A OBRIGATORIEDADE DA DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO (COMENTÁRIOS AO ART. 334 DO CPC

May 24, 2017 | Autor: M. José Porto Soares | Categoria: Audiencia, Mediação, Novo CPC
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A OBRIGATORIEDADE DA DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO (COMENTÁRIOS AO ART. 334 DO CPC)

The mandatory designation of conciliation or mediation hearing (comments on Article 334 of the Civil Procedure Code)
Revista de Processo " vol. 262/2016 " p. 123 - 129 " Dez / 2016
DTR\2016\24420

Marcos José Porto Soares
Especialista em Processo Civil pela UNIDERP – Anhanguera- SP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – RJ. Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Integrado – Campo Mourão-PR. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná. [email protected]
 
Área do Direito: Processual

Resumo: O presente estudo versa sobre a obrigatoriedade da audiência de mediação ou conciliação prevista no art. 334 do CPC, mesmo se uma das partes expressar que não quer dela participar. Este posicionamento é o que mais se coaduna com a sistemática processual e constitucional vigente.

 Palavras-chave: Mediação - Conciliação - Audiência obrigatória - Código de Processo Civil - Meios alternativos de solução de conflitos.

Abstract: This study deals with the obligation of the mediation or conciliation hearing provided for article 334 of the Civil Procedure Code, even if one of the parties express that do no want to participate. This position is more in line with the constitutional and procedural current sistem.

 Keywords: Mediation - Conciliation - Mandatory hearing - Civil Procedure Code - Alternative Dispute Resolution.

Sumário:

 

O Código de Processo Civil de 2015 introduziu no procedimento comum a audiência de conciliação e mediação. Está ela prevista em seu art. 334, o qual dispõe: "Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta dias), devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência."
A questão aqui a ser respondida é se essa audiência de conciliação e mediação é obrigatória, mesmo se uma das partes expressar que não quer dela participar.
A discussão ganha relevo uma vez que já após a vigência do novo Código de Processo Civil parte da doutrina vem sustentando que se uma das partes manifestar que não há interesse em participar da audiência ela não deverá ser realizada. Perfilham desta tese os ilustres processualistas Cassio Scarpinella Bueno e Alexandre Câmara.
Cássio Scarpinella Bueno1 afirma que: "Não há sentido em designar aquela audiência nos casos em que o autor, indica seu desinteresse na conciliação ou mediação. Até porque seu não comparecimento pode ser entendido como ato atentatório à dignidade da justiça nos moldes do §8º do art. 334. Trata-se de interpretação que se harmoniza e que se justifica com o princípio da autonomia da vontade – tão enaltecido pelo CPC de 2015 – e que, mais especificamente preside a conciliação e a mediação. Expresso, nesse sentido, aliás, o art. 2º, V, da Lei nº 13140/2015, que disciplina a mediação. Ademais, de acordo com o § 2º, daquele mesmo art. 2º, 'ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação'. De outra parte, ainda que o autor nada diga a respeito da sua opção em participar, ou não, da audiência de conciliação ou de mediação (quando se presume sua concordância com a designação da audiência consoante se extrai do §5º do art. 334), pode ocorrer de o réu manifestar-se, como lhe permite o mesmo dispositivo, contra sua realização, hipótese em que a audiência inicialmente marcada será cancelada, abrindo-se prazo para o réu apresentar sua contestação, como determina o inciso II do art. 335)."
Por sua vez, Alexandre Câmara2 diz que: "Apesar do emprego, no texto legal, do vocábulo "ambas", deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se realizará se qualquer de seus pares manifestar, expressamente, desinteresse na composição consensual".
Este posicionamento, todavia, não deve prevalecer. As únicas hipóteses em que não se realizará a audiência são aquelas previstas no § 4.º, I e II, do art. 334 do CPC (LGL\2015\1656), quais sejam: "se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual" ou "quando não se admitir autocomposição".
É preciso notar que o Código de Processo Civil adota uma nova postura quanto à resolução dos litígios. A preferência é que as lides sejam resolvidas através da conciliação e mediação ou por outros métodos consensuais de composição de conflitos. Esta é a dicção do art. 3.º do CPC (LGL\2015\1656)3 como também do preâmbulo da Constituição da República.4
Logo, o modelo constitucional de processo não pode se afastar desse norte. E foi por esta razão que a Lei Processual de 2015 inseriu a audiência de mediação e conciliação como fase de suma importância dentro do procedimento comum.
A mediação e a conciliação são técnicas de solução consensual de conflito e estão enfeixadas dentro da categoria das ADR(s), sigla para Alternative Dispute Resolution. Destaca-se que foi Frank Sander, professor de Harvard, que na década de 1960 estabeleceu-se o conceito das ADR's.
A expressão "alternativo" não é a melhor. Em decorrência da prestação jurisdicional estatal não atender apropriadamente a quantidade de demandas e nem ser voltada para a solução da lide numa amplitude social e psicológica, tais métodos devem ser vistos não como alternativos, mas sim como os mais adequados à solução de conflitos. Henry Brow e Arthur Marriot5 estabelecem que, com o intuito de manter o acrônimo "ADR", é possível a substituição do termo "alternative" para "appropriete". Em que pese essa interessante visão, já está sedimentada a denominação "Alternative Dispute Resolution" e no Brasil Métodos Alternativos de Solução de conflito (MASC).
Dentro das ADRs, ao lado da mediação e conciliação, também como método consensual de conflitos, destaca-se a negociação. O que distingue a negociação das demais técnicas é que nela não há participação de uma terceira pessoa.
A negociação pode ser conceituada como o método em que as próprias partes buscam a solução do conflito, sem a participação de um terceiro. A negociação envolve uma comunicação bilateral exclusiva das partes, sem a intervenção de outra pessoa. É um processo natural e muito comum no dia a dia uma vez que em todas as relações jurídicas há basicamente uma negociação.
Humberto Dalla Bernadina de Pinho6 ensina que "a negociação é um processo bilateral de resolução de impasses ou controvérsias, no qual existe o objetivo de alcançar um acordo conjunto, através de concessões mútuas."
A mediação, por sua vez, é um meio de solução de conflitos, onde uma terceira pessoa auxilia as partes a chegarem, por si, a um acordo. Zapparolli7 define mediação como o procedimento que "visa à facilitação às partes envolvidas em conflito, à administração pacífica desse conflito por si próprias. Ou seja, uma pessoa capacitada e neutra, o mediador, usa técnicas específicas de escuta, de análise e definição de interesses que auxiliam a comunicação dessas partes, objetivando a flexibilização de posições rumo a opções e soluções eficazes a elas e por elas próprias." O mediador tem a função de propiciar o diálogo entre os envolvidos no litígio, de maneira que possam eles de forma harmoniosa chegarem a um consenso. O papel do mediador não é apontar uma solução para o conflito, e nem impor uma decisão, mas fazer com que as partes decidam por si só os rumos para a solução do conflito.
A diferença entre a mediação e a conciliação reside no grau de intervenção do terceiro na solução do conflito. Na conciliação há um espaço maior de intromissão do terceiro, este poderá apontar a melhor saída para o conflito. Na mediação o terceiro tem uma participação mais sutil, conduzindo as partes "com abstenção de aconselhamento, emissão de parecer ou proposição de fórmulas de acordo, pois as partes devem chegar à resolução do conflito". 8 O mediador apoia as partes para que delas surja a solução, ao passo que o conciliador propõe as partes a solução para o conflito. Quanto à finalidade, Petrônio Calmon9 elucida que a mediação tem como fim resolver com abrangência o conflito, pondo fim à lide também na sua esfera sociológica, enquanto na conciliação o objetivo é menos ambicioso, no qual se busca a resolução do conflito tão somente sob o âmbito jurídico.
Urge ter em vista que a mediação e a conciliação, como meios alternativos de solução de conflitos, por mais paradoxal que pareça, existem exatamente para aqueles casos em que uma das partes, em situação de resiliência, não pretende um acordo. Se as partes logo após o litígio mostrarem-se dispostas a um acordo, totalmente desnecessária a intromissão de um mediador ou conciliador, podendo a solução ser alcançada antes em uma negociação, sem a presença de terceira pessoa.
E, havendo possibilidade de uma negociação entre as partes, mas mesmo assim um deles ingressar com uma ação, sem ter procurado a parte adversa para um diálogo, haverá grandes riscos da ação ter sido proposta de forma inválida, em face da ausência do interesse processual de agir (condição da ação).
Vale destacar que interesse processual de agir, como condição da ação, tradicionalmente é determinado pela utilidade e necessidade da propositura da demanda. Grinover, Cintra e Dinamarco10 sobre a necessidade como interesse processual de agir dizem que: "Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão Estado – ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela, ou porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos mediante prévia declaração judicial."
Existe, nesta ótica, uma escala a ser observada, para que a máquina judicial seja somente movimentada em ultima ratio: negociação, acordo ou mediação e, por fim, a ação.
A obrigatoriedade do comparecimento à audiência de mediação e conciliação advém do interesse público de oportunizar as partes o alcance a uma solução consensual, antes da intervenção jurisdicional na solução do conflito. Isto não quer dizer em hipótese alguma que serão obrigados a chegar a um acordo. A obrigatoriedade tange a designação da audiência pelo magistrado e ao seu comparecimento pelas partes.
Na Argentina o sistema processual é ainda mais radical. Para a propositura de demanda judicial é preciso demonstrar que as partes participaram antes de uma audiência de mediação e conciliação. É lá, portanto, esta audiência uma condição para o regular exercício do direito de ação.
O sistema brasileiro também incentiva a mediação e conciliação num momento anterior a judicialização do conflito, mas não é a sua tentativa requisito obrigatório para propositura de uma demanda. A opção legislativa foi mais amena, trouxe a audiência de mediação e conciliação como fase posterior a propositura da demanda, mas antes da contestação. Esta posição não retira da mediação e da conciliação o seu caráter ideal como solução do conflito.
O interesse processual de agir, intrínseco a demanda, deve continuar existindo em todo o trâmite procedimental, até a fase do mérito. Desta forma, a não realização da audiência de mediação e conciliação, quando exigida por lei, poderá acarretar na perda do objeto da ação, por ausência de interesse processual de agir. Pode-se, destarte, dizer que a audiência de conciliação e mediação, tal como instituída, no art. 334 do CPC (LGL\2015\1656) é uma condição de prosseguibilidade do direito de ação.
Não se vislumbra necessidade em seguir com uma demanda cuja possibilidade de acordo e mediação não foi oportunizada pelo Estado às partes. Mesmo que uma das partes, desde logo, diga que não quer o acordo, ela não se sujeitou aquela audiência. Audiência esta que tem como fim exatamente convencê-la a fazer um acordo; e que deve ser conduzida por especialistas treinados psicologicamente na arte de fazer com que os ânimos se acalmem e seja possível um diálogo antes impossível. Só após essa passagem, pela audiência de mediação e a conciliação, é que para o Estado surge o interesse legítimo em seguir com o processo, em busca de uma sentença que irá substituir a vontade das partes. As partes não podem dizer que não querem acordo ou mediação antes de passarem por eles.
Ademais, o art. 334 do CPC (LGL\2015\1656), expressa que se um dos litigantes se silenciar (o que presume que quer a mediação ou conciliação) ou expressamente manifestar tal vontade de acordo, deverá haver a audiência. A vontade de um manifestante em chegar a um acordo já é um indicativo que o consenso pode ocorrer. Não poderia o Estado fechar as portas para esse meio de solução, máxime quando uma das partes não demonstre a ela resistência. Pelo contrário, deverão as partes, diante dessa condição, serem encaminhadas ao experimento da mediação ou da conciliação.
Por fim urge notar que por ser a mediação nova técnica no sistema brasileiro, é preciso incrementar a sua cultura na estrutura de solução de conflitos no Brasil. É necessário fazer com que os conflitantes a vivenciem concretamente. Como poderão dizer que não querem algo que nem conhecem? Veja que uma manifestação no sentido de não pretender ir a audiência do art. 334 do CPC (LGL\2015\1656) sem mesmo saber o que venha ser a mediação, estará envolta por um vício de vontade. Por isso, que não se pode admitir uma interpretação limitativa do alcance da norma do art. 334 do CPC (LGL\2015\1656). É curial dar interpretação máxima e programática a referida norma para que além dos operadores do direito, a todos que procuram o Estado para uma solução de conflito sejam-lhes apresentadas a essa novidade técnica. Isso inclusive é o que consta de forma clara e expressa no art. 334 do CPC (LGL\2015\1656).

ALVAREZ, Gladyz Stella. La mediación y El acceso a justicia. Santa Fé: Rubinzal y Associados, 2003, 1996.
BROWN, Henry J.; MARRIOTT, Arthur L. ADR: Principles and Practice. London: Sweet & Maxwell, 2011.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
CÂMARA, Alexandre. Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2010.
PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ZAPPAROLLI, Célia Regina. A experiência pacificadora da mediação: uma alternativa contemporânea para a implementação da cidadania e da justiça. In: MASKAT, Malvina Estar. Mediação de Conflitos – pacificando e prevenindo a violência. 2. ed. São Paulo: Summus, 2003.

1 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. Volume único. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 295.
 
2 CÂMARA, Alexandre. Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 201.
 
3 "A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial."
 
4 No preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988 há diretriz que as controvérsias sejam solucionadas de forma pacífica. É o texto: "Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos (...) com a solução pacífica das controvérsias."
 
5 BROWN, Henry J.; MARRIOTT, Arthur L. ADR: Principles and Practice. London: Sweet & Maxwell, 2011, p. 2.
 
6 PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
 
7 ZAPPAROLLI, Célia Regina. A experiência pacificadora da mediação: uma alternativa contemporânea para a implementação da cidadania e da justiça. In: MASKAT, Malvina Estar. Mediação de Conflitos- pacificando e prevenindo a violência. 2. ed. São Paulo: Summus, 2003., p. 52-53.
 
8 ALVAREZ, Gladyz Stella. La mediación y El acceso a justicia. Santa Fé: Rubinzal y Associados, 2003 1996, p. 223 e 224
 
9 CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
 
10 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2010, p. 281.



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