A perceção da erradicação da poliomielite no Portugal Pós-Colonial

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Isabel Corrêa da Silva Marina Pignatelli Susana de Matos Viegas (Coord.)

Título: Livro de Atas do 1º Congresso da Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa 2015, Isabel Corrêa da Silva, Marina Pignatelli e Susana de Matos Viegas (Coord.) Capa, revisão e paginação: Leading Congressos 1ª edição: janeiro de 2015 ISBN: 978-989-99357-0-9

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A perceção da erradicação da poliomielite no Portugal Pós-Colonial Inês Guerra1 [email protected]

Juan Antonio Rodríguez-Sánchez2 [email protected]

Resumo: No ano de 1994 assistiu-se à obtenção do certificado de erradicação da Pólio na região das Américas. Aquela seria então a primeira região que a Organização Mundial de Saúde reconheceu como livre da doença. A região europeia, seria a terceira a conseguir tal certificado no ano de 2002. Assim, uma análise da imprensa portuguesa demonstra que, esgotada a esperança da erradicação global, as notícias sobre a poliomielite referemse sobretudo à sua presença em países menos desenvolvidos, aludindo a um mundo distante e alheio, onde se desenvolvem campanhas para erradicação da pólio com auxílio internacional. Do ponto de vista de Portugal, da Europa e do resto do mundo, sobressaem na imprensa portuguesa, as galas benéficas e as informações sobre o desenvolvimento da doença naquelas paragens longínquas até porque, apesar dessa distância, a persistência da doença constitui uma ameaça global. Compreende-se, por isso, que a luta contra a pólio naqueles países seja encarada como uma forma de proteção face a um possível regresso da poliomielite ao Ocidente. Neste estudo pretende-se analisar a perceção da erradicação da Pólio no Portugal pós-colonial tendo como suporte a imprensa portuguesa entre 1995 e 2010. Para tal, a pesquisa recaiu sobre a edição impressa digitalizada de dois periódicos de grande circulação em Portugal: Jornal de Notícias e Público. Ao mesmo tempo, e com a intenção de demonstrar algumas particularidades do caso português, realizou-se uma análise comparativa com a imprensa espanhola (El País e El Mundo). Realizaram-se cruzamentos e definiram-se operadores lógicos capazes de permitir a exaustividade. Metodologicamente, cruzaram-se procedimentos quantitativos e qualitativos com vista a analisar a referida imprensa. Palavras-chave: Poliomielite, África, Angola, Portugal, Imprensa. Agradecimientos: Esta investigación se ha realizado en el marco de los siguientes proyectos financiados: “Poliomielitis y Síndrome Post-Polio en Castilla y León: de la acción institucional al asociacionismo de los afectados” SA359A12-1; “Internacionalización y estrategias contra la enfermedad: profesionales, personas afectadas y activismo ante la erradicación de la polio y la aparición del SPP (1963-2010)” HAR201239655-C04-03

1 Insituto Universitário da Maia (ISMAI). Portugal Docente de Ciências Socais e investigadora do Centro de Estudos em Língua, Comunicação e Cultura (CELCC), Centro integrado no Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC). Responsável pelo projecto “Memória, Comunicação e Cidadania” do referido Centro é também membro do Grupo de Investigação Hispano-Luso e da Rede Ibero americana em História da poliomielite e da síndrome pós-pólio. 2 Universidad de Salamanca. Espanha. Professor da área da História da Ciência e investigador principal de diversos projetos regionais e nacionais sobre os movimentos sociais e as mudanças culturais promovidas pelas epidemias de poliomielite em Espanha e Portugal. Coordena o Grupo de Investigação Hispano-Luso e a rede Ibero americana em História da poliomielite e da síndrome pós-polio.

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1. Introdução Em 1988, a OMS aprovou e deu início a uma iniciativa que tinha como objetivo final a erradicação da Poliomielite no mundo. Nesta iniciativa participavam os governos dos países membros, a UNICEF, os centros americanos para prevenção e controle de doenças, o Rotary Internacional e a própria OMS. A estes participantes juntaramse progressivamente outras organizações como a United Nations Foundation, o Banco mundial ou a Bill e Melinda Gates Foundation. Ao mesmo tempo, este projeto ambicioso contava com uma sólida base científica o que reforçava a sua credibilidade e a sua visibilidade em parte assentes no sucesso obtido na erradicação da varicela, certificada oficialmente em 1980. Os primeiros resultados obtiveram-se na Região das Américas, onde se conseguiu alcançar o certificado de erradicação em 1994 (Nascimento, Cueto, Maranhão, Sobti, 2010). A Região Europeia, seria a terceira ao conseguir o certificado de erradicação em 2002. O otimismo inicial levou à definição de uma data para a erradicação mundial da poliomielite no ano 2000, projecto depois adiado para 2005 e posteriormente adiado sem data definida. Em 2009, a situação não era propriamente animadora com casos de pólio em 23 países, alguns dos quais tendo já sido anteriormente considerados livres da doença. Dado o perfil dos países em que persistiam casos de poliomielite esta converteu-se na imprensa, numa doença de países longínquos, pobres e incultos, objeto de necessários programas solidários de cooperação pois constituem uma ameaça para o Ocidente quer pela sua não adesão à vacinação quer pelos próprios movimentos migratórios. Neste estudo pretende-se analisar a perceção da erradicação da Pólio no Portugal pós-colonial tendo como suporte a imprensa portuguesa entre 1995 e 2010. Para tal, a pesquisa recaiu sobre a edição impressa digitalizada de dois periódicos de grande circulação em Portugal: Jornal de Notícias e Público. Ao mesmo tempo, e com a intenção de demonstrar algumas particularidades do caso português, realizou-se uma análise comparativa com a imprensa espanhola (El País y El Mundo). Realizaram-se cruzamentos e definiram-se operadores lógicos capazes de permitir a exaustividade. Metodologicamente, cruzaram-se procedimentos quantitativos e qualitativos com vista a analisar a referida imprensa.

2. Enquadramento teórico A pesquisa em saúde, nos mais diversos campos científicos, tem vindo a desenvolver-se nos últimos anos em Portugal. A importância deste domínio de pesquisa é aliás, bem ilustrado no crescimento de publicações específicas e na incorporação das ciências sociais e das suas contribuições (Santos, 2006). De um ponto de vista teórico, o presente estudo aplica as teorias da agenda e do enquadramento à análise de dois periódicos: Jornal de Notícias e Público no período compreendido entre a primeira declaração de erradicação da poliomielite, na região das Américas, e a assunção, através do reconhecimento pela Classificação internacional de doenças em 2010, de que as consequências da poliomielite sobre a saúde persistem também no Ocidente através do chamado Síndrome pós-polio. Os resultados obtidos foram depois comparados com os que resultam da análise dos jornais espanhóis (El País e El Mundo). O pressuposto básico da teoria do agendamento é o de que os assuntos destacados pelos meios de comunicação social condicionam o que o público pensa. Por outras palavras, o facto de os media serem seletivos relativamente aos temas que consideram mais ou menos importantes condiciona a importância que o público lhes atribui (Rogers & Dearing, 1988). No mesmo sentido Lippman (1922) considerava já, que os media ditam os “mapas cognitivos do mundo” dado que transferem e atribuem relevo/destaque a certas imagens ou mensagens sobre determinados temas (McCombs, 2009). Por sua vez, a teoria do enquadramento (framing) os media não só definem sobre o que pensar como também determinam o conteúdo desse pensamento.

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Assim, pode-se considerar a teoria do enquadramento como uma espécie de prolongamento da teoria da agenda ao passar do domínio da atenção e da focalização para o da interpretação, compreensão e interiorização. Como refere (Gil, 2010) dentro do amplo universo da comunicação mediada, considera-se que a imprensa de informação geral é um dos principais focos de criação de opinião ao ponto de se poder considerar a existência de uma correlação positiva entre opinião pública e opinião publicada. Importa referir que, em Portugal, no período analisado, a tiragem da imprensa escrita era três vezes inferior à da média europeia ainda que o mesmo não aconteça com a respetiva taxa de audiência (taxa de penetração da leitura).

3. Uma doença longínqua no tempo e no espaço Para se compreender as razões que levam a considerar a poliomielite como uma doença longínqua (no tempo e no espaço) importa apresentar uma breve descrição histórica da realidade portuguesa. Portugal declarou o último caso de poliomielite pelo poliovírus selvagem em 1987. Em Portugal o Plano Nacional de Vacinação teve início em 1964, precisamente com a vacina contra a Poliomielite (também designada de paralisia infantil). As campanhas de vacinação oral massiva foram um grande êxito com reflexos evidentes nas estatísticas epidemiológicas. Por sua vez, a vinculação em Portugal desta campanha com o início do Programa Nacional de Vacinação permitiu um maior controle. Desde 1966 que as taxas de mobilidade em Portugal não ultrapassaram os 0,1 (com exceção de um pequeno surto em 1972) e desde 1974 foram ainda inferiores. 1977 foi o primeiro ano sem casos declarados em Portugal. Desde 1979, em Portugal só se produziram dois casos de poliomielite, um em 1982 e, o último em 1987. As reduzidas taxas de morbilidade e uma sucessão de anos livres da poliomielite conduziram a um rápido esquecimento da doença e das suas sequelas. Este esquecimento estendeu-se à própria imprensa de tal forma que, apesar do certificado de erradicação da poliomielite na Europa só tenha surgido em 2002, as agendas noticiosas deixaram, durante muito tempo, de levar em consideração este tópico. Com a sua erradicação na Europa, a Poliomielite passou a ser considerada como uma doença longínqua, um problema de alguns países de África e da Ásia, países estes, que pelo seu baixo grau de desenvolvimento, precisam de ajuda e de solidariedade internacional.

4.- Metodologia 4.1 Objetivo Com o presente estudo pretende-se apresentar a imagem que a imprensa portuguesa transmite acerca da Poliomielite em Angola. Parte-se do pressuposto de que os meios e comunicação exercem uma significativa influência sobre a perceção que os cidadãos fazem da realidade. Assim, a complexa relação Portugal/excolónias, serve de pano e fundo da presente análise. Para complementar o estudo inclui-se ainda, uma breve análise comparativa com a imprensa espanhola (El País y El Mundo).

4.2. O Método De um ponto de vista metodológico, optou-se neste estudo pela realização de uma análise de conteúdo dos dados recolhidos. Amado (2000:53) apresenta a análise de conteúdo como “uma técnica que procura arrumar num conjunto de categorias de significação o “conteúdo manifesto” de diversos tipos de comunicação. Em igual sentido, Bardin (2004) refere o facto da análise de conteúdo permitir descobrir o sentido manifesto das mensagens através da reorganização e categorização do conteúdo das comunicações, obter novos significados quer pela comparação

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com a teoria (método dedutivo) ou pelos contributos do material em análise (método indutivo). Ao analisar de forma quantitativa ou qualitativa as mensagens implícitas ou explícitas no corpus de análise, é possível compreender os fatores que intervêm no processo de comunicação especialmente o emissor, bem como, como refere Lobo (2010:14) a fenomenologia da informação, as componentes e características da mensagem e os seus efeitos sobre o público. Vários autores (Bardin, 2004 ou Correia, 2011) referem a aplicabilidade da análise de conteúdo às comunicações em massa nomeadamente notícias impressas. Assim, está-se perante um desenho de investigação misto ao pressupor a conjugação de procedimentos quantitativos e qualitativos. A propósito, Nogueira (2001) salienta as vantagens que decorrem deste tipo de combinação apesar de se tratar de uma estratégia relativamente recente no domínio das ciências sociais. Para tal, construíram-se categorias e sub-categorias de análise para examinar as 17 referências e os 20 artigos que constituíram o corpus relativamente à imprensa portuguesa. Como já referido, na parte final do estudo realizou-se uma breve análise comparativa com a imprensa espanhola (El País y El Mundo). Esta última, foi responsável pela inclusão de 5 artigos e 8 referências.

4.3 A constituição do corpus A definição da amostra constituiu uma fase demorada e de grande exaustividade tendo-se levado em consideração um conjunto de elementos que passam nomeadamente por questões de alcance, difusão e audiência mas também de posicionamento ideológico. O horizonte temporal estabelecido correspondeu ao período compreendido entre 1995 e 2010. A unidade de análise foi a peça jornalística. A pesquisa realizou-se sobre as edições impressas digitalizadas de ambos os diários (1995- 2009). Na busca, foram levadas em consideração todas as entradas com um ou mais dos operadores lógicos (inclusivamente quando usados de forma metafórica): Polio* África* Poliomielite* África*; Polio* Angola* Poliomielite* Angola*. Esta estratégia justifica que a pesquisa se tenha desenvolvido a partir das versões impressas digitalizadas dos jornais em estudo. Levou-se em consideração a presença do termo poliomielite não só quando sob a forma de artigo mas também em qualquer alusão à mesma e aos contextos em que as diferentes entradas se produzem dado o impacto social da doença, (ao ponto de fazer parte de um imaginário coletivo repleto de associações e de usos metafóricos). A seleção dos jornais está inserida numa ótica comparativa, ou seja, pretende-se compará-los no sentido de permitir a identificação de pontos de aproximação e de afastamento e deduzir que tipo de imagem é projetada sobre a Poliomielite em Angola pelos diários analisados. A falta de digitalização da imprensa portuguesa no período em análise bem como o seu acesso difícil e dispendioso constituíram um problema efetivo. Este facto traduziu-se, no caso do Jornal Público, na impossibilidade de aceder a informação anterior ao ano de 2001, data da sua primeira remodelação gráfica. Os critérios para manter este jornal como objeto de estudo prende-se com um conjunto de considerações: o seu estilo periodístico, reflexivo, crítico e rigoroso e por se constatar que se trata de um jornal em que, pese embora a sua versão impressa não seja a mais lida, é o conta com mais subscrições na edição digital. Metodologicamente, dado que os critérios de inclusão utilizados resultam de uma condição imposta por condicionantes externos, compreensíveis e razoáveis, consideraram-se válidos os resultados alcançados uma vez que que resultam de procedimentos objetivos e têm base em critérios de análise bem definidos. A validade metodológica sai ainda reforçada pelo critério de exaustividade que presidiu à busca e posterior análise. Para a busca usaram-se operadores lógicos e cruzamentos partindo da interseção dos termos mais específicos com vista a incorporar buscas progressivamente mais amplas. Os resultados foram divididos em entradas ou itens que correspondem às peças informativas em que se faz referência à poliomielite em Angola e artigos em que esse é o tema central (figurando no título, subtítulo e/ou entrada, ou constitui uma abordagem central no artigo).

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Os dados recolhidos foram cruzados com necessárias explicações quer sobre o contexto histórico das Relações Portugal Angola quer com a estratégia global de erradicação da poliomielite no mundo. Para validar as conclusões procedeu-se ao estudo comparativo com jornais espanhóis (El País e El Mundo) com características de difusão, ideologia e perfil de leitores que podem permitir a sua equiparação e a obtenção de conclusões. Para a sua seleção foram utilizados os mesmos critérios usados para os jornais portugueses.

4.4 Perguntas de investigação: 1. Que presença tem a Poliomielite em Angola na imprensa portuguesa de referência? 2. Qual a imagem que se transmite acerca da persistência da doença naquela região? 3. Que elementos comuns sobressaem de ambas as publicações em análise? 4. Que importância relativa é dedicada ao tema? 5. Que peso tem a informação sobre Pólio em Angola relativamente à informação sobre Pólio na Imprensa portuguesa? 6. Que tipo de semântica se utiliza? 7. Que tipo de fontes se destacam? 8. Que tipo de notícias predominam? 9. Que diferenças sobressaem entre as imprensas portuguesa e espanhola?

5.Apresentação de Resultados Tabela 1. Distribuição anual das peças selecionadas para análise Ano

Jornal de Notícias

Público

1997

1

n.a

2000

1

n.a

2001

2

2

2002

3

2

2003

0

2

2004

3

1

2005

3

10

2006

2

1

2007

0

3

2008

1

0

2009

2

0

2010

1

3

Fonte: Elaboração própria n.a (não se aplica) Para facilitar a comparabilidade o gráfico que se segue apresenta-nos a distribuição de peças por diário no intervalo de tempo considerado.

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Imagem 1: Número de peças por Jornal

Da sua análise sobressai o facto de ter sido o Jornal Público a apresentar um maior nº de entradas relativamente ao tema em análise. Tabela 2. Cronologia dos principais factos relatados pelo Jornal de Notícias no período em análise Ano 1997

Data 17 de dezembro

2002

2004

Tópico principal

O Princípio do fim da Poliomielite

Erradicação da doença mas ameaça de propagação do vírus

Paralisia Infantil na República do Congo

Persistência da doença no Congo

10 de abril

Vacinação em Angola

Vacinação

28 de outubro

Cabo Verde – início campanha de vacinação Vacinação

9 de Fevereiro

Rotários ajudam a vacinar angolanos

Apoio ao combate à poliomielite em Angola (“a doença tem terreno fértil em países pobres”)

8 de agosto

Angola em paz há quatro meses

Tempo de esperança – a importância da mulher

2000 9 de junho 2001

Título

30 de setembro Fim da poliomielite dentro de um ano

Necessidade de vigilância em Angola

16 de janeiro

Seis países ainda afetados

A importância da vacinação em países como Afeganistão, Egito, Índia, Paquistão, Niger e Nigéria.

16 de janeiro

Poliomielite será erradicada até ao final do ano

Erradicação da poliomielite

10 de outubro

Casos detetados no Darfour. Sudão apresenCasos de Poliomielite em África. ta um alto risco de contágio.

31 de janeiro

Saúde e lusofonia

Palop com diagnóstico pouco animador

Detetado caso de Poliomielite

Caso detetado em Angola (“primeiro nos últimos quatro anos”)

2005 29 de junho

30 de setembro Vacinação em Angola

Campanha nacional contra a poliomielite

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21 de agosto

Angola pede ajuda internacional

27 de agosto

Etiópia é palco de debate sobre doenças em Combate aos vírus da sida, malária e África poliomielite.

29 de novembro

Sinais Saúde HIV

Relação HIV com vacina contra a polio em África.

4 de abril

Cabo verde vacinação para 100 mil crianças

Cabo Verde - campanha de vacinação: sarampo e paralisia infantil. OMS e UNICEF

2006

2008

2009

Recolha de fundos para a 3ª fase da campanha nacional de vacinação contra a poliomielite (…) sete casos em abril. Ameaça de exportação do vírus.

10 de abril 2010 4 de Abril

Sarampo e difteria eliminados Poliomielite em Angola

Persistência da doença

Fonte: Elaboração própria

Tabela 3 Cronologia dos principais factos relatados pelo Público no período em análise Ano 2001

Data

Título

10 de julho

“Noruega lidera desenvolvimento humano” Vacinação em África

11 de agosto

“Realização de eleições no próximo ano só depende dos angolanos”

30 de setembro “Um ano para erradicar a poliomielite” 2002

Tópico principal

Vacinação em Angola Erradicação da polio

12 de dezembro

“Luanda viola direitos humanos em Cabin- Assassinato de enfermeiro envolvido da e petrolíferas são cúmplices” na campanha de vacinação.

11 de abril

“Rotary Internacional quer erradicar poliomielite até 2005”

Erradicação da polio

16 de maio

“Campanha mundial da poliomielite muda de alvos”

Concentração de esforços em 13 países

2004 23 de junho

“OMS alerta para surto de poliomielite em África”

Surto de poliomielite em África

2003

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Africanos usados como cobaias na década de 50

23 de janeiro

“Curiosidade”

26 de fevereiro

“Vacinação contra poliomielite começou em Vacinação em África África”

7 de abril

“Moçambique quer vacinar oito milhões de Vacinação em Moçambique crianças contra o sarampo e a poliomielite”

9 de abril

Vacinação em caso de destinos par“Que vacinas são necessárias a quem já está ticulares (regiões tropicais ou com dispensado?” mau saneamento básico)

2005 13 de abril

“Poliomielite quase erradicada, vinte anos depois da vacina”

Erradicação da poliomielite

4 de julho

“O Alerta – caso de poliomielite registado em Angola”

Alerta – caso de poliomielite em Angola

13 de julho

“Angola regista segundo caso de poliomielite” Segundo caso poliomielite em Angola

1 de agosto

“Vacina contra a polio quer chegar a cinco milhões de crianças angolanas”

Vacinação contra a poliomielite em Angola (3 novos casos este mês)

13 de agosto

“Moçambique lança campanha de vacinação”

Vacinação contra a poliomielite em Moçambique

26 de setembro “O regresso dos refugiados angolanos”

Vacinação em África

2006 1 de julho

“Viagem aos Dembos, em Angola. Catana pesada, cabeça erguida”

Poliomielite em África

28 de abril

“O melhor tempo da vida de um jovem militar. Um sonho no Índico”

Joven militar, voluntátia em Moçambique (orfanatos)

6 de junho

“Estado nigeriano de Kano processa Pfizer por ensaio de medicamento que vitimou crianças”

Processo Pfizer na Nigéria

23 de outubro

“Contra a poliomielite Combates em nova frente de conflitos tribais no Sudão fazem 50 mortos e dezenas de feridos”

Vacinação Sudão

27 de abril

“O nobel pode ser Marc Ona Essangui”

Marc Ona Essangui (Gabão)

22 de julho

“Há um surto de poliomielite em Angola que ameaça alastrar”

Ameaça de propagação do vírus

30 de julho

“A Direção geral de Saúde aconselha todos Vacinação de turistas para Angola, os viajantes para áreas endémicas a vacina- Sudão, Afeganistão, Índia, Nigéria e ção contra o virus da poliomielite” Paquistão.

2007

2010

Fonte: Elaboração própria Um dos principais indicadores da relevância atribuída a qualquer questão informativa prende-se com o espaço e a forma que lhe é atribuída. Na tabela que se segue apresenta-se a contabilização do número de referências e de artigos relativos ao tópico em análise durante o período considerado. Assim, uma primeira comparação entre os dois diários faz sobressair o facto do Jornal de Notícias previlegiar a apresentação de artigos sobre a Poliomielite em Angola não apresentando qualquer referência ao tema que não assuma aquela forma. Por sua vez, no Jornal Público, o número de referências ao tópico em análise corresponde a cerca de 45,8% do total de entradas.

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Tabela 4. Artigos e referências à poliomielite em África no período em análise (Jornal de Notícias) Ano

Nº de referências

Nº de artigos

1997 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total

1 0 0 1 0 0 1 1 0 1 1 0 6

0 1 2 2 0 3 2 1 0 0 1 1 13

Fonte: Elaboração própria Tabela 5. Artigos e referências à poliomielite em Angola no período em análise (Jornal de Notícias) Ano

Nº de referências

Nº de artigos

1997 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 1 2 0 0 2 1 0 0 0 1 7

Fonte: Elaboração própria Tabela 6. Percentagem de referências e artigos sobre poliomielite em Angola no total de referências e artigos sobre poliomielite em África (Jornal de Notícias) Período temporal 1997-2010

Percentagem de referências à poliomielite em Angola no total de referências à poliomielite em África

Percentagem de artigos sobre a poliomielite em Angola no total de artigos sobre a poliomielite em África

0

53,84% Fonte: Elaboração própria

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Tabela 7. Artigos e referências à poliomielite em África no período em análise (Público) Ano

Nº de referências

Nº de artigos

2001

2

0

2002

1

1

2003

0

2

2004

0

1

2005

4

6

2006

1

0

2007

2

1

2008

0

0

2009

0

0

2010

1

2

Total

11

13

Fonte: Elaboração própria Tabela 8. Artigos e referências à poliomielite em Angola no período em análise (Público) Ano

Nº de referências

Nº de artigos

2001

1

0

2002

1

1

2003

0

1

2004

0

0

2005

1

3

2006

1

0

2007

0

0

2008

0

0

2009

0

0

2010

0

2

Total

4 Fonte: Elaboração própria

7

Tabela 9. Percentagem de referências e artigos sobre poliomielite em Angola no total de referências e artigos sobre poliomielite em África (Público) Período temporal 2001-2010

Percentagem de referências à poliomielite em Angola no total de referências à poliomielite em África

Percentagem de artigos sobre a poliomielite em Angola no total de artigos sobre a poliomielite em África

36,36% Fonte: Elaboração própria

53,84%

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Tabela 10. Análise dos dados recolhidos (categorias e sub-categorias de análise) Categorias

Sub-categorias

1. Erradicação da poliomielite

1.1 Erradicação global da poliomielite 1.2 Erradicação da poliomielite em Angola

2. Poliomielite em Àfrica

2.1 Condições favoráveis à persistência da doença 2.2 Dados quantitativos 2.3 Poliomielite em Angola

3. Vacinação e políticas de Saúde Pública

3.1 Campanhas de vacinação em África 3.2 Campanhas de vacinação em Angola 3.3 Políticas de Saúde Pública

4. Poliomielite em África como ameaça global

4.1 Ameaça de importação do vírus 4.2 Países endémicos

5. Investigação e Pesquisa científica

5.1 Vacina 5.2 Associação com outras doenças 5.3 Investigação e Desenvolvimento

6. Solidariedade internacional

6.1 de solidariedade 6.2 Papel das organizações Internacionais Fonte: Elaboração própria

6. A Poliomielite nas ex-colónias portuguesas à luz da imprensa espanhola 6.1.- As referências no El País A 12 de Maio de 1999, El País faz referência à apresentação em Genebra do relatório sobre saúde no Mundo, da responsabilidade da OMS. Ainda que Sida e Malária sejam os tópicos centrais, numa espécie de epílogo, encontra-se uma referência ao facto das epidemias serem outro dos problemas referindo-se nomeadamente à Poliomielite em Angola, responsável pela morte de 50 crianças. Dois meses mais tarde, a 5 de julho de 1999, o mesmo jornal dedica duas colunas à situação em Angola, fazendo eco da petição de ajuda realizada pelo bispo de Malange, o espanhol Luis Marías Pérez de Onraíta. A entrada é dramática: “El hambre y la guerra han sumido a Angola en el caos, según el obispo de Malange” assím como na segunda parte do artigo pode-se ler: “Al borde de la catástrofe”, referindo-se a “una reciente epidemia de poliomielitis” segundo María Flynn, porta-voz do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. Perante isto, é necessário refletir sobre os motivos para tal visibilidade, pois, segundo se reconhece no próprio artigo, o conflito civil durava já há 30 anos, com milhares de mortos, mais de cem mil mutilados e cerca de dois milhões de deslocados. O artigo não se centra nem analisa o conflito limitando-se a informar acerca de uma força militar (a da União para a independência total de Angola, UNITA), a “guerrilla del general Savimbi” que controla 70% do país, mas nada diz acerca dos motivos. Refere apenas o receio do governo angolano face às tentativas de mediação do cardeal angolano Alexandre do Nascimento, que transmitiu à ONU a situação do país e a vontade da Igreja de contribuir para que se alcancem acordos para a pacificação. Apenas umas semanas mais tarde (23-7-1999), com a motivação de apresentar o Relatório da Unicef El progreso de las naciones, o artigo que o aborda finaliza com uma declaração de Carol Bellamy, directora executiva da Agência, sobre a forma como os conflitos de Angola e do Zaire impediam estender a vacinação contra a pólio e atrasavam a concretização do objetivo de erradicação da doença.

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Quando a 7 de Março de 2000 o periódico dedicou o seu primeiro artígo à Síndrome Pós-Pólio em Espanha, recordava os países onde, segundo a OMS, continuavam a existir casos de pólio incluindo Angola e Guiné-Bissau. A erradicação da pólio na região europeia, motivou escassos artigos mas propícios para recordar que a poliomielite continua a ser endémica em alguns países nomeadamente em Angola (El País, 22 de junho de 2002). Muito mais indiretas são outras referências encontradas, como a que acontece num artigo intitulado “Contra las marcas”, em que se refere que algumas multinacionais tentam melhorar a sua imagem: “la firma de diamantes De Beers buscó un lifting de su imagen donando a la Organización Mundial de la Salud 2,7 millones de dólares destinados a erradicar a poliomielite em Angola” (El País, 27 de maio de 2001). Uma informação que se repete, seis meses mais tarde, com escassas modificações no artigo: “La economía con buen corazón” (El País, 11 de noviembre de 2001).

6.2.- As referências no El Mundo A situação sanitária em Moçambique é uma presença particularmente frequente em ambos os jornais, sobretudo pelos ensaios de fármacos contra a malária realizados pelo espanhol Pedro Alonso. Uma referência concreta à poliomielite surge num artigo a 22 de dezembro de 2001 dedicado à malária. Aí se refere que um dos poucos serviços sanitários disponíveis em Moçambique é o da vacinação e que a rigorosa aplicação do programa de vacinação da OMS para o primeiro ano de vida “ha permitido erradicar del país enfermedades como la polio”. O suplemento de saúde de 21 de Fevereiro de 2004 foi dedicado à erradicação da poliomielite e iniciava com uma promessa esperançosa: “Se divisa el fin de la polio” graças às campanhas da OMS”. A parte inicial do artigo apresentava uma moçambicana que andava de gatas devido às sequelas da pólio mas que se mostrava tranquila por saber que o seu bebé não iria sofrer da mesma doença graças à vacinação. Quanto a Angola, as referências são várias. O relatório da UNICEF de 1996 permite que El Mundo de 12 de dezembro de 1996 exponha os níveis de imunização contra a poliomielite em Angola: apenas 20%. Uma última referência aparece no Magazine de 1 de abril de 2001, em que se relata que “el pie de Jaipur” (prótese muito económica idealizada pelo doutor Sethi, da Índia) também se fabrica em países como Angola e Moçambique.

6.3. Os artigos Os artigos dedicados à poliomielite em alguma das ex-colónias portuguesas são apenas dois (um em cada jornal) e traduzem os mesmos acontecimentos em Angola em 2005, informação originária da AFP (Genebra) e da Reuters. O primeiro surge no El País, de 4 de julho de 2005: “La polio reaparece en Angola, donde se había logrado su erradicación”. O alarme é considerável, uma vez que a pólio se considerava erradicada em Angola desde 2001 (dado que contradiz o que o mesmo jornal expunha num artigo de 2002, em que se assumia o carácter endémico da poliomielite naquele país). A OMS alertou para um caso em Luanda, com um vírus provavelmente chegado da Índia. A mesma fonte indicava que somente 45% das crianças angolanas estão vacinadas pelo que iria ter início uma campanha nacional de vacinação. A 1 de Agosto desse mesmo ano de 2005, foi o El Mundo, num artigo, a dar conta do início da referida campanha de vacinação em Angola, com o título “Angola comienza la vacunación a cinco millones de niños de la polio”. Ao mesmo tempo, o jornal salienta o reaparecimento da doença “tras cuatro años de control”. O artigo apresenta um conjunto muito completo de informação. Referia-se que a origem do problema está na Índia e que já se haviam verificado três casos em Angola, um na província de Benguela e dois em Luanda, durante o mês de julho. Em Angola a imunização apenas alcançaria os 45%, sendo menor nas zonas rurais. A campanha de três dias tinha um pressuposto de três milhões de euros e estava a ser organizada pelo Ministério de Sanidade, Unicef e OMS. Uma vez mais se sublinha que “el diagnóstico, junto con el nuevo brote en Indonesia, suponen un serio revés para la OMS, que tenía como objetivo erradicar la enfermedad a nivel global a final de año”.

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Tabela 11. Artigos e referências à poliomielite nas ex-colonias portuguesas no período em análise nos jornais espanhóis El País

El Mundo

Artigos

1

1

Menção em artigos sobre pólio

2

1

Menção em referências sobre pólio

5

3

TOTAIS

8

5

Fonte: Elaboração própria Tabela 12. Cronologia dos artigos e referências nos jornais espanhois EL PAÍS

EL MUNDO

12-5-1999, 34

12-12-1996

5-7-1999, 10

1-4-2001, 209

23-7-1999, 23

22-12-2001, s6

7-3-2000, 48

21-2-2004, s1, 4-5

22-6-2002, 28

1-8-2005, 28

27-5-2001, 15 11-11-2001, 15 4-7-2005, 34

Fonte: Elaboração própria Nota: A preto: referências sobre a pólio em que se refere alguma ex-colónia portuguesa. Vermelho: artigos sobre a pólio em que se refere alguma ex-colónia portuguesa. Amarelo: artigos sobre a pólio em alguma ex-colónia portuguesa.

7. Interpretação de Resultados Na imprensa, a poliomielite surge como uma doença de países longínquos (quer em termos geográficos quer económicos e culturais). É por isso, objeto de programas solidários, de cooperação, ao mesmo tempo que aqueles países são vistos como uma potencial ameaça para o Ocidente seja pelos movimentos anti vacinação quer pela atividade migratória. É neste sentido, de ameaça vinda do exterior, que a poliomielite adquire importância pública ao ponto de figurar na agenda da imprensa portuguesa. Esta imagem está aliás, repleta de estereótipos3.

3 Cabecinhas e Amâncio (2004: 7 ) a propósito de um estudo sobre estereótipos e assimetria simbólica em jovens portugueses e angolanos, referem que apesar de muitos dos traços apresentados pelos portugueses acerca dos jovens angolanos serem de natureza positiva () continuam a sobressair várias referências a traços de instrumentalidade negativa (despreocupados, ignorantes, incultos, etc.) assim como a traços de submissão (passivos,acomodados). De destacar, ainda, as referências ao conflito e à luta (conflituosos, corajosos, lutadores) e à solidariedade grupal (camaradagem, companheiros, unidos). Estas referências remetem para a representação de um grupo dominado que, sentindo-se em posição desfavorável e ameaçado pelo exterior, reforça a solidariedade e coesão internas. A posição desfavorável deste grupo é reforçada pelas referências directas à precariedade da sua situação económica e social (discriminados, pobres, sofredores).

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Assim, e ainda que a inclusão do Jornal Público, apenas a partir de 2001, possa não favorecer a comparabilidade (objetivo prioritário do estudo), o facto do critério de inclusão utilizado resultar de uma definição imposta por condicionantes externos, compreensíveis e razoáveis, faz com que se considerem válidos os resultados alcançados, uma vez que resultam de procedimentos objetivos e com base nos mesmos critérios de análise. O quadro que se segue resume as principais evidências à luz das categorias e sub-categorias previamente definidas. Tabela 13. Contabilização das entradas de acordo com as categorias estabelecidas Categorias

Sub-categorias

Jornal de Notícias

Público

1

1.1 1.2

2 1

3 1

2

2.1 2.2 2.3

4 1 4

1 1 4

3.1 3.2 3.3

4 2 1

12 3 1

4

4.1 4.2

2 3

5 1

5

5.1 5.2 5.3

4 1 2

2 1 3

6

6.1 6.2

3 2

1 2

3

Fonte: Elaboração própria

Nota: O nº de entradas superior ao nº total referido anteriormente prende-se com o facto de as categorias não se excluírem mutuamente uma vez que uma mesma referência ou artigo corresponde, em vários casos, a mais do que uma das subcategorias definidas. Assim, pode-se afirmar que, no caso do Jornal de Notícias os tópicos mais vezes incluídos nas entradas seleccionadas são: a vacina e as campanhas de vacinação (nomeadamente no caso angolano), a Poliomielite em Angola, os países onde o problema é ainda endémico e a Solidariedade internacional. No que se refere ao Jornal Público as principais preocupações parecem recair sobre a vacinação em África, a importação do vírus, a erradicação global, a vacinação em Angola e questões de investigação associadas ao conhecimento e controle da doença. Da comparação dos dois periódicos sobressai por um lado, a pouca cobertura do tema e por outro, a concentração da atenção nas campanhas de vacinação inicialmente como instrumento prioritário para a estratégia de erradicação global da doença e frustrada esta expetativa, como forma de controle de uma ameaça real resultante da persistência da doença em determinados países considerados menos desenvolvidos. Por sua vez, quanto às questões de investigação apresentadas pode-se concluir que: 1. A Poliomielite em Angola parece ser uma preocupação secundária para a imprensa portuguesa. A maior atenção é dada em momentos de reaparecimento efetivo da doença.

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2. A persistência da doença é associada às condições deficitárias em que vivem aquelas populações (do ponto de vista económico, social, cultural, de higiene e saneamento) 3. Ambas as publicações coincidem nos temas em análise: surtos de poliomielite, Programa de erradicação global, vacinação, risco de descontrole da doença e solidariedade internacional. 4. Se no caso do Jornal de Notícias se encontra uma diferença significativa entre o número de referências e de artigos sobre o tema (6 referências para 13 artigos) no caso do Público o nº de referências e de artigos é semelhante (11 referências para 13 artigos). 5. Apesar de ambos os jornais apresentarem a mesma percentagem de artigos sobre a Pólio em Angola relativamente ao de artigos sobre a Pólio em África (53, 84%) só o Público apresenta referências à Pólio em Angola (36,36% do total). 6. Do ponto de vista da semântica, é frequente a associação da Poliomielite, à pobreza, ao não desenvolvimento, à falta de cuidados e de políticas de saúde pública (comprometendo assim o propósito de erradicação global da doença) bem como a termos como medo, ameaça, perigo. 7. As principais fontes são organismos internacionais (OMS, Rotary) e agências noticiosas. 8. Predomina uma visão negativa acerca da persistência da Poliomielite e sobretudo dos países onde continuam a existir casos da doença. 9. Quanto às diferenças nas imprensas portuguesa e espanhola, estas não parecem particularmente significativas. As únicas diferenças que se podem apontar prendem-se com o número de entradas e com o facto de, em Portugal, não existirem quaisquer referências à situação política em Angola. Em contraposição, sobressaem semelhanças quer na importância secundária atribuída ao tema quer na sua associação a países subdesenvolvidos, pobres, incultos e a metáforas associadas ao medo pela ameaça que a persistência da doença naqueles países pode representar para o Ocidente. 10. Além disso, importa referir que na imprensa portuguesa em análise alguns tópicos parecem ser recorrentes e podem ser apresentados da seguinte forma: • Risco de surto de poliomielite a partir da importação do vírus (nomeadamente das ex-colónias), • Risco de reaparecimento seja pela libertação acidental do vírus seja pela ameaça de manipulação do vírus e bioterrorismo, • Riscos e benefícios da vacina, • Erradicação (primeiro na Europa e depois a nível global), • Conotação histórica da doença, • Ao mesmo tempo, a Poliomielite, enquanto problema alheio, converte-se numa questão que apela sobretudo à solidariedade. Além disso, a consciencialização das consequências que poderiam advir da expansão do vírus e a sua (re) importação pelo Ocidente conduz, por um lado, à associação da doença a termos como ameaça ou perigo e, por outro, à necessidade de intervenção como forma de controlar e conter a progressão do vírus. Os resultados evidenciaram também, que os temas ligados à saúde presentes na imprensa não se referem a doenças propriamente ditas mas sobretudo a Políticas de Saúde (no quadro nacional e internacional).

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8. Considerações finais O fracasso na tentativa de alcançar a almejada erradicação (2000-2005) é sujeito a múltiplas explicações na imprensa (nomeadamente por parte da OMS). O discurso assenta quer na fácil transmissão do vírus quer nas campanhas de vacinação como única forma de a impedir. O risco para países vizinhos converte-se numa ameaça global. Em 2004, o Jornal Público referia: “OMS alerta para surto de poliomielite em África” (Público, 23-6-2004). Por sua vez, o Jornal de Notícias apresentava o surto de Darfour (Sudão) como supondo um alto risco de contágio (Jornal de Notícias, 10-10-2004). A preocupação com a importação do vírus constata-se claramente no caso português devido a esta relação às ex-colónias. O Jornal de Notícias constrói este discurso desde cedo (o primeiro artigo identificado é de 17-12-1997) e de forma continuada (1998, 2000, 2003, 2004). Apesar da elevada cobertura vacinal na Europa, o imigrante começa a ser encarado como uma potencial ameaça ao ser visto como portador de um vírus que assombrou o passado do velho continente. Compreende-se por isso que o objetivo da erradicação apareça na imprensa associado a um misto de solidariedade e de medo. É neste contexto que surgem as campanhas que apelam à contribuição económica para a vacinação em países pobres que, de forma mais ou menos explícita não deixam também de ser apresentados como obstáculo ao propósito global da erradicação. No caso português importa salientar uma circunstância especial que resulta da proximidade temporal ao período colonial, o que justifica o interesse relativamente à Pólio em países como Moçambique, Cabo Verde ou Timor, e sobretudo Angola. As relações Portugal Angola têm sido historicamente pautadas por avanços e recuos traduzindo o que se pode apresentar como uma relação amor/ódio. Este relacionamento, com importantes traços economicistas, ultrapassa largamente esse domínio refletindo-se a níveis não tão facilmente quantificáveis de relacionamento humano. Este facto pode aliás explicar a sua maior presença no Jornal de Notícias, dado o seu carácter mais popular. Como refere Ferreira (1994), as relações económicas entre Portugal e as suas ex-colónias africanas (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) caraterizaram-se até 1974 por um tratamento preferencial. Com vista a promover a integração económica nacional, o Decreto-Lei n.º 44 016, de Novembro de 1961 viria mesmo a criar uma zona de comércio livre entre Portugal e aqueles territórios. Após a independência das ex-colónias portuguesas em África, aqueles vínculos preferenciais acabaram. No entanto, Portugal viria a manter importantes ligações àqueles territórios sobretudo com Angola (relações nem sempre libertas de problemas e contradições). Pode-se ainda destacar que a análise da imprensa portuguesa enfatiza as diferenças entre dois universos longínquos (não só geograficamente mas também do ponto de vista cultural, social e económico). Ao mesmo tempo, e no que se refere à relação Portugal/ ex-colónias, não deixa de transparecer uma certa lógica de submissão dos segundos tanto mais que se fazem várias referências à necessidade de ajuda externa para financiamento dos respectivos programas de combate à Poliomielite (“Angola pede ajuda internacional”, Jornal de Notícias, 21 de Agosto de 2006; “Rotary Interncional quer erradicar poliomielite até 2005”; Público, 11 de Abril de 2003). Outro aspeto importante é o que se refere a uma tentativa evidente de vincular a poliomielite em África ao baixo grau de desenvolvimento daqueles países. Aliás, algumas peças parecem impregnadas de estereótipos transmitindo uma visão ocidentalizada do tema. Quanto à imprensa espanhola, sobressai o facto da poliomielite nas ex-colónias portuguesas ser um foco de baixa atratividade. A sua presença relaciona-se sobretudo com os surtos da doença no mundo e com as campanhas para a sua erradicação. O mesmo é dizer que o interesse recai particularmente sobre o carácter epidémico da doença e a sua potencialidade de expansão. Neste sentido, a Nigéria constitui o país mais vezes referido especialmente por El País em que se constrói a metáfora de ameaça da pólio como coincidente com a ameaça do radicalismo islâmico

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Quanto às ex-colónias portuguesas, ainda que se faça alguma referência a Moçambique, Angola justifica as principais entradas. Aqui sobressai o interesse pela presença espanhola desde uma perspetiva humanitária, algo comum aliás, à maior parte dos enfoques europeus sobre África (nomeadamente no caso português). A presença espanhola torna-se evidente seja pela sua mediação nos conflitos (o caso do bispo Pérez de Orantía), seja pela investigação in loco sobre prevenção e tratamento da malária (o caso de Pedro Alonso). Esta visão de Moçambique ou de Angola como símbolos dos países africanos parece traduzir-se numa escassa preocupação pela exatidão da informação dando mesmo lugar a algumas contradições. Os dados sobre a imunização em Angola variam entre os 20% e os 45% e os da morbilidade também variam, ao ponto de se considerar ora que Angola é um país endémico ora que a poliomielite em Angola estava erradicada desde 2001. A falta de interesse em contextualizar o que sucedia de um ponto de vista político (a guerrilha frente ao Governo e a mediação da Igreja) reconduz-nos à ideia de que se pretendia apenas associar a imagem de África ao subdesenvolvimento. A pólio e a escassa imunização acabam, no entanto, relacionadas com o caos produzido pelos conflitos bélicos. É neste contexto que Angola se usa como exemplo de um país em que a doença persiste o que sobretudo, dificulta e atrasa a concretização do objetivo de erradicação global. Por sua vez, o uso que ambos os jornais fazem das notícias para construir e desenvolver as suas próprias agendas torna-se particularmente evidente quando, por exemplo, El País volta a usar o artigo sobre poliomielite em Angola para falar da Nigéria e da sharía islâmica como ameaça.

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