A Parceria Trans-Pacífica e Desafios da Economia Global em Recuperação
Descrição do Produto
A Parceria Trans-Pacífica e os Desafios da Economia Global em Recuperação1 Carlos Frederico Pereira da Silva Gama2 O anúncio da conclusão da Parceria Trans-Pacífica (em inglês, TPP) foi a grande novidade da economia internacional em 2015. Prometida há duas décadas pelo então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, suas negociações atravessaram diversas crises internacionais e estavam paralisadas desde a crise de 2008, que afetou duramente alguns de seus integrantes. O maior acordo regional de comércio e investimentos une o NAFTA (a Área de Livre Comércio da América do Norte – Canadá, EUA e México) aos países com maior PIB per capita da Ásia (Brunei, Cingapura, Japão), a países recentemente industrializados daquela região (Malásia, Vietnã), às duas grandes economias da Oceania (Austrália e Nova Zelândia) e países da América do Sul (Chile e Peru). A TPP inclui um grupo de países integrantes ao mesmo tempo da OCDE e do G-20 (Austrália, Canadá, Japão, México, EUA). Esse mix transregional de países desenvolvidos e economias recentemente industrializadas traz dois recados fortes. O primeiro recado é claro e se endereça aos BRICS. Em 2015 dois BRICS verão suas economias diminuírem mais de 3%. Aventuras militares de Vladimir Putin tiveram efeito devastador na economia da Rússia, “premiada” com sanções internacionais. No Brasil, o declínio econômico pós-eleições é o pano de fundo de uma grave crise política que ameaça a continuidade do mandato presidencial da reeleita Dilma Rousseff. Também imersa numa crise política e tendo decrescido em 2014, a África do Sul crescerá pouco mais de 1% em 2015. As locomotivas do grupo (China e Índia) crescerão abaixo dos 8%. A parceria econômica entre grandes economias de três continentes ocorrerá tendo os BRICS como vizinhos em crise3. O segundo recado pode ser endereçado para o brasileiro Roberto Azevêdo, Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em sua gestão, Azevêdo buscou avançar as negociações da Rodada de Doha, incluindo questõeschave (negociações agrícolas, serviços, a Agenda de Desenvolvimento de Doha) que persistem em aberto. A OMC opera de acordo com normas multilaterais4 – indivisíveis, baseadas em reciprocidades difusas e que operam via decisões consensuais e públicas. Impasses envolvendo pequenos grupos de países rebaixaram as expectativas: ao invés da convergência global de mecanismos institucionais, pequenas concessões para facilitar o comércio obtidas em Bali, 2013. As concessões ficaram aquém do impulso que a recuperação global pós-2008 demanda. O processo expôs as fragilidades do G-20 – pensado como mecanismo inovador capaz de institucionalizar a cooperação entre desenvolvidos e emergentes, reativando as normas multilaterais (OMC inclusa) no enfrentamento da crise. 1
Publicado no SRZD em 14 de Outubro de 2015. http://www.sidneyrezende.com/noticia/256015 Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e pesquisador voluntário do BRICS Policy Center 3 Gama, C.F.P.S. De Volta para o Futuro: O Brasil de Dilma Rousseff entre a Rússia e os Estados Unidos. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/251817 . Acesso em: 13 de Julho de 2015. 4 Ruggie, J.G., “Multilateralism: the anatomy of an institution”, International Organization, Vol. 46, No. 3 (Summer 1992), pp. 561-598 2
O TPP indica o esgotamento de um ciclo de tentativas de regular a economia internacional no século XXI através de organizações internacionais de membrezia aberta guiadas por normas multilaterais. As instituições de Bretton Woods (o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI) foram criadas durante a Segunda Guerra Mundial a partir de normas multilaterais disseminadas pelas principais economias capitalistas aliadas (EUA, Reino Unido, França). A criação de uma organização similar para regular o comércio internacional (proposta em 1948) foi abortada pela Guerra Fria e por processos de integração regional (o mais bem-sucedido deles foi o embrião da União Europeia). A opção possível à época foi o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (em inglês, GATT): um conjunto de concessões recíprocas que, em 47 anos, incorporou a maioria das grandes economias do planeta. A queda do Muro de Berlim fortaleceu o modelo de Bretton Woods e possibilitou a criação da OMC a partir do GATT. O futuro imaginado na época previa a universalização das normas multilaterais que regularam o comércio entre Europa Ocidental, América do Norte e Japão na Guerra Fria5. A expectativa de uma globalização liberalizante baseada em mercados sem fronteiras bateu de frente com uma sequência de crises globais (que paralisaram a OMC) até chegar a 2008. O crash nas economias desenvolvidas desacreditou o Banco Mundial e o FMI. A relutância dos desenvolvidos em reformar essas instituições pós-crise motivou os emergentes mais afluentes (os BRICS) a criar instituições alternativas não-multilaterais – caso do Novo Banco de Desenvolvimento (“Banco dos BRICS”), que começa a funcionar em 2016 seguindo as mais bem-sucedidas práticas dos emergentes no enfrentamento da crise de 20086 (o “Consenso de Beijing”). Ao reunir um pequeno número de grandes economias e emergentes, o TPP reforça a tendência de contestação minilateral através de pequenos grupos de países (clubes)7. Em contraste com a busca da OMC por tornar mais livre o comércio entre as nações com a queda de barreiras e a criação de mecanismos globais (de incentivos e punições) em negociações públicas, o TPP (criado longe dos olhos da opinião pública) promete gerenciar o comércio e os investimentos entre seus integrantes8, abrindo margem para medidas excepcionais e para a persistência de assimetrias institucionais. O novo acordo nasceu sob acusação de ser uma ferramenta de poderosos lobbies industriais loteados nos parlamentos de seus estados-membros.
5
Rosenau, J.N. & Czempiel, E. Governance without Government – Order and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. 6 Gama, C.F.P.S. A Aliança Brasil-China num Sistema Internacional em Transformação. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/249738 . Acesso em: 27 de Maio de 2015. 7 Gama, C. F. P. S. “Assemblages of a Shifting World Order: The Rise of BRICS and Multilateralism”, trabalho apresentado na 2013 Annual Conference da British International Studies Association, Birmingham, 20-21 Junho, 2013. 8 Stiglitz, J.E.& Hersh, A.S. The Trans-Pacific Free-Trade Charade. Disponível em: https://www.projectsyndicate.org/commentary/trans-pacific-partnership-charade-by-joseph-e--stiglitz-and-adam-s--hersh-201510 . Acesso em: 5 de Outubro de 2015.
O Brasil sentiu a direção da transformação. Após fechar acordos comerciais e de investimentos com China9, EUA10 e Alemanha11 à distância segura dos colegas do Mercosul, o governo Dilma acaba de fechar um acordo comercial automotivo com a Colômbia12, economia que mais cresceu na América do Sul nos últimos anos. O pragmatismo comercial da diplomacia brasileira no segundo governo Rousseff13 mostra um revigoramento do Itamaraty após rusgas com a Presidência no primeiro mandato. Concessões recíprocas acordadas com os colombianos (em área historicamente importante para o Mercosul) lembram termos do TPP e acordos que a Colômbia tem com México e EUA. Deixam claro que o Brasil não vai esperar a recuperação econômica portenha para iniciar o resgate do próprio crescimento. Às voltas com turbulências domésticas, a Argentina é um dos países que dificulta um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia – um dos objetivoschave de Dilma. A liberalização comercial global pós-Guerra Fria criou incentivos para Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (países em redemocratização) acelerarem a abertura entre si14. Esse processo de aproximação política envolveu setores industriais e burocracias estatais e culminou, em junho de 1991, no Acordo do Jardim de Rosas entre EUA e Mercosul. Os anfitriões ficaram surpresos: tinham preparado cinco cadeiras para a negociação e foram informados de que os membros do Mercosul usariam, rotativamente, apenas uma15. Com a reversão de tendências globais de liberalização multilateral (e sua substituição por clubes com diferentes configurações normativas em sobreposição e confronto), o destino do Mercosul é incerto. É possível que numa rodada de negociações futura os EUA se surpreendam ao encontrar Brasil e Argentina em cadeiras diferentes.
9
Gama, C.F.P.S. A Aliança Brasil-China num Sistema Internacional em Transformação. Gama, C.F.P.S. De Volta para o Futuro: O Brasil de Dilma Rousseff entre a Rússia e os Estados Unidos. 11 Gama, C.F.P.S. Celebração Inacabada: Nos 70 anos da ONU, Brasil e Alemanha propõem reformas. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/253844. Acesso em: 24 de Agosto de 2014. 12 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-colombia-fecham-acordo-de-livre-comercio-parao-setor-automotivo,1777394 13 Gama, C.F.P.S., Conquistas e Desafios da Política Externa de Dilma Rousseff. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Conquistas-e-Desafios-da-Politica-Externa-de-DilmaRousseff/4/32244. Acesso em: 16 de Novembro de 2014. 14 Amorim, C, “A integração sul-americana”, DEP, N.10 (Outubro/Dezembro 2009), pp. 5-26. 15 Idem, p.9 10
Lihat lebih banyak...
Comentários