A PARTICIPAÇÃO NA (RE)CONFIGURAÇÃO DA SOCIEDADE: marcos teóricos, paradigmas, sentidos e tendências

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A PARTICIPAÇÃO NA (RE)CONFIGURAÇÃO DA SOCIEDADE: marcos teóricos, paradigmas, sentidos e tendências

ENSAIO por

Pedro Vaz Serra

Universidade de Coimbra Faculdade de Economia e Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

2015

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o debate teórico nas Ciências Sociais e Humanas tem dado especial destaque à crise do paradigma dominante da modernidade, às transformações, na sociedade, decorrentes da globalização, às alterações nos padrões das relações sociais em função do avanço das novas tecnologias e às inovações que têm levado ao reconhecimento de uma transição paradigmática. As

últimas

décadas

foram,

de

facto,

marcadas

por

profundas

transformações nos cenários político, económico e social. Estas mudanças implicam, necessariamente, uma reconfiguração da sociedade, onde a sociedade civil, o Estado, o mercado e as organizações do Terceiro Sector, assumem novos papéis. No cerne deste processo, a temática da participação tornou-se cada vez mais relevante e, por isso, de presença obrigatória. A participação, incorporada por cidadãos, movimentos sociais, organizações sindicais e patronais, empresas privadas e governos, entre outros actores, adquire vários significados, sentidos e conotações, à medida que é inserida nas pautas e práticas dos actores sociais e económicos (Teodósio, 2004: 1). E pode implicar avanços e retrocessos, conforme o ângulo político, ideológico, social, económico e cultural que for adoptado. Se a participação é observada como um factor decisivo para a democratização das relações entre o Estado e a sociedade, como um meio para garantir uma actuação mais consistente dos múltiplos actores sociais, é, contudo, um processo que não está isento de ambiguidades e contradições. Para além das dificuldades inerentes ao processo participativo, é preciso considerar que o facto de a participação estar inserida no discurso e prática das diferentes forças que actuam nos diferentes cenários, torna-se crítica e fundamental uma análise sobre os reais sentidos e funções que pode assumir num projecto global de sociedade. Assim, vamos abordar, neste texto, o tema da participação, começando pelo conceito de cidadania, que o precede necessariamente, após o qual abordaremos as concepções sociopolíticas, os marcos teóricos e paradigmas analíticos que 2

implicam sentidos diferenciados e, por fim, as tendências, não deixando de realçar, de forma muito sintetizada, a questão do género.

CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO

Não é possível abordar o conceito de participação sem, antes, efectuar uma aproximação ao conceito de cidadania, nas sãs múltiplas dimensões – cívica, política e social – pois tal afigura-se, não só, incontornável, mas também muito útil na perspectiva do enquadramento. De acordo com a teoria política liberal, a relação que une o Estado aos cidadãos, nas sociedades modernas, configura-se em direitos e em obrigações, pelo que a cidadania, avaliada pela perspectiva dos direitos, comporta diferentes tipos, que correspondem a diferentes fases do seu processo de aprofundamento.

É clássica a distinção de T. H. Marshall (1950) entre três tipos principais de direitos, associados à cidadania: 

Os direitos cívicos, tais como a igualdade perante a lei; a não discriminação em função da raça, da religião ou das convicções políticas; a liberdade de expressão; a liberdade de movimentos; o direito ao bomnome, entre outros;



Os direitos políticos, tais como participar na vida política da comunidade, i.e., eleger e ser eleito; o direito a constituir partidos ou movimentos de opinião, entre outros;



Os direitos sociais, correspondentes, sinteticamente, ao acesso a um certo padrão mínimo de bem-estar e de segurança, que o Estado deverá assegurar, através de adequadas políticas sociais, nos domínios da saúde, da velhice, do emprego, entre outros.

No entanto, levantam-se vários problemas em torno do conceito de cidadania, o que permite descortinar, mais facilmente, a sua condição de construto social: 3



O problema da relação estreita entre cidadania e democracia, explorando a distinção entre os direitos sociais – a que o Estado se obriga, pelo pacto social, e que resultam do poder delegado no Estado pelos cidadãos, através da representação democrática – e os direitos que surgem, antes, como produto da benevolência estatal e em situações de uma forte dependência clientelar dos cidadãos face ao Estado, em regimes não democráticos, ou de democracia limitada.



O problema da hierarquização das várias dimensões de cidadania, explorando as ambiguidades da teoria liberal sobre a importância relativa de cada uma delas. Por um lado, ao direito de propriedade é conferido um estatuto de direito de cidadania cívico, i.e., básico, e isso limita certos outros direitos, sempre que estes conflituam com a distribuição da propriedade e da riqueza. Por ouro lado, sendo normalmente mais tolerado o não cumprimento dos direitos sociais do que os políticos e mais tolerado o não cumprimento destes do que o dos direitos cívicos, a exclusão dos direitos sociais nas sociedades modernas conduz, na prática, a uma inviabilização do exercício (útil) dos

restantes

direitos

de

cidadania.

Paralelamente

a

esta

hierarquização, a obra de Marshall veio, também, introduzir uma certa sequência temporal na edificação de cidadania. 

O problema da relação entre os direitos e as obrigações inerentes à cidadania. Sendo certo que a cidadania não implica, apenas, direitos, mas também obrigações, realça-se o facto de os direitos terem-se consolidado, historicamente, muitas vezes contra a vontade do Estado e de os cidadãos ficarem muito vulneráveis quando se trata de lhes exigir o cumprimento das obrigações. Importante, é ainda reconhecer que as obrigações que os cidadãos têm a cumprir não estão confinadas à relação vertical cidadão-Estado, mas, igualmente e sobretudo, à relação horizontal com os outros concidadãos, no quadro de uma solidariedade participativa e socialmente contextualizada, muito diferente da solidariedade institucional e distante, que constitui o 4

produto da delegação no Estado das obrigações tornadas necessárias, numa sociedade composta de grupos sociais interdependentes. 

O problema da existência de uma relação entre níveis de cidadania e de desenvolvimento económico e social. Desde logo, porque a história mostra que nos países mais industrializados, os direitos cívicos, políticos e sociais desenvolveram-se mais e mais cedo. Mas, também, porque as crises económicas fazem aumentar a pressão sobre as políticas sociais, designadamente aquelas destinadas a compensar as perdas de rendimento da população desempregada ou a suavizar as carências da população em risco de pobreza ou exclusão social.



O problema da própria concepção liberal de cidadania. Sendo a cidadania, apenas, um estatuto legal, a actividade cidadã esgota-se nesta condição passiva, não envolvendo nenhum compromisso de participação

activa nos

processos

de

deliberação

e

decisão

democráticos.

Contra uma perspectiva jurídica da cidadania, apresenta-se uma perspectiva sociológica, que olha para a cidadania como um conjunto de práticas jurídicas, políticas, económicas e culturais, que definem uma pessoa como membro competente da sociedade (Turner, 1993). Ou seja, a cidadania é concebida como produto social, a partir do qual se entendem as relações dos indivíduos com a sociedade – direitos e obrigações, fluxos de recursos.

CONCEPÇÕES SÓCIO-POLÍTICAS DA PARTICIPAÇÃO

Carole Pateman (1992) dedicou uma especial atenção ao conceito de participação e ao seu papel numa teoria de democracia que, na sua opinião, é moderna e viável. Neste sentido, o elo de ligação é feito pela história, a partir da qual a autora vai à procura de argumentos que ajudem a sustentar a sua teoria.

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Assim, segundo a autora, as concepções sócio-políticas da participação integram-se nas abordagens da Teoria da Democracia Participativa, ou Teoria Clássica da Democracia, onde se destacam autores como Rousseau, John Stuart Mill e G. Cole e da Teoria Contemporânea da Democracia, suportada em autores como Schumpeter, Dahl, Sartori, Eckstein e Berelson.

As ideias que estes autores apresentam são minuciosamente examinadas pela autora, não com o objectivo de descrevê-las ou apresentá-las, mas para utilizálas como referencial para a compreensão da realidade. Assim, Pateman realça alguns aspectos que caracterizam a base de uma teoria da democracia. De acordo com Pateman (1992), embora a ideia de participação tenha sido mais utilizada desde a segunda metade da década de 1960, os teóricos da ciência política e os sociólogos reconhecem ao conceito um significado menor na contemporaneidade, em relação ao papel que lhe atribuíram os teóricos que os precederam, destacando os riscos inerentes à ampla participação popular em política para a estabilidade do sistema democrático. Vejamos algumas das características destas teorias.

A Teoria da Democracia Participativa está suportada, como referimos, em Rousseau e John Stuart Mill – que fornecem os seus postulados básicos – e em G. Cole - teórico do século XX, cuja obra é significativa, principalmente, por incluir e ampliar esses postulados, inserindo a teoria participativa no contexto de uma sociedade moderna, de grande escala e industrializada.

Rousseau, que pode ser considerado o teórico por excelência da participação, apoiou a sua teoria na participação individual de cada cidadão no processo político de tomada de decisões, o que constitui um mecanismo de protecção dos interesses privados e a garantia de um bom governo. A participação implica, para Rousseau, uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos, que interagem dentro delas. 6

Outro ponto fundamental das suas concepções está na função educativa da participação, que leva a considerar o bem comum para além dos próprios interesses (sentido de justiça) e a apreender a inter-relação entre o público e o privado, como constituintes entre si. No sistema participativo, quanto mais o cidadão participa, maior é a sua capacitação para fazê-lo. Pateman (1992), ainda em referência a Rousseau, cita o papel da participação como função do controlo real sobre o curso da vida e do meio em que vive, potenciando o aumento do valor da liberdade para o indivíduo (capacitando-o a ser e a permanecer dono do seu próprio destino) e, por fim, a sua função de integração, representada pela sensação de pertença a uma colectividade.

Ainda na Teoria da Democracia Participativa, John Stuart Mill concebe o papel do governo e das instituições políticas em influenciar o desenvolvimento mental da comunidade, que se expressaria no carácter activo dos indivíduos, no contexto de instituições populares. Mill, apesar de rejeitar o argumento de Rousseau de que para a participação efectiva é necessária a igualdade política, concorda com este teórico quanto às funções da participação, no que respeita ao controlo e integração. O aspecto relevante da sua teoria está na ampliação que propõe ao carácter educativo da participação, preconizando a sua importância, tanto ao nível local (no âmbito da sociedade), como no local de trabalho, sendo estas condições necessárias para a participação ao nível nacional e, portanto, tornando premente o desenvolvimento da democratização das estruturas de autoridade, em todos os sistemas políticos.

Em relação à contribuição de Cole, fundamenta-se nos pressupostos de Rousseau de que a vontade – e não a força – é a base da organização social e política. Cole sustenta que os homens precisam de cooperar em associações para satisfazer as suas necessidades, participando na organização e regulamentação das mesmas. Também para Cole, a função educativa da participação é crucial, assim como a integrativa, destacando-se neste sentido o âmbito da participação em contexto empresarial, como um espaço importantíssimo para os seus efeitos. 7

Corroborando Rousseau, Cole reitera a impossibilidade de igualdade de poder político sem uma quantidade substancial de igualdade económica. A relevância principal de sua teoria está na noção de sociedade participativa que, entre outros aspectos, considerava uma estrutura participativa a todos os níveis, com destaque para a criação de uma série de instrumentos de participação de âmbito local, tais como cooperativas e conselhos de consumidores, associações cívicas e conselhos culturais, entre outros, necessários para responder a outras solicitações. Além disso, propôs uma estrutura política horizontal, composta por comunidades locais e regionais, estando no topo uma comunidade nacional (de mera coordenação), de forma a permitir o máximo de participação dos indivíduos (Pateman, 1992).

Assim e em síntese, os autores da Teoria da Democracia Participativa partem do entendimento de que a participação é ilimitada e todos devem e podem participar, interagindo com o grupo. Mas, para esta teoria, a simples existência de instituições representativas, a nível nacional, não é suficiente para garantir a democracia, porque a socialização, ou treino social, dá-se, também, noutras esferas, nas quais existe a possibilidade de desenvolvimento de atitudes e qualidades psicológicas, intrínsecas à participação. A principal função da participação é educativa, no mais amplo sentido da palavra, tanto no aspecto psicológico, como no de aquisição de competências e procedimentos democráticos (Pateman, 1992: 61). Neste sentido, para existir um governo democrático deve, necessariamente, a sociedade ser participativa. A participação pode iniciar-se no local de trabalho, como aprendizagem e evoluir, gradualmente, para participações num contexto social mais amplo.

Entre os teóricos recentes, subjacente aos quais está a Teoria Contemporânea

da

Democracia,

destacam-se

Joseph

Schumpeter,

cuja

compreensão da essência da sua obra afigura-se fundamental, dado que as obras de autores mais actuais, como Berelson, Dahl, Sartori e Eckstein, foram elaboradas na sequência dos seus parâmetros. 8

Na teoria de Schumpeter, a característica distintiva da democracia está na disputa dos votos do povo, por parte de uma liderança (Pateman, 1992) e a participação expressa-se conforme uma lógica de mercado, em que os indivíduos que votam são consumidores de bens políticos e os políticos são os empresários, caracterizando a democracia como estando reduzida ao governo de uma elite e à participação popular pelo voto (Melin, 2006, p. 8). Para esta teoria, a democracia vincula-se a um método político, ou a uma série de arranjos institucionais, a nível nacional (Pateman, 1992: 25). Ou seja, o que determina este método como democrático é a competição pelos votos e as eleições livres e periódicas e é através do voto que as pessoas adquirem força para controlar os líderes e também para influenciar as decisões destes. Desta forma, o sufrágio universal surge como a única garantia de igualdade de oportunidades e acesso aos mecanismos de controlo sobre os líderes.

Para a Teoria Contemporânea, a função da participação é, apenas, de protecção; a protecção do indivíduo contra decisões arbitrárias dos líderes eleitos e a protecção dos seus interesses privados. Sendo assim, o nível de participação não deve ir para além do mínimo necessário para manter a máquina eleitoral, ou método democrático, estabilizados, porque o excesso de participação pode gerar uma certa instabilidade no sistema.

Dentro deste debate, surge a orientação teórica de Berelson que, apesar de diferenciar-se de Schumpeter, tem o mesmo objectivo. Concebe que a participação limitada dos indivíduos e a apatia têm uma função positiva no conjunto do sistema político, com o objectivo de garantir a manutenção de sua estabilidade (evita-se o confronto de divergências) e pressupõe-se que a moderna teoria democrática assuma uma forma descritiva do sistema político vigente.

Dahl, por sua vez, defende uma teoria onde a democracia é vista como uma poliarquia, ou seja, o governo das múltiplas minorias, cuja vantagem está na ampliação do número, do tamanho e da diversidade das minorias, que podem 9

mostrar a sua influência no sistema político. A igualdade política preconizada refere-se à existência do sufrágio universal, com a consequente sanção, ou confirmação, através do voto (única forma de controlo possível pelos cidadãos) e a consideração de todas as preferências individuais, visto que cada indivíduo corresponde a um voto (Pateman, 1992; Melin, 2006). Caracteristicamente, argumenta-se também sobre os perigos de um aumento da participação à estabilidade do sistema democrático.

Por sua vez, a teoria de Sartori corresponde a uma extensão das teorias de Dahl, entendendo a democracia como uma poliarquia, realçando que não apenas as minorias governam, mas também as elites, em competição. O seu discurso revela o receio de que a participação activa da população leve ao totalitarismo. Além disso, Sartori refuta argumentos sobre os factores causais da apatia política da maioria, concebendo-a como um facto natural e necessário à manutenção do método democrático (a participação é atributo, apenas, de uma elite, qualificada para tal), passível de mudança, apenas, pela coacção dos apáticos ou penalização da minoria activa – nenhum dos métodos, na sua perspectiva, concebíveis.

Eckstein, por sua vez, concentra-se nas condições necessárias à estabilidade de um sistema democrático no decorrer do tempo, argumentando que, para tal, o padrão de autoridade de um governo deve ser congruente com os outros padrões de autoridade da sociedade da qual faz parte, o que não implica, necessariamente, ser, puramente, um padrão democrático (Pateman, 1992).

Colocados, sucintamente, alguns pontos de sustentação de autores enquadrados na Teoria da Democracia Participativa e na Teoria Contemporânea da Democracia, é possível estabelecer, em linhas gerais, diferenças entre as concepções sociopolíticas da participação inerentes a cada uma.

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Pateman (1992) considera que os argumentos críticos dos teóricos recentes sobre a Teoria da Democracia Participativa estão baseados em equívocos na interpretação desta teoria. A autora defende que esta teoria é construída em torno do carácter integrativo entre indivíduos e instituições (estes não devem ser considerados isoladamente) e, portanto, considera o sistema político como um todo. Considera, ainda, que a existência de instituições representativas, a nível nacional, é insuficiente ao sistema democrático e pressupõe a máxima participação de todas as pessoas e a socialização em todas as esferas. A principal função da participação é, portanto, educativa e possibilita efeitos positivos, tanto para o aspecto psicológico, como para o aperfeiçoamento na prática de competências e procedimentos democráticos. Dado o impacto educativo do processo participativo, não representa problema algum à estabilidade do sistema político e, muito pelo contrário, quanto mais os indivíduos participam, mais capacitados ficam para fazê-lo. Para além disto, a participação permite que decisões colectivas sejam mais facilmente aceites pelos indivíduos e favoreçam a integração dos mesmos. Pateman (1992) estabelece, ainda, a inter-relação entre uma forma de governo democrático e a necessária existência de uma sociedade participativa, onde todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e onde a socialização por meio da participação possa ocorrer em todas as áreas. Destaca-se, neste sentido, a importância das empresas enquanto uma esfera de actuação política por excelência, cujas estruturas de autoridade devem favorecer a participação na tomada de decisões e favorecer a igualdade económica entre os indivíduos.

Portanto,

na

Teoria

da

Democracia

Participativa,

a

participação

corresponde à igualdade na tomada de decisões e a igualdade política refere-se à igualdade de poder na determinação das consequências das decisões. Nas palavras da autora:

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“Pode caracterizar-se o modelo participativo como aquele onde é exigido o input máximo (a participação) e onde o output inclui, não apenas, as políticas (decisões), mas também o desenvolvimento das capacidades sociais e políticas de cada indivíduo, de forma a que exista um feedback do output para o input” (Pateman, 1992: 62).

Já a Teoria Contemporânea da Democracia, para a autora, possui um carácter empírico ou descritivo, que se concentra na operação do sistema político democrático como um todo e baseia-se nos factos, nas atitudes e nos comportamentos políticos actuais. A concepção de democracia, aqui defendida, vincula-se a um método político, ou a uma série de arranjos institucionais a nível nacional, centrado na competição entre os líderes (elite) pelos votos do povo, em eleições periódicas e livres, através das quais a maioria pode exercer controlo sobre os líderes. A igualdade política, aqui, refere-se ao sufrágio universal e à existência de igualdade de oportunidades de acesso aos canais de influência sobre os líderes. O lugar concedido à participação, no que diz respeito à maioria, restringe-se à escolha daqueles que tomam decisões. Tal questão reduz a função da participação, apenas, à protecção do indivíduo contra decisões arbitrárias dos líderes eleitos e dos seus interesses privados. Assim sendo, salientam-se os perigos inerentes à participação da maioria (não-democrática) para a estabilidade do sistema. Pode inferir-se que os teóricos que sustentam tal visão do papel da participação são, antes de tudo, teóricos do governo representativo (Pateman, 1992).

Em síntese, o modelo da Teoria Contemporânea da Democracia pode ser visto como aquele em que a maioria (não elites) obtém o máximo de rendimento (decisões políticas) dos líderes, com o mínimo de investimento (participação) de sua parte. As concepções da participação aqui apresentadas podem, ainda, ser analisadas sob diferentes ângulos, como se demonstrará a seguir.

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A PARTICIPAÇÃO SEGUNDO PARADIGMAS ANALÍTICOS Conforme sinaliza Gohn (2003), a participação está sujeita a interpretações, significados e estratégias diferenciados, conforme os paradigmas analíticos adoptados. Ainda que implique definições polarizadoras, é importante compreender a participação nas suas diversas vertentes, a saber: 

A concepção liberal que, por sua vez, divide-se em corporativa e em comunitária;



A concepção democrática,

nas

suas versões

revolucionária

e

democrática-radical.

No paradigma liberal, de acordo com Gohn (2003), a participação tem por objectivo o fortalecimento da sociedade civil, de forma a evitar as ingerências do Estado, tais como o seu controlo, tirania e interferência na vida dos indivíduos. Estabelecida nos marcos das relações capitalistas, procura sempre reformar a estrutura da democracia representativa e concebe que todos os membros da sociedade são iguais, sendo a participação o meio para a satisfação das suas necessidades. Decorrentes da concepção liberal, temos: 

A participação corporativa, que tem como núcleo articulador dos indivíduos o bem comum, o que pressupõe que a motivação para participar está fora dos indivíduos, está para além dos seus interesses particulares;



A

participação

comunitária,

caracterizada

como

uma

forma

institucionalizada, na qual grupos organizados devem participar no interior dos aparelhos de poder estatal, fundindo-se as esferas do público e do privado (Gohn, 2003). Carlos (2007) sinaliza que se trata de uma concepção instrumental da participação, i.e., uma estratégia para redução de custos, via actuação das associações civis, tidas como mais

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eficientes que os governos para certas acções, por estarem mais próximas dos grupos-alvo de políticas públicas.

O paradigma democrático, de acordo com Gohn (2003), tem na soberania popular o princípio regulador da forma democrática, concebendo a participação como um fenómeno que se desenvolve, tanto na sociedade civil como no plano das instituições políticas formais. Tem no sistema representativo, via processo eleitoral, o critério supremo de organização dos indivíduos e, como tal, está sujeita a alguns vícios existentes na concepção liberal (como o clientelismo) e ou ainda a forma autoritária de participação (cooptação). Dentro desse paradigma, temos: 

A concepção revolucionária, estruturada em colectivos organizados para lutar contra as relações de dominação e pela divisão do poder político. Tem no sistema partidário um actor fundamental e, usualmente, defende a substituição da democracia representativa por outro sistema (democracia participativa);



A concepção democrática-radical, que visa fortalecer a sociedade civil para a construção de caminhos voltados para uma realidade social mais igualitária. Caracteriza-se pelo pluralismo, contando com múltiplos agentes de organização da participação social (os partidos políticos não são mais importantes que os movimentos sociais) e articula-se com a ampliação da cidadania e com a construção colectiva de processos políticos.

Exemplifica-se

em

experiências

como

o

orçamento

participativo e diferentes fóruns de participação popular (Gohn, 2003).

Gohn (2003) sinaliza que alguns autores preferem não trabalhar com estes modelos, que implicam definições polarizadoras, optando por utilizar tipologias que tratam de graus de participação. Para Pateman (1992), por exemplo, são possíveis três níveis de participação:

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A pseudo-participação, em que os indivíduos apenas são consultados sobre algum assunto e endossam as decisões do líder, ou seja, não ocorre, de facto, participação alguma na tomada de decisão;



A participação parcial, em que muitos tomam parte no processo decisório, mas o poder final de decidir pertence apenas a uma das partes;



A participação plena, em que cada membro, isoladamente, tem igual poder de determinar o resultado final das decisões.

Uma forma de análise similar, porém com graus de participação distintos, é utilizada por Arnstein (2002), que propõe uma escala de participação composta por oito níveis, que correspondem à amplitude do poder e da tomada de decisão. No nível mais baixo encontra-se o grau denominado de manipulação (quase não participação), seguindo-se outros níveis, em que há uma concessão mínima de poder (respectivamente, terapia, informação, consulta e pacificação) e, por fim, os três últimos níveis, que representam o nível de poder cidadão (parceria, delegação de poder e, finalmente, controlo do cidadão).

No nível intra-organizacional, um autor que discute a participação conforme o grau de controlo dos membros sobre as decisões e a importância das decisões nas quais é possível participar, é Bordenave (1985). O grau de controlo é classificado do ponto de vista do menor ou maior acesso ao controlo das decisões pelos membros, englobando: 

Informação (os membros são informados de decisões já tomadas);



Consulta facultativa (a administração consulta, se e quando quiser, os subordinados);



Consulta obrigatória (há a consulta, ainda que a decisão final pertença aos directores/administradores);



Elaboração/recomendação (envolve-se na elaboração de propostas, que se sujeitarão à aprovação, ou não, dos gestores);

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Co-gestão (administração compartilhada por mecanismos de co-decisão, com influência directa na tomada de decisão);



Delegação (implica autonomia em certos campos ou jurisdições);



Auto-gestão (o grupo determina objectivos, escolhe os seus meios e estabelece os controlos pertinentes).

No nível da importância das decisões, do mais alto para o mais baixo, Bordenave (1985) estabelece, respectivamente: 

A formulação da doutrina e da política da instituição;



A determinação de objectivos e estabelecimento de estratégias;



A elaboração de planos, programas e projectos;



A alocação de recursos e administração das operações;



A execução das acções e avaliação dos resultados.

É preciso salientar que a análise da participação, conforme paradigmas analíticos e tipologias, contribui para a sua abordagem, mas ressalvando-se que todas as formas de classificação apresentam limitações: os modelos não existem enquanto doutrinas únicas. Conforme alerta Carlos (2007), antes disso, combinamse e coexistem de diferentes maneiras, de forma mais ou menos intensa, conforme a conjuntura e os actores envolvidos.

OS MÚLTIPLOS SENTIIDOS DA PARTICIPAÇÃO

Pela análise das concepções sociopolíticas e paradigmas que envolvem a participação, tem-se a amplitude desta temática, que comporta múltiplos sentidos. Além daqueles que podem ser identificados nesta nossa abordagem, é necessário apreender, de uma forma mais pormenorizada, alguns outros.

Ao traçar conceptualmente a participação, Demo (1993) concebe-a como um processo inacabado, em construção permanente e, portanto, como uma conquista. Neste sentido, a participação não pode ser entendida como uma dádiva, 16

como concessão ou como algo pré-existente. A definição que propõe, conforme refere, considera-a como algo tendencial e natural. Demo (1993) argumenta que o estudo da participação implica compreendê-la no contexto da tendência histórica à dominação e conquista de poder, sendo a própria participação uma forma de poder. Demo (1993) assinala, ainda, o sentido metodológico da participação, enquanto um meio e um fim. E entre os objectivos da participação, destaca: 

Procurar a autopromoção, ou seja, centra-se nos seus próprios interesses, com o objectivo de superar-se;



Realizar a cidadania, implicada em reduzir as injustiças, traçar estratégias de reacção e lutar pelas mudanças;



Promover o exercício democrático;



Controlar o poder, não só pelas vias institucionalizadas, como leis e decretos, mas também pelo controlo a partir da base;



Controlar a burocracia, exigindo-se padrões de eficácia e eficiência no âmbito público;



Negociar conflitos e divergências;



Criar uma cultura democrática, expressa por processos participativos e transparentes.

Bordenave (1985) traz algumas discussões interessantes para uma compreensão geral do termo. O autor coloca a participação como algo inerente à natureza social do homem, ou seja, como uma necessidade humana que se expressa na colectividade por uma base afectiva (integração) e por uma base instrumental (eficácia e eficiência nas acções). Reflectindo sobre a origem da palavra, Bordenave (1985) acrescenta que participação é “fazer parte”, “tomar parte” ou “ter parte”. O autor alerta que o verdadeiramente crucial, na participação, não é o quanto se toma parte, mas, sim, como se toma parte, e distingue entre os processos de micro-participação (voltado para os interesses pessoais e imediatos) e de

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macro-participação (voltado para a intervenção no âmago das estruturas sociais, políticas e económicas). A macro-participação corresponde, portanto, à participação social que, nas palavras do autor, é inerente ao processo mediante o qual os diversos níveis sociais têm parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada (Bordenave, 1985: 25). Este conceito de participação social também é compartilhado por Ammann (1978), que considera estes três elementos imprescindíveis a uma participação directa, embora destaque que a participação possa ocorrer de uma forma indirecta, por meio das associações. Ter parte na produção implica que os trabalhadores tenham parte na propriedade dos meios de produção, na organização e controlo do trabalho, na geração do produto e na propriedade do produto gerado pelo processo produtivo. Ter parte na gestão da sociedade, por sua vez, implica integrar-se no complexo jogo de relações, interesses e decisões que envolvem o sistema político e organizacional. Por fim, o usufruto dos bens da sociedade, para além do acesso ao consumo de serviços básicos (habitação, educação, saúde, trabalho), envolve uma dimensão de cidadania, compreendida pelos direitos cívicos, políticos e sociais (Carlos, 2007), aliás como já referimos, no início deste texto. Neste sentido, Bordenave (1985) ressalta a falácia de pretender-se uma participação política sem uma correspondente participação social equitativa. Dallari (1984) discute a participação política, para além da participação eleitoral (seja como eleitor, como candidato ou na condição de militante partidário). Implica, também, comparecer a reuniões de partidos, comícios, grupos de difusão de informações, até inscrever-se em associações culturais, recreativas, religiosas ou, ainda, realizar protestos, marchas, entre outras acções (Teixeira, 2001). Para Dallari (1984), assim como a participação social, a participação política é uma necessidade da natureza humana e pode ser feita com um carácter estritamente individual ou colectivo (pela integração em qualquer grupo social) e 18

de forma eventual ou organizada (voltada para a consciencialização), sendo esta última mais eficiente. De forma complementar, Gohn (2003: 25) reflecte que, usualmente, considera-se a participação política como um processo relacionado ao número e intensidade de indivíduos envolvidos na tomada de decisão, articulandose, directamente, com a questão da democracia, nas suas formas directa e indirecta (representativa). A mesma autora sinaliza que a participação política no bojo das políticas estatais surge da ideia de participação comunitária, ou seja, restringe-se à incorporação dos indivíduos em acções de programas assistenciais nas comunidades, que eram elaborados pelas autoridades ou grupos missionários.

A participação popular, que passou a designar a participação dos indivíduos nos processos de elaboração de estratégias e de tomada de decisão, só entra em voga na década de 1980, associada aos movimentos populares – actuando em conjunto com outras instâncias de participação, como as comunidades eclesiais de base, sindicatos, associações de moradores, entre outras (Gohn, 2003). Nestes termos, a noção de participação popular associa-se a um carácter mais reivindicativo, característico da acção dos movimentos sociais, visando a resposta às necessidades sociais ou realização de protestos, compreendendo uma posição combativa ao Estado (Teixeira, 2001). Portanto, neste contexto, a participação popular definiu-se pela organização do povo (excluídos dos círculos de poder dominante) para aumentar o controlo social sobre os recursos e sobre o aparelho do Estado, bem como a sua democratização (Gohn, 2003). Em face deste processo participativo, altera-se, ou pode alterar-se, o cenário político de um país (Gohn, 2003; Paoli & Telles, 2000).

AS TENDÊNCIAS: PARTICIPAÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ

Gohn (2003) assinala que, na década de 1990, surge um novo paradigma de gestão pública. A participação popular e a participação comunitária cedem lugar a

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duas novas denominações, respectivamente, participação social e participação cidadã. Teixeira (2001) também distingue a participação popular e a participação cidadã. Para o autor, a participação cidadã é oriunda de uma complexa e contraditória relação entre sociedade civil, Estado e mercado, em que se redefinem os seus papéis, mediante por um lado, uma sociedade civil fortalecida pela assumpção de deveres e responsabilidades políticas específicas, e, por outro lado, a criação e exercícios de direitos, impactando também no controlo social do Estado e do mercado. A participação cidadã contempla, ainda, dois elementos contraditórios: por um lado, expressa o “tomar parte” de actores no processo político-social, privilegiando os seus interesses, identidades e valores privados; por outro lado, no sentido cívico, enfatiza as dimensões de universalidade, generalidade, igualdade de direitos, responsabilidades e deveres (Teixeira, 2001: 32). Conforme complementa Nogueira (2005: 142), a participação cidadã tem múltiplos focos de acção, que vão do Estado ao mercado e à sociedade civil, do particular ao geral, da ética ao interesse. As práticas que envolvem a participação cidadã têm em vista trazer a esfera de tomada de decisões para o nível local, sendo concebidas como forma de intervenção social, periódica e planeada – que abrange todo o processo de formulação e implementação de políticas públicas – institucionalizando-se a partir de estruturas criadas no aparato governamental, compostas por representantes eleitos, directamente, pela sociedade de onde provêm (Gohn, 2003). Gohn (2003) refere, ainda, que os actores envolvidos neste processo conferem um novo carácter ao empowerment de grupos e indivíduos, pela capacitação política e organizacional. No que diz respeito à concepção de participação social, na década de 1990, Gohn (2003) destaca que, no seu cerne, está a redefinição da mobilização social e a redefinição do carácter de militância nas diversas formas de participação

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existentes. De aglutinação das pessoas para fins de protestos e manifestações, passa a ser compreendida como energia a ser canalizada para objectivos comuns. Para Dagnino (2004), este facto exemplifica-se pela marginalização corrente dos movimentos sociais e pelo crescimento acelerado das organizações não governamentais, com destaque para a emergência do Terceiro Sector, que assume um novo papel no contexto e realidade sociais. Conforme Gohn (2003: 59), há um total e completo esvaziamento do conteúdo político da mobilização e a sua transfiguração num processo para atingir resultados. A participação social preconizada na política contemporânea, conforme Dagnino (2004), implica a alteração de tendências de três noções, caras ao processo de construção democrática – sociedade civil, participação e cidadania – em consequência da disputa político-cultural de dois projectos distintos. Por um lado, um processo de alargamento da democracia, expresso na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão na gestão pública. Por outro lado, a implementação do ajustamento neoliberal que, progressivamente, isenta o Estado do seu papel de garantir direitos, transferindo as suas responsabilidades sociais para a sociedade civil. Dagnino (2004: 140) vê este processo como uma confluência perversa, colocada, desde logo, no facto de que, apontando para direcções opostas e até antagónicas, ambos os projectos requerem uma sociedade civil activa e empenhada. Para a autora, a expressão sociedade civil restringe-se, cada vez mais, a designar as organizações não governamentais, quando não um mero sinónimo de Terceiro

Sector.

Tal

factor

origina

uma

concepção

errada

de

representação/representatividade, reduzida à visibilidade social (espaço ocupado nos vários tipos de comunicação social). As redefinições neoliberais de cidadania reduzem o seu significado colectivo a um entendimento estritamente individualista, além de estabelecer uma sedutora conexão entre cidadania e mercado, ou seja, tornar-se cidadão passa a significar a integração individual ao mercado, como consumidor e produtor. Dagnino (2004)

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refere que esse sentido de cidadania despolitiza a dimensão dos direitos universais e o debate político sobre as causas da pobreza e da desigualdade. Neste sentido, a cidadania é identificada com a (e reduzida à) solidariedade e a responsabilidade moral da sociedade, que é então chamada a vincular-se ao trabalho voluntário e filantrópico. Por sua vez, ligada a estes processos, a participação é redefinida como uma participação solidária, com ênfase no trabalho voluntário e na responsabilidade social, tanto de indivíduos como de empresas. Assim, a participação é despida de seu carácter político e colectivo, responsabilizando-se a sociedade civil pela resolução dos problemas sociais, o que se contrapõe ao conteúdo propriamente político e emancipador da participação, marcada pela partilha efectiva do poder entre o Estado e a sociedade civil, por meio da deliberação, no interior dos novos espaços públicos.

A PARTICIPAÇÃO E O GÉNERO

O tema do género tem dado sentido e direcção aos movimentos sociais e tem questionado os modelos de democracia existentes. Destacamos, a propósito, o papel das mulheres inseridas nos movimentos sociais, em contextos sócio-políticos e culturais de construção da democracia, tendo como pano de fundo a questão das reestruturações económicas impostas pela globalização e os efeitos das políticas sociais neoliberais sobre a organização das formas associativas da sociedade civil. As análises de Touraine (2006) possibilitam-nos iniciar a procura de caminhos para possíveis respostas às diversas questões. Para este autor, as mulheres, os imigrantes e as lutas ambientalistas, são categorias e problemáticas de um novo paradigma em formação, o cultural. Segundo o autor, os direitos culturais estão, gradualmente, a sobrepor-se aos económicos, sociais e políticos, sem eliminá-los. Entretanto, o mesmo Touraine, num outro texto (Touraine, 2006: 18-19), afirma:

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“É necessário não aplicar a noção de movimento social a qualquer tipo de acção colectiva, conflito ou iniciativa política [...]. O essencial, aqui, é reservar a ideia de movimento social a uma acção colectiva que coloca em causa um modo de dominação social generalizada. [...] Só há movimento social se a acção colectiva – também ela com um impacto maior do que a defesa de interesses particulares num sector específico da vida social – se opuser a tal dominação.”

Touraine conclui, retomando a sua definição, já clássica, de movimento social, como a combinação de um conflito com um adversário social organizado – e da referência comum dos dois adversários a um mecanismo cultural – sem o qual os adversários não se enfrentariam, pois poderiam situar-se em campos de batalha, ou em domínios de discussão, completamente separados (Touraine, 2006). CONCLUSÃO A reconfiguração da sociedade, que se observa em face das mudanças que ocorrem no cenário contemporâneo, implica a assumpção de novos papéis aos actores sociais e, neste contexto, a questão da participação tem sido, reiteradamente, introduzida, nomeadamente na abordagem à gestão pública, por parte dos cidadãos.

No entanto, é preciso analisar criteriosamente as múltiplas tendências que a participação pode assumir, quando apropriada nos discursos e práticas adoptadas, seja pelas organizações do Terceiro Sector, seja pela sociedade civil, pelas empresas privadas, pelos governos, entre outros agentes, bem como as implicações políticas e culturais que se encontram em disputa.

Tendo em vista a abrangência de significados, tendências e conotações, bem como a diversidade de práticas participativas que têm sido adoptadas e, fundamentalmente, a relevância que é dada à participação, torna-se cada vez mais

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necessário, não apenas, analisar os seus diferentes sentidos, mas também avaliar a participação dos diversos actores, para além da própria participação em si mesma, incorporando os elementos e mecanismos que operam para o fortalecimento (ou enfraquecimento) das práticas democráticas.

Portanto, é de grande importância, na nossa opinião, debater e explicitar o significado que a participação pode assumir nos mais diversos contextos, de forma a aprofundar a reflexão sobre a arquitectura da participação e os desafios para os próximos anos, visando aprofundar a experiência democrática.

É certo que a agenda de discussão deste tema é ampla e complexa, cruzando elementos relacionados com a cultura política, os recursos, as motivações, as práticas e estruturas institucionais, assim como o conceito de cidadania, nas suas diversas dimensões – cívicas, políticas e sociais – mas, por isso mesmo, é que a participação, nas suas múltiplas abordagens teóricas, paradigmas, sentidos e tendências, assume um papel tão relevante, como indispensável e incontornável, na (re)configuração das sociedades contemporâneas.

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