adquire Assim, por sua vez, o status de ergon.

- Função da narrativa e cooperação textual Barthes (1971: 57 – 59) acredita que a narrativa tem a função, ao contrário do que muitos pensam, não de representar uma dada realidade, mas de ultrapassá-la, atingindo o universo da significação e a aventura da linguagem: "Assim, em toda narrativa, a imitação permanece contingente; a função da narrativa não é de representar, é de construir um espetáculo que permanece 20

cf.: MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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ainda para nós muito enigmático, mas que não saberia ser de ordem mimética (...) a origem de uma seqüência não é a observação da realidade, mas a necessidade de variar e de ultrapassar a primeira forma que se ofereceu ao homem, a saber, a repetição; uma seqüência é essencialmente um todo no seio do qual nada se repete; a lógica tem aqui um valor emancipador – e toda a narrativa com ela (...). A narrativa não faz ver, não imita; a paixão que nos pode inflamar a leitura de um romance não é a de uma visão (de fato não vemos nada), é a da significação, isto é, (...) o que se passa na narrativa não é do ponto de vista referencial (real), ao pé da letra: nada; o que acontece é a linguagem tão-somente, a aventura da linguagem, cuja vinda não deixa nunca de ser festejada" (Barthes: 1971, 57-58).

Tal afirmação ultrapassa a opinião de Siqueira (1999, 32) que ao comentar sobre a finalidade da narrativa, afirma que toda e qualquer narrativa sempre teve por finalidade transmitir - explícita ou implicitamente - uma lição de vida, de moral, um ensinamento qualquer. Em concordância com as idéias anteriores de Barthes, Eco (1978) procura estabelecer o princípio daquilo que regula tanto a geração quanto a interpretação do texto narrativo; a forma ou as características estruturais dessa abertura. Para tanto

o

autor

utiliza

como

ferramenta

teórica

conceitos

semânticos e

informacionais aliados a procedimentos fenomenológicos, naquilo que chamou de pragmática do texto, isto é: " (...) a atividade cooperativa que leva o destinatário a tirar do texto aquilo que o texto não diz (mas que pressupõe, promete, implica e implicita), a preencher espaços vazios, a conectar o que existe naquele texto com a trama da intertextualidade da qual aquele texto se origina e para o qual acabará confluindo" (Eco: 1978, IX)

Vale ressaltar que a terminologia "texto" pode ser entendida aqui – como no restante desta dissertação - em nível de seu conceito semiótico, onde atinge um contexto mais abrangente, estendendo-se às três matrizes da linguagem e do 86

pensamento (sonora, visual e verbal), isto é, para além de seu significado – por vezes mal interpretado – de "texto escrito" (organização formal do alfabeto gráfico de acordo com uma norma gramatical disposta em códigos visuais escritos). Esse conceito ampliado de texto é largamente explorado nas teorias de comunicação em que se enfatiza os aspectos estruturais, formais e sintáticos da organização e difusão das mensagens em um sistema qualquer de sinais transmitidos por um meio ou veículo (Pignatari: 1973, 12). Corroborando essa idéia, Eco (1978) afirma que as hipóteses e formulações teóricas desenvolvidas em suas próprias obras se aplicam ao termo "texto" dentro de seu conceito expandido21: "(...) o conceito semiótico de texto é mais amplo do que aquele meramente lingüístico, e as propostas teóricas, que apresento, aspiram, com os oportunos ajustamentos, tornar-se aplicáveis também a textos não literários e não verbais" (Eco: 1978, XIV). Eco (1978: 10) infere da perspectiva peirciana de uma semiose ilimitada e de seu conceito de interpretante a afirmação de que o semema22 pode ser entendido como um texto virtual, e o texto, como expansão de um semema: "(...) numa semântica orientada para as suas atualizações textuais o semema deve aparecer como um texto virtual e um texto não é senão a expansão de um semema (com efeito, é o resultado da expansão de muitos sememas, mas teoricamente é proveitoso admitir que isso pode ser reduzido à expansão de um só sistema central: a história de um pescador nada mais faz senão expandir tudo o que uma enciclopédia ideal poderia dizer-nos a respeito do pescador)." (Eco: 1978, 11).

21

Da mesma forma, o autor acredita que o termo "leitor" também possui um conceito expandido, podendo ser substituído pela terminologia "destinatário", que melhor se aplica aos diferentes meios e suportes. 22 Semema pode ser entendido como uma unidade de significação contida num lexema (vocábulo) constituída pelo conjunto dos seus semas (componente mínimo de significação de uma palavra).

87

O texto está, portanto, entremeado de espaços brancos, de interstícios a serem preenchidos. Neste sentido: "Não existe um enunciado que não requeira um co-texto, para ser semanticamente atualizado em todas as suas possibilidades de significação" (Eco: 1978, 6). Desta forma, o leitor (destinatário) assume por meio da cooperação textual, um princípio ativo de interpretação, constituindo, segundo Eco (1978), parte do próprio quadro gerativo do próprio texto:

"(...) o texto é uma máquina preguiçosa, que exige do leitor um renhido trabalho cooperativo para preencher espaços de não-dito ou de já-dito que ficaram, por assim dizer, em branco, ou então o texto simplesmente não passa de uma máquina pressuposicional" (Eco: 1978, 11).

Ao ultrapassar as características de objeto dinâmico (o objeto em si), o texto atinge a condição de objeto imediato (significado do objeto dinâmico), a tradução de um signo em outro sistema de signo. O texto torna-se assim, um produto que incorpora estrategicamente a questão interpretativa como parte de seu próprio mecanismo gerativo. "Podemos dizer melhor que o texto é um produto cujo destino interpretativo deve fazer parte do próprio mecanismo gerativo. Gerar um texto significa executar uma estratégia de que fazem parte as previsões dos movimentos de outros – como, aliás, em qualquer estratégia" (Eco: 1978, 39).

O texto narrativo seria assim, o resultado de um jogo semântico dentro do campo virtual de uma semiose ilimitada. Sua "leitura" se dá, portanto, por meio de um processo rizomático, não-hierarquizado e não-sistemático. O destinatário estabelece por processos de abdução - sob a égide do pré-juízo e das questões da antecipação do sentido - previsões e passeios inferenciais por mundos possíveis, entendidos como: 88

"(...) um estado de coisas expresso por um conjunto de proposições onde para cada proposição ou p ou ~ p. Como tal, um mundo consiste em um conjunto de indivíduos dotados de propriedades. Visto que algumas dessas propriedades ou predicados são ações, um mundo possível pode ser visto também como um curso de eventos. Dado que este curso de eventos não é real, mas absolutamente possível, ele deve depender dos comportamentos proposicionais de alguém, que o afirma, nele acredita, com ele sonha, deseja-o, o prevê etc" (Eco: 1978, 109).

Uma outra questão significativa em Eco (1978) diz respeito às definições e distinções formuladas pelo autor, a partir do formalismo russo, entre enredo - que mostra a história como de fato é contada, sem conexões lógicas mais profundas (ground) - e fábula, que corresponde a lógica das ações, das idéias e à sintaxe das

personagens

ordenadas

pelo

percepto

(construção

perceptual)

do

destinatário. Eco (1978, 101 – 102) diz que podemos pensar em fábulas abertas – que abrem várias possibilidades previsionais, cada uma capaz de tornar coerente ou então incapaz de restabelecer a história inteira – e fábulas fechadas – que não permitem qualquer alternativa e eliminam a vertigem dos possíveis - embora, a rigor, ele mesmo admita que nenhuma fábula é, nem pode ser, completamente aberta ou totalmente fechada. A diferença para Eco (1978) está na amplitude da cooperação textual: "Qualquer que seja a natureza (aberta ou fechada) da fábula, ao que nos parece não muda a natureza da atividade previsional e a necessidade dos passeios inferenciais. Muda somente (e não é pouco) a intensidade e a vivacidade da cooperação" (Eco: 1978 102).

89

- Narrativa e a noção de realidade Baseando-se na afirmação de McLuhan (1972: 121) de que as tecnologias de comunicação tornaram-se elementos definidores de estruturas civilizatórias, moldando o aparato psico-emocional e perceptivo de suas próprias culturas, Winck (2001: 22 – 25) acredita que as narrativas, de certa maneira, também podem moldar tanto as formas de narrar quanto o próprio entorno do objeto da narração: “(...) a tecnologia narrativa sintetiza as estratégias do pensamento e de representação de uma dada sociedade num determinado momento das suas forças inventivas, produtivas e reprodutivas” (Winck: 2001, 22). Para o autor, as narrativas tradicionais constituem-se metanarrativas que passam a “(...) ser instrumento de mediação, tradução e transmissão do pensamento sistemático, da técnica, das artes e da cultura em geral”. (Winck: 2001, 29 – 30). Tal pensamento vai ao encontro da afirmação de Barthes (1971, 51), que enfatiza o papel ambíguo da narrativa e sua propriedade metanarrativa: "O nível narracional tem deste modo um papel ambíguo: contíguo à situação da narrativa (e por vezes mesmo incluindo-a), ele abre sobre o mundo onde a narrativa se desfaz (se consome); mas ao mesmo tempo, coroando os níveis anteriores, ele fecha a narrativa, constituindo-a definitivamente como fala (parole) de uma língua que prevê e contém sua própria metalinguagem" (Barthes: 1971, 51).

Para Eco (1978) os efeitos do signo sobre os destinatários, de acordo com a pragmática peirciana, se aplicam a uma semiose ilimitada, isto é, pressupõem os objetos como ocasiões e resultados de uma experiência ativa e não como um conjunto de propriedades: "Depois de receber uma seqüência de signos, o nosso modo de agir no mundo é permanente ou transitoriamente alterado. Esta nova atitude é o interpretante final (...) a ação é o lugar onde a esseidade põe fim ao jogo da semiose" (Eco: 1978, 29).

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Eco (1978, 110 – 112) entende que o oposto é igualmente verdadeiro: o texto narrativo enquanto mundo possível também é um construto cultural, isto é, toma emprestados indivíduos e propriedades do mundo "real" de sua referência. Estabelece-se assim, na imbricação dessas duas questões, o que o autor considera um problema estrutural de mútua transformabildade entre mundos: a intertextualidade da qual o texto narrativo se origina e para a qual acabará confluindo (ou será o contrário?)23. Comentando a respeito da tendência metanarrativa no cinema atual, o cineasta alemão Win Wenders complementa as declarações anteriores ao afirmar - no documentário Janela da Alma24 - que o homem contemporâneo tende a se identificar mais facilmente com o tipo de narrativas tradicionais. Para Wenders, o homem contemporâneo encontra e projeta nessas narrativas o sentido que ele não vê em sua própria vida. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a consolidação da indústria cultural, as narrativas tradicionais tornaram-se o modelo maior de ficção utilizado em diferentes suportes. Sua rápida e fácil disseminação criou uma retórica universalizante, proporcionando a aplicação de uma sistemática embasada nesses valores narrativos. Existem, entretanto, inúmeras obras - como as analisadas no primeiro capítulo - que apresentam narrativas diferenciadas, alternativas ao modelo tradicional. Todos esses trabalhos são vistos por Bolter (1991) não como precursores do fim da narrativa impressa, mas como uma ponte entre literatura e meio eletrônico, ajudando-nos a entender melhor o coeficiente de inteligência que se escondem por trás dos suportes tecnológicos. 23

Será a narrativa um espelho ou uma janela do "mundo real?" Vale aqui apenas o registro dessa questão, que se encontra além do escopo (sociológico) da presente dissertação. 24 JANELA DA ALMA. Dirigido por João Jardim e Walter Carvalho. Rio de Janeiro, RJ: Copacabana Filmes, 2002, 73 min.: son., col., super 16 mm., película.

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Para o autor, as diferentes formas narrativas que experimentamos hoje pertencem ou são resultado da tradição literária experimental do século XX, como também é o caso do nouveau roman que produzia romances aleatórios montados pelo próprio leitor, junto com experiências realizadas no dadaísmo, futurismo, surrealismo, modernismo etc. Todas estas experiências funcionaram como instâncias subversivas à tradição da literatura impressa, isto é, estabeleceram novos paradigmas ao procurar superar os limites oferecidos pelo meio. Bolter (1991) acredita que: "É como se estes autores estivessem esperando pelo computador para libertálos do impresso. E de fato, muitas de suas obras poderiam ser transferidas para o espaço da escrita (hipertextual) e plenamente reconstruídas naquele. (...) A história do romance precisaria ser reescrita; assim entenderíamos trabalhos de autores como Laurence Sterne e Jorge Luis Borges não apenas como exploração dos limites da impressão, mas também como modelos de escrita eletrônica” (Bolter: 1991, 132).

8

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3.1 – Videogame: o jogo na hipermídia "Essas felizes coincidências de arte e comércio são raridades nos anais de cultura (...) Esses pontos de interseção são como as grandes eclipses da experiência cultural de nossos dias, um raro e importante alinhamento de forças, tal como podemos não voltar a ver por muitos anos. Convém levar esses alinhamentos à sério quando temos a sorte de topar com eles".

Steven Johnson Johnson (2001) acredita que os computadores e a própria tecnologia de um modo geral possa se aproveitar das mudanças nas estruturas científicas ocorridas dentro do campo da historicidade, que ampliaram o seu escopo ao abordar a história das minorias, dos "vencidos" e não mais apenas a dos "vencedores"; a história do "cidadão comum" e não só a dos "imortais" etc. Assim, máquinas, inventos, projetos, pesquisadores e visionários deveriam passar por um processo semelhante na esfera tecnológica. O autor salienta que, de um modo geral, conhecemos na área tecnológica apenas um tipo de história, atrelada normalmente aos resultados comerciais e "evolutivos" específicos e que não permite o conhecimento de outra(s) história(s) da(s) tecnologia(s). Anos de pesquisa e envolvimento de inúmeras pessoas são dessa forma descartados diante de circunstâncias por vezes não tão claras assim. Johnson afirma ainda que inúmeras invenções e idéias apresentavam fantástico potencial e, muitas vezes, resultados melhores do que as versões adotadas e comercializadas pela indústria e assimiladas pelo mercado e seu público. Ao pesquisarmos e entendermos um pouco melhor esse conhecimento negligenciado à maior parte das pessoas, Johnson acredita que podemos, além de vislumbrar outros horizontes e possibilidades, enriquecer nossa visão não só sobre os meios existentes, mas, principalmente, sobre as características e potencialidades tecnológicas intrínsecas que estão por trás desses meios.

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O videogame enquanto meio tecnológico passa por um processo semelhante. A grande parte de seus pesquisadores adota uma visão histórica oficial sobre o meio, negligenciando ou simplesmente desconhecendo outras possibilidades, o que, de certa forma, condiciona e limita a própria maneira de olhar e pensar aspectos e demais questões referentes ao meio. Veremos, portanto, nas páginas seguintes, ambas as possibilidades revelando seus aspectos técnicos e conceituais. Percebemos hoje na cultura digital uma nítida e forte influência da cultura do videogame. Aarseth (1998) afirma que Neuromancer, a célebre obra de Gisbson – que previu o futuro digital antes de qualquer teórico, partiu da observação de fliperamas e outros locais onde, principalmente os jovens e crianças da época, os adultos de hoje, jogavam videogames. A importância do videogame enquanto fenômeno cultural também pode ser avaliada pela movimentação financeira de sua indústria, que é hoje superior a do cinema, por exemplo. Isso faz com que, não só os videogames se aproveitem de pesquisas tecnológicas de ponta, como também as disponibilizam prontamente, ou pelo menos de forma extremamente rápida, para seu público. Jull (2002) acredita ainda que: "A principal diferença entre os videogames e seus precursores não-eletrônicos é que os videogames acrescentaram automação e complexidade – eles podem sustentar e calcular regras do jogo por si só permitindo, por meio disso, mundos de jogos (gameworlds) mais profundos; além de permitir a manutenção do ritmo do jogo. Assim, videogames criaram novos mundos, mais tempos-reais e mais jogos individuais (single player) que os jogos não-eletrônicos" (Jull: 2002).

Nesse sentido, o design de videogame tem na sua relação de interface homem – máquina uma de suas áreas mais férteis já que cada novo jogo, para ser bem sucedido, deve apresentar novas estruturas de interação. Na opinião de Aarseth (1998): "Isso, sem dúvida, torna difícil desenvolver uma teoria sobre videogames; eles são indubitavelmente o mais diverso e metamórfico gênero cultural que já existiu". 95

Deve-se ser feita, aqui, uma pequena consideração sobre três termos referentes ao universo do videogame: jogos para consoles, jogos para computadores e jogos para arcades. A distinção se dá em função do suporte utilizado: os jogos para consoles ocorrem em um monitor de televisão a partir de um console próprio (como o Atari, ou o Playstation, por exemplo); os jogos para computadores são jogos que ocorrem no monitor do computador a partir de seu próprio hardware (como no PC ou Mac); e os jogos para arcades - também chamados equivocadamente por alguns de fliperama25 -, que são grandes máquinas integradas (console – monitor) dispostas em lugares públicos. Partindo do princípio que todas elas tiveram um desenvolvimento comum, e todas elas utilizam um computador para produzir e processar seus jogos em estruturas hipermidiáticas, nesta dissertação o termo videogame foi adotado para se referir a todos esses jogos. Tal terminologia é também utilizada por alguns pesquisadores consultados neste trabalho, como Frasca (2001).

- A(s) história(s) dos videogames Comecemos nossa história dos videogames no início da década de 40. Ralph H. Baer, um jovem que consertava e instalava aparelhos de rádio e televisão na cidade de Nova Iorque é convocado para servir o exército norteamericano, durante a Segunda Guerra. Terminada a Guerra, Baer volta à se dedicar à eletrônica e, em 1949 forma-se bacharel em Ciência com habilitação em engenharia de televisão pelo ATIT (American Television Institute of Technology) de Chicago.

25

Fliperama é a designação utilizada para as máquinas criadas no final do século XIX nos Estados Unidos (pinball), que consistem de dois ou mais flippers (braços) com a função de rebater uma bola - que a medida que encostava em pinos, plaquetas e outros objetos acumulava pontos - de volta para a mesa de jogo sem deixá-la passar por entre os dois flippers, nem cair em canaletas laterais. No Brasil acabou tornando-se a designação genérica para arcades (e, em alguns casos, para toda espécie de game), bem como para o tipo de estabelecimento onde normalmente se encontra uma grande concentração dessas máquinas.

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No ano de 1951, o talentoso Baer começa a trabalhar em Nova Iorque numa grande empresa de aparelhos de televisão chamada Loral, onde recebe logo de início a missão de desenvolver o aparelho de televisão mais sofisticado do mundo. Baer acreditava que esse aparelho deveria possuir outras características e possibilidades além de simplesmente exibir a programação transmitida pelas emissoras de televisão: "Em algum momento desse processo eu sugeri que deveríamos incluir novas características, como adicionar alguma forma de jogo para televisão! A idéia recebeu uma previsível reação negativa, e foi o fim disso" (Baer: 1999). Embora não tenha sido a primeira pessoa a construir um videogame – ele acabou por fazê-lo vinte e um anos depois, por meio de seu Odissey –, Baer foi a primeira pessoa a idealizar e pensar a possibilidade do videogame em si26. Era comum nessa mesma época do pós-guerra nos Estados Unidos haver um dia da semana destinado para a visita de escolares e da população em geral aos laboratórios de física e tecnologia do governo. Era uma maneira encontrada para exibir o poderio tecnológico americano para os populares durante o período da Guerra Fria. A fim de tornar essas visitas mais agradáveis, o físico Willy Higinbotham desenvolveu em 1958 no Brookhaven National Laboratories, no estado de Nova Iorque, aquele que pode ser considerado o primeiro videogame de todos os tempos - ainda que não seja reconhecido pela maior parte dos pesquisadores por isso. O jogo, que recebeu o nome de Tennis Programming (também conhecido como Tennis for Two), consistia em uma simulação de uma partida de tênis extremamente simples jogada por por um computador analógico

27

duas pessoas, processada

e

26

Cf.: htttp://www.ralphbaer.com Apesar de parecer algo recente, muitos pesquisadores estudam o início dos computadores desde o ábaco, o primeiro dispositivo externo para cálculos, surgido por volta de 3.500 A.C na Mesopotâmia, passando pela calculadora mecânica – inventada por Leonardo da Vinci em 1500 – e pelos cartões perfurados criados por Jacquard em 1800. Em 1842 Charles Babbage inventou o que muitos consideram como o primeiro computador, uma máquina de cálculos gerais que podia ser programada. No ano de 1945 John Mauchly e J. Presper Eckert criaram o ENIAC (Electronic Numerical lntegrator and Computer), um computador - não mais mecânico, mas elétrico -, baseado no Teste de Turing. O computador pessoal (PC), surge do desenvolvimento dessa tecnologia, no final dos anos 70. Para saber mais sobre a história dos computadores visite o site: www.geocities.com/godsandtyrants/Timeline/mn_timeline.htm 27

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visualizada num osciloscópio28.

O 1º modelo de joystick

O osciloscópio utilizado

Higinbotham

Tela de Tennis Programming

O jogo fez muito sucesso entre os visitantes, e Higinbotham acabou aprimorando-o e adaptando-o para um monitor de 15' (quinze polegadas). O físico jamais patenteou sua invenção, por acreditar não ter inventado nada de extraordinário. Posteriormente declarou em entrevistas que seria possível, já naquele tempo, com a ajuda de alguma grande empresa da época, produzir e comercializar o jogo em larga escala por meio de um pequeno computador específico (console) que pudesse ser acoplado ao aparelho monitor da televisão.

28 Aparelho de funcionamento parecido com o de um monitor de televisão, usado no estudo das oscilações elétricas e de fenômenos que nelas se possam transformar, registrados, nesse caso, em uma tela fluorescente por meio da varredura dos feixes de elétrons e cujas representações gráficas variam com o tempo, gerando assim o movimento da imagem observada.

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Higinbotham era um membro ativo do projeto Manhattan, grupo responsável, em grande parte, pela criação da bomba atômica testada nos desertos mexicanos e utilizada em Hiroshima e Nagasaki em 1945. Talvez, por isso, o físico seja mais lembrado nos anais da ciência como um dos principais mentores da bomba atômica do que como o pai dos videogames. Tal título é dado, por grande parte da comunidade do videogame, para outro cientista americano, Stephen Russel, que no ano de 1962 desenvolveu Spacewar, jogo inspirado nos livros de ficção científica de E.E. "Doc" Smith. Russel era um pesquisador de computadores no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e resolveu desenvolver o jogo também para chamar a atenção do público que visitava seu laboratório, que podia assim experimentar, por meio do jogo, simulações de conceitos da física espacial, como a aceleração e a gravidade. O jogo foi inteiramente desenvolvido em linguagem de programação básica (Assembly) e rodava em um computador DEC PDCP-1 – computador menor que seus antecessores, mas que mesmo assim ainda possuía o tamanho de um carro pequeno. O jogo fez sucesso não apenas entre os visitantes, mas também entre

os próprios cientistas - dentre os quais Nolan Bushnell, futuro

criador da Atari - que nos momentos de folga aproveitavam para se divertir em frente à máquina.

Spacewar, desenvolvido nos laboratórios do MIT em 1962, disponível para ser jogado em: http://lcs.www.media.mit.edu/groups/el/projects/spacewar/

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Bushnell formou-se no MIT em 1969 e, em 1971, já trabalhando na Ampex – empresa que criou o primeiro aparelho de vídeo cassete -,desenvolveu um jogo para videogame chamado Computer Space, considerado por muitas pessoas como plágio de Spacewar. Foram construídas, por uma outra empresa chamada Nutting, mil e quinhentas máquinas específicas (arcades) para rodar o seu jogo. Essas máquinas foram espalhadas por lugares de acesso público, como shopping centers, e permitiam às pessoas interessadas jogar por um determinado tempo em troca de moedas que eram depositadas em uma espécie de cofre localizado na parte inferior da própria máquina. No ano seguinte, Bushnell funda com seu colega Ted Dabney a Atari empresa voltada para a criação de videogames - e lança uma outra máquina (desta vez distribuída largamente em escala nacional) contendo um jogo. Pong foi considerado por muitos um plágio, desta vez de Tennis Programming, e era uma espécie de tênis de mesa bidimensional em que o jogador deveria tentar manter a bola em jogo durante o maior tempo possível, sem que ela ultrapassasse os extremos laterais da tela. Pouco antes, em 1966, Baer retomou sua idéia original de quinze anos antes, e começou a desenvolver um protótipo de videogame, cuja patente foi registrada oficialmente em 15 de janeiro de 1968. Três anos depois, o inventor fecha um contrato com a Magnavox – uma ramificação da Philips – resultando na comercialização, apenas nos Estados Unidos, entre agosto e dezembro de 1972, de cem mil unidades do Odissey 100, o primeiro console que permitia jogar videogame em casa a partir do aparelho de televisão. Como sempre atento ao "mundo dos negócios", Bushnell pega carona no sucesso do Odissey 100 e lança, em 1974, Home Pong, uma versão doméstica de seu Pong, distribuída apenas nas lojas Sears e que vende no mesmo ano cento e cinquenta mil unidades. Estabelece-se, assim, a indústria dos videogames.

100

Tela do jogo e um arcade de Pong, que pode ser jogado a partir de: http://gry.zambrow.org/pong/

O Odissey 100 de Baer, lançado em 1972 e o Home Pong de Bushnell, de 1974.

Em 1976, é lançado o Channel F, o primeiro videogame com console programável, isto é, que permitia a partir da mesma máquina a substituição de um jogo por outro, neste caso, por meio de cartuchos. No ano seguinte, a RCA, empresa que havia recusado anteriormente o projeto de Baer, lança o Studio II, que apresentava como controle um teclado numérico, ao invés dos tradicionais paddles – controle em forma de roda – que eram usados em todos os videogames até então29.

29

Foi também em 1977 que chega ao Brasil o primeiro console de videogame, o Tele-Jogo Philco. O primeiro título oferecido era uma variante de Pong, sendo na seqüência lançado outros jogos como tênis, paredão e futebol.

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A Warner compra a empresa de Bushnell e Dabney e lança o Atari 2600 um console de 128 bytes de memória e 1.19 Mhz de velocidade de processador que marcou, em 1977, uma nova fase na indústria dos videogames - com sons e gráficos mais sofisticados e jogos mais elaborados em relação à geração anterior. O Atari se tornou, algum tempo depois, não apenas popular, mas um dos ícones da década de 80. A mesma empresa desenvolveu, ainda, alguns periféricos diferenciados, mas que não chegaram a ser lançados, como o "Mind Link" - que prometia ao usuário jogar apenas com o seu "pensamento" - e o "My First Computer" que permitiria transformar o console em um computador pessoal. Em resposta ao Atari 2600, a Magnavox lança, em 1978, o Odissey 2 – uma versão upgrade do original – e um curioso acessório chamado "Voice Module", que permitia aos jogos a utilização de recursos de vozes sintetizadas, dando um certo ar "futurista" ao videogame. No ano seguinte, em 1979, é lançado o primeiro videogame portátil -o Microvision - fabricado pela Milton Bradley, e que possuía a mesma base que encontramos nos portáteis de hoje: funcionamento à bateria, tela de cristal líquido e controle no próprio aparelho, além da possibilidade de troca de cartuchos (jogos). O Microvision possuía gráficos bem precários e operava em preto e branco. Por essa ausência de sofisticação visual, muitos jogos permitiam o acoplamento de uma espécie de tela plástica que se sobrepunha à tela do monitor para acrescentar-lhe elementos gráficos "postiços". Esse recurso já havia sido anteriormente usado pelo Odissey 100 e ainda antes, em alguns monitores de televisão em preto e branco. A falta de jogos disponíveis foi um dos principais responsáveis para que esse lançamento não desse certo comercialmente. A Mattel, uma das grandes empresas de brinquedos dos Estados Unidos, lança seu videogame, o Intellivision (Intelligent Television) em 1980. O Intellivision apresentava melhores gráficos e melhor resolução do que os concorrentes. Doze jogos foram lançados logo de início, e os primeiros 200 mil consoles foram

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vendidos em tempo recorde. A promessa de lançar um periférico que transformasse o Intellivision em um computador pessoal não foi cumprida, mas a empresa lançou uma série de outros periféricos, como um adaptador para jogos do Atari 2600 e um módulo que transformava o console em um sintetizador eletrônico no qual o usuário poderia programar e executar suas próprias músicas. O ColecoVision, da Conneticut Leather Company, é considerado por muitos jogadores como um dos melhores videogames graças aos sons, a definição dos gráficos, a fácil jogabilidade e a variedade e qualidade dos jogos, principalmente comparado com o que era oferecido na época. Apesar de custar quase que o dobro do Atari 2600, o ColecoVision vendeu mais de 1 milhão de unidades no primeiro ano de vida e, a partir de 1983, passou a ser mais vendido do que o Atari 2600 e o Intellivision juntos. Para fazer frente ao ColecoVision, a Atari deu um grande "upgrade" em seu console, lançando em 1983 o Atari 5200. O lançamento não deu certo por uma razão tão simples quanto importante: a interface do videogame. Para Johnson (2001), o trabalho de representar informação digital na tela (ou seja, de representar zeros e uns na tela) deveria ser visto como uma forma simbólica característica da nossa era. O autor denomina essa fusão da arte com a tecnologia, em "dar sentido à informação em sua forma bruta" de interface: "Tecnicamente falando, a "interface" do livro são palavras impressas numa página e a "interface" do cinema são imagens em celulóide. Meu uso da palavra deveria ser compreendido como um termo mais localizado, referindo-se a um ofício específico de criação de imagens, sons e palavras que podem ser manipuladas numa tela (...) Mas minha definição, a definição que se estende por todo Cultura da Interface, pressupõe que a interface é na realidade todo o mundo imaginário de alavancas canos, caldeiras, insetos e pessoas conectados – amarrados entre si pelas regras que governam esse pequeno mundo. Isso, para mim, é interface em seu modo de arte elevada" (Johnson: 2001, 4 - 5)

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Para Rouse, a interface no videogame deve favorecer a experiência do jogador no jogo: "A função da interface é comunicar ao jogador o estado de mundo e receber inputs do jogador daquilo que ele quer mudar no mundo do jogo. O ato de usar os inputs e outputs da interface não precisa ser divertido em si; é a interação do jogador com esse mundo que deve ser uma experiência convincente" (Rouse: 2001, 401).

O GCE Vectrex, 1983, apresentava uma interface própria, já que foi o primeiro e único videogame pensado para mostrar imagens vetoriais sofisticadas geradas por um processador e exibidas em preto e branco num monitor próprio de 9 polegadas e que vinha junto com o equipamento (semelhante aos laptops atuais). Hoje ele é um videogame muito valorizado pelos colecionadores por seu design, inovação e pelo curto tempo que permaneceu no mercado. O ano de 1984 marcou o chamado grande crash do videogame, com inúmeras empresas quebrando e o consumo caindo vertiginosamente. Não há um consenso sobre o que poderia ter levado a esta situação que quase pôs fim à carreira meteórica dos videogames, mas a saturação do mercado, a falta de títulos (jogos) diferenciados e de boa qualidade, e a proliferação dos computadores pessoais são apontados como alguns dos principais fatores dessa decadência. O primeiro computador pessoal (PC) com sucesso comercial foi o MSX – desenvolvido em 1983 pela Microsoft, de Bill Gates, em associação com a empresa japonesa Ascii. Esse pretendia tornar-se o "VHS dos computadores"30. Com um processador de 8 bits, o MSX apresentava um alto desempenho, à frente da concorrência, com uma placa de vídeo que possibilitava mostrar até 16 cores simultâneas (a maioria dos PCs usavam monitores de fósforo verde ou preto e branco, com, no máximo, 4 variações de níveis de cinza). O computador ficou 30

A história dos computadores pessoais surge com o desenvolvimento do primeiro microprocessador, ainda de 4 bits pela Intel em 1973. O microprocessador Intel 8080 foi a base dos primeiros modelos comerciais de microcomputadores a atingir o mercado americano a partir de 1974. No final de 1976 foram comercializados os primeiros computadores pessoais, como o Apple e o TRS-80.

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famoso em todo o mundo pelo custo relativamente baixo, pela possibilidade de conexão com o aparelho de televisão (ao invés dos caros monitores próprios para computadores) e pelos milhares de softwares desenvolvidos para ele, inclusive jogos. Os jogos podiam ser rodados a partir de cartuchos (que entravam em um dos slots disponíveis), fitas-cassetes de áudio (gravação dos códigos em freqüências sonoras) ou, posteriormente, em disquetes de 5 ¼ (semelhante ao processo magnético utilizado nos disquetes de 3 ½ hoje) 31. A facilidade de copiar e distribuir jogos – qualquer pessoa que tivesse dois decks de fitas cassete em um aparelho de som ou dois drives de 5 ¼, poderia copiar os arquivos que quisesse, inclusive jogos – que apresentavam boa qualidade em uma máquina relativamente barata - consolidou a utilização dos computadores para jogos de videogame. Como prova disso, em 1985 é lançada a versão 2.0 do MSX, com novos jogos e outros programas disponíveis, como o editor de texto, por exemplo. Enquanto o mercado americano conhecia o crash dos videogames, do outro lado do planeta, no Japão, a Nintendo já havia vendido, até 1984, cerca de três milhões de unidades de seu videogame chamado Famicom. A empresa decide então reformular o design do (mesmo) produto e lança-lo nos Estados Unidos com o nome de NES (Nintendo Entertainment System) – também chamado apenas de Nintendo -, o que acabou reerguendo o mercado do videogame a partir de 1985. O NES lançou dois acessórios que chamaram muito a atenção: a "Power Glove", uma luva que permitia ao jogador experimentar a realidade virtual por meio da movimentação de seu braço e de sua mão e o "R.O.B." (Robotic Operating Buddy), um robozinho que jogava videogames e era utilizado apenas para promover o produto nas lojas. O fato de ter sido lançado no mercado antes que seus concorrentes imediatos (Master System e Atari 7800), de ter feito agressivas campanhas de publicidade, de oferecer uma boa diversidade de produtos e jogos 31

No Brasil, o MSX foi fabricado pela Gradiente (Expert) e pela Sharp (Hotbit).

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alguns desses se tornariam clássicos, como a pistola que substituía o joystick em jogos de tiro e a série de jogos da personagem Mario Bros – garantiram ao NES, mesmo com uma menor sofisticação quanto às imagens e sons do que seus futuros concorrentes, o domínio, naquele momento, de 90% do mercado de videogames. O reinado do NES desaparece com o começo de uma nova geração de videogames que se inicia em 1987 com o lançamento do PC Engine no Japão (que recebeu o nome de Turbografx 16 nos Estados Unidos) pela NEC. O lançamento, apesar de possuir os primeiros jogos desenvolvidos em CD-ROM, fez sucesso apenas no Japão e, no ano seguinte, sofreu a concorrência do MegaDrive, da empresa Sega, o primeiro videogame com 16 bits. Em 1991 o MegaDrive alia sua tecnologia com as do CD-ROM, criando o SegaCD, um videogame que apresentava novas tecnologias visuais (efeitos de rotação, zoom, etc) e sonoras (mais 3 canais de som) além da possibilidade de rodar FMV (Full Motion Video). O videogame portátil é relançado comercialmente, desta vez pela Nintendo, em 1989 com o nome de GameBoy e acaba fazendo grande sucesso, ao contrário de seu antecessor, o Microvision32. Para compensar os precários gráficos em preto e branco (as cores só chegaram ao GameBoy em 1998), a Nintendo lança uma série de interessantes periféricos para o portátil: uma câmera fotográfica que digitalizava instantaneamente as imagens fotografadas, uma pequeníssima impressora para imprimir essas fotos, um também pequeno teclado portátil capaz de transformar o videogame em agenda eletrônica e o incrível "Bandai Fishing Sonar", aparelho que quando mergulhado no rio ou mar é capaz de emitir na tela uma leitura da área imersa, detectando inclusive a presença de peixes e 32

No mesmo ano é lançado o Linx, o primeiro videogame portátil colorido do mundo, mas acaba fracassando graças a má política de administração da empresa.

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cardumes. Impulsionado pela onda dos jogos da série Pokemon – uma nova febre mundial nos videogames e que acabou se transformando em outros produtos como desenho animado, figurinhas, roupas, filmes etc -, a Nintendo consegue vender 130 milhões de unidade de GameBoy, tornando-o o videogame mais vendido no mundo em todos os tempos. Também em 1991 foram feitas algumas experiências com a utilização do CD-I (Compact Disc Interactive), um padrão de CD no qual os usuários poderiam ter vídeos, imagens paradas e sons comprimidos, permitindo uma interação via multimídia na tela da TV. O formato foi desenvolvido em uma aliança com a Sony, e também ficou conhecido como "Green Book" (o CD de áudio era o Red Book e o CD ROM, Yellow Book). A Philips, responsável pelo projeto, rompeu com as produtoras de jogos japonesas, o que acarretou num número extremamente limitado de jogos criados para o suporte, recebendo na maior parte das vezes, conversões de jogos já existentes em outros videogames. A produção foi parada, mas o formato ainda resiste timidamente na Europa. O 3DO, desenvolvido em 1993, foi o primeiro console de 32 bits da história. Além disso, o videogame procurou criar um padrão único de hardware, que acabou não vingando pela descrença no projeto de alguns parceiros envolvidos. O LaserActive foi outra tentativa de se instalar um padrão para rodar jogos, só que no formato LaserDisc. O LaserActive, apesar de apresentar boa qualidade técnica de sons e imagens, custava caro e também não emplacou comercialmente. No mesmo ano, a Atari lança o Jaguar - primeiro console de 64 bits. O videogame não possuía grande variedade de jogos e acabou desaparecendo, como resultado da administração da empresa, que já não vinha bem há algum tempo. O jaguar, entretanto, foi o primeiro videogame a oferecer, por meio de seu "Jag Link", a possibilidade de jogos multiplayers.

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Em 1994 surge o Sega Saturn, um console de 32 bits que apresentava acessórios como "volantes" para jogos de corridas de carro, o "memory card", cartão capaz de salvar jogos não terminados e o "Saturn Net Link", um cartucho com modem que permitia acesso à Internet. No mesmo ano, a Sony lança o Playstation – dois anos antes que seu rival Nintendo 64 - videogame baseado em CD-ROM que possui a maior variedade de jogos disponíveis e que já vendeu mais de cem milhões de unidades. Um periférico que chamou bastante a atenção foi o "Dual Shock", um joystick capaz de tremer e vibrar de acordo com as situações que se apresentavam nos jogos. Ainda em 1994, a Nintendo lançou o Virtual Boy, um videogame portátil que apresentava, ao invés da tradicional tela, um óculos 3D. O portátil acabou fracassando comercialmente por algumas falhas técnicas, como as comuns chanfraduras (recortes em ângulo decorrentes da movimentação do usuário), a utilização limitada - em função do custo - das cores preto e vermelho, a falta de jogos disponíveis e a fatiga provocada na vista após um curto período de jogo. Em 1997 aparece o game.com, videogame portátil que possuía um cabo capaz de conectá-lo a qualquer PC. Além disso, funcionava com um monitor sensível ao toque na tela e possuía ainda um organizador pessoal (calculadora, calendário e agenda) acoplado, com possibilidade de acesso à Internet. Em Maio de 1998 a Sega inaugura o Dreamcast para fazer frente ao Playstation e ao Nintendo 64. Seu grande diferencial era o modem de 56 K, que permitia o acesso rápido à internet e jogos on-line. Atualmente Playstation 2 (Sony), GameCube (Nintendo), Xbox (Microsoft), bem como a última geração de computadores pessoais Pentium 4 (PC) e G4 (Mac), ambos

lançados entre 2000 e 2001, apontam para a tendência dos

desenvolvimentos de jogos em DVD – que pode ter uma capacidade de

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armazenamento de dados até oito vezes superior a do CD-ROM -, o que significa, pelo menos, um melhor suporte para o desenvolvimento técnico dos jogos.

8

109

3.2 - Narratologia e ludologia Fechado esse parênteses sobre a história do videogame, é o momento de retomar o processo reflexivo deste trabalho: jogos na hipermídia (videogame) podem constituir estruturas narrativas? Essa é uma questão sobre a qual deve-se ponderar com base em posicionamentos diversos, sem o objetivo de respondê-la de imediato. Inicialmente é possível considerar que nem todos os produtos de outros meios (mídia impressa, vídeo, rádio...) constituem propriamente narrativas. Assim,

em

princípio,

necessariamente

ser

os

jogos

baseados

de

videogame

em

princípios

também

não

narrativos.

precisam

Em

Tetris

(Pazhitnov:1985), por exemplo, o jogador deve encaixar um monte de formas geométricas de formatos variados que caem aleatoriamente do topo da tela, de modo a formar linhas; cada linha formada desaparece e o objetivo do jogo é não deixar os cubos empilharem sem formar linhas completas, impedindo-os de chegar ao topo33. Kirksæther (1998) observa que, por trás do tradicional jogo de xadrez, existe uma história sobre dois povos em guerra. O fato é que, durante o jogo, esquece-se dessa história, de seu design narrativo e de sua retórica para se concentrar exclusivamente na estrutura do jogo. Jogar um videogame é, portanto, fundamentalmente interagir com o seu estado de jogo. A respeito desta questão Ryan (2001) afirma: "O jogador de videogame normalmente está profundamente absorvido pelo objetivo do jogo para refletir sobre o enredo que ele escreveu por meio de suas ações, mas quando as pessoas descrevem suas sessões com videogames, seus relatos tipicamente assumem a forma de uma história" (Ryan: 2001).

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É interessante a observação de Jull (2001) de que os jogos de videogames podem ser feitos de sons e imagens muito abstratos e ainda assim manterem um mass appeal, fenômeno que raramente acontece em outros meios. Uma versão on-line de Tetris pode ser jogada a partir de: http://www.students.tut.fi/~ahmaniea/

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Jull (2001) acredita ainda que é possível identificarmos no videogame, pelo menos, "unidades narrativas mínimas", já que este possui a tríade básica narrativa: ação, ambiente e personagem. Em Tetris, temos a história de blocos de diferentes formas geométricas (personagens) que ao caírem do topo da tela têm de se encaixar (ação), formando linhas completas que desaparecem na tela (ambiente). Nesses tipos de jogos, a narrativa - entendida a posteriori de forma aberta como o resultado das ações - mostra-se demasiadamente simples e muito mais limitada em termos de interpretação e de retórica. Frasca (2001a), por sua vez, acredita que narrativa e videogames guardam algumas semelhanças estruturais, mas que, entretanto, são dois objetos ontologicamente diferentes, já que leitor e jogador também são entendidos como figuras diferentes: "Para um observador externo uma sessão de videogame irá se parecer com um grupo de seqüências narrativas. Na verdade, é possível gravarmos uma sessão de videogame e exibirmos para um público como um trabalho de narrativa (o resultado dificilmente ganharia algum prêmio, mas continuaria sendo narrativo). Todavia, o jogador não é um espectador. Observadores são passivos e jogadores são ativos. Se o jogador não agir, não haverá jogo, e conseqüentemente, nem uma sessão. Trata-se de uma atividade completamente diferente assistir um jogo e jogar um jogo" (Frasca: 2001a).

Entretanto, como vimos anteriormente, há exemplos em que o leitor assume a figura do jogador, formando um híbrido leitor-jogador. Casos como os das experiências proporcionadas pelo Oulipo e de outras obras citadas e analisadas nessa dissertação promovem o leitor a uma categoria mais ativa do que a assumida nas narrativas tradicionais. Para Ryan (2001), apesar de se caracterizar como um novo meio com novas potencialidades intrínsecas inauguradas, a idéia de impossibilidade plena e

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total do videogame possuir qualquer forma de estrutura narrativa representa uma limitação do entendimento do próprio conceito de narrativa: "A limitação da narratologia literária em dar conta da experiência dos videogames não significa que devemos lançar o conceito de narrativa na ludologia; significa que devemos expandir as modalidades narrativas além de diegéticas

e

dramáticas,

acrescentando

uma

categoria fenomenológica

intrínseca ao videogame. Ao elaborarmos essa categoria, poderemos obter dicas do relacionamento entre os modos miméticos e diegéticos" (Ryan: 2001).

Meyer (1995) realça o fato de que a narrativa já passou anteriormente por diversos processos de transmutação: da gestualidade para a oralidade, da oralidade para a escrita e, mais recentemente, da escrita para o audiovisual, como no caso do cinema - o que não excluiu a possibilidade de se estudar questões referentes à estrutura narrativa nos filmes, assim como também não excluiu a criação e desenvolvimento de disciplinas voltadas para o estudo de diversas questões referentes ao meio cinematográfico. Para a autora, o mesmo fenômeno pode ser observado na utilização das novas tecnologias que se apresentam sobre o domínio da hipermídia. Em outras palavras, os dois enfoques - ludologia e narratologia - não se excluem, pelo contrário, são visões complementares e necessárias no entendimento das questões da narratividade nos videogames.

8

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3.2.1 - Ludologia e(m) videogame O problema de estudar videogames enquanto jogos é que não existe uma forte tradição nos estudos formalistas – em detrimento aos estudos funcionalistas – sobre o jogo e que, além disso, os raros exemplos encontrados estão fragmentados em diferentes disciplinas. Da mesma forma que a narratologia surge para unificar os diversos estudos que se propõem a pesquisar e analisar questões relativas à narrativa independentemente do suporte em que esta se encontra, Frasca (2001a) propõe a criação e adoção de uma disciplina - que denominou ludologia34 - para estudar as atividades do jogo independentemente do meio utilizado. Acredita-se aqui que um dos pensadores que melhor tenha trabalhado a questão do jogo, até mesmo dentro do enfoque proposto pelas revoluções das estruturas científicas, embora não o tenha relacionado diretamente com a hipermídia ou o videogame, tenha sido o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer. Gadamer (1997) propõe, por meio de sua hermenêutica, que o jogo é o extremo da arte e vice-versa. Desta forma, a obra de arte e o próprio jogo sempre transcenderam

os

limites

da

temporalidade,

e

conseqüentemente

da

espacialidade, ao permitirem o encontro de horizontes separados por distâncias e diferenças diversas. Utilizando-se da fenomenologia, o autor propõe a busca da verdade, da compreensão e da correta interpretação das coisas a partir da própria experiência humana em si mesma, no que podemos chamar de uma possível “hermenêutica ontológica”. Com isso procura entender o jogo como o próprio modo de ser da arte, desvencilhando a noção de jogo de seu significado subjetivo associado ao

34

Do latim ludus, «jogo», + grego lógos, «estudo», +-ia.

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comportamento ou estado de ânimo daquele que o cria ou que o usufrui, conforme o conceito já havia sido explorado por outros pensadores, como Kant e Schiller. Assim é possível distinguir o jogo em si do comportamento do jogador, o qual se integra com outros modos de comportamento da subjetividade. O jogo em si possui uma natureza própria independente da consciência daqueles que o jogam. 35 Para a hermenêutica, a experiência estética é aquela que representa a forma essencial de imersão no mundo. “Ou seja, assim como a obra de arte contém um mundo em si, o vivido esteticamente deve arrancar de si mesmo o nexo da vida”. (Bairon, 2000: 27).

No videogame experimentamos a imersão em ambientes horizônticos, a possibilidade da compreensão que se dá pela própria experiência do jogador diante de uma realidade sempre maior e independente, que é construída e reconstruída pela própria

ação do

jogador por meio da interatividade

proporcionada pela hipermídia. A consciência estética por sua vez pode ser um elemento nivelador, na medida que afasta a possibilidade de uma experiência efetiva da obra poética. Se o videogame fosse visto apenas como cursores ou polígonos que se mexem na tela, o jogador provavelmente não conseguiria se envolver com a dinâmica própria do jogo. O verdadeiro ser da obra está na experiência daquele que a experimenta. Aquilo que fica e persevera não é, portanto, a subjetividade de quem a experimenta, mas o próprio jogo de videogame, a própria obra de arte. Segundo 35

Huizinga, em seu Homo Ludens, afirma: "Como a realidade do jogo ultrapassa a esfera da vida humana, é impossível que tenha seu fundamento em qualquer elemento racional, pois nesse caso, limitar-se-ia à humanidade. A existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização, ou a qualquer concepção de universo." (pp.6) Essa afirmação do filósofo é feita a partir da observação de que os animais também jogam e da consideração de que, na sua essência, o jogar humano em nada ultrapassa esse jogar animal.

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Gadamer (1997): “(...) o jogo não tem o seu ser na consciência ou no comportamento do jogador, mas atrai este à sua esfera e preenche-o com seu espírito. O jogador experimenta o jogo como uma realidade que o sobrepuja” (Gadamer: 1997,185). Em seu sentido figurado, o conceito de jogo está relacionado ao significado original de dança - um movimento de vaivém não fixado em um alvo e que se renova em constante repetição. O movimento no jogo, assim como na natureza, é espontâneo, não tem finalidade, intenção e não exige esforço. O jogo é, desta forma, a consumação de seu próprio movimento. Assim também o é quando empregado conjuntamente com termos como (jogo de) peças, cores, forças, palavras etc. É nessa vicissitude, nesse movimento de vaivém surge o caráter lúdico do jogo, pois o jogador necessita do outro (não necessariamente jogador) que lhe ofereça um contra-lance; no caso do videogame, o próprio computador via hipermídia. Não há, portanto, um jogar para si somente, visto que todo jogar é um ser jogado. Sobre a questão do outro e do sujeito no jogo, Gadamer acredita que: “O verdadeiro sujeito do jogo não é o jogador, mas o próprio jogo. É o jogo que mantém o jogador a caminho, que o enreda no jogo, que o mantém em jogo” (Gadamer: 1997, 181). O jogador no videogame é enredado pelo próprio jogo, que o atrai até sua esfera. Segundo Kirksæther (1998), um jogo de videogame usualmente apresenta três etapas distintas. A primeira delas é uma breve introdução – que pode ser uma seqüência em FMV, Full Motion Video, (normalmente uma espécie de trailer em linguagem de videoclipe) ou mesmo uma simples tela de apresentação - em que o jogador entra em contato com aquele universo particular. Em seguida, pode haver um tutorial ou guided tour que, além de oferecer uma espécie de treinamento ou metasimulação, apresenta algumas possibilidades e, ao explicitar regras do jogo, convida o jogador a penetrar naquele universo (fazer parte da história). Landow

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(1997: 190) acredita, por sua vez, que a criação de tutoriais ou guided tours aconteça por motivos técnicos em alguns casos, e, em outros, por receio de desorientar o usuário logo em seu contato inicial com a obra. Idealmente a terceira etapa - o jogo propriamente dito – só teria início após essas outras duas. O pesquisador norueguês afirma ainda que as duas primeiras etapas podem ser extremamente importantes, mas não são necessárias, já que apenas o jogar em si propicia a experiência de participar de uma história que ainda não está acabada e que vai se construir no decorrer do próprio jogo. Esse movimento de vaivém sofre ainda regulamentações subordinadas por uma determinação do jogador. Podemos entender esta ordenação como um modo de comportamento. O homem que está jogando alguma coisa é, deste modo, uma pessoa que está se comportando de acordo com uma dinâmica própria do jogo, seja ela competitiva ou não. Destarte, o estado de ânimo ou de espírito do jogador ao se jogar diferentes jogos em videogame é conseqüência e não causa da diversidade dos próprios jogos. Jull (2001) observa um comportamento interessante comum aos jogadores de videogame, principalmente nos jogos de movimentação exarcebada: aqueles movimentos que não podem ser efetivamente representados na tela podem resultar em movimentos do próprio jogador: um grito, uma tremida, um soco no ar, a inclinação da cabeça etc. O corpo físico do jogador acaba agindo como um “receptor de excessos motores”, fenômeno normalmente percebido por um observador externo e que pode ser entendido como uma materialização sinestésica do ambiente virtual em uma entidade física a ele conectada. Por outro lado, a leveza no jogo proporcionada pelo anonimato da pessoa por trás do jogador e pela isenção de uma responsabilidade formal (Huizinga:

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2000) é experimentada subjetivamente como alívio, tirando do jogador a tarefa da iniciativa que perfaz o verdadeiro esforço da existência. Para Rouse (2001, 400), nestes casos, o videogame oferece para o jogador um modelo seguro para testar novas experiências. Sem ter o receio de repercussões mais drásticas em seu próprio mundo fora do jogo, o jogador torna a sua experiência mais rica e excitante. A transformação em configuração apresenta o estado do jogo humano liberto de sua atividade representativa, formando sua real consumação em ser arte. Segundo Gadamer (1997), este estado de idealidade permite ao jogo ser pensado e compreendido como tal. O jogo torna-se um fenômeno puro daquilo que se joga; atinge o caráter de ergon e não somente de energia. Ergon, em grego, nos remete a idéia não da obra compreendida como uma coisa pronta e acabada, mas ao processo, ao obrar, à atividade pela qual a obra se perfaz enquanto obra. Quando o termo ergon é utilizado no âmbito da obra de arte, refere-se às suas características e ao caráter dinâmico sustentado pelo próprio tempo que aí se presentifica. É o tempo responsável pela vida da obra, aberta sempre às novas reinterpretações e reapropriações na medida em que o futuro, ao retornar sobre o passado, revela as possibilidades que nesse passado se mantinham escondidas. Nesse retorno, o passado é novamente transformado, reconstruído no presente. Assim a obra de arte é aquilo que se mantém adi infinitum como algo atual à medida que se preserva viva na memória, que continuamente traz à tona novas possibilidades do passado, de transformação. A transformação pensada como algo que se sobressai é uma autonomia simples do jogo e se distingue do conceito de modificação. Na modificação, o que ali se modifica permanece e é fixado concomitantemente como o mesmo;

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modifica-se algo nele. Pertence, portanto ao âmbito da qualidade, ou seja, é um acidente da substância. “A transformação, ao contrário, significa que algo, de uma só vez e no seu conjunto, se torna uma outra coisa, de maneira que essa outra coisa, que é enquanto transformada passa a ser seu verdadeiro ser, em face do qual seu ser anterior é nulo” (Gadamer, 1997: 188)

Assim observamos nos videogames a transformação em configuração da narrativa, que se liberta de seu referencial essencialmente representativo, passando a operar dentro de sistemas e configurações de simulação, atingindo hermeneuticamente sua real consumação em ser arte. Frasca (2001b) observa que: "Historicamente, a idéia de representação é associada ao processo de retratar ambas realidade e ficção, geralmente articulando isso sob a forma de narrativa. A introdução do computador nesse cenário, todavia, desencadeou uma nova maneira de comunicar e de compreender nosso mundo e nossos pensamentos: a simulação. A simulação não representa simplesmente objetos e sistemas, mas também modelos e seus comportamentos" (Frasca: 2001a).

Existe, é claro, aquele jogador que assume um disfarce, faz o papel de outro assim como as pessoas o fazem por vezes na vida cotidiana: dissimulando, fingindo e dando a aparência de algo. Esse “estraga prazeres” estaria negando a continuidade consigo mesmo e sonegando aos demais o papel que desempenha. O que deve haver, então, é uma transferência plena para um outro mundo, o mundo do jogo, próprio em si mesmo e acima do questionamento do “mundo real”, pois a partir deste outro mundo há uma verdade própria. Assim é possível entendermos o videogame como algo mais do que quadrados ou polígonos que se mexem na tela.

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O jogo enquanto espetáculo não permite nenhum tipo de analogia com a realidade circundante, entendida como padrão oculto de toda semelhança figurativa. A diferença entre o mundo do jogo e o mundo fora dele se anula, entretanto, quando alguém consegue apreender o sentido do jogo que se apresenta para ele, o sentido do conhecimento. Nesse momento, o jogo traz à tona questões que em outras ocasiões são cobertas e retraídas. A “realidade”, por sua vez, está normalmente abaixo de nossas expectativas. Isso porque a indefinição do futuro permite um excesso de expectativas, um horizonte de possibilidades futuras, desejadas ou não, ainda não decididas e que desperta projeções que se excluem, já que nem todas elas podem ser preenchidas. Nesse sentido, o reconhecimento apresenta-se maior que o conhecimento, pois é identificado como algo apreendido em sua essência, conforme nos revela Gadamer (1997) neste outro momento: “O sentido do conhecimento da mimesis é o reconhecimento. (...) O que propriamente experimentamos numa obra de arte e para onde dirigimos nosso interesse é, antes, quão verdadeira ela é, isto é, em que medida conhecemos e reconhecemos algo e a nós próprios nela” (Gadamer: 1997,191).

Na imitação meramente representativa, quem imita acaba sempre operando no modo da manipulação - uma vez que sabemos ser impossível retratar a realidade tal qual ela é -, isto é, coloca-se em uma posição de intermediário entre o fato em si e o representado para outrem, como a figura do diretor ou do autor nas narrativas tradicionais. A imitação como simulação tem uma função característica de reconhecimento, permitindo ao jogador a possibilidade da experimentação. Por isso, o representar-se na simulação é a verdadeira essência do jogo e com isso da obra de arte também.

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No jogo, o homem, enquanto parte da natureza, representa-se a si mesmo. Por isso é impossível no jogo diferenciar o uso próprio do metafórico (sentido medial do jogo). A auto-representação do jogo faz, segundo Gadamer, com que o jogador alcance sua própria auto-representação: “Realmente, o jogo limita-se a representar-se. Sua natureza de ser é portanto a de auto-representação. (...) O entregar-se à tarefa do jogo é, na verdade, um colocar-se em jogo” (Gadamer, 1997: 183). Para Gadamer (1997), a indiferenciação estética é um elemento constitutivo da verdadeira consciência estética. “A não diferenciação entre o intermediário e a obra ela mesma é a verdadeira experiência da obra” (Gadamer: 1997, 200). É no videogame que o jogador encontra sua auto-representação no jogo em ambientes virtuais potencializada ao imergir em ambientes interativos. Ao eliminar ou não diferenciar a figura do intermediário do próprio jogo, da própria obra, o videogame atinge o estado hermenêutico de idealidade do jogo.

- Simulação e a construção da identidade contemporânea Sherry Turkle, em seu Life on the Screen – Identity in the age of the Internet, levanta interessantes hipóteses sobre como a disseminação do uso dos computadores pessoais e da imersão no ciberespaço vêm alterando a nossa identidade. A autora defende que, além de ser uma ferramenta, o computador também oferece a nós tanto novos modelos de mentalidade como novos meios nos quais podemos projetar nossas idéias e fantasias. Assim, estaríamos “passando de uma cultura modernista do cálculo para uma cultura pós-modernista da simulação" (Turkle: 1997, 20). Ainda sobre essa questão, a autora propõe: "Aprendemos a olhar as coisas pelo seu valor de interface. Estamos nos movendo para uma cultura da simulação na qual as pessoas estão, cada vez mais, confortáveis com a substituição do real pelas representações da realidade" (Turkle: 1997, 23).

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Ao entrar no âmbito dos fatores culturais que constituem a identidade do sujeito pós-moderno, Turkle, em alguns momentos, dialoga com as proposições feitas por Frederic Jameson, em seu Pós-Modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. A partir das considerações de Jameson (1996) sobre a impossibilidade de se falar em um sujeito pós-moderno alienado – já que a noção de alienação pressupõe um "eu" centralizado –, a autora afirma que o computador ajuda as pessoas a pensarem concretamente a sua atual crise de identidade. A multiplicidade e o descentramento do sujeito pós-moderno realizam-se de forma fluida - sem que necessariamente o significante aponte para o significado, ou que o conhecimento só seja atingido por via analítica – no espaço virtual. Por isso Turkle denomina os computadores pessoais de objects-to-think-with, conforme foram, outrora, as idéias de Freud sobre os sonhos ou os lapsos, ou ainda, as simbolizações representadas pelos nós, para Lacan. Segundo Turkle, os computadores englobam características essenciais contraditórias, pois são, ao mesmo tempo, abstratos e matemáticos, apesar de poderem carregar semelhanças com os objetos físicos (neles, podemos visualizar cubos que desenhamos em sua tela, ou ainda, editar fotos que digitalizamos). Essa união de fatores subjetivos e objetivos fazem com que o usuário encontre nos computadores pessoais um instrumento para formular idéias de uma forma que, segundo Turkle, assemelha-se ao trabalho do bricoleur: “O fitoterapeuta, por exemplo, não age a partir da abstração, mas pensando sobre os problemas com a utilização dos materiais que tem em mãos. Por analogia, aqueles que resolvem seus problemas sem recorrer a uma estrutura vertical, mas sim arranjando e rearranjando a disposição de materiais conhecidos, podem ser considerados praticantes da bricolagem. Eles tentam algo, voltam atrás, reconsideram, e tentam outra coisa. Para os planejadores, erros são passos na direção errada; bricoleurs navegam através de correções

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ao longo de seu curso. Bricoleurs aproximam-se da resolução de problemas por meio de uma relação com seu material de trabalho que se assemelha mais a uma conversa do que a um monólogo. ” (Turkle: 1997,51).

A associação do concreto e do abstrato nos computadores criaria, então, algumas condições básicas para que o homem estabelecesse uma nova interação homem-máquina e uma nova relação real-virtual. Essas relações inéditas tenderiam para uma suavização de nossa tendência a hierarquizar elementos, partindo para formas de conexão mais horizontais. Turkle comenta algumas características peculiares a esse processo, mais especificamente na relação entre jogadores e videogames: "O mundo dos videogames, como todos os micromundos computacionais, ensinam sobre um mundo em que as ações estão libertas dos limites da realidade física. (...) O mais jovem dos jogadores de videogame logo aprende que o jogo é sempre o mesmo, nunca afetado pelo que o circunda. Essa é uma forma de socialização para a cultura da simulação” (Turkle: 1997,66).

Dessa forma, pode-se especular se o jogo, que segundo Huizinga “ultrapassa, mesmo no mundo animal, os limites da realidade física.”, não encontraria na hipermídia o ambiente mais propício para seu desenvolvimento. Outra questão a ser levantada é se os meios computacionais propiciariam alterações na essência do jogar, já que as considerações de Huizinga são feitas com base na comparação entre o jogar humano e o jogar animal. Como ficaria, então, o jogar da máquina? Turkle faz uma consideração breve, que, talvez, apontasse para uma resposta positiva à questão de alterações na essência do jogar através da máquina quando afirma que, “em alguns jogos, regras deram lugar a narrativas ramificadas” (Turkle: 1997,68).

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Assim, ao comentar as possíveis reações das pessoas a todas essas alterações que vêm ocorrendo a partir da cultura da simulação, Turkle identifica duas respostas básicas, que respectivamente denomina simulation resignation e simulation denial.

A primeira se caracterizaria por uma atitude conformista que,

no entanto, não significaria a adoção da simulação como algo positivo; enquanto a segunda estaria relacionada a uma não aceitação dos modelos simulatórios. Porém Turkle vislumbra também uma terceira possibilidade: “Essa abarcaria a expansão cultural da simulação como um desafio ao desenvolvimento de uma crítica social mais sofisticada. (...) Esta nova forma de crítica tentaria utilizar a Simulação como um meio de se elevar a consciência.” (Turkle: 1997,71)

Turkle conseguiu - em meio a congressos, palestras, pesquisas e conversas com alunos – encontrar essa forma de abordagem36 em alguns momentos e em algumas pessoas, como no criador de The Sims, Will Wright. Sobre isso, ele declarou para a autora: “Jogar é o processo de descobrir como funciona o modelo”. Apesar de ter descoberto indivíduos que partilhassem de suas crenças, a autora é cautelosa e exime-se de fazer projeções otimistas para o futuro, já que para ela, se por um lado a simulação permite que transformemos os jogos em realidade, por outro, ela também possibilita transformar a realidade em jogo.

- Ludus e Paidéia Na maior parte das línguas, as atividades do jogo só pode ser relacionadas a uma única palavra, como no caso de jeu em francês, jogo em português, spiel

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Se considerarmos aqui a simulação como sendo algo estreitamente conectado ao jogar, podemos relacionar essa projeção de Turkle à afirmação de Huizinga (2000, 98) : “ (...) o puro e simples jogo constitui uma das principais bases da civilização” . Para o filósofo, tanto a arte, quanto a ciência , o direito e a poesia teriam “suas raízes no solo primevo do jogo”.

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em alemão, juego em espanhol etc. Em inglês, entretanto, game e play são dois termos distintos utilizados no contexto de jogo.37 Tradicionalmente, em inglês, play38 está associado às atividades de jogos infantis, enquanto game às atividades consideradas mais adultas – que guardam fortes componentes sociais. De fato, o play apresenta uma atividade mais independente, mais liberta de "fatores externos" – como pular, correr, jogar a bola, "brincar de médico" etc -, enquanto o game pode ser definido em termos mais estritos, com um conjunto de regras e um tempo-espaço definido – como vôlei, futebol, xadrez etc. Observamos, entretanto, que o play também pode possuir suas próprias regras: ao "brincar de médico", a criança se comportará como médico e não como cantor ou policial, por exemplo. A regra existe e é, portanto, aceita tanto no play quanto no game. A maior diferença entre os termos não está nas diferenças entre suas regras, mas sim nos seus resultados: nos games os jogadores ganham ou perdem (competem), no play não. Tal diferença também pode ser observada em torno dos conceitos de paidéia – " uma abundância de atividade física ou mental que não possui um objetivo útil imediato, nem objetivos definidos e da qual a única razão de ser é baseada no prazer experimentado pelo jogador" e ludus – " um tipo particular de paidéia, definido como um atividade organizada sobre um sistema de regras que define a vitória ou a derrota, lucro ou perda" – ultrapassando assim os limites lexicográficos da língua inglesa (Frasca: 2001). Isso significa que, após uma breve análise do videogame, já é possível constatar a existência nesse meio de ambas as categorias – que veremos melhor

37

Ambos os termos exercerem na língua inglesa, entretanto, as funções de substantivo e de verbo. Faço aqui a ressalva de que o verbo to play está sendo considerado aqui apenas no contexto relativo ao jogar, portanto, são deixadas de lado as utilizações como to play the piano ou to play a role no caso de pianistas ou atores profissionais, pois para eles o play pode adquirir outros sentidos. 38

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mais adiante neste trabalho. Nos jogos paidéia, o jogador apenas "brinca" sem a responsabilidade de atingir um objetivo ou de vencer um adversário que será derrotado. Nos jogos ludus, o jogador deve superar obstáculos atingindo um objetivo prévio (vencedor), ou fracassando nessa empreitada(perdedor).

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3.2.2 – Narratologia e(m) videogame Em um momento inicial da história dos videogames (até meados da década de 70, aproximadamente), observamos em termos narratológicos a presença exclusiva de jogos calcados no modelo de unidades narrativas mínimas. Esse fator, no entanto, não diminuía em nada o interesse dos jogadores, como no caso de Tetris. Isso representa que, independentemente da estrutura narrativa, os videogames podem possuir estruturas de jogos extremamente capazes de apreender e entreter – no sentido maior do termo – o jogador. Assim, um jogador de videogame é capaz de jogar inúmeras vezes um mesmo jogo, ainda que abstrato ou com unidades narrativas mínimas, em intervalos de tempo mais ou menos regulares, sem que com isso perca o seu interesse. Para Ryan (2001), ainda que o descrito anteriormente seja verdadeiro, a narratividade, entretanto, é um elemento muito importante nos videogames – fato que pode ser constatado pelo desenvolvimento de enredos, cenários, figurinos, diálogos, ações e outros elementos narrativos nos próprios jogos. Ela acaba funcionando como suporte do "fazer de conta" do meio, isto é, a narrativa: "Pode até não ser a raison d'être dos videogames, mas possui um importante papel como estimulador para a imaginação(...)" (Ryan: 2001). A primeira mudança narrativa significativa ocorrida em termos estruturais nos videogames se deu durante a década de 70 com a introdução dos text-basedgames (jogos baseados em texto escrito). Esses jogos foram fortemente influenciados pelo RPG (Role Playing Game) e sua estrutura narrativa. O RPG, por sua vez, se inspirou na trilogia O Senhor dos Anéis , escrita por J.R.R. Tolkien na década de 60. O livro contendo as três histórias propõe que o

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leitor interaja com seu próprio enredo. A leitura, assim, é guiada por elementos externos ao texto literário, como mapas, dados e outros elementos de jogos. O livro, que fez relativo sucesso na época, serviu de base para que, no ano de 1971, um grupo de jovens apreciadores de jogos de guerra (wargames) criasse um jogo de fantasia em que cada jogador podia controlar a sua própria personagem, ao invés do exército ou regimento inteiro. Depois de três anos aprimorando a estrutura desse tipo de jogo e seu design, Dave Arneson e Gary Gygax – dois integrantes do grupo original – publicam o primeiro título de RPG: Dungeons and Dragons, também conhecido como D & D. O jogo, que explora o gênero de aventura, virou imediatamente mania nos Estados Unidos e Japão, sendo posteriormente adaptado na forma de desenho animado homônimo para TV39. O RPG é uma espécie de jogo de representação em que os conceitos tradicionais de autoria, interpretação, espectador e da própria obra são reconfigurados. A mescla de elementos narrativos com jogo faz com que o RPG transite entre estas duas categorias.

A história e o enredo só existem como

sintaxe das relações processuais presentes na estrutura desse jogo. Trata-se de uma obra aberta, formada por intersemioses inerentes a sua estrutura, que incorpora ainda, de acordo com o jogo, outros elementos, como a utilização de um ou mais dados - que podem possuir entre cinco a trinta e dois lados – mapas, tabuleiros, objetos cenográficos, figurino, cartas, desenhos, música etc. Uma “sessão” de RPG é conduzida por um mestre (ou GM – Game Master), que contextualiza a história, cria situações, ambientes, tramas e administra a definição e a utilização de algumas “regras” básicas – que podem variar de jogo para jogo - para os jogadores, além de assumir múltiplos papéis de figurantes,

39

No Brasil o desenho foi exibido na Rede Globo, durante os anos 80, com o nome de Caverna do Dragão.

127

chamados no RPG de NPCs – Non Players Characters, garantindo assim a integridade, a unidade e a própria fluidez da sessão. Os jogadores, por sua vez, constroem as personagens com características e habilidades próprias e que irão agir de acordo com essas propriedades diante dos fatos que possam surgir no decorrer da sessão, isto é, o jogador deve interpretar, se comportar e agir da mesma maneira com a qual sua personagem o faria. A partir de suas ações e decisões, as personagens constroem e definem os rumos e as direções da história, determinando a sua própria experiência e o desdobramento do enredo entre as inúmeras possibilidades imaginadas. A obra é, assim, pensada como um processo múltiplo, contínuo e paramétrico das relações entre mestre e jogadores - que não se apresentam apenas como espectadores ou atores, mas sim como jogadores. À medida que estes interpretam um texto que se constrói aberto à imaginação, desenvolvem suas próprias histórias e experiências. Logo nos primeiros anos do RPG, Jackson (1994) – um dos principais representantes desse movimento - cria o GURPS (Generic Universal Role Playing System), um sistema genérico e universal que permite criar outros jogos a partir dele, bem como criar regras básicas que possam ser aplicadas a qualquer tipo de RPG. O sistema de Jackson, que teve (e tem até hoje) enorme aceitação na comunidade de mestres e jogadores de RPG, baseia-se, entre outras coisas, na premissa do desenvolvimento (evolução) da personagem (que pode ser representado

por

meio

de

pontos

da

personagem

correspondentes

a

determinados atributos), da coletividade e cooperação entre os jogadores que, desta forma, não competem, apenas jogam a paidéia. "Portanto, um role playing game bem jogado ensina cooperação entre os jogadores e amplia seus horizontes. No entanto, ele não é uma coisa puramente educacional. É também uma das formas mais criativas de entretenimento. A maior diferença entre o RPG e as outras formas de diversão é que a maioria

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delas é passiva, i.e., a audiência senta e assiste sem tomar parte do processo criativo. No RPG a audiência participa do processo de criação. Enquanto o GM (mestre) é o principal contador de histórias, os jogadores são responsáveis pela criação de seus personagens. Portanto, se eles quiserem que alguma coisa aconteça na história, então farão com que aconteça, porque são parte integrante dela" (Jackson: 1994, 8).

Uma outra característica importante do RPG é que, mesmo repetindo-se o tema escolhido (cyberpunk, super heróis, velho oeste, espacial etc), o mestre e os jogadores, teremos a cada jogo uma nova história, não apenas na interpretação do resultado pelos envolvidos, mas também em sua própria forma. Apesar dos jogos (livros de apoio, tabuleiro, dados etc) serem produzidos sobre os preceitos da reprodutibilidade técnica, cada sessão de RPG é única, não só como resultado de diferentes leituras, mas também enquanto obra em si. Sobre esse aspecto da "originalidade" de cada sessão, resultado da própria característica interativa do jogo, o mesmo autor afirma nesta outra passagem : "Enquanto os outros tipos de diversão são produzidos em série para agradar a maior audiência possível, cada aventura de Roleplaying é uma jóia distinta, lapidada por aqueles que tomaram parte nela. O GM (ou autor original da aventura) fornece o material bruto, mas o polimento é dado pelos próprios jogadores" (Jackson: 1994, 8).

Muitas pessoas passaram a utilizar o RPG como ferramenta em diversas áreas, como na educação – principalmente nas aulas de história calcadas no método construtivista, em que os alunos aprendem a partir de sua própria experiência no jogo – ; na construção de roteiros para outros suportes – o próprio desenho Caverna do Dragão, feito para ser exibido e assistido na televisão, tinha como roteiro de seus episódios o resultado das sessões de Dungeons and Dragons jogadas – ; e na criação de outros jogos - podendo ou não aproveitar personagens previamente existentes na criação de histórias próprias: os superheróis da Marvel combatendo o poder paralelo do Rio de Janeiro, por exemplo.

129

Na década de 70, influenciados pela dinâmica dos RPG's, surgem os primeiros text-based-games, considerados como espécies de jogos para videogame baseados no texto escrito e feitos para serem jogados nos computadores pessoais. Sua principal diferença em relação aos demais jogos de videogame reside no fato de, como o próprio nome diz, estes serem exclusivamente baseados na palavra escrita. Isso garantiu não apenas um diferencial, mas também um elemento enriquecedor da própria narrativa em videogame, na medida em que o texto, por assim operar apenas na categoria do verbal, oferecia maior possibilidade interpretativa e imaginativa (cooperação textual) em relação ao que podia ser oferecido na época em termos gráfico-visuais pelos outros jogos de videogame. Em 1975, baseado na experiência de Eliza (Weizenbaum: 1966), o primeiro bot (chatterbot) inventado, Willie Crowther escreveu Colossal Cave, também conhecido como Adventure, considerado o primeiro jogo baseado em texto (textbased-game)

40

. Nesse jogo, o jogador deveria coletar tesouros espalhados em

uma caverna gigantesca, por meio de orientações digitadas no teclado e direcionadas ao computador que as executava (ou não) e respondia ao jogador por meio de um sistema de bot. O jogo foi aprimorado no ano seguinte, ficando armazenado no computador central (mainframe) da Boston University, que podia ser acessado por outros usuários via ARPAnet (uma das precursoras da Intenet). Em 1977, Dave Lebling e Marc Blank, dois alunos do LCS (Laboratory for Computer Science) do MIT que eram jogadores assíduos de Colossal Cave, reúnem-se e decidem desenvolver seu próprio text based game: Zork. O projeto ficou pronto em 1979 - ano em que fundaram a Infocom41, empresa especializada neste tipo de jogos - e fez grande sucesso nos computadores das universidades americanas. No ano seguinte, lançaram comercialmente o jogo, que, com o

40

Uma versão on-line para jogar Colossal Cave, bem como textos e links sobre o jogo estão disponíveis em: www.uwec.edu/jerzdg/orr/articles/IF/online/adventure/index.html 41 Cf. http://www.infocom-if.org

130

tempo, repetiu o mesmo sucesso fora dos laboratórios universitários vendendo, ao longo de sua história, mais de um milhão de unidades do jogo. Com o "boom" dos computadores pessoais, no início da década de 80, os text-based-games começaram a se tornar populares entre os usuários desses computadores. Normalmente, tais tipos de jogos ofereciam ambientes virtuais em que o jogador, por meio de comandos extremamente simples – do tipo "pegar", "ligar", "ir até", "olhar" etc -, podia controlar uma personagem que se locomovia e agia nesses ambientes, revelando a cada movimento e a cada ação um novo detalhe ao jogador. A diferença é que, nesses jogos, o jogador não vê as imagens visuais nem ouve a acústica dos ambientes, das ações e muito menos do avatar. Ao invés disso, cria uma imagem mental para tais instâncias, isto é, imaginandoas a partir de sua própria interpretação do texto. A diferença em relação às narrativas tradicionais literárias é que, nesse caso, o jogador, além da cooperação textual, participa da própria construção da narrativa, interagindo com o meio e descobrindo o mundo do jogo. Os text-based-games podem ser considerados os precursores daquilo que hoje se convencionou chamar de literatura digital. Seu legado pode ser observado, por exemplo, nos MUDs (Multi-User Dungeons/ Domain/ Dimension) - uma designação genérica de text-based-games para múltiplos jogadores on-line, utilizados normalmente para jogos de RPG na rede. Há também variantes dos MUD's: o MOO (MUD Object Oriented), um tipo específico de MUD em que os usuários podem criar e manipular seus próprios objetos - uma espécie de chat com recursos ampliados - sendo muito utilizado para intercâmbios educativos e pedagógicos; o MUSH (Multi-User Shared Hallucination), tipo de MUD em que os usuários jogam um roleplay a partir do desenvolvimento de técnicas de alteridade, performance e subjetivação; além de diversas outras variantes como MUCK (Multi-User Chat Kingdom ou Multi-User Construction Kit), MUSE (Multi-User simulated Environment), MUX (Multi-User X-perience) etc. Para diminuir a dificuldade no lidar com tais acrônimos muitas pessoas utilizam a grafia MU*, para

131

designar todas essas formas de ambientes virtuais para multi-usuários baseados em texto, desenvolvidos entre o final da década 80 e início da de 90.

At End Of Road You are standing at the end of a road before a small brick building. Around you is a forest. A small stream flows out of the building and down a gully. >enter building That's not something you can enter. >open door You can't see any such thing. >go in What do you want to go in? >building That's not something you can enter. >in Inside Building [...] Tela do text-based-game Colossal Cave Game. Uma versão on-line do jogo está disponível em: http://www.uwec.edu/jerzd/orr/articles/IF/canon/Adventure.htm

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Capa da hiperficção Afternoon, a story de Michael Joyce.

Também no início da década de 90, em 1991, Michael Joyce escreve Afternoon, a Story. A obra, considerada a primeira ficção em hipertexto ou hiperficção, se desenvolve em torno da suspeita de um acidente de carro que poderia ou não ser da ex-mulher de Peter, a personagem principal. A história oferece a possibilidade do usuário optar a cada clique por novas possibilidades, dispostas em 539 lexias independentes relacionadas por 950 conexões (links). Para desenvolver a hiperficção, Joyce precisou do auxílio de um software específico que não só possibilitasse sua criação, mas que facilitasse, ou pelo menos não tornasse tão complexo quanto o seria em um suporte analógico, o trabalho de criação do autor. O programa, chamado de Storyspace, foi desenvolvido pela Eastgate – que já comercializa a segunda versão do programa para a criação de hipertextos ficcionais ou não42. Podemos afirmar que Joyce inaugurou uma nova fase dentro da literatura digital, criando uma história bem elaborada e desenvolvida em termos de enredos, personagens, ações, ambientes e profundidade psicológica, ampliando o enfoque narrativo dado até então pelos text-based-games que se baseavam apenas em modelos de estruturas narrativas mínimas extremamente simples.

42

No site www.eastgate.com é possível encontrar a venda não só esse software como outras obras que o utilizam para poesia, textos científicos etc.

133

Na ficção em hipertexto, a idéia de produção de significado (explorada por estruturalistas e pós-estruturalistas) se estende à construção da narrativa e de seus significados pelo usuário, que o faz por meio da utilização de outros textos – incluindo também aí o subtexto e o não verbal - assim como em um processo de conversação. De fato, autores como Ong (1998) acreditam que a forma de ser da interatividade na hipermídia pode ser considerada, dentro do processo evolutivo comunicacional humano, como uma ‘nova oralidade”. Cabe aqui diferenciar o termo hiperdrama, por vezes usado como sinônimo de hiperficção. O hiperdrama é uma hiperpeça de teatro, em que atores atuam em uma

locação

real,

podendo

ocupar

diversos

cenários

e

neles

atuar

simultaneamente. Normalmente tais peças são representadas em locações como casas, mansões ou fábricas abandonadas e o espectador permanece livre para se locomover e transitar entre os diversos ambientes, derrubando a chamada "quarta parede" e introduzindo mudanças significativas em alguns elementos basais do teatro. Conforme podemos perceber nesta afirmação: "Em uma peça de teatro onde a narrativa inteira se passa em um único cenário, uma sala, por exemplo, e que o fluxo de personagens seja grande, o espectador comum verá, sentado em sua cadeira na platéia, apenas aquilo que lhe for mostrado no palco. Sua visão e participação serão limitadas a isso. Independente da qualidade do conteúdo da peça, isso é muito pouco em termos de participação e interatividade. Essa mesma peça em uma “versão hiperdrama” possibilitaria ao espectador permanecer na sala na condição de voyeur, podendo ver a cena de vários ângulos, checar objetos de cena como fotos, roupas e livros, sentir seu cheiro e eventualmente até participar fisicamente da peça. Analisando que tipo de livro a personagem lê, o cheiro do quarto, que tipo de roupa a personagem usa, a marca de cigarro, se o quarto é limpo ou sujo, organizado ou bagunçado, o público poderá enriquecer suas opiniões sobre as características e o perfil [sic] das personagens, colaborando diretamente na compreensão da obra e das idéias do autor. Na versão hiperdrama o público poderia ainda optar entre ficar na sala e ver a versão

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original (tradicional) da peça ou seguir alguma personagem que deixa a sala e se encaminha para um outro cenário qualquer, um quarto (e não a coxia do teatro), por exemplo" (Gallo: 1997, 23 – 24).

A diferença mais expressiva reside, portanto, no fato de que apesar de tanto a hiperficção quanto o hiperdrama utilizarem propriedades intrínsecas da escritura hipertextual, a primeira transforma o resultado do processo de escritura (roteiro) na obra aberta à participação do usuário em sua tela de computador, enquanto a segunda se utiliza do mesmo processo – ambas podem inclusive utilizar o mesmo software, como o Storyspace da EastGate, por exemplo – para criar um roteiro que será posteriormente ensaiado e montado na forma de uma hiperpeça de teatro em uma locação física. Ambas permitem, e até mesmo exigem do usuário, uma atitude mais participativa e interativa, já que, como vimos, o usuário torna-se nestes casos co-autor da própria obra. A cada nova experiência, o usuário tem a possibilidade de montar, ele mesmo, uma nova história, assim como usuários diferentes podem ter experiências completamente diferentes também. Para Bolter (1991), a hiperficção permite que diferentes possibilidades e estruturas co-existam em um mesmo espaço narrativo. Com o tempo, o usuário adquire, com sua própria experiência, uma compreensão dessa nova estrutura espacial. Observa-se ainda, segundo o autor, a presença de “subespaços”, lacunas narrativas onde podem ser contadas tramas e histórias paralelas, bem como a possibilidade de se seguir um mesmo evento por pontos de vista e perspectivas diferentes, cada qual podendo ser operado e representado diagramaticamente em um nível diferente. Com isso, Bolter acredita que: "(...) o autor pode refratar a realidade em uma série de perspectivas, sem com isso destruir o ritmo ou a compreensão do texto”. (Bolter: 1991, 129) Apesar de trabalharem fundamentalmente com texto escrito, esses trabalhos apresentam mudanças fundamentais em relação às narrativas tradicionais literárias, como afirma o próprio Joyce: 135

"A página se converte na tela, a tela substitui a página. Poderíamos chamar a este movimento de substituição de ‘história’. Os textos eletrônicos se apresentam a si mesmos em meio de sua dissolução: se lêem onde se escrevem, e se escrevem enquanto se lêem" (Joyce: 1998, 280).

De qualquer forma, a partir da metade da década de 80, surgem computadores

e

consoles

com

processadores

bem

mais

rápidos,

que

proporcionavam qualidades gráficas, sonoras e de animação superiores às anteriores. Isso faz com que os usuários de computador, que contavam até então com o texto como principal recurso, sejam seduzidos pelos recursos diversos apresentados por esses novos computadores. Assim, o público dos text-basedgames diminui drasticamente, restringindo-se a um segmento bem específico, diminuindo também a produção e o desenvolvimento de tais tipos de jogos. A chamada interface gráfica passa a predominar cada vez mais em relação à escrita, vide a substituição da utilização, por parte de grande maioria dos usuários, de sistemas como o DOS por outros sistemas operacionais como o Windows. Era inevitável, portanto, que tal fenômeno ocorresse, mais cedo ou mais tarde, também com os videogames. Para Rouse (2001: 218 – 228) essa mudança também pôde ser percebida nos três lugares utilizados para se contar uma história no videogame: "fora do jogo" – por exemplo, nas cenas com corte inseridas no jogo e que não permitem interação direta ao jogador -, "dentro do jogo" – que se desenvolve durante o próprio jogar -; e em "materiais externos" – como nos manuais, embalagem etc. Apesar de talvez ser mais perceptível "dentro do jogo", essa mudança atingiu igualmente as outras duas instâncias, não só por normalmente serem distribuídas todas juntas, mas também porque o fenômeno pôde ser observado em diversas outras áreas não relacionadas diretamente ao jogo de videogame em si, como, por exemplo, o designer gráfico e de embalagem, a programação visual, a editoração e a propaganda.

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De qualquer forma, designers43, programadores e jogadores cada vez mais se tornaram familiarizados com a utilização de plataformas e interfaces não apenas gráficas, mas audiovisuais. Alterava-se assim, gradativamente, o referencial espacial narrativo nos videogames.

- Espacialidade nos videogames Para Aarseth (1998), a espacialidade não só é o elemento central que melhor define o videogame, como aquele que o diferencia dos demais meios: "O que distingue o videogame enquanto gênero cultural dos demais, como os filmes e os romances, além das óbvias diferenças cibernéticas, é a sua preocupação com o espaço. Mais que o tempo (que em muitos videogames pode ser parado), mais do que as ações, eventos, objetivos (que muitas vezes são semelhantes entre diversos jogos) e inquestionavelmente mais que a caracterização (que em muitas vezes é inexistente) os videogames realizam e exploram a representação espacial como seu principal tema e raison d’être" (Aarseth: 1998).

Aarseth (1988) diz que é possível pensar, além da diferenciação técnica entre as plataformas gráficas, em dois tipos diferentes de representação espacial: os indoors – que acontecem em ambientes internos, fechados – e os outdoors – que acontecem em ambientes externos, abertos. Uma outra possibilidade de classificação espacial pode ser entendida como o nível de influência do jogador no gameworld, isto é, se o jogador tem uma influência construtiva (ou destrutiva) no espaço virtual, se há a possibilidade de

43

Kirksæther (1998) lembra-nos que não consta nos créditos de um jogo videogame a função de diretor, mas sim a do designer – responsável maior pelo jogo - que seria equivalente a algo como um "roteirista-diretor" em outras mídias e suportes.

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mudar ou interferir nesse (outro) mundo ou, ao contrário, se este se apresenta de maneira estática e sem possibilidades de interferências espaciais. O desenvolvimento das questões sonora e imagética correlatas à espacialidade no videogame, como paisagens, cenografia e efeitos visuais, evoluíram de maneira impressionante nos últimos anos. Isso pode ser comprovado, por exemplo, nos jogos de esportes, que guardam cada vez mais semelhanças com seus referenciais, isto é, incorporam e desenvolvem elementos da dinâmica da física (gravidade, velocidade, peso etc) e outros tantos, como a caracterização de ambientes (arquibancadas, quadras, gramados etc) e, até mesmo, a gestualidade e a expressão facial, no caso, dos esportistas. Aarseth (1998) propõe uma diferenciação entre os conceitos de espaço e lugar (space e place). O ciberespaço, entendido como o lócus de desenvolvimento espacial do videogame, pode ser visto como um sistema de signos. O espaço entendido como signo pode, portanto, tanto limitar quanto expandir a noção espacial. O lugar seria então, uma limitação do, ou no espaço, já que sua existência depende, necessariamente, do espaço, de sua origem espacial. Por ter sido criado, o ciberespaço é uma região no espaço, um lugar, pois não pode existir paralelamente ao seu espaço, isto é, o jogador não tem como acessar o mundo virtual diretamente, mas sim apenas por meio de uma mediação computacional. Para Guimarães (2000), o ambiente virtual é mais um lócus de sociabilidade, comunicação e conhecimento, mantendo uma constante e intensa interação com os demais loci. Neste lócus, a noção antropológica de pessoa transcende os limites físicos da corporalidade, isto é: “Os indivíduos se confundem com seus papéis sociais ou com seus objetos totêmicos a eles relacionados”.

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A pessoa em hipermídia que participa de ambientes de sociabilidade é uma persona, cuja existência é condicionada à efetivação de interações, isto é, ao pertencimento de uma rede de significados. Assim, a primeira instância da pessoa é sua presença – homóloga a presença física do sujeito – e sua participação em ambientes de sociabilidade. Por conta desta ubiqüidade espacial, não podemos afirmar a presença de uma relação unívoca entre persona e pessoa física. Mas nem só de personas é povoado o ambiente virtual. Meyer (1995) atenta para o fato da existência de entidades físicas e virtuais que, por sua vez, também podem operar em domínios físicos e virtuais. Temos então quatro possibilidades possíveis de relacionamentos entre entidades e domínios: entidade física operando no domínio físico - como no teatro, por exemplo -, entidade física operando no domínio virtual - como na utilização de joysticks e luvas de realidade virtual -, entidade virtual operando no domínio físico, como acontece no uso de sensores remotos – e entidade virtual operando no domínio virtual, como no caso de atores sintéticos criados e comandados pelo próprio computador. Experiências no domínio virtual, baseadas no método de Touring, vem sendo desenvolvidas há algum tempo no relacionamento de entidades físicas e virtuais. A experiência mais intensa de sociabilidade entre homens e máquinas provavelmente se dê, hoje, pela utilização da tecnologia dos bots (chatterbots): seres virtuais criados e/ou comandados por computador. Os bots são lançados em ambientes virtuais de sociabilidade como chats, por exemplo, submetendo-se ao teste de conseguir conversar com humanos. O sucesso do teste representa o não reconhecimento dos bots por parte das entidades físicas, isto é, o usuário não consegue identificar se está conversando com uma entidade controlada por outro usuário ou por um computador.

139

Esta é ROB.E.R.T.A., uma bot que se apresenta como relações públicas da Interbots. Disponível para conversa em http://www.interbots.com.br

A experiência nos faz lembrar, entre outros inúmeros exemplos, dos andróides de Blade Runner (Scott: 1982), uma geração subversiva de máquinas inteligentes rebeladas que conseguem, na Los Angeles de 2019, infiltrar-se na sociedade sem serem identificadas pelos não andróides. O reconhecimento desses seres é feito por Deckard, um agente especial – que na minha opinião é um outro andróide, só que não sabe disso - com habilidades para identificar e aniquilar os rebelados. Para Johnson, o conto "O homem de Areia" de E.T.A. Hoffmann, publicado em 1816, é: "(...) a primeira grande expressão literária de um tema que atravessa a narrativa do século XX: o perigo – e a sedução – de confundir máquinas com seres humanos. (...) A história de Hoffmann é uma tentativa de traduzir essa acústica –

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a atração e a repulsão da máquina orgânica – para um meio criativo. Blade Runner e 2001 tentam o mesmo com o cinema" (Johnson: 2001, 128 - 129).

Mas não precisamos nos imaginar tão longe para tanto. Muitas pessoas, principalmente crianças e adolescentes – como meus primos que foram por mim utilizados como "cobaias" -, respondem positivamente ao teste de Touring44. Por operar na virtualidade do videogame, o deslocamento espacial pode dar lugar a técnicas de teletransporte, recurso comum na ficção científica, que caracteriza para alguns uma negação do espaço em que vivemos. Mas, para outros, as diferentes experiências espaciais, como as que vivenciamos nos videogames, possibilitam a ruptura com o fetiche do espaço "real", isto é, "(...) a descontinuidade da comunicação digital domina até mesmo as ilusões do espaço real" (Aarseth: 1998). Podemos notar em certos casos, que as categorias espaciais podem se confundir e se tornar híbridas. É o caso de Myst, em que os ambientes outdoors tornam-se verdadeiros labirintos, típicos de ambientes indoor45. Em outros jogos de videogames, como Myth (Bungie: 1997) – um jogo de estratégia em tempo real envolvendo o combate entre exércitos medievais -, o jogador pode criar suas próprias paisagens (landscapes), a exemplo do que acontece em alguns MUDs. Em Myth, o usuário deve ainda adotar uma tática espacial (disposição da tropa, ordem de ataque, estratégias de defesa etc) a fim de obter um melhor desempenho no jogo (vencer o exército inimigo). Ao tornar-se inerente em relação ao referencial físico de espaço "real" que intencionava, a espacialidade do mundo dos videogames torna-se uma alegoria:

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O Brasil desenvolveu recentemente seu primeiro modelo de bot: Cybelle, o primeiro bot em português. Disponível em http://www.interbots.com.br/cybelle 45 O assunto também nos remete a questão anteriormente abordada, sobre a possibilidade do labirinto enquanto um vasto espaço.

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"explanações figurativas de uma fundamental impossibilidade de representação do espaço real" (Aarseth: 1998). Por meio de processos característicos da hipermídia, é possível ao videogame criar um simulacro, uma copia sem original, fenômeno próprio da qualidade de uma realidade virtual. Além disso, o videogame também pode ser capaz de criar ambientes sintéticos, isto é, que não guardem qualquer tipo de analogia ou padrão de semelhança identificável por parte do jogador com a realidade circundante fora do mundo do jogo, isto é, que seja não apenas inteiramente gerado no âmago do computador, mas que só possa ser pensado e identificado a partir de tal - como acontece, por exemplo, no caso dos jogos de videogame abstratos mencionados anteriormente. Um fator tão fundamental quanto pouco explorado no entendimento da espacialidade no videogame e do próprio meio em si é a questão do código sonoro: como se dá, não apenas a criação e a utilização de sons e músicas, mas os seus diálogos e suas articulações em relações ao meio. A criação e o entendimento da dinâmica espacial do videogame, e do próprio meio em si, deve também abordar seus aspectos sonoro-musicais. Apesar de poder guardar algumas semelhanças com a questão da trilha sonora e da sonorização no cinema, as criações e articulações sonoro-musicais no videogame guardam características próprias, na medida em que o videogame, por se caracterizar como um meio próprio, apresenta não só técnicas de criação e utilização diferenciadas, mas toda uma especificidade própria de seu processo comunicacional (Aarseth: 1998). Proponho aqui, em poucas linhas, apenas uma direção para um eventual estudo mais aprofundado sobre essa questão. Para tanto utilizarei conceitos básicos de Schafer (1991) e Wisnik (1989).

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Schafer (1991) propõe uma nova forma de ensino da educação musical a partir do conceito mestre de paisagem sonora. Para o compositor canadense, o pensamento e as reflexões sobre as questões sonoras e musicais deveriam ser entendidas de maneira mais ampla do que a forma como são tradicionalmente pensadas. O autor propõe, assim, que as pessoas passem a ter uma escuta concentrada, ou pelo menos mais atenta, ao universo sonoro que se processa o tempo todo ao nosso redor, deslocando nosso eixo de atenção para além das salas de concerto e dos aparelhos de som. Para o autor, esse novo enfoque "(...) teria sido impossível há poucos anos atrás, mas hoje são as definições mais restritas que vem se revelando inaceitáveis" (Schafer: 1991,120). O compositor acredita ainda que essa mudança se deve a um processo presenciado e vivenciado em larga escala pelas diferentes culturas no decorrer da própria história: os sons escutados pelo homem no seu cotidiano. Em um primeiro momento, durante as culturas primitivas, havia um predomínio dos sons naturais, seguidos pelos sons humanos e pelos sons de utensílios e tecnologia. Durante as culturas medievais, renascentistas e préindustriais, os sons humanos passaram a ser mais ouvidos que os sons naturais, que ainda assim eram mais ouvidos que os sons de utensílios e tecnologia. Finalmente, nas culturas pós-industriais, houve uma inversão completa do quadro em relação às culturas primitivas: ouve-se mais sons de utensílios e tecnologia em relação aos sons humanos; os sons naturais, os menos escutados, respondem agora a apenas uma pequena parcela do que ouvimos hoje - cerca de 6% do total dos sons cotidianos hoje (Shafer: 1991, 127 – 128). Além disso, uma série de compositores e músicos contemporâneos e de vanguarda realizaram (e ainda realizam) uma série de experimentos não apenas refletindo esse contexto, mas também apontando para novas formas de experimentação, como é notavelmente o caso da música eletrônica e da música eletroacústica.

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A partir desse panorama, Schafer propõe o entendimento da paisagem sonora a partir de quatro elementos básicos: o silêncio – entendido em seu sentido figurado, mais comum, já que o silêncio absoluto só pode existir no vácuo -; o ruído – que além da idéia de interferência, pode ser entendido em um sentido mais amplo como os efeitos sonoros -; os sons humanos – que podem se apresentar sobre a forma de fala ou de outros sons como uma tosse, por exemplo -; e a própria música entendida em seu sentido mais tradicional. Ambos elementos podem ser usados e combinados para compor a paisagem sonora de um lugar qualquer, que por sua vez também pode ser composta por diferentes camadas sonoras – equivalente aos canais de som de uma gravação antes de serem mixados, isto é, quantos sons diferentes podem ser ouvidos e identificados simultaneamente. Cada camada sonora possui sua própria textura sonora, isto é, sua própria característica, sua sonoridade específica, seu próprio timbre. Essas idéias, respeitando as especificidades de cada suporte, podem ser perfeitamente transpostas para a criação e análise sonora em qualquer meio sonoro (rádio, CD) e audiovisual (cinema, televisão, hipermídia e videogame). Infelizmente, percebemos dentro da história dos videogames um desenvolvimento técnico e de linguagem muito mais voltado às questões gráficas e cinemáticas – entendida, na acepção do termo de origem grega, como a arte de pôr em movimento –, do que às questões referentes ao universo sonoro-musical. Acredito que tal processo de predileção do visual em relação ao sonoro não é privilégio dos videogames, mas de quase todo e qualquer meio de comunicação amparado em suportes audiovisuais. O cinema depois de algum tempo do desenvolvimento do chamado "cinema sonoro", talvez seja, entre esse meios previamente existentes, aquele que consiga trabalhar de maneira um pouco mais sofisticada esse universo. Não observamos comumente o mesmo na televisão, nem nos videogames. Entretanto, com o desenvolvimento de tecnologias voltadas

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para a criação sonora e sua audição – como, por exemplo, o surgimento da edição não-linear e do som espacial, também chamado de som tridimensional, que pode ser escutado em um aparelho de home theater – observa-se um movimento um pouco maior no sentido de aperfeiçoamento dessa linguagem sonoro-musical. Talvez a música, entendida em seu sentido mais tradicional, seja a parte mais específica e complicada em termos de criação e composição de paisagens sonoras, já que exige o domínio de códigos específicos dispostos em uma espécie de gramática acessível, em sua grande parte, apenas àqueles que possuam o domínio necessário para operá-la46. Para tal tipo de criação, acredito ser de grande valia as considerações de Wisnik (1989, 209 – 219) sobre a presença de quatro sistemas musicais na cultura contemporânea e suas: " (...) relações como o tom que podem ser descritas, em princípio, através de uma quadratura combinatória de afirmações e negações. A música tonal afirma e nega o tom. A música serial nega e não afirma o tom. A música minimal não afirma e não nega o tom. A música modal não nega e afirma o tom" (Wisnik: 1989, 211).

As relações e oscilações entre afirmação e negação do tom - entendido aqui como a dinâmica da harmonia em relação às notas brancas e pretas (sustenido), responsáveis em grande parte pela criação do "clima" da própria música - são fundamentais para o entendimento de uma composição extremamente dinâmica, sujeita a alterações em função de suas próprias articulações com o jogo de videogame.

46 Com o avanço de certas tecnologias como o sampler e o próprio computador, tornou-se cada vez mais fácil "qualquer pessoa interessada" criar sua própria música, como percebemos nos casos de alguns "DJs" que se auto intitulam músicos eletrônicos. No entanto nos atemos aqui a música entendida em seu sentido maior, composta e executada por pessoas que realmente possuam o domínio e o entendimento de seus elementos (melodia, ritmo, harmonia, timbre etc) e de sua dinâmica.

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A composição, a elaboração e a execução de trilhas musicais para videogame devem, portanto, estar atentas às especificidades de um meio interativo e extremamente instável - na medida que é, em grande parte, determinado pelas ações do jogador normalmente executadas em tempo real -, sabendo utilizar o computador como elemento ativo e integrante desse processo e não apenas como uma espécie de aparelho de som. Como afirma Wisnik: "Essa dança contemporânea é uma espécie de combinação sincrônica dos quatro sistemas (tonal, serial, minimal e modal) se remetendo um ao outro com diferentes disposições em relação ao centro. A interferência virtual de cada inflexão sobre a outra produz uma temporalidade que não se confunde mais com a linha do tempo progressivo e linear. (...) O móvel subjacente da linguagem criativa, se há algum, passa ser a própria enunciação tendencial da diferença em meio à repetição, num tempo em que o hiperevolutivo e o hiper-repetitivo se confundem numa espécie de circularidade" (Wisnik: 1989, 212 – 213).

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Temporalidade nos videogames

A maioria dos videogames cria um mundo próprio, em que o jogador é ao mesmo tempo ele mesmo e uma dada personagem nesse outro mundo. Para Jull (2002), essa dualidade também pode ser observada em nível temporal entre o tempo de jogo (play time) – tempo usado pelo jogador para jogar o jogo – e o tempo do evento (event time) – o tempo do(s) evento(s) no jogo. "Para comparar brevemente meu conceito de tempo de jogo é, de certa forma relacionado com o conceito narratológico do tempo do discurso; meu conceito de tempo do evento é comparável com o tempo da história" (Jull: 2002).

O autor adota uma análise mais objetiva do tempo no videogame, que na sua opinião pode ser entendido tanto em termos de um "mundo projetado" quanto de uma "ação do jogador em tempo real". Para o autor: "Examinar o tempo

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objetivo é, paradoxalmente, um meio de entendermos como a estrutura formal de um videogame satisfaz a mais elusiva experiência do jogador" (Jull: 2002). Se o conflito da personagem na narrativa pode ser entendido como o confronto do tempo psicológico com o cronológico, a imersão do jogador no videogame também pode ser entendida como o resultado da relação entre o tempo do evento e o tempo de jogo. Jull (2002) usa o termo mapping (mapeamento) para designar a relação entre esses tempos no videogame: "Mappping significa que os tempos do jogador e das ações são projetados para dentro do mundo do jogo" (Jull: 2002). Nem todos os jogos, entretanto, podem ser exclusivamente "mapeados" a partir do tempo de jogo. Não é difícil encontrarmos nos jogos de videogames atuais seqüências de introdução e cenas com cortes no meio do jogo. Essas cenas com cortes apresentam-se em wide screen (16:9) - uma tela com tarjas horizontais pretas em cima e em baixo do monitor – que indicam a função da imagem "cinematográfica" e a sua não possibilidade de interatividade direta naquele trecho. Evoca-se assim, por parte do jogador, uma interpretação que se utiliza mais das "convenções cinemáticas do que as convenções do jogo". Para Jull: "Essas cenas não apresentam qualquer tipo de sentido temporal; não significa necessariamente que alguma coisa aconteça no mundo do jogo, mas apresenta uma quebra entre dois mundos separados no jogo; a linha de tempo de ambos o tempo de jogo (playtime) e o tempo do evento (event time) é quebrada. O tempo de jogo não é mapeado ao tempo do evento; não há conexão entre o tempo do evento do nível prévio e do nível futuro" (Jull: 2002).

Alguns jogos de videogame conseguem passar, entretanto, a impressão de apresentar o tempo de evento de forma contínua, apesar de haver pausas para, por exemplo, carregar novas fases - que, por vezes, aparece sobre a forma da mensagem "loading" (carregando) escrita na tela. O tempo do evento parece 147

contínuo, mas o tempo de jogo permanece de fato parado enquanto o jogo está carregando. A este tipo de tempo, Jull (2002) denomina "tempo coerente", isto é, um tempo que, apesar de possuir um mapping fora de sincronia não rompe a imersão do jogador. Para o autor, nesses casos, a utilização de cenas cinemáticas em substituição às mensagens escritas na tela, normalmente ajuda a atenuar esta passagem ao criar uma transição mais suave. As cenas cinemáticas também são bastante utilizadas enquanto flashbacks, revelando normalmente detalhes da história pregressa da narrativa presente no jogo. Esses flashbacks, na grande maioria das vezes, se apresentam sem qualquer possibilidade de atividade mais direta do jogador, a não ser a de interpretar as imagens ou cortar / adiantar a sua exibição por meio de algum botão pressionado. Esse aspecto revela uma outra característica temporal do videogame, a necessidade do encadeamento cronológico. A impossibilidade, ou a não viabilidade de um flashback interativo representa o clássico problema já abordado pela ficção científica nas histórias de viagem no tempo: uma ação qualquer executada por alguém em um passado pode alterar ou até mesmo inviabilizar a existência de um presente. A presença de narrativas que embaralham o tempo da história ou que não operam com o tempo cronológico pode ser observada mais facilmente em outros meios, pois elas se dão pela natureza pré-determinada dos eventos. "Desde que a história, de certa forma, já aconteceu, os eventos podem facilmente ser apresentados em uma ordem não cronológica para fins estéticos" (Jull: 2001). Em alguns jogos, porém, coisas diversas presentes no evento do jogo apontam para acontecimentos passados, isto é, revelam ao jogador o que aconteceu previamente ao tempo do evento. É o caso de Myst (1994), em que um livro revela eventos que aconteceram anteriormente ao tempo do jogo, ou pelo menos "externo ao tempo em que o jogador pode interagir".

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O tempo objetivo do evento pode operar em três categorias diferentes: tempo real (unidade temporal: um segundo no tempo do evento corresponde a um segundo no tempo de jogo), tempo contínuo (mas não necessariamente real) e o tempo baseado em turnos (em que o estado de jogo só se altera após o lance do jogador). Alguns jogos possibilitam ainda ao jogador operar o próprio tempo do evento, que pode assim ser mais lento, igual ou mais rápido do que seu próprio tempo de jogo. Nesses casos o tempo de jogo irá "mapear" o tempo do evento, isto é, ao selecionar a velocidade do jogo, o jogador especifica o mapping. Muitos jogos conseguem ainda descrever um determinado período histórico - a Segunda Guerra Mundial, A Idade Média, o século XXIV etc - e manter, dentro destes períodos fixos, um evento em tempo real. Isso pode ser assinalado na tela por escrito, ou pode até mesmo ser inferido pelos elementos apresentados no jogo para o jogador (cenários, figurinos etc). Jull (2002) considera que uma importante mudança na história da temporalidade nos videogames foi proporcionada pelo fato de poder se jogar os jogos em casa (consoles). Isso porque, quando se joga em fliperamas, a idéia das arcades é a de ganhar o máximo de fichas (créditos) em uma menor quantidade de tempo. Quando se joga em casa é possível ter jogos de duração mais longa, salvar, continuar e pausar o jogo, ou seja, tempos mais variados. A possibilidade de salvar o jogo foi um recurso implantado apenas alguns anos após a explosão dos videogames domésticos e acabou, em pouco tempo, tornando-se um componente quase que obrigatório em seus jogos. A maioria dos jogos de videogames permite que o jogador salve uma etapa prévia para poder continuar jogando depois. A conclusão de um jogo pode levar meses, sendo, nesses casos, na verdade, a soma de vários mini-jogos prévios de forma seqüencial (a soma das partes e não um todo). Isso pode representar um problema em termos do "senso de imersão do jogador", visto que sabemos, por

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meio de princípios básicos da Gestalt, que o todo é sempre maior que a soma das partes. Por outro lado, salvar um jogo pode torná-lo mais fácil e, em alguns casos, possível de ser completado. Jogos muito difíceis ou demorados que apresentam um final determinado, normalmente são completados dessa forma. Outro argumento para a existência desse comando é a frustração do jogador que estando quase atingindo o objetivo final do jogo, após horas a fio de jogo ininterruptas, tem que repetir toda a história novamente para poder chegar no mesmo ponto em que cometeu um pequeno engano ou que parou de jogar por alguma outra razão. Da mesma forma, a possibilidade de pausar um jogo (pause) também pode representar outro problema: "Desde que o tempo do jogo é mapeado sobre o tempo do evento, pausar o tempo do jogo significa pausar também o tempo do evento, trazendo ao mundo do jogo uma suspensão temporal" (Jull: 2002). Jull (2002) observa ainda nos videogames a existência do "tempo morto", isto é, o tempo gasto pelo jogador para a realização de uma ação inexpressiva ou absolutamente previsível. Laurel (1993) acredita que para conseguir driblar esse problema específico, o designer de videogame deve procurar oferecer ao jogador, a cada instante, o maior número possível de possibilidades de interação, ao invés de simplesmente procurar desenvolver e criar obstáculos ou oferecer uma clara e óbvia melhor opção para ser tomada. Isso significa, por um outro lado, que a experiência do tempo no videogame não é amarrada apenas pela relação dos tempos do evento e de jogo, mas também pela relação entre a dificuldade do jogo e a habilidade específica de cada jogador. Para resolver ou minimizar este problema observamos, além da segmentação dos próprios jogos – jogadores de jogos de simulação, estratégia e luta habitualmente possuem habilidades diferentes, por exemplo –, soluções como a escolha do nível de dificuldade, "salas de treinamento" e etapas secretas ou 150

bônus para os jogadores mais experientes. Com isso, o designer de videogame procura tornar o jogo atraente e aberto para o maior número de jogadores possíveis.

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A noção de autor no videogame

Como vimos anteriormente, a noção de autor na hipermídia e no próprio videogame é dissolvida em relação às narrativas tradicionais, o que não significa, de maneira alguma, que ela tenha deixado de existir completamente e, de certa forma, provavelmente nunca irá47. Por meio da interatividade, o usuário / jogador assume um posicionamento mais ativo, mas: "Todavia, isso não significa, de qualquer forma, que os jogadores tornam-se os autores: eles simplesmente têm um maior poder de participar, mas o sistema que servir de plataforma para o jogo ainda será criado por um autor (designer) e irá, dessa forma, carregar suas próprias concepções" (Frasca: 2001b).

Ao interagir com o estado de jogo do videogame, o jogador tem a possibilidade de construir ele mesmo a sua própria narrativa a partir das opções oferecidas a cada momento pelo jogo. Murray (1997, 126) chama de agenciamento

(agency)

as

sensações

e

os

conhecimentos

expressivos

experimentados pela participação ativa do jogador em sistemas interativos. Por mais vezes e por mais variadas que se apresentem as opções de agenciamento, elas são limitadas por opções e suas múltiplas possibilidades combinatórias oferecidas pelo jogo. Essas opções foram normalmente préestabelecidas pelo designer do videogame e sua equipe de criação e programação, sendo posteriormente disponibilizadas por meio das próprias tecnologias do computador via hipermídia. 47

Ainda que a noção de autoria consiga se deslocar inteiramente para o jogador, esse passará a ser entendido, portanto, também como o próprio autor do jogo em um processo de modificação e não transformação.

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Para Bolter (1991, 25) podemos observar uma relação entre a interatividade do jogador e o nível de autoria, isto é: “O controle do autor na narrativa é inversamente proporcional ao número de possibilidades de interatividade dada ao usuário”. Ao interagir nesse texto aberto, o jogador torna-se co-autor da história, ou seja, a responsabilidade normalmente atribuída apenas ao autor da obra nas narrativas tradicionais é agora dividida com o jogador, que ultrapassa a função de um leitor passivo para atingir a condição de co-autor desta obra que se escreve em função de sua própria interatividade. O usuário não é apenas convidado a entrar no labirinto, mas a expandí-lo e revisá-lo. Isto não só reconfigura a noção clássica de autoria, como também o próprio conceito de narrativa. Para Bolter (1991), a grande promessa desta nova configuração é a de cultivar todas as possibilidades exploratórias em que um jogador possa participar na feitura do texto (jogo). Nesse sentido, uma das maiores virtudes de um designer de videogame talvez seja a capacidade de fazer com que a repetição ofereça, a cada novo jogo, novas possibilidades exploratórias, assim como o cotidiano que, à medida que se renova, nos oferece a cada dia desafios diferentes. Para isso, “ (...) o autor (designer) pode refratar a realidade em uma série de perspectivas, sem com isso destruir o ritmo ou a compreensão do texto” (Bolter: 1991, 129). Cabe ao designer do videogame criar ou disponibilizar a estrutura necessária do jogo. Esta deve ser constituída por um texto aberto à interatividade do jogador; um texto elástico, horizôntico e atomizado, capaz de explorar a liberdade interativa do jogador e aceitar as imputabilidades geradas pelas tecnologias do videogame e seus novos espaços criativos.

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O espaço narrativo a ser criado pelo designer de videogame deve ser, portanto: "(...) multidimensional e teoricamente infinito, com uma igual infinidade de possibilidades de conexões, sejam elas programadas (fixas ou variáveis), randômicas ou ambas (programadas e randômicas)” (Landow, 1997: 184). Tal qual o livro / labirinto de Ts'ui Pen imaginado por Borges, só que escrito durante o seu próprio processo de leitura. O espaço narrativo digital do videogame oferece um novo conceito de estrutura, não fechada nem unitária, mas uma estrutura de estruturas possíveis. O designer precisa, dentro da lógica dessas estruturas, desenvolver linhas criativas paralelas e coerentes para que o jogador possa descobri-las por si só, sem com isso fechar outras possibilidades. Esse tipo de desenvolvimento trará, na opinião de Bolter (1991: 144), significativas contribuições para o meio eletrônico e para a própria história da literatura e da narrativa. Os designers usam diferentes estratégias para tentar expandir o videogame, isto é, torná-lo algo mais do que um simples exercício de habilidade manual ou reflexo. Alternativas narrativas como o aumento do número de locações, das estruturas dos enredos, das opções de interatividade e a introdução de elementos randômicos, por exemplo, deixam o videogame mais convoluto, portanto, mais interessante. Mas além desses fatores, o designer pode incorporar um outro fator de imprevisibilidade: um outro jogador humano remoto, como nos chamados jogos on-line. Jogadores em aparelhos de videogames diferentes e separados espacialmente no “mundo real”, encontram-se e integram-se por meio de uma rede externa (como a Internet, usada na casa do jogador) ou interna (como a Intranet, usadas nas LAN houses48).

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Em inglês LAN é a abreviatura de Local Área Network (rede de trabalho em área local). A LAN house é uma espécie de estabelecimento onde diversos jogadores participam, em tempo real, de um grande jogo em rede por meio de diversos aparelhos de computadores dispostos em um salão e conectados entre si.

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Um dos jogos mais jogados nas LAN houses é Counter-Strike (2001), um MOD (modificador) de Half-Life (1998) - um jogo de ação intensa inspirado nos livros de Stephen King -, que oferece uma sessão com até 32 jogadores diferentes que participam de duas equipes rivais: terroristas e o grupo de ações especiais ("Swat"). Assim, os jogadores jogam em equipe tanto colaborando como competindo, já que quem vence ou perde é a equipe e não os jogadores sozinhos. Acredito que algumas outras possibilidades, não apenas em sua forma, mas também em seu conteúdo, poderiam colaborar na expansão do jogo de videogame. A mudança não apenas na maneira e na quantidade das possibilidades

oferecidas,

mas

também

na

qualidade

retórica

dessas

possibilidades conseguiria enredar além da personagem, o próprio jogador que se encontra imerso no jogo do videogame. Assim, poderia ser pensado algo como um jogo de videogame (base) em que o jogador interagisse com a personagem de um designer de videogames, cujo objetivo é o de construir um (outro) jogo de videogame. Uma vez construído, esse (outro) jogo de videogame poderia substituir o jogo (base) para a construção de um novo jogo de videogame e assim sucessivamente, funcionando ludológica e narratologicamente como uma espécie de vírus. Ao ser reconstruído e "re-jogado" ad infinitum pelo próprio jogador ou por outros jogadores on-line, que poderiam dessa forma compartilhar suas experiências, esse jogo conseguiria transformar a sua própria característica de ergon não só na linguagem do videogame, mas em sua própria forma de simulação. Ou ainda, da mesma forma, como o resultado das sessões de Dungeons & Dragons transformaram-se em roteiros posteriormente gravados para televisão, poderia-se pensar em um jogo de videogame que pudesse ser utilizado como um "criador-gravador" dinâmico de roteiros bem elaborados e complexos, que possibilitasse, ao mesmo tempo, construir a história em si e gravá-la para uma futura exibição direta ou mesmo edição, que ocorreria ainda dentro do jogo. O

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jogador poderia, neste caso, interagir com a personagem de um diretor de televisão, por exemplo, cuja missão é no desenrolar do jogo conseguir realizar sua própria narrativa em um telefilme (ainda que um curta-metragem), tendo para isso que interagir com as possibilidades de jogo que se oferecem nesse sentido.

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A noção de personagem no videogame

Uma das grandes dificuldades das estruturas narrativas nos videogames é, sem dúvida, a criação e o desenvolvimento de suas personagens, sobretudo no caso de histórias que procurem abordar dramas psicológicos ou complexos. A personagem deve possuir no videogame um comportamento intricado o suficiente para atender às necessidades específicas de uma narrativa. Rouse (2001, 163 - 164) realça que comportamentos incoerentes realizados por personagens controladas por computador são alvo de constantes chacotas entre os jogadores por parecer óbvio demais o que deveria ser feito pela personagem, e o que ela efetivamente fez. O autor afirma, entretanto, que dependendo da natureza da narrativa no jogo de videogame, tal tipo de personagem pode ser incorporado na própria dinâmica de sua história, desde que essa seja a intenção do designer. Meyer (1995) afirma que as personagens controladas por computador, ou atores sintéticos, precisam da arquitetura de agentes integrados situados no mundo virtual que recebem o nome de denizens.

Denizens são complexas

entidades técnicas que combinam elementos de inteligência artificial com computação gráfica. A arquitetura típica de um denizen tem quatro camadas: a camada gráfica – que agrega gráficos simples, como os polígonos, para compor o denizen (modelo gráfico usado para renderização) –; a camada cinética / dinâmica - que cria regras de movimentos para os seus gráficos -; a camada de instrução – que cria instruções para os movimentos, prescritos por um plano gerador ou

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roteiro -; e por fim, a camada de autonomia - que determina o grau de comportamento inteligente autônomo, incorporando múltiplas funções, como seleção de ações, senso de ambiente, aprendizagem, interpretação natural de linguagem... O design para criação de ação inteligente segue um continuum definido por duas abordagens técnicas: o sistema de símbolos físicos e o sistema de repertório físico (Meyer: 1995). O sistema de símbolos físicos é governado por um conjunto de procedimentos programados chamado de plano. O agente determina um repertório de objetivos e ações associadas para a realização desses objetivos; esse processo de seleção recebe o nome de ação de planejamento. Os objetivos podem ser arranjados em ordem hierárquica para que o agente possa avaliar o que é prioritário ou não: os objetivos principais passam a ser chamados de metaobjetivos. A seleção dos objetivos é baseada então, na percepção do ambiente, também chamada de crença, e que, eventualmente, pode ser equivocada. Apenas os agentes mais complexos têm previsão para ações falidas e para mudanças de ambientes, podendo adaptar os objetivos às situações. Na prática, esse sistema de símbolos é frágil, pois tende a falhar quando o modelo de mundo usado é incompleto ou incorreto. O desenvolvimento de mundos “completos” que suportem agentes complexos é ainda mais difícil. O sistema de repertório físico foi criado na década de 80, com a proposta de resolver os problemas e falhas do sistema de símbolos físicos. Todo o conhecimento do denizen é extraído diretamente do ambiente por meio de "sensores". Sensações substituem os símbolos e o mundo funciona como uma espécie de modelo próprio. O comportamento do agente aparece em resposta às condições do ambiente porque os sensores estão interligados com os procedimentos. Esse sistema tende a ser eficiente em questões sofisticadas como solução de puzzles e planejamento de caminhos e rotas.

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O nível de inteligência de um denizen, por sua vez, é conseqüência do grau de autonomia de suas camadas (layers). O nível de autonomia de um denizen determina em grande parte como ele pode agir dentro das mais diversas situações em um jogo de videogame. São quatro os níveis de autonomia: completamente autônomo, automático, reflexivo e procurador (inteligência natural) (Meyer: 1995). O nível completamente autônomo (inteligência mecânica) incorpora mecanismos de intenção e crença como objetivos de uma ação. Pode responder em tempo real a uma mudança de mundo que acarrete em uma mudança de planos, mesmo quando essa está em andamento. Pode discernir quando uma ação é bem sucedida e se adaptar para o fracasso como também a planos e ações de outros agentes. Com essas características, está apto a responder boa parte da interatividade proposta pelo jogador. O nível automático, assim como o nível completamente autônomo, se baseia nos objetivos, mas não possui mecanismos de crença, o que impossibilita testar o sucesso de uma ação, assumindo assim, que toda ação é bem sucedida. Não pode se ajustar às mudanças do mundo enquanto elas estiverem em andamento, nem se adaptar a outros agentes e nem operar contrastes em tempo real. Já o nível reflexivo não tem consciência do mundo e responde à simulação de uma maneira predeterminada. É um estado autônomo finito; todas as possibilidades já estão determinadas. É, todavia, capaz de comportamentos complexos: podem, além da predeterminação, serem estimulados a interagir, sugerindo outras referências, agindo como uma nota de rodapé. O narrador quando presente em qualquer narrativa digital é reflexivo, já que acompanha o jogador em qualquer seqüência do mundo da ficção. Por fim, o nível de autonomia chamado procurador, também conhecido como inteligência natural, representa o próprio usuário humano no mundo virtual, por meio de óculos e luvas de realidade virtual, por exemplo. Seus atos com 157

crenças e intenções refletem o julgamento do próprio ocupante humano em um mundo virtual. Para Rouse (2001, 159) o teste de Turing aplicado nos bots também pode ser aplicado nos videogames, na medida que se o jogador não consegue distinguir se a personagem com a qual ele depara no mundo virtual é um humano ou um bot, a inteligência artificial do bot passou no teste. Mas o autor afirma que o termo inteligência artificial é utilizado no videogame no sentido de um elemento que determina como o jogo reage às ações do jogador. O autor acredita ainda que, principalmente na utilização das personagens antropomórficas controladas por entidades virtuais, a inteligência artificial deve procurar agir de acordo com a imprevisibilidade característica do ser humano, um dos principais fatores pelo qual outras pessoas sentem-se atraídas por jogos nos quais elas possam se socializar com outras entidades físicas operando no domínio virtual: "Humanos são imprevisíveis. Isso é parte que caracteriza um bom oponente em um jogo. Essa é uma das razões fundamentais pela qual as pessoas se interessam em jogar jogos multi-players; uma pessoa habilidosa desafiará alguém de uma maneira que o computador nunca conseguirá. Uma grande parte disso é devido a imprevisibilidade do oponente humano. O mesmo deveria ser verdade para os componentes de inteligência artificial em um videogame" (Rouse: 2001, 164).

Um dos métodos utilizados por designers e programadores para tentar manter os agentes da inteligência artificial imprevisíveis e interessantes é o "fuzzy logic", uma lógica que considera fatores variáveis como o tempo e a probabilidade. Tal lógica é executada pelo próprio computador e corresponde, por exemplo, ao lançamento de dados executado pelo mestre em uma sessão de

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RPG para saber, em função do número jogado, as condições pelas quais uma personagem conseguirá ou não realizar determinada tarefa. Assim como nas narrativas tradicionais, podemos afirmar que, ainda que entendida dentro da lógica das unidades narrativas mínimas, a personagem no videogame é necessária para sua existência. Além disso, ela também funciona nesse meio como actante, capaz de provocar e ser provocada pelo enredo. Porém, entre as classes psicológicas e a dinâmica visual das personagens no videogame observamos que a segunda categoria se encontra em um estado bem mais adiantado que a primeira. O avanço das tecnologias gráficas, como o aumento considerável do número de polígonos usados na camada gráfica de um denizen, permitiu a observação de formas antropomórficas extremamente parecidas com o seu referencial humano. Por outro lado, a tradicional dificuldade de criar e representar sentimentos, sensações e emoções por meio do computador ainda permanece como uma questão pouco desenvolvida, embora alguns pequenos avanços já tenham sido feitos nas áreas da inteligência artificial. A personagem no videogame também pode ser classificada quanto a sua importância ou hierarquia, sua função e sua tipologia (Ataide: 1972, 41-46). A diferença significativa seria justamente na topologia da personagem, já que a rigor as personagens do videogame se apresentam, na grande maioria dos casos, como planas (ou estáticas). A ausência de personagens redondas, plenamente constituídas e com disponibilidades psicológicas torna a narrativa no videogame em si mais pobre em termos retóricos. Talvez, não por acaso, filmes no cinema ou narrativas tradicionais que também não possuam tais tipos de personagens apresentem geralmente histórias calcadas em muita ação e que são muito parecidas, na verdade, com o enredo de muitos videogames de ação: uma missão a ser

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executada pela personagem que terá de superar obstáculos e outras dificuldades para conseguir realizar sua missão e atingir seu(s) objetivo(s). O diálogo (fala), embora exista e seja bem utilizado em alguns jogos de videogame, não é mais o principal responsável pela função de ajudar a mover a história. Tal função é exercida nos videogames pelo próprio jogador por meio de sua interatividade no jogar. Da mesma forma, como vimos ao abordar a questão da temporalidade, o conflito da relação entre o tempo cronológico e o tempo psicológico da personagem, normalmente resultante da dinâmica psicológica de personagens redondos, não se faz presente no videogame, mas é preenchido pelo mapping presente na relação entre o tempo de jogo e o tempo do evento. No videogame, ao contrário das narrativas tradicionais, nem sempre o modo de ser da personagem na narrativa se aproxima muito ao modo de ser do jogador em seu cotidiano e de sua vida em sociedade.

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A função do videogame e a noção de realidade

Quando Baer imaginou a construção de alguma forma interativa para televisão no início da década de 50, o inventor do Odissey imaginava um aparelho que pudesse oferecer outras características e possibilidades além das oferecidas pelas emissoras convencionais: um jogo. Sete anos mais tarde, ao desenvolver o primeiro aparelho de videogame em 1958, Higinbotham imaginou que sua invenção pudesse tornar mais agradável às visitas do público ao Brookhaven National Laboratories. Ao ver e poder mexer em um aparelho nunca visto até então, as pessoas teriam uma impressão do avanço tecnológico da época de uma maneira um pouco mais divertida e interativa do que ao observarem um acelerador de partículas, por exemplo.

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No Spacewar, de Stephen Russel, desenvolvido nos laboratórios do MIT em 1962, o designer procurou criar, por meio de um jogo, um simulador de condições que podem ser encontradas por uma aeronave no espaço. Embora não tão avançado quanto a maioria dos jogos simuladores de hoje, Spacewar permitia ao jogador experimentar por meio do jogo condições sobre as quais não estaria normalmente exposto em seu cotidiano. A idéia do cientista americano foi a de incorporar a dinâmica dos sistemas de simulação em uma recém criada estrutura de jogo eletrônico49. Ao longo de sua história, o videogame já foi vítima – para absoluta indignação e revolta dos jogadores e seus defensores mais fervorosos - de inúmeras denúncias e acusações, desde ser gerador de imbecilidades até formador de assassinos. Esse tipo de abordagem volta a ser adotado constantemente no caso de tragédias, como aquelas em que jovens norteamericanos – eventualmente jogadores de videogames, mas também cidadãos de uma cultura que exarceba paradoxalmente o culto a violência e ao heroísmo promovem chacinas em suas escolas (o que também acontece na periferia do Brasil entre jovens que não jogam videogames); ou no caso especifico do rapaz que metralhou uma sala de cinema durante a exibição do filme O Clube da Luta, no Shopping Morumbi, em São Paulo. Em ambos os casos, o videogame foi apontado por uma parcela da sociedade como o principal responsável por tais atitudes, o que promoveu movimentos favoráveis à proibição de alguns jogos e até do próprio videogame em si. Observamos, entretanto, em termos acadêmicos-científicos a presença de três enfoques de estudo diferentes em relação ao videogame: os estudos das causas, conseqüências e efeitos dos jogos – concentrados, sobretudo nas áreas da sociologia, antropologia, psicologia, educação e pedagogia -; os estudos técnico-tecnológicos – centrados nos estudos de inteligência artificial, computação 49

Os sistemas de simulação já existiam antes mesmo de serem utilizados em computadores. Simuladores mecânicos, por exemplo, já eram capazes de criar algumas situações encontradas em uma corrida de carros ou em uma montaria de touro, por exemplo.

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gráfica e ciências computacionais -; e os estudos sobre as questões referentes à linguagem, a estética e a retórica do meio – a menos desenvolvida destas e que procura investigar as formas expressivas e potencialidades do videogame. Com a explosão comercial do meio durante a década de 80, podemos observar uma nítida tendência do meio em operar dentro da categoria do entretenimento. O ato de entreter possui em sua acepção lexicográfica, além da idéia de diversão, a noção de retenção e a de engano, logro, disfarce. A maioria dos videogames consegue, de fato, manter seus jogadores se divertindo normalmente por um bom tempo50. A polêmica maior em relação aos videogames gira em torno dessa última acepção de engano. Inúmeras considerações sobre a natureza dos videogames e suas influências no homem e na sociedade contemporânea vem sendo analisadas com rigor científico há pouco menos de duas décadas. É interessante notar como essas

considerações

dividem-se

nitidamente

entre

visões

apocalípticas

(neoluditas) e integradas (tecnoutópicas), com amplo predomínio da primeira sobre a segunda. A abordagem apocalíptica em relação ao meio é a mais difundida e alega que, ao banalizar a violência, o videogame estimula comportamentos agressivos entre seus jogadores. Tais afirmações são normalmente amparadas em testes e experiências do tipo comparativas entre o comportamento social de pessoas – principalmente crianças e jovens - que jogam com as que não jogam videogame. A solução estaria em restringir ou mesmo impedir o uso dos videogames, sobretudo para as crianças. Existe normalmente por trás dessa visão a idéia de que “o meio é a mensagem”, isto é, que a essência do videogame é por natureza banal, nociva e prejudicial; a pessoa deveria aproveitar melhor o seu tempo realizando outras atividades, como lendo um livro, conversando com pessoas,

50

Na gíria dos videogames o termo “viciado” é utilizado para designar aqueles jogadores mais experientes, que chegam a dedicar-se full time para a prática dos jogos.

162

praticando esportes ou estudando. Deve-se, portanto, procurar soluções para resolver um sério problema: o videogame. É interessante notar como a grande maioria dos pesquisadores que pregam tal posicionamento desconhece não só as características do videogame enquanto meio expressivo, mas também os próprios jogos que criticam. Esses pesquisadores possuem, em quase sua totalidade, idade igual ou superior a trinta e cinco anos, o que significa que, ao contrário de inúmeras outras atividades lúdicas, não tiveram uma experiência com a cultura dos videogames durante suas próprias infâncias. A abordagem integrada, por sua vez, entende que o contato com o videogame é um processo quase que irreversível na cultura contemporânea e que deve, portanto, ser utilizado em prol de atividades mais “úteis”, como no tratamento de problemas de coordenação motora e síndromes correlatas, no desenvolvimento de exercícios de raciocínio, lógica, reflexo e de atividades de integração, iniciativa e cooperação. O enfoque adota a idéia de que "o meio não é a mensagem", isto é, o videogame pode adquirir características próprias de acordo com a sua utilização. Os pesquisadores que adotam essa abordagem possuem um conhecimento nitidamente maior do meio e de seus jogos, já que os utilizam de maneira mais “prática e objetiva” em suas atividades cotidianas e profissionais. Já os estudos técnico-tecnológicos aproveitam–se de pesquisas e experiências tecnológicas desenvolvidas em áreas diversas, como a realidade virtual, para aplicá-las de forma experimental ao videogame. O meio acaba funcionando assim, muitas vezes, como uma espécie de laboratório de novas tecnologias, na medida que os jogadores acabam exercendo a função de um controlador de qualidade, ou melhor, um explorador das potencialidades dessas tecnologias, apontando eventuais falhas, acertos e novas possibilidades de desenvolvimento; é o jogador e sua experiência, mais que o engenheiro ou técnico de laboratório, que consegue levar o jogo e a própria tecnologia ao extremo de suas possibilidades exploratórias. As tecnologias audiovisuais possibilitam ainda, não só a criação de imagens com um maior número de polígonos e sons em um

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maior número de canais, mas o favorecimento da criação de ambientes de agenciamento mais elaborados, facilitando a utilização da interatividade enquanto ferramenta comunicacional do jogador. Por fim, os estudos sobre as questões referentes à linguagem, a estética e a retórica do meio representam aqueles em que encontramos o menor número de pesquisadores e trabalhos científicos desenvolvidos. Acredito que tal fato ocorra em virtude de três fatores: o preconceito, ou a falta de status perante a comunidade científica de se estudar videogames; a novidade do enfoque, ou seja, a falta de uma tradição formal embasada nesses estudos, o que também impossibilita a criação de uma base sólida para o seu desenvolvimento em extensão e profundidade; e a aparente indiferença do mercado e dos próprios jogadores em relação a essas questões, já que há uma crença comercial generalizada de que as coisas funcionam muito bem independentemente destas considerações: os jogos vendem bastante e os jogadores estão felizes. De qualquer forma, estudos sobre essa área começam gradativamente a alcançar espaço em cursos de graduação e pós-graduação especializados, seminários, palestras, congressos, trabalhos científicos etc. Tal enfoque propõe - da mesma forma que os outros dois, cada qual a sua maneira – apontar críticas, reflexões e melhoria para o videogame ao propor um estudo interdisciplinar com outras áreas ligadas às questões da linguagem, estética e da retórica, como o próprio caso da narrativa. Ao se apresentar como uma nova tecnologia narrativa, o videogame sintetiza e modela não só os modos de pensamento, mas também os modos de simulação do homem e da sociedade pós-moderna juntamente com seus processos de experiência, comunicação e conhecimento, articulando-se dentro de um processo de semiose ilimitada. O problema estrutural de mútua transformabilidade entre mundos, apontado por Eco (1978) nas narrativas e corroborado por Turkle (1997) ao eximir-se pelo

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mesmo motivo de projeções para o futuro da simulação, também pode ser observado entre o mundo possível criado no videogame e o constructo cultural gerado pelo videogame. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, os jogos de videogame conseguiram ao mesmo tempo difundir-se em escala mundial por meio da possibilidade de sua reprodutibilidade técnica, e manter o caráter aberto de uma obra única. Além de conseguir a partir da reprodutibilidade técnica manter a originalidade de cada jogo, o videogame desmantela a lógica de consumo da obra artesanal ao não distinguir entre a produção e o consumo; o jogador enquanto agente e co-autor constrói ao mesmo tempo em que consome a sua obra, a sua própria experiência interativa no jogo de videogame.

8

165

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4.1 – Sobre o designer, Will Wright Will Wright - homônimo do ator de cinema americano das décadas de 50 e 60 - é o designer responsável pela criação e desenvolvimento de The Sims e de outras dezenas de jogos, versões e pacotes de expansão de jogos de videogame de simulação, estratégia, educativos, puzzles, batalhas históricas e ficção científica (futurista).51 Desde sua infância na Georgia, nos Estados Unidos, Wright sempre teve como hobby o modelismo de aeronaves, navios, trens etc. Alguns anos mais tarde, no início da década de 80, Wright teve contato com o Apple II, um dos primeiros computadores pessoais lançados comercialmente, e seus jogos que logo acabaram virando outro objeto de seu interesse. A interface do Apple II era completamente escrita, baseada na programação de linhas de comando, isto é, qualquer usuário tinha que digitar e desenvolver sua própria linguagem de programação para fazer o computador operar uma tarefa qualquer. Wright (2001, 435) lembra que: "A idéia de você poder construir o seu próprio "pequeno mundo" dentro do computador me intrigava. Então eu via isso como um tipo de ferramenta de modelagem" (Wright: 2000, 435). Mais ou menos por volta dessa mesma época foi lançado nos Estados Unidos o Commodore 64 – também conhecido como C-64 -, um computador pessoal considerado avançado para a época. Wright decidiu comprar o computador logo que foi lançado e estudá-lo obsessivamente. Sua idéia era a de dominar toda a linguagem de programação desse novo computador no menor espaço de tempo possível, para poder lançar jogos e programas de forma pioneira.

51

Veja a "gameografia" completa do designer nos anexos.

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Wright, que também tinha um interesse muito grande por helicópteros, conseguiu desenvolver dessa forma, a partir de seu próprio C-64 em cerca de oito mil linhas de linguagem de programação ASCII, o seu primeiro jogo: Raid Over Bungeling Bay (Brøderbund: 1984). O jogo tornou-se extremamente popular – algo parecido com o jogo de cartas Paciência nos PCs de hoje -, podendo ser encontrado em quase todos os C-64, apesar de ter vendido oficialmente "apenas" trinta mil cópias. O jogo podia ser comprado em disquetes de 5 ¼ " e, uma vez instalado, não precisava mais estar presente em uma unidade de drive para ser rodado, podendo ser instalado e jogado em outros computadores a partir do mesmo disquete. O mesmo jogo foi lançado em cartucho pouco tempo depois para o console NES da Nintendo apenas no Japão, tendo vendido 750.000 cópias, já que o cartucho impossibilita tal tipo de prática. Wright (2001, 436 – 437) afirma que sempre se inspirou muito no trabalho de Jay Foster, que é considerado uma das primeiras pessoas a usar o computador para a simulação de sistemas dinâmicos, ainda durante a década de 50. Para o designer, um sistema dinâmico pode ser basicamente pensado em termos de estoque – que é quantidade, como o número de habitantes, por exemplo – e flutuações (flows) – coeficientes dinâmicos como as taxas de natalidade, mortalidade e imigração, por exemplo. Um ano após seu primeiro jogo, Wright casa-se com a arista plástica Joell Jones e começa a trabalhar em um projeto ambicioso: desenvolver um jogo de videogame em que pudesse juntar três de suas grandes referências: a modelagem,

a

simulação

e

questões

sobre

arquitetura

e

urbanismo,

principalmente àquelas referentes às dinâmicas das grandes cidades e seus fluxos. Em 1987, juntamente com seu colega Jeff Braun, Wright funda a Maxis, empresa pela qual cria e desenvolve todos os seus jogos. Finalmente em 1989, quatro anos após iniciar o projeto, Wright lança pela Brøderbund o Sim City. Foi a

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primeira vez que jogadores puderam experimentar técnicas complexas de simulação em um videogame. Até então, as experiências de simulação em computadores estavam restritas a alguns laboratórios científicos, acadêmicos e militares. O próprio designer define seu jogo: "Sim City é, de certa forma, um grande autômato celular tridimensional, em que cada layer é uma característica da paisagem, como crime, poluição ou valor da terra. Mas os layers podem interagir na terceira dimensão. Assim, os layers de crime e poluição podem interferir no layer de valor da terra" (Wright: 2001, 437).

Não demorou para que o jogo se tornasse não apenas um sucesso entre os jogadores, mas também um marco dentro da história dos videogames. Ninguém tinha visto até então qualquer tipo de jogo com aquelas características. Wright acredita que, desde Sim City, todos os seus jogos de simulação (incluindo The Sims) também possam ser entendidos como uma categoria de software toys – termo cunhado pelo próprio designer durante uma de suas inúmeras palestras. Para Wright: "Brinquedos (toys) podem ser usados para construir jogos. Você pode jogar jogos com brinquedos. Mas você pode ainda brincar de uma forma mais livre com eles; não precisa ter uma atividade direcionada por objetivos. (...) Eu prefiro pensar em brinquedos como uma categoria ampla. Brinquedos podem ainda ser combinados; eu posso colocar a Barbie em um carrinho e sair com ela por aí, criando Assim novas atividades pela combinação de brinquedos. Games tendem a ser universos isolados com um conjunto de regras definidas e, uma vez que você sai desse universo, esse conjunto de regras perde o seu sentido" (Wright: 2001, 439).

Para o designer existe ainda uma outra forma de se pensar essa questão, por meio de uma analogia com a atividade do hobby: "Uma outra maneira de se pensar nisso, e essa é uma versão mais recente dessa mesma idéia, é a de pensar nos jogos que fazemos mais em termos de

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hobby, apesar de que a maior parte dos jogos é pensada mais em termos de cinema ou de uma forma cinemática. Filmes têm começo e fim (estabelecidos), clímax e uma story line particular; mas muitos jogos ainda são construídos nesse modelo" (Wright:2001, 439 - 440)52.

Uma analogia interessante pode ser feita com o próprio hobby do modelismo de trem ("ferrorama") admirado por Wright. Com um número limitado de trilhos, vagões e outros acessórios, uma pessoa é capaz de construir inúmeros trajetos distintos que podem passar em inúmeros cenários; da mesma forma, pessoas diferentes também podem construir trajetos diferentes em outros cenários. Não há nesse tipo de hobby um objetivo, uma meta específica, isto é, se caracteriza mais como uma paidéia (play) que um ludus (game). Ao invés de se perguntar o que é que tem de ser feito, a pessoa se pergunta o que e como quero fazer. Hobbies normalmente também estão mais associados à idéia de esmero e construção de alguma coisa, ao invés da idéia de destruição. Empolgado com o sucesso de Sim City , Wright desenvolve uma série de jogos de simulação abordando outros temas, como SimEarth: The Living Planet (FCI: 1990). Nesse outro jogo, o designer propõe, a partir da hipótese de Gaia, um sistema de simulação a partir de um modelo de ecossistema global em seus diversos aspectos de atmosfera, clima, hidrografia etc. O jogo, que partiu de um preceito não antropocentrista, propunha uma visão mais integrada e ecológica do planeta. Acabou não dando certo comercialmente, apesar de trabalhar com dados e conceitos coerentes e correspondentes. Outro jogo de simulação desenvolvido por Wright que recebeu destaque, apesar de também não ter obtido sucesso comercial, foi SimAnt: The Electronic Ant Colony (Maxis: 1991), um simulador de formigas. O designer explica em sua entrevista para Rouse que também possui, desde a infância, um interesse particular por formigas. A idéia do jogo surgiu a partir da leitura do livro, vencedor

52

Os parênteses são grifos meus.

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do prêmio Pulitzer, The Ants, de Edward Wilson. O designer procurou mostrar como: "(...) as formigas são um incrível exemplo de inteligência distributiva. De certa forma eu estava tentando usar uma aproximação um pouco diferente para mostrar quão intrinsecamente interessantes são as formigas enquanto um sistema de processamento de informação" (Wright: 2001, 446). Sim Ant... é um jogo de estratégia em tempo real, considerado pelo próprio designer experimental em diversos sentidos, como no caso de acidentes naturais (chuva, por exemplo), verdadeiros desastres que podiam acabar com o jogo a qualquer momento. Depois desses "fracassos comerciais", Wright resolve desenvolver Sim City 2000 (Imagineer: 1993), um espécie de upgrade da primeira versão do jogo. A idéia surgiu a partir da observação do designer de inúmeros comentários, reclamações e sugestões enviadas e coletadas de jogadores de Sim City. As idéias recorrentes e mais "plausíveis" foram adotadas por Wright e sua equipe, assim como uma melhoria na interface do jogo e a inclusão de detalhes escondidos e níveis secretos. O jogo, cercado de muita expectativa, obteve grande sucesso comercial, embora muitos achassem que não se havia acrescentado nada novo ou significante em relação à primeira versão de 1989, já que repetia basicamente a mesma estrutura, apresentando apenas algumas mudanças em termos de interface, resolução se sons e imagens e alguns novos itens de construção e administração da cidade; a essência permanecia a mesma. A fórmula da jogabilidade criada em Sim City já havia sido amplamente difundida nos jogos de videogame, sobretudo naqueles de estratégia em tempo real. Wright tenta nos anos seguintes manter o sucesso comercial e, ao mesmo tempo, criar um outro jogo que conseguisse proporcionar o mesmo impacto que havia causado Sim City na história da linguagem do videogame. O designer

171

consegue manter os lucros da Maxis graças a pacotes de expansão (expansion packs) de Sim City, como em SimCity Classic (Maxis: 1994) e SimCity 2000 Urban Renewal Kit (Maxis: 1994). Os pacotes de expansão permitiam o upgrade de novos elementos do jogo, como cidades já construídas (Chigago, Tokio, Rio de Janeiro etc), climas diversos (neve, chuva, calor etc), novos tipos de prédios... De qualquer forma, para utilizar efetivamente o pacote de expansão o jogador deveria ter sempre o jogo original, isto é, não se poderia jogar comprando apenas os pacotes. Paralelo a esses pacotes, Wright continuava procurando seu novo grande jogo. Desenvolveu e lançou jogos como SimIsle (Maxis: 1995), um simulador educativo nos moldes de SimEarth sobre uma ilha deserta, Marble Drop (Maxis: 1997), um puzzle em que bolinhas de gude descem uma trilha de estreitos funis, disparando eventos no meio do caminho até tentar chegar em sua caixa final e SimCopter (Eletronic Arts: 1998), um simulador de helicópteros que permitia voar por trinta cenários de SimCity tendo que realizar missões como resgate, contenção de motins e combates aéreos. Nenhum desses jogos, apesar de não serem considerados jogos de qualidade inferior, conseguiu, entretanto, obter grande sucesso comercial, muito menos ser reconhecido como um evento significativo na história da linguagem do videogame, tal como SimCity havia conseguido. O fato é. que, passada uma década do lançamento do simulador de cidades de Wright, diversos outros designers e empresas surgem e se desenvolvem na área de criação e produção de jogos de videogames, entre eles Rigmor Kappel Schmidt e Peter Frost-Olsen que lançam pela Cyan, em 1994, Myst53 e sua seqüência Riven (Brøderbund: 1998).

53

Confira a análise do jogo http://www.jesperjuul.dk/thesis/

Myst

feita

por

Jull

(2001)

em sua

tese,

disponível

em:

172

Tela dos jogos SimCity e Myst:, dois dos grandes clássicos do videogame.

Em 1999 Wright lança pela Eletronic Arts (EA), SimCity 3000, a continuação da série que, além de ter procurado melhorar em mais alguns aspectos (como o relacionamento com outras cidades), oferece a possibilidade de um jogo fantástico com super heróis, OVNIS, construções esotéricas etc. O jogo manteve o sucesso de vendagem da série, mas não havia conseguido acrescentar algo significativo em relação à seus antecessores. Wright conseguiu, por meio de um projeto desprezado inicialmente por várias pessoas, formar uma equipe em que cada membro incorporado teve de ser exaustivamente batalhado pelo designer. Assim Wright conseguiu formar, "um a um", uma equipe com cerca de trinta pessoas que se juntaram ao longo do processo a Jamie Doornbos – programador com quem Wright trabalhou sozinho durante os dois primeiros anos dessa empreitada. Assim depois de sete anos de pesquisas e de desenvolvimento, Wright lança pela Eletronic Arts, no ano de 2000, The Sims. O jogo designado na própria embalagem do produto como "simulador de pessoas" e mais tarde chamado por Wright de "casa de boneca eletrônica", obteve, para felicidade do designer, a mesma reação que SimCity obtivera onze anos atrás. The Sims é apontado hoje como o mais significante e expressivo jogo de videogame lançado depois de Myst, e um dos mais importantes do século XXI e da própria história do meio.

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A partir da experiência em escrever o presente trabalho e de minha experiência enquanto jogador de The Sims e de jogos de videogame em geral, irei desenvolver, na seqüência da dissertação, uma análise desse jogo procurando promover um imbricamento entre essas experiências tão distintas quanto próximas.

8

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4.2 – Análise Estrutural e Qualitativa de The Sims "Esta belíssima casa de bonecas foi feita para todos, permitindo que crianças e adultos brinquem e dêem liberdade a sua imaginação de controlar o destino de pequenas famílias que ali moram. Esta réplica incrível de uma casa de verdade é mobiliada com móveis e peças de decoração incrivelmente realistas. Não se surpreenda se você passar várias horas se divertindo com este pequeno mundo". Definição da casa de bonecas disponível para compra dentro do jogo The Sims.

O projeto mais recente de Wright conseguiu não só colocá-lo em evidência novamente, como lançou uma nova luz sobre os videogames. O designer e sua equipe criaram um jogo de simulação de alguns aspectos da vida cotidiana doméstica de algumas pessoas. Alguns aspectos, pois mesmo em um nível mais funcional, atividades como lavar e passar a roupa, jogar coisas velhas fora e organizar o guarda-roupa não aparecem no jogo. Algumas pessoas, pois se nota no jogo um certo american way of life, desde as características dos utensílios domésticos e a arquitetura das casas até as opções disponíveis de interação dispostas na interface do jogo. A primeira forma de limitação poderia de fato ser melhorada em alguns aspectos: ao pedir uma pizza estando sem dinheiro, o próprio atendente da pizzaria desculpa-se e afirma pelo telefone (e não na hora da entrega) que sente muito, mas o Sim – nome que recebe o avatar em The Sims - não tem dinheiro para pagar a pizza, por exemplo. Ao limitar a simulação apenas à vida doméstica (podendo ir, no máximo, até o jardim ou a calçada para conversar, depositar o lixo, pegar o jornal, recolher cartas e contas e esperar a carona para ir ao trabalho), Wright sabia, por meio de anos de experiência e teste, que se já era difícil simular

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os aspectos domésticos de uma pessoa, quiçá fora de casa, no trabalho, na casa de outras pessoas etc. Wright enfatiza a importância dos testes prévios antes do lançamento do jogo, não só ao término do "protótipo" do jogo, mas durante todas as etapas, desde o início. Durante esses testes, Wright e sua equipe observaram como inúmeros jogadores se portavam diante de diversas situações do jogo, o que permite uma espécie de "test-drive" ou controle de qualidade do jogo, em que basicamente são observados pontos que podem ser melhorados, que devem ser transformados ou até mesmo abortados antes do jogo ser lançado. O designer acredita que, pelo fato dos jogadores já possuírem familiaridade com o assunto presente no universo de The Sims - ou pelo menos mais do que sobre sistemas termodinâmicos do planeta ou sobre guerreiros extraterrestres de uma galáxia distante – é natural que os jogadores identifiquem e sintam falta no jogo de várias coisas em diversos níveis. Uma das observações mais assíduas nesse sentido é sobre o fato de não existir no jogo uma correspondência com a nossa usual divisão da semana em dias úteis e finais de semana. A questão parece óbvia, mas sabemos que muitas vezes ao trabalharmos com coisas complexas, esquecemos das mais básicas e, mesmo submetendo-as a testes e revisões, às vezes pequenas falhas acabam "passando" – o que é muito comum na informática, como nos freqüentes casos de bugs54. Wright afirma que: "Para que os finais de semana tenham se tornado a maior preocupação (para os jogadores), isso significa que a maioria das outras coisas pelas quais suamos muito estão, de fato, funcionando " (Wright: 2001, 457 – 458). A segunda limitação apresenta um tempo e espaço contemporâneo e urbano predeterminado. Embora não seja explicitamente revelado, há índices materiais / temporais contemporâneos, como PCs, telefone sem fio, e índices

54

Segundo Wright (2000, 459) The Sims passou por cerca de cem playtesters (jogadores - testadores) durante o ano inteiro que antecedeu seu lançamento comercial.

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espaciais de uma cultura ocidental/urbana, mais propriamente de um subúrbio norte-americano, como a arquitetura e decoração das casas. Sabemos também que, ao fazer tal tipo de cerceamento, a narrativa, para até mesmo superar esses limites, utiliza personagens, tramas e retóricas mais universais. Assim as grandes tragédias gregas, por exemplo, difundiram-se e se perpetuaram por gerações. Da mesma forma como os "grandes clássicos" da literatura e do cinema, por exemplo. Foi desse modo que o drama vivido por Emma Bovary, passado em uma sociedade provinciana da França do século XIX, conseguiu no romance de Gustave Flaubert expandir seus limites espaciais e temporais e se perpetuar ao redor do mundo por várias gerações. Cabe, portanto, dentro dessa segunda categoria de limitação de The Sims uma crítica um pouco mais rigorosa. A tentativa de universalizar o jogo está calcada em valores universalizantes (e não universais) de uma cultura globalizada. Isso é resultado de uma ideologia dominante que se esconde por trás do jogo: o consumismo. Os Sims dependem de bens materiais não só para sobreviver, mas também para estabelecer relações sociais e para o seu próprio bem estar. A lógica consumista de "ter para ser" pode ser observada em diversos momentos: quanto mais o jogador gastar em objetos de consumo, mais conforto e mais possibilidade de desenvolver suas habilidades o Sim terá. Frasca (2001) afirma que muitas pessoas acreditam que The Sims funcione, na verdade, justamente como uma crítica à sociedade de consumo, uma paródia. O autor, entretanto, discorda dessa visão: "Paródia é um estilo que funciona bem em formas representacionais da narrativa, mas eu não tenho certeza se há um equivalente nas formas de simulação. Enquanto a representação tradicional apenas imita características de seu referente, a simulação também molda seus comportamentos. Um filme que ridiculariza o consumismo apenas descreve eventos que são assistidos por sua audiência, mas a simulação faz com que o jogador execute (perform) essas

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ações, o que considero não ser a mesma coisa. (...) O papel da ideologia nos videogames é mais complexo que nas mídias tradicionais porque não se representam apenas ações, mas também se modelam regras comportamentais" (Frasca: 2001b).

Convém ressaltar aqui que, se aceitarmos as observações de Jameson (1996) a respeito da impossibilidade de se falar em paródia quando tratamos de produtos culturais pós-modernos, deveremos nos inclinar mais à resposta de Wright do que à hipótese de Frasca. Isso porque, segundo Jameson (1996,45): “O pastiche, como a paródia, é o imitar de um estilo único, peculiar ou idiossincrático, é o colocar de uma máscara lingüística, é falar em uma linguagem morta. Mas é uma prática neutralizada de tal imitação, sem nenhum dos motivos inconfessos da paródia, sem o riso e sem a convicção de que, ao lado dessa linguagem anormal que se empresta por um momento, ainda existe uma saudável normalidade lingüística” (Jameson: 1996, 45).

O parágrafo acima faz referência explícita à paródia lingüística, ainda que suas idéias principais possam também ser aplicadas a obras que se utilizem de outras linguagens. No caso, é possível levantar algumas questões: se em The Sims o jogador fica preso a um cotidiano massacrante - cuja saída é apenas ter mais dinheiro e mais conforto para dedicar-se ao entretenimento e a atividades sociais limitadas a um determinado número de vizinhos – como é possível a ele imaginar uma forma de transcendê-lo? E ainda sobre a questão dos elementos do acaso no jogo, é fato que esses (principalmente quando jogamos no modo “vontade própria”) têm grande importância no seu decorrer. Porém a vizinhança normalmente é “planejada” pelo jogador, que pode povoá-la com avatares cuja personalidade e aparência são decididas por ele a priori. Assim o jogador convive com elementos que podem fugir ao seu controle, mas não podem surpreendê-lo verdadeiramente, já que no jogo, até para o acaso há regras.

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Quanto às questões de ordem moral e ética do jogo, Wright afirma (2001, 459) que essas questões foram em alguns casos mantidas – como o adultério e a poligamia -, inclusas - como o homossexualismo não pensado a priori -, modificadas levemente - como a violência doméstica (que só ocorre com um delicado tapa) - e descartadas – como a pedofilia e a discriminação racial. Até aqui levantamos algumas observações sobre aspectos gerais de The Sims; agora vamos iniciar uma exposição sobre algumas de suas funções operacionais. O processo de instalação de The Sims na memória do computador é relativamente lento (podendo variar de velocidade de acordo com o computador55) se comparado com outros jogos. Depois de instalado, o programa irá ser carregado e o jogador tem de aguardar um pouco. Durante essa espera, permanece na tela um fundo azul com o logotipo do jogo enquanto mensagens daquilo que está sendo carregado aparece na tela: escavando terreno local, balanceando coeficiente doméstico, calculando suprimento de dinheiro, verificando almas, calibrando matriz de personalidade, normalizando rede social, inserindo gerador de caos, invertendo hierarquia profissional e ajustando quocientes emocionais. Após carregar seus dispositivos, o jogo apresenta sua introdução em forma de videoclipe, em que aparecem diversas coisas que podem acontecer durante o jogo como incêndio, brigas, confraternizações, beijos, abraços etc. Apesar de mostrar coisas que podem de fato acontecer durante o jogo, em alguns momentos há uma certa valorização de alguns elementos ao se usar efeitos de computação gráfica e animações não presentes durante o jogo, assim como uma edição rápida, dinâmica e com movimentos de câmera que o jogador também não tem a

55

A configuração mínimo de sistema é: Windows 95 ou 98, processador de 233 MHz, 32 MB RAM, driver de CD-ROM de 32 bits e velocidade de 4 x , placa de vídeo High Colour (800x600), espaço de 300 MB livres (sem contar espaço para salvar os jogos e para o DirectX 7, caso ainda não esteja instalado), placa de som, teclado e mouse.

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possibilidade de executar durante o jogo. Como na maior parte dos jogos que apresentam esse tipo de abertura, o jogador pode "pular" (skip) a qualquer momento essa introdução pressionando qualquer botão do mouse ou teclado. Ao abrir o jogo pela primeira vez, o jogador visualizará a vizinhança podendo escolher a casa da Avenida Sim nº 7, que pertence à família Novato, composta por um casal formado por um homem (João) e uma mulher (Bete). Essa família representa o tutorial do jogo. Conforme podemos ler no próprio manual do jogo: "O tutorial introduz você em todos os fundamentos da administração dos Sims e fornece uma compreensão das capacidades e perigos do jogo. Há uma variedade quase infinita de maneiras para entrar – e sair – dos atormentadores aborrecimentos no The Sims, mas o tutorial mostra apenas alguns exemplos. Nós sabemos que você criará bastante confusão por conta própria" (Manual do jogo: 2001, 4).

A tela da vizinhança apresenta uma visão aérea de um grande quarteirão em que se pode encontrar algumas casas construídas (umas já ocupadas, outras não) e terrenos disponíveis para construção, totalizando dez lotes diferentes. Ao passar o cursor sobre um destes lotes o jogador irá selecioná-lo temporariamente (até movimentar o cursor novamente). Serão exibidas também uma janela com informações e descrições sobre o lote selecionado, como valor, endereço, características básicas de seus habitantes (quando houver) etc. Ao clicar sobre um desses itens exibidos, o jogador irá selecioná-lo. No alto da tela aparecem as opções de criar e selecionar uma família, desapropriar e destruir uma casa, sair do jogo ou exportar páginas da Internet com casas e famílias produzidas por outros jogadores e que podem ser aproveitadas por outros jogadores em seus jogos.

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Uma família deve ser composta por no mínimo uma pessoa. O jogador irá dar um sobrenome para a família e depois um nome para cada um de seus integrantes, definindo logo depois seu sexo (masculino ou feminino), sua cutis (branca, parda ou negra) e sua idade (adulto ou criança). Na janela maior a direita aparecerá a imagem do Sim que poderá ser modificada ao escolher uma cabeça e um corpo diferente, o que muda também o corte de cabelo, feição do rosto, porte físico, tipo de roupa etc. O jogador pode ainda editar o seu Sim de forma mais detalhada por meio de programas disponíveis no site oficial do jogo, como o Face Lift. Esse programa específico permite criar expressões faciais extremamente detalhadas, definindo características dos olhos, nariz, queixo, testa, boca etc e exportá-las para o jogo. Muitos jogadores se divertem ao criar rostos extremamente parecidos com colegas ou personalidades de grande evidência na mídia e colocá-los nos Sims que irão participar de seu jogo (embora eu particularmente tenha tido dificuldade em exportar os rostos). O site do jogo disponibiliza uma série de skins, isto é, layers que podem ser baixados pela Internet e utilizados para complementar ou personalizar um determinado detalhe como, além do próprio rosto, um papel de parede, um quadro com uma foto específica etc. O jogador pode a partir do site tanto baixar skins criadas por outros jogadores como disponibilizar as suas próprias, encontrar objetos personalizados (um ventilador, uma máquina de refrigrantes etc), programas para a confecção de algumas dessas skins (como o The Sims Art Studio que permite ao jogador importar fotos e imagens para dentro do jogo, na forma de quadros para pendurar na parede) e informações diversas. Os jogadores não podem, todavia nessa primeira versão, promover jogos multi-players on-line. A etapa mais importante na construção de um Sim é a definição de sua personalidade,

sua

"essência

eletrônica",

disposta

em

torno

de

cinco

características básicas: asseio, extroversão, disposição, temperamento e atitude. Cada uma dessas características possui uma escala que varia entre zero e dez, representadas por barras indicadoras; quanto mais barras, mais desenvolvida o Sim terá aquela característica. O jogador começa o jogo com vinte e cinco barras 181

para distribuir, da maneira como achar melhor, as cinqüenta disponíveis entre as cinco características (5x10=50). Uma vez distribuídas essas barras para formar a personalidade do Sim, o programa indicará a qual signo do zodíaco pertence o Sim; o jogador também pode escolher um signo qualquer para um Sim, que terá automaticamente uma configuração de personalidade definida associada ao horóscopo. Por fim, o jogador tem a possibilidade de digitar e escrever um texto em uma caixa, contando nas suas próprias palavras a biografia da personagem. Isso feito, o jogador irá se deparar com o jogo em quatro modos de funcionamento distintos, cada qual destinado para a realização de certos tipos de atividades. O modo simulação é aquele em que as ações acontecem de modo contínuo, mas não real, embora também exista a possibilidade de se pausar o jogo. Temos nesse modo, três velocidades diferentes: 1, normal (1: 60); 2, rápida (1:180); e 3, muito rápida (1: 960). Assim um dia na vida de um Sim acontece de modo mais rápido que um dia na vida do jogador. No modo compra, o jogador pode escolher entre diversos objetos (da geladeira a uma tabela de basquete) dispostos em categorias, como mesas e cadeiras, pia e encanamento, jardim, aparelhos eletrônicos etc. É interessante notar que, à medida que o jogador vai mobiliando a casa, o agente do jogo pode promover mudanças nas classificações dos objetos, criando novas divisões de categorias sem entretanto excluir ou adicionar objetos. No modo construção, o jogador assume o papel de um engenheiro civil ou arquiteto ao planejar e construir sua própria casa, por meio da escolha de ferramentas (como escavação ou nivelamento de terreno, pintura, encanamento etc) e materiais (paredes, janelas, pisos etc). Sabemos, entretanto, que fora do mundo dos Sims a construção e a decoração de uma casa podem levar muitos meses. Porém para um Sim, trinta ou quarenta minutos na vida do jogador correspondem a bastante tempo. O jogador deve estar atento, tanto no modo de compra quanto no de construção, à sua disponibilidade financeira, já que em The

182

Sims essas coisas não consomem tempo (no jogo), mas custam muito dinheiro (Simoleons) para serem realizadas. O modo câmera permite ao jogador tirar "fotografias"56 de cenas do jogo. Nesse modo, assim como nos descritos anteriormente, o tempo fica pausado. Na tela, a imagem escolhida fica congelada para que o jogador possa decidir o seu enquadramento e sua resolução. Uma vez tirada a foto, o jogador tem a possibilidade de escrever um texto, ou mesmo uma pequena história, como parte da legenda da imagem. Essas imagens vão sendo guardadas em um álbum que o jogador pode ver quando quiser e até mesmo disponibilizá-lo na Internet. O álbum de fotografia era algo inicialmente pensado para simplesmente registrar imagens do jogo e, eventualmente, publicá-las na Internet. Mas, à medida que os jogadores o foram utilizando, descobriram uma outra possibilidade: a de criar uma espécie de história em quadrinhos (HQ). A pessoa que acessar o álbum de fotografias de uma família na Internet poderá ver uma seqüência de imagens com legendas (texto escrito), uma a uma, na forma de uma apresentação de slides. O álbum explora as "fotos" com legendas e não necessariamente a dinâmica do jogo em si, isto é, o jogo também pode ser usado como ferramenta de criação narrativa para um outro tipo de história, que não necessariamente guarda semelhança com o jogo em si. Coincidentemente, uma das influências de Wright para criar The Sims foi o livro Understand Comics de Scott McCloud, principalmente o capítulo que discute como o leitor completa as lacunas deixadas entre os quadrinhos em uma HQ (Rouse: 2001, 456-457). A influência dos HQs é visível em diversas partes do trabalho, já que se pode observar o uso de ícones ao invés de diálogos e palavras – que só aparecem em momentos específicos, como avisos dirigidos ao jogador – e no próprio traço do desenho – como no caso de brigas, onde imagens explicitas

56

Apesar da utilização do termo "fotografia digital", tecnicamente tal técnica se caracteriza como captura imagem digital, uma vez que não trabalha com processos fotográficos propriamente ditos.

183

de luta, tão enaltecidas em outros jogos, são substituídas por uma nuvem de movimentos não identificáveis. Na página oficial do jogo, podemos encontrar algumas histórias curiosas nos álbuns das famílias Atkins, Tyler e Lenid, que contam dramas de violência e abuso doméstico, por exemplo57. O jogador interessado pode ainda baixar da Internet essas famílias com ou sem suas casas originais e, ele mesmo, jogar a partir delas para "ver o que acontece". Após jogar por um tempo ao seu próprio estilo, esse jogador pode devolvê-las para a Internet de maneira modificada, onde poderá ser compartilhada por outros jogadores. Já o modo opções é aquele que permite ao jogador configurar as opções disponíveis no jogo conforme sua preferência. Há neste modo as opções de: salvar, vizinhança (voltar para a tela inicial de vizinhança), opções de vídeo (antialias, sombras, iluminação, efeitos de interface do usuário, detalhe do terreno, detalhe dos Sims), opções de som (F/X – efeitos sonoros -, música e voz) e opções de jogo (centralização automática, vontade própria, movimento de bordas, simulação em background, dicas rápidas, captura de imagens, PIP – picture in picture - ao vivo e exportação de HTML). Esses modos estão dispostos em cima de um arco no canto inferior esquerdo da tela. Conforme se muda de modo, o painel de controle assume diferentes configurações, de acordo com o modo escolhido. No modo de simulação temos uma série de variantes que determinam o estado geral de humor do Sim. Cada variante, por sua vez possui estados de satisfação específicos em nível de relacionamento, trabalho e casa. O relacionamento mostra quantos amigos o Sim tem e qual o nível de envolvimento

57

Cf.: http://theSims.ea.com/us/index.html?action=viewalbum&subject=Ventura&owner=Libra85

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com eles numa escala que oscila de zero a cem. O nível do trabalho mostra a profissão exercida (se o Sim tiver uma), seu salário e sua condição no emprego, além dos índices de habilidade nas áreas de culinária, mecânica, carisma, (condicionamento) físico, lógica e criatividade (habilidades que o usuário pode desenvolver e aprimorar ao longo do jogo, aumentando seus índices de qualidade nessas atividades), necessárias para as diferentes profissões oferecidas e para certas tarefas domésticas também. O nível da casa mostra o relacionamento de um Sim com sua casa em termos de tamanho, mobília, jardim, conservação e estilo. Quanto maior for esse índice maior será o conforto e a satisfação de um Sim ao permanecer nesse lugar. À medida que vai jogando, o jogador observa no painel de controle dentro do modo simulação a presença de oito necessidades diferentes: fome, conforto, higiene, banheiro, energia, diversão, social e cômodos. Para deixar um Sim em seu melhor estado de humor, é necessário ter todas essas necessidades saciadas. Esse controle é feito por meio de barras individuais para cada uma dessas necessidades; à medida que o tempo passa, por exemplo, um Sim vai se sentindo mais cansado e com mais fome, precisando comer e dormir, por exemplo. Cada necessidade é saciada por atividades específicas, como ler um livro, ver televisão, fazer exercícios físicos, dançar, conversar, almoçar etc. Uma mesma atividade pode, porém, alterar o estado de ânimo de duas ou mais necessidades ao mesmo tempo: ao assistir um bom programa de televisão em uma cadeira confortável, o Sim estará ao mesmo tempo tendo conforto e se divertindo em um cômodo agradável, por exemplo. Podemos afirmar que o eixo central do jogo gira em torno do modo de simulação: a "essência eletrônica" do Sim e seus estados de humor influenciam a dinâmica da própria simulação. O grau dessa influência pode variar de acordo com uma das opções de jogo disponível no modo de opções: a vontade própria.

185

A vontade própria representa o nível completamente autônomo (inteligência mecânica) do Sim, isto é, incorpora mecanismos de crença e intenção independentemente da vontade do jogador. Por exemplo: um Sim deprimido (com seus índices de sociabilidade e diversão baixos) pode recusar o comando do usuário em procurar emprego alegando estar deprimido demais para isso. Mas, se após algum tempo o jogador conseguir aumentar esses dois índices e o Sim não estiver muito cansado ou com fome, é bem provável que ele agora aceite procurar o emprego. Se a mesma situação ocorresse com a vontade própria desabilitada, o Sim teria procurado o emprego logo na primeira circunstância, pois não se recusaria a fazê-lo. Em meio a esse panorama básico, o Sim vai (ou não) realizando suas atividades cotidianas: lavar a louça, pagar as contas, recolher o lixo, cozinhar, tomar banho, dormir, ir para o trabalho etc. The Sims consegue trazer para dentro do jogo muitos aspectos cotidianos enfadonhos da vida urbana contemporânea, como a limpeza de banheiro, o pagamento de contas, a quebra de um cano d'água da cozinha etc, e entreter com isso os jogadores, que talvez tenham que dolorosamente passar por tais processos em suas próprias vidas. Ao contrário da maioria dos videogames, em que observamos o predomínio de assuntos referentes a universos fantásticos, violentos e repletos de monstros, criaturas e alienígenas, The Sims procura explorar temas referentes às questões interiores e ao relacionamentos social entre humanos. Wright afirma que: "Sempre imaginei que as pessoas gostariam de estar jogando com pessoas, o mais próximo que conseguissem. E a maior parte dos jogos não permite ao jogador chegar tão perto de uma pessoa, ou se permite o faz de uma forma direta e linear; não em um formato aberto" (Wright: 2001, 457).

Qualquer videogame ou software que trabalhe ou apresente personagens antropomorfos, normalmente traz à tona um olhar crítico sobre as questões sociais

186

e comportamentais cotidianas do homem e da própria simulação. Obviamente The Sims não poderia estar longe dessas discussões. Frasca (2001b) nos lembra que: "Parece que ao simular o comportamento humano no computador as coisas ficam distorcidas. Apesar de tudo, nossa cultura possui diversos mitos para lembrar-nos de não brincar de Deus (lembre do que aconteceu com Dr. Frankstein depois de criar sua criatura)" (Frasca: 2001b).

Rouse

(2001:

399-400)

enfatiza

o

fato

que

em

The

Sims,

independentemente de conseguir simular de uma forma mais precisa ou não a vida, o jogador encontra um modelo seguro para fazer experiências: "A vida que o jogador controla em The Sims pode até ser próxima da sua própria vida, mas a capacidade do jogador de tentar coisas novas sem receio de sérias repercussões torna a experiência convincente e excitante" (Rouse: 2001, 400). Além disso, como afirmou anteriormente Wright, os jogadores de The Sims possuem experiência e conhecimento sobre o assunto do jogo, isto é, eles sabem mais sobre a limpeza de uma casa (ainda que virtual) do que sobre uma forma de vida extraterrestre completamente desconhecida. Para Rouse (2001, 398) isso pode ser apontado como outro fator que favorece a imersão do jogador nesse jogo: "Apesar de não serem tão inteligentes e interessantes quanto os próprios humanos, as pessoas simuladas em The Sims são próximas de serem plausíveis para os jogadores que acreditam em suas existências virtuais e que irão preencher, por si mesmos, as deficiências da simulação" (Rouse: 2001, 398).

A maioria das personagens nos videogames são personagens planas (ou estáticas), sem grande profundidade ou imprevisibilidade, podendo se apresentar na forma de tipos ou caricaturas. Na opinião de alguns pesquisadores (como Ryan: 2001) existe uma lógica de que quanto mais plana for uma personagem no

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videogame, maior será a possibilidade de um jogador utilizá-la livremente na história. Para Rouse: "Em The Sims, a história é um esforço colaborativo entre o jogador, que controla a ação, e o designer do videogame, que oferece o sistema, as ferramentas e o espaço em que o jogador pode agir. Desde que o jogador está intimamente envolvido com a criação da história, essa história torna-se sua, e como resultado o jogador envolve-se mais com o jogo" (Rouse: 2001, 396).

O autor realça ainda o fato de que, assim como no caso do Oulipo, a partir de um número finito de possibilidades, o jogador pode desdobrá-las de formas amplamente variadas: "Quando os diferentes sistemas são combinados, o espectro de possibilidades disponíveis para o jogador aumenta exponencialmente, criando um jogo com uma profundidade sem precedentes" (Rouse: 2001, 400). O designer e sua equipe oferecem para o jogador alguns elementos prédeterminados. Apenas a partir da combinação desses elementos dados é que o jogador poderá criar a atmosfera de suas própria narrativa, o resultado da interatividade do jogador no jogo como processo comunicacional dinâmico. Em The Sims, o jogador pode descobrir essas possibilidades controlando entre no mínimo um e no máximo trinta Sims diferentes. O jogador torna-se em princípio uma espécie de "deus", pois ao poder escolher entre até trinta Sims diferentes, pode se tornar onisciente, já que sabe tudo sobre o que se passa com as personagens, e onipresente, já que pode se manifestar em qualquer lugar. A idéia do jogador representar uma espécie de deus ao controlar uma avatar não é nova e, na verdade, possui raízes na própria etimologia da palavra "avatar". Segundo Damer (1998), avatára em sânscrito significa "descida". A palavra nos remete a mitologia hindu, em que era usada para dar nome ao corpo utilizado por um deus durante a sua visita ao mundo terrestre. O termo foi utilizado pela primeira vez em termos de realidade virtual por Chip Morningstar ao criar, em 188

1985, o Habitat, a primeira comunidade virtual a operar com tal tipo de artifício audiovisual, de maneira simples se comparada aos diversos outros programas e comunidades que utilizam avatares hoje. Por outro lado, o papel do jogador em The Sims aproxima-se da terceira concepção de narrador proposta por Barthes: o jogador se revela limitado ao que pode observar e saber das personagens, já que só pode interagir com um Sim de cada vez, e não com todos ao mesmo tempo da mesma forma. As personagens em The Sims estão totalmente vinculadas à noção de práxis – elas são o que fazem. Quanto à disposição hierárquica, a personagem principal é uma função transitória: à medida que o jogador seleciona um Sim específico, esse passa a ser a personagem principal, podendo passar a secundário ou figurante (NPC) no instante seguinte que o jogador "trocar" de Sim.

Quando o cursor aponta para um Sim, as suas ações – que variam de acordo com as situações e os objetos selecionados - podem ser guiadas pelo jogador. Porém isso não interrompe as ações das outras personagens na história. Assim os papéis de protagonista, antagonista etc vão se alterando de acordo com a construção da própria narrativa. Esta não se baseia apenas no planejamento centrado de um autor/jogador, pois elementos do acaso são fundamentais no desenvolvimento de uma história em The Sims – principalmente ao se escolher o modo "vontade própria", que dá aos Sims iniciativa para realizar alguns de seus desejos e necessidades independentemente dos comandos do jogador. Além disso, o tempo todo os "elementos fora de cena" podem "assaltar" a cena e alterar o andamento da história, como um ladrão que resolve aparecer no meio da noite de forma inesperada para assaltar uma casa ou um vizinho que resolve fazer uma visita. Assim quando se fala em onisciência para o narrador, em The Sims, há uma restrição que se limita à casa em que ele está jogando no momento. Nesta casa (e inclusive em seus arredores) ele pode saber tudo o que ocorre - se um amigo ou ladrão se aproxima, por exemplo – e pode também agir em resposta a esses

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estímulos – no caso específico do ladrão que se aproxima, passando ao "modo de compra", que interrompe o jogo, e adquirindo um alarme para evitar o assalto. A interface do jogo – resultado de onze versões diferentes - representa, na opinião de Rouse, um de seus pontos mais significativos, ao conseguir aproveitar a lógica da interface do Windows sem que seja associado a ele: "Se o jogo utilizasse uma caixa de diálogo com uma arte parecida com a do Windows, o jogador associaria imediatamente à interface do Windows e não com uma experiência própria, muito menos com uma atividade divertida. Todavia, ao colocar um novo estilo visual no comportamento de interface do Windows, ela se torna mais intuitiva e familiar ao jogador sem lembrá-lo da administração de arquivos" (Rouse: 2001, 402).

Uma diferença entre a interface do Windows e a oferecida em The Sims está, além da arte visual, na lista de menus. No Windows, normalmente, o menu lista todos os objetos possíveis, enquanto que em The Sims o menu lista apenas o objeto disponível naquele tempo. Além disso, o jogador de The Sims vê a ação designada para o seu Sim, o que acontece apenas em alguns casos no Windows de maneira simbólica, como na transferência de arquivos e na limpeza da lixeira, por exemplo. Isso não significa, em absoluto, que The Sims não tenha suas deficiências e pontos falhos. Conforme aponta Frasca (2001b), a personalidade dos Sims são mostradas por seus estados de humor, carecendo totalmente de qualquer tipo de influência de crenças filosóficas, políticas e religiosas, o que não permite configurar certos comportamento e atitudes das personagens. Com isso, o jogo acaba não abordando exatamente as relações humanas em si, mas mais especificamente a administração de um estilo de vida.

190

Em sua palestra na "Conferência sobre Entretenimento na era da Interatividade", realizada na Southern California University58, Wright (2001) afirma que não acredita ser possível resumir o ser humano às cinco características básicas que definem um Sim (asseio, extroversão, disposição, temperamento e atitude), mas que teve de adotar essa simplificação em função de sua limitação de tempo e técnica, que acaba se refletindo principalmente nos pontos fracos do próprio jogo. Porém, como lembra Pfützenreuter: "Em todo tipo de produção, a tecnologia utilizada delimita e conduz as soluções formais; em um aplicativo multimídia isto não poderia ser diferente" Pfützenreuter (2001, 261). Wright (2001, 454 – 455) afirma que sua inspiração original para o jogo foi um livro chamado A Pattern Language, de um professor de arquitetura da Universidade de Berkeley chamado Christopher Alexander, que apresenta 256 regras de design, cada qual baseada em um aspecto do comportamento humano. A idéia básica é que o design da casa deve refletir aspectos desse comportamento em diferentes escalas. No manual do jogo (2001, 89), encontramos no apêndice 2 a recomendação da leitura de outros livros de arquitetura e administração, principalmente do gênero de auto-ajuda. Aqui encontramos um outro problema. Talvez, se existissem outras referências utilizadas de outras áreas do estudo do homem e da sociedade, como filosofia,

psicologia,

semiótica,

sociologia

etc,

o

jogo

poderia

ter

um

desenvolvimento um pouco mais complexo em alguns aspectos. Frasca (2001b) propõe, inspirando-se nas idéias da Poética do Oprimido de Augusto Boal (1977), uma versão modificada de The Sims. O autor acredita que ao se substituir a concepção narrativa aristotélica pela teoria de Boal, é possível criar videogames que aumentem no jogador "o pensamento crítico e o entendimento de sua sociedade".

58

Cf.: Transcrição da integra da palestra (em inglês) nos anexos da dissertação.

191

"Embora eu não acredite que jogar um videogame seja correspondente a atuar, é fácil de se perceber que a distância entre o jogador e o personagem do videogame é mínima. O jogador move o joystick e o personagem pula: não há um performance sutil nesta ação; o jogador não está tentando conduzir qualquer sentimento pelo pulo (...)" (Frasca: 2001b).

Frasca considera que o conjunto de técnicas exploradas no Teatro do Oprimido de Boal derruba literalmente a "quarta parede" do palco, ao quebrar a dicotomia ator / espectador e criar uma nova categoria que incorpora as duas formas: o coringa (embora Frasca não tenha empregado o termo utilizado por Boal). Assim, qualquer um pode interferir na peça dando suas próprias contribuições: o teatro assume a forma de uma ferramenta e não a de uma peça com objetivo fixo. Propõe-se, então, por meio de uma técnica construtivista a obtenção de um "bom debate ao invés de uma boa solução". Assim o autor faz uma aproximação das idéias do Teatro do Oprimido de Boal com o jogo do videogame. The Sims possibilita a designers amadores de videogame, isto é, aos próprios jogadores, modificarem a própria simulação, por meio de algumas personalizações. Frasca (2001b) propõe que o jogador possa interferir também nas regras internas do modelo de simulação, ao "(...) dar a possibilidade ao usuário-designer criar personagens com diferentes personalidades e conjunto de ações particulares. Esses personagens poderiam ser criados com uma ferramenta especial de programação" (Frasca: 2001b). O ponto chave da idéia de Frasca é que o jogador de The Sims e de videogame possa interagir livremente no jogo, da mesma forma que o coringa no teatro de Boal. Frasca (2001b) acredita que, ao mesmo tempo em que isso possibilitaria usuários mais ativos, possibilitaria também a transformação de alguns jogadores em lurkers – pessoas que são de alguma forma envolvidas com comunidades on-line sem participar delas ativamente. Todavia, assim como no teatro de Boal, a pessoa que opta por permanecer observando à distância um 192

espetáculo aberto faz uma escolha, o que não deixa de ser uma forma de participação. "Contudo, eu acredito que essa multiplicidade de comportamentos e o fato de designers amadores poderem criar a maior parte do conteúdo, irão encorajar uma

atitude

critica

mesmo

naqueles

jogadores

que

não

irão

criar

comportamentos. Mesmo que o jogador não crie a sua própria personagem, eles não irão tomar a simulação como condição, pois eles sabem que diferentes jogadores tem opiniões alternativas sobre como essas regras poderiam funcionar. (...) A habilidade dos jogadores em modificar comportamentos designados por outros é, de fato, a habilidade de exercer a crítica através da programação, porque as regras da simulação estão mudando para se adaptar a visão da realidade dos programadores pessoais. E, mesmo que a maior parte dos jogadores não consiga codificar seus próprios comportamentos, eles estarão aptos a combinar comportamentos existentes de maneira a criar personagens mais complexos e depois compartilhá-los com outros jogadores" (Frasca:

2001b). Obviamente esse tipo de prática sugerida poderia trazer alguns empecilhos de ordem moral, como a criação de avatares nazistas, assassinos, pedófilos etc. Ao entender essa possibilidade como uma técnica para "encorajar o pensamento crítico", o autor acha que não cabe qualquer tipo de censura, ainda que preocupações dessa natureza possam assaltar as indústrias produtoras desses programas. Como um exemplo disso, temos o caso de Carmagedon – um jogo "politicamente incorreto" em que motoristas percorriam as ruas de cidades com o objetivo de destruir o carro dos outros competidores e atropelar toda a sorte de pedestres para acumular pontos e bônus. Porém houve aqui uma inversão: ao ser condenado pela mídia e posteriormente pela própria justiça, o jogo, que estava fadado ao fracasso comercial, vendeu todas as cópias disponíveis. Frasca (2001b) propõe em sua "versão alternativa" de The Sims que o jogador, e não o editor (publicador) do software, crie e modifique as personagens.

193

Essa criação poderia ser feita usando um programa open-source59. Com isso, o autor acredita que "(...) a disponibilidade caleidoscópica dos diferentes comportamentos poderá dar aos jogadores oportunidades para experimentar uma larga escala de diferentes construções" (Frasca: 2001b). Para Frasca, a capacidade de o jogador criar e modificar comportamentos, como na versão proposta para The Sims, ajudaria a revelar a verdadeira essência bricoleur do jogador de videogame: "A habilidade dos jogadores em modificar comportamentos designados por outros é, de fato, a habilidade de exercer a crítica através da programação, porque as regras da simulação estão mudando para se adaptar a visão da realidade dos programadores pessoais. E, mesmo que a maior parte dos jogadores não consiga codificar seus próprios comportamentos, eles estarão aptos a combinar comportamentos existentes de maneira a criar personagens mais complexos e depois compartilhá-los com outros jogadores" (Frasca: 2001b).

Rouse (2001, 405) enaltece as qualidades de The Sims e acredita que o maior potencial do jogo não esteja em proporcionar uma "fuga ou substituição da realidade", mas no próprio potencial inaugurado pelo jogo - poder definidor capaz de avaliar, segundo Santaella (2001, 395), o teor criativo da obra -, e sua capacidade de interatividade, no sentido de, como nos disse Couchot (1997, 141), refletir de volta nossas próprias experiências. Sabemos que o desenvolvimento do campo da simulação humana e social no computador ainda está dando seus primeiros passos, por isso, concordo com Frasca (2001) ao reconhecer que, independentemente das diversas opiniões favoráveis ou contrárias sobre The Sims, o fato é que esse jogo parece ter aberto uma espécie de "caixa de Pandora" ao optar por tentar trabalhar com relações 59

Programa aberto a mudanças e transformações, distribuído sem uma licença formal, garantindo a qualquer um o direito de usá-lo, modificá-lo e redistribuí-lo livremente, sem discriminação de grupos ou qualquer outra ordem. Confira mais sobre softwares open source em: http://www.opensource.org/

194

humanas ao invés de explorar universos fantásticos e fictícios característicos da maioria dos jogos de videogame: "Eu acredito que ao introduzir seres humanos de forma verossímil, personagens humanos em videogame, The Sims abriu uma caixa de Pandora ideológica. Se os designers tentarem ignorar esse fato, os videogames irão permanecer simples como um brinquedo. Todavia, se eles entenderem que lidar com diferentes modelos de realidade requer uma atitude crítica, o videogame pode se tornar um meio para exploração e discussão de nossas realidades pessoais e sociais "(Frasca: 2001b).

Wright, por sua vez, colocou à venda para os jogadores posteriormente ao lançamento de The Sims alguns pacotes de expansão: Gozando a Vida (Livin' Large) – que trouxe novas skins e cinco novas profissões, Encontro Marcado (Hot Date) – que permite ao Sim ter um encontro mais romântico, Fazendo a Festa (House Party) – que por meio de novos objetos, ajuda a promover festas, e Em Férias (Vacation) – que leva o Sim para passar as férias em uma ilha com diferentes cenários. O lançamento mais esperado, entretanto é The Sims on-line. O jogo que estava previsto para ser lançado no primeiro semestre de 2002 atrasou e ainda não foi lançado. A empresa diz em seu site oficial que essa versão será jogada em um mundo virtual construído por milhares de outros jogadores, isto é, cada jogador terá a possibilidade de construir suas próprias locações (por mais diferentes que elas possam ser) e "vagar" por um enorme espaço de sociabilidade. Apesar de ficar extremamente difícil "arriscar qualquer palpite" antes de jogar essa nova versão, acredito que caso consiga aproveitar bem as potencialidades do on-line e dos jogos multi-players, a nova versão poderá, ao incorporar o elemento humano em uma complexa estrutura rizomática, se tornar um fenômeno extremamente significante na(s) história(s) dos videogames. PC

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Ainda que The Sims talvez não consiga proporcionar uma "sensação de conceito" (Pfützenreuter: 2001, 263), nem transformações significativas (ou pelo menos "visíveis") em nossas percepções mais sensíveis do mundo em que vivemos – como talvez o possam fazer em termos narrativos tradicionais as peças de Sheakespeare, os filmes de Fellini ou os livros de Machado de Assis –, pelo menos aponta perspectivas bastante otimistas para o futuro do videogame neste sentido.

8

196

4.3 – Diário de um jogador

Π18.fevereiro.2001 Há mais ou menos duas horas eu passeava por um shopping cultural quando vi um dos vendedores entretido diante do computador. O rapaz – completamente absorvido, olhos grudados na tela, a mão movendo lentamente o mouse – diferenciava-se dos outros colegas por sua atitude desinteressada no que dizia respeito a sua função ali. Paradoxalmente, o seu não-convite, a sua não-demonstração causou-me um interesse bem maior do que um slogan publicitário. Aproximei-me e, como um voyeur, um intruso, encontrei um local de onde podia observar a tela. Nela, um homem e uma mulher moviamse dentro de uma casa realizando tarefas cotidianas: o telefone tocou, a mulher foi atendêlo enquanto o homem levantou-se e abriu a geladeira. Nesse momento, a curiosidade foi maior do que a discrição. Perguntei o que era aquele programa. O rapaz não ouviu. Resolvi arriscar - é um jogo? Ele não respondeu à pergunta, mas atiçou ainda mais minha curiosidade – é muito legal. Agora ele tem que ficar bonzinho, fazer o jantar porque ela tá brava. Continuei recebendo outras vagas informações sobre o que era aquilo que eu via na tela por mais uns vinte minutos. E o Renato (agora o vendedor tinha nome) não me deixou tomar seu lugar, por mais que eu tenha – por vias indiretas – tentado. Cheguei em casa, louco para abrir o pacote e enfim descobrir o que é isso que hipnotizou o Renato – e agora sei, ele é, a seu modo, o mais persuasivo dos vendedores daquela loja.

197

19.fevereiro.2001

Muito sono, talvez hoje eu escreva menos do que de costume. Ontem, depois de corrigir as provas da turma de terça (prometi a eles entregar as notas da recuperação nesta semana), não resisti ao The Sims. Mas The Sims resistiu a mim. Me atrapalhei um pouco – logo de início, é preciso povoar algumas casas que surgem na tela (ou apenas uma dela, eu acho) para que possa começar o jogo. Essa é uma parte engraçada – como a Andréa estava comigo, decidimos tentar simular nossa vida no computador. Quando fomos montar uma família à nossa imagem e semelhança, ficamos frustrados. As poucas combinações possíveis entre corpo (incluindo roupas mais ou menos extravagantes e variações pequenas de silhueta) e cabeça (com diferentes rostos e penteados) não permitiam que criássemos Sims semelhantes a nós. No campo da personalidade, também tivemos problemas – quando assinalamos nosso signo zodiacal, algumas características distribuíram-se de forma automática, não correspondendo nem a nossas auto-imagens, nem a imagens que atribuímos um ao outro. Quando a Andréa levantou a questão sobre o bebê - é possível ver nascer um pequeno Sim ? – resolvemos desligar o computador e ler o manual.

198

20.fevereiro.2001 Tem sido difícil levar adiante o projeto de reproduzir a minha família e simular minha vida no The Sims. O manual fazia referência a um site (melhor anotar aqui, caso eu perca o manual – www.thesims.com) no qual é possível fazer downloads de programas que prometem sofisticar os recursos dos Sims. Resolvi tentar um desses, o Facelift, para criar avatares com aparências semelhantes às nossas e às de nossos amigos. Depois de ter algum sucesso em caracterizar um Sérgio e uma Andréa eletrônicos por meio de ferramentas que permitem editar aspectos isolados (apenas os olhos, por exemplo) ou combinados( o formato do rosto com o penteado), descubro que não consigo importar esses avatares personalizados para o programa. Talvez tenha sido uma falha na instalação do programa, mas já perdi quarenta minutos e ainda não consegui entrar no jogo (eu escrevi jogo?) propriamente dito. Deixo de lado essa preocupação com a fidelidade da aparência de nossos avatares – resolvo me conformar com as poucas opções da configuração original. Afinal, me convenço, não é isso que importa. P.S: Descobrimos que, para termos um bebê Sim, é necessário que os nossos avatares se apaixonem. Só então surgirá uma caixa de diálogo dando a nós essa opção. O problema é que, segundo o manual, há uma incompatibilidade entre Sims de Gêmeos e de Capricórnio, que são respectivamente o meu signo e o de Andréa.

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21.fevereiro.2001 Não só o nosso corpo virtual, mas também a nossa casa será diferente da que temos na realidade. Para um principiante, não é simples construir uma casa no The Sims. Deve ser por isso que, no manual, eles só aconselham um jogador a entrar no modo de construção para ampliar uma casa já existente. A Andréa me disse que não agüenta mais gastar o tempo com preparativos – ela quer jogar. Tento algumas vezes, sob protestos, construir um lar semelhante ao nosso. Levanto uma parede no terreno comprado pelos nossos Sims por cinco mil e quinhentos Simoleons, pouco mais de um quarto do orçamento que possuímos para arranjar uma casa e mobiliá-la. Mas não consigo reproduzir na tela a planta de nossa casa, pois no mundo dos Sims as proporções são diferentes de nosso mundo ( mais adiante descobriremos que nossos avatares nem sempre conseguem passar por um corredor estreito entre uma cadeira e uma TV, por exemplo. Eu e a Andréa, ao contrário, já estamos craques nessas manobras derivadas do pouco espaço que temos.) Depois de um ultimato – ou você desiste dessa etapa ou eu vou dormir – e de uma explicação arrependida por tal arrebatamento – é que não tem lógica você perder tanto tempo para fazer uma coisa mais ou menos parecida, se ainda fosse ficar igual – opto, com pesar, por demolir as paredes de nossa (im)possível casa. Mesmo assim, não sigo a sugestão da Andréa de comprar uma casa já pronta e inicio uma nova construção – desta vez, prometo a ela, vou fazer tudo bem rápido. Ciente das limitações do jogo e das minhas limitações (não consigo mover as paredes de lugar, mesmo seguindo instruções), parto para uma última tentativa. Em quarenta minutos, a casa está pronta. Vou chamar a Andréa (que foi ler e pediu que eu a chamasse só quando tudo estivesse OK) e explico, diante de minha obra, que tentei reproduzir, apesar das diferenças,

200

padrões de conforto, número de quartos etc. de nosso próprio lar. Ela aprova a morada virtual. Com o jogo ainda em modo de pausa (assim o tempo não corre para os Sims que, dessa forma, não precisam comer, ir ao banheiro ou se alimentar), vamos às compras para mobiliar a casa nova.

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24.fevereiro.2001 Nos últimos dias, foi difícil encontrar um tempo para jogar. A Andréa me contou que ontem à noite ela havia jogado por, mais ou menos, meia hora e que assim havia conseguido terminar de mobiliar a casa. Porém, quando percebi que não havia TV nem aparelho de som, e que apenas duas cadeiras acompanhavam a mesa de jantar, perguntei por que ela não havia seguido o padrão da nossa casa. Simples, o dinheiro acabou. Então usei a trapaça que aprendi em um manual avançado sobre The Sims, que eu havia comprado na Amazon. Apertando as teclas shift + ctrl + c e escrevendo uma senha (que não vou revelar aqui), é possível conseguir algum dinheiro, mais precisamente 1.000 Simoleons. Ao aplicar essa trapacinha por umas quatro vezes, consegui adquirir os artigos que faltavam e trocar alguns outros por similares de melhor qualidade. Isto porque a qualidade dos móveis, assim como o estado geral da casa (boa iluminação, higiene,...) contribuem para a "saúde mental" dos Sims. O difícil é saber o que é uma cadeira confortável para um Sim, já que no próprio manual há uma advertência brincalhona de que o departamento de marketing faz qualquer coisa para vender um produto, o que impossibilita o comprador de acreditar em suas referências. Ainda não entendi se é o preço que faz a diferença - quanto mais caro um produto, melhor ele é? Realmente não é possível afirmar isso com certeza. Sobre o piso em cerâmica "El Rojo", um dos mais caros que se pode encontrar para mobiliar a casa de um Sim, há uma ambígua observação: "Combina perfeitamente com uma decoração estilo velho-oeste." Descubro então que, junto com afirmações ambíguas desse tipo, há um dado mais objetivo - o índice de conforto propiciado por um produto vem em números, em uma escala que vai de 1 a 10. Isso me obriga a trocar vários produtos comprados pela Andréa, que muitas vezes usou o critério de similaridade visual com nossos próprios móveis para

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mobiliar a casa dos Sims. A cama que ela escolheu para nossos avatares, por exemplo, tem baixo índice de conforto - o que pode influenciar na quantidade de energia que terão para despender em atividades diárias. Essa escolha se baseou no fato dessa cama ser visualmente parecida com a nossa que, no entanto, é bastante confortável. Depois de colocar nossos avatares na casa já pronta, devo sair do jogo (antes disso, tenho que optar por salvá-lo) para poder instalar na vizinhança as famílias de avatares que criamos para representar nossos amigos e famílias. Assumo novamente o papel de engenheiro civil...

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25.fevereiro.2001 Construídas e mobiliadas as casas da vizinhança: é hora de habitá-las com as pessoas com quem nos relacionamos (inclusive o meu orientador, Sérgio Bairon). Percebo que agora (ao contrário do que pensava) é que têm início as dificuldades. Como optei por jogar em um modo no qual os avatares possuem vontade independente da minha, às vezes as coisas ficam fora de controle. O avatar de nossa amiga Andrea Pedro, por exemplo, criou fortes laços com o do professor Sérgio Bairon (ambos são desconhecidos na "vida real"), pois no jogo ele era seu vizinho. Enquanto eu tentava simular a situação profissional de Andrea Pedro, encontrei, logo de início, um obstáculo: não há no mundo dos Sims nada que se assemelhe à profissão de designer gráfico. Como ela esporadicamente também se dedica à produção de músicos, resolvi colocar seu avatar no emprego de garçonete (as outras opções seriam negócios, braço da lei, vida de crimes, medicina, exército, política, esportes, ciência ou radical), pois ele oferece – no caso de promoção – a possibilidade de entrar para o show business. Porém, para escalar posições na profissão, o avatar da Andrea Pedro teria que desenvolver principalmente seu carisma (praticando discursos diante do espelho) e sua criatividade (pintando quadros). Alguns dias de trabalho e de desenvolvimento de habilidades começaram a deixar a Andrea virtual deprimida pela falta de vida social. A situação se agravou tanto que ela passou a recusar meus comandos para prosseguir seu aprimoramento pessoal. Assim, eu tinha que encontrar amigos para ela. Em The Sims, os contatos entre avatares que não coabitam podem se dar por meio de encontros na vizinhança. Após cumprimentar um vizinho, o avatar pode travar uma conversação com ele, ou ainda insultá-lo. Após um primeiro encontro favorável, um Sim pode telefonar para o novo amigo a fim de aprofundar seu relacionamento. A cada encontro, novos desafios, pois maus tratos podem esfriar o relacionamento.

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Quando o avatar de Andrea Pedro estava em casa (após a jornada de trabalho), apenas o avatar de Sérgio Bairon andava pela vizinhança. Tive que optar entre deixá-la se afundar na depressão ou fazê-la conhecer alguém que é seu desconhecido na vida real. Escolhi a segunda opção.

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26.fevereiro.2001 Andrea Pedro e Sérgio Bairon tornaram-se tão próximos que passaram a visitar a nossa casa juntos. Logo que eu e Andréa entramos em nossa casa recém-mobiliada, houve uma invasão dos parentes e amigos que havíamos instalado na vizinhança. A situação tornou-se delicada – quando estamos jogando com uma família (no caso, a nossa), não podemos controlar as outras. Assim quando todos os visitantes partilharam conosco o jantar, não pudemos (gentilmente) colocá-los para lavar a louça. Porém, para nossa sorte, alguns deles – talvez isso esteja relacionado ao grau de asseio do signo astrológico de cada um – espontaneamente dispuseram-se a fazê-lo. As horas foram se passando, nossos avatares (meu e de Andréa) foram dando sinais de cansaço – a barra de energia estava baixíssima – enquanto os invasores dançavam na sala. Eu sabia que a qualquer momento, meu avatar poderia adormecer. E quando um Sim está muito cansado, ele interrompe qualquer atividade que esteja fazendo e adormece no mesmo lugar. Fiquei receoso, porém, de convidar os amigos e parentes a se retirarem, afinal não gostaria de criar relações hostis já no meu primeiro dia na vizinhança. Enquanto estava povoado por essas dúvidas, aconteceu o já previsto: eu e Andréa adormecemos na cozinha, enquanto juntávamos o lixo e lavávamos os pratos deixados sobre os móveis pelos nossos hóspedes glutões. Acordei nossos avatares e fiz com que fossem direto para cama, sem se preocuparem com mais nada. Os vizinhos não pareceram se importar, alguns prosseguiram com suas atividades – assistir à TV, conversar, dançar – até que foram, pouco a pouco, deixando nossa casa. Quando o último saiu, eu e Andréa já dormíamos há mais de uma hora.

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02.março.2001 Após alguns dias, retomo o jogo. Agora o objetivo é tentar simular minha situação familiar na tela. Sei que terei uma difícil tarefa – vencer a incompatibilidade astrológica de nossos Sims para que eles possam se apaixonar. E logo no dia seguinte à mudança de nossos avatares, percebo que será impossível fazer com que eles se apaixonem mutuamente ao mesmo tempo em que cuidam das outras relações sociais e da vida profissional. Só a satisfação diária de suas necessidades básicas – fome, conforto, energia, social, banheiro, higiene, diversão e cômodos - ocupa quase todo o dia. No final do manual do jogo há um gráfico com a distribuição ideal do tempo que deve ser despendido para a satisfação dessas necessidades, por exemplo, muito tempo para repor energias, menos tempo para aliviar a vontade de ir ao banheiro. Porém a dica é gastar o menor tempo possível com essas atividades para que reste aos Sims tempo livre. As estratégias para adquirir esse precioso bem são várias, segundo o manual, e podem incluir o aprimoramento pessoal (desenvolver habilidades de cozinheiro, por exemplo), o investimento na carreira profissional ou ainda a arte de tornar uma casa agradável e bem equipada. Ciente disso,resolvo que, para unir nossos avatares, eles precisam dedicar o maior tempo possível um ao outro. Assim eles devem trocar gentilezas, cuidar da higiene pessoal e da casa (para não se indisporem) e conversar muito para aumentarem sua estima. A cada progresso, surgem opções diferentes de interação. No primeiro dia de convivência, Sérgio só podia cumprimentar ou conversar com Andréa. Conforme as coisas foram esquentando, surgiram opções como contar piada, fazer cócegas fazer massagem, convidar para dançar, flertar, abraçar e beijar. Porém um passo mal pensado pode fazer o relacionamento regredir. Quando Andréa fez cócegas em Sérgio no segundo dia de convivência, ele a achou inconveniente e lhe deu uma bronca. Porém no terceiro dia, quando um coração surgiu ao lado da foto de Sérgio na barra de relacionamentos de Andréa, não tive dúvidas. Achei que era o momento propício para que ele a beijasse. Ela ficou furiosa – pelo menos foi isso que 207

pude perceber pelos grunhidos que emitia (a "fala" dos Sims é uma mistura de sons ininteligíveis e de desenhos que surgem em balões sobre a cabeça do falante) e pelos gestos que fazia tentando me empurrar. A reação deve ter sido realmente enérgica, mesmo para o mundo dos Sims, pois nossos avatares realmente se indispuseram. Ficaram o resto do dia sem conversar e, nessa noite, dormiram em camas separadas (e olha que para dormirem juntos basta que mantenham relações amigáveis). Fiquei realmente arrependido por ter agido de forma tão imprudente... Agora deveríamos começar de novo a conquista e, confesso, tive medo de que aquele episódio modificasse irremediavelmente a relação de nossos avatares. Porém seus laços rapidamente se restabeleceram: fiz com que os dois passassem o dia seguinte ao ocorrido trocando gentilezas. Um pouco de conversa, uma piada, os dois assistindo à TV juntos...Fui verificar a barra de relacionamento de ambos e pude constatar que estavam realmente enamorados. Eu não tinha muito tempo, estava jogando há mais de três horas e precisava dormir, pois no outro dia dava aula bem cedo. Decidi que se o avatar de Andréa tivesse que gostar do meu, seria aceitando-o como ele era: impetuoso. Minha estratégia funcionou. Os dois trocaram um beijo apaixonado e, após a musiquinha clichê para romance, surgiu na tela a caixa de diálogo que perguntava "vamos ter um bebê?". Era tudo o que queríamos. Imediatamente após nosso sim, surgiu uma cestinha em nossa cozinha. Resolvi salvar o jogo e ir deitar. Antes dessa última etapa, porém, me lembrei de que logo mais o Ravi acordaria para tomar a sua mamadeira da madrugada. Com os olhos pesados de sono, fui ferver o leite pensando nas vantagens de ser um Sim. Numa situação como esta, provavelmente o Sérgio eletrônico dormiria em pé na cozinha.

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4.3.1 – Diário de um Sim (a)

diário de um Sim Crônica de uma morte anunciada A sensação de um homem, ao saber que agora terá sob sua responsabilidade um frágil e pequenino bebê, é indescritível. Comemoro com Andréa o fato de que, na área de serviço de nossa casa, acabou de ser deixado um cestinho de delicado conteúdo... Na verdade eu ainda não o vi, mas sei que está lá.

Subitamente sinto uma fome insuportável e vou preparar qualquer coisa para comer. Enquanto estou sentado à mesa saboreando minha refeição, ouço as gargalhadas de Andréa, que se diverte com um jogo de computador chamado The Sims. Em alguns minutos, suas gargalhadas misturamse a um outro som, cada vez mais intenso. Resolvo interromper o jantar e

me dirijo ao bebê, para verificar se vem de lá aquele som. Ele está chorando. Eu o pego em meu colo e o embalo por algum tempo. Porém o choro não cessa, assim como Andréa não pára de jogar. Ela deve estar se divertindo muito, já que não vem nos ajudar.

Como o bebê não fica quieto, desisto dele. Talvez bebês chorem, assim como um cão late ou um carro faz barulho ao arrancar. Além do mais, estou sentindo uma vontade louca de ir ao banheiro. E todas as vezes que não satisfaço essa vontade me arrependo, pois quando ela chega ao limite do insuportável (isto é um diário, por isso não tenho pudor de contar), uma poça bem desagradável surge ao meu redor. Resolvido o problema, percebo que também estou com um sono danado. Antes de me dar por mim, estou na cama, sonhando e roncando. No meio da

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noite, recebo um aviso – se o bebê continuar a ser maltratado, uma assistente social virá apanhá-lo. Penso em comentar o absurdo dessa hipótese com Andréa, mas pelos seus roncos, percebo que está profundamente adormecida no quarto ao lado. Quem falou em maus tratos? Ainda antes de dormir, havia embalado o nenê e, depois, eu o tinha deixado carinhosamente em seu cestinho. Achei a história tão sem pé nem cabeça que não lhe dei importância e voltei a dormir tranqüilamente.

No outro dia, entre meus afazeres, percebi que o bebê não estava mais na área de serviço. Provavelmente aqueles malucos o levaram embora... Será que, só porque ele estava chorando, pensaram que o nós o maltratávamos? Resolvi não comentar o assunto com Andréa, que também não deu sinais de sentir falta de nada. Agora éramos só nos dois. Enquanto conversávamos durante o café da manhã, percebi como estava apaixonado. E ela também, tenho certeza, retribuía meus sentimentos. Nos dias

seguintes ao desaparecimento do bebê, vivemos como em lua-de-mel. Preparávamos refeições caprichadas, assistíamos à TV, dançávamos. Enfim, só divertimento (e é claro, também satisfazíamos outras necessidades básicas, mas acho que não preciso entrar em detalhes).

Uma tarde resolvi fazer um almoço inesquecível para minha querida. E ele foi realmente inesquecível... Sem ter desenvolvido meus dotes culinários

(eu sabia que deveria tê-lo feito por meio de leituras, mas no meu tempo livre sempre preferia assistir à TV ou ouvir o rádio), acabei provocando um incêndio na cozinha. O incêndio se alastrou rapidamente, sem que Andréa percebesse (ela estava na sala) ou que eu tivesse a iniciativa de apagá-lo ou de fugir. Eu só conseguia gritar por ajuda, mas ninguém me ajudou.

O fogo consumiu meu corpo e as cinzas imediatamente surgiram 210

dentro de uma urna, no local de meu falecimento. Quando isso ocorreu, Andréa dirigiu-se para a cozinha. Tarde demais para uma ajuda, ela só pôde lamentar – tanto a minha falta, quanto a destruição de uma equipada cozinha. Resignada, começou a varrer e a recolher os escombros que emporcalhavam o chão. Porém desistiu quando se lembrou de mim e voltou chorar (se alguém que estiver lendo este diário estranhar um morto cuja consciência ultrapassa a própria vida, sugiro a leitura de um livro muito interessante: Memórias Póstumas de Brás

Cubas). Passada a crise de choro, Andréa foi tomar banho e depois dormiu. No dia

seguinte, acordou faminta. Porém, ao entrar na cozinha, lembrou-se de que ali não poderia armazenar alimentos ou cozinhar. Resolveu pedir uma pizza. À noite, quando sentiu fome novamente, uma má notícia. O rapaz da pizzaria lhe disse, pelo telefone, que ela não tinha mais dinheiro suficiente para pagar os 40 Simoleons referentes ao seu pedido. Inconformada, naquela noite ela ainda tentou conseguir algo na pizzaria por mais cinco vezes. Atordoada pela fome, acabou desistindo. Resolveu tomar um banho e se deitar. Mas a fome não a deixava dormir e, com essas dificuldades por que passava, adquiriu o estranho hábito de se banhar por inúmeras vezes. Eu podia ver que minha pequena não estava se virando bem. Sem

dinheiro, sem amigos, sem comida, ela passava seus dias se arrastando entre a banheira e o sofá da sala. Quando estava muito exausta, cochilava no chão, sem nunca se importar em desligar o som ou a TV.

Após cinco dias sem comer e exatamente seis dias após minha partida, Andréa não resistiu e veio se juntar a mim. Por isso devo agora abandonar este diário, pois temos muito que conversar para matar saudades.

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Juntos, aqui do além, ainda podemos ver nossa casa. O telefone toca, sem resposta. Talvez fosse meu orientador, Prof. Sérgio Bairon, tentando saber sobre a dissertação que eu nunca concluiria. Um pouco mais tarde, um cobrador ronda a casa. Por motivos óbvios, não pagamos as contas e ele desintegra nossa estante. É com pesar que vejo desaparecerem meus livros mais queridos sobre hipermídia, cibercultura, games... Tento diminuir a sensação estranha que sinto: me

convenço de que agora, eu e Andréa temos que nos concentrar em descobrir se há reencarnação. Se tivermos uma segunda chance, prometo que farei tudo diferente.

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4.3.2 – Diário de um Sim (b)

diário de um Sim O embate entre ludus e logos A sensação de um homem, ao saber que agora terá sob sua responsabilidade um frágil e pequenino bebê, é indescritível. Comemoro com Andréa o fato de que, na área de serviço de nossa casa, acabou de ser deixado um cestinho de delicado conteúdo... Na verdade eu ainda não o vi, mas sei que está lá.

Subitamente sinto uma fome insuportável e penso em preparar qualquer coisa para comer. Chego a me dirigir à cozinha, mas algo me leva ao quarto de dormir.

Uma vez na cama, adormeço imediatamente. Eu não havia percebido

como estava cansado. Só acordo no outro dia e, ao me levantar, encontro Andréa exausta. Provavelmente deve ter ficado com o bebê no colo a noite toda. Sem se dirigir a mim, ela vai para o quarto ao lado: precisa de silêncio para dormir. Percebo, então, que este será o meu turno para cuidar do bebê. Ensaio alguns passos em direção ao banheiro, mas algo me leva a preparar um café da manhã caprichado. Acho que a comida resiste a umas oito horas depois de preparada, assim ela servirá não só a mim, mas também à Andréa quando acordar. Com o bebê, agora precisamos economizar todo o tempo disponível. É engraçado, mas desde que me tornei pai, passei a ter umas sensações estranhas. Será isso o que chamam de pressentimento ou intuição? Se for o caso, derruba os chavões que relacionam apenas à mãe esse tipo de sentimento. Posso afirmar que a paternidade fez com que eu mudasse totalmente as minhas atitudes. Tenho vontade de me divertir, por exemplo, mas uma

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vontade mais forte logo me empurra a realizar alguma tarefa mais útil, como lavar os pratos. Esse tipo de comportamento eu percebo na Andréa também, mas ela tem personalidade forte e encontra mais dificuldade em se adaptar à nova vida. Ao acordar, ela está bastante mal-humorada. Parece que algumas horas de sono não foram suficientes para lhe restabelecer o ânimo.

Ela sabe que precisa

se alimentar e tomar um banho, mas fica insistindo que preferiria se divertir. Porém acaba se resignando ao combinarmos que, após essas atividades básicas, ela poderá jogar no computador ou assistir à TV. Isso até que o bebê acorde, pois agora não podemos nos descuidar do pequeno nem por um minuto. Prefiro não revelar a ela para que não fique ainda mais tensa, mas esta tarde aconteceu algo desagradável. O Ravi começou a chorar e eu não percebi imediatamente, o que fez com que eu demorasse um pouco até chegar em seu cestinho. Logo recebi um aviso – se o bebê continuar a ser maltratado, uma assistente social virá apanhá-lo. Deixo Andréa na sala, assistindo a um filme romântico, e vou me deitar para repor as energias. Acordo por volta das 5 horas com o choro do Ravi. Andréa o embala e, assim que o deita, começa a dormir ainda em pé. Recomendo que vá para cama e tento animá-la.

Nosso sacrifício durará só mais um

pouco, porque bastam 3 dias para que nosso bebê transforme-se em uma criança – o que significa que terei de lidar com o meu cansaço e com a crise da Andréa (espero) por apenas mais um dia. Esse último dia, no entanto, foi bem penoso. Andréa não se conformava com a ausência de diversão e reclamava o tempo todo, protestando sempre que ia realizar suas tarefas. Tive que considerar, então, que para a Andréa a diversão era uma necessidade tão básica quanto comer ou dormir. É claro que também eu 214

fiquei chateado por dedicar meu dia apenas às obrigações (confesso que ontem consegui um tempinho para jogar no computador e hoje, enquanto tentava acalmar a Andréa, às vezes eu desviava o olhar para a TV), mas nada que se compare a ela. Será que é o signo dela? Os astros influenciariam assim a personalidade de um ser humano? Nunca acreditei nisso, mas nos momentos difíceis ficamos mais suscetíveis aos sortilégios. Vou dar uma olhada no signo dela – Capricórnio – e tento descobrir quais são suas características. Estranho, porque o nativo de Capricórnio costuma ser relacionado à instrospecção, à responsabilidade e ao trabalho árduo. Essa vontade de se divertir só pode estar relacionada ao temperamento – nas barras de personalidade dela, esse fator é bem destacado. Bem que minha mãe havia me dito que achou a Andréa geniosa quando a conheceu. Se bem que mãe implica com todo mundo... Há pouco tempo esteve aqui e, por algum motivo estranho, ficou chateada conosco...

Agora já aprendi a lição: quando temos pouco tempo, é melhor evitar as visitas, pois elas chegam e não têm hora para ir embora. Além

disso, qualquer bobagem pode

provocar um mal entendido e abalar uma amizade. Um dia após o nascimento do Ravi, por exemplo, o professor Sérgio Bairon veio nos visitar, assim como a Marianne e o Marcelo, minha sogra e meu pai. Após servir o jantar, eu tive que ir para o quarto cuidar do bebê. Deixei as visitas à vontade na sala, algumas conversavam, outras começavam a se servir. Andréa saiu do quarto tão baratinada pela fome e pelo sono que acabou se confundindo e pegando o prato do Bairon. Depois disso, ele passou a detestá-la: os dois não podiam se encontrar que começavam a discutir. Três dias de cuidado intenso e de dedicação exclusiva – pela falta de disponibilidade caímos muito no conceito de nossos amigos e familiares – e o Ravi se torna uma criança saudável e (quase) independente. Quase independente porque não pode preparar uma refeição sozinha (se quiser comer por conta

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própria, tem que ser um lanche) e também porque sente muita necessidade de se relacionar socialmente. Agora que nosso bebê já está crescidinho, vou procurar um emprego. A Andréa decide esperar um pouco mais para fazer isso, assim poderá ir desenvolvendo algumas habilidades específicas – ela gosta de pintar e de estudar culinária – ao mesmo tempo em que vai ambientando a criança à casa. Apesar

de

sentir

responsabilidade paterna.

vontade

de

descansar,

continuo

tomado

pela

Após o trabalho, dedico meu pouco

tempo livre ao estudo da mecânica. Não que eu goste particularmente desse assunto, mas em minha casa só há romances de entretenimento, livros de culinária e livros de mecânica. Como estou trabalhando de ajudante de laboratório, imagino que só a leitura destes últimos pode me ajudar profissionalmente e sei que, para conseguir promoções e chegar ao nível de pesquisador acadêmico, terei ainda que percorrer um longo caminho.

PS: A minha opção por fazer carreira vem me trazendo alguns problemas em casa. O pouco tempo que me sobra não tem sido suficiente para estreitar as relações com Ravi. Será que ao atingir

meus objetivos profissionais, terei tempo para recuperar o carinho de minha família?

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4.3.3 – Diário de um Sim (c)

diário de um Sim O primado da razão A sensação de um homem, ao saber que agora terá sob sua responsabilidade um frágil e pequenino bebê, é indescritível.

Comemoro

com Andréa o fato de que, na área de serviço de nossa casa, acabou de ser deixado um cestinho de delicado conteúdo... Na verdade eu ainda não o vi, mas sei que está lá. Quando me dou por mim, estou observando o bebê. Andréa também faz o mesmo. Depois disso, resolvemos aproveitar que o bebê está quietinho para deixar tudo em ordem. Como Andréa é boa cozinheira, dividimos as tarefas da seguinte forma: eu recolho o lixo e rego as plantas, ela faz o jantar. Após o jantar, vamos recarregar as baterias. O bebê acordou chorando por volta das 3 da manhã. Morto de sono, fui me arrastando até ele para lhe dar a mamadeira. Porém, mesmo depois de satisfeito, ele não parava de chorar. Então resolvi brincar um pouco com ele, que ficou quieto por uns instantes, mas voltou a abrir o berreiro quando o pus no cesto. Já eram 5 horas da manhã, ou seja, eu estava com o bebê há duas horas. Pior do que o cansaço era a minha fome e a minha vontade de ir ao banheiro. Mas,

como pai responsável, encontrei forças para interagir um pouco mais com o pequeno: fui buscar a única canção que tinha na minha memória para cantar para ele. E parece que gostou, pois finalmente pegou no sono. 217

Eu já sentia vontade de ir para a cama novamente, mas era mais racional aproveitar que eu já estava de pé para fazer algumas coisas. Depois do banho, servi o café da manhã, que tomei junto com a Andréa (ela havia acordado bem na hora). Resolvi aproveitar o fato de ter acordado cedo para relaxar um pouco ouvindo música e pintando. Quando o sono ficou insuportável, dei um abraço em Andréa e fui dormir. Agora era com ela. Enquanto dormia, pude ouvir o choro de Ravi e depois de alguns minutos, a voz de Andréa em um acalanto. Isso me tranqüilizou e voltei a dormir. Porém

quando acordei encontrei a casa um pouco bagunçada: um vazamento no chuveiro molhou todo o banheiro, alguns pratos com restos de comida ficaram pela mesa e já estavam sendo sobrevoados por moscas.

Fiquei um

pouco irritado, mas quando percebi o estado de Andréa não me senti no direito de reclamar. Eu poderia começar a limpar e a arrumar a casa (contratamos uma empregada, mas ela é um pouco "distraída" e sempre deixa algo para nós fazermos), mas também me sentia sujo, com fome e um pouco entediado. O que fazer, então? Em nosso revezamento para cuidar do bebê agora era meu turno. Eu estava sozinho na sala, precisando fazer várias coisas, mas com medo de não realizar nenhuma delas caso o bebê acordasse. Tive que pôr uma ordem para satisfazer aquilo que era mais urgente: ir ao banheiro, comer alguma coisa. Precisava cuidar da higiene, mas isso poderia ficar para depois. Um pai de primeira viagem pode se dar ao luxo de ficar alguns dias meio largado. Resolvo nem trocar de roupa, e adoto o pijama como traje oficial neste dia. E já que estou me dando umas férias, vou assistir à TV. Mas a alegria dura pouco: logo Ravi começa a chorar e tenho que ir alimentá-lo.

No percurso até o quarto, me arrependo de morar em uma casa tão grande. Para chegar do sofá da sala ao quarto onde está o cestinho demoro 10 minutos.

Eu 218

nunca deveria ter contratado a empreiteira Nesteriuk & Co para construir essa casa. Eles disseram que sabiam exatamente do que precisávamos, mas desconfio de que os caras não saibam nada de arquitetura. Esta casa é toda desproporcional, e olhe que gastamos uma fortuna com ela: mais de 30.000 Simoleons. Depois de já ter tomado a mamadeira, Ravi continua chorando. Desconfio de que tenha se tornado um bebê mimado, pois nunca se satisfaz apenas pelo fato de estar de barriguinha cheia. Para que ele pare de chorar, é preciso realizar sempre uma seqüência de três ações – alimentá-lo, brincar com ele e cantar para ele. Esse processo acaba durando algumas horas, o que é bem cansativo.

Felizmente logo algo mágico acontece: enquanto Andréa cantava para o bebê, ao fim de seus 3 dias de existência, ele repentinamente transformou-se em uma adorável criança.

Depois disso, entrei no quarto em que estavam

para conversar com ela como forma de lhe dar as boas vindas. Andréa fez o mesmo, mas logo foi se deitar, pois estava exausta. Eu não sabia exatamente o que fazer para ambientar a criança à casa, mas percebi que estava carente, precisando se sentir amada em seu lar. Achei que seria bom se ela fosse brincar em seu quarto, enquanto eu prepararia o jantar.

Apesar até de eu já ter lido um livro de culinária, sou meio desastrado. Ainda bem que, sabendo disso, eu já havia comprado e instalado na cozinha um detector de fumaça.

Foi isso que salvou nosso luxuoso fogão a gás

Pyrotess, uma inovação na área lançada pelas Idéias Brilhantes Ltda, e que pagamos com o sacrifício de 1.000 Simoleons.

Quando acidentalmente

provoquei o incêndio na cozinha, um bombeiro surgiu

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após alguns minutos.

Mas ainda que a cozinha tenha ficado intacta,

achei melhor eu e Ravi comermos apenas um lanche. No outro dia, pontualmente às 8 horas, o ônibus escolar vem buscar Ravi. Aproveito a casa mais tranqüila para tentar estudar um pouco. Depois do acidente de ontem, penso em me dedicar à culinária. Por outro lado, preciso estudar mecânica para conseguir um bom emprego na área de cientista. Fico dividido por alguns minutos, mas

concluo que o tempo é escasso. Melhor

adotar a divisão do conhecimento e das tarefas: a Andréa que já tem algum talento culinário continua desenvolvendo essas habilidades, e eu prossigo o estudo da mecânica. Acho que em um ou dois dias mais de estudo já terei condições de conseguir um emprego razoável.

Isso permite que sejam feitas

projeções otimistas para mim – só preciso dar conta de manter boas relações com a família e com os amigos, ser competente e assíduo no trabalho e continuar estudando e desenvolvendo habilidades específicas. Será me esqueci de algo? Ah sim: preciso também resolver dois problemas domésticos: o vazamento do chuveiro e alguns antigos restos de comida que grudaram há meses no chão da cozinha e que não conseguimos limpar de jeito nenhum. Acho que não será tão difícil. Talvez eu não tenha mais muito tempo para me divertir, mas... Quem sabe assim eu até consiga tentar a carreira acadêmica?

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme escrito na introdução, apresentarei aqui considerações (e não conclusões) finais sobre esse trabalho. Ao promover essas considerações finais procuro minimizar a idéia de fechamento ou de significado monolítico da própria obra, sem, ao mesmo tempo, fugir de algumas considerações mais significativas sobre o trabalho apresentado. Nos jogos que apresentem formas de narrativas em videogame, como é o caso de The Sims, o próprio final da história é determinado pelo jogador. Seja por cansaço, necessidade de fazer alguma outra coisa ou falta de interesse, é a ele que cabe decidir como e quando acabar. Muray (1997: 174) considera que o processo de encerramento narrativo de tais modalidades possam ser entendidos como "finalização por exaustão e não por complemento". Para a autora, o designer, ao contrário do autor das narrativas tradicionais, acaba transferindo para o jogador também essa responsabilidade: "Em outras palavras, o fechamento nesse caso acontece quando a estrutura do trabalho é entendida, ainda que não o seu enredo. Esse fechamento implica uma atividade cognitiva mais propriamente dita, do que um prazer usual de se ouvir uma história. A história, em si, ainda não está realmente resolvida" (Murray: 1997, 174).

É claro que ao ler um livro, ou ver um filme, o leitor ou espectador também pode resolver sair da sala no meio do filme ou abandonar o livro. A diferença é que nestes casos, sabe-se que existe uma obra mais fechada que não foi vista por inteiro, isto é, ainda faltava uma hora de filme ou cem páginas de livro. No caso das narrativas em videogame não há como o jogador se certificar de que um determinado caminho narrativo foi percorrido em todas as suas possibilidades e extensões, ou seja, em sua totalidade. Como Wright (2001, 451) afirmou sobre SimCity e The Sims, é muito pouco provável achar dois jogadores 222

diferentes com um mesmo (jogo) jogado; da mesma forma que um mesmo jogador dificilmente conseguirá, ainda que partindo das mesmas condições iniciais, repetir o (jogo) jogado em duas (ou mais) sessões diferentes. Isso garante ao videogame a característica ímpar de mesmo utilizando-se da reprodutibilidade técnica para a distribuição de seus jogos, garantir que cada jogo jogado será único, não apenas em sua interpretação, como acontece nas narrativas tradicionais, mas em sua própria existência enquanto jogo. Como nos aponta Ryan (2001), talvez a narrativa não seja a raison d'être dos videogames, mas possui um papel fundamental naqueles jogos que a utilizam de maneira mais plena. Notamos um fenômeno parecido no cinema, mais especificamente em alguns filmes "hollywoodianos" de ação: a típica narrativa do mocinho (mais ou menos caracterizado como tal) que tem de superar uma série de obstáculos para conseguir ao final do filme, durante o clímax, atingir o seu objetivo. Obviamente o interesse do espectador de tais tipos de filmes não é a narrativa em si, muito embora os elementos narrativos estejam presentes sob a forma de estruturas narrativas mínimas, extremamente simples e sem uma grande complexidade estrutural. Nesse sentido Rambo talvez não seja tão diferente de Doom. Mas o fato dos videogames trabalharem essencialmente com modos de simulação e não de representação, como nas narrativas tradicionais (Frasca: 2001a), tornam essas experiências essencialmente diferentes; leitores e jogadores, em si, representam figuras ontologicamente distintas. O

destinatário

das

narrativas

tradicionais

permanece

sentado

confortavelmente em uma cadeira, sem conseguir interferir diretamente no enredo da narrativa que se apresenta para ele. O destinatário deve, portanto, deixar os eventos seguirem os rumos previstos e predeterminados pelo autor, agindo

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apenas em sua própria instância mental-psicológica, por meio de sua cooperação textual, em uma chamada participação passiva. Ao participar de narrativas nos videogames, jogadores irão se deparar com situações completamente diferentes daquelas experimentadas pelo destinatário em outras mídias e suportes. A principal delas é a utilização da interatividade, via hipermídia, como ferramenta comunicacional. Ao interagir com e no videogame, o jogador altera constantemente o estado de jogo que se apresenta, construindo assim, a cada momento, sua própria narrativa. A interatividade se apresenta, desta maneira, não apenas como possibilidade de imersão, experiência ou agenciamento (agency) do interator, mas como possibilidade comunicacional na construção de narrativas abertas e dinâmicas. O jogador, por meio de sua participação ativa, torna-se co-autor de uma obra dinâmica que se reconstrói diferentemente a cada jogar. Neste sentido, a narrativa no videogame se caracteriza enquanto ergon e vai ao encontro da própria reticularidade cotidiana, já que seu significado existe basicamente para se ressignificar. Hermeneuticamente, o videogame proporciona uma experiência estética que é e sempre será inacabada, porque constitui um todo e, não, a unidade e a unicidade de um processo. A interação do jogador no videogame que se dá de forma descontínua, não linear e não previsível só existe, por sua vez, pela disponibilidade de um roteiro flexível e que consegue suportar um sistema hiperdimensional de conexões. Santaella (2001: 394) observa que, nestes casos, o jogador torna-se capaz de refletir sua própria rede cognitiva, de acordo com a coerência do desenho estrutural (modelo-mapa-desígnio) modelado e da abertura do percurso a ser percorrido por ele mesmo.

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O jogador é, desta forma, também enredado pelas próprias formas expressivas da narratividade no videogame, que assim como a reticularidade cotidiana, o envolve em um presença feita de ausência, onde a narrativa se apresenta senhora de seus próprios cronotopos. Ao possibilitar a imersão em ambientes horizônticos que se dá pela interação do jogo, a narrativa em videogame permite ao jogador encontrar, a cada jogo, um novo campo de manifestação, uma nova abertura. Neste enredamento, o jogador entende a si mesmo vivenciando um processo reticular interativo de agenciamento e de compreensão. Tão logo algum sentido se forme, o jogador cria algum sentido do todo e para o todo, estruturando-o enquanto forma de comunicação. Entretanto, ainda falta muito a percorrer. Casos como os da simulação humana e social apresentadas em The Sims ainda se encontram nos primórdios de seu desenvolvimento. Sabemos que, nem sempre (quase nunca, na verdade), as imposições ou declinações do mercado pensam da mesma forma que os "outros". Wright, mesmo após ter feito jogos que venderam milhões e milhões de unidades, teve grande dificuldade para conseguir montar uma pequena equipe e desenvolver The Sims, que evidenciando a falta de feeling de alguns dos executivos do videogame, se tornou um dos maiores sucessos de vendagem dos últimos anos, abrindo inclusive novos nichos de mercado. Johnson (2001, 163) acredita que uma saída possível contra esse "tiranismo" do mercado esteja no desenvolvimento de uma geração de vanguarda digital ativa e participativa, capaz de desenvolver e oferecer alternativas significativas a esta situação.

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Um processo semelhante ocorreu durante a década de 60 e 70, em que os artistas plásticos se apropriaram dos equipamentos e tecnologias das câmeras e aparelhos de videocassete para fazer arte. Tal acontecimento proporcionou a subversão do meio (um meio de comunicação de massa, a televisão, que adquire com o tempo o status de obra de arte em algumas galerias e museus) e a abertura de novas possibilidades exploratórias para os videomakers das gerações seguintes, que descobriram no vídeo um meio próprio, capaz de oferecer novas possibilidades de criação e comunicação. Incompreendido por muitos, o próprio vídeo (ou a videoarte) foi, posteriormente, apropriado pela própria televisão que passou (e ainda passa) a recolher as idéias consideradas mais interessantes ou mais viáveis dessas experiências, adaptando-as aos seus programas para conseguirem atingir o grande público. A vanguarda digital imaginada provavelmente trilharia um caminho muito parecido, isto é, irá "(...) perseguir a desorientação – senão isso, então pelo menos novos meios de orientar, tão novos que confundirão no primeiro encontro" (Johnson: 2001, 163). Mas com o tempo, a tendência é a da máxima que "(...) a subcultura produz as inovações e a cultura dominante apropria as formas que considera vendáveis para um público de massa" (Johnson: 2001, 164). Tal fenômeno já pôde ser observado de maneira isolada em casos como o do sistema operacional Windows desenvolvido por Bill Gates na garagem de sua, então modesta, casa. Ou ainda no caso de hackers que possibilitam e disponibilizam programas e aplicativos de maneira libertária, como no caso dos softwares open source.60 Johnson acredita que, passado um período inicial de transição, a nova geração que participará desse processo irá se mostrar mais adaptada frente a uma nova realidade: 60

Assim como acontece com algumas emissoras de "rádios piratas" que se consideram na verdade "rádios livres", muitos hackers consideram que exercem um trabalho de libertação em relação a sistemas dominantes, procurando tornar a disposição hierárquica nula ou absolutamente horizontal.

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"Após alguma aclimatação, a impressão de desorientação parecerá menos intimidante, mais um desafio do que um impedimento. Já é possível ver essa atitude na meninada que cresceu com o videogame. Ela exibe certo destemor ao entrar num novo espaço-informação. Em vez de ler o manual, apreende os parâmetro de maneira mais improvisada, prática. (...) Essas crianças aprendem fazendo, experimentando, e essa intrepidez vem do fato de terem decifrado o código de outros espaços digitais no passado" (Johnson: 2001,165).

De fato, é possível perguntar o que esperar das gerações futuras – gerações que já nasceram "com o computador no quarto" - em relação a essas questões61. Se Gibson no início da década de 80 se inspirou nas maquininhas de PacMan, PolePosition e Defender para escrever Neuromancer, o que será que ele imaginaria a partir da observação da "meninada" de hoje jogando jogos como The Sims, Half Life e Max Paine e passando horas em lugares como as LAN houses ? Certamente não sei o que Gibson poderia pensar nem tão pouco sou capaz (ou louco?) de arriscar um palpite ou previsão, mas, na minha opinião, é necessário que essa nova geração tenha a formação de outras bases consistentes durante a sua educação e o seu desenvolvimento. Observamos hoje, em uma velocidade não tão rápida quanto a da proliferação do número de jogos e jogadores, a criação de cursos específicos e acadêmicos de graduação e pósgraduação – sobretudo nos Estados Unidos, Japão e países nórdicos – voltados para o estudo do videogame em seus diversos enfoques, o que não deixa de ser um aspecto positivo. De qualquer forma, acredito que podemos esperar um futuro promissor no desenvolvimento de "vida inteligente dentro do videogame". O lento, mas constante e consistente crescimento de estudos qualitativos sobre o videogame enquanto meio expressivo interativo comunicacional, e o sucesso obtido por 61

Cabe uma nota que ao me referir a essa geração, infelizmente não estou me referindo a todos, visto que não há, na minha opinião, fortes indícios de melhorias sociais no país e no planeta, quiçá no tangente à exclusão digital. A questão é extremamente pertinente, mas encontra-se além do escopo da presente dissertação.

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alguns jogos apontados por esses mesmos pesquisadores como significativos, levam-me a vislumbrar uma possibilidade bastante otimista. Enquanto jogador e pesquisador espero que, nesse jogo cooperativo, todos possam ganhar.

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Educational - gameography SimEarth: The Living Planet (1990), FCI, Maxis SimTown (1996), SimIsle (1995), Maxis Helicopter - gameography Raid Over Bungeling Bay (1984), Brøderbund SimCopter (1998), Electronic Arts Historical Battle (specific/exact) - gameography Empire Deluxe Scenarios (1993), New World Computing, Inc. Puzzle-Solving - gameography Marble Drop (1997), Maxis Real-Time - gameography The Sims (2000), Electronic Arts Sci-Fi / Futuristic - gameography RoboSport (1991), Maxis

e-mails para contato com o designer: [email protected] / [email protected]

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Palestra de Will Wright proferida na "Conferência sobre Entretenimento na era da Interatividade" realizada na Southern California University no dia 29 de janeiro de 2001.

Transcrição disponível em: http://www.annenberg.edu/interactive-age/program.html# [APRESENTAÇÃO] [APLAUSOS] WILL WRIGHT: Hi, everybody. [AUDIENCE RESPONDS] Enjoying your lunch? Guess what I’m going to talk about? [AUDIENCE LAUGHS] We released the Sims almost exactly a year ago today, the last week of January, so when Celia invited me to come here and talk, I thought this would be a good chance to kind of step back and assess how the project went and a few of the things I've learned from it, so I’m going to be going through a lot of stuff here fairly quickly. I don’t want to go into much depth on any one thing, I just want to give you kind of a broad overview, some things that we’ve learned. So a year later. As far as computer games go, the Sims has done quite well, we’ve sold over 3 million units in the first 12 months, and another million units of the expansion pack. This is good for a couple of reasons. First of all, it makes the money people happy. And in my experience, when the money people are happy, you don’t have to interact with them. [AUDIENCE LAUGHS] [UNINTELLIGIBLE] We have a lot of female players, 30% of those registered are female, and I suspect the number is closer to 40%. One of things we heard so often from the first people that bought the game was, “This is the first game my wife or girlfriend will play, and now I can’t get it back from her.” So I suspect this number is actually closer to 40%, or maybe even higher. We’ve also got a very broad age distribution, roughly from about eight years old to about 50, peaking kind of in the 20 year-old range. This is really cool to see people of different generations, whole families playing the game. I’m going to touch on five points today, game design, tools, communities, stories, and the future, where we’re going to take this franchise. On the game design side, I’m not going to go into a lot of depth here, I’m just going to give you really more of the insights into the inspirations of things, the crystal that this idea kind of built around. Game design is really, it’s much more an art than a science right now. It’s rather like alchemy, basically we take all these weird ingredients, you know, eye of newt, wing of bat, thrown together with some incantations, and then kind of hope that something cool comes out of it. So I’m going to show you some of the ingredients that I had in my mind initially that I just slowly formed around. First was the idea that it would be really cool if I could design a doll house that boys could play with. [AUDIENCE LAUGHS] Of course, if you go ask boys if they want to play with a doll house, you get a different answer. I found this out in some focus groups, some very early focus groups. I didn’t call it a doll house, we just kind of said, “You get to build a house, build a family, and then kind of play with it,” and this is a group of 20-something men. And they immediately saw through the presentation and said, “Doll house, doll house,” [AUDIENCE LAUGHS] and basically swore up and down that they would never 240

buy such a thing. The other thing is I wanted to [SOUNDS LIKE: scratch] a game that girls would enjoy. In fact, you know, there’s a lot of talk in the gamedesign community about games for girls, and I’ve always been more in the camp that I’d much rather make gender-neutral games, I’d rather place things that both genders enjoy into one product, and so another inspiration for this, and this is for the one architect that I saw raise his hand, and somewhere in this audience, is he still here? Ah, there he is, okay. I've always been fascinated with architecture, for a number of reasons. Number one, it’s one of the few very well-developed interactive design tools out there, when you think about it. If you can view the work at [SOUNDS LIKE: Phister Alexander], who is kind of almost like the antiarchitect, where most of architecture has gone more and more to a top-down view of things and it’s gotten very abstract about forms and space and color, Phister Alexander has stayed fairly low-level and more bottom-up, where he studies the processes of interactions between people, and tries, from that, to build up higher and higher level design tools, and [SOUNDS LIKE: it was a very influential movement called Pantomimeage], which is almost like the Western equivalent of Feng Shui, it’s kind of design rules and how pinned to human behavior. So that’s actually the architecture part of--with the Sims, we designed a house, was one of the original inspirations. Another big part of it was hobbies and toys, the way people interact with these things. Most games are more packaged as a movie, here’s a beginning, here’s a character, here’s an end. Hobbies are more things that you can kind--an activity you engage in continually, and stronger communities tend to from around these. We wanted to kind of let people know that that’s what we were building here, so I actually used train materials to build a little model of the neighborhood in the Sims initially, I wanted to present the thing with that kind of friendly, little microcosm feeling that here’s a little world you can play in, and so the artists initially turned it into this, and it still has that kind of toy train-set feel. Back to the doll houses, another thing about doll houses that’s always fascinated me, especially more in the miniatures market is the way they’re expandable and collectible. And you see this a lot more easily with card games and Pokemon, but the collectible aspect is very strong, and it’s another binding force in community, they [UNINTELLIGIBLE] right now. Now to make this possible, we actually had to build this really gnarly underlying architecture so that we could drop new objects every day and we would expand the behavioral possibilities. I won’t open the hood and tell you about it, I’ll just tell you it’s really cool, but were you serious you could get a description of it. So using this architecture, we’ve actually are able [AS SPOKEN] to bring new objects into the game and change the behavior. They’re not just graphics, they’re actually adding simulation, expanding the simulation of the game, and so we actually, when we first started, we started making objects once a week on our Web site, from the day we shipped. We wanted to get people into the routine of downloading something new, going out, collecting and foraging for new objects in the game. We were able to actually add game play incrementally after we shipped. You know, we fixed some bugs from the early objects. At some point, I had the bright idea to do this guinea pig object, which some of you may have heard of, but it was basically a little pet. We wanted a pet, so we give them a pet, except this pet had this little virus in it, and if it bit one of the Sims, the Sim could get sick, and it 241

would start spreading the sickness to other Sims. It was kind of this Sim Ebola thing. [AUDIENCE LAUGHS] I never fully realized how much people were empathizing with these characters until I started getting hate mail about--back about the guinea pig. Spreading these tragic situations where the whole family died from this virus, and--[AUDIENCE LAUGHS] but that was a good sign, that was good that people were empathizing so clearly with their Sims. We also had some desktop [WORD] toys, these things that live on the desktop, kind of little Tomagochis, or a baby you had to take care of, there was an aquarium. Basically, we wanted people used to coming to our Web site and then surfing to the whole Web for new things. Now another important part of this, this has been touched a little bit today, is the idea abstraction. That was actually very crucial to the design of the Sims. I knew I wanted people to come into this game and basically put themselves into it, and not only put in their house, their family, but put in their own story, I wanted them to have a very large part in the interpretation of what was going on. This, of course, drives the empathy. You can learn a lot from that by looking at toy designing. These are the people from Play Mobile. I was very fascinated with the level of abstraction that they choose for this whole toy line. And we wanted something like that, because also--and you’re not really that close, you don’t quite see their faces in that much detail, so it invites you to come in and you can actually have something that’s a little bit looser, and there’s a great book on this, by the way, if you haven’t read it, called “Understanding Comics”, by Scott McCloud, and he makes this point very, very strongly. Basically, he’s saying the face up here on the right could represent anybody. Anybody can see that and represent--you know, imagine that as themselves. The face on the left is one particular person in the world, but somewhere in between, it’s a little bit more ambiguous. So we can present--you know, people in the Sims are pretty close to the middle of this range, which leaves them open to--if, you know, you can imagine thousands of people having a face similar to that, and so we only had to ship about a hundred characters in the game, to find one that was reasonably close to you. So one of the first things that everybody did with game, of course, is to put themselves into it, and put their family into it. So we’re basically using this to invite the players to participate, come in and, you know, imagine this to be you, fill in the blanks for us. So part of this strategy also was building tools. You know, we took kind of a different philosophy on this than most games, we decided to put no effort into doing a demo, to this day, we have no demo of the game. Instead, we put all that extra effort into making player tools they could use. One of them was for creating custom characters, so people out there who just had some ability at Photoshop could draw in their favorite characters, you know, movie characters, superheroes, themselves, whatever. We had another one for doing things in the architecture realm, and these were mostly wallpaper patterns, floor patterns, stuff of that sort. And another one, well, basically, for actually generating a face. This is actually a genetic algorithm. It was actually developed by somebody who I think is here at the conference, Steve DePaola, I don’t know if he’s here yet, but he developed this for us. Now these three tools were all finished and delivered to the users months before we shipped the game. And so what we were trying to do is crystallize this user community around the game before we shipped. And in fact, the day we shipped, there were 242

hundreds, if not thousands, of Sim objects available already on the player sites to download. After we shipped, we kept going with this, we had one for creating just more artwork to put on the Sims’-- on the walls. I don’t even know what this one is. [AUDIENCE LAUGHS] We’ve done so many tools. A more recent one is one where you can take any object in the Sims and then redraw it. It’s the same function, but users are having a lot of fun in this dimension. Now as has been mentioned already today, this--the first thing the users did was the Sims nude patch. This is the first example of actually a player tool, and this is--revealed the underlying skin that’s underneath our pixalization. Of course, they realized as soon as they did this that all of the Sims were like Ken and Barbie dolls. They were not anatomically correct, and so that was the next thing they did. [AUDIENCE LAUGHS] This is for actually editing character attributes, body meshes, this is a very ambitious tool, it’s not quite finished, for designing objects from 3-D models. So it’s really been quite amazing what the tool user--and these are user tools, these last few I’m showing you. Now I want to slowly go through the community here to give you a sense of the scale of it, because that’s really important to, I think, to the dynamic that I see going on in the future, especially with the Internet. The Internet is this enabling thing that’s allowing these communities to from around these games, where before, they were fairly isolated. Eight months before we shipped this game, we started a mail list, we actually contacted the ten Web masters that were running the ten biggest Sim City sites, and asked if they’d be interested, and they said, “Yeah.” And so once a week, we’d actually send them an update about what was going on in development, what features we were thinking about adding or deleting, and they were giving us feedback on a weekly basis, well before we shipped the game. And so these became our really hard-core evangelists for the game. About four months before ship, we started releasing these tools, and so at that point, we had a lot of people starting to invest time and effort into building content for the game. [SOUNDS LIKE: Have some skins away]. Two months before we shipped, we started what we call these Web cam events. Now, these events were something where we would play the game in the office, we actually hooked something up to the game where it would spit out little JPEGs, about every 30 seconds or so, and they would actually see us playing the game, kind of in the snapshot mode, and they would actually, in the chat room, tell us what to do. They’d say, “Okay, do this. Make him jump in the pool, set the house on fire.” And we would basically--this is a very loose interaction link, but still they had this sense of playing the game. Now the interesting thing about this was that, of course, they were able to capture all these JPEGs, and there hundreds of them, we did these weekly. And which gave them a tremendous amount of content, to then go develop their sites with. And so they would take all the images out and they would describe what had happened, and so you have all these people basically writing your ad copy and pulling from a library of hundreds of screen shots, and making these elaborate Web sites. Now you’ll notice the column over here on the right is kind of graphing the community in its rough scale, so at this point, before we shipped, we had about 20 content artists, 30 Web masters, 30 reporters, who were people out there kind of reporting on what’s going on, and about 500 viewers of these Web cam events. So on the day we released the game, we actually had about 50 big 243

fan sites, we had about 250,000 people who bought the first build of the game [SOUNDS LIKE: in one channel], and we had about 50,000 players actually coming to our site, getting downloads every day. And the registrations were upwards of 50%, which is extremely high for a computer game. So about a year after ship, this is a little bit closer to the community we have now, we have about 3 million players, a typical object that we put on our Web site gets about 500,000 downloads, so we have very strong involvement from these people. Another way to look at this is that if you sell a million units of the game, and if you can only get one percent of the players to be hard-core evangelists for you, that’s 10,000 people. That’s tremendous. Also each level here of this user community can be thought of as a pyramid, where the people above are supported, but yet helping to support the people below, so the tool builders are actually supporting the content artists, the content artists are supporting the Web masters. The storytellers are actually a new category I have here. Shortly after we shipped, or actually let me just say this first, is that there’s certain things you do in game development to enable success, to make your game successful. But there are other things that are very different things you do to leverage that success and bring it farther. So the things that we’ve done here with the community really were closer to the leverage side. The early things we did, we have--and of course, you have to make the game, the game has to be compelling. If you drop that ball, everything you do to leverage that success is wasted. You have to the success first. But once you’ve had it, if you have that leverage, if you’ve really developed this community around your efforts, you can go from the 1 million to the 3 million very easily. It’s getting to that 1 million that’s hard, probably like a lot of things in life, the first million is the hardest, but we were fairly confident. You know, it was a big risk, had we not made that first million, probably all the stuff we’ve done in community involvement would’ve been a big waste. Okay, so here I want to show you a few more of the fan sites here. We have about 200 sites now in about 14 languages. They’ve actually developed at this point about 90% of the content that you can put into the Sims, and we’ve developed a lot, and they've just developed huge amounts of it. We spotlight fan sites every week, we pick one out that’s cool, and put a link on our site, and we’ve brought down their sites before, the amount of traffic that they get from our site. This is Mall of the Sims, a Sean segue earlier, it’s basically the whole mall metaphor. This is the Sims Resource, this one is a little bit more like a Costco, it’s just got like everything in massive quantities, so I don’t know if you can read that, but this site has 2,400 custom characters to download, 800 pieces of furniture, 400 house, 4,500 walls, you know, this is the scale of content that they’re developing out there. This is kind of a Generation X site, some freaks, this is kind of--a lot of these sites have kind of diversified according to demographic, and so this site kind of caters to younger groups. Seven Deadly Sims. [AUDIENCE LAUGHS] This is actually one of the best sites out there. They’re great because this is a very artistic site, they’ve organized all of their content according to sins, so you go to Greed, there’s a whole set of objects listed, monetary things, there’s Lust, there’s Gluttony, you know, all sorts of refrigerators in Gluttony. One of their more popular features has been the Sims Death Match, [AUDIENCE LAUGHS] which is kind of a parody on the Celebrity Deathmatch, they actually pick certain 244

Sims and have them fight things, and they have little animations in the Sims language, it’s very cute. Of course, superheroes are big, this is kind of our 12year-old crowd. Horror is very big. This is Dr. FrankenSims, this is where you go for all the kind of famous movie monsters. Zombie Sims, this is where you go for undead Sims. Historical categories, certain people have these fascinations with certain historical categories and will do a whole Web site, and the Roman Sims is a good example where they have lots of Roman Sims, not only characters but architecture and objects and everything, and they even have stories. They’re just kind of awesome, the amount of effort they put into them. Period Sims, from other periods of history. This is like a little boutique, and there’s several of these, where they’re actually, in some cases, real fashion designers designing fashions for the Sims, and it’s amazing, there’re probably like 20 of these little boutique fashion designers. This is kind of the upscale site, [AUDIENCE LAUGHS] Sims Museum Store, [AUDIENCE LAUGHS] which seems to be getting really popular. Of course, we’ve got the upside and we’ve got the downside. [AUDIENCE LAUGHS] Tropical, and these sites will have “Gilligan’s Island” and “Survivor” themes and all that stuff. Parody of The Onion, but this is all about the Sim fan sites, you can upload the picture of your Sim and find out if they’re hot or not, [AUDIENCE LAUGHS] and this one I love, because it is such a boring layout. [AUDIENCE LAUGHS] This is the Sims Real Estate site. [AUDIENCE LAUGHS] You can go here to download houses, and it’s just as boring as a real real-estate site. [AUDIENCE LAUGHS] I thought it was brilliant. We’ve got so many of these at this point that there are actually several other ones that just report news on the other fan sites. On a daily basis, and every day, there’ll be five, ten, 15 news items, just what’s going on with the other fan sites. On our site, the Sims.com, we have, at this point, about a million [WORD] registered users. That’s to say a million people have gone on-line and registered with us. We’ve been able to use this download idea to really drive registration to unprecedented levels. We get about a million unique visitors a month, and it--shortly after we shipped, we put in this thing that Sean was showing you earlier where you can create a story in the game and upload it. We’ve currently got 16,000 stories on our site. As you can imagine, they’re not 16,000 terribly compelling stories, but a few hundred of them are actually remarkably good. We get about a hundred new ones every day also. There’s actually a search function, you can search by theme, by keyword, we also--you can rate the story after you’ve read it, and so we have the highest-rated albums, and so there’s a competition involved, some people--to get the highest rated story, and I think that’s what’s driven the quality of a lot of these stories. So actually, I want to show you a few of these right now, but keep in mind that these stories are much more than I’m showing you. I’m just showing you very brief little snippets and giving you a rundown, to give you a sense of the breadth of what they’re trying to use the story for. First place, “Death Falls in Love”, it’s a little dark up there, but basically we’ve got the Grim Reaper and it’s kind of describing his downtrodden life. This is kind of awesome, I think. A nod to Grim Fandango, I just saw Tim Shaffer walk in the room a little earlier. Basically, he meets, or sees, this woman and falls madly in love with her. [AUDIENCE LAUGHS] And then goes back to his house and he kind of realizes what a dump it is, and there’s dead things laying around, skeletons and [AUDIENCE LAUGHS] the like, so he 245

takes all this stuff out to the street, gives it to the Salvation Army or something. [AUDIENCE LAUGHS] Then he redecorates. [AUDIENCE LAUGHS] But to make a long story short, as you can imagine, it kind of fails, and he just kind of decides to go back. He eventually redecorates his house back to the original and decides he’s happy being Death, so. Anyway, this is really typical of the early stories we were getting, kind of straightforward, not using any kind of extreme characters and what-not. This one is a little more subtle, this is kind of the teen slasher thing, “Snowpeak Lodge.” This is almost like what did you do last summer. Seven friends go to a lodge to go skiing, dah-dah-dah-dah-dah-dah. I mean, it’s just--the detail to this is remarkable, the way everybody’s dressed appropriately, there’s snow in the windows. Most of the content, again, in this is custom, and in this one, they actually went to great lengths, they had a ski lift that they somehow built using our building tools, I have no idea. [AUDIENCE LAUGHS] They gave them skis. They don’t have skis, I don’t know how they--[AUDIENCE LAUGHS] I think they used the body-morphing tools and actually modified the meshes and gave them ski poles and all this just to get these things to go skiing. I mean, [SOUNDS LIKE: this lacks the edge of the art mostly]. So one of the women, her dead lover wakes her up in the middle of the night out in the snow and she realizes she’s still madly in love with him so they get married and it gets weird from there. [AUDIENCE LAUGHS] He somehow kills somebody, they decide they need to cover it up so they put him inside a snowman, [AUDIENCE LAUGHS] which then wins the snowman festival the next day. [AUDIENCE LAUGHS] At any rate, so this is kind of an example of where they’re going with custom content. And this--at the end of this, what was actually interesting is they made a long list of credits, talking about all the different sites that they went to to get all of the stuff that they used to make this story. So in fact, the fans are collaborating at a higher level now, to where they go to all the fan sites, use the custom content to make their custom story, and then they go back and credit all the fan sites, which is kind of cool. This next story, [AUDIENCE LAUGHS] “Starbucks Sucks”. I thought this was interesting ‘cause this isn’t Starbucks in general, this is one particular Starbucks in New York City. This guy has something at--something about this Starbucks, I don’t know. But he goes in and he describes every little thing he hates about this Starbucks, and I’m going to give you the short version, his version was exhaustive. I mean, every little detail, the way they price things in odd amounts, [SOUNDS LIKE: taking] change out of your purse, the way people answer the cell phone right as they get to the head of the line, the way the weird people hanging out there all day, [AUDIENCE LAUGHS] It’s just sick. Homeless people coming in and drinking cream and [AUDIENCE LAUGHS] It was kind of interesting just that he had this bone to pick with Starbucks and he decided to use this as a tool of expression. And at the end of the story, it’s interesting, ‘cause he says, “Oh, by the way, there’s this really great little coffee cart down the street you should go to, run by this Turkish guy.” Now I gotta wonder if this is the Turkish guy who put the story up. [AUDIENCE LAUGHS] The last story I’m going to show you real quick here, is a much more recent trend, and this is somebody telling about their sister’s abusive relationship and how they got out of it. This is actually a very heartfelt story, you know, not very technical in terms of the graphics and all that, a lot of writing, but this is 246

describing how her sister fell in with this guy and he seemed nice at first, he turned out to be a jerk and at first they had arguments, but then it escalated and actually got into physical fights, and she eventually sought the help of a counselor and called the police and got of the relationship, but I was really amazed to see this level of expression occurring with the game, I mean, I think it’s pretty remarkable that somebody could use a game for this. I’ve even gotten--I got a letter about a month ago from a family who adopted a kid from Romania, and they were talking about how his past life, his childhood was a mystery to them, he wouldn’t talk about it, but they got him a copy of the Sims, and he recreated his childhood with the Sims, and he used it a tool to explain to them the situation he came from, he was an abused child in one of these orphanages, and that was just really cool. So I want to finish up really quick here by culling out some future directions. I think the Sims 1.0, it’s done very well, but really, I see it as we finally got to a good starting place. You know, we kind of found the “T” here. At this point, I actually see it branching off into two very separate directions, and that’s what we’re currently pursuing. One is the on-line direction, a massive on-line version of the Sims. And the other one, really, is a much more enormous story, which is being touched on in this conference a lot. First, I’m going to show you a little bit about the Sims on-line. It’s in development right now, we have a lot of kind of things that we want to do in a game. It turns out on-line games are hard. [AUDIENCE LAUGHS] I’ve never done an on-line game before. We’re going to keep going with this customizing the character. One of the very first decisions we made on this was that we didn’t want to lose this tremendous value of all the content the players had created already, so we’re going to make it as much as possible content-compatible with the existing Sims, which means that all those bizarre, wacky skins and houses and objects will be compatible with the game if you bring them in and use them in the middle of your strange environments. So we’re actually trying to let the fan sites into that, too, so it’s not just that the Sims will finally die out and we will have to go off and make new content, but yet the content you’re making on these sites will be hopefully valuable for years to come. Its’ going to be in something that looks more like Sim City, in fact, there's going to be a large world that we’re calling a city, which is kind of a shard in other on-line games. A shard will hold about 50,000 houses, and you’ll be able to zoom into this and also find out a lot of things about the world. Now the--one of the other keys to the game design here is that, as we’re single on the network, we want to encourage users to entertain other users. That’s going to be the real reward structure of the game, it’s built around that, people creating really cool places to come visit, cool activities to participate in, and reward them if other people enjoy those, and you’ll be able to look at the world and query it for a lot of things like what’s the most popular house, where’s the biggest parties, you’ll be able to do it on an individual level. You know, who are the biggest assholes in the game, who are the funniest people. You know, based on the social interactions, ‘cause we’ll be tracking the history of all the social interactions you do in the game. We’re not just going to have houses, we’re actually going to be more open-ended with this, hopefully, where people can build nightclubs or theme parks, sports arenas, whatever they want to, using the same building tools that were in the Sims. We’re hoping that it diversifies on the same lines as the Web sites have, and so, 247

in fact, this whole thing will become more--much more like a giant Disneyland, with the users building all the rides. You know, so you’ll come into somebody’s house and, “Hey, check out the roller-coaster, I built it myself.” But it’s going to be--I think the diversity of themes here is going to be very different than most online worlds, which have kind of a monolithic theme, you know, you’re in the Renaissance. In this one, you’ll probably have a Wild West area, a Star Trek area, [SOUNDS LIKE: todiquiter] areas. We’ll have roommates, so not only will you have a house, but in fact, you can invite other real players to move in with you. And there’ll be whole sub-games, kind of like “Survivor”, where you can kick out a roommate, and so it might be like the last roommate standing [AUDIENCE LAUGHS] wins the house sort of thing. We’re also looking at trying to get a lot of matchmaking stuff into here, which is--I’ve been going to a lot of these on-line matchmaking sites, and there are a lot of them, and there’s something very compelling about trying to quantify yourself on one of these sites, and it’s really interesting when this computer gives you a really kind of abstract, random set of people that says, “Oh, we think you’ll like these people.” And whether or not it works or not, it’s actually kind of fun to play with, and what we want to do is to spark a lot of interactions between the players here, so the real focus of this at the lowest level, where you’re playing, moving a character around, is going to be social interactions that you have with the other characters. We’re also going to be developing new objects, which really are more like game components. They can string together to make more elaborate games, we’ll have almost like puzzle pieces, conveyor belts and buttons that open them up doors, traps, teleporters [AS SPOKEN], soccer, chess, all these little things will be elements that a user can use to build a larger meta-game out of their little place on-line. There’s been some interesting work I’ve uncovered in an area that’s known as visualizing social networks. There have been a lot of interesting attempts at visualizing the relationship you have with the people you know, your friends, and how they relate to each other. Basically mapping the social landscape. This is something that is very interesting to me because most of on-line games, that’s the real game, is this social topography that you’re basically navigating. So we’re going to be tracking all the people you interact with in the game and building a social web of people that you know and how well you know them. And so in this web, when you bring it up, you’ll be the center person on this, your friends will be arrayed around you, and as well as your enemies, indicated by the color of the line. You can click on a friend, they’ll actually move to the scene, and you will see your friend’s friends, and click on their friends, and so you can basically sort of navigate in this web. It’s like the six degrees of separation thing. But yet a large part of the game play is going to be built around this, we’re actually--one of the components of the game play is going to be what we’re calling the “popularity game,” and this is basically a caricature of high school. So people with more friends that are more popular get more popularity, and people that have less popular friends can drag you down, so this is going to be--and we’re going to do the whole thing in a very tongue-incheek way, but there’s another whole sub-game you can play within this, which is increasing your standing in the popularity web. Now as you actually look at these groups of people stringing together, you start building a higher [AS SPOKEN] and higher little structures. Now, they’re going to be structured together for a number 248

of reasons, maybe theme-based, we all want to be Star Trek people, maybe taskbased, you know, we all like to play soccer in the game. Other ones just like to hang out and discuss. We’re basically going to build higher social structures that will eventually map to the environment, and that will encompass all three of these kind of reasons for group formation, so there’s hopefully going to be a smooth ramping of the social structure from an individual level up to the group level. So I have to go a little faster here. Sims keep pulling up. This is the last thing I’m going to talk about today. There’s been a lot of talk in games forever about interactive storytelling. For me, interactive storytelling has always been kind of an oxymoron, it’s kind of like deterministic freewill, or Microsoft Works, or something like that. [AUDIENCE LAUGHS] But, you know, I really--I don’t think I can imagine a computer telling me a compelling story. I mean, maybe an author writing one and having a computer present it. What actually I think is much more likely and what I’m interested in pursuing with the next version of Sims is teaching the computer not to tell a story but to recognize a story. I want the computer to able to look over my shoulder as I’m telling a very open-ended game, and understand the directions I’m trying to go with that, so basically, we have movies, and we have games. A way--one way to visualize it is movies, of course, are linear, and have beginning and end and one specific path you go. Games are more like this possibility space, we define a set of possibilities that can occur to the game player, and the player basically can go off in any direction until they hit some wall. There’s going to be some bounded space to those possibilities. One thing I want to do, of course, is increase the size of that space as much as possible. The users are still basically possibly aimlessly meandering in space, but the bigger we make it, the better. That’s actually what we’re doing with the downloaded objects. Every downloaded object somebody gets from our site is actually adding a little chunk to the space, a little bit more possibility, a few more things that can happen, that can eventually be used for their instruction. There’re probably certain aspects of this space that are more interesting that others, in terms of what can be happening in a game. One way to look at this whole thing, if we consider this a possibilities space, we might consider the peaks here to be interesting spots in this possibility space, these are specific things, clichés, for instance, that again, help us near the structure. You know, one thing we want to do is kind of identify those. Then we can link them where the user is walking through the space. Now there’s another way to view this space, we can view this space as J.C. Herz alluded to earlier that this could be challenged, so you can imagine these peaks as hard spots in the game, so it’s very easy to kind of meander between these hills, but very hard to climb one, and even when you climb one, you might take a gentle slip or go off a very steep slip. But what I’m using this for right now still is interest, so where they might eventually, in this case, trip over an interesting peak and says, “Oh, this is kind of interesting,” but they’re not constrained to stay there. I think the space is actually going to look a little more like this, where we have high plateaus with vast chasms between them. And in this case, the vast chasms between them are basically boring zones, and we want to keep them out of those boring zones. So if this is the shape of the space, the problem is how do we make this happen? I’m going to propose one possible solution, or a different direction to go in, and it’s what I’m calling story 249

parsing. If you look at language parsing, what happens is basically, you look at a single series of words, and you try build higher and higher levels of meaning from those words. This is the way computers attempt to understand English. I think there’s a possibility that there’s a technique similar to that for what I’m calling story parsing, where a sequence of actions performed by the user could possibly be used to build higher and higher level of narrative structures that the computer is trying to interpret. Now this, on top of other things, so for instance, in the Sims, I can look at what people choose to buy for their house, I can look at the interactions they choose, things they download, and get a sense also of the theme. I think the parsing and the theme really are two separate things, although I’ll plaster them together here, so the theme might be science fiction or western, the story might be boy-meets-girl. Once we have that, once the computer has some gist of where we’re going with this story, we can use that to then drive the presentation from the [AS SPOKEN] story. So in a 3D environment, the computer, at that point, can all of a sudden start taking over the camera angles, the lighting, the music, the ambient sound effects. So, for instance, if I’ve been building stuff that looks like a horror movie, the computer might decide to start bringing the lights down, start a thunderstorm, and if you bring the camera in right behind my head, start some spooky music. On the other hand, if I’m building something very light, slapstick, I might start getting a laugh track. At certain points, the computer might even be confused. It might be, you know, is that a horror, or is it a comedy? And so you could actually present events to try and clarify its understanding of what I’m doing. I might walk in the next room and there’s a chain saw and a cream pie, and it’s waiting to see which I pick up. [AUDIENCE LAUGHS] So, it can also, once it’s done that, it can start influencing the action to drive. You know, this is what I’m thinking is going to keep you back up on those plateaus. So it thinks I’m, you know, I have just a quarrel with my lover, and so the next thing it does is it sends a random NPC to my door that’s the vampish next-door neighbor. So it can actually provide events--or the phone call comes at the critical moment. So I think this, to me, sounds a lot more fun than kind of the loose, linear storytelling that’s been done so far. And, of course, at the end of this, you’ll have something that you can replay possibly as a movie. I don’t know how compelling it will be, I think, over time, it’ll become more compelling, but not only will you have played an interesting story, but at the end, you will have potentially made one, also. So that’s about all I have to say about that today. Thank you, everybody. [APLAUSOS] [ANÚNCIO]  FIM –

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Sims, BattleBots, Cellular Automata God and Go 62 A Conversation with Will Wright by Celia Pearce* CP: What is your philosophy of interactive design? WW: Ooh, a heavy question, a philosophy question. CP: It’s a big question, but I wanted to start you talking about why you design games. What is it about the format of an interactive experience that is so compelling to you? And what do you want to create in that space? WW: Well, one thing I’ve always really enjoyed is making things. Out of whatever. It started with modeling as a kid, building models. When computers came along, I started learning programming and realizing the computer was this great tool for making things, making models, dynamic models, and behaviors, not just static models. I think when I started doing games I really wanted to carry that to the next step, to the player, so that you give the player a tool so that they can create things. And then you give them some context for that creation. You know, what is it, what kind of kind of world does it live in, what’s its purpose? What are you trying to do with this thing that you’re creating? To really put the player in the design role. And the actual world is reactive to their design. So they design something that the little world inside the computer reacts to. And then they have to revisit the design and redesign it, or tear it down and build another one, whatever it is. So I guess what really draws me to interactive entertainment and the thing that I try to keep focused on is enabling the creativity of the player. Giving them a pretty large solution space to solve the problem within the game. So the game represents this problem landscape. Most games have small solution landscapes, so there’s one possible solution and one way to solve it. Other games, the games that tend to be more creative, have a much larger solution space, so you can potentially solve this problem in a way that nobody else has. If you’re building a solution, how large that solution space is gives the player a much stronger feeling of empathy. If they know that what they’ve done is unique to them, they tend to care for it a lot more. I think that’s the direction I tend to come from. CP: When you were first working on SimCity, what was going on in the game world at that time? Were you responding to games that were out there, were you wanting something different? Were there things that influenced you at all in the game world or were you just totally in a different mindset? WW: There were things that influenced me—not many though. There was a very old game called Pinball Construction Set by Bill Budge which was great. He was kind of playing around with the first pre-Mac Lisa interface, which was icon-based. He actually put this in the game, even though it was an Apple 2 game. He kind of emulated what would later become the Mac interface. But it was very easy to use, and you would create pinball sets with it which you could then play with. I thought that was very cool. Also early modeling things, like the very first flight simulator by Bruce Artwick which had this little micro-world in the computer with its own rules, kind of near reality to some degree, but at a very low resolution. But yet it was this 62

A presente entrevista concedida por Wright só foi disponibilizada no site www.gamestudies.org em 30 de julho de 2002, não havendo temo hábil para seu aproveitamento na dissertação. De qualquer forma, achei que a mesma, pelo que apresenta, deveria estar presente neste anexo.

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little self-consistent world that you could go fly around in and interact with, in sort of limited ways. CP: What kinds of responses did it give you when you did stuff? WW: It was very open-ended and I could do whatever I wanted to in it. The first thing I did was I went in and started exploring the behavior space. Trying all the different things with the airplane. What happens if I go straight up? How far can I go? What happens if I crash? What happens if I do this that and the other? So I could carry out experiments in this world. And in running those experiments I could get a more accurate view of what the internal model was. So it’s kind of a scientific process. It’s kind of a "hypothesize, experiment, change your hypothesis" type cycle that was going on. CP: Did you experience that as a play style or as research for your work? WW: I was playing with it. This was really before I started designing games. This was pretty early on. Right when the Apple II first came out, I got one. Because I was into robotics at the time, and I was coming into computers as a way to help me control my robots. So those are some of the influences. But then mostly, stuff I read. I started getting interested in the idea of simulation. I started reading the early work of people like Jay Forrester, starting with that, going forward. When I did SimCity, the games at the time really were much more about arcade style action, graphics, very intense kinds of experiences. There were very few games that were laid back, more complex. CP: They were more twitch-type games at that time? WW: Yeah, the games that were more complex were these detailed war games. I had played those as a kid, these board games. With 40-page rule sets. CP: Like what? WW: Oh, like Panzer Blitz was a big one, Global War, Sniper. CP: Were those ones with the hex-grid boards? WW: Yeah, they had a 40-page rule book, and you’d play with your friend. And it ended up being… I mean, I think it would be excellent training for a lawyer. Because you’re sitting there, most of the time, arguing over interpretations of these very elaborate rules. And you could actually combine the rules and say, "well, this was in panic mode so he couldn’t go that far." "Well, my indirect fire has a threehex radius of destruction." So you’d sit there and argue over this little minutia of the rules. And that was kind of half the fun of it—both of you trying to find the legal loopholes for why your guy didn’t get killed. So I was familiar with that stuff, but I knew at the same time that most people couldn’t relate to that at all. But yet the strategy of those games was actually quite interesting. It was interesting to have a game where you’d sit back and you’d think about it, and the model was far more elaborate than you could really run in your head. So you had to approach it kind of in a different way. CP: I wanted to ask you about this idea of experimentation as a play mechanic. That seems like a big aspect of your games, that play and experimentation are working together. WW: The types of games we do are simulation based and so there is this really elaborate simulation of some aspect of reality. As a player, a lot of what you’re trying to do is reverse engineer the simulation. You’re trying to solve problems within the system, you’re trying to solve traffic in SimCity, or get somebody in The 252

Sims to get married or whatever. The more accurately you can model that simulation in your head, the better your strategies are going to be going forward. So what we’re trying to as designers is build up these mental models in the player. The computer is just an incremental step, an intermediate model to the model in the player’s head. The player has to be able to bootstrap themselves into understanding that model. You’ve got this elaborate system with thousands of variables, and you can’t just dump it on the user or else they’re totally lost. So we usually try to think in terms of, what’s a simpler metaphor that somebody can approach this with? What’s the simplest mental model that you can walk up to one of these games and start playing it, and at least understand the basics? Now it might be the wrong model, but it still has to bootstrap into your learning process. So for most of our games, there’s some overt metaphor that allows you approach the simulation. CP: Like? WW: Like for SimCity, most people see it as kind of a train set. You look at the box and you say "Oh, yeah, it’s like a train set come to life." Or The Sims, "it’s like a doll house come to life." But at the same, when you start playing the game, and the dynamics become more apparent to you, a lot of time there’s an underlying metaphor that’s not so apparent. Like in SimCity, if you really think about playing the game, it’s more like gardening. So you’re kind of tilling the soil, and fertilizing it, and then things pop up and they surprise you, and occasionally you have to go in and weed the garden, and then you maybe think about expanding it, and so on. So the actual process of playing SimCity is really closer to gardening. In either case, your mental model of the simulation is constantly evolving. And in fact you can look at somebody’s city that they designed at any point and see that it’s kind of a snapshot of their current understanding of the model. You can tell by what they’ve done in the game—"Oh, I see they think this freeway is going to help them because they put it over here." So it gives you some insight into their mental model of the game. CP: What’s the underlying metaphor of The Sims? The less obvious one, the garden-level one? WW: That depends on how you play the game. For a lot of people, the mainstream game is more like juggling, or balancing plates. You start realizing that you basically don’t have enough time in the day to do everything that you want to do. And you’re rushing from this to that to this, and then you’re able to make these time decisions. So it feels very much like juggling and if you drop a ball, then all of a sudden, the whole pile comes crashing down. But other people play it differently. So it’s kind of hard… with The Sims I’ve thought about that, and it’s not as clear to me what The Sims is. I think that SimCity has a more monolithic play style, once people get into it, than The Sims does. In The Sims people tend to veer off in a different direction. Some people go off into the storytelling thing. So eventually the metaphor becomes that of a director on a set. You’re trying to coerce these actors into doing what you want them to do, but they’re busy leading their own lives. And so you get this weird conflict going on between you and The Sims where you’re trying to tell a story with the game but they want to go off and eat, and watch TV, and do whatever.

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CP: Like real actors. WW: Yes, exactly. Kind of like little actors who just won’t do what you want them to do. CP: So this brings me to the next question. What have you learned from players and how does that change your games? I mean, you’re saying that you have a metaphor in your mind, but then the players introduce new metaphors to it. And what really interests me is the way that the next generations of the game have started being responsive to what players are doing. Could you talk a little bit about that? WW: That’s something that’s evolved over the last ten years primarily because of things like the Internet. The bandwidth of communication from our players back to us has increased tremendously from where it was about ten years ago. When we did SimCity 2000, which was the next version of SimCity, we collected all the letters and suggestions players sent in and I read through all of them. There were about a thousand of them. It was a really good resource, and we got a good sense of what people wanted out of the next version of SimCity. Right now for The Sims, I could access that much feedback on a weekly basis by going on the Net and looking in the right places. For us there’s an issue of, how do we go through all this feedback? But at the same time, we also started leaning more on our own web sites, where we give people the ability to post stuff up. We have The Sims Exchange. People can tell stories, upload their families. Right now I’m doing some pretty serious data mining of all those families that have been uploaded to our Exchange—looking at the average family composition, what they tend to do in the game on a daily basis. I’m actually graphing kind of a gameplay landscape. CP: So you’re making a model of the model. WW: (Laughs.) Yes. I’m trying to basically chronicle the average model that the players have made in their heads. It’s like cultural anthropology. Already it's having a huge impact on what we do with our expansion packs and the next version of The Sims. We’re getting a sense of when people like to play the house building game vs. the relationship game, and what types of families they like to create, what objects they like the most. Eventually, in the not too distant future, we’re working towards having this be dynamic on a daily basis so the game in some sense can be self-tuning to each individual player based on what they’ve done in the game. That’s what I think is going to be really interesting slash kind of scary[sic]. Because I can see a really clear path to getting there. You look at what a million people have done the day before in a game, have all that information sent up to your server, do some heavy data analysis, and then every day send back to all these games each with its own new tuning set. CP: So this would be The Sims Online where everything is going on at the server level as opposed to individual machines. WW: No, this could be for just the next version of The Sims. CP: As long as you have a way of collecting the data from the people. WW: Right, and they could easily opt out if they want to turn it off. But for the most part they could still be playing a single player game, it’s just that every time they boot it up it goes to our server and asks for the new tuning set. And when they finish playing every day it sends back the results of what they did. So they’re still playing a single-player game, but it’s individually tuning itself to each player. You 254

know based on your preferences, but also based on the parallel learning of a million other people. So you might discover things. Or somebody might actually initiate a sequence of actions on their computer in a very creative way and the computer might recognize that, send it up to the server, and say: "Wow, that was an interesting sequence, and that person likes doing comedy romances. Let’s try that on ten other people tomorrow. If those ten people respond well, let’s try it on a hundred the next day." So it could be that the things aren’t just randomly discovered, but they’re also observed from what the players did specifically. CP: At the Entertainment in the Interactive Age conference in January 2001, you talked about your model for player-generated content-creation. You talked about high-level people who do skinning and level-building. Then you have people that are good at storytelling, storyboarding and family creation. So now you’re inserting another level of kind of allowing the players to unconsciously affect the game design. It’s like a procedural game design system, like the game is almost designing itself, or evolving itself? Is that what you’re talking about? WW: Roughly, yes. And I’m thinking that some of that will be just standardized hill climbing behavior where we’re trying to optimize variables for a particular player type. But another component could be that players do some very specific scenario or sequence of action that the computer recognizes, and says, "Hey, that’s kind of an interesting little sub-plot. Let’s try that out on some other people." At that point, the computer is just sharing interesting things from one player and trying them out on other players. So in fact you have the players kind of cross-pollinating their creativity with each other, but it’s transparently mediated by the computer. They don’t even know whether the computer came up with this, or some other player in Oklahoma, or what. They just know that the game is doing something different today than it did yesterday. You know what’s kind of interesting is right now with the storyboarding function, we’ve got players trying to reverse engineer a static model onto the computer for the most part. And in that case you’re going to have a model on the computer that’s always changing, so it’s adapting as the player’s adapting. Because basically there is this adaptive system, which is the player, slowly approaching this model on the computer, getting closer and closer in their mind to understanding the way that model works. But now you’re going to have these two models, the player model and the computer model, kind of chasing each other around. So as the player gets closer and closer to understanding the computer model, the computer will be changing into something else in response to the player’s actions. So, it’s kind of like the dog chasing its tail in a way. CP: Did you see Dark City? WW: Yes. CP: The way they redesign the city every night while the people are sleeping? In the same way, it was responding to what the people were doing and then reconstructing itself around that. WW: Yeah, they were experimenting on the people, right? They were trying to find out, what would this person do in this situation? What would they do if they thought they were a murderer?That’s why it’s kind of scary. Because when you think about it, you’ve got this behavioral laboratory really, that you could probably get a lot of interesting insights out of. And this is way down the road, but I’m curious how deep that analysis could go.Let me show you something: Remember Randy Pausch 255

(from Carnegie Mellon, who spoke at Entertainment in the Interactive Age? I had two of his interns, Russ Schaaff and Kevin AuYoung, over the summer and I had them doing this work. They were the ones that were analyzing all these files that I talked about earlier. This is from our Intranet site. (Fig. 1) This is actually a view of 3,000 players and how they played the game. The vertical axis shows how much they spent on their house, roughly. We were just trying to get rough ideas. The horizonal plane on the bottom is how much money they had in the game. And at the top we see how much social success they had, how many friends and lovers and whatnot. The color indicates how many days they’ve been playing. So blue when they first start. Red is they’ve been playing a long time. Etc.

Fig. 1: Diagram showing play patterns for The Sims over time. So everybody’s starting right about here in the blue area. Now here it’s sort of peeling back the layers and you’re getting a sense of what the more mainstream play pattern is. But basically you can see that there’s kind of this trajectory that’s fairly close, there’s not a lot of variance in it. You can see the area that represents the house. So typically people build up their house, build up the house, and then at some point they just kind of level out. And there’s definitely some point they reach

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where they don’t really care about the house anymore. But that’s when they’re really fanning out on the social. So you can see there’s tremendous variety in the social approach here. People tend to be much closer in terms of… they want to build a big house, they want to build a big house. But on the social side, some people just end up with no friends, and that’s all they do is just build up a big house. Other people are way way over on the friends side. So this is just one view into this, and then we’ve got total days played, etc. This is the type of stuff that we’re analyzing. Like the most common Zodiac signs chosen.)

Fig. 2: Zodiac signs selected for Sims characters.

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Fig. 3: Family size ratio for Sims characters.

Fig. 4: Gender ratio of Sims characters. 258

Fig 5: Employment status of Sims characters. WW: So this is the type of thing we are tracking. The adult-to-child ratio. Male-tofemale. Oddly, more males, which surprised me. Average number of family members selected. So two is the clear winner. And then we did that by personality types. Careers chosen. Employment status. Stuff like that. CP: That’s great. Why do you think so many people chose Cancer? WW: Oh, actually, in The Sims the Zodiac types were representative of what position you had on the personality sliders. CP: Right, because you could either make your own or you can click on a sign and it would automatically generate one. WW: Yes. So you can think of it as this five dimensional space, because you have five personality sliders. And then we divided that five dimensional space into 12 equal size regions within that space. If you set all the sliders the personality to five, that region is Cancer. CP: That’s interesting. Have you looked at any other personality models, like Myers-Briggs or anything like that? WW: Oh, yes. CP: Have you used that, or have you just studied them for research? WW: Actually, I have this great book. I’ll show you. Out of print, but you can just flip through it. CP: Maps of the Mind by Charles Hampden-Turner (1981). Very cool. WW: Just thumb through it. It’s got like a hundred theories of mind, and each one has a one-page picture and a one-page description. So you can just thumb through

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it and get a sense of how many different ways people have tried to slice up the human mind. CP: This is a gold mine for people doing AI and artificial character work. WW: It’s useful because it shows you how there’s not just one approach. That’s what this really emphasizes. Each one of these captures some aspect of the reality. The key is not to take any one approach to literally. Or as the gospel. CP: But they could be useful in modeling different aspects. Let’s shift gears a little here and talk about your favorite games. And not just limiting it to computer games, but any games you like. What’s your favorite game? WW: My favorite game by far probably is Go. The board game. CP: That’s no surprise to me. WW: (Laughs.) That game is just so elegant in that it’s got two rules really, one of which is almost never used. But yet from those two rules flow this incredible complexity. It’s kind of the board game version of John Conway’s Game of Life, the cellular automata game. It’s not dissimilar. CP: That brings up another question. I’m interested in how you work with abstraction. Because in order to model things of course you have to simplify and abstract them in certain ways. In the response you wrote to Ken Perlin’s chapter in 's First Person: New Media as Story, Performance and Game (MIT Press 2002, Noah Wardrip-Fruin and Pat Harrigan, eds.), you talked about Scott McCloud's theory of character from Understanding Comics. In games, as in comics, you were saying you want to simplify the characters and abstract them a little bit so that the players can then project themselves onto them and have more a sense of their creative impact. In terms of abstracting models, how do you deal with that? WW: Especially right now with current technology, there are a lot of limitations in terms of what we can do with character simulation. So, to me that seemed like a really good use of the abstraction because there are certain things we just cannot simulate on a computer, but on the other hand that people are very good at simulating in their heads. So we just take that part of the simulation and offload it from the computer into the player’s head. (laughs) So you know, it’s parallel processing of a sort. Then you know there are these tricks about, "Okay, so how do you do that?" One thing that we found in playing with The Sims is that it’s pretty important that you have a consistent level of abstraction. It doesn’t make sense to have everything highly detailed except one aspect and then have it abstracted. So in fact you want the entire world and the entire representation to be abstracted at almost the same level. At which point it holds together very nicely. It’s kind of hard for you to go into a system and then be filling in the blanks of this one component, while everything else is highly detailed. So in The Sims, even the building is fairly abstracted. You can only put a wall within about a meter. The objects are somewhat abstracted in terms of selection: you don’t have the full selection that you would really have in a furniture store. The granules of interaction in the game are kind of abstracted. So having that consistency, in your head, you fill in the blanks really well. And this is something that kids do quite well of course. You watch kids playing with toys. They’re doing it all the time, very naturally. And even adults are doing that much of the time, with reading books, for example, where there are a lot of blanks to be filled in.

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CP: When you brought up Go, I thought this was a good jumping off point for this question because it is so highly abstract, and yet it’s so deep at the same time. WW: I never even really thought of Go as an abstraction. It’s funny that I haven’t because it’s more abstract than Chess certainly. But what really impresses me about Go isn’t so much the abstraction as the emergence. The fact that it’s one of the most amazing examples of emergent behavior I’ve ever seen. And it’s so clear and simple and you can just see before your very eyes that these simple little rules give rise to this incredible strategy. I mean it’s just so apparent. They pulled away everything that has nothing to do with emergence, and all that’s left is the emergence of the game. CP: And how does that map to your idea of mental modeling? The model you build in your mind. When you play Go, how do you see the relationship between those two things? WW: In Go, both players have a model of what’s happening on the board, and over time those models get closer and closer and closer together until the final score. At that point you have a total shared model of, you know, "you beat me." (Laughter.) Up until that point, though, there’s quite a large divergence in the mental models that players have. Especially if you ask them what the score is, or "How are you doing?" They’ll frequently say, "I’m doing pretty well, here," or "He’s whipping me." Or that backwards thing, "Oh, he’s whipping me," when really you’re the one winning. And it really comes down to how each person is mentally overlaying their territories onto this board. In each player’s mind, there’s this idea that "Oh, I control this and they control that, and we’re fighting over this." They each have a map in their head of what’s going on, and those maps are in disagreement. And it’s those areas of maximum disagreement where the battles are all fought. You play a piece there, and I think "Oh, that’s in my territory, I’m going to attack it cause you’re in my territory." Whereas you’re thinking, "Oh, that’s my territory, you’re invading me." And finally, the battle resolves that in our heads, and then it’s pretty clear that, "Okay, that’s your territory and that’s mine." So the game is in fact this process of us bringing our different mental models into agreement. Through battle. CP: Through disagreement. (Laughter.) I was just flashing on, when you said that, the UN World Racism conference and their inability to bring their models of the world into agreement. (Laughter.) WW: Yeah, I guess that’s the basis of so much conflict, where these people have these totally different mental models of what the world is or should be, what’s appropriate, what isn’t, who the bad guys are. So you’ve got these people out there with all these different models. Sometimes that’s good, I mean, you know, diversity of thought. A lot of people have talked to me over the years about community modeling. But not so much as a modeling tool, but more as a communication tool, using something like SimCity where people get involved in a planning process and get a sense of their community or the environment or whatever. Where the purpose of the model in those cases would be to come to a shared agreement about what the model is. We did a project actually several years ago called Sim Health for the Markle Foundation in New York. It was a simulation of the national healthcare system, but underneath the whole thing, the assumptions of the model were exposed. And you could change your assumptions, for example, as to how many nurses it takes to 261

staff a hospital, or how many emergency room visits you would have given certain parameters, etc., etc. The idea was that people could kind of argue over policy but eventually that argument would come down to the assumptions of the model. And this was a tool for them to actually get into the assumptions of the model. When people disagree over what policy we should be following, the disagreement flows out of a disagreement about their model of the world. The idea was that if people could come to a shared understanding or at least agree toward the model of the world, then they would be much more in agreement about the policy we should take. CP: So in a way, a system like that could be used to externalize mental models and create a collective model. WW: Yes, exactly. Which I think could have value, but at the same time I like this idea that there’s this diversity of models out there. CP: Well, I think if you have a shared model, it’s not so much like you all have the same mental model, but that you have an externalized model that everyone agrees to abide by. WW: Yeah, which is exactly the way science works. CP: When you were talking about Go, I was thinking that when you create a mental model of the environment as it is now, you’re also creating a model of how you want it to be. So in Go the mental models have to do with imagining where the players want the game to go, right? WW: Right. CP: And then as the game fills itself out, as the emergent properties come forth… WW: …and of course part of that model is modeling what the other player is likely to do. "Oh, I think they’re going to play very aggressively, therefore, my model of them says that this would be the optimum strategy." CP: So that’s interesting, because there’s also this aspect of imagination, which you alluded to earlier. And that sort of brings me back to a question about SimCity and The Sims. Each of those games has a different level of abstraction from the other. You can really see the different choices that are made in terms of design. But in terms of this modeling idea, you briefly alluded to the use of The Sims from a directorial standpoint as a storytelling tool, and that in a way, there’s a little bit of a dynamic that goes on because the game doesn’t want to be, the characters don’t want to be used that way necessarily. So I’m just curious how you grapple with that. I mean you’re obviously taking that into account. Are you making a way to use the game as a storyboarding tool, or continuing to play around with the tension that the characters are kind of resisting that kind of control? WW: It’s actually very interesting in The Sims how the pronouns change all the time. I’m sitting there playing the game and I’m talking about, "Oh, first I’m going to get a job, then I’m going to do this, then I’m going to do that." And then you know when the character starts disobeying me, all of a sudden I shift and say "Oh, Why won’t he do that?" or "What’s he doing now?" And so at some point it’s me kind of inhabiting this little person, and I’m thinking, "It’s me, I’m going to get a job and I’m going to do x, y, and z." But then when he starts rebelling, it’s he. And so then I kind of jump out of him, and now it’s me vs. him. You know what I’m saying?

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CP: Yes, I do. But one of things that interests me about the game is that you have these semi-autonomous characters. They’re not totally autonomous, and they’re not totally avatars either. They’re somewhere in between. Do think that’s disorienting to the player, or do you think it’s what makes the game fun? WW: I don’t think so. I mean it’s interesting. I’m just surprised that people can do that fluidly, they can so fluidly say "Oh, I’m this guy, and then I’m going to do x, y, and z." And then they can pop out and "Now I’m that person. I’m doing this that and the other. What’s he doing?" And so now he’s a third person to me, even though he was me a moment ago. I think that’s something we use a lot in our imaginations when we’re modeling things. We’ll put ourselves in somebody else’s point of view very specifically for a very short period of time. "Well, let’s see, if I were that person, I would probably do x, y, and z." And then I kind of jump out of their head and then I’m me, talking to them, relating to them.

CP: I notice that when I play, I usually don’t necessarily start out with a main character. But I find that invariably one of the characters in the family becomes the main character in my mind, and they become the person that I’m concentrating the narrative around. I’m sure that people have different ways of doing it. I move between the characters and the houses and stuff, but I always find there’s one house, and one person that ends up being the main person that I’m wrapping things around.

WW: Well, I think that’s the more theatrical approach, because that’s the protagonist of your story. The other characters are important, but really that’s the one that you’re empathizing with the most. You’re really getting into their head. I’m kind of surprised that that works out so well, because when we were originally doing the game, there was a lot of debate about whether there should be one significant person in the game, or whether it should be the whole family. But we started playing the game and watching people playing, and people seemed to have no problem with jumping from character to character, and then having the ones they weren’t playing just become autonomous. CP: I’ll jump from house to house. I’ll play one family for a while, then I’ll reboot the game and go to another house and do stuff with that family relating to the first family. But I’m always doing it to facilitate the main character. Like, I’m trying to get this couple together. And I know in order to do that, I need to get her to come over to his house, or him to come over to her house. So I have to go to her house, to play her for a while, in order to make that happen. It’s just this spontaneous thing that happened. But what happens for me is that I start setting goals for the characters. Part of it is what they say, what they want. Like if a character wants a boyfriend or a girlfriend, for example, then you go "Oh, well, I better do that." And then that sort of sucks up all the focus. WW: What’s interesting is that people will pursue different goals. Like a goal for me might be to have this guy (demonstrating with toys on the table) be really happy, and I’m doing this stuff to make him really happy. And then I’m going to have another person come into the house, and I’m going to have this person clean up and do all the dirty work, so that that first person can be happy. Or, I’m doing them

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both kind of together as a team, to make the family succeed. And so then it’s kind of a specialist model. You do what you’re good at. And it’s for the greater good. It’s for the whole ensemble, for the family itself. And so there are different kind of goal structures you can overlay on this. Have you seen this toy? There’s this toy that I have at home that’s really cool. It’s this German toy called Rockenbok (Fig. 7). And it’s these little radio-controlled trucks. I’ll try to find a picture of it. (Goes on the web.) There’s this little deck that looks kind of like a PlayStation. So you’ve got these little truck-like things. Some of them have like little scoopers and stuff. You drive them around. They’re all radiocontrolled. But you have this deck that actually takes little control pads, like a PlayStation. So you can have up to four controllers plugged into this deck, and each little truck has a number on it. And so on your control pad, you just punch in number 2, and now you’re driving number 2. At any time, you can switch to a different truck.

Fig. 7: Rockenbok toy system (www.rockenbok.com) CP: But you can only drive one at a time? WW: Only one at a time, and only one that nobody else is driving. And so you might have three of these little trucks sitting there, from one to three. And you and I might be playing it. I might go to number 1, you go to number 2. We’re doing something. All of a sudden, I switch to number 3. Now you can go to number 1. So they’re like little avatars. And it’s really interesting to watch kids play with this because their identity is so fluid from truck to truck. And it’s really interesting the

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situations they get in. They always end up pushing and fighting with these things. So, you’re about to push me off the table, so I go to number 3 really quick and come up behind you, and all of a sudden, you see that I’m attacking so you turn and face me. You’re very cognizant of which avatar I inhabit, even when I change. It’s like The Sims in a way. CP: But do they switch goals? Like when they move to another vehicle? WW: Well, you very fluidly can go from kind of competitive to cooperative and back again, which is also what interests me about it. One of the things we’re doing for The Sims PlayStation version that we’re working on now, which is kind of cool, is that there’s going to be a two-player mode. So it’s going to be the same kind of control system as the Rockenbok where you can go take over any uninhabited character. So there might be four Sims in this household, and only two of us playing. But I can pick which character I’m controlling right now and you can pick yours. And so I might get this person doing a bunch of stuff, and then switch over to that one. Or I might go up to your character and might actually do face-to-face, person-to-person interaction. Or we might work cooperatively, both controlling our Sims towards a goal, or competitively, for example, where we’re both trying to make the neighbor fall in love with us. Or whatever. The same type of thing. CP: That’s interesting. When is that coming out? WW: The Sims PlayStation? Not for a long time. (Laughter.) CP: It’s good to be vague about these things. I saw The Sims Online demo at E3 (Fig. 8), and that’s going to be coming out in 2002. I’m curious about making the transition from a single player to a multi-player networked experience and what kind of new ideas are coming out through that shift. WW: That’s going to be a very different game, because there’s no autonomy behind the characters at all. They’re total avatars. We’re trying to design the game with a very social focus, obviously. CP: How do they communicate? WW: You actually can do text back and forth, you know just regular chat. CP: Do they still talk Simish? WW: I haven’t decided yet. Probably, something like that. CP: So when you type in, they might speak Simish, but it’ll be like having subtitles. WW: You’ll actually see a little text balloon up above their head.

With that we’re trying to design a lot of the interactions and the goal structures within the game to be based on the social landscape. Many of the objects cannot be used by just one person. They have to be used in a group. Which gives a lot of reason for people to bring new members into or form a group.

CP: Like the little factory machines I saw in the E3 demo? WW: Right, so we have these kind of different levels of group structure, starting with a few people on this one object, to a five or six people living together in a house, building a shared environment, to thirty of forty people doing a neighborhood with some theme, to hundreds of people running a larger club. Each one of these relates to the levels below it. So there’s this social hierarchy of sorts,

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but at the same time each level wants to be fairly fluid in terms of the way it’s making new links and changing its configurations. CP: And in The Sims Online each person has one character that they control all the time? WW: Right.

Fig. 8: Screenshoot from The Sims Online (release date: 2002) CP: So you don’t do that identify swapping thing as much? WW: Not as much. You can actually create more than one character, but when you’re really into the game playing, you don’t switch. CP: There’s a chapter in my book (The Interactive Book: A Guide to the Interactive Revolution—Macmillan, 1997). called "God Plays Dice with the Universe," and I talk about the idea that writers want to be one kind of god, and game designers want to be a really different kind of God. (Laughter.) CP: And so the question is this: If you were a God what kind of a God would you be? What would your philosophy of creation be? WW: What kind of God would I want to be? Ooh. CP: Like a screenwriter is like a deterministic God. They control the outcome of events. WW: Oh, I see, yes… 266

I would try to be a God that surprised himself. (Laughter.) I think being the all-knowing God would be, you know, hell. CP: Because I mean what you’re doing here in a way is really kind of that. It’s creating a mental model of the whole universe. WW: At some level I want people to have a deep appreciation for how connected things are at all these different scales, not just through space, but through time. And in doing so I had to build kind of a simple little toy universe and say, here, play with this toy for a while. My expectations when I hand somebody that toy are that they are going to make their own mental model, which isn’t exactly what I’m presenting them with. But whatever it is, their mental model of the world around them, and above them and below them, will expand. Hopefully, probably in some unpredictable way, and for me that’s fine. And I don’t want to stamp the same mental model on every player. I’d rather think of this as a catalyst. You know, it’s a catalytic tool for growing your mental model, and I have no idea which direction it’s going to grow it, but I think just kind of sparking that change is worthwhile unto itself. CP: But you’re more interested in setting up the rule space and letting the outcome evolve with the player’s experimentation. WW: Right, I mean what I really want to do is I want to create just the largest possibility space I can. I don’t want to create a specific possibility that everybody’s going to experience the same way. I’d much rather have a huge possibility space where every player has as unique an experience as possible. CP: One of the things that I think is interesting about what you do as a role model for interactive designers it that you enjoy the unpredictable outcome. When people do things that you didn’t plan on, that seems to be something that you embrace. WW: To me, that feels like success. CP: One of the big arguments around narrative in games is the issue of control. It was something that came up at Entertainment in the Interactive Age. People that come from the "narrativist," or the "narrative fundamentalist" school, think that the storyteller’s job is to control the story. Whereas you’re taking the approach that you want to have very little impact on the outcome of the story. You want the players to find their own story through their own experimentation. WW: I would much rather build a system where the players are in more in control of the story and the story possibilities are much wider. For me the size of the space is paramount. Even if it was between the player controlling it or it being random, I still would want larger space in either case. CP: There’s this whole discussion about "the code," the rule set as its own work. As an "artist" or a creator, what you do is you create these rules sets. But the final outcome of the thing that gets made is a collaboration between you and the player. When you think about making that possibility space, how do you negotiate between freedom and constraints? In other words, do you have any kind of criteria for how you break that down? WW: That’s a good question. Because I think you could always make the possibility space larger at the expense of the plausibility or the dramatic potential, or the quality of the experience. There’s probably some relationship between the

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quality of the experience and the size of the possibility space. So we can make the possibility space huge, just by giving the player a thousand numbers. And "Here, you can make any one of these thousand numbers whatever you want it to be." That’s a big space. It’s just not a very high quality experience. So we start wrapping graphics, sounds scenarios and events around those numbers, and we’re increasing the quality of the experience you have. It has more meaning to you. In some sense it becomes more evocative. You can start wrapping a mental model around that, as opposed to this pile of numbers. CP: So it’s the craft of trying to figure out how tight to pull in the constraints, and then how much space… WW: Well, actually, the way to put it is that I’m trying to build the maximum possibility space in your head, not on the computer. (Laughter.) Okay. Because the possibility space on the computer is just a huge pile of numbers, but as far as you’re concerned that pile of numbers is the same as another pile of numbers. Whereas when you get sounds and people and events hooked up to it, all of a sudden, you’re mental model starts to take form. And one set of numbers can be vastly different from another. So it has an entirely different meaning in your head. I think what we’re trying to do is build the maximum possibility space in your imagination when you’re playing the game. CP: The interesting thing though is that there are constraints and that the rules are consistent. So within the possibility space, I can’t turn The Sims into EverQuest. It doesn’t have that much possibility space. It has it’s own consistent worldview. WW: Well, there’s the possibility space and then there’s the topography of that space. And the topography is what can plausibly happen from one moment to the next. If the screen is just randomly changing from second to second, it has no meaning for you. So that space is entirely connected to the topography. CP: So, to use a film cliché, it’s this whole idea of suspension of disbelief, that if you’re making a world, you need to make sure that the world has efficacy within itself, at whatever scale or level of detail you’re crafting it. WW: Yeah. And then later, you’re going in and also saying that we want it to have challenges in the space that are visible, attainable. But at the same time, ever increasing. It’s a fairly interesting landscape in that there are a lot of peaks in the landscape, some are very high, some are very small. You can have small successes. You can plan ahead and say, "I think I can get to the top of that." Other times you’ll say "I think I can get to the top of that peak," and halfway up, you’ll discover a cliff face, and you’ll have to go around. And so there’ll be unexpected terrain features that you encounter in the space. CP: But the trick is that you don’t want to throw in a curve ball that sends someone mentally out of the model, right? WW: Right, there is definitely the believability and the plausibility of the space. If the space starts becoming totally disconnected and random and things are happening for no reason, again, your mental model will start breaking down. Really what’s happening in your head is what matters. And so when this computer starts not being connected and not being plausible, that’s when your mental model starts to evaporate. I think that’s the main reason for keeping the topography somewhat consistent.

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CP: There was a story that Espen Aarseth, the editor of the Game Studies Journal, told about playing Ion Storm’s Deus Ex and having basically lost the use of his legs in a fight. And then there was a cut scene that’s part of the game… it’s not a cutaway but it’s a linear sequence in the game engine… where suddenly he was standing up. WW: (Laughing.) Oh, okay. CP: And it really annoyed him because in his mind, he had been shot, and he couldn’t stand up. So it was the same thing—it pushed him out of the game because it had violated his mental model of the world. WW: Right. But then at that point, your model becomes more explicit. In other words, now you’re not thinking about the game, you’re thinking about "Oh, I see, this is a cut scene, and they pre-rendered that," so you’re modeling the engineering of the game, not what’s happening inside the game itself. So it just makes you pop up to a higher level where you’re modeling the game engineering. CP: Right (Laughter..) I’ve been talking to people a lot lately about the idea that we now have this new genre of experience where consumption and production are synonymous. So in a game like EverQuest or The Sims, where the consumer buying the entertainment is buying the ability… WW: …to produce…. CP: …their own entertainment… Ken Perlin came up with the term "conducer" to describe this kind of hybrid consumer/producer. What do you think, in terms of a model of the media universe, in terms of going from that broadcast and cinema idea of consumption into this consumption/production hybrid? Where do you think that’s going? I mean where do you see it going with your work and in general in the game industry? WW: I think the Internet’s probably the prime example of that. I think there are going to be certain types of new media where this is the natural form of interaction, a smooth ramp from consumer to producer. CP: Like what? WW: Well, film, television. I think right now, it comes down to how steep maybe the ramp is. Because I think you have this kind of natural progression in all media between a consumer and an author, a producer, a designer. And it’s a matter of the granularity of the levels of involvement as you climb the slope. And so I can sit there and watch movies and watch movies and watch movies, and I can pull out my little camera and start making movies, and that is becoming much more accessible to the average person. Maybe it’s not a good movie, but I can make some stupid little movie and put it on the Internet and maybe George Lucas sees it and gives me a phone call. That possibility exists more now than it did twenty years ago. But still that’s a fairly large jump for me to pull out my camera and start doing something. CP: But it’s still one person making something for someone else to see. Whereas you’re doing something where the consumption and production are the same. WW: I see what you’re saying. It’s a different activity. CP: Yes. In The Sims, you are both consuming and producing at the same time. You’re not going back and forth between "now I’m audience, now I’m filmmaker." You’re both. And then you can sort of shift in this range that you’ve created which is, "I can put my storyboard on the web or I can post my game or I can take my 269

skins and make them available to other people." So you’ve developed this interesting economy of content. WW: In some sense that’s not so new really. I mean you look at people doing model trains. And they’ll sit at home, playing, "I want to play with my model train." In the course of that, they build up this elaborate model, and then at some point, people come in and start photographing this amazing thing they’ve built. And then you buy a book about model trains and that person’s train set is in the book. There are so many forms where at some level. Well, maybe there’s this bandwidth issue of how visible is this thing I’m creating to the outside world? The tools for making it more visible are advancing hugely. Especially if it’s electronic content. CP: The distribution. The web gives you the ability to distribute in different ways. But also I think it redefines the relationship between the audience and the creator. WW: But I wonder, with all the creative endeavors that people go through, how many people would still be doing these things if there was not a single person to ever see what they created? Whether it’s a souped-up Chevy Hotrod, or whatever. CP: But in a way, you’re also referencing the hobby culture, which has always been its own pop culture creativity space. WW: Or crafts, or art. You know, drawing, comics. A lot of writing people do. I think we have the tools now to design new media totally with this in mind. It’s kind of like role-playing, it’s like going to the Renaissance Faire. I go to the Renaissance Faire, and I dress up, and I go there to have this experience, but at the same time I’m part of the experience. People look over and see me dressed up, wearing my sword, and so I’m both the consumer and the producer in that environment. CP: That’s a great example. Also what I like about the Renaissance Faire is that part of the economy of it is that you buy into the participation. So you know, you buy a costume or you learn a craft. WW: You feel like an actor. CP: You can come in at the sort of tourist level but then you can come in at higher and higher levels of involvement. WW: Right, it’s a very granular progression, a very smooth ramp. With something like The Sims, it’s meant to be a very smooth ramp. I buy this game and it might be a while before I tune into the web button, but it’s real easy and so I don’t really have to go out of my way to share my experience. As opposed to somebody who’s doing a home page, where they have to actually figure out how to deal with their ISP. Or the film thing, where in fact, I have to actually pull out my camera and start doing work to make the film. CP: Yes, and it seems like what’s also nice about The Sims, as opposed to something like EverQuest, for example, is that you don’t have to do it in public until you’re ready. WW: Right, right. So you can practice a lot. Yes, that is very important. Sports are the same way. There’s probably a big crossover in sports, where people maybe will spend a lot of time practicing at something and then going to play a game in a more public context…. CP: It’s rare that you have an experience that has a flow between a single user and a group experience. Especially as the more multi-user aspects become available, it will be interesting to see how people flow between the solo and the group environment. 270

WW: Right. You know, I do BattleBots with my fifteen-year-old daughter, and that’s the same way. We do this because we like building these things and we love meeting the other people and doing with them. And for the first few years, there was just a very small group that would show up. And mostly you were going there to meet the other people and fight their robots. At some point, kind of on top of this whole thing, television became aware of this and came in and started making it into a big television show. And in fact it’s now the second highest rated show on Comedy Central. CP: It’s so great. I was watching it last night. WW: Well you know what it’s like, then. I mean it’s very hyped up, but yet there’s this whole big television audience that watches it now, which is overlaid upon this smaller group of hobbyists who were just doing this for the hell of it. CP: So it’s become a spectator sport as well as a hobby. WW: Right. And so it’s great because for the longest time people were, you know, trying justify to their spouses why they had to spend $3,000 on these machines that are going to get destroyed. But now most of the people that are seriously into this earn quite a fair amount of money doing it. Easily enough to pay for all the robots, and then some. CP: That’s great. Have you guys got a new robot? WW: Yeah, I’m just actually finishing up a new one right now. CP: What’s it called? WW: It’s named "Misty the WonderBot." Because everyone else has all these tough sounding names like "the Eviscerator " or "Death Machine"… CP: Are you working with your daughter on that or are you doing it on your own? WW: Well, she’s got her own robot that she’s had for the last couple years, and I’ve been meaning to build another one for me. CP: Her's is called… WW: ChiaBot. It’s this big, robotic shrub.

CP: I think I’ve seen that on one of the news clips you guys were on.

WW: It’s fun for her, though, because she’s getting used to having this media exposure and getting a sense of the way media works. Because people want to interview her and stuff like that. CP: There aren’t many girls. WW: No, there’s actually one other girl her age. They’re both close friends. Matter of fact, her father and I have started this little side thing. We’re doing kind of like movie making stuff over in Berkeley. CP: Oh right. Yeah, how’s that going? WW: We’re doing some toy design stuff, just getting our feet wet making our films, and doing our battle robots over there. CP: Tell me about the film projects. WW: Well, we have two projects. The one we’re doing now is being done with little miniatures. It’s an artificial intelligence story set in feudal Japan. It’s about this robot that was invented by this blacksmith, entirely mechanical, no electronics.

CP: How big is it?

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WW: Well, the puppets themselves are about eight inches tall. We’ve actually built this entire Japanese village at that scale. And that’s our set. It’s kind of miniatures but it’s supposed to be full scale. And the robot is, roughly, a little bigger than a person. But it’s all about the way people relate to this machine, the way they project themselves into it. The robot is entirely neutral… behaviorally. Entirely predictable, entirely deterministic, entirely neutral. Kind of a Being There type of thing (referring to the Jerzy Kozinski novel that was made into a film starring Peter Sellers.) But everybody that comes up to the robot interprets the robot’s actions based on their personality. So if they’re curious, then they think "Oh, I see he’s curious." And so the robot’s kind of a personality mirror, and that’s what the whole thing is about. CP: Is this a feature? WW: Actually, we’re thinking about it in terms of television right now. But we’re just going to see. It’s kind of just more for us to learn techniques and all that. CP: What else is your daughter interested in? WW: Well, she’s really into Japanese anime. She’s been showing me some of this stuff that is really amazing. There’s this one called Serial Experiments Lain. It’s got so much of The Matrix in it, and what’s interesting, is then you realize that it was made three years before The Matrix. Except it’s much more twisted than The Matrix.Kids today are so much more visually literate than they were just ten years ago. And visual literacy is just going up at this accelerating pace. So the visual density that you can put on somebody is probably a lot higher right now than we’re seeing. You actually see it more in commercials than anywhere else. CP: That’s interesting in terms of what you do. I’m really interested in this idea of game literacy, that kids are used to certain things, like what you talked about earlier, switching characters or dealing with autonomy or semi-autonomy or different points of view. Do you think there’s a kind of a game literacy that kids have as well? WW: I think that time is an interesting component because with games you can relate to time in a totally different way than in linear media. I can always back up, load my old saved game. I can pause whenever I want to, etc. You’re starting to see little bits of that popping into linear media. Did you see Memento? CP: Yes. Or Run Lola Run. WW: But those films feel kind of like a square peg in a round hole. You know, it’s an interesting exercise. CP: But it’s still a device of linearity.

WW: Yes, no matter what you do it’s still going to be a linear presentation. You know, even if they’re chopping up time or going backwards or whatever. It’s still a linear presentation.

CP: But isn’t it funny how in games, no-one’s really experimented with time in that way. I mean it’s natural in the game vocabulary that you can go back, and you can save and you can replay and that you can be reincarnated and all this other kind of stuff, but it tends to be the game experience happens over a linear time flow. It doesn’t jump around. I mean even something like Zelda: Majora’s Mask where there’s this 72 hour cycle that runs through and repeats. But no-one has ever messed around with chopping time up the way they have in movies.

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WW: I’ve always wanted to make a game that had a smooth slider where you could go forward and backward and rebranch very, very easily so that at any point I could just pull the slider back and then right there do something, then pull it back again and do something different. And so you’d be kind of interactivity exploring the possibility space, but you’d have equal mobility forward and backward and time. Right now, you have a lot of mobility forward. CP: Could you do that with The Sims? WW: You could, yes. I mean there are some technical issues, but it’s not that hard. I mean you’d have to design the simulator to be reversible, to keep track of the differences. CP: You’d just have to add a rewind button or something. One of the other papers in First Person: New Media as Performance, Story and Game is Jesper Juul’s paper on time, which is the one that I was reviewing for the book. It’s really good. You should take a look at it. He talks about different scales of time in games, and one of the things he talks about is skill and time. In my critique I wrote that you can also use time strategically. For example, when I play The Sims, I use the fast forward button to get through mundane chores so I can get to the social activities (Laughter.). So there’s also the ability to manipulate time strategically. WW: Well, it seems like that should be the case. Frequently there are technical limitations as to why we can’t just instantly jump ahead because we in fact have to simulate all the interim stuff. But that seems like that should be one of the huge advantages of that medium is the fact that you have that time mobility. CP: So the player can manipulate the time scale. WW: Yes, because we have the spatial mobility. I can click and move the screen wherever I want really fast. I should be able to do the same thing with time. CP: So maybe that’s the next step. WW: Actually we’re experimenting with scales of time and space. The plan is that the time is going to be totally based on the zoom level. So your zoom level and your time slider are the same. If you want to speed the game up, you have to zoom out, if you want to slow it down you have to zoom in. CP: So the aggregate levels of space are also time aggregates as well. Galactic time is a million years per second, and microbial time is… WW: Yes, exactly. And it works out to where it’s not a linear curve but it’s fairly close. In fact we’re going to have this fairly complex curve as to how fast the time scales with the zoom. We’ll be going much slower than real time at the microscopic level, and much faster than real time at the galactic. It’s almost a linear progression. And it’s kind of interesting because the processes that are interesting at each scale, you know, scale with the scale. Time and space are related scalewise, they correlate. CP: Ontogeny recapitulates phylogeny. So the molecular level at that speed will look very similar to the galactic level for example. WW: Somewhat. Except rather than dealing with gravity you’re dealing with electro-magnetic forces. CP: But you can see the differences that way too. If you’re scaling them, you can compare them. You can make a mental model, right? Because if one’s going really slow and one’s going really fast it’s hard to make a comparison.

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WW: I’m kind of curious behaviorally what that’s going to feel like. To change time I have to change scale. You know, it might be a total screw up. It might be just a total pain in the ass. But then if there was a way to go backwards to, that would be cool. CP: That would be interesting. WW: Reversible simulations are hard in some sense, though. I mean, this gets into a whole computer science discussion. But, you either store the data or you make it reversible. It can only be made reversible if no information is destroyed. Most simulation processes, such as system dynamics or cellular automata, destroy information. CP: So you have to figure out what the systemic memory looks like. WW: Yeah, so there’s a real engineering issue there. But it’s not insoluble. CP: With Moore’s Law, very soon, you’ll be able to have enough processing to do that.

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Celia Pearce is a game designer, artist, teacher and writer. She is the designer of the award-winning virtual reality attraction Virtual Adventures: The Loch Ness Expedition, and the author of The Interactive Book: A Guide to the Interactive Revolution (Macmillan, 1997) as well as numerous essays on game design and interactivity. She currently holds a position as Lecturer in Studio Art at the University of California Irvine's Claire Trevor School of the Arts. www.cpandfriends.com

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