A oralidade textual como parte da reconstrução da violência pela mídia impressa: o caso do jornal SuperNotícia

June 19, 2017 | Autor: Rodrigo Portari | Categoria: Media Studies, Lingüística, Jornalismo, Linguagem, Mídia, Oralidade, Jornalismo Popular, Oralidade, Jornalismo Popular
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A oralidade textual como parte da reconstrução da violência pela mídia impressa: o caso do jornal SuperNotícia O jornal Supernotícia é o que podemos chamar de “fenômeno” da comunicação. Com poucos anos de existência, acumula em sua história recordes em tiragem, chegando aos 300 mil exemplares, conforme dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), o que supera, e muito, outros jornais mineiros com mais tempo de existência, com o próprio jornal O Tempo, pertencente a seu mesmo grupo de direção. Nascido no ano de 2002, o jornal tem em sua linha editorial um perfil mais popular, o que antes era chamado de sensacionalismo (ANGRIMANI, 1996), e sustenta em sua capa praticamente a mesma fórmula que garantiu sucesso a publicações como o Notícias Populares, que são o futebol, o sexo e a violência/morte. Mantidas as devidas proporções, o jornal pratica o que poderíamos chamar de “sensacionalismo light”, uma vez que não é prática desta publicação a exibição de imagens de violência gratuita, como corpos queimados ou mutilados, tal como figurava no extinto NP. Porém, para o editor do jornal, não é correto chamá-lo de “sensacionalista”: Tantas vezes criticado como sensacionalista e como sendo popular, o editor do jornal diz: “se popular for um produto que atrai milhares de pessoas diariamente, o Super é popular. Agora, muitas pessoas o confundem com sensacionalismo com "popular". O Super não é um jornal sensacionalista, não inventa reportagem e nem expõe as pessoas. É um jornal sério, recheado com muitas informações objetivas e que é de interesse público.” (ZORKOT SILVA, 2006, p.1)

A linha popular do jornal é reforçada pelo seu preço de capa, apenas R$0,25, e sua facilidade de aquisição pela população. Na capital de Minas Gerais, além das tradicionais bancas de jornal e revista, ele é vendido em semáforos e outros pontos de venda variados, garantindo uma ampla circulação mesmo dentro de Belo Horizonte. Com formato tablóide, o Super Notícia trabalha com textos menores e linguagem que se aproxima do popular, porém, não do popularesco, evitando gírias e palavras de baixo calão em seus textos. Porém, nas manchetes de capa, é possível perceber traços de oralidade que visam a aproximação direta com seu público alvo, considerado como pessoas de baixo poder aquisitivo (o que justifica o baixo preço de capa) e com menor grau de instrução.

2 Com uma linguagem clara e objetiva e um formato dentro da tendência mundial - tablóide -, ele leva informação, sobretudo, às classes B, C e D. A população de menor renda, que até então não tinha acesso à mídia impressa, hoje, pelo baixo custo do jornal, consegue estar informada diariamente. (PAULA; CALIC, 2007, p.2)

Com essa segmentação, aparentemente não é intenção da publicação disputar espaço com o jornal de maior circulação em Minas Gerais, o Estado de Minas, que ocupa principalmente a sua capa com o noticiário político e econômico, características mais voltadas a uma segmentação diferente de público. Sendo a capa o primeiro ponto de contato entre emissor e receptor do jornalismo impresso (LOPES, 2002), e se considerarmos a primeira página como a embalagem de um produto que deve ser atrativa para seu consumidor-alvo, é correto afirmarmos que é pela capa que a publicação mostra de forma mais clara sua orientação editorial e, ainda, seu perfil de notícias e publicações. E é por este motivo que adotamos a capa deste jornal como ponto de partida para a nossa investigação quanto à (re)construção da violência e da morte através dos textos de manchete, privilegiando em nosso recorte as edições onde a temática é destacada. Definir o que é ou não é violência é um exercício que demanda cuidado em seu recorte. Nem sempre o termo pode ser definido de forma fechada por se tratar de conceito relativo e, muitas vezes, ligadas às concepções culturais e subjetivas. Exemplo clássico desta situação são os atentados de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas nos Estados Unidos. Enquanto a população daquele país se chocava com a queda das torres do World Trade Center e lamentava suas vítimas, no Afeganistão e em países declaradamente “anti-Estados Unidos”, pessoas comemoravam a derrota simbólica do poderio militar, econômico e político exercido até então pelos EUA. Da mesma forma, também temos a violência simbólica, onde, por exemplo, países podem impor sanções econômicas uns aos outros, com aumento de impostos de importação que podem refletir em problemas econômicos para a população de outro país, numa forma de “violência social”. A violência social, ocorrente em todos os planos (econômico, político, psicológico) da existência, quando considerada por suas formas externas de manifestação, apresenta dois tipos básicos: a violência direta, que é o uso imediato de força física; e a violência indireta (latente), que inclui os diversos modos de pressão (econômicos, políticos, psicológicos) ou então a ameaça do emprego da força. Esta classificação insere-se na mesma linha de raciocínio que considera a diferença dos aspectos de ato e estado no fenômeno da violência. (SODRÉ, 2006, p.17-18)

² Para a Semiótica da Cultura, a unidade mínima de significação é o texto cultural e toda produção pode ser considerada um texto: livros, música, quadros, etc.

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A fim de evitarmos a duplicidade na interpretação do conceito, optamos por adotar a definição de SODRÉ (2006) para violência, onde o autor considera como “violência urbana e anômica” o ato de ferir/matar intencionalmente outra pessoa. Inscreve-se neste campo o ato de violência, em que implicam os crimes de morte, os assaltos, os massacres e outras variantes. Ao contrário do estado de violência, o ato comporta resposta, entrando portanto na dimensão da luta, que integra a dinâmica de toda estruturação social. (SODRÉ, 2006, p.16)

Desta mesma forma, o sociólogo Yves Michaud (1989) divide a violência em duas faces: a violência física – onde se enquadraria qualquer tipo de ação contra o outro, como na violência urbana ou anômica – e a violência simbólica, onde se enquadraria outros tipos de violência que pode atingir o outro de forma indireta, como a burocracia do estado ou a violência política. Norval Baitello Junior, em artigo publicado no portal do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC), enxerga a violência urbana sob a luz de Harry Pross, Vicente Romano e Dietmar Kamper. Todos estes autores, segundo Norval, atribuem o fenômeno da crescente violência urbana à perda da proximidade entre as pessoas. O fenômeno da violência é mais amplo e mais profundo do que a faixa de atuação da chamada mídia. No entanto, como a comunicação e seus processos também são mais amplos do que aqueles processos iniciados com a prensa móvel ou com a transmissão de sinais por eletricidade ou por ondas, pode-se considerar bastante plausível a hipótese de interferência dos modernos meios sobre a evolução da capacidade natural de comunicação do homem e também sua contribuição para o desenvolvimento de patologias da comunicação geradoras de violência. (BAITELLO JUNIOR, 2003, p.83).

Já o jornalista VAN DIJK (1990) vê nas notícias negativas uma predileção da mídia justamente pela atração do público a sucessos negativos responsáveis por, de certa forma, expor os próprios temores dos receptores diante dos fatos relativos à violência ou a morte, como um mecanismo natural de auto-defesa do ser humano a essas situações corriqueiramente difundidas pela mídia. Es decir, generalmente, gran parte del discurso periodístico trata de sucesos negativos, como problemas, escándalos, conflictos, crímenes, guerras o desastres. ¿Por qué? Aunque intuitivamente el hecho de que la gente esté interesada en estas noticias parece ser um fenómenoo muy difundido, si no universal, ello no explica la razón. [...]Psicoanalíticamente, estas diferentes formas de negativadad en las noticias pueden contemplarse como expresiones

² Para a Semiótica da Cultura, a unidade mínima de significação é o texto cultural e toda produção pode ser considerada um texto: livros, música, quadros, etc.

4 de nuestros proprios temores, y el hecho de que lãs sufran otros proporciona tanto alivio como tensión a causa de esa especie de participación delegada em los demás. Los modelos de estos sucesos negativos, pues, están directamente relacionados con el sistema emoal de autodefensa (...). (VAN DIJK, 1990, p.178)

Desta forma, a violência anômica e os fatos negativos fazem parte do cotidiano dos leitores e, no caso do jornal Supernotícia, por sua linha naturalmente mais sensacionalista, não é diferente. Tendo como uma de suas principais pauta a violência – em especial as que resultam em morte, a publicação elabora estratégias para inserir o tema no conjunto de fatos mais relevantes do dia anterior (data em que a edição é encerrada). Ao inserir a morte neste contexto, o jornal atinge um dos pontos mais temidos para quem lê o jornal: a certeza do fim da vida. Para a semiótica da cultura, essa é uma das bases que levaram o homem a criar os textos culturais ², como as artes, a música e, entre eles, o relato de fatos por meio da escrita. A ponte que provoca a aproximação entre morte no jornal e leitor se dá também pelo texto escrito (assim como se dá pelas imagens, cores e diagramação), onde o mundo “exterior” é recontado pela visão do jornalista. Nesse ponto, percebemos a preocupação existente na construção das manchetes e linha fina presentes no jornal Super Notícia, especialmente nos temas relacionados à violência e morte. Em princípio, é nas manchetes que se encontram as mais freqüentes marcas da oralidade, as metáforas populares de efeito, o discurso dúbio da malícia, a sexualização constante dos referentes, a violência exacerbada do discurso, a gíria, as ousadias dos vocábulos obscenos, as frases feitas mais populares. Segundo os jornalistas, as manchetes merecem cuidados especiais porque delas depende o sucesso da venda do jornal, sendo necessário, portanto, motivar o leitor e facilitar o entendimento. A rigor, o gosto e o interesse do leitor determinam diariamente a construção da manchete. (DIAS, 1996, p.62)

É o que se pode ver nas seguintes manchetes extraídas de edições datadas de dezembro de 2009.

Fig.1 -04.12.2009

Fig.2 – 28.12.2009

Fig.3 – 21.12.2009

² Para a Semiótica da Cultura, a unidade mínima de significação é o texto cultural e toda produção pode ser considerada um texto: livros, música, quadros, etc.

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Frases como “Brasil pega Portugal na 1ª fase” (Fig.1), “Os gostosões do ano” (Fig.2) ou “Mata a cunhada e fica pelado” (Fig.3) mostram a tendência do jornal a reproduzir termos comuns no vocabulário oral da população em detrimento ao que dizem os manuais de redação de outras publicações, como a Folha de S.Paulo, onde o é pregado o uso do português mais “formal” ao invés de gírias em seus textos ou manchetes. A contextualização da morte, como destacamos na página 4, com outros elementos do cotidiano, também provoca seu abrandamento e, assim, há uma tentativa de fazer com que o efeito negativo de palavras como “mata”, “morto” ou mesmo “assassinado”, termos comuns em outras edições do Super, faça parte do cotidiano de seus leitores. Para ocorrer isso, percebe-se uma tentativa de aproximação direta com o público-alvo do jornal através da forma como é reconstruída a informação. O tratamento é a maneira de fazer, o modo pelo qual o sujeito informador decide transpor em linguagem (e também iconicamente, caso possa recorrer à imagem) os fatos selecionados, em função do alvo predeterminado, com o efeito que escolheu produzir. Nesse processo, está em jogo a inteligibilidade da informação transmitida e [...] esta depende de escolhas discursivas efetuadas pelo sujeito informador. [...] a escolha põe em evidência certos fatos deixando outros à sombra. A cada momento, o informador deve perguntar-se não se é fiel, objetivo ou transparente, mas que efeito lhe parece produzir tal maneira de tratar a informação e, concomitantemente, que efeito produziria uma outra maneira, e ainda, uma outra, antes de proceder a uma escolha definitiva. (CHAREAUDEAU, 2006, p.38)

As escolhas das palavras no relato do acontecimento interfere na forma como ele é reconstruído (CHAREAUDEAU, 2006, p.152) e, assim, o mundo vai ser interpretado conforme as escolhas textuais do jornal, pois, de um lado, temos o jornal como instância da produção que tem o objetivo de reconstruir o mundo para a instância da recepção (o leitor). O leitor, por não poder questionar diretamente o jornal que lê, tende a assumir seus relatos como retrato fiel da realidade. A instância de produção e a instância da recepção se acham engajadas num processo de transação, no qual a primeira instância desempenha um duplo papel de testemunha do mundo e de interpelador de um público-cidadão, e a segunda, um papel reativo de espelho deformante, pois o discurso que circula entre os dois depende de imaginários sociais. A relação que se instaura entre essas duas instâncias é, pois, sem troca: a informação é dada a consumir como num museu, onde estão expostos, segundo diversas estratégias, objetos (materiais, evenemenciais, informacionais) que têm uma significação mais ou menos simbólica, ao olhar de um público cujo interesse é preciso despertar e cujo prazer é preciso suscitar, com fins de educação (cultural ou cívica); o público, por seu turno,

6 recebe e reinterpreta à sua maneira os objetos de informação oferecidos aos seus olhos, sem poder interpelar a instância que os apresenta. Por mais que as mídias recorram a técnicas ditas interativas, não há diálogo e troca, somente seu simulacro. (CHARAUDEAU, 2006, p.124)

Ao assumir essa condição de reproduzir, em um espaço pré-definido (o tamanho do formato do jornal) a representação do mundo, ou pelo menos, o que foi o mundo no dia anterior, o jornal opta por introduzir, cotidianamente, as notícias relacionadas com a morte e a violência. Mas não basta só isso para que o jornal possa trazer esse assunto – num primeiro momento considerado “delicado” de ser tratado – sem problemas para dentro da experiência de vida de seus leitores. Um dos artifícios utilizados para que isso aconteça está através do processo chamado de “neutralização” (BYSTRINA, 1995), onde é buscada uma forma de tirar toda a carga negativa da palavra (e do fato) ao fazer com que ele se incorpore aos demais acontecimentos como o futebol, a novela ou o sexo. A repetição, incessante do assunto, mais faz com que os leitores se acostumem a ele. Levando em consideração os estudos de BYSTRINA (1995), temos que a morte é uma das bases da cultura humana e, para vencer o fim definitivo, passamos a criar os textos culturais. De acordo com BYSTRINA (1995, p.8-9), os códigos culturais são baseados em três aspectos ³: a binaridade (alto x baixo, claro x escuro, vida x morte), a polaridade (positivo x negativo) e a assimetria (o código negativo tem mais força que o positivo). As forças marcadas como “negativas”, que intervêm na esfera familiar da vida do homem trazendo a doença, são sentidas como mais fortes que as que mantêm a vida, marcadas “positivamente”. De fato, no caso do indivíduo, sempre é a morte, que em oposição à vida, festeja a vitória. Somente por meio da atividade intelectual-mágica, por meio da tradução da oposição em um nível estrutural mais alto ou em uma “segunda realidade”, o homem pode se voltar contra a força esmagadora da assimetria. (BYSTRINA, 1995b, apud GUIMARÃES, 2003, p.109-110)

São conceitos passados ao longo das gerações e baseadas na experiência de vida de cada ser, assim, não ocorrem por herança genética. Transportando estes conceitos para a capa dos jornais, deparamo-nos com a seguinte situação: morte e violência estão presentes nas capas e, por serem negativas, tem mais força que a vida. É preciso, então, fazer com que ela possa ser consumida (ou informada) sem provocar reações adversas em seus leitores. Para isso, Bystrina aponta padrões de solução, que são a identificação, o encadeamento e a inversão. No primeiro, tenta-se criar uma identificação entre os

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pólos positivos e negativos (o que está em cima é igual o que está embaixo); no segundo encadeia-se os valores dos pólos, como na tríade céu x terra x inferno, onde a terra atua tanto como pólo negativo (em relação ao céu) como pólo positivo (em relação ao inferno); e por último a solução mais radical, a inversão, onde o que era negativo passa as ser positivo e vice-versa. O jornal é instância de produção e tem a “obrigação” de retratar fielmente a realidade, qual a solução para encaixar a morte neste contexto? Através da identificação, pode-se neutralizar a informação da morte. Já observamos neste artigo que uma das formas para isso ocorrer é a contextualização da morte com outros assuntos (identificando a morte e a violência no contexto de vida do leitor). Mas também nos aspectos lingüísticos do discurso é possível perceber a preocupação em abrandar o noticiário da morte. E uma das formas encontradas pelo jornal para neutralização através da identificação é o apelo ao cômico, trazendo um tom de irreverência – mesmo que sutil – a um assunto que naturalmente despertaria outros instintos humanos:

Figura 4

Figura 5

Figura 6

Ao optar por informar nas manchetes detalhes inusitados dos fatos, o jornal naturalmente recorre a esse apelo cômico para abrandar a notícia da morte (informação reforçada pela cor preta ao fundo da manchete) e neutralizar o efeito negativo da palavra/situação diante do leitor. Traços cômicos como “ficar pelado” após matar a cunhada, ou procurar um “programa fatal” (numa clara referência à prostitutas) ou ainda detalhar que a vítima pagou a cerveja antes de ser morta faz com que o tom inusitado do discurso da manchete neutralize o primeiro impacto provocado pela notícia. É o que Danilo Angrimani (1995) afirma ser a morte “cômica” no jornal.

8 Há várias mortes no jornal sensacionalista: morte “punitiva”, “cômica”, “pitoresca”, “sádica”, “casual”. Nenhuma delas se relaciona com a morte dos filmes e seriados de TV, que é esvaziada pela linguagem sígnica. A morte, representada nos seriados, passa por um processo de pasteurização que elimina todo o impacto traumático. A morte dos filmes de TV é “digestiva”, descaracterizada, anódina. No jornal a sensação, a morte é apresentada em linguagem-clichê, obedecendo a algumas variações. (ANGRIMANI, 1995, p.116)

Transportando a “sensação” da morte para o jornal através dos elementos cômicos, retomando as manchetes de morte das figuras 4, 5 e 6, temos: Figura 4: “Mata a cunhada e fica pelado” (manchete) / “Após matar aposentada a facadas, em Guaxupé, homem saiu nu pelo corredor do prédio, chutando vidros das portas” (linha fina) Figura 5: “Programa fatal” (manchete) / “Jardineiro xinga prostitutas e tenta fazer sexo à força, mas, durante briga, uma delas o corta no pescoço e passa o carro em cima dele até à morte” (linha fina). Figura 6: “Paga cerveja depois é morto” (manchete) / “Lavrador foi alvo de quatro rapazes e uma moça de 15 anos, que se passaram por amigos para assassiná-lo” (linha fina). Interessante perceber que, apesar de ser um jornal “de sensação”, o Super desenvolve uma linguagem diferente à que era adotada pelo Notícias Populares, jornal mais conhecido deste ramo. Enquanto o Notícias optava por títulos como “Broxa torra o pênis na tomada” ou “Pegou chave e levou na tarraqueta”, o jornal desenvolve outros artifícios para aproximar a escrita com a fala. Ao dizer “...fica pelado” o jornal opta por trazer em sua manchete – em letras maiores – uma construção escrita que faz com que o emissor da informação perca a “seriedade” atribuída ao jornalismo e passe a ser uma espécie de “fofoqueiro” para o leitor. Em seguida, na linha fina, retoma os aspectos lingüísticos esperados por uma publicação impressa ao dizer que “...homem saiu nu pelo corredor”, evitando a repetição da palavra já utilizada na manchete. Ainda na linha fina, a seqüência do relato, intercalado por vírgulas, retoma a forma como um caso é contado de forma oral, com pausas para respiração do emissor da informação. O mesmo ocorre nas duas manchetes subseqüentes: “Programa fatal” é uma clara e aberta ironia quanto ao fato envolvendo prostitutas, enquanto “Paga a cerveja e é morto” ironiza a “conta” paga pelo lavrador assassinado. Ao optar por este caminho, o Super praticamente elimina toda a carga “negativa” da morte para que ela passe a ser encarada como algo engraçado, neutralizando a informação emitida através de suas manchetes através da identificação entre o leitor e o fato. O receptor

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deixa de apenas receber a informação escrita e passa a se identificar com o testemunho do jornal. Para isso, a publicação se vale de uma técnica que chega próximo à piada, apesar de não apelar para palavras jocosas como “broxa”, como ocorria com o Notícias Populares. Ao amenizar o assunto “morte” e “violência”, o jornal procura trabalhar com aspectos lúdicos do leitor. ...a morte cômica procura “afrouxar” a vigilância do superego e tem a intenção de descontrair o leitor. O fait divers é narrado obedecendo ao estilo de uma crônica humorística. A linguagem-clichê provoca uma descarga de satisfação no leitor, que vai rir e se divertir com o texto. [...] Quanto maior for a “economia psíquica”, mais divertida será a piada. Freud distingue a piada ingênua da tendenciosa. A piada ingênua supera o juízo crítico, a razão e faz a pessoa voltar a ser criança novamente, [...]. A piada tendenciosa desbloqueia o conteúdo reprimido, que pode ser até de natureza sexual. O caminho escolhido pelo jornal sensacionalista para fazer as pessoas rirem da morte é o da caricatura, a busca da situação ridícula. (ANGRIMANI, 1995, p.118-119)

Ao fazer essa ponte entre a “morte real” e a “morte cômica” o jornal passa a trabalhar aquilo que BYSTRINA (1995) chama de “segunda realidade”, ou seja, atividades que de alguma forma se ligam à realidade, mas onde o impossível se torna possível (como vencer a morte).

A segunda realidade foi, portanto, uma invenção tardia, construída após o nascimento da linguagem. [...] A segunda realidade é, pois, nitidamente um fenômeno psíquico. Não se pode entrar em comunicação com esse nível de realidade sem o suporte físico da produção de signos. Sem o aparelho fonador, sem as mãos, não é possível criar segundas realidades. Mas temos também que considerar que todos os processos psíquicos são produzidos materialmente no corpo. (BYSTRINA, 1995, p.12-13)

Como uma espécie de jogo, os elementos cômicos presentes nos textos de morte e violência nos ajuda na adaptação da realidade relatada dos fatos com a nossa própria. E esse tipo de “brincadeira” é apreciado pelos homens até a chegada de sua própria morte. (BYSTRINA, 1995, p.14). O jogo promove uma transição voluntária para a segunda realidade. Jogo e seriedade não se excluem decididamente, mas se condicionam. Quando se joga, o mundo em torno é concebido de maneira diferente. Objetos da primeira realidade são colocados na segunda, sob a influência da imaginação. [...] A boneca, por exemplo, nem precisa ter a conformação de uma boneca, pode ser até mesmo um pedaço de pano. As crianças fazem desses materiais portadores de desejos e fantasias. (BYSTRINA, 1995, p.15)

É possível, notar, assim, que ao apelar para o elemento cômico na construção das manchetes do jornal, a morte – a exemplo da boneca – nem precisa ter sido realmente

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“engraçada” (se é que se pode dizer que existam mortes engraçadas), mas a construção verbal faz com que, ao reconstruir a notícia com base na leitura do texto, possamos recriar a cena em todos os seus detalhes, deixando expressos em nossa imaginação nossos desejos e fantasias de como o fato deve ter ocorrido. E esse caminho seguido pela mídia impressa, e no nosso caso o jornal SuperNotícia, é apontado como proposital por CHARAUDEAU (2006):

O acontecimento em estado bruto sofre uma série de transformações-construções desde o seu surgimento. [...] Depois, ao entrar na máquina de informar, passa por uma série de filtros construtores de sentidos, e o relato resultante, assim como seu comentário, escapam à intencionalidade de seu autor. (CHARAUDEAU, 2006, p.242)

Ele ainda acrescenta:

É claro que as mídias nos impõem suas escolhas dos acontecimentos. Não é, como dizem, porque elas tornem visível o invisível, mas porque só tornam visível aquele visível que decidiram nos exibir, e esse visível não é necessariamente igual àquele que o cidadão espera ou deseja [...] É preciso ter em mente que as mídias informam deformando, mas é preciso destacar, para evitar fazer do jornalista um bode expiatório, que essa deformação não é necessariamente proposital. (CHARAUDEAU, 2006, p.253)

Isso nos leva a crer que, por suas escolhas discursivas, o jornal SuperNotícia, através da opção de tornar cômico acontecimentos trágicos, tende a amenizar, para seus leitores, a violência e a morte noticiadas em sua capa. Ao sugerir situações ridículas como matar e sair pelado ou fazer um “Programa fatal” recria-se para os leitores um mundo onde a violência não é tão violenta, e a morte pode até ser engraçada, e não trágica.

Referências Bibliográficas ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue:um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo:Summus, 1995. BAITELLO JUNIOR, Norval. O animal que parou os relógios: ensaios sobre comunicação,cultura e mídia (2ª ed). SãoPaulo: AnnaBlume; 1999. BYSTRINA, Ivan. Tópicos de Semiótica da Cultura (pré-print). São Paulo:CISC, 1995. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo:Contexto, 2006. DIAS, Ana R.F. O Discurso da Violência:marcas da oralidade no jornalismo popular. São Paulo:EDUC, 1996. GUIMARÃES, Luciano. A cor como informação: a construção biofísica, lingüística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2000.

11 _______________. As Cores na Mídia: a organização da cor-informação no jornalismo. São Paulo: Annablume, 2003. MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo, Editora Ática: 1989 PAULA, Judite Arruda; CALIC, Carlos. Jornal Supernotícia: uma inovação no meio jornalístico brasileiro. Disponível em: < http://www.webartigos.com/articles/1715/1/jornalsuper-notcia-uma-inovao-no-meio-jornalstico-brasileiro/pagina1.html>. SODRÉ, Muniz. Sociedade, Mídia e Violência. Porto Alegre: Editora Salina/Edipucrs: 2006. ZORKOT SILVA, Sálua. Supernotícias: o tablóide que virou fenômeno. Disponível em: .

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