A Parcela: Um instrumento de leitura dos elementos lineares emergentes

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Descrição do Produto

Murb | Os Elementos Urbanos

Cadernos

Morfologia estudos da cidade portuguesa

Os Elementos Urbanos

Cadernos de Morfologia Urbana estudos da cidade portuguesa

Os Elementos Urbanos Carlos Dias Coelho [coordenação], João Pedro Costa, João Silva Leite, José Miguel Silva, Luísa Trindade, Paulo Pereira, Sérgio Barreiros Proença, Sérgio Padrão Fernandes e Xavier Monteys

Equipa Grupo de investigação FORMA URBIS Lab Carlos Dias Coelho [coordenação], Maria Calado, João Pedro Costa, Sérgio Padrão Fernandes, Sérgio Barreiros Proença, Ana Amado, João Silva Leite, José Miguel Silva, Pedro Martins e Rui Justo. [email protected] formaurbislab.fa.ulisboa.pt Textos Carlos Dias Coelho, João Pedro Costa, João Silva Leite, José Miguel Silva, Luísa Trindade, Paulo Pereira, Sérgio Barreiros Proença, Sérgio Padrão Fernandes e Xavier Monteys. Desenhos Autores, Grupo FORMA URBIS Lab e Rui Justo. Fotografias Autores e Grupo FORMA URBIS Lab, salvo indicação. Revisão Cristina Meneses Design Gráfico Sílvia Rala Tiragem 1.000 exemplares

Impressão Rainho e Neves, Lda

ISBN 978-972-8479-78-7 1.ª edição|Outubro 2013 Depósito Legal 365065/13

©ARGUMENTUM Edições Estudos e Realizações Rua Antero de Figueiredo, 4-C 1700-041 Lisboa|Portugal

A reprodução de textos e figuras é autorizada, desde que se não altere o sentido, bem como sejam citados a obra e o autor.

[email protected] www.argumentum.pt

A presente edição segue a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

Índice 009 012

APRESENTAÇÃO

1. O TECIDO.

Leitura e interpretação Carlos Dias Coelho

1. A forma da cidade 2. O tecido urbano e o entendimento da forma 3. Qualidades do tecido urbano 4. A leitura do tecido urbano 5. Nota inconclusiva 036

2. O TRAÇADO.

O sítio e a forma da cidade Sérgio Padrão Fernandes

1. A composição urbana 2. O sítio como factor deformador das malhas 3. O sítio como elemento gerador do traçado 4. O traçado: necessidade e comodidade 058

3. A MALHA .

Fazer cidade no Portugal medieval: agentes, programa e execução Luísa Trindade

1. Introdução 2. Enquadramento: a cidade como instrumento da política régia 3. O processo de fundação 4. O programa 082

4. A PRAÇA .

A reinterpretação do espaço público na valorização dos conjuntos patrimoniais no século XX José Miguel Silva

1. A praça como elemento urbano 2. A invenção da praça tradicional no século XX 3. Conclusão 100

5. A RUA .

Os tipos morfo-toponímicos de Lisboa Sérgio Barreiros Proença 1. A rua, percurso e lugar 2. A importância da designação topomínica 3. Metodologia 4. A diversidade das designações dos arruamentos de Lisboa e os tipos toponímicos 5. O nome da rua, adequação e coerência

122

6. O QUARTEIRÃO.

Elemento experimental no desenho da cidade contemporânea João Pedro Costa

1. Introdução 2. O Bairro de Alvalade e o desenho do quarteirão 3. Alvade, a manipulação do quarteirão no desenho da cidade 4. O quarteirão e a tipologia do edificado corrente em Alvalade 5. Conclusão: o quarteirão, a cidade e o projecto 144

7. A PARCELA .

Um instrumento de leitura dos elementos lineares emergentes João Silva Leite 1. A metamorfose de eixos infraestruturais 2. Parcela. A afirmação de uma componente urbana 3. A parcela urbana em elementos lineares não consolidados 4. Considerações finais

164

8. O EDIFÍCIO SINGULAR . Edifícios discretos Paulo Pereira

1. Lisboa. Nova Roma 2. O Pombalismo 3. Utilitas 4. Do jardim à agrimensura 5. Razão e tipo 188

9. O EDIFÍCIO COMUM . Casas lisboetas Xavier Monteys

1. Um esquema evolutivo 2. Os compartimentos da frente da rua 3. O independente 4. As escadas 5. Os logradouros da cidade 6. Corredores e portas 7. Nota final

7 João Silva Leite

Arquitecto; mestre em Desenho Urbano e projecto de espaço público pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa; membro do grupo de investigação FORMA URBIS Lab; bolseiro de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia com o tema de dissertação “Ruas Emergentes”.

A Parcela

Um instrumento de leitura dos elementos lineares emergentes O parcelário (…) afigura-se como a imagem mais precisa da história de um |1| espaço. Bernard Rouleau

1. A metamorfose de eixos infraestruturais Com o acentuado crescimento urbano verificado na segunda metade do século XX , a assunção de determinados modelos urbanos e a valorização dos meios de comunicação, as infraestruturas de mobilidade rodoviárias vêm assumir uma função determinante na formação e na urbanização de novos territórios. A democratização do uso e acesso ao automóvel, como veículo privilegiado nas deslocações de bens e pessoas, transformou as estradas em elementos capilares que unem e alimentam as dinâmicas diárias dos tecidos metropolitanos. Os eixos infraestruturais de mobilidade como auto-estradas, vias rápidas, ou simples estradas, incorporam novas qualidades, tornando-se elementos híbridos que acumulam à sua função original, de eixo de ligação, o papel de elemento de suporte de tecido edificado. Tal alteração de carácter é consubstanciada numa metamorfose da infraestrutura. Assim a infraestrutura adquire outros atributos que quando contrapostos às definições clássicas de rua acabam por contribuir para a interrogação se estes elementos urbanos emergentes se assumem como ruas, mas com novas tendências morfológicas. Com os constantes processos de transformação que ocorrem sobre este tipo de elementos tornam-se dificéis de compreender os cenários morfológicos actuais, assim como o seu futuro. Por outro lado, estes elementos não são planeados como tal, são fruto de acções distintas e desarticuladas entre si e, nesse sentido, a leitura do elemento urbano parcela surge como |1|

ROULEAU (1988, p. 574). Tradução do autor.

145

uma ferramenta importante na compreensão dos processos de formação, visto que permite a explicação do resultado morfológico actual. A parcela retém alguns códigos morfogenéticos que, devidamente interpretados, expõem vários estratos da história urbana destes objectos.

2. Parcela. A afirmação de uma componente urbana

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A parcela remete-nos para uma componente morfológica elementar do espaço urbano privado da cidade. Materializa fisicamente a divisão de propriedade, rural ou urbana, delimitando no território uma forma que, independentemente da sua origem ou natureza, define um traçado real, nem sempre perceptível, mas que configura um dos principais suportes ou condicionadores da organização e evolução espacial. A parcela consubstancia-se segundo dois modos: planeado e regulador ou fruto de operações isoladas de fraccionamento, desenvolvidas ao longo do tempo. Estas acções ocorrem em áreas preexistentes, adicionando um novo estrato na sedimentação do tecido, mas também em novos crescimentos urbanos. Contudo, a parcela não se limita a uma simples concretização morfológica. É, também, uma unidade delimitada, regular ou irregular, que permite o suporte do edificado. Os seus diferentes modos de agregação constituem as unidades privadas – quarteirões – que colaboram na definição de limites |2| entre o espaço público e privado da urbe . Assim, o tecido urbano é influenciado pelos diferentes modos e formas de agrupamento da parcela, mas também pelas diversas configurações e densidades que resultam das combinações internas entre o edificado e parcela. A parcela possui, ainda, outras qualidades de especial relevância |3| para a leitura, análise e definição da forma da cidade . Um desses atributos prende-se com o facto de a parcela permitir destacar um conjunto de regularidades ou singularidades e fragmentações. Ou seja, através da estrutura parcelar é possível identificar agrupamentos homogéneos, mas também espaços de fracturas ou pontos de excepcionalidade que, por regra, estão associados a áreas de quebra morfológica, variação de ritmos ou ainda anteriores linhas |4| de fronteira entre propriedades . |2|

|3|

A parcela como unidade elementar do espaço privado possuiu uma relação muito estreita com a rua, elemento base da componente pública da cidade. “A relação rua/ parcela é o fundamento para a existência do tecido urbano” in PANERAI , (2006 [1999], p.86). Segundo alguns pensadores, a parcela é inclusive um dos pilares fundamentais na produção de tecido. Para Manuel Solà-Morales (1997) a produção de tecido resulta das múltiplas combinações entre parcelamento, urbanização (infraestruturação) e edificação. Em consonância está Phillipe Panerai (2006 [1999]), colocando as variáveis rede viária, parcelário e edificações como elementos fundamentais para a concepção do tecido urbano.

|4|

Conzen (1960) com o estudo dos fringe-belt de Alnwick, Northumberland, enfatiza a importância da análise das roturas morfológicas através das parcelas e marcas urbanas que aí perduram ao longo do tempo.

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|8|

“Mesmo onde as parcelas foram alteradas (…), o padrão da parcela no seu todo está cheio de resíduos de períodos anteriores o que pode na verdade aparecer inalterado em todas as suas características essenciais.” in CONZEN (1960, p. 7). Tradução do autor. “No Cairo, a urbanização não planificada da terra agrícola utiliza, hoje em dia, os mesmos procedimentos: o canal central de irrigação de um campo é transformado em rua, e os lotes edificáveis resultam directamente do parcelamento feito em função da irrigação. (..,) Na Holanda, a mudança de direcção de um parcelamento quase sempre indica o limite de um polder (área obtida por meio de barragens sucessivas), registando assim etapas de construção de um território…” in PANERAI (2006 [1999], p. 89). A investigação realizada por Luísa Trindade demostra a utilidade da parcela como elemento de análise para um conjunto alargado de núcleos ou expansões urbanas de génese morfológica referente à Época Medieval e, dessa forma, identificar matrizes e modelos urbanos subjacentes. TRINDADE (2013).

O diálogo morfológico entre a rua e a parcela é particularmente marcante em contextos urbanos de matriz cultural portuguesa, estando especialmente exposto nos assentamentos de expansão ultramarina do século XVI , onde a forma da parcela se subordina à forma pública da cidade. “… o lote português (…) é resultado da partição normalmente geométrica das frentes, a qual é, por regra, directamente relacionável com o próprio dimensionamento da secção da rua (…) o lote português tende a moldar-se a uma lógica que parte da valorização do espaço público como elemento inspirador de todo o sistema compositivo”. ROSSA , Walter et al – “Recenseando as Invariantes. Alinhamento de alguns casos de morfologia urbana portuguesa de padrão geométrico” in ROSSA (2002, p. 430).

147 a parcela

Assim, a estrutura parcelar contribui para a construção de carácter identitário de uma determinada área. A parcela, por norma, conserva os seus limites por um tempo mais longo, mesmo em situações onde o edificado que suporta tenha sido renovado ou substituído em diferentes processos de sedimentação do tecido. A sua forma perdura, mantendo algumas das suas características essenciais, como padrões e proporções, que constituem uma matriz |5| morfológica que por consequente determina uma união formal da zona . A parcela possibilita a identificação de diferentes períodos de desenvolvimento urbano de uma determinada área e igualmente acontecimentos da sua morfogénese. Cada episódio urbano deixa sedimentos morfológicos no território, |6| sendo a parcela um condensador natural dessa informação . Também no contexto urbano português podemos identificar exemplos onde a parcela expõe particularidades que reflectem a sua génese. Observando as operações de urbanização ocorridas no período medieval em Portugal, percebemos como o parcelário se mantém sem adulterações significativas, mesmo tendo estado sujeito a alterações radicais do seu edificado com reflexo na matriz morfológica do cadastro. Este facto permite, então, utilizar a parcela como ferramenta de trabalho para identificar os modelos |7| urbanos que estiveram subjacentes às diferentes concepções urbanísticas de fundação, expansão ou reestruturação dos aglomerados, mas também, permite compreender a lógica das variações, das alterações relativamente a uma matriz modular e teórica. Ritmos, agregações de parcelas, quarteirões, |8| métricas e proporções e ainda inter-relações com a rua são visíveis ainda nos dias de hoje. Mesmo a ocupação urbana de tempos mais remotos, como o período romano, permanece através de vestígios deixados na estrutura parcelar

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actual de uma parte significativa do tecido urbano português. Situações como as cidades de Braga ou Beja, entre outras, onde o traçado urbano possui claras influências da malha regular romana é, no entanto, ainda perceptível como boa parte do parcelário adjacente às ruas oriundas de cardus e de decumanus foi condicionado. As relações de perpendiculares em a parcela e a rua persistem, tal como sucedia no período romano. Por fim, importa reforçar o uso do parcelário como instrumento de análise e interpretação da cidade e sua forma urbana, não se restringindo a tecidos consolidados. O estudo da parcela em elementos ou estruturas urbanas em processos evolutivos, de transformação ou mutação, é igualmente útil, tendo em vista a sua compreensão morfológica e funcional no momento actual, mas também num qualquer outro momento do passado. Tal como sucede em estudos urbanos relacionados com a passagem de solo rural para urbano, a parcela, se utilizada como ferramenta de leitura do território, pode contribuir de um modo decisivo para destrinçar alguns processos evolutivos e compositivos da forma urbana destas estruturas não consolidadas que se foram compondo através de operações díspares e com tempos de acção distintos. Deste modo, a análise do parcelário de um determinado elemento morfologicamente não estabilizado permite verificar eventuais permanências nos processos tradicionais de compor tecido, mas que se reflectem em formas e configurações ajustadas aos paradigmas urbanos contemporâneos.

3. A parcela urbana em elementos lineares não consolidados Na actualidade, no território metropolitano de Lisboa existe um conjunto alargado de elementos urbanos lineares, de génese infraestrutural, que se encontram em processos de metamorfose morfológica e funcional, adicionando, ao seu uso primordial, funções relacionadas com o suporte e estruturação de tecido. Assim, identificaram-se dois casos em concreto, as estradas N117 e N378 , como exemplos paradigmáticos deste fenómeno e que partindo de uma génese infraestrutural semelhante apresentam, nos dias de hoje, formas urbanas muito distintas. Os dois processos evolutivos provocaram morfologias diferenciadas nos territórios adjacentes à infraestrutura, fruto da ausência de um projecto programado. Nesse sentido, o estudo do parcelário dos dois objectos surge como uma mais-valia na compreensão da evolução destes elementos e inter-relações entre a sua componente pública e privada, permitindo a explicação da dinâmica para além do projecto da infraestrutura. Com funções e abrangências territoriais distintas, a N117, uma rótula logística, e a N378, um filamento especializado, acabam todavia por se apresentarem como elementos importantes na estruturação de fragmentos do tecido metropolitano de Lisboa. Deste modo, a parcela exporá semelhanças e diferenças entre os dois elementos e, com isso, permitirá um melhor entendimento sobre dois distintos processos de transformação do território.

3.1. A N378. Uma Estrada Comercial |9|

|9|

Conceito subsequente de outros como Rua da Estrada ou Estrada Mercado, e desenvolvido em SILVA LEITE (2012).

149 a parcela

A estrada nacional N378 afirma-se como uma Estrada Comercial , um elemento urbano que tem como génese uma antiga estrada nacional. A N378 localiza-se na margem sul do rio Tejo e nos últimos anos foi sujeita a um conjunto de transformações urbanas adquirindo novas funções e usos, dos quais se destacam os comerciais, que provocaram uma reconfiguração morfológica do elemento. Após a conclusão do troço inicial da auto-estrada A2 , no seguimento da travessia do Tejo, pela ponte 25 de Abril, a infraestrutura torna-se um dos eixos preferenciais de desenvolvimento urbano, estruturando vários fragmentos de tecido. Todavia, nos últimos vinte anos a mutação intensifica-se, registando-se uma crescente concentração de actividades comerciais nas suas margens, especialmente ligadas à venda de automóveis, materiais de construção, piscinas, restauração, entre outros, dotando a estrada de um carácter especializado |fig. 7.1|. A transformação de simples via de comunicação num elemento urbano mais complexo consubstancia, igualmente, implicações nas suas características morfológicas. A N378 contém, actualmente, uma secção de via semelhante à original, com duas faixas de rodagem em cada sentido e bermas desqualificadas. No entanto, nas suas margens emergem muitos lotes urbanizados, com diferentes configurações e modos de apropriação, fruto de várias operações urbanísticas ocorridas em tempos variados estando, por isso, vulgarmente desarticuladas entre si. O elemento assume-se no território como um filamento longo de perfil estreito e com um skyline predominantemente baixo, onde sobressaem junto das bermas os diversos produtos comercializados e os inúmeros sinais publicitários dos vários estabelecimentos comerciais que acompanham o elemento. Assim, perante esta realidade, importa destacar a estrutura parcelar que compõe o elemento, de modo a compreender a diversidade de fenómeno e suas configurações. Além disso, através das suas parcelas torna-se possível perceber os diferentes modos de relação entre a componente pública e privada deste elemento, assim como, evidenciar modos de ocupação dos lotes consoante o seu uso e génese morfológica. Para observar o parcelário da N378 , procedeu-se a uma decomposição parcial do elemento urbano |fig. 7.2|, isolando do tecido as componentes do traçado urbano e das parcelas. A simplificação do objecto nestas duas componentes isoladas, traçado e parcelas, possibilita uma análise morfológica dos lotes de um modo mais claro e directo, mas também uma visualização das suas relações com o traçado urbano – componente pública do elemento. Verifica-se, assim, a existência de uma menor incidência de parcelas demarcadas a Norte, contrapondo a uma maior regularidade e continuidade de ocupação a Sul. Na zona norte ocorreram ao longo das décadas

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de formação do elemento várias operações urbanas desarticuladas entre si e com diferentes tempos de acção, o que levou a uma maior incidência de parcelas irregulares, verificando-se a existência de lotes de configurações diferenciadas e consequentemente dimensões e profundidades distintas entre parcelas. Esta heterogeneidade está igualmente reflectida na dimensão da frente de lote. As parcelas tanto se organizam em profundidade, alongando-se para o interior do território, como se configuram com frentes bastante alargadas. Esta realidade apenas é quebrada no último terço da via, mais a Sul, onde os lotes se apresentam com áreas e configurações regulares, de forma predominantemente rectangular e com dimensões iguais ou directamente proporcionais, 20m ou 40m de frente de rua. Verifica-se a existência nesta zona, no lado poente da estrada, de lotes que têm por norma 20x50m e em algumas situações 40x50m , resultando da agregação de parcelas. Na margem oposta, a regularidade mantém-se; mesmo que de um modo mais imperfeito, a maioria dos lotes apresenta uma frente de rua de 35m , tendo os restantes lotes dimensões variáveis entre os 20m e os 25m . A profundidade estabiliza quase sempre também nos 50m contendo algumas excepções que quebram o padrão e com isso geram irregularidades morfológicas. Este factor de distinção entre os dois lados da estrada surge porque no lado poente da estrada ocorreu uma operação urbana reguladora, de tipo loteamento, que urbanizou antigos terrenos agro-florestais.

3.2. A N117. Um strip logístico O elemento urbano N117 localiza-se na margem norte da Área Metropolitana de Lisboa. Tal como a N378 , advém de uma estrada nacional que tinha como principal função a ligação entre os dois palácios reais – Ajuda e Queluz. No últimos 40 anos, a região da Amadora tem sido fortemente infraestruturada, criando condições para a instalação de várias actividades económicas de grandes superfícies junto do troço da N117 que atravessa este território. A infraestrutura adquire uma identidade própria, construindo uma |10| imagem de canal logístico, um strip , onde diversas actividades ligadas à distribuição, armazenagem, serviços e comércio contribuíram para a constituição de uma centralidade metropolitana. Este carácter de faixa especializada desenvolve-se fundamentalmente a partir do final dos anos 80 com a construção dos dois primeiros hipermercados da região de Lisboa e alguns stands/ oficinas de automóveis que tiram partido da localização privilegiada do local. O elemento urbano possui um posicionamento estratégico na rede de mobilidade rodoviária, unindo dois corredores de crescimento e expansão do tecido metropolitano: Lisboa-Sintra e Lisboa-Cascais. Com a viragem para o século XXI , intensificou-se a fixação de grandes peças arquitectónicas destinadas a actividades comerciais de logística ou de distribuição. Multinacionais como Ikea, Decathlon, Leroy Merlin, Roche, Siemens, Fiat, entre muitas outras, fixam-se junto das margens da N117 |fig. 7.3|. |10|

Conceito desenvolvido in VENTURI (2003 [1977]).

151 a parcela

Morfologicamente o elemento urbano N117, vulgarmente conhecida como Recta dos Cabos de Ávila, sofreu progressivas reconfigurações. Actualmente, apresenta um perfil viário com uma secção semelhante à de uma auto-estrada, ou seja, com separação de vias entre sentidos de rodagem e uma segregação do corredor viário com o restante tecido urbano que o envolve. Todavia, a N117 acaba por ser mais que uma simples infraestrutura de mobilidade ou conexão, visto que sobre ela se suportam vários fragmentos de tecido. Observa-se a existência de um conjunto de vias complementares que interlaça a N117 e que serve de suporte ao parcelário adjacente. O traçado urbano do elemento é assim composto, sendo a sua complexidade resultante da relação simbiótica e indissociável estabelecida entre o canal central e as restantes vias complementares |fig. 7.4|. O edificado implanta-se no interior da parcela, quase sempre em função de uma melhor exposição perante o canal da infraestrutura viária. Sempre que possível, as várias construções recorrem a estratégias de divulgação como a iluminação e sinalética, procurando com isso gerar impactos visuais na paisagem e, dessa maneira, projectar a unidade arquitectónica e a sua marca. Importa referir, no entanto, que apesar do parcelário se suportar, preferencialmente, sobre o conjunto de vias secundárias, este posiciona-se tangencialmente à N117. Contudo, a entrada principal do lote dá-se junto de uma das outras vias secundárias, o que reforça a sua importância como suporte físico das parcelas e consequentemente como acesso ao seu interior. Verifica-se a existência de algumas parcelas que, apesar de se desenvolverem junto das vias secundárias, posiciona-se ao mesmo nível que o corredor central da N117. Este facto, que ocorre principalmente num pequeno conjunto de parcelas a Norte, permite relações mais estreitas entre o lote e a infraestrutura principal remetendo-nos, por isso, para padrões morfológicos mais aproximados à de uma rua consolidada. As parcelas da N117 |fig. 7.4| apresentam configurações muito variadas, irregulares e sem uma ordem reconhecível. Excluiu-se o caso das pequenas parcelas a Norte, já mencionadas, que apesar de possuírem também uma certa irregularidade acabam por deter uma forma mais rectilínea e com lógicas de composição semelhantes entre si. Tal facto não está dissociado da particularidade destes lotes estarem inseridos num fragmento de tecido que resulta de uma operação de loteamento de conjunto, iniciada no primeiros anos da década de 1990 , e destinada à partida a acolher actividades de indústria ligeira, logística ou armazenagem. As restantes parcelas surgem como resultado de operações de loteamento mais ou menos isoladas, consequência da implantação individual de cada uma das grandes superfícies. Regista-se ainda a presença de alguns lotes mais a Sul, junto dos nós de acesso à CRIL (Cintura Rodoviária Interna de Lisboa) e A5 que, apesar da sua forma irregular, estão inseridos também numa operação de loteamento. Porém, ao contrário do que sucede com os lotes a Norte cujo loteamento se desenha em função da N117, neste caso o loteamento desenvolve-se autonomamente, aproveitando a proximidade com as três infraestruturas, N117,

0m

200m

|fig. 7.1| Fotografias da estrada nacional N378. |fig. 7.2| Decomposição morfológica da N378.

Parcelas

Traçado urbano

Cartografia base

N

N 378 . Tecido urbano

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152

N117 N378

153

0m

200m

a parcela

|fig. 7.3| Fotografias da estrada nacional N117. |fig. 7.4| Decomposição morfológica da N117.

N 117 . Tecido urbano

Cartografia base

Traçado urbano

Parcelas

N

CRIL e A5 , não estabelecendo um desenho urbano interligado com os eixos de

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154

mobilidade. Os lotes mais próximos das margens da N117 condicionam-se em função desta, ocorrendo torções de adaptação, e os edifícios aí implantados procuram gerar estratégias de comunicação com a estrada, seja através de sinalética ou grandes placares de lettering fixados sobre o edificado. Morfologicamente, para além da irregularidade já assinalada, observa-se a grande dimensão dos lotes. Destacam-se situações como os lotes da Decathlon, Siemens, Continente, Alegro e Alfapark. O primeiro com cerca de 120.000m2 , os hipermercados com cerca de 60.000m2 , e por fim o parque empresarial da Alfapark com aproximadamente 40.000m2 . As frentes urbanas adjacentes à N117 alongam-se, variando entre os 45m e os 590m , a maior das quais correspondente ao centro empresarial da Siemens. O padrão ao longo da N117 estabiliza nos 200m de frente. A particularidade de os lotes se estenderam mais em largura e menos em profundidade procura responder a duas situações: a primeira diz respeito ao facto de boa parte das parcelas se encontrarem desniveladas em relação ao eixo central, intensificado a segregação entre via e parcela; a segunda refere-se à elevada velocidade de circulação ao longo |11| do elemento .

3.3. A leitura transversal Os elementos urbanos N117 e N378 , devido aos processos de metamorfose urbana que incorporam, acabam por possuir um conjunto de características morfológicas específicas, pouco comuns em tecidos consolidados. Aqui emergem novas tendências morfológicas que tentam responder a soluções urbanas híbridas. O elemento urbano procura a melhor interação possível entre a mobilidade, competitividade metropolitana e o suporte de tecido. A própria estrutura parcelar é condicionada pela necessidade que cada um dos dois elementos tem na resposta às dinâmicas urbanas onde estão inseridos. Por isso mesmo, a sua forma e estrutura permite uma melhor compreensão dos diversos processos de formação e modos de articulação entre espaço público e privado que constituem a morfologia actual dos dois elementos.

3.3.1. Processos de formação Como primeiro passo de análise comparativa entre os dois casos apresentados importa realizar uma desmontagem das suas parcelas e do seu contexto territorial. Esta descontextualização dos elementos |fig. 7.6 e 7.7| permite evidenciar a diversidade de áreas, proporções e frentes de lote nas duas estradas, para numa fase seguinte, melhor interpretar a relação existente entre a forma da parcela e seus processos de formação. Observa-se, assim, |11|

Em elementos como a N117 as proporções do próprio edificado são bastante assinaláveis, tentando deste modo perpetuar o maior tempo possível a imagem do objecto na paisagem. Neste sentido, importa recordar que Robert Venturi identificara, ao longo do estudo que realizou sobre o strip de Las Vegas, uma relação entre a velocidade média praticada no elemento com a própria proporção e dimensão do objecto arquitectónico.

3.350km

gua de á

parcela de maior área: 30.000m2 frente de parcela maior extensão: 195m parcela de menor área: 14m2 frente de parcela de menor extensão: 2,70m n.º de parcelas: 209 frequência de parcelas: 63/km

3km

linha

3.300km | N378

parcela de maior área: 120.000m2 frente de parcela maior: 590m parcela de menor área: 1.850m2 frente de parcela menor: 45m n.º de parcelas: 35 frequência de parcelas: 14/km 2.450km | N117

155

2km 1km

45m

a parcela

alinhamen

ionador

linha de água 0km

20 x 50m

to condic

|fig. 7.5| Identificação de processos urbanos que estão na génese da forma das parcelas . Fig. 8 - Identificação de alguns processos urbanos que estão na génese da forma das parcelas

N378

0m

100m

n.º de parcelas: 209 frequência de parcelas: 63/km

área: 14m2 frente de parcela: 2,70m

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área: 30.000m2 frente de parcela: 125m

|fig. 7.6| Descontextualização das parcelas da N378.

uma grande disparidade entre o lote de menor e maior dimensão em ambos os casos, e por outro lado, a parcela de maior área não é necessariamente a parcela de maior frente urbana. No caso da N378 a irregularidade do lote está por regra associada a uma maior dimensão da parcela. Destaca-se, também, que para troços de vias sensivelmente idênticos o ritmo de frequência de parcela por quilómetros é bastante distinto. No caso da N378 verifica-se uma ocorrência de 63 parcelas por quilómetro |fig.7.6|, contrastando fortemente com o ritmo de 14 por quilómetro da N117 |fig. 7.7|. Analisando as parcelas da N117 e N378 , verificámos que no caso dos processos de formação e urbanização das margens das estradas, estes ocorrem fundamentalmente segundo dois tipos: loteamentos estruturados em conjunto e segundo uma lógica própria e operações individuais resultado de divisões autónomas de um cadastro rural existente. No primeiro caso as parcelas apresentam uma configuração mais regular, ordenada e por regra com métricas padronizadas. É comum constituírem um fragmento de tecido urbano mais homogéneo, onde o traçado

N117

0m

100m

n.º de parcelas: 35 frequência de parcelas: 14/ km

área: 1.850m2 frente de parcela: 80m

157 a parcela

área: 120.000m2 frente de parcela: 450m

|fig. 7.7| Descontextualização das parcelas da N117.

urbano pode evidenciar uma malha regular subjacente. Por exemplo, no caso da N117 os lotes a Norte, inseridos numa operação de loteamento com estas características, possuem frentes de lote com cerca de 45m ou proporcionais. Tal facto acontece de igual modo num loteamento na zona sul da N378 , onde as parcelas têm uma métrica regular de frente lote com 20m , ou múltiplos desta medida |fig. 7.5|.

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158

No caso das operações individuais, ou simples subdivisão cadastral, acabam por resultar parcelas mais irregulares, não tendo qualquer forma geométrica associada, apenas procurando adaptar-se às circunstâncias do local onde se implantam. O lote pode ser condicionado pela topografia, hidrologia, estruturas urbanas preexistentes, como vias ou outros lotes, ou ainda por opções como estratégias de inter-relacionamento com a infraestrutura. São parcelas que vão sendo demarcadas pontualmente em função de necessidades ou usos. Surgem quase sempre de um modo individual, autónomo e sem que possuam, necessariamente, uma relação com as parcelas vizinhas. No caso da N117, nas parcelas como as do Ikea, Alegro, Italian Motor Village, Makro, observam-se deformações morfológicas resultantes de condicionalismos territoriais como a disposição de caminhos, limites de propriedades, linhas de água e ainda pequenas elevações topográficas. Na N378 este tipo de fenómeno regista-se nas parcelas mais a Norte onde a irregularidade se acentua. Aí observa-se um conjunto de unidades que surgem da partição

N378

parcela

espaço público

N117

espaço público [rede complementar]

parcela

parcela

|fig. 7.8| Relação entre a parcela e traçado urbano de suporte, perfis tipo.

espaço público

progressiva de uma frente de lote de maior dimensão e de uso agro-florestal, que conforme as solicitações de urbanização das margens da estrada, foi sendo sucessivamente dividida para diferentes proprietários e usos |fig. 7.5|. Importa ainda salientar que entre os dois elementos verificam-se diferentes características morfológicas dos lotes referentes a operações autónomas. Na N117 este tipo de parcela posiciona-se com o seu maior lado sobre a estrada, enquanto no caso da N378 o lote privilegia a profundidade.

3.3.2. Articulação morfológica entre as parcelas e o espaço público

espaço público [rede complementar]

parcela

159 a parcela

Na análise das parcelas dos dois exemplos evidenciam-se dois modos de articulação entre a parcela e o espaço público do tecido urbano que compõe os dois elementos. A diferença substancial regista-se no facto de grande parte dos lotes marginais à N117 recorrerem a um conjunto de vias secundárias para se fixarem no território e permitirem a sua ligação ao restante tecido. Essa rede de vias, que entrelaça a N117, permite ao corredor central do elemento uma melhor eficiência na mobilidade, mantendo simultaneamente a conectividade com as parcelas que a margina. Em certa medida, verifica-se um paralelo na lógica funcional entre este elemento urbano – strip logístico – e uma grande avenida do princípio do século XX . Este tipo de ruas possuem igualmente um corredor central, destacado, e faixas laterais de acesso ao edificado. Verifica-se, assim, entre estes dois elementos urbanos apenas soluções morfológicas distintas para responder ao mesmo problema: manter bons níveis de ligação e paralelamente suportar o tecido urbano adjacente |fig. 7.8 e 7.9|.

N117

N378

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N378

|fig. 7.9| Relação entre a parcela e traçado urbano de suporte, amostras da planta.

Apesar disso, não deixa de ser evidente em estruturas urbanas como a N117 que, nesta fase de evolução do elemento, possuem maiores debilidades nas relações entre margens e nos seus percursos transversais. Por outro lado, o próprio posicionamento das parcelas perante o canal central apresenta-se com frequência desnivelado, introduzindo assim uma nova variável no quadro de relações espaciais existente ao longo do eixo. No que diz respeito à N378 , o seu carácter filamentar proporcionou interacções mais padronizadas entre a parcela e o eixo de ligação. Como elemento urbano longo e que sofreu um primeiro processo de transformação através de operações urbanas que visavam a criação de habitação, no caso de génese ilegal, acabou por potenciar lógicas de articulação de nível entre a parcela e a estrada, posicionando-se aquelas adjacentes às bermas da via. O acesso ao lote é realizado de um modo mais directo, tal como sucede numa rua comum em tecidos consolidados. Posteriormente, com assunção de uma nova identidade – Estrada Comercial – o elemento não regista alterações nas lógicas de articulação entre as parcelas e a componente pública. As relações de nível são mantidas ocorrendo apenas mutações no interior do lote, principalmente na arquitectura e na introdução de novas estruturas como iluminação e sinalética. Apesar do uso comercial predominante, as

4. Considerações Finais A excessiva dispersão do tecido urbano das cidades potenciou desarticulações e quebras de coesão urbana e social. As infraestruturas de mobilidade e padrões morfológicos que as acompanham incorporam características importantes que, quando interpretadas correctamente, poderão contribuir para a construção de novos elementos de referência, de estruturação e agregação de áreas fragmentadas. Assim, elementos urbanos como a N117 e a N378 assumem particular relevância no panorama actual das metrópoles, principalmente se estabelecermos paralelismos com alguns conceitos definidores de rua e o papel que a mesma representa na composição e estruturação do tecido urbano consolidado. Este tipo de estruturas urbanas pode concentrar em si parte das funções da rua, reciclando o seu conceito e, assim, ajustá-lo ao contexto urbano da contemporaneidade. Em termos genéricos a parcela é uma componente urbana importante na análise morfológica e evolutiva do território. Todavia assume particular destaque no estudo de determinadas áreas urbanas não planeadas ou desarticuladas dos vários instrumentos de planeamento e gestão. Nesse tipo de áreas o cenário urbano é produzido segundo movimentos próprios, individuais, orientando-se por interesses autónomos que vão compondo e construindo uma forma urbana. Assim, a malha “invisível” do cadastro introduz premissas e condicionantes morfológicas nas diversas acções autónomas. As parcelas vão acumulando, na sua forma, informações que reflectem os interesses individuais, próprios da época da sua formação.

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necessidades de mobilidade são moderadas, não provocando, nesta fase de metamorfose do elemento, alterações nos modos de posicionamento e suporte das parcelas |fig. 7.8 e 7.9|. Por último, salienta-se que entre os dois elementos, N378 e N117, ocorrem dois processos distintos na construção do plano vertical que acompanha o eixo, ou seja, nos alinhamentos do edificado. A N378 apresenta uma tendência de alinhamentos mais regular, principalmente em lotes que resultam de operações de urbanização. Verifica-se um distanciamento entre o eixo da via e a construção lateral de 20m , correspondente à área non aedificandi da servidão de estrada nacional. As frentes construídas ocorrem com um ritmo constante, sendo inclusivamente reforçadas por muretes ou vedações que ajudam a marcação de um plano lateral regular. A N117 não possuiu um plano vertical lateral claramente demarcado. O posicionamento irregular do edificado junto da berma da via, mas também no interior do lote, provoca algumas interrupções na construção de alinhamentos contínuos. Contudo, a velocidade média praticada ao longo da N117, provoca nos utilizadores da via, a partir do automóvel, uma imagem mental que configura precisamente um alinhamento construído, quase constante.

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A leitura morfológica da estrutura parcelar de elementos urbanos, como a N117 e a N378 , torna-se fundamental para a compreensão e análise dos seus processos de metamorfose urbana, pois é uma das componentes urbanas que melhor permite a desmontagem do processo evolutivo e formativo deste tipo de elementos. Os dois casos expostos são o espelho de elementos urbanos que se compõem através do somatório de acções urbanas desarticulas e autónomas. Os dois elementos possuem uma génese infraestrutural sendo progressivamente acompanhada nas suas margens por tecido urbano. O parcelário adjacente aos dois elementos reflecte as diferentes operações, umas de génese reguladora e planeada (tendo a figura do loteamento como base), e outras fruto de unidades independentes. Ritmos, métricas, regularidades, irregularidades, excepcionalidades ou pontos de fractura, encontram-se registados na forma das diversas parcelas que compõem a N117 e a N378 . Por outro lado, o estudo sobre as parcelas destes dois elementos urbanos possibilitou apresentar semelhanças no processo formativo subjacente, apesar de possuírem formas e histórias urbanas bastante diferentes. São elementos que se vão compondo e constituindo ao sabor de operações isoladas e desarticuladas, seguindo os interesses de cada proprietário. Além disso, em ambos os casos torna-se evidente a especificidade da parcela marginal ao eixo, por comparação a parcelas vizinhas mais interiores, mesmo quando inserida em fragmentos urbanos que resultam de operações urbanas planeadas. Este facto remete-nos para uma tradição portuguesa no acto de produção de tecido urbano, onde a articulação entre a rua, eixo público, e a parcela está presente, estabelecendo-se laços influenciadores da morfologia das duas componentes urbanas. O caso da N117 é, talvez, o exemplo mais marcante dessa interligação entre o espaço público e a parcela. O seu traçado urbano complexo gera relações muito particulares entre a parcela, e correspondente edificado, e o espaço público. Novas interacções entre público e privado são estabelecidas, criando-se novos ambientes urbanos sobre os quais importa reflectir. A parcela contribui, portanto, de um modo significativo para a afirmação de uma identidade própria do elemento, principalmente, em estruturas urbanas como a N117 e N378 onde a heterogeneidade do edificado é latente. A parcela nestes casos incorpora no seu código morfogenético as características comuns entre lotes contribuindo para a composição uma chave de interpretação da história urbana ao longo do elemento e, assim, fortalecendo o seu carácter.

Bibliografia

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|fig. 7.4| Ortofotomapa de Amadora. Disponível em WWW: . Consultado a 7 de Junho 2013.

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