A Necessidade de se Mitigar o Duplo Grau de Jurisdição em Prol da Plena Efetividade do Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional

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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 225.
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 70.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 46-47.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 46-47.
Cf. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 229
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. 1, p. 194 e 417.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 204.
Cf. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 231.
Cf. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 378.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 47.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 196.
Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 196.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 203-204. Marinoni elucida que as primeiras teorias italianas de Mortara e Chiovenda, acerca da autonomia da ação, foram elaboradas no final do século XIX e no começo do século XX, ou seja, a ação passa a ser dirigida contra o Estado-juiz e não contra o réu, como acontecia no período em que se firmou o Estado liberal clássico. Quer dizer: o processo era concebido como uma relação de direito público, ou um relação entre partes e o Estado-juiz.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 205.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 143.
Apud SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 143.
Apud SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 143.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 146.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 543.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 149.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 146 e 150.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 213.
Apud ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 504
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 44.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 132.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 118.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 120.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 119.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 118.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 587.
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit., p. 580.
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 136.
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 136-137.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 144.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 176-177.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 130.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 130.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 121.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 197.
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit., p. 407.
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit., p. 409 e 411.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2002, v. 3, p. 76.
Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Op. Cit., v. 3, p. 76.
Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2002, v. 2, p. 425.
Cf. MARINONI. Op. Cit., v. 1, p. 423.
Cf. MARINONI. Op. Cit., v. 1, p. 423.
Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 415.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tocantins: Intelectos, 2003, v. 2, p. 179.
Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 418.
Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, v. 2, p. 490.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 311.
LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 29. Importante anotar que as duas primeiras fases correspondem ao ordo iudiciorum privatorum, ou seja o processo se caracteriza por ser eminentemente privado e toma natureza pública somente na terceira fase – extraordinaria cognitia.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 41-42.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 42.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 42.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 42
CALAMANDREI. Piero. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2003, v. 2, p. 46-47.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 72-73.
Cf. CALAMANDREI. Piero. Op. Cit., v. 2, p. 47.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 73.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 17.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 34.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 34.
MARINONI. Luiz Guilherme. Artigo: "A prova, o princípio da oralidade e o dogma do duplo grau de jurisdição". Disponível em: .
MARINONI. Luiz Guilherme. Artigo: ""A prova, o princípio da oralidade e o dogma do duplo grau de jurisdição". Disponível em: .
LIEBMAN. Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tocantins: Intelectos. 2003, v. 3, p. 55.
SANTOS. Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo, 1979, v. 3, p. 82.
GONÇALVES. Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 1, p. 36.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 488.
Entendem da mesma maneira: Luiz Guilherme Marinoni, Curso de Processo Civil, v. 2, p. 488 e Oreste Laspro, Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil, p. 113.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 113.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 113.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 488.
Cf. CHIOVENDA. Giuseppe. Op. Cit., v. 2, p. 119.

Cf. CHIOVENDA. Giuseppe. Op. Cit., v. 2, p. 121.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 493. Oreste Laspro segue o mesmo entendimento, p. 159.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 159.
SARLET. Ingo Wolfgang. MARINONI. Luiz Guilherme. MITIDIERO. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 766.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 82.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 84.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 93.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 427.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 318.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 319.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 1, p. 319.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 494.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 494.
Assim entendem, já citados, Luiz Guilherme Marinoni, v. 2, p. 489-492 e Oreste, p. 95.
Cf. CHIOVENDA. Giuseppe. Op. Cit., v. 3, p. 56.
Cf. CHIOVENDA. Giuseppe. Op. Cit., v. 3, p. 65.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 95.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 488.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 490.
Cf. MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 491.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 137-138.
Cf. LASPRO. Oreste Nestor de Souza. Op. Cit., p. 151.
Cf. CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Op. Cit., p. 653.
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. Cit., v. 2, p. 492.


A Necessidade de se Mitigar o Duplo Grau de Jurisdição em Prol da Plena Efetividade do Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional

Gabriela Fonseca de Melo
Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho no Mackenzie de Brasília. Servidora pública. Assistente do Ministro Augusto César Leite de Carvalho no Tribunal Superior do Trabalho

SUMÁRIO: I. Introito; II. O Estado constitucional social e o seu dever de proteção aos direitos fundamentais; III. O alcance da proteção: o modo de atuação do Estado constitucional social para proteger ou tutelar efetivamente os direitos fundamentais, especialmente, o direito fundamental à tutela jurisdicional; IV. O princípio da participação no processo e a tutela jurisdicional efetiva; V. O duplo grau de jurisdição não constitui garantia constitucional; VI. A mitigação do duplo grau de jurisdição faz-se necessária em prol da plena efetivação do direito à tutela jurisdicional. Referências bibliográficas.

RESUMO: O texto tem o propósito de demonstrar que o duplo grau de jurisdição não constitui garantia constitucional e deve ser mitigado por meio da criação de normas jurídicas processuais adequadas, orientadas a excepcioná-lo, no sentido de afastar a sua incidência em causas mais simples, especialmente, as que guardam conteúdo factual, tudo em prol da máxima efetividade da tutela jurisdicional.

Palavras-chave: Duplo grau de jurisdição. Garantia constitucional. Mitigação. Tutela jurisdicional efetiva.

ABSTRACT: The article aims to demonstrate that the double degree of jurisdiction does not constitute constitutional guarantee and must be mitigated through the creation of appropriate procedural law rules oriented to except the double degree, in the sense of removing its applicability on simple cases, especially, the ones that have factual content, all in favor of maximum effectiveness of judicial protection.

Keywords: Double degree of jurisdiction. Constitute constitutional. Mitigation. Judicial protection.

I – Introito
O duplo grau de jurisdição há muito vem sendo debatido sob a perspectiva de ser considerado, de forma absoluta, uma garantia ou um princípio constitucional, conferido pelo ordenamento constitucional brasileiro, tendo por escopo dar uma chance ao vencido de ver a decisão revista novamente e, igualmente, realizar o controle das decisões judiciais (ou da atividade jurisdicional), quando essa revisão é feita por um órgão hierarquicamente superior.
Diferentemente, a pretensão do presente artigo é de seguir uma diretriz bem definida no sentido de defender a tese de que o duplo grau de jurisdição não constitui garantia constitucional e deve ser apreciado de uma forma mais elástica, flexível, sob o enfoque dos direitos fundamentais, especialmente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Ao longo da escrita, demonstrar-se-á que esse mecanismo de revisão deverá ser relativizado, porquanto, considerando que, no Estado constitucional contemporâneo, o processo não pode ser visto de forma isolada, sem vincular as circunstâncias sociais e os valores constitucionais, o direito substancial poderá naturalmente propiciar a restrição do uso do recurso e, assim, justifica-se a desnecessidade de revisar, uma vez mais, a decisão.
Assim, a importância desse trabalho reside em provar a necessidade de se mitigar o duplo grau de jurisdição, em casos que guardam menor grau de complexidade, com vistas a conferir ampla efetividade à tutela jurisdicional.
Nessa linha, importa aqui ter os olhos voltados para a tutela jurisdicional, que deve ser efetivada com qualidade e tempestividade. Então, tendo em vista que o poder jurisdicional, para ser exercido de forma legítima, precisa da participação do autor e do réu, o estudo em tela abordará a relação dialética existente na atuação das partes no processo, ao utilizar-se do princípio da participação, o qual se traduz tecnicamente no contraditório. E se verá que, em busca do equilíbrio, mesmo essa atuação poderá ser restringida quando necessário e não prejudicar nem um, nem outro.
Ademais, o trabalho também tratará da postura do legislador e do juiz – inerente à sua função, possuem o dever de proteção aos direitos fundamentais. O primeiro, com a incumbência de estruturar o ordenamento jurídico, com técnicas e procedimentos processuais idôneos, de modo a atender às necessidades do direito material; o segundo, com o dever de compreender e adequar essas normas às particularidades do caso concreto. Tudo se perfaz em prol da máxima efetividade da tutela jurisdicional
Por derradeiro, não serão esquecidos, como modelos, os países que adotaram a mitigação da dupla revisão - uma forma de fortalecer e amparar a tese versada no trabalho em voga.
II- O Estado Constitucional Social e o seu Dever de Proteção aos Direitos Fundamentais
Na época do Estado liberal-burguês, marcado pelas ideias iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII e pela positivação das reivindicações burguesas nas primeiras Constituições escritas do Ocidente no século XVIII, o pensamento predominante era a preservação da liberdade do indivíduo. Isso porque, com o regime absolutista vigente, os cidadãos necessitavam resistir à opressão. Assim, era primordial impedir os excessos, o abuso e o arbítrio de poder.
É nessa fase inaugural do constitucionalismo liberal, que as "Constituições rígidas traduziam um sentimento de profunda e inevitável desconfiança contra o poder, aquela desconfiança ou suspeita clássica do liberalismo com sua doutrina de valorização da sociedade burguesa e individualista. [...] Quando Robespierre afirmou que a Declaração de Direitos é a Constituição de todos os povos, estava ele a exprimir com exemplar clareza e correção a filosofia de que vem impregnada toda a substância e conteúdo das disposições constitucionais."
Nesse contexto, os direitos humanos (positivados, especialmente nas Declarações francesa de 1789 e americana de 1787) surgem para aplacar essa fúria opressiva do absolutismo, tentando impor controle e limites à abusiva atuação do Estado, cuja inércia, sua não atuação, traduzia-se em exaltar o valor liberdade conferido, de forma igual, a todos os indivíduos.
Como acentua Noberto Bobbio, "os direitos de liberdade evoluem paralelamente ao princípio de tratamento igual. Com relação aos direitos de liberdade, vale o princípio de que os homens são iguais. No estado de natureza de Locke, que foi o grande inspirador das Declarações de Direitos do Homem, os homens são todos iguais, e por 'igualdade' se entende que são iguais no gozo da liberdade [...]".
É nesse cenário que se dá o reconhecimento dos direitos fundamentais intitulados de primeira dimensão. São aqueles que se afirmam como direitos de ter sua liberdade e autonomia preservadas diante do poder estatal, ou melhor, de não intervenção do Estado na esfera individual. Por isso, guardam natureza negativa, porquanto "dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos".
Contemplam-se, inicialmente, no rol desses direitos, também denominados civis e políticos, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade formal (perante a lei). Mais tarde, vieram fazer parte desse elenco, os direitos à liberdade de expressão coletiva (reunião, associação etc), de participação política (direito de voto e capacidade eleitoral passiva) e algumas garantias processuais, como o devido processo legal, habeas corpus, direito de petição.
A despeito de ser a primeira fase do constitucionalismo ocidental, esses direitos, segundo Ingo, "continuam a integrar os catálogos das Constituições no limiar do terceiro milênio, ainda que lhes tenha sido atribuído, por vezes, conteúdo e significado diferenciados".
Nessa dimensão liberal-burguesa, os direitos de liberdade negativa importavam para o homem abstrato, considerado universalmente, sem distinção ou discriminação no gozo de sua liberdade. Ainda não se falava do aspecto social e econômico dos indivíduos tratados coletivamente. O Estado liberal não se preocupava, em termos de substância, com as necessidades da sociedade. Cuidava-se apenas de se estabelecer, constitucionalmente, a estrutura básica do Estado, os seus poderes e respectivas competências, enfim, a relação firmada entre indivíduo e Estado e a essência dos direitos fundamentais relativos à capacidade civil e política dos governados – os direitos de liberdade.
Extrai-se daí que o direito de ação, na concepção jurídico-processual liberal, se resumia a um direito formal de propor uma ação, concedido a todos indistintamente. E diante das circunstâncias de que o Estado era indiferente às questões sociais, acabava que esse direito ficava circunscrito àqueles que pudessem arcar com os custos de um processo, já que, como visto, o Estado não se importava com a desigualdade econômico-social – fase na qual ainda não se concebia o tratamento diferenciado a partir da realidade circunstancial de cada indivíduo, nem sequer "se admitia que dos direitos fundamentais decorriam direitos a prestações".
Já por volta do final do século XIX e início do século XX, as Constituições do liberalismo sofrem um processo de decadência, em função das novas exigências sociais e dos imperativos econômicos, provocados por diversos conflitos entre alguns países europeus - especialmente os graves problemas sociais que se sucederam à Primeira Guerra Mundial (28.6.1914-11.11.1918), o que levou, inclusive, a Alemanha a criar uma nova normatividade constitucional a partir da Constituição de Weimar (1919-1933), que a declarou como sendo uma república democrática parlamentar.
Como leciona Paulo Bonavides, "o auge da crise vem documentado pela Constituição de Weimar. As declarações de direitos, as normas constitucionais ou normas-princípios, não importa o teor organizativo ou restritivo que possam ter, se volvem basicamente para a sociedade e não para o indivíduo; em outros termos, buscam desesperadamente reconciliar o Estado com a sociedade, intento cuja consequência imediata estampa o sacrifício das teses individualistas. [...]".
Nesse momento histórico, constata-se o falecimento do Estado liberal para dar espaço ao Estado social em vias de se despontar. Pensa-se agora no Estado dinâmico, assumindo uma postura proativa na realização da justiça social. Os direitos de liberdade e igualdade consagrados formalmente, aos poucos, transmudam-se em sua configuração para serem concebidos numa dimensão substancial, de concretude, quando podem ser materialmente usufruídos. O que aconteceu, em realidade, foi, segundo Bonavides, "a passagem da liberdade jurídica para a liberdade real, do mesmo modo que da igualdade abstrata se intenta passar para igualdade fática".
É nessa fase que se dá realce aos direitos intitulados de segunda dimensão – direitos econômicos, sociais e culturais -, cuja nota distintiva, conforme Ingo (p. 47), "é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um direito de participar do bem-estar social".
Adiante, segue-se que a ordem constitucional do século XX, ao conferir uma nova roupagem aos direitos de liberdades clássicas - inclusive os institutos processuais – no sentido de que devem efetivamente interagir com os direitos sociais, engendrou a filosofia da participação do homem em sociedade, como por exemplo, o direito de ingressar com a ação perante a Justiça. Nesse período, a questão relativa à efetividade do direito de ação, segundo Luiz Guilherme Marinoni, foi vislumbrada com maior clareza, "quando da consagração dos 'novos direitos', ocasião em que a imprescindibilidade de um real acesso à justiça se tornou mais evidente".
O mesmo jurista brasileiro faz alusão à interessante advertência de Boaventura de Souza Santos de que "os novos direitos sociais e econômicos, caso ficassem destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, assumiriam a configuração de meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores. Por isso, logo se percebeu que a administração da justiça civil e os procedimentos judiciais não mais poderiam ficar reduzidos a uma dimensão meramente técnica e socialmente neutra, devendo investigar-se as funções sociais por eles desempenhadas e, em especial, o modo como as opções técnicas no seu seio veiculam opções a favor ou contra interesses sociais divergentes, ou mesmo antagônicos".
Com isso, o conceito de direito de ação evolui para congregar a ele o aspecto social, pois o seu exercício poderia ficar comprometido em razão das dificuldades que a realidade social apresentava. Isso porque todos os cidadãos não podem ser considerados de forma linear e equivalente, sem ter em vista as diferenças sociais e econômicas. Não se permite partir do pressuposto que existe um padrão igual para todos. Por isso, considera-se, até hoje, o direito de acesso à justiça uma questão emergente, vinculada estará sempre à realidade social; para ela, não se concebe a indiferença, o descaso.
Cabe salientar que, no final do século XIX e início do século XX, - quando houve a autonomia da ação em relação ao direito subjetivo material e o direito de ação se voltava contra o Estado, não mais contra o réu - ainda não se concebia a ideia de que "dos direitos fundamentais decorriam direitos a prestações".
Mais tarde, quando do surgimento definitivo dos Estados sociais, os direitos fundamentais começaram a exigir do Estado ações positivas prestacionais, não se limitaram à proteção da liberdade como ocorria anteriormente. Quer dizer: o Estado-juiz, além de garantir a liberdade do indivíduo, presta-lhe proteção contra interferências provenientes de particulares ou do próprio Poder Público.
Convém adicionar a essa nova constelação multifuncional dos direitos fundamentais – direitos a prestações de proteção, prestações sociais e prestações de promoção à participação no poder e na organização social –, que tais direitos também exprimem uma função axiológica de iluminar e direcionar os órgãos do poder estatal, porquanto guardam, em consonância com a doutrina alemã (Ausstrahlungswirkung), uma eficácia irradiante no sentido de fornecer diretrizes para aplicar e interpretar o direito infraconstitucional, como não poderia ser diferente, interpretar conforme os direitos fundamentais. Reconhece-se, enfim, uma irradiação eficacial desses direitos sobre todo ordenamento jurídico.
Isso significa que, segundo Ingo Sarlet, também "constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos". O mesmo jurista esclarece tal enunciado com as palavras de Pérez Luño: "os direitos fundamentais passaram a apresentar-se no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos Poderes Públicos, e não apenas garantias negativas dos interesses individuais". Enfim, os direitos fundamentais, como quis ainda Miguel Presno Linera, passam a operar conjuntamente como princípios superiores do ordenamento jurídico-constitucional na condição de componentes estruturais básicos da ordem jurídica.
Diante dessa perspectiva objetivo-valorativa dos direitos fundamentais, percebe-se também que tais direitos guardam a função de transmitir uma ordem dirigida (eficácia dirigente) para o Estado, a fim de que este cumpra o seu dever de conferir concretude aos direitos fundamentais. E nessa direção, Gomes Canotilho assevera que os direitos originários a prestações existem quando "a partir da garantia constitucional de certos direitos se reconhecem, simultaneamente, o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais indispensáveis ao exercício efectivo desses direitos e a faculdade de o cidadão exigir, de forma imediata, as prestações constitutivas desses direitos".
Nessa ordem de ideias, pensa-se no dever de proteção do Estado, incumbido de cuidar, zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos direitos fundamentais nas relações firmadas entre os poderes públicos e os particulares (eficácia vertical), bem como nas relações estabelecidas entre particulares (eficácia horizontal). Assinale-se, por oportuno, que esse dever de proteção decorre do monopólio estatal e, por consequência, da vedação da autotutela que resulta, na lição de Ingo, "na instituição de deveres vinculantes (juridicamente exigíveis) por parte dos poderes públicos no sentido de proteger as pessoas contra violações dos seus direitos por parte do próprio Estado e dos particulares". Enfim, o dever de proteger os direitos fundamentais é ínsito ao Estado moderno e, portanto, juridicamente vinculativo à tutela desses mesmos direitos.
Adicione-se que esse dever de proteção do Estado naturalmente resulta em restrições na seara da liberdade individual, porquanto necessárias à própria proteção do bem jurídico fundamental. É nessa concepção que se consideram legítimas as restrições aos direitos subjetivos individuais quando se pretende proteger predominante interesse comunitário (com ênfase na denominada supremacia do interesse público), e que, na mesma medida, provoca a limitação do conteúdo e alcance dos direitos fundamentais, sem, contudo, atingir o seu núcleo essencial. É nessa dimensão que se deve observar a regra da proporcionalidade e da preservação do núcleo essencial.
No âmbito da proteção, o Estado, para realizar a contento o seu dever de proteger os direitos fundamentais, se vale da edição de diversas normas proibitivas no tocante às condutas contrárias a esses direitos, bem como de procedimentos para conferir efetividade à intenção de proteção dessas normas. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, fala-se em "normas de proteção de direito material e em normas de proteção de direito processual, ou, mais precisamente, em normas processuais destinadas a dar atuação ao desejo de proteção das normas de direito material". Enfim, diz-se da "circunstância de que o Estado tem o dever de editar normas materiais e procedimentais para a proteção dos direitos fundamentais".
Pontue-se, por outro lado, haver situações em que o Estado protetor deixa a desejar. Isso acontece quando a proteção normativa do administrador ou do legislador se mostra insuficiente – não existe norma ou ela se mostra lacunosa. Nessa hipótese, torna-se necessário fazer incidir a teoria de eficácia direta e de horizontalidade imediata dos direitos fundamentais ou eficácia inter privatos (doutrina de drittwirkung, como preferem os alemães). Quer dizer: o Estado-juiz resolve a espécie in concreto suprindo a citada insuficiência de proteção normativa deferida aos direitos fundamentais, quando cria mecanismos a suprirem a incompletude dessas normas ou, no caso de sua inexistência, atua de alguma forma como legislador, aplicando, por meio da interpretação, a norma fundamental.
Por último, importa dizer que essa possibilidade conferida ao Estado-juiz protetor existe em razão da legitimação do seu poder-dever de tutelar os direitos fundamentais e porque o texto constitucional brasileiro assim a autoriza quando expressa que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" (artigo 5º, § 1º) e que o mandado de injunção é o instrumento utilizado "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania" (artigo 5º, LXXI).
III- O Alcance da Proteção: o Modo de Atuação do Estado Constitucional Social para Proteger ou Tutelar Efetivamente os Direitos Fundamentais, Especialmente o Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional
Como explanado anteriormente, houve uma transmutação de Estado liberal inerte para o Estado social proativo, o qual guarda ínsito o seu dever de proteção ou dever de tutela aos direitos fundamentais. E isso passou a ocorrer no âmbito dos três órgãos do poder estatal – Legislativo, Judiciário e Executivo. Contudo, o exame da matéria ficará adstrito aos dois primeiros.
O Estado liberal legislativo concebia a lei como sendo genérica, abstrata e universal, em uma sociedade homogênea, direcionada a respeitar a liberdade que seria garantida somente se os homens fossem tratados de maneira formalmente igual, sem relevar, contudo, as desigualdades sociais. Sem se olvidar que esse foi o meio – tratar todos de forma igual - encontrado para aniquilar os privilégios desfrutados pela monarquia absolutista. Assim, a lei deveria ser aplicada da forma como se revelava, nem mais, nem menos. O aplicador do direito sequer poderia se utilizar da interpretação da norma para considerar essas diferenças sociais, ficava adstrito à sua textura.
Já no novel Estado constitucional, acolheu-se a percepção de que a liberdade somente seria usufruída com o mínimo existencial indispensável para se viver com dignidade, porquanto, em realidade, como expressou Lorenz von Stein, "a liberdade é real apenas para aquele que tem as condições para exercê-la, os bens materiais e intelectuais que são pressupostos da autodeterminação"
Então, foi necessário, segundo Luiz Guilherme Marinoni, fazer um resgate da substância da lei, bem como encontrar os instrumentos que possibilitassem a sua limitação e conformação aos princípios de justiça. Segue o renomado jurista lecionando que essa substância e esses princípios foram introduzidos nas Constituições, as quais se tornaram rígidas, no sentido de escritas e não passíveis de modificação pela legislação ordinária, além de serem dotadas de plena eficácia normativa. Assim, a lei perdeu o seu posto de supremacia e, hoje, está totalmente subordinada ao texto constitucional.
Nessa linha, o Poder Legislativo continuou com a função de editar leis, mas, agora, resgatando o seu aspecto substancial. Sua tarefa é editar a lei, mas o faz de acordo com as necessidades e demandas sociais. Hoje, é preciso considerar os valores e fins públicos emanados da Constituição. Por consequência, pode-se afirmar que a lei deve se adequar inteiramente aos direitos fundamentais. Há, enfim, uma conformação da lei a esses mesmos direitos.
Ainda, na lição de Luís Roberto Barroso, o legislador poderá se utilizar do seu poder discricionário para aprovar novas leis ou a sua atuação ficará restringida a certas situações expressamente determinadas pela Constituição e que requerem apenas edição de legislação integradora. Porém, de uma forma ou de outra, não poderá se desvincular do texto constitucional. Em adição, o mesmo jurista leciona que poderá haver mutação constitucional, pela via legislativa, quando "por ato normativo primário, procura-se modificar a interpretação que tenha sido dada a alguma norma constitucional".
Ademais disso, a diversidade factual levou o legislador a criar normas contendo institutos, cujos conceitos são indeterminados (como, por exemplo, a técnica antecipatória) e normas processuais abertas, ou seja, "normas que oferecem um leque de instrumentos processuais, dando ao cidadão o poder de construir o modelo processual adequado e ao juiz o poder de utilizar a técnica processual idônea à tutela da situação concreta". Assim, as técnicas processuais não indicam precisamente qual a hipótese de direito material, tampouco os casos concretos sobre os quais incidirá. Por isso, o juiz, imbuído de seu poder-dever de tutelar direitos, ficará obrigado a identificar as necessidades e peculiaridades de direito material envolvendo o caso concreto.
Ao exemplificar essa doutrina, Marinoni bem esclareceu que "não há como conceder tutela antecipada sem antes compreender a razão pela qual se está atuando, ou melhor, sem antes se identificar a espécie de tutela do direito solicitada (inibitória, de remoção de ilícito, ressarcitória etc) e os seus pressupostos (ameaça de ilícito, prática de ato contrário ao direito, dano etc)".
Isso acontece porque, diante das novas e variadas situações de direito material, "a lei não pode atrelar as técnicas processuais a cada uma das necessidades de direito material ou desenhar tantos procedimentos especiais quantos forem supostos como necessários à tutela jurisdicional dos direitos", lembrando-se que a sociedade vive em constante transformação – mudam-se os valores, as questões sociojurídicas são mais complexas do que outrora e, assim, o enfoque que se deve imprimir passa a ser diferente, exigindo dos operadores do direito maior visão e criatividade para tratar da novidade.
Por isso, o legislador, ao criar uma norma, atua ampliando o poder dos litigantes, de modo que possam identificar e utilizar os meios processuais adequados às variadas espécies de direito material, bem como do juiz, o qual fica investido de poder-dever de "mediante argumentação própria e expressa na fundamentação da sua decisão, individualizar a técnica processual capaz de lhe permitir efetiva tutela do direito".
Cumpre lembrar que a intenção precípua do legislador, ao criar normas ampliando o poder do magistrado, é justamente oferecer viabilidade para que se conceda maior efetividade à tutela dos direitos. Desse modo, a lei processual deve ser pensada tendo em vista à compreensão da natureza instrumental da norma processual à luz dos direitos fundamentais materiais e do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Nessa mesma direção, Gomes Canotilho assevera que "a constituição dos tribunais (Gerichtsverfassung) e o procedimento jurisdicional (=processo judicial) estão, em larga medida, 'constitucionalizados' (CAPELLETTI, SCHWABGOTTWALD). Isto significa a compreensão constitucionalmente 'referenciada' do direito processual e do direito organizatório dos tribunais. Os direitos fundamentais, por um lado, e a organização e procedimento, por outro lado, desenvolvem uma eficácia recíproca: a organização e o procedimento devem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais; estes, por sua vez, influenciam a organização e o procedimento"
E, em se tratando de eficácia de direito fundamental, torna-se necessária a criação de leis revestidas de uma configuração organizatória e procedimental funcionalmente efetivas, considerando as reais condições do desenvolvimento dos direitos fundamentais, seja em seu aspecto material, seja em seu aspecto processual.
Dessa maneira, torna-se clara a vinculação existente entre o legislador e os princípios e as normas constitucionais, na medida em que devem, segundo o mesmo jurista português, conformar "as relações da vida, as relações entre o Estado e os cidadãos e as relações entre os indivíduos, segundo medidas e directivas materiais consubstanciadas nas normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias. Neste sentido, o legislador deve 'realizar' os direitos, liberdades e garantias, optimizando a sua normatividade e actualidade".
No concernente à atuação do Judiciário, como se sabe, não há para o magistrado a solução pronta, preestabelecida e unívoca para as questões jurídicas a serem resolvidas. Segundo Luís Roberto Barroso, "a visão do intérprete como a realidade subjacente são decisivas no processo interpretativo. Tais circunstâncias são potencializadas pela presença, no relato das normas constitucionais, de cláusulas gerais e enunciados de princípio cujo conteúdo precisará ser integrado no momento de aplicação do Direito. Conceitos como ordem pública, dignidade da pessoa humana ou igualdade poderão sofrer variação ao longo do tempo e produzir consequências jurídicas diversas".
O mesmo constitucionalista afirma, ainda, que a mutação constitucional pode ocorrer quando existe uma nova percepção do Direito a partir da alteração dos valores de determinada sociedade – a ideia do bem, do justo pode variar com o tempo, ou, igualmente, quando diante do impacto de alterações da realidade sobre o sentido, ou a validade de uma norma – o que antes era legítimo hoje pode não ser e vice-versa.
Assim, não há mais o juiz como sendo "la bouche de la loi" (a boca da lei) da época de Montesquieu, mas o juiz pensante, que se utiliza do processo intelectivo para realizar os ajustes necessários ao ordenamento jurídico que não é de todo perfeito. Encontra, então, bases nos princípios de justiça e nos direitos fundamentais plasmados na Constituição, com o objetivo de adequar a lei que for aplicada ao caso concreto e o faz quando supre lacunas ou a interpreta adequadamente dando-lhe real sentido, podendo, até mesmo, se for o caso, considerá-la inconstitucional.
Nota-se, desse modo, uma mudança de paradigma, tanto no que toca à concepção da fonte legal ou do princípio da legalidade – que antes era visto a partir de uma dimensão formal, hoje, há nele conteúdo substancial, quando se pode chamá-lo de princípio da estrita legalidade ou da legalidade substancial –, quanto à atuação do magistrado ou da jurisdição. Quer dizer: antes a lei se encontrava numa posição de superioridade em relação à Constituição, hoje, deve se subordinar a esta; antes, o juiz apenas enquadrava o caso concreto (norma-fato) à norma legal em abstrato (norma-tipo) ou subsunção – fruto do positivismo kelsiano –, hoje, interpreta a norma jurídica e supre as suas omissões ou imperfeições.
Nesse passo, o juiz pós-positivista, consoante doutrina Luiz Guilherme Marinoni, deve "atribuir sentido ao caso, definindo as suas necessidades concretas, para então buscar no sistema jurídico a regulação da situação que lhe foi apresentada, ainda que tudo isso obviamente deva ser feito sempre a partir da Constituição".
Ao eleger a técnica processual adequada, o juiz deve, segundo o mesmo jurista, interpretar a norma processual de acordo com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e se utilizar das técnicas de interpretação conforme e declaração parcial de nulidade sem redução de texto, como forma de evitar a declaração de inconstitucionalidade.
No caso de omissão de regra processual ou de inexistência de técnica processual adequada ao caso concreto, Marinoni leciona que antes de escolher a técnica processual adequada, o juiz deve demonstrar as necessidades de direito material, indicando a forma encontrada. Após a sua escolha, "deverá demonstrar que as necessidades de direito material exigem uma técnica que não está prevista pela legislação processual. Porém, ao juiz não bastará demonstrar a imprescindibilidade de determinada técnica processual não prevista pela lei, mas também argumentar, considerando o direito de defesa, que a técnica processual identificada como capaz de dar efetividade à tutela do direito é a que traz a menor restrição possível à esfera jurídica do réu". Vale dizer: demonstra-se que "determinada situação de direito material deve ser protegida por certo tipo de tutela jurisdicional, e, para que essa modalidade de tutela jurisdicional possa ser implementada, deve ser utilizada uma precisa técnica processual"
Destarte, toda a atuação jurisdicional, no sentido de demonstrar as necessidades de direito material e da escolha da técnica processual idônea, deve conter uma justificativa. Deve o juiz motivar de forma a externar integralmente o seu raciocínio judicial, com o fim de permitir o controle crítico de sua atividade. Esse controle que se exige da atividade jurisdicional envolve, segundo Marinoni, necessariamente: "a compreensão do significado das tutelas no plano do direito material, das regras do meio idôneo e da menor restrição e mediante o seu indispensável complemento, a justificação judicial".
Por tudo isso, é fácil perceber que o Estado constitucional legislador tem o dever de proteção ou de tutela aos direitos fundamentais, por meio de normas e atividades fático-administrativas e vinculado sempre estará às questões sociais, aos princípios de justiça e ao texto constitucional. Igualmente, o Estado constitucional jurisdicional guarda o dever de tutelar os direitos fundamentais – e qualquer espécie de direito em função do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (artigo 5º, XXXV, da Constituição) –, mesmo ao se deparar com eventuais omissões de tutela normativa, quando será obrigado a supri-las. Enfim, tutelar o direito, na perspectiva do juiz, é aplicar a lei a partir dos direitos fundamentais, das normas constitucionais e dos valores que elas envolvem.
IV- O Princípio da Participação no Processo e a Tutela Jurisdicional Efetiva
Como dito antes, exige-se à efetividade do direito fundamental à tutela jurisdicional que os procedimentos e a técnica processual sejam modelados adequadamente, de forma idônea, pelo Estado legislador consoante as necessidades do direito material e, na mesma toada, ao Estado juiz é reservada a incumbência de compreender essa estruturação instrumental em conformidade com a maneira dessas necessidades se descortinarem no caso concreto.
Outrossim, cumpre dizer que há situações interligadas que prestam contribuição à efetividade do direito fundamental à tutela jurisdicional: o acesso à justiça, que se perfaz por meio do direito fundamental de ação e de defesa, corolários do princípio da participação, essencial para a própria legitimação do poder estatal – ou como quis Marinoni, indispensável à própria configuração do Estado, ao pensar em proibição da autotutela; a facilitação desse mesmo acesso, como a questão do custo do processo e, por fim, o tempo do processo, o qual se afere a partir da análise do juiz ao debruçar sobre a situação fático-jurídica, bem como da atuação do autor e do réu, os quais devem ser tratados em igualdade de condições, sem se olvidar da imposição de discriminações necessárias à determinadas circunstâncias.
Sabe-se que o conceito de democracia também evoluiu para deixar de ser "um 'conceito literário' e um conceito indissociado do problema de forma do Estado (a democracia como forma de Estado) para ser um conceito político-social, verdadeiro indicador dos movimentos sociais". Assim, como afirma Canotilho, a democracia participativa se fundamenta pelo interesse básico dos indivíduos na autodeterminação política em todos os domínios sociais – a participação política é idêntica à autodeterminação (Habermas) – e na abolição do domínio dos homens sobre os homens.
Destarte, a participação no poder constitui traço fundamental da democracia e, por isso, é inerente ao Estado contemporâneo que prevê, por meio da Constituição Federal, várias formas de participação do cidadão no processo de decisão, a exemplo do referendo popular, plebiscito, da ação popular, entre outros.
No que condiz com o Poder Judiciário, a participação tanto do juiz, como dos cidadãos existe, mas de forma diferenciada da ocorrente no âmbito do Poder Legislativo. Para essa participação se concretizar, é necessário, preliminarmente, o sujeito que sofra "lesão" ou "ameaça a direito" (artigo 5º, XXXV, da Constituição) procurar exercer o seu direito fundamental de ação para ter acesso ao Judiciário – e não poderia ser diferente, tendo em vista que por meio de um due process é possível assegurar eficazmente as posições jurídicas fundamentais ou status activus processualis –, a fim de que este possa apreciar e afirmar o pretendido direito. Busca-se, assim, a tutela jurisdicional. Esse acesso à jurisdição constitui direito de se utilizar da prestação estatal necessária à efetiva participação e, por isso mesmo, não pode ser, de forma alguma, obstaculizado, seja por questões financeiras ou sociais (artigo 5º, LXXIV, da Constituição).
Certamente, o juiz exerce o poder para prestar tutela dos direitos às partes, na perspectiva dos direitos fundamentais. É um veículo ou instrumento do poder, cuja participação se evidencia em diversos momentos, quando do itinerário processual, como por exemplo, solicitar documentos, negar pedidos de provas impertinentes, argumentar e fundamentar as suas decisões, publicar os seus atos etc.
Além do mais, deve estar sempre sintonizado com as peculiaridades das partes no sentido de evitar que a demora do processo lhes cause dano, em especial aquele que reivindica o seu direito, que, muitas vezes, é o mais necessitado em termos econômicos. Dessa maneira, deve o magistrado ficar atento às necessidades e à atuação dos sujeitos da relação processual, para evitar que o tempo se alargue, além do razoavelmente esperado, e, por consequência, prejudicar a efetividade da tutela jurisdicional (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição).
Aliás, nessa direção, há muito, se pronunciou Giuseppe Chiovenda, ao se referir ao processo moderno, cuja função jurisdicional se encontra renovada, no sentido de que a posição do juiz é central de órgão público interessado em ministrar pelo modo melhor e mais pronto possível. Exprimiu, ainda, o jurista italiano que é necessário assegurar ao magistrado uma posição que o torne partícipe ativo na relação processual e esteja capacitado para dirigir convenientemente a lide e para conduzi-la da maneira mais célere compatível com uma reta decisão.
Outrossim, ao lecionar sobre o impulso de participação tanto do juiz como das partes e a observância que cada qual deveria ter na busca precisa, quando da sua própria tarefa participativa perante o processo, da tempestividade da tutela jurisdicional, o mesmo jurista italiano afirmou: "Pode-se conceber o impulso processual cometido ao órgão jurisdicional (impulso oficial) ou às partes (impulso das partes). Inspira-se o princípio do impulso oficial na ideia de que o Estado é interessado na rápida definição das lides uma vez iniciadas, e por essa razão seus órgãos devem tomar a iniciativa de seu presto desenlace. Já o princípio oposto move-se da ideia de que o processo civil é assunto das partes, e cabe a estas o direito de dispor sobre o tempo de seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, o ônus de diligenciar o seu andamento".
Em realidade, a participação do juiz, como bem salientou Marinoni, serve "para garantir que a participação das partes seja igualitária e, assim, para que eventual falha na participação de uma delas possa ser suprida. Nesses termos, a participação do juiz se dá em nome da participação das partes e, por decorrência, para legitimar a sua própria atuação". Acrescenta o mesmo jurista que "o princípio da imparcialidade do juiz não é obstáculo para a participação ativa do julgador na instrução. Ao contrário, supõe-se que parcial é o juiz que, sabendo que uma prova é fundamental para elucidação da matéria, se queda inerte".
No tocante aos litigantes, a participação se perfaz por meio do contraditório (artigo 5º, LV, da Constituição), mecanismo técnico jurídico capaz de expressar o direito de alguém participar de um processo que o afeta em sua esfera jurídica e que possui qualidade de direito fundamental.
Nesse ponto, necessário se faz acolher as palavras de Liebman, ao tratar do princípio da participação. Disse ser a atividade processual da parte "útil não só à própria parte, mas também ao exercício profícuo da função judicial, a qual se vale da colaboração, em posições diversas, de todos os sujeitos do processo. É por isso que a estrutura formal do processo é concentrada realmente no contraditório e as regras do desenvolvimento normal do processo são ditadas na suposição da participação ativa de todas as partes".
Nesse caminho, a participação das partes quando, por exemplo, fazem alegações, apresentam provas, etc, efetivamente se concretiza com a indispensável publicidade dos atos do juiz e a fundamentação das suas decisões, até porque precisam influenciar o seu convencimento e de se contrapor ao adversário. Dessa forma, é possível dizer que a participação do autor e do réu legitimou o processo jurisdicional.
Nessa linha, importa dizer que as normas processuais abertas – como visto, composta de conceitos jurídicos indeterminados –, visando otimizar a participação dos sujeitos no processo, são dirigidas primeiramente ao autor, de modo a que este participe efetivamente dele, quando apresenta suas alegações, participa da produção das provas, recorre ou responde a eventual recurso interposto pela parte adversa. Mas, essas normas conferirão, em seguida, a participação do réu que terá, em condições iguais, a oportunidade de impugnar as postulações daquele, refutando a pretensão de tutela do direito e, mesmo, a utilização de meio executivo inidôneo ou excessivamente gravoso. Conceber-se-á, então, um processo justo ou democrático.
Cumpre, contudo, acrescentar que, em determinadas circunstâncias, torna-se necessário imprimir discriminações de tratamento, tendo em vista, obviamente, as particularidades e diferentes necessidades das partes, vez que não se pode dizer que há uniformidade nas situações de direito material. Ao abordar o assunto, Marinoni, citando Mario Chiavario, esclarece, que essa igualdade de condições ou paridade de armas, "não implica uma identidade absoluta entre os poderes reconhecidos às partes de um mesmo processo nem, necessariamente, uma simetria perfeita de direitos e de obrigações. O que conta é que as diferenças eventuais de tratamento sejam justificáveis racionalmente, à luz de critérios de reciprocidade, e de modo a evitar, seja como for, que haja um desequilíbrio global em prejuízo de uma delas".
Convém anotar oportuna manifestação de Marinoni, ao invocar pertinente elucidação de Nocolò Trocker, quando relaciona o princípio da participação mediante paridade de armas e o princípio da oralidade – dois princípios que se complementam para propiciar a plena efetividade da tutela jurisdicional. Disse assim o jurista brasileiro: "a doutrina alemã tem estabelecido uma relação entre o princípio do rechtliches Gehör (princípio político da participação - fundamento de uma participação em contraditório mediante paridade de armas no processo jurisdicional) e a oralidade. Entende-se, em outras palavras, que a oralidade é fundamental para que se permita uma participação mais adequada dos litigantes no processo. Trocker chega a afirmar, ao referir-se a este ponto, que a imediatidade é imprescindível para que o processo possa melhor responder às garantias constitucionais da ação e da defesa"
Desse modo, a "ampla defesa" (artigo 5º, LV, da Constituição) exteriorizada pelo contraditório – expressão técnico-processual do princípio da participação –, pode naturalmente sofrer restrições, racionalmente justificadas, quando forem necessárias para conferir a efetividade da tutela do direito, como se dá, por exemplo, com a tutela antecipada que torna possível a postergação da realização da defesa em sua plenitude, com a limitação do direito à prova, com a inversão do ônus probatório, etc.
Percebe-se, então, que nessa relação participativa de contraposição entre os sujeitos interessados na formação da decisão, o réu objetiva a tutela jurisdicional que negue a tutela do direito solicitada pelo autor, ou seja, o réu, assim como o autor, tem direito à tutela jurisdicional, mas, ao contrário do autor, não possui direito à tutela do direito.
De tudo isso, extrai-se a ilação que a tutela jurisdicional – imbuída de qualidade de direito fundamental –, para ser plenamente efetiva, se vale de vários componentes que estão intrinsecamente ligados e devem conviver em harmonia. Ela envolve a dinâmica integral da realização do due process of Law, o qual abarca, enfim, procedimentos e técnicas processuais idôneas e adequadas às necessidades materiais; o acesso à justiça fácil; a participação igualitária do autor e réu – realizada pelo contraditório –, lembrando sempre das necessárias diferenciações empregadas circunstancialmente; a participação do juiz em termos de compreender a estruturação instrumental e as necessidades substanciais e formais, referentes ao caso concreto e às partes, bem como o seu modo de lidar com o tempo do processo.
V- O Duplo Grau de Jurisdição Não Constitui Garantia Constitucional
Falar em duplo grau de jurisdição equivale necessariamente a incursionar o sistema recursal, em especial o recurso de apelação, cuja origem remonta ao antigo direito processual imperial romano, o qual percorreu várias fases – legis actiones (ações legais), per formulas (fórmulas escritas) e juízo unificado (extraordinaria cognitio) - até a terceira, derradeira, que deu surgimento à appellatio, correspondente à possibilidade de recorrer da decisão do magistrado para o imperador.
Especificamente, quanto à terceira fase – extraordinaria cognitio –, a appelatio tinha em mira, além de garantir aos cidadãos a possibilidade de ver a decisão revisada e, assim, obter a eficácia da tutela dos seus direitos, que "os imperadores afirmavam e estendiam a aplicação das leis imperiais e garantiam um controle cada vez maior sobre toda a estrutura administrativa romana".
Com o passar do tempo, a estrutura judiciária romana foi se tornando mais complexa e a quantidade de recursos aumentou. Então, resolveu-se que as apelações – até então julgadas pelo próprio imperador – passaram a ser decididas por outros magistrados (exemplo: prefeito do pretório). Dessa maneira, foi necessário criar diversos graus hierarquicamente interligados para compor a estrutura judiciária, e, com isso, "a parte poderia apresentar mais de uma apelação, desde que acima do julgador estivessem outros magistrados. Assim, quanto mais elevado o grau do magistrado, menor a quantidade de juízes a que se poderia recorrer".
Nesse período, as sentenças válidas poderiam ser modificadas por um magistrado de grau superior, mas deveriam conter equívoco quanto à aplicação do direito vigente. Contudo, havia limitação ao direito de recorrer por meio da apelação, quando se tratasse de sentenças válidas proferidas pelo próprio imperador, senadores e magistrados, cujo julgamento se fazia sob delegação do imperador e seu poder abarcasse explicitamente essa irrecorribilidade.
Em termos de história retratada de forma sucinta sobre a apelação, cabe anotar, em primeiro lugar, que esse recurso, como meio de impugnar decisões, propiciou a existência não só do duplo grau de jurisdição, mas de uma pluralidade de instâncias de jurisdição; e, em segundo lugar, o direito de recorrer guardava claramente a ideia "hirárquico-autoritária de controle da administração por parte de organismos superiores que chegavam até o imperador, um verdadeiro meio de fiscalização dos magistrados, na medida em que, sendo a atividade judiciária realizada pelos mesmos funcionários que exerciam a atividade administrativa, não existia, evidentemente, uma independência dos juízes a quo em relação àqueles ad quem".
Trilhando o caminho do sistema da appelatio, muitos países continuaram a adotar a pluralidade de instâncias, como se percebe da explanação de Piero Calamandrei: "Em todos os ordenamentos processuais dos povos civilizados, a partir da extraordinaria cognitio do ordenamento romano, reconheceu-se a conveniência de fazer transitar a mesma causa, antes que em relação a ela se forme a coisa julgada irrevogável, por meio de uma série de exames sucessivos, cuja prática constitua para os jurisdicionados uma garantia de eliminação dos possíveis erros do juiz. Para que essa garantia se torne eficaz é necessário que o novo exame tenha lugar perante um órgão judicial, distinto daquele que primeiro conheceu a causa, de modo que frente ao segundo juiz constitua uma confirmação e um controle da sentença já pronunciada sobre o mesmo objeto pelo juiz anterior".
No concernente à introdução do sistema recursal no Brasil e quebrando um pouco as etapas históricas relacionadas ao assunto, mas não menos importantes, há registro de que após a independência do Brasil em relação a Portugal, aquele país continuou sendo regido pelas leis portuguesas, especialmente as Ordenações Filipinas, que tratavam de matéria processual, a exemplo da reformatio in pejus, a impossibilidade do revel verdadeiro apelar, bem como os outros casos em que a parte não pode apelar, entre outros. Não obstante, diversas normas foram sendo criadas de modo que o direito processual civil brasileiro foi amoldando-se para ter a sua própria identidade.
Em realidade, a Constituição imperial de 1824 – única Constituição brasileira que elevou, por força das ideias inspiradas pela Revolução Francesa de 1789, as quais foram responsáveis por adotar o duplo grau de jurisdição decorrente do instituto da cassação, em nível constitucional e irrestritamente o direito de recorrer – dispunha em seu artigo 158 que "Para julgar as Causas em segunda, e última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para commodidade dos povos".
Assim, na seara do constitucionalismo brasileiro, apenas a Constituição de 1824 previu expressamente o duplo grau de jurisdição, as demais ficaram silentes, só dispondo de competências recursais ordinárias, a exemplo da Constituição Cidadã de 1988. Entretanto, no tocante ao processo penal, no Brasil, adota-se a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), o qual consagra o direito ao duplo grau de jurisdição em matéria penal (artigo 8º, n. 2, h).
Nessa esteira, cumpre aprofundar o instituto sob exame. Inicialmente, o termo duplo grau de jurisdição, tecnicamente, não traduz de forma satisfatória o seu conteúdo. Isso porque o vocábulo jurisdição – do latim jus dicere, dizer o direito – dimana da soberania do Estado, isto é, constitui o poder de julgar derivado do imperium pertencente ao Estado. Assim, exprime o poder de julgar de um juiz outorgado pelo Estado soberano. E, como bem expressou Oreste, "se a jurisdição é uma das projeções do poder soberano, tolerar o duplo grau de jurisdição seria admitir a existência de várias jurisdições e, consequentemente, a pluralidade de soberanias, o que não faz sentido".
Assim, a jurisdição é a própria manifestação do poder do Estado, vez que, como dito, coube ao juiz, por outorga estatal, dizer o direito – ao aplicar a norma ou fazê-la produzir efeitos concretos, afirma a vontade espelhada na norma de direito material, que guarda os fins do Estado e, portanto, as normas constitucionais reveladoras das suas preocupações básicas. Dessa forma, essa manifestação deve abarcar uma diversidade de objetivos, "conforme seja o tipo de Estado e sua finalidade essencial".
Em realidade, o duplo grau de jurisdição vem a se relacionar com a competência que, juridicamente, significa a medida da jurisdição ou parcela dela a ser distribuída para o exercício de um ou mais de um órgão. Porque a jurisdição é o poder soberano do Estado outorgado ao juiz, o duplo grau de jurisdição tem a ver necessariamente com a competência de certos órgãos do Judiciário para o reexame de demandas julgadas por outros juízes. Assim, "não há que se falar em dois graus de 'jurisdição', mas em dois órgãos do Poder Judiciário analisando a mesma causa".
Nesse passo, seria melhor dizer duplo juízo sobre o mérito, porquanto se analisa uma segunda vez a mesma causa por um outro órgão judiciário, geralmente de grau superior. Quer dizer: a parte que, em sentença de primeiro grau, sair-se sucumbente poderá apresentar recurso, dirigido, normalmente, a um outro órgão de grau superior, cuja decisão será proferida de modo a substituir a primeira, passando a ter eficácia e eventual executoriedade. Assim, o juízo sobre o mérito será realizado por dois órgãos do Poder Judiciário.
Entretanto, há de se considerar também que o órgão julgador poderá ser do mesmo grau de jurisdição, sem afronta à regra da dupla revisão. Isso acontece, por exemplo, com os Juizados Especiais de pequenas causas. O artigo 41, § 1º, da Lei 9.099/1995 prevê o julgamento do recurso por órgão colegiado composto por juízes de primeiro grau. É de bom alvitre lembrar que, a despeito de, em certos casos, o juízo ser do mesmo grau, veta-se direcionar o recurso para o juiz prolator da decisão.
A partir desse contexto, é possível conceituar o duplo grau de jurisdição como sendo a regra ou o mecanismo recursal que propicia ao vencido a faculdade de recorrer da sentença, cujo recurso, constituído de efeito devolutivo, será dirigido a juiz diferente daquele prolator da decisão originária e que terá por tarefa revisar o julgado, o qual desembocará numa decisão substitutiva da primeira, modificando-a ou confirmando-a.
Há muito, o duplo grau de jurisdição vem sendo considerado de modo absoluto como um princípio ou uma garantia, pois representa um meio de controle das sentenças e uma garantia de melhor justiça. Isso porque, para os defensores desse entendimento, "em primeiro lugar satisfaz uma exigência humana. Ninguém se conforma com uma única decisão que lhe seja desfavorável. Em segundo lugar, não se pode olvidar a possibilidade de sentenças injustas ou ilegais, e até mesmo proferidas por juízes movidos pelo temor (coação) ou sentimentos menos dignos (peita). Daí a segurança da justiça aconselhar o reexame das causas por meio dos recursos".
Outrossim, diz-se que o principal fundamento para manutenção do duplo grau é sua natureza política: nenhum ato estatal pode ficar sem controle. A possibilidade de que as decisões venham a ser analisadas por um outro órgão assegura que as equivocadas sejam revistas. Além disso, imbui o juiz de maior responsabilidade, pois ele sabe que sua decisão será submetida a nova apreciação.
Entretanto, não é possível prosperar a tese defendida no sentido de que o duplo grau de jurisdição constitui meio de controle interno, realizado pelo próprio Judiciário. Isso porque, em primeiro lugar, a finalidade do duplo grau de jurisdição é propiciar ao vencido obter novo exame da questão já decidida; e, em segundo lugar, no Brasil, "os tribunais, através das corregedorias, têm suas próprias formas de inibir condutas ilícitas, que obviamente não se confundem com decisões injustas". E cabe aqui lembrar do órgão de controle da atuação administrativa, financeira e disciplinar do Poder Judiciário (exceto do STF) e de correição acerca do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e servidores do Poder Judiciário: o Conselho Nacional de Justiça- CNJ.
Ressalte-se que, desde a sua origem, o controle sobre as atividades legislativas e administrativas guardava uma ideia garantista. Esses sistemas de impugnação contra leis inconstitucionais (judicial review) e atos administrativos ilegais surgiram para garantir, acima de tudo, a proteção do cidadão em sociedade.
Diferentemente, o sistema recursal, como visto, advém da concepção hierárquico-autoritária. Na época do império romano, liderado por Otaviano Augusto, o qual alterou o processo civil com a introdução da extraordinaria cognitio, esse imperador não admitiu que fosse a apelação dirigida contra a decisão do princips, "tendo em mente que, desse modo, poderia dar aos romanos mais uma oportunidade de exame de seus litígios, a fim de que se fizesse uma 'justiça melhor'. Na verdade, seu objetivo era tão somente ter um mecanismo de controle e concentração do poder".
Nos dias atuais, porém, prevalece a concepção de que o recurso visa propiciar a revisão do julgado, não servindo de mecanismo de garantia da fiscalização da atividade jurisdicional. Assim também entendeu, tempo atrás, Chiovenda, quando exprimiu não ser possível, "no Estado moderno, a pluralidade de instâncias fundar-se na subordinação do juiz inferior ao superior, por não dependerem os juízes, quanto à aplicação da lei, senão da lei mesma". Continuou o jurista italiano lecionando que "o recurso ao juiz imediatamente superior é o modo de realizar o princípio do duplo grau. Sem embargo, não sendo mais o recurso, como vimos, a reclamação contra o juiz inferior e sim, simplesmente, o expediente para passar de um a outro exame da causa, a causa no duplo exame conserva a unidade; único é o julgado e é o que emanou em grau de recurso."
Por outro norte, não é possível dizer que a Constituição Federal garante o duplo grau de jurisdição, ainda que implicitamente. Isso porque, em primeiro lugar, quando o texto constitucional prevê a interposição de recurso para tribunal superior, restringe essa faculdade recursal, ao elencar, por exemplo, em seu artigo 102, III, as matérias recorríveis pela via do recurso extraordinário, e, como bem expressou Luiz Guilherme Marinoni, que, nesse caso, o dispositivo aludido "não exige, para o cabimento do recurso extraordinário, que a decisão tenha sido proferida por tribunal", porquanto estabelece interposição de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal nas causas decididas em única e última instância.Quer dizer: a atual Constituição ao mesmo tempo que confere ampla possibilidade de recorrer por meio do recurso extraordinário, quando não limita a interposição somente para decisões proferidas pelos tribunais, restringe o seu cabimento às hipóteses contempladas no seu inciso III.
Nesse aspecto, cabe ressaltar a pertinente observação de Oreste Laspro no sentido de que "[...] o fato de a Constituição prever a existência de recursos, não significa que todas as decisões possam ser impugnadas por meio deles. Aliás, pode-se mesmo dizer que a Constituição em vigor incentivou o legislador ordinário a restringir o direito de apelação. Com efeito, a Carta Política anterior determinava que o recurso extraordinário somente fosse admissível contra as decisões de tribunal, o que, sem dúvida, impedia o acesso aos tribunais superiores a fim de discutir as questões constitucionais e relativas à legislação federal".
Por outro ângulo, também poder-se-ia dizer que só o fato de, em sede recursal de natureza extraordinária, não ser possível formular pretensões de cunho factual e de questões de direito infraconstitucional já seria suficiente para afirmar que a Constituição da República não garante o duplo grau de jurisdição, tendo em vista a exigência, para se utilizar dessa regra recursal, do efeito devolutivo. O recurso especial segue o mesmo raciocínio, tendo em vista ser limitado quanto à matéria, não sendo cabível às questões fáticas e àquelas relativas à lei local e texto constitucional.
Por fim, é oportuno ressaltar as palavras externadas, com muita propriedade, por Marinoni: "Ter direito ao duplo grau de jurisdição significa ter direito a um duplo exame de mérito por dois órgãos distintos do Poder Judiciário. Partindo-se desse conceito, é evidente que a nossa Constituição não consagra o direito ao duplo grau de jurisdição no processo civil. O fato de a Constituição ter previsto tribunais com competências recursais ordinárias não impede o legislador infraconstitucional de permitir, por exemplo, que o tribunal conheça do mérito da causa sem que o tenha feito anteriormente o juízo de primeiro grau (art. 515, § 3º, do CPC), nem impede, tampouco, a limitação do próprio direito ao recurso em causas de menor expressão econômica (por exemplo, art. 34 da Lei 6.830, de 1980)".
VI – A Mitigação do Duplo Grau de Jurisdição Faz-se Necessária em Prol da Plena Efetivação do Direito à Tutela Jurisdicional
Cumpre iniciar o tema tecendo, preliminarmente, algumas linhas sobre o direito fundamental ao devido processo legal, como premissa essencial à compreensão, de modo holístico, da busca da tutela jurisdicional efetiva pela via da mitigação do duplo grau de jurisdição, sem se olvidar que também aquela constitui o fim maior da cláusula due process of Law, motivadora da existência de uma relação independente entre os três institutos.
O devido processo legal (law of the land, due course of Law ou due process of Law), originado na Inglaterra, de 1215, com a Magna Carta ou "Carta da Liberdade", deveu-se, em suma, à problemática, desde os tempos de Guilherme, de o rei não respeitar as prerrogativas dos barões feudais. Estes, motivados por insatisfação quanto ao procedimento da realeza, pressionaram o rei João Sem Terra a assinar a Magna Carta, com o fim de limitar os poderes reais no tocante ao direito à vida, à liberdade e à propriedade. Assim foi feito, tornando dever de obediência "ao legítimo julgamento da lei do reino, aos usos e costumes da common law, como condição para, eventualmente, restringir os direitos dos barões".
Inicialmente, o due processo of law traduzia-se em garantia processual a um processo adequado (ordely proceedings), tendente a preservar os direitos fundamentais dos barões ingleses. Após, com a adesão do direito norte-americano, a partir da Declaração da Independência de Massachusetts, em 1776, a cláusula ganha expressão de direito fundamental material.
Hoje, o devido processo legal constitui garantia fundamental de justiça e é irrenunciável praticamente em todos ordenamentos constitucionais avançados do mundo, visto constituir um princípio abrangente a alcançar as garantias constitucionais do processo, como o acesso à justiça, o direito de ação, o direito do juiz natural, o contraditório, a ampla defesa, o princípio da igualdade, a motivação da sentença, entre outros. Garantias essas que visam perseguir a máxima efetividade da tutela jurisdicional - assim é que a cláusula due processo of law deve ser concebida tanto sob à ótica instrumental como substancial, porquanto voltada a considerar a matriz constitucional – fundamento de validade da lei processual –, impregnada de direitos fundamentais individuais e sociais. Cabe aqui a pertinente observação de Oreste de que "de nada adianta garantir o procedural due process sem garantir o substantive due process".
Após essa abordagem preliminar, faz-se necessário adentrar no exame específico da restrição normativa justificada racionalmente a certos direitos com vistas à obtenção da tutela jurisdicional efetiva.
Como visto alhures, o Estado legislador contemporâneo deve estruturar o ordenamento jurídico, com técnicas e procedimentos processuais idôneos, de modo a atender as necessidades do direito material e de conferir ao juiz e às partes a oportunidade de se adequarem às particularidades do caso in concreto. E isso normalmente se faz por meio de normas processuais abertas, envoltas de conceitos indeterminados, em razão da própria diversidade fática existente no mundo moderno. Aliás, como bem expressou Marinoni, "para que o processo seja capaz de atender ao caso concreto, o legislador deve dar à parte e ao juiz o poder de concretizá-lo ou de estruturá-lo".
Assim, o direito de participar do processo (artigo 5º, LV, da Constituição), que se perfaz com o contraditório outorgado ao autor e ao réu e que envolve a participação das partes ao alegar, requerer prova, participar da sua produção, recorrer, responder a eventual recurso interposto pelo adversário, etc., pode, como antes pontuado, sofrer restrição.
É natural e plausível, a lei deixar de prever recurso diante de determinada circunstância factual, quando sua eliminação for justificada pela situação de direito substancial. Isso porque não é possível ao legislador prever, em todo e qualquer caso, recurso a uma outra instância, ou mesmo uma dupla revisão pelo mesmo órgão prolator da sentença. Do contrário, estaria ele negando existir a diversidade de situações concretas como também estimulando a utilização protelatória do recurso e, por consequência, ferindo o direito de participação consubstanciado no direito de ação.
O jurista Luiz Guilherme Marinoni, ao tratar do item LV do artigo 5º da Constituição, leciona que quando se elimina recurso com justificação baseada na situação de direito substancial, não há afronta ao direito de defesa, pois "a norma constitucional diz claramente que são assegurados os meios e recursos 'inerentes' ao contraditório – isto é à ação e à defesa".
Segue o jurista brasileiro explicando: "A norma constitucional não garante o direito de recorrer impedindo o legislador de estabelecer um procedimento que não dê às partes o direito de recorrer contra o julgamento. Ao contrário, ela afirma que estão garantidos o contraditório, a ampla defesa e os 'recursos a ela inerentes'. Caso o desejo da norma fosse o de garantir, em todo e qualquer caso, o direito de recorrer, teria apenas dito que aos litigantes são assegurados o contraditório, a ampla defesa, e os recursos, e não o contraditório, a ampla defesa, e os meios e recursos a ela inerentes. Ora, se são assegurados o contraditório, a ampla defesa e os recursos a ela inerentes, é porque os recursos nem sempre são inerentes ao contraditório e à ampla defesa. Não fosse assim, bastaria a norma constitucional ter dito que são assegurados o contraditório e a ampla defesa, pois o direito ao recurso estaria aí necessariamente embutido".
Assim é que quando a Constituição Federal afirma que estão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, conferiu amplitude a partir da perspectiva do due processo of law, em termos de instrumento e de substância. Então, torna-se plausível dizer que certas demandas, nas quais se assegura a ampla defesa, podem sofrer a restrição do direito de recorrer e que outras demandas devam sujeitar-se a uma revisão ou um duplo juízo sobre o mérito, porquanto "os recursos nem sempre são inerentes à ampla defesa"
Note-se que tudo deve ser concebido por meio de uma visão expandida do direito processual. Porque a tendência moderna do processo é sempre a busca da tutela jurisdicional efetiva, em termos de tempestividade e efetividade instrumental-material, deve o legislador infraconstitucional confrontar esse direito com o direito à ampla defesa, e, assim, averiguar a possibilidade de dispensar o duplo juízo quando a situação material justificar racionalmente a restrição do recurso. Como assinalou Marinoni, "o artigo 5º, LV, da Constituição quer dizer que o recurso não pode ser suprimido quando inerente à ampla defesa; e não que a previsão do recurso é indispensável para que seja assegurada a ampla defesa em todo e qualquer caso".
Assim, a Constituição Federal ao assegurar como garantia o direito ao processo (artigo 5º, XXXV), consagrou o due process of law, o qual atinge o seu desiderato, quando da realização efetiva e tempestiva da tutela jurisdicional, de modo que ao não se limitar o duplo grau de jurisdição, proporcionando diversas etapas de impugnação, abrindo espaço para procedimentos protelatórios e aumentando o volume de demandas, estar-se-á, em realidade, provocando um retrocesso e ferindo o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, corolário do devido processo legal.
Na verdade, a dilação indevida do processo conduz à denegação de justiça, por elevar os custos da demanda, e, como comumente se observa, a parte, que já possui um grau financeiro precário, terá gastos ainda maiores em demandar do que quando renuncia o seu direito. E se renuncia, perde o que merece juridicamente. Quer dizer: antecipa-se a possibilidade de afastar o acesso à Justiça. Esse aspecto, por si só, demonstra que o acesso ao Poder Judiciário não está sendo tecnicamente bem estruturado. Desse modo, diz-se que a justiça plenamente acessível é aquela que torne fácil e possível o sujeito se socorrer do Judiciário, esperando dele a resolução em prazo razoável do litígio, sob pena de afrontar premissa constitucional fundamental (artigo 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição).
Por isso, reprise-se, o Estado legislador deve estar atento em editar normas processuais adequadas capazes de proteger os direitos processuais fundamentais contemplados constitucionalmente. E o duplo grau de jurisdição tem sido modelo a comprovar a excessiva duração dos processos, principalmente quando não é levado em conta, pelo legislador infraconstitucional, determinadas matérias, de cunho substancial, que possibilitem justificadamente restringir o uso do recurso.
Nesse passo, observa-se a importância de se mitigar o duplo grau de jurisdição, em determinadas causas envolvendo questões fáticas, a exemplo das relações de consumo, vizinhança, acidente de trânsito, locação, que guardam um grau menor de complexidade, com o fito de o Poder Judiciário atender mais efetiva e prontamente a tutela jurisdicional.
É recomendável, pois, que se elimine o duplo grau para as causas mais simples, notadamente as que envolvam questões factuais, que não sejam passíveis de provocar divergentes entendimentos sobre determinada matéria dos quais resultem em decisões diferentes.
Por outro lado, o duplo grau de certa maneira aniquila o princípio da oralidade e da imediatidade. A análise profunda do acervo fático-probatório do feito é realizada pelo juiz de primeiro grau, quando da fase instrutória. Momento esse em que o magistrado está pronto para diretamente ver, ouvir e sentir as partes e testemunhas e delas extrair a verdade que acontece no campo da realidade e, assim, formar livremente o seu convencimento.
Chiovenda, ao lecionar sobre a oralidade e imediatidade, pronunciou que "o processo oral é, com ampla vantagem, melhor e mais conforme à natureza e às exigências da vida moderna, porque exatamente sem comprometer, antes assegurando melhor a excelência intrínseca da decisão, proporciona-a com mais economia, simplicidade e presteza". Disse, ainda, o jurista italiano: "o juiz, a quem caiba proferir a sentença, haja assistido ao desenvolvimento das provas, das quais tenha de extrair seu convencimento, ou seja, que haja estabelecido contato direto com as partes, com as testemunhas, com os peritos e com os objetos do processo, de modo que possa apreciar as declarações de tais pessoas e as condições do lugar, e outras, baseado na impressão imediata, que delas teve, e não em informações de outros".
Ao juiz de segunda instância, ao contrário, não lhe foi concedido, pelo ordenamento jurídico processual, essa possibilidade de tratar do litígio de forma direta, imediata, perceptivo à participação dos sujeitos, quando declaram ou silenciam, às suas sensações e emoções e que repercutem sobremaneira nas alegações, documentos e fatos esboçados no feito.
E como bem pontuou Oreste, "o juiz de primeiro grau, se não conta com a experiência daqueles de segunda instância, tem a favorecê-lo o conhecimento dos fatos através da prova testemunhal, a concentração e oralidade do processo, permitindo às partes o exercício de seus direitos e prerrogativas. Ademais, nada garante que a última decisão seja mais correta e legítima que a primeira".
Ademais disso, há quem diga que o juiz de segunda instância possui maior experiência e seja mais instruído, por estar exercendo a magistratura há mais tempo, o que lhe permite decidir melhor atingindo a justiça do caso conflitivo. Contudo, tal linha de pensamento não pode vingar, pois se o juiz mais antigo que não teve contato imediato com as partes, as testemunhas, enfim, todas as provas extraídas da fase instrutória, é um equívoco dizer que ele esteja em melhores condições de julgar do que aquele juiz que conduziu a lide participando efetivamente da prova oral.
E, no tocante a essa questão, Marinoni trouxe pertinente observação: "em nenhum outro local alguém diria que o profissional mais antigo deve dar a última palavra sobre todos os casos, aí incluídos aqueles mais simples, que dispensam maiores divagações, principalmente quando se sabe que uma dupla revisão sempre implica maior gasto de tempo e que a demora sempre prejudica a parte que espera por solução".
Pontue-se, ainda, que "é evidente que a vontade do juiz interfere no resultado da instrução, uma vez que o magistrado sempre tem que realizar determinado 'juízo' prévio (o qual é dele e não de outro juiz) para formular pergunta à parte ou à testemunha. O que se quer dizer, em outros termos, é que se o juiz vai formando seu juízo sobre o mérito à medida que o procedimento caminha, é equivocado supor que alguém que julgará com base nos escritos dos depoimentos das partes e das testemunhas estará em melhores condições de decidir".
Nesse parâmetro, convém dizer que é imprescindível a ocorrência de uma mudança de paradigma, no que toca ao pensamento de o juiz de primeiro grau não ser digno de confiança. É necessário prestigiar esse juiz, disseminando a ideia de que, a partir do momento em que ele abraça a causa desde o seu nascedouro, sem qualquer elemento passível de influenciar o seu raciocínio perante o itinerário processual, ele sozinho, a partir da imediação e da prova oral – quando se realiza efetivamente a refutação ou contrariedade das posições jurídicas –, estará com um acervo fático-probatório pronto para produzir uma argumentação adequada que racionalmente justifique a afirmação da tutela prometida pelo direito.
Afinal de contas, a ampliação do poder do juiz, como antes analisado, é, diante das normas abertas, uma tendência jurídica e que conduz a conferir maior efetividade e qualidade à tutela jurisdicional.
Sobre esse aspecto, cabe interessante observação de Luiz Guilherme Marinoni de que "em um sistema em que a sentença apenas excepcionalmente pode ser executada na pendência do recurso interposto para o segundo grau e em que todas as causas devem ser submetidas à revisão, a figura do juiz de primeiro grau perde muito em importância. Isso porque se retira da decisão do juiz a qualidade que é inerente à verdadeira e própria decisão, que é aquela de modificar a vida das pessoas, conferindo tutela concreta ao direito do autor".
A título de ilustração e para demonstrar, ainda mais, ser possível a adoção da mitigação do duplo grau no ordenamento jurídico brasileiro, colhem-se, como modelos, a França e a Itália que há muito incorporaram algumas exceções ao duplo juízo nos seus respectivos ordenamentos jurídico-processuais.
No sistema francês, por exemplo, o duplo grau de jurisdição é tratado, não como uma garantia constitucional, mas como mecanismo recursal regulado pelas leis ordinárias. O Nouveau Code de Procédure Civile garante o direito de apelar e impede a renúncia ao direito de recorrer antes da propositura da ação; de outra parte, concede exceções à regra geral. Há várias situações excepcionais, tais como: atos administrativos, onde se encontram decisões fundamentais do processo contra as quais não se pode apresentar qualquer impugnação; decisões relativas à conexão; extinção do processo em razão da falta de diligência das partes; demandas baseadas no valor patrimonial – demandas imobiliárias, de família, responsabilidade por ato ilícito, entre outras.
Igualmente, no sistema italiano, conferem-se algumas exceções ao duplo grau. No Codice di Procedura Civile, as partes podem convencionar que da sentença não será interposto recurso de apelação, mas tão somente recurso de cassação. Neste caso, deve ser abordado no apelo apenas alegação de violação de dispositivo legal ou equívoco na aplicação de norma de direito.
Ainda, cumpre elencar precedente corroborando a tese da restrição ao duplo grau de jurisdição, oriundo do tribunal constitucional português, citado por Canotilho:
"O Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais não garante, necessariamente, e em todos os casos, o direito a um duplo grau de jurisdição (cfr. Ac 38/78, in DR I, n.º 63 de 17/3/87; Ac 65/88, in DR II, n.º 192 de 20/8/88; Ac 359/86, in DR II, n.º 85 de 11/4/87; Ac 358/86, in DRII, n.º 85 de 11/487. Outros acórdãos no mesmo sentido: Ac TC, n.º 219/89, in DR II, n.º 148 de 30/6/89; Ac TC, n.º 124/90, in DR II, n.º 33 de 8/2/91; Ac. TC, n.º 340/90)"
Esses sistemas recursais oriundos das legislações alienígenas demonstram a preocupação voltada para a brevidade e praticidade do processo, sem, contudo, ofender o devido processo legal em termos de efetividade material da tutela jurisdicional.
Ao final, conclui-se que, em nome da tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional, torna-se urgente, no cenário jurídico brasileiro, a mudança de paradigma e voltar o pensamento à criação de normas jurídicas processuais adequadas, direcionadas a excepcionar o duplo grau, no sentido de afastar a sua aplicação em causas mais simples, especialmente as que envolvam matéria fática. E nas que o duplo grau deva ser mantido, que se opte, como regra, a execução imediata da sentença. Do contrário, "a sentença do juiz de primeiro grau continuará valendo pouca coisa, já que poderá, no máximo, influenciar o espírito do julgador de segundo grau"

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