A Performance da Cultura: Uma Etnografia dos Fandangos Caiçaras do Vale do Ribeira

June 23, 2017 | Autor: Gabriel Bertolo | Categoria: Performance, Tradição, Etnografia, Vale Do Ribeira De Iguape, Fandango Caiçara
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A Performance da Cultura: Uma Etnografia dos Fandangos Caiçaras do Vale do
Ribeira



Autor: Gabriel Bertolo

PPGAS-UFSCar

[email protected]



Este trabalho tem como foco a elaboração de uma discussão que parta de
minha etnografia de certas performances "culturais" de coletivos situados
no Complexo Estuarino Lagunar Iguape-Cananéia-Paranaguá, a saber, coletivos
caiçaras da região. Através do fandango, "expressão cultural" considerada
a mais proeminente dos caiçaras, tenho por interesse delinear as
estratégias que, de modo reflexivo, se referem à cultura e a transformam ao
se atualizar. Tais performances se inserem em contextos pré-estabelecidos
("originais" ou não de cada performance) e geram novos contextos,
estabelecendo conexões entre/com a cultura, que se insere em forma de rede
em um sistema, e outros interlocutores como setores estatais, organizações
não-governamentais e pesquisadores científicos. As relações existentes
entre os agentes caiçaras que se consideram e são considerados por agentes
"externos" como sendo "tradicionais" e esses mesmo agentes "externos" que,
de maneira distinta, operam na esfera da "cultura tradicional" estará sobre
escrutínio neste artigo. Em especial, será levado em conta a percepção dos
próprios caiçaras sobre os trabalhos desses agentes "externos" com relação
à sua cultura e sua tradicionalidade como um tipo de análise social que a
um só tempo opera como um meio de abarcar as transformações históricas
ocorridas a partir "de fora" do fandango e atua como força motriz da
própria transformação (além de propulsora de definições) de sua cultura e
tradição.

Palavras-Chave: fandango, caiçaras, Vale do Ribeira, etnografia, tradição,
performance.





A Etnografia: a transformação do fandango e a transformação fandangueira



Começo aqui expondo alguns dos dados obtidos a partir de minha
etnografia, realizada entre 2010 e 2014, durante a pesquisa de iniciação
científica e mestrado. Focarei a análise em um movimento realizado dentro e
a partir do próprio fandango, mas que no entanto se reflete sobre a forma
pela qual este fandango é experienciado. Este movimento de que falo é uma
mudança qualitativa nas estratégias políticas desses atores e agentes em
relação às suas respectivas culturas, isto é, de uma mudança da estratégia
de "invisibilidade cultural" para uma que enfatize justamente o contrário,
a visibilidade de suas culturas e seus agentes. Tal mudança vai no sentido
de "figurar" a cultura, dar-lhe contornos, estabelecer valores
diferenciados que sejam reconhecidos pelas pessoas imiscuídas nessas
culturas, como estratégia de diferenciação de contextos que vão se
tornando mais abrangentes. Esta mudança estratégica pode ser considerada,
por sua vez, i) do ponto de vista caiçara, como uma resposta às
transformações ocorridas no que chamam de modo de vida tradicional, devido
a inserções de pensamentos e práticas outras geralmente atribuídas à
modernidade ou à modernização; ii) como um meio, um método mesmo, um método
de apresentação da cultura, como modo de angariar benefícios através de
políticas públicas e lutar contra os efeitos negativos (termo local) de
outras políticas públicas e da própria modernização ou modernidade.

Este movimento pode ser percebido explicitamente com relação ao
fandango caiçara, tido como a principal "expressão cultural" desta
população. O fandango[1], na visão tradicional, é uma festa intrinsecamente
relacionada aos mutirões, a festa que era dada como retribuição aos
serviços prestados por vizinhos e parentes, em serviços que não podiam ser
trabalhados apenas com o núcleo familiar; atividades como o transporte de
um tronco de árvore para a confecção das "canoas de um tronco só" e a
feitura e a colheita das roças, por exemplo. O fandango também se fazia
quando de datas religiosas e festas de aniversário, sendo um importante
"instrumento" de socialização caiçara. Como "expressão cultural" ele é
entendido como sendo a manifestação que congrega em si mesmo os mecanismos
de sociabilidade mais caros ao caiçaras, o seu fato social total (MAUSS,
2003), imbricando deste modo o próprio ser caiçara.

O problema desta leitura do fandango como "expressão cultural" é que
ela deixa de subscrever as principais mudanças que ocorreram dentro e a
partir do próprio fandango, como a (relativa) desvinculação do fandango do
mutirão. A partir de minha etnografia entre fandangueiros de Cananéia (e
agentes locais envolvidos com o fandango e a cultura caiçara)[2] pude
constatar o que, a meu ver, é a principal delas, seguindo a linha da
mudança estratégica citada acima, que é a distinção entre o fandango
genuíno[3] e o fandango de apresentação.

Sendo o fandango genuíno utilizado para se remeter ao fandango em seu
sentido mais tradicional, o de "expressão cultural" de uma tradição
encarnada nos próprios pressupostos ontológicos caiçaras, o fandango de
apresentação seria, por um lado, uma resposta caiçara ao "desaparecimento"
de sua cultura, e por outro, uma espécie de reação caiçara a uma demanda
externa, derivada do crescimento e aprofundamento do turismo e das práticas
caiçaras no recebimento do turismo. Segundo dizem os fandangueiros da Vila
do Marujá, na Ilha do Cardoso, unidade de conservação ambiental localizada
no município Cananéia, foi a partir de um interesse externo, de
pesquisadores e turistas, que visitavam a vila perguntando sempre pela
cultura local (em um tipo de contraposição ao fundo "natural" da ilha, o
principal motivador do crescimento turístico). Como efeito, surgiram assim
os grupos de apresentação, que apresentam uma lógica distinta do fandango
praticado tradicionalmente. Nestes, são formados grupos com fandangueiros
relativamente fixos (o que não acontecia nos bailes de fandango, onde os
instrumentistas e cantadores se revezavam até o "raiar do dia") que se
apresentam, majoritariamente, para agentes externos (turistas e
pesquisadores, excursões escolares etc.), ou ainda em "ambientes externos";
neste caso, os próprios grupos são deslocados de seu contexto "original"
para um outro, relativamente mais ou menos tradicionais, dependendo de onde
se localiza o fixativo de cada tradicionalidade.

De todo modo, não foi "apenas" nas formas de se praticar o
fandango[4] que ele transformou-se. Outra mudança qualitativa foi no
próprio posicionamento da cultura caiçara em relação a outros contextos
(como a "cultura brasileira", ou ainda, com relação ao Estado e suas várias
facetas) e dos próprios agentes em relação a essa cultura. Devido à própria
abertura de diálogo com alguns setores do Estado (principalmente, nos
primeiros anos do governo Lula, na gestão do Ministério da Cultura de
Gilberto Gil) e do enrijecimento de outros setores (principalmente o
"ambientalista") a população caiçara sentiu a necessidade de dar os
contornos de sua cultura, e delimitar suas demandas, sendo estes
movimentos, em larga medida, mediados pelo fandango, já que este é definido
como a mais precípua das "expressões culturais" caiçaras.

Desta maneira, a mudança de que quero falar é justamente do fandango
(e da cultura caiçara) como apenas uma "expressão", para o fandango (e a
cultura caiçara) como objetivo. Como causa em, pelo menos, dois sentidos:
a) causa como objetivo, como luta, que necessita de estratégias
específicas, que passa pelo critério da visibilidade e de que tipo de
visibilidade; b) como causa em relação causa/efeito, sendo estes efeitos
esperados ou não, efeitos na própria forma de se praticar e apresentar o
fandango, que divide a opinião[5] dos próprios agentes culturais[6]. O
fandango seria, assim, para além de uma "expressão cultural", um operador
de transformações da própria cultura caiçara, que regula sua imagem e sua
prática de acordo com determinados pressupostos ontológicos que se
posicionam em diversos contextos, locais ou não, textuais ou práticos.



O escopo teórico-prático da etnografia



Não quero aqui, a despeito de algumas similitudes entre os variados
"fandangos", correr o risco de suprimir diferenças fundamentais entre as
formas de se praticar o fandango, ou ainda, por outro lado, dividi-los em
constructos teóricos herméticos, sem pontos de ligação entre si. São
justamente estes pontos que interessam aqui, as conexões parciais (como
elaborado por STRATHERN, 1991), ou "o padrão que conecta" (BATESON, 1979)
entre o que foi delimitado como fandango e as variadas maneiras de se
pratica-lo, entre coletivos caiçaras.

Talvez fosse útil, portanto, uma transposição da "cultura" com aspas
de Carneiro da Cunha (2009), e falarmos de um "fandango" com aspas, como
auxílio recursivo para a compreensão deste argumento. A intenção aqui, na
realidade, é examinar, diante de uma determinada escala de análise, menos
"um fandango de cada vez", do que o "fandango" como meio (ele e a atmosfera
que implica inclusive os setores do Estado), como processo de reificação de
si mesmo e da própria cultura, e, por conseguinte, como processo de
transformação de si mesmo e da cultura.

A contiguidade entre estas maneiras de se práticar e pensar o
fandango, ultrapassa, desta maneira, o território da cultura tradicional e
os seus interlocutores comuns (majoritariamente, o Estado e suas
multifacetas). Não quero dizer com isso que, por seguirem um caminho
semelhante (p. ex. a ênfase na divulgação e apresentação de performances
antes voltadas somente para a própria comunidade), caiçaras de diferentes
lugares inventam "do mesmo jeito" a cultura. A questão aqui vai da
semelhança inferida neste movimento em direção às diferenças (ou ainda
diferenças diferenciantes[7]) que, de antemão, sabemos reger esses
processos. Interessa aqui saber como as culturas inventam culturas. Neste
caso, através do "fandango".

Pretendo, portanto, abordar as questões colocadas acima sob dois
diferentes prismas interligados e diametralmente opostos (em termos de
escala). Por um lado, será utilizado o conceito de performance, como
colocado por Marylin Strathern (2010 [1990]). Por outro, as questões
colocadas acima serão trabalhadas pela noção de "cultura" com aspas, de
Manuela Carneiro da Cunha (2009), como modo de dar conta do que ela chama
de "sistema interétnico" e da reflexividade (ou efeito loop) da categoria
(conceito?) cultura.

Antes, porém, cabem breves palavras sobre as opções feitas aqui. Isto
porque, em se tratando de um estudo que vise as chamadas populações
tradicionais (ou culturas populares), é impossível (ou indesejável) que se
deixe de lado a vasta literatura sobre o tema. No Brasil, o interesse pelo
popular e pelo tradicional pode ser traçado ("academicamente" falando)
desde o início do século XX, no modernismo de Mário de Andrade e Oswald de
Andrade, passando pelos chamados "estudos de comunidade", no Brasil dos
anos 1940 e 1950, fundamentalmente ligados às figuras de Charles Wagley,
Donald Pierce, pela crítica destes estudos por Florestan Fernandes, Antônio
Cândido e Gioconda Mussolini, e, (a partir desta crítica) pela sociologia
brasileira dos anos 1960 e 1970, representada por Otávio Ianni e Maria
Sylva de Carvalho Franco (JACKSON, 2009)[8].

Um ponto comum que une essas diferentes vertentes acadêmicas e que
veio culminar nas políticas de patrimonialização (e das teorias acadêmicas
que a acompanhavam) é o interesse pela transformação e pela mudança social
pelas quais passavam (e passam) as culturas tradicionais/populares. A
partir de diferentes perspectivas teóricas, a preocupação se dava por um
lado, com a chamada aculturação, o avanço de visões de mundo e práticas
"modernas" em detrimento de seus elementos "rústicos", e, por outro lado
(mas seguindo a mesma linha de raciocínio), nas relações dos grupos
"camponeses" com a então chamada "sociedade envolvente".

Seguindo a mesma "preocupação" com a transformação, mas com
sustentáculos teóricos diferentes[9], proponho uma leitura da transformação
na linha do raciocínio de Eduardo Viveiros de Castro (2012) no texto
"'Transformação' na antropologia, 'transformação' da antropologia". Neste
texto, o autor esboça três esquemas sobre o conceito de transformação como
entendidos pela antropologia, sendo um deles reservado ao que seria a
transformação para uma antropologia pós-estruturalista ou radicalmente
estruturalista (VIVEIROS DE CASTRO, 2012: pp. 162)[10].

Segundo o autor, os mais proeminentes desses esquemas para a
disciplina são a teoria da transformação estrutural-funcionalista e a da
transformação "estrutural-culturalista", sendo esta vertente diretamente
relacionada a figura de Marshall Sahlins (ver, p.ex. SAHLINS, 1997). Pode-
se dizer que, grosso modo, as vertentes teóricas citadas acima identificam-
se mais com a vertente estrutural-funcionalista. A transformação, de acordo
com essa teoria, é aquela que visa as transformações como incutidas às
populações tradicionais pela tão famigerada "modernidade", um tipo de
transformação que obvia toda e qualquer ação e concepção dos coletivos não-
"modernos" tendo em vista somente a "perda" do que as caracteriza como
tradicionais frente a processos "modernizantes". Elas são, desse modo,
apenas "objeto e paciente", mas não agentes da transformação; essas
populações não teriam nenhum papel nelas, a não ser resistir às influências
modernizadoras.

Já o esquema estrutural-culturalista[11] muda consideravelmente no
que concerne a participação dos coletivos estudados. Neste tipo de análise,
os coletivos não são mais tratados como objetos-passivos de processos
exteriores a eles; eles possuem agência, há sempre uma necessária refração
simbólica operada por esses coletivos, transformando a transformação a que
foram submetidos de acordo com sua própria ordem simbólica. Entretanto,
vemos aqui o problema desse paradigma: elas ainda são submetidas à
transformação, estas são induzidas; ainda lhes é negado o "direito" de se
transformar "por si mesmas", ou melhor dizendo, é negada a transformação
como um processo imanente desses mesmos coletivos – a transformação só
ocorre como uma ação exterior (idem, pp. 161-162).

O esquema pós-estruturalista é uma variação radical deste paradigma
(e, por conseguinte, das teorias de Sahlins), e, sem deixar de lado a
questão da agência "nativa" (tampouco a "não-nativa"), propõe uma noção de
transformação que já não pode ser vista como a ação direta de "coisas" umas
sobre as outras; isto advém da concepção de que a necessária (idem ibid)
refração simbólica operada nos coletivos acaba por dissolver, nas palavras
do autor, a dualidade entre estrutura/evento, que postula uma pré-
determinação de um objeto a vir a ser modificado por outro objeto pré-
determinado. Não há forma (cultura) inicial ou forma (cultura) final, as
transformações engendram umas às outras a partir de outras transformações –
o modelo acionado aqui, então, é o de um fluxo de transformações: "[…] as
transformações históricas estão em continuidade com as transformações
estruturais […]. A dialética entre estrutura e evento é interior à
estrutura, que é ela própria um evento para outra estrutura e assim por
diante." (ibidem, pp. 162)[12].

Propõe-se, então, uma leitura da transformação que a) não congele as
imagens[13] culturais que os nativos produzem, tanto os nativos integrantes
das culturas, quanto aqueles que falam das e de outras culturas, bem como
não congelar as próprias culturas e b) uma leitura que leve em conta os
encontros pragmáticos, como discutido por Mauro Almeida (2007 e alhures),
como meios de transformação (mas não os únicos). Encontros pragmáticos[14]
que seriam o momento em que pressupostos ontológicos distintos, diante de
uma situação de incomensurabilidade, de irredutibilidade entre si, geram
acordos para a resolução de uma questão, entram em conflitos diante da não
resolução dessas questões, selecionam elementos, geram respostas culturais
e acabam por transformar as próprias culturas e suas definições. Por sua
vez, estes pressupostos ontológicos não seriam unidades discretas, sendo
que um mesmo sujeito, frente a diversidade da própria vida, pode embasar-se
em pressupostos diferentes, diante de diversas situações, para dar uma
resposta ou tomar uma ação.

O principal exemplo que o autor nos dá, aliado à Manuela Carneiro da
Cunha (CARNEIRO DA CUNHA e ALMEIDA 2009: pp. 284-300) diz respeito à
criação da categoria reservas extrativistas em unidades de conservação
ambiental, através das lutas de povos indígenas e seringueiros localizados
no Alto Juruá. Os autores indicam que a criação deste tipo de reserva (que
permite o usufruto do território demarcado com condicionantes específicas)
foi resultado de uma luta das recém-criadas associações de seringueiros e
povos indígenas, frente a um quadro de irredutibilidade de setores estatais
ditos "ambientalistas", que buscavam "preservar" os territórios
transformados em unidades de conservação retirando as pessoas que moram em
territórios sobrepostos a elas, sem levar em conta o papel proeminente (e
necessário, diríamos) dessas populações na conservação do meio ambiente
(ALMEIDA, 2004 e ALMEIDA e PANTOJA FRANCO, 2004).

Esta é, inclusive, uma das principais demandas dos povos do Vale do
Ribeira, já que grande parte dos coletivos aqui citados, tem territórios
sobrepostos às unidades de conservação. A luta, que envolve a delimitação e
reconhecimento das culturas como tradicionais, e além de tudo,
conservacionistas, é direcionada, deste modo, à transformação de unidades
de conservação integrais em que vivem (muitas ilegalmente, nunca
ilegitimamente) para reservas extrativistas ou unidades de conservação de
desenvolvimento sustentável. Lutam por acordos possíveis com o Ministério
do Meio Ambiente e secretarias afins pelo Brasil, e, desde os anos 1970 até
hoje, contra um neodesenvolvimentismo perverso que lhe negam direitos
básicos e os relegam à invisibilidade.

De todo modo, o argumento aqui é de que os meios primordiais dessas
lutas passam pela definição das culturas, e de sua tradicionalidade. O
problema é não congelar no passado, imobilizar essa tradição, negando-a a
transformação, ou afirmando que a partir desta transformação ela deixa de
ser tradicional, incorrendo no risco de se negar direitos fundamentais e
legítimos destes povos. Este parece ser o caso em certo senso comum
acadêmico sobre o tema, e que encontra ressonância no próprio discurso
destas populações.

Assim, pode-se explicitar melhor a escolha citada pouco acima. A
escolha pelo viés teórico de Manuela Carneiro da Cunha, o da "cultura" com
aspas, deve, ao meu ver, permitir entrever como a reflexividade do conceito
de cultura opera transformações. O conceito de cultura é assim reformulado
pelos diversos povos de forma a adequar-se aos pressupostos ontológicos de
cada um dos coletivos em que o conceito "chega", por sua vez operando
transformações nas próprias concepções do que é essa cultura apresentada,
no seu próprio conceito de cultura e no próprio conceito acadêmico.
Estaríamos diante, deste modo, de um sistema interétnico de "culturas",
que, quando em relação, acabam por se transformar mutuamente, por meio de
apropriações, inversões e conexões díspares[15]. No entanto, não estou
falando de um sistema interétnico propriamente dito, como na noção
formulada pela autora. Pois deste modo, não poderíamos assim falar em
culturas do Estado, que não implicam em etnias, mas ações em cima de outras
ações, e, de certo modo "culturas" em cima de "culturas". A intenção aqui é
expandir o foco de análise, ao introduzir agentes que não necessariamente
são étnicos como o Estado Brasileiro. Não se trataria, portanto de um
sistema interétnico, penso que seja mais do que isso. Trata-se de um
emaranhado mais heteróclito.

Como modo de "adentrar" essas conexões possíveis, a estratégia
teórica-metodológica utilizada foi explorar uma etnografia de certas
performances (musicais) de algumas comunidades caiçaras. Performance é aqui
utilizada em dois sentidos distintos: primeiro, no sentido stratherniano
(op. cit)[16], de performance como artefato, isto é, como apreendida em si
mesma, seguindo, ao invés do contexto social que o prescreve, os efeitos
gerados por estas performances, em e entre todos os seus participantes,
desde aqueles que realizam a performance, como daqueles que a assistem
(igualmente actantes, já que também geram efeitos nos performadores)
(STRATHERN, 2010 [1990]: pp. 215-220).

Em segundo lugar, pretende-se estender à performance outras
instâncias que de outro modo ficariam de fora. Através do entendimento das
performances como artefatos que geram efeitos nas mais diversas direções
(incluindo aí as próprias performances da qual elas derivam), faz-se
necessário, também, examinar a produção de contextos que se referem às
performances musicais e à cultura, em sua tradicionalidade, como
performances elas mesmas. Inclui-se, desta maneira, as estratégias que
objetivam a cultura, e que são elaboradas a partir da cultura como causa,
como argumentado acima. Neste sentido, a partir dessas performances
estratégicas, pode-se elucidar as conexões existentes entre esses
diferentes modos de inventar e reinventar a(s) cultura(s), no sentido
cunhado por Roy Wagner (2010 [1975]), em especial, naqueles modos de se
posicionar frente a interlocutores comuns, como os setores ambientais e
culturais do Estado brasileiro. Tratarei, a seguir, de um aspecto
particular desse processo de invenção da cultura, a saber, aquele que traz
para dentro da própria cultura os pontos de vistas considerados externos, o
que por sua vez resulta em uma espécie de análise social caiçara sobre
estes elementos "exteriores", estes, desta vez, encarnados na figura deste
pesquisador e seu subsequente trabalho.



"Pra que serve seu trabalho?"



Na pesquisa realizada durante o mestrado[17], uma das principais
consequências que adveio das relações estabelecidas com meus interlocutores
fora uma reflexão sobre o estatuto da própria dissertação e do trabalho
realizado por mim e por outros pesquisadores na região. Em outras palavras,
os fandangueiros estavam me perguntando: "pra que serve seu trabalho?" "No
que ele pode nos ajudar?".

Sem correr o risco de generalizar (i. e., de transpor esta reflexão
para além dos parâmetros propostos aqui nesta exposição), creio que tais
reflexões se inserem no presente artigo de duas maneiras distintas: naquilo
que Viveiros de Castro, no texto citado acima, argumenta como sendo a
transformação da antropologia (VIVEIROS DE CASTRO, 2012: pp. 165-167) e
naquilo que vem sendo chamado de antropologia reversa (WAGNER, 2010;
KIRSCH, 2006). Argumento que esses dois pontos são de crucial importância
para os objetivos desta análise; poder-se-ia dizer, inclusive, que eles
são, efetivamente, alguns dos pilares sobre os quais a análise repousa.

Quando iniciei a pesquisa realizada no mestrado, esta tinha como um
dos seus objetivos básicos uma etnografia que tentasse "captar", por assim
dizer, as transformações ocorridas na cultura caiçara tendo como foco o seu
fandango, mas, de todo modo, o sentido implicado na proposta inicial era
uma que ia da cultura, vista através de um conjunto de transformações, que
determinava as práticas sociais (como o fandango), e, portanto, as
transformava igualmente. Entretanto, durante a pesquisa de campo, comecei a
perceber que, possivelmente, o sentido era o inverso: é a partir do
fandango (e de outras práticas sociais) que a própria formulação do que é a
cultura ia se transformando, mesmo que essas práticas sejam informadas pelo
que se entende como cultura, entendimento este mediado pela noção de
tradição. Como uma espécie de "profecia que se cumpre", a cultura era
determinada pelas próprias ações e atividades que se afirmam serem
essencialmente culturais, como, por exemplo, o fandango.

Trago esta experiência aqui como tentativa de formular o seguinte
argumento: quando os fandangueiros e agentes culturais envolvidos com o
fandango me perguntam para que serve o meu trabalho, eles estão
efetivamente perguntando como este trabalho pode servir para eles tendo em
vista seu objetivo último, a luta pelo fandango e a cultura caiçara. Isto
porque, para eles, o trabalho empreendido poderia servir como uma espécie
de ponte entre o seu próprio contexto social e o mundo "exterior", aquilo
que está longe (no caso, a academia), mesmo estando, ao mesmo tempo, à sua
frente; essas perguntas, então, podem ser entendidas como a própria análise
social a que eu, como pesquisador estava sendo submetido. A um só tempo, as
reflexões propostas pelos meus interlocutores transformaram os rumos do
trabalho acadêmico que estava sendo realizado, através de uma crítica
social à função deste trabalho, para eles; através de sua antropologia
reversa, como nomeado acima, os caiçaras efetuaram uma transformação na
antropologia (na minha, pelo menos).

Ademais, essa crítica pontuava algo mais sobre o trabalho acadêmico
que estava sendo realizado: indicava, sobretudo uma quebra na
reciprocidade, uma falta de ressonância, ou a falta de um feedback[18]
entre os trabalhos acadêmicos e a vida social local. Algo como se os
pesquisadores (e aqui colocado por eles de maneira mais generalizada[19])
tirassem a informação de lá e nunca a levassem de volta transformada. Isto
tudo foi me indicado através do pedido, como condição preliminar para que
minha pesquisa de mestrado fosse realizada (condição esta mantida como
condição do desenvolvimento da pesquisa de doutorado), de uma
contrapartida, está sendo uma noção de crucial importância para meus
interlocutores. Esta contrapartida poderia se dar de diferentes formas, e
não pode ser correspondida de uma só vez, mas um primeiro passo nesse
sentido já fora realizado, o qual tratarei a seguir.

No período final de execução do mestrado, foi me pedido, pela Rede
Cananéia, uma coletivo de ONGs que atuam na área da cultura tradicional e
local (colocadas como distintas, é importante frisar), que ministrasse um
curso de formação política para seus integrantes. Apesar de afirmar que não
tinha a competência para tal empreendimento, não pude recusar, já que fora
colocado por meu anfitrião, Amir Oliveira Filho, fandangueiro e organizador
de grupos de fandango na cidade de Cananéia, como parte da contrapartida de
meu trabalho. Inicialmente foram postas duas exigências e uma advertência:
como exigências, o curso deveria ser apartidário e deveria ser
necessariamente de esquerda. E fui advertido também que o curso seria
ministrado para pessoas de diferentes formações, culturais, políticas e
escolares, indicando que haveriam desde pessoas analfabetas até outras com
título de doutorado. Dadas as dificuldades de se atender as exigências sem
deixar de levar em conta a diversidade do público a estratégia utilizada
por mim foi aproximar as questões que são classicamente concebidas como
políticas do contexto local, trazendo então para o centro da discussão,
questões sobre territorialidade, cultura, desenvolvimentismo e economia.

Durante a realização do curso, que fora ministrado em dois dias, com
três horas de curso por dia (configurando, na realidade, um mini-curso),
este transformara-se em uma discussão sobre as questões políticas que eram
importantes para eles, muito diferente do que o nome do curso poderia
sugerir, nos termos de uma formação. Isso se deve a uma estratégia conjunta
na formulação do curso, desde minha recusa em "ensinar" política (para quem
quer que seja), até a necessidade que essas pessoas tinham em expor e
discutir o que consideravam político. Dessa maneira, inspirado por este
evento, o trabalho transformara-se de tal maneira que ele passa a ser
compreendido como uma forma de tentar empreender uma análise social em
conjunto[20] com aqueles que, em outras épocas da antropologia, seriam
classificados como apenas objetos ou nativos. Os objetos, nesse caso, são
outros, se tornam na verdade os próprios objetivos pelas quais essas
pessoas re-existem[21].

De todo modo, não é como se de antemão estivesse me comprometendo a
um engajamento prático sem nenhuma reflexão em cima disso. De fato, o
trabalho desenvolvido no doutorado encontra-se em uma linha de continuidade
em, pelo menos, dois sentidos: a) é uma continuidade do projeto que se
iniciou na iniciação científica, se tornou uma dissertação de mestrado e
que pretende-se continuar no doutorado, através de uma análise sobre o
fandango e como a partir dele elaboram-se estratégias político-culturais
que acabam por transformar a cultura e b) é uma continuidade também do
projeto de contrapartida que me foi exigida, na medida em que o curso
brevemente exposto acima me mostrou uma tentativa de composição de uma
análise social em conjunto, isto é, uma exigência de participação minha,
através do trabalho acadêmico (mas não somente) nas questões que fazem
parte do dia-a-dia dessas pessoas.

De maneira mais profunda, as questões levantadas aqui nos permitem a
formulação de uma outra que combina mais, diria eu, com o momento atual da
disciplina: para além de "captar" e analisar as transformações pelas quais
passaram as culturas (especialmente as ditas tradicionais), qual o tipo de
transformação que estamos promovendo (para "nós", como antropólogos e para
"eles", nossos interlocutores)?





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[1] Não apresentarei aqui uma definição fechada sobre o que é o
fandango. Isto porque o artigo propõe-se a pensar o fandango a partir de
sua indefinição; pretende, de certo modo, seguir e delinear o que o próprio
fandango define e limita, e como ele se transforma a partir disto. Na
bibliografia citada, abundam definições "mais firmes" sobre o que é o
fandango (DIEGUES, 2005; MARTINS, 2006; RODRIGUES, 2013; BERTOLO, 2015).
Aqui, neste artigo, ele terá mais o caráter de "obra aberta", de algo que é
definido in loco, variando de situação para situação.
[2] Totalizei cerca de seis meses intercalados de pesquisa de campo na
região urbana de Cananéia e Vila do Marujá, na Ilha do Cardoso
[3] "Genuíno" está sendo usado aqui como categoria nativa. Nesse sentido
poderíamos utilizar também os vocativos "tradicional" ou "verdadeiro",
sendo que a escolha do "genuíno" deve-se a dois fatores: primeiro, como
meio de, na medida do possível, não contrapô-lo a um fandango que seria
"falso"; e, também, como meio de não confundir o leitor, já que o vocativo
"tradicional" invoca outros sentidos diversos e outros contextos.
[4] Formas, é importante notar, que não são excludentes, sendo os
tradicionais bailes de fandango (apesar da constante reclamação
fandangueira) ainda realizados, mesmo que com menor frequência.
[5] Isto porque o fandango de apresentação, apenas para citar um exemplo,
não é bem visto pelos fandangueiros de idade mais avançada. Isto não
significa dizer que eles se excluem da participação nestes próprios grupos.
[6] Definição adotada aqui, de forma provisória, para as pessoas
envolvidas, de um ponto de vista "interno" ou "externo" a cultura caiçara,
com atividades direcionadas ao fandango e a cultura caiçara.
[7] Seguindo meu orientador, Luiz Henrique de Toledo, em comunicação
pessoal.
[8] Luiz Carlos Jackson caracteriza esta resposta à brasileira aos
estudos de comunidade como uma crítica "uspiana", relacionando-a a uma
disputa política entre o viés conservador da Escola Livre de Sociologia e
Política (ELSP) e o viés crítico dos acadêmicos da Universidade de São
Paulo, em uma linha um tanto marxiana. Afirma ainda que, no caso de Antônio
Cândido e Gioconda Mussolini, apesar da forte crítica, sua orientação
teórica não estava assim tão distante dos "estudos de comunidade" (Jackson,
2009: pp. 278).
[9] Para uma análise um pouco mais profunda sobre o conceito de
transformação em antropologia (derivada da teoria de Viveiros de Castro
[idem ibidem]) ver Bertolo (2015).
[10] Segundo Flávio Gordon (texto em versão digital, sem ano): "O prefixo
–pós pode estar marcando uma sucessão no tempo; neste caso, ele fixa, na
direção contrária, o estruturalismo como fim de uma etapa. Dentro desta
alternativa, o prefixo é posto como índice de uma superação, dentro de um
quadro de 'progresso do conhecimento'. Os pós-estruturalistas, deste ponto
de vista, são aqueles que reagiram contra possíveis insuficiências da
abordagem estruturalista e que, supostamente, desenvolveram melhores
soluções. [….] A outra alternativa possível é entender o estruturalismo não
como o fim de uma etapa, mas como um conjunto vivo de idéias, como campo
fecundo de problemas a serem aprofundados ou deslocados. O modelo aqui não
seria mais o de uma história das idéias mas, na expressão de Chatêlet (cf.
Goldman, 1994: 24), o de uma "geografia das idéias", onde é possível lançar
mão de certos campos de ideias, estabelecer conexões entre diversos espaços
conceituais. Neste último caso, seria possível, inclusive, re-explorar
alguns temas do estruturalismo.". Percebe-se, portanto, que o espírito
desta proposta é (mesmo que de forma indireta) Lévi-Straussiano, via
Viveiros de Castro, Manuela Carneiro da Cunha, Mauro Almeida e Strathern.
Bem poderíamos dizer, também, que os outros dois "fantasmas" que assombram
esta perspectiva são Bateson e Roy Wagner.
[11] Esquema este que pode ser entrevisto em toda a obra de Marshall
Sahlins, mas uma síntese deste pensamento está nos dois mais famosos
artigos do autor no Brasil, "O pessimismo sentimental e a experiência
etnográfica", partes I e II (Sahlins, 1997a e 1997b).
[12] O que não deixa de ser uma releitura, mais generosa, diríamos, das
estruturas dos mitos de Lévi-Strauss, passando a concebê-los como
estruturas da ação, ou a ação da ação, que recaem em si mesmos e que se
debruçam na própria história; o que valeria para os mitos, vale para os
eventos, dessa maneira (Luiz Henrique de Toledo, comunicação pessoal)
[13] "Congelar a imagem", no sentido emprestado por Bruno Latour (2004),
sem deixar de notar que o autor está falando de coisas e de jeitos muito
diferentes do que aqui.
[14] Encontros estes que, em sua definição em si mesma não indica que eles
sejam, a priori, conflituosos ou se deem na forma de acordos. O autor
demonstra uma leve preferência pelo estudo dos acordos pragmáticos,
imiscuído que estava em um rechaço das teorias antropológicas pós-
modernistas, que, em sua maioria, postula que esses acordos são
impossíveis.
[15] Neste ponto, a análise proposta pode confundir, de certo modo, o que
seria propriamente ontológico e o que seria cultural. Mais uma vez, não me
deterei muito nesta distinção, por ora, pois este seria um dos principais
objetivos da continuação deste trabalho, a saber: delimitar e analisar de
maneira mais profunda o que são os fatores propriamente culturais e quais
são os ontológicos; este trabalho coloca-se assim como um meio possível de
aprofundamento sobre estes dois conceitos e sobre como eles se entremeiam,
sempre partindo do fandango. A junção, em uma só proposta, das estratégias
políticas e dos pressupostos ontológicos que cerceiam a cultura entendida
como tradicional é derivada desta mesma proposição.
[16] Não quero aqui, trazendo este viés teórico, "melanesiar" toda uma
série de pressupostos que encara artefatos (os "patrimônios"), performances
e a própria cultura de um jeito bem distinto dos melanésios de que fala
Strathern. O procedimento aqui é o da analogia, como o indicado por Roy
Wagner (2010 [1975]) e pela própria Strathern (idem), de forma a encontrar
semelhanças, vicissitudes e diferenças que possam nos dizer algo sobre os
efeitos das performances como operadores de transformação, como conector de
transações entre distintas ontologias.

[17] Pesquisa que, realizada em três anos, contou com o apoio da FAPESP
durante os dois últimos anos (processo FAPESP nº 2011/15798-2)
[18] Ressonância e feedback são dois conceitos que são aqui aproximados,
sendo que o primeiro pode ser lido através dos trabalhos de José Reginaldo
Santos Gonçalves (2005) e o segundo, do trabalho de Gregory Bateson.
Poderíamos dizer, inclusive, que a utilização de tais termos, aqui, seria
uma apropriação do primeiro através do segundo. Porém, tais conceitos devem
ser lidos, antes, através de como os pensam caiçaras, como exemplificado
acima (o que ganha um peso maior quando eles estão pensando nossos
trabalhos.)
[19] Incluindo assim pesquisadores da área da biologia, educação,
antropologia e sociologia, por exemplo.
[20] A meu ver, um ótimo exemplo de uma análise social em conjunto pode
ser entrevista em Andrello (2013)
[21] Re-existência como formulado por Pimentel (2010)
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