A performatividade da recepção na arte contemporânea: o outro experimentador nos processos de criação de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno

June 28, 2017 | Autor: Josy Panão | Categoria: Comunicação, Arte contemporáneo, Performatividade
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Josy Anne Neves Panão

A performatividade da recepção na arte contemporânea: o outro experimentador nos processos de criação de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO 2014

Josy Anne Neves Panão

A performatividade da recepção na arte contemporânea: o outro experimentador nos processos de criação de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Cecilia Almeida Salles.

SÃO PAULO 2014

Banca examinadora __________________________________________

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Agradecimentos

À minha mãe, Rute, aos meus irmãos José Luiz, Josana, Juliano, Jonathan e Rose, que quebra com a predominância do J e une-se a nós pelos laços do afeto. Aos sorrisos leves e alegres dos pequenos Juliana, Mariana e José Miguel, meus sobrinhos. A Carla, Francine e Edgar, meus cunhados. À minha orientadora, Cecilia Salles, pelas trocas, conversas e imenso aprendizado ao longo dessa etapa. Aos amigos feitos durante o mestrado, especialmente Camila Mangueira, Cassiano Mendes, Fabrício Fava, Fernanda Porto e Liduina Lins. Aos amigos do grupo de pesquisa em Processos de Criação. Aos amigos do grupo de estudos Extremidades: pensamento e ações limítrofes entre linguagens, Denise Agassi, Paula Garcia e, em especial, Ananda Carvalho, pela atenciosa colaboração durante os momentos intensos de escrita, e Cláudio Bueno, por oferecer sua prática poética para essa pesquisa. Aos amigos que a vida e a arte me trouxeram, Augusto Rocha, Eliton da Costa Rocha, Flavia Paiva, Izabella Bambino, Pablo Domínguez Galbraith, Renato Fagundes e Rita Tatiana. À Suely Rolnik, por ensinar coisas que provocam verdadeiros reboliços no meu pensamento, e me encorajar a expor o que vejo e sinto com a força de minha alma. Meu especial agradecimento à Christine Mello, amiga querida que me ensinou a generosidade do estar junto, a confiança do cuidado com o outro, pelo trabalho em comum e por sempre incentivar meus estudos e meu contato com a pesquisa em comunicação e artes. Sem ela, trilhar esse caminho não seria possível. À CAPES pelo suporte à pesquisa.

Ao José, meu pai, que deixou de viver ao meu lado e passou a viver para sempre dentro de mim. À Rute, minha mãe, que me ensina a ter força, dedicação, cuidado e amor, sempre.

Resumo No contexto da arte contemporânea, deparamo-nos cada vez mais com obras processuais que, em seu caráter de inacabamento, passam a demandar uma recepção mais ativa e performativa. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é analisar processos de criação que convocam a recepção para o acontecimento da obra. A ação direta ou a presença da recepção, desse outro experimentador que completa o ato de criação, aparece como fator fundamental para que a proposição artística ganhe significado e tenha potência para romper com os padrões tradicionais contemplativos de fruição estética, e reverbere na experiência sensório-corporal. Assim, com um recorte bastante específico, analisamos aqui exclusivamente as propostas Caminhando e Estruturação do Self (com os Objetos Relacionais), elaboradas entre os anos 1960 e 1980 pela artista Lygia Clark e, avançando até os dias atuais, as propostas de Superpronome, de Ricardo Basbaum, e Casa Aberta e Redes Vestíveis, ambas de Cláudio Bueno. Na poética destes artistas, que abriram suas práticas e ações à performatividade, à experiência e à elaboração do outro, encontramos uma importante atenção dada à presença e à atuação da recepção. Na confluência entre arte e comunicação, e tendo como base teórico-metodológica a teoria dos processos de criação concebida por Cecilia Almeida Salles, que se baseou em referenciais da crítica de processo na articulação da semiótica peirceana e do conceito de rede de Pierre Musso, buscamos entender estas propostas artísticas a partir do conceito de ato comunicativo, desenvolvido por Salles, a fim de esmiuçar as nuances da subjetividade desse outro experimentador que aparece nos processos de criação destes artistas. Desse modo, buscamos compreender a recepção por meio de procedimentos artístico-criativos que desencadeiam processos de singularização, de coletivização e de atuação nas redes.

Palavras-chave: comunicação; arte; experimentação contemporânea; processo de criação; ato comunicativo; semiótica peirceana

Abstract In contemporary art, we come across an increasing number of processual works which, given their condition of incompleteness, demand a more active and performative reception. Thus, the aim of this research is to analyze creation processes that require reception for the work to happen. The direct action or presence of reception, of this other experimenter who completes the act of creation, is a key element for the artistic proposition to acquire meaning and have the power to disrupt the traditional contemplative patterns of aesthetic fruition and resonate through the sensorial-bodily experience. Therefore, within a very specific crosssection, we exclusively analyze Lygia Clark’s proposals Caminhando [Walking] and Estruturação do Self [Structuring of the Self] (featuring her Relational Objects), created between the 1960s and 1980s and, up until more recently, the Superpronome [Superpronoun] proposals by Ricardo Basbaum; and Casa Aberta [Open House] and Redes Vestíveis [Wearable Networks], both by Cláudio Bueno. We observe a great deal of attention given to the presence and action of reception in the poetics of these artists, who opened up their practices and actions to performativity, experience and the making of the other. In the meeting of art and communication, and setting our theoretical and methodological framework on the theory of creation processes conceived by Cecilia Almeida Salles, who based her ideas on references to the critique of process to combine the Peircean semiotics and Pierre Musso's concept of network, we look into these artistic proposals through the concept of communicative act, developed by Salles, in order to delve into the subjectivity nuances of this other experimenter that appears in the creation processes of these artists. Therefore, we look into reception through artistic and creative procedures that trigger processes of singularization, collectivization and action in networks.

Keywords: communication; art; contemporary experimentation; creation process; communicative act; Peircean semiotics

Sumário Introdução

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Capítulo 1 O outro experimentador a partir de propostas de Lygia Clark

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O acontecimento da obra

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Percurso criativo-poético de Lygia Clark

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A passagem para a arte contemporânea e as práticas que envolvem o outro

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O outro nas propostas de Caminhando e Estruturação do Self com os Objetos Relacionais

30

Caminhando

30

Estruturação do Self e os Objetos Relacionais

35

O outro em seu aspecto singular: como tornar-se o que se é?

44

Capítulo 2 O outro experimentador nas propostas de Ricardo Basbaum

49

A proposta artística atravessada pela multiplicidade

49

Percurso criativo-poético de Ricardo Basbaum

53

O outro no coletivo ‒ Como tecer o eu e o você?: o processo de criação de Superpronome

60

Capítulo 3 O outro experimentador nas propostas de Cláudio Bueno

69

A proposta artística na rede

69

Percurso criativo-poético de Cláudio Bueno

73

O outro experimentador na poética da rede

76

Considerações finais

85

Referências Bibliográficas

88

Introdução: Ao nos depararmos, no contexto contemporâneo, com obras de arte cada vez mais processuais no sentido de que não são levadas à apreciação do público como formas fechadas ou finais, notamos que muitas delas, em seu caráter de inacabamento, passam a demandar uma recepção mais ativa e performativa do espectador. Sob a perspectiva do inacabamento, é impossível falar em processo e obras, na medida em que as obras são parte do processo. O objeto dito acabado pertence a um processo inacabado, em outras palavras, a obra entregue ao público, como um momento do processo, é simultaneamente gerada e geradora. (SALLES, 2008, p. 154)

A ação direta ou a presença da recepção, desse outro que completa o processo de criação de uma obra, aparece como fator fundamental para que a proposição artística ganhe significado, tenha potência disruptiva capaz de romper com os padrões tradicionais contemplativos de fruição estética e reverbere na experiência sensório-corporal. No contexto brasileiro, sobretudo a partir dos anos 1960 e de propostas como as elaborados por Hélio Oiticica e Lygia Clark, podemos perceber que há uma importante atenção dada à presença, à experiência e à atuação do público nas poéticas destes artistas que abrem suas práticas e ações à performatividade, à experiência e à elaboração do outro. Assim, diante de propostas como estas, vemos este outro tornar-se um experimentador. A presente pesquisa é elaborada diante da perspectiva de que o contexto de abertura que estes artistas promoveram para a experiência do outro denota um espaço de criação que não é neutro, mas que se mantém poroso e constantemente contaminado pela alteridade. Buscamos observar como a presença do outro tornase condição necessária para o acontecimento dos trabalhos selecionados para este estudo. Assim, configuram-se como objetos de investigação os procedimentos de artistas que estabelecem ou propiciam um espaço aberto para a relação, a vivência e a experiência direta do público em seus processos de criação. A partir de um recorte bastante específico, são analisadas algumas das propostas dos artistas !

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brasileiros Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno, na tentativa de verificar como a presença do outro experimentador é convocada em seus projetos poéticos para o acontecimento de suas obras. Tendo como base teórico-metodológica a pesquisa de Cecilia Almeida Salles sobre o processo de criação que se baseia em referenciais da crítica de processo articulada pela semiótica peirceana e pelo conceito de rede de Pierre Musso, usaremos os documentos de processos deixados ou disponibilizados por estes artistas, tais como cartas, vídeos, entrevistas sobre seus trabalhos, testemunhos de participantes de suas propostas poéticas, sites, blogs, seus textos que foram ou não publicados e/ou pertencem aos seus arquivos pessoais etc. A partir da análise desses documentos, a pesquisa se guia pela vontade de investigar a presença atuante e performativa da recepção, do outro experimentador integrante desses processos criativos, de forma que, ao (...) observar a criação sob o ponto de vista da comunicação, nos deparamos com o receptor da obra. (...) a obra necessita de um receptor. Quando se fala em processo criativo como ato comunicativo, não se pensa nos limites da procura de um público consumidor (...). O artista não cumpre sozinho o ato de criação. O próprio processo carrega o futuro diálogo entre artista e receptor. (...) Essa relação comunicativa é intrínseca ao ato criativo. Está inserido em todo processo criativo o desejo de ser lido, visto ou assistido. (...) a presença do receptor (...) como parte integrante do processo de criação. (SALLES, 2011, p. 53-55)

Nos trabalhos elencados aqui, o outro não tem uma presença contemplativa, tampouco suas ações são somente respostas pré-programadas pelos dispositivos criados pelos artistas, por isso o entendemos e o chamamos aqui de “o outro experimentador”1. Notamos que as propostas de Clark, Basbaum e Bueno só acontecem e se potencializam na medida em que o outro é convocado a intensificar sua experiência a partir da relação que estabelece com elas. Os trabalhos aqui reunidos foram escolhidos porque rompem, no campo das práticas

artísticas,

com

a

formatação

de

uma

receptividade

meramente

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

Agradeço à Suely Rolnik a preciosa sugestão, feita durante a qualificação desta pesquisa, para utilizar este termo.!

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contemplativa, e também porque incluem e demandam a ação direta e o envolvimento do outro para o acontecimento e complementação de seus significados. Dessa forma, interessa-nos verificar como os recursos criativos são adotados e utilizados por estes artistas para a promoção e intensificação da presença e experiência do público em suas propostas. O recorte para essa pesquisa é feito em um contexto bastante específico. Iniciamos o estudo a partir da produção artística brasileira que se situa na transição entre o movimento moderno e o contemporâneo, focando especialmente em alguns trabalhos da artista plástica Lygia Clark que são desenvolvidos entre os anos 1960 e 80, e avançamos até os dias atuais, analisando os processos de criação de algumas obras dos artistas Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno. Contudo, é importante salientar que a pretensão não é esgotar ou repassar suas trajetórias e obras como um todo, nem abordar suas proposições de maneira linear. O que nos move é a possibilidade de ampliar a compreensão dos campos semânticos que envolvem o conceito que trata da relação artista – obra – público. Ao fazer uma seleção pontual de algumas produções desses artistas, a ideia não é repassar a história recente da arte nem suas trajetórias artísticas, mas evidenciar as diferentes nuances de subjetividade que suas propostas, que demandam o envolvimento do outro, revelam, buscando compreendê-las através do jogo estabelecido entre o fazer artístico e uma recepção performativa que se expressa e atua com a obra, fazendo-a acontecer através da experiência sensóriocorporal. Assim, buscamos aproximar a criação da noção de “um processo de subjetivação (...) uma produção de modo de existência (...) uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um acontecimento” (DELEUZE, 1992. p. 128). Também não se trata apenas de compreender o sujeito que cria, atua e/ou participa de uma obra de arte, tampouco delimitar, sob a compreensão do conceito de interatividade, o tipo de intervenção que ele tem na dinâmica da criação. Para evitar esse tipo de redução, ao lidarmos com o envolvimento do público nas práticas artísticas abertas à sua presença, usamos a tríade experiência artística relacional, performatividade do outro e recepção atuante e performativa. Nesse sentido, olhar para o outro por meio dos processos de criação desses artistas nos permite analisar !

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as nuances das tramas que tecem sua subjetividade em sua singularização, em sua ação na coletividade e na sua atuação em rede. Localizar esta pesquisa no campo da comunicação é uma tentativa de direcionar um olhar atento, através das práticas artísticas que convocam a ação e a experiência do outro, para o fator que dá continuidade ao ato comunicativo inerente à cada obra aqui selecionada: a recepção atuante e performativa, considerando-a, portanto, como um modo de existência capaz de produzir significado e sentido às obras. O outro, assim, deixa de ser o receptor contemplativo, espectador, usuário etc, para tornar-se um experimentador. A análise que aqui desenvolvemos busca, portanto, compreender as relações que se estabelecem entre a produção desses artistas e a recepção de suas propostas sob a consideração “do processo como mobilidade e como rede relacional” (SALLES, 2008, p. 11). Relacionar, ou tramar em redes, trabalhos como Caminhando e Estruturação do Self, entre outras propostas que demandam a presença do outro elaboradas por Lygia Clark a partir dos anos 1960, Superpronome, com suas propostas de ação e performances coletivas formuladas por Ricardo Basbaum, e projetos como Casa Aberta e Redes Vestíveis desenvolvidos por Cláudio Bueno é uma tentativa de pensarmos sobre a cintilação da subjetividade daqueles que se lançam em projetos poéticos processuais e em experiências artísticas relacionais, como são os projetos destes artistas. Algumas questões serão lançadas aqui não para serem respondidas objetivamente, mas para que nos conduzam ao desvelamento da composição da subjetividade do outro que estamos investigando neste estudo. São elas: como tornar-se o que se é?, como tecer o eu e o você? e como ser na rede? Estas indagações nos permitem delimitar aspectos da performatividade do público nos processos de criação de Clark, Basbaum e Bueno. Diante disso, os procedimentos criativos utilizados por estes artistas indicam alguns possíveis caminhos para pensarmos sobre as camadas de subjetividade da recepção atuante e performativa no âmbito da arte.

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O recorte dos trabalhos de Clark auxilia-nos a pensar sobre a subjetividade do outro naquilo que o circunscreve em sua existência e experiência sensívelcorporal; a seleção de trabalhos de Ricardo Basbaum pode contribuir para pensarmos o outro sob a perspectiva das complexas variáveis que o diagramam na relação eu-você que tece sua subjetividade no cenário coletivo, na experiência sensível-cultural da vida pública, onde o projeto poético deste artista se insere; a seleção das propostas artísticas de Cláudio Bueno que utilizam dispositivos tecnológicos de comunicação móvel ajuda-nos a verificar como se dá a atuação do outro que se relaciona através dos meios de comunicação disponíveis na atualidade e de suas experiências em rede. Embora cada capítulo seja dedicado a um artista, serão traçadas ao longo desta pesquisa algumas relações entre eles, buscando ressaltar suas singularidades. No primeiro capítulo, a análise recai sobre algumas obras de Lygia Clark desenvolvidas a partir dos anos 1960 que promovem uma experiência artística relacional, buscando percorrer a questão de como tornar-se o que se é. Estudar propostas desta artista, tais como Caminhando e outras que convocam a presença criativa da recepção que é lançada neste projeto poético tão vital e de grande expressividade no cenário artístico nacional e internacional, é uma tentativa de desvelar as nuances da subjetividade do outro que se apropria das experiências promovidas por tais proposições e as ressignificam por meio da relação que ele estabelece com o que traz consigo ao longo de sua vida. Nestas propostas elaboradas por Clark, o outro tem fundamental importância, porque, sem sua ação, sem o diálogo e a vivência que ele estabelece com os objetos que são criados pela artista, elas não se sustentam em si mesmas. É o ato, a performatividade e ação do outro que trazem à tona a força das obras e as colocam no plano do acontecimento. Tratar desse aspecto da apropriação do outro a partir das experiências proporcionadas pelas propostas artísticas de Lygia Clark permite-nos perceber traços próximos de uma subjetividade que não se caracteriza pelo princípio de identidade, mas que carrega em si a liberdade para a “criação de seus territórios e a plasticidade de seus contornos” (ROLNIK, 2013, p. 14). Essa plasticidade do contorno da subjetividade que parece ser uma constante dentro do processo de Clark, sobretudo quando ela lança seus procedimentos criativos para a !

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experimentação do público, insere-a em um contexto bastante importante de abertura de seu processo de criação. Nas palavras da própria artista: Me sinto sem categoria, onde meu lugar no mundo? Tomo horror a ser catalizadora de minhas proposições. Quero que as pessoas as vivam e introjetem o seu próprio mito independente de mim. (...) Perco o sentido do tempo e percebo a Terra que continua o mesmo processo, se fazendo e se desfazendo continuamente. (...) a consciência de outras realidades, do meu egocentrismo que de tão grande me fez dar tudo ao outro, até a autoria da obra. O silêncio, a interação no coletivo, a recomposição do meu eu, a procura de um profundo sentido de vida no grande sentido social, o meu lugar no mundo. (...) o outro passa a ser eu, o inverso do conceito impresso e vivido por tanto tempo como eu sendo o outro. (CLARK, 1980, p. 5)

O segundo capítulo se concentra nos procedimentos criativos de Ricardo Basbaum e na análise das ações e performances coletivas que partem de seu Superpronome. Buscamos verificar como a inserção do outro, da recepção, se dá de forma fundamental e crítica em seu processo de criação. Procuramos percorrer a questão de como se tece a plasticidade dos contornos da subjetividade por meio da relação eu-você que ele propõe nesta obra. O trabalho Superpronome é descrito pelo artista (BASBAUM, 2012) como uma proposição em que as palavras eu e você são postas uma ao lado da outra sem o uso de qualquer estrutura conectiva, seja o hífen ou qualquer outro sinal gráfico equivalente. A pretensão da disposição dessas palavras lado a lado é formar um novo pronome que possibilite olhar para o sujeito (eu) e para o objeto (você) na experiência artística sem marcas que fixam territórios estanques e isolados. A estrutura formada pela junção dessas duas palavras em duas direções ‒ euvocê ou vocêeu ‒ não garante que os efeitos das forças de um no outro, a desencadear devires, que são não-paralelos e nada tem a ver com síntese, ocorram. O que esta proposta traz é a possibilidade de colocar o outro em ação por meio de uma experiência artística relacional performativa na esfera coletiva. Basbaum assim descreve sua criação: convergência de pronomes pessoais em uma única palavra. euvocê, vocêeu

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mistura, hibridização, contaminação recíproca de um pelo outro, de eu por você, de você por eu, numa só coisa. êxtase do objeto, (...) instrumento de negociação para ações de uma alteridade incorporada, em fuga. (BASBAUM, 2012, p. 4-5)

Interessa-nos, portanto, estudar o Superpronome no formato de jogos ou exercícios, pois assim pode-se observar que o outro, além de se configurar a partir de uma escrita viva, estabelece relação com “outros” e com o espaço, com a paisagem, onde as performances costumam acontecer. Nesta ação, Basbaum também se mistura aos participantes e passa a ter a dupla função: propositor e ator do e no trabalho. Cada participante, inclusive ele, é convidado a vestir camisas (parecidas com as que são usadas em partidas de futebol) que carregam os pronomes eu ou você e movimentar-se pelo espaço, diagramando e/ou escrevendo com seus corpos as relações que estabelecem entre si e com o espaço coletivo. É sob esta perspectiva trazida pelas ações e vivências coletivas propostas por Basbaum que procuramos olhar para as nuances da subjetividade do outro, do experimentador, do público, do receptor, e verificar como se tecem o eu e o você através do processo criativo aberto à sua presença e à sua ação performativa para o acontecimento e significação da obra em um contexto coletivo. No terceiro capítulo, esmiuçando a questão de como nos relacionamos em rede (conceito cada vez mais potencializado pela adesão às redes sociais, pelo avanço da internet e pela expansão da comunicação móvel), buscaremos ver o outro a partir da análise do processo de criação do artista Cláudio Bueno. A produção criativa deste artista é bastante recente e está constantemente envolvida em experimentações poéticas com as novas tecnologias de comunicação. Bueno busca tensionar a responsabilidade e a ação do outro que utiliza dispositivos móveis de comunicação capazes de expandir sua presença no cotidiano. Ao utilizar esses dispositivos tecnológicos em suas propostas, Bueno explora e, muitas vezes, subverte suas funções a fim de trazer para o campo da experiência de cada participante a relação entre o corpo, a informação e o espaço público. “Em meus trabalhos, tenho me interessado pela confluência entre corpo, espaço e !

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informação para a experiência do sujeito diante do trabalho no espaço público” (BUENO, 2013, p 14). Para esta pesquisa, o recorte de seu processo criativo engloba o estudo dos procedimentos utilizados por ele para o desenvolvimento de Casa Aberta (2009) e Redes Vestíveis (2010). Estes trabalhos são elaborados com a utilização de aparelhos celulares e procuram estabelecer com seus participantes uma outra forma de interagir com estes dispositivos, uma outra maneira de se relacionar e ver suas ações no contexto das redes. Verificaremos que a proposta de Bueno é, de certa maneira, subverter a função comunicativa dos aparelhos para tornar visível a complexidade da experiência com o que nos conecta em rede hoje em dia. No trabalho Casa Aberta (2009), Bueno acoplou o controle remoto de sua TV a aparelhos celulares, de modo que estes aparelhos, ao receberem uma chamada, pudessem trocar os canais ou ligar e desligar a televisão de sua sala. Dessa maneira, as pessoas que interagiam com o trabalho, ao ligarem para esses celulares, intervinham o tempo todo no cotidiano privado do artista, já que o trabalho ficava também 24 horas online na internet e podia ser acessado de qualquer distância, independentemente do espaço expositivo. Já Redes Vestíveis (2010) é uma performance coletiva baseada em uma rede virtual elástica geolocalizada e representada graficamente na tela de celulares. Os participantes tornam-se nós de uma trama ao relacionarem-se entre si, na tentativa de permanecerem conectados ou manipularem a movimentação dos outros envolvidos, visto que não há regras fixas e claras que determinam o objetivo de suas ações. Quem performa este trabalho pode escolher aderir à rede ou dela escapar. É de sua responsabilidade seguir ou não as coordenadas que lhes são oferecidas. Os processos criativos aqui estudados não se identificam em razão dos resultados estéticos e dos recursos utilizados por Clark, Basbaum e Bueno serem similares ou parecidos; pelo contrário, são procedimentos muito diferentes entre si, que se cruzam por demandarem a presença e a experimentação do outro, ou seja, uma recepção ativa e performativa para que os trabalhos aconteçam.!

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Capítulo 1 O outro experimentador a partir de propostas de Lygia Clark De que adianta tornar presente na obra a “visão” da invisível exuberância da vida que agita e transforma todas as coisas, se o espectador não possui a chave do acesso a esta visão? De que adianta contaminar de arte o cidadão comum, se este não possui em sua alma a possibilidade de afirmar na existência, a potência criadora da vida? Suely Rolnik

O acontecimento da obra Em Redes de Criação (2008, p. 151), Cecilia Almeida Salles, retomando Vincent Colapietro, afirma que “o sujeito não é uma esfera privada, mas um agente comunicativo”. A partir disso, podemos entender que ele atua por meio de uma multiplicidade de interações e se constitui na relação com os outros, no coletivo, sem, contudo, perder seus contornos singulares. Imerso em um emaranhado de alteridade, a figura do sujeito descentraliza-se, o que nos permite abordar processos criativos que só acontecem na medida em que promovem uma complexa rede de interações. Com isso, a criação passa a se sustentar em seu aspecto relacional e pode ser vista como “um processo de transformação que envolve uma grande diversidade de mediações” (SALLES, 2008, p. 153). A partir dessa consideração, abordamos, neste primeiro capítulo, algumas obras da artista Lygia Clark, tais como Caminhando e Estruturação do Self, que, justamente por se mostrarem numa perspectiva relacional, conferem à presença, atuação e performatividade do outro as condições para que as proposições aconteçam. Apenas na medida em que ela [proposição] toma um sentido para os outros é que ela faz sentido para mim. Tornei-me outro – que passa a me trazer os significados da proposição. É a soma de todas as significações que lhe dá um sentido global (...) a proposição toma um sentido coletivo tribal. (...) O meio em que vive o homem só existe na medida em que há esta expressão coletiva. Ela é criada pelos gestos dos participantes (...). Através de cada um desses gestos nasce uma arquitetura viva, biológica, que, terminada a experiência, se dissolve. (CLARK, 1980, p. 36)

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Por proporcionar um contexto de abertura para o outro, podemos relacionar o processo de criação de Clark ao conceito de ato comunicativo, como elaborado por Salles: O processo de criação mostra-se, também, como uma tendência para o outro. A obra em construção carrega as marcas singulares de princípios direcionadores ou projeto poético que a direciona, mas faz parte também de complexas redes culturais. O projeto de cada artista insere-se na frisa do tempo da arte, da ciência e da sociedade, em geral. (...) O aspecto comunicativo do processo de criação envolve não só relações culturais, mas também uma grande diversidade de diálogos de natureza inter e intrapessoais: do artista com ele mesmo, com a obra em processo, com futuros receptores, com a crítica etc. (SALLES, 2008(b))

Nas últimas décadas, é possível observar uma crescente demanda dos processos criativos - tanto no âmbito da arte quanto da comunicação - envolverem uma recepção mais ativa. Parece haver também a necessidade de artistas explorarem outras formas de recepção para seus trabalhos. No campo das práticas artísticas contemporâneas, em detrimento de uma fruição estética contemplativa somos muitas vezes levados ao encontro de variadas formas que exigem a presença ativa e performativa do espectador para complementar, ou completar, o processo comunicativo e de significação das obras. As propostas de Clark, elaboradas sobretudo entre os anos 1960 e 80, ajudam-nos a compreender as fabulações e experiências que são trazidas à tona a partir da presença atuante do espectador, do receptor, no processo de criação. Ao observar trabalhos como Caminhando (1963) e Estruturação do Self (1976 – 1988), de Lygia Clark, e alguns trabalhos de Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno analisados nos demais capítulos, procuramos olhar para esse outro que se revela através de processos criativos abertos à sua presença. Com isso, na tentativa de expandir o entendimento de criação como processo de inferência, buscamos compreendê-lo também com um processo de subjetivação, que considera o outro, a recepção, dentro destes projetos poéticos, como um modo de existência concreta e performativa. A este respeito, levamos em consideração o que nos diz Gilles Deleuze: “Um processo de subjetivação (...) uma produção de modo de existência

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(...) uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um acontecimento” (DELEUZE, 1992. p. 128). Ver o outro, tanto nos processos das propostas de Lygia Clark quanto nas de Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno, exige que encontremos um termo que possa dar conta das diferentes maneiras de sua inserção nas obras. Assim, tomaremos de empréstimo as noções de performativo e performatividade elaboradas por Richard Schechner. De acordo com esse autor (SCHECHNER, 2002, p. 153), estes termos, que expandem a noção de performance, são amplos e estão por toda parte, abrangendo desde comportamentos cotidianos até a construção da realidade social. No campo das linguagens e práticas artísticas, procuramos explorar estes conceitos para tratar da ação, da atuação, da vivência e da expressividade da experiência de troca com proposições que envolvem o outro. Percurso criativo-poético de Lygia Clark Lygia Clark (1920 – 1988) é uma artista de fundamental importância para a história da arte e continua figurando como um dos maiores nomes do circuito artístico mundial da segunda metade do século XX. Clark nasceu em Belo Horizonte e, embora desde cedo tenha demonstrado interesse pelas artes plásticas, sua trajetória artística somente iniciou-se tardiamente, aos 27 anos, em 1947. Nessa época, ela se mudou para o Rio de Janeiro e contou com a orientação de Roberto Burle Marx e Zélia Salgado. Nesse período inicial de seu processo de criação, seus questionamentos artísticos giravam em torno da problematização das categorias tradicionais da pintura e da escultura. Em 1950, Clark partiu para Paris e tornou-se aluna de Fernand Léger, Arpad Szénes e Dobrinsky. No período de dois anos em que ficou por lá, dedicou-se ao estudo das técnicas do desenho e da pintura. Sua primeira exposição individual aconteceu no ano de 1952, no Institut Endoplastique. Após retornar ao Rio de Janeiro, expôs no Ministério da Educação e Cultura. Nessa fase, ela identificava sua produção criativa com as construções artísticas geométricas, tendência do movimento concretista, que, desde a década de 1940, fazia oposição à tradição figurativa e marcou a trajetória de muitos artistas !

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brasileiros.

Com

isso,

podemos

dizer

que

Clark

também

participou

da

implementação do abstracionismo geométrico no Brasil. A arte concretista, que a Escola de Ulm1 vinha promovendo e difundindo mundo afora, surgiu como um movimento de ruptura com a linguagem modernista de linhagem nacionalista. Sua estética racionalista conquistou a admiração de jovens artistas brasileiros, fato que ocasionou a formação dos grupos Ruptura2, em São Paulo, e Frente3, no Rio de Janeiro. Embora imbuídos do mesmo espírito abstrato-geométrico, os dois grupos mantinham propostas diferentes entre si. Enquanto o grupo paulista seguia uma tendência racionalista, uma linha mais ortodoxa e cerebral, como destaca o crítico de arte Ferreira Gullar (1997, p. 59)4, o grupo carioca seguia uma linha mais intuitiva, buscando vitalidade para o espaço explorado pelas formas geométricas. É a partir da proposta do grupo Frente, que surgirá em 1959 o movimento neoconcreto5, ao qual Clark pertenceu. O neoconcretismo, uma dissidência do !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

A Escola de Ulm, conhecida como Escola Superior da Forma, foi concebida em 1947 e fundada em 1952, na Alemanha, por Inge Aicher-Scholl (1917 - 1998) e Otl Aicher (1922 - 1991), que eram professores da Escola Popular Superior da Forma de Ulm, e por Max Bill (1908 − 1994), antigo aluno da Bauhaus, e funcionou até 1968. A Escola era um centro de ensino e pesquisa em design e criação industrial e reuniu arquitetos, designers, cineastas, pintores, músicos, cientistas, entre outros profissionais. O modelo adotado pela Escola de Ulm retomava as relações entre arte e ofícios, arte e indústria, arte e vida cotidiana. No Brasil, as influências da Escola podem ser percebidas no projeto do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), em 1951, e na experiência da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), no Rio de Janeiro, em 1963. Foram alunos da Escola os brasileiros Geraldo de Barros, Almir Mavignier e Alexandre Wollner. É grande também a influência de Max Bill sobre as vertentes mais construtivas da arte brasileira na década de 1950. Fonte: . Acesso em 04 mai. 2014. 2

Grupo formado em 1952 pelos artistas Anatol Wladyslaw, Leopoldo Haar, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto e Waldemar Cordeiro. 3

Participaram do grupo, formado em 1954, os artistas Ivan Serpa, Aluísio Carvão, Carlos Val, Décio Vieira, João José da Silva Costa, Lygia Clark, Lygia Pape, Vicent Ibberson, Abraham Palatnik, César Oiticica, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Rubem Ludolf, Elisa Martins da Silveira e Emil Baruch, além do crítico Ferreira Gullar. 4

FUNDACIÓN ANTONI TÀPIES (Barcelona – ESP). Lygia Clark: catálogo [Barcelona]: FUNDACIÓN ANTONI TÀPIES. [1997]. p. 59. Catálogo da exposição. 5

O grupo neoconcreto, que surgiu no final dos anos 1950 fazendo oposição aos ideais racionalistas da arte concreta, buscou compreender satisfatoriamente as possibilidades expressivas abertas pelas experiências artísticas, e tratou também de reinterpretar o neoplasticismo, o construtivismo e demais movimentos artísticos análogos. Em 1959, por ocasião da I Exposição Neoconcreta, foi publicado, no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, o Manifesto Neoconcreto, assinado pelos artistas Amilcar de 21 !

movimento concretista, teve pouco tempo de atuação; formou-se em março de 1959 e terminou em 1961, mas podemos dizer que impulsionou de maneira bastante significativa a passagem para a arte contemporânea, sobretudo no Brasil. O Manifesto desse movimento, que foi assinado inclusive pela própria Lygia Clark, negava a validade das atitudes cientificistas e positivistas na arte e visava repor o problema da expressão, incorporando as novas dimensões criadas pela arte não figurativa construtiva6. Embora Clark tenha aderido ao movimento neoconcreto, desde o início se questionava sobre essa adesão, como revelam estes trechos extraídos da carta a Mondrian escrita em maio de 1959: Hoje me sinto mais solitária que ontem. Senti uma enorme necessidade de olhar o teu trabalho, velho também solitário. Dei com você numa foto fabulosa e senti como se você estivesse comigo e com isto já não me senti tão só. (...) Não sei para que você trabalhava. Se eu trabalho, Mondrian, é para antes de mais nada me realizar no mais alto sentido ético-religioso. Não para fazer uma superfície ou outra... Se exponho é para transmitir a outra pessoa este “momento” parado na dinâmica cosmológica, que o artista capta. (...) Você já sabe do grupo neoconcreto, você já sabe que eu continuo o seu problema, que é penoso (...). No momento em que o grupo foi formado havia uma identificação profunda, a meu ver. Era a tomada de consciência de um tempo-espaço, realidade nova, universal como expressão, pois abrangia poesia, escultura, teatro, gravura e pintura. (...) Hoje a maioria dos elementos do grupo se esquecem desta afinidade (o mais importante) e querem imprimir um sentido menor a ele, quando preferem que ele cresça sem esta identidade para mim imprescindível, numa tentativa de dar continuidade superficial a este movimento. (...) meu desejo é deixar o grupo e continuar fiel à minha convicção, respeitando a mim mesma, embora mais só que ontem e hoje, eu serei amanhã, pois as pessoas que se aproximaram um dia, há bem pouco tempo, se afastaram desorientadas sem enfrentarem a dureza de estar só num pensamento, sem resguardar o sentido maior, ético, de morrer amanhã sozinha mas fiel a uma ideia. (...) é duro, é terrível porque é deixar de ter, mesmo se me afastar do grupo, pois já se fragmentou a unidade, a verdade dura e terrível feita a sete

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmaner, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. 6

Ver Manifesto Neoconcreto. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 408.

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para se multiplicar em realidades pequenas (...). (CLARK apud FERREIRA; COTRIM, 2009, p. 46-49)

Mesmo com esse desapontamento com os rumos que os propósitos do grupo iam tomando, o rompimento de Clark só viria efetivamente em 1961 − mesmo ano no qual o movimento se desfez −, quando ela não aceitou submeter sua obra ao conceito de não-objeto criado por Ferreira Gullar, um dos idealistas do movimento. Estas passagens da carta, estes pequenos trechos extraídos de um dos registros de seu processo de criação, revelam que, em seu percurso criativo, os velhos questionamentos das categorias tradicionais da pintura e escultura que já fazia desde o início de sua trajetória artística voltam, fazendo com que ela fosse descobrindo a importância de poder transmitir ao outro esse encontro com a expressividade que emana de uma obra de arte. Na trajetória de Clark, o período que vai de 1947 até 1959 compreende trabalhos como pintura a óleo (série, 1950 − 51); desenhos (1950 − 51); guaches (1950 − 51), estudos de escada (série, 1951), desenhos de seus filhos (série a lápis e carvão, 1951), e obras como Composição (série, 1952 − 53); Superfícies Moduladas (1954 − 1958); Contra-Relevos (1954 − 1958); Descoberta da Linha Orgânica (1954); Quebra da Moldura (1954); Maquete para Interior (1955); Espaço Modulado (1958); Unidade (1958), Ovo (1958) e Casulo (1958). Mesmo antes de deixar o movimento neoconcreto, a artista passou a produzir trabalhos que saíam da estrutura tradicional expositiva. Seus quadros, sem moldura, ultrapassavam os limites da parede, passando do plano bidimensional para o tridimensional; suas esculturas espalhavam-se pelo espaço. A partir da criação da série Bichos, em 1960, o desejo de Clark de conectar arte e vida ganhou ainda mais força, pois suas práticas passaram a requerer a ação direta do espectador, que, como veremos, passará à condição de experimentador de suas obras. É em 1963, com a proposta de Caminhando, que seu processo criativo passou a mobilizar a figura do outro, da recepção, do espectador, do público, como condição necessária para o acontecimento de seus trabalhos. Se com Bichos já estava posta a questão da troca entre o público e a obra − embora esta ainda mantivesse sua autonomia enquanto objeto de arte −, com este trabalho de 1963 o ato passa a ser o elemento que faz a obra. Se não há a atuação, a performatividade 23 !

do outro nessa proposta, o trabalho não existe, não há experiência. Como afirma Suely Rolnik: Assim como havia migrado do plano ao relevo e, deste, ao espaço, a obra da artista agora se voltará para o espectador, migrando do ato ao corpo e, deste, à relação entre os corpos, para no final, dirigir-se à subjetividade, desenhando uma trajetória inteiramente original em relação às propostas da arte não só na época, mas igualmente em nossa atualidade. (ROLNIK, 1999, s/p)

Se considerarmos o percurso poético de Clark em dois momentos, um do início, em 1947, até a ruptura com o movimento neoconcreto em 1961, e outro a partir de Bichos e Caminhando, podemos notar que, neste segundo momento, seus trabalhos investiram ainda mais na renúncia ao suporte tradicional da arte e na ativação da presença performativa do outro, explorando, ou convocando, os aspectos que demandam seu envolvimento e a experiência sensório-corporal com as obras. Neste segundo momento de seu processo de criação, estão compreendidas, além de Bichos (1960 – 1963) e Caminhando (1963), obras como O Dentro é o Fora (1963); O Antes é o Depois (1963); Abrigo Poético (1964); Trepante (1965); Estruturas de Caixas de Fósforos (1964); Respire Comigo (1966); Diálogos de Mãos (1966); Pedra e Ar (1966); Máscaras Sensoriais (1967); O Eu e o Tu (1967); A Casa é o Corpo (1968); Óculos (1968); Luvas Sensoriais (1968); Arquiteturas Biológicas (1969); Túnel (1973); Canibalismo (9173); Rede de Elásticos (1974), Relaxação (1975) e as sessões de Estruturação do Self (1976 – 1988). Entre os anos de 1968 e 1976, Clark voltou a viver em Paris e muitos desses trabalhos, ou propostas, foram criados e experienciados durante o curso sobre comunicação gestual que ela ofereceu na Sorbonne, num contexto de coletividade, mas que nunca deixou de convocar a presença singular de cada experimentador de suas proposições. De volta ao Brasil, até a sua morte, em 1988, ela concentrou-se nas elaborações de sua criação mais polêmica e desafiadora, Estruturação do Self, que, de maneira intensiva, envolvia o outro, que ela passou a nomear de cliente e não mais de espectador, em uma espécie de sessão terapêutica promovida com o uso dos Objetos Relacionais. Abria-se, a partir dessa experiência de relação intensiva com os objetos mais banais do cotidiano, o arquivo das memórias desses clientes, fazendo reverberar em suas subjetividades as fantasmáticas das !

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experiências carregadas, vividas e marcadas em seus corpos ao longo de seus processos vitais. É certo que a originalidade das obras e propostas de Clark, sobretudo aquelas que desestabilizam qualquer cartografia pré-concebida pela arte tradicional, colocam-na em um lugar ímpar dentro da história da arte. Como catalogar, encaixar ou classificar trabalhos tão potentes, tão viscerais? Os resultados das trocas com as propostas desta artista eram tão perturbadores − no sentido de romper com conceitos fechados da representação no mundo da arte −, que até mesmo ela chegou a dizer, em algum momento de seu processo de criação, ter abandonado a arte e agregado uma vocação assumidamente terapêutica em suas criações. Porém, o que nos interessa aqui não é desenvolver essa discussão classificatória sobre este trabalho, mas sim pensar como essa força e potencialidade de suas propostas relacionais, individuais e/ou coletivas, mexiam com a subjetividade desse outro que se aventurava, performatizava e experienciava sua existência a partir de uma poética imbuída de um nível tão intenso de abertura à sua presença. A passagem para a arte contemporânea e as práticas que envolvem o outro O percurso poético de Lygia Clark dentro da história da arte tem papel de grande relevância para compreendermos a transição em direção às poéticas contemporâneas. Seu engajamento em conectar arte e vida, no contexto de sua criação, deixa um legado importantíssimo às manifestações artísticas atuais, sobretudo àquelas que propiciam a relação entre o público, o receptor e a obra. Suas propostas artísticas abertas à presença performativa, expressiva e criativa do outro, colocam-na como uma das pioneiras da arte que requer envolvimento para seu acontecimento. (...) a vida é sempre para mim o fenômeno mais importante e esse processo quando se faz e aparece é que justifica qualquer ato de criar, pois há muito a obra para mim cada vez é menos importante e o recriar-se através dela é que é o essencial. (CLARK apud FIGUEIREDO, 1998, p. 56)

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Carta a HéliCaetaGério. 25

É possível notar que, no processo criativo de Clark, suas propostas que demandavam o envolvimento e vivência do outro procuravam expandir, para além de seus limites e significados, o objeto por ela utilizado em suas obras. Para mim o objeto, desde Caminhando, perdeu seu significado, e se ainda o utilizo é para que ele seja o mediador para a participação (...). Em tudo que faço há realmente necessidade do corpo humano que se expressa, ou para revelá-lo como se fosse uma experiência primeira. (CLARK apud FIGUEIREDO, 1998, p. 56)

Com isso, Clark nos traz também um novo pensamento sobre a inserção do corpo no âmbito da criatividade artística e sobre a formação da subjetividade daqueles que vivem suas propostas relacionais. O espectador, o outro, o experimentador, ao entrar em contato direto com seus objetos e propostas relacionais, podia reviver sensações e afecções, fantasmáticas e saberes de seu corpo acumulados ao longo de um processo vital, mesclando arte e vida. “A expressão corporal tem aqui importância essencial, pois é através dela que as células são construídas” (CLARK, 1980, p. 36). Os trabalhos da artista, principalmente os elaborados entre os anos 1960 e 80, colocam o público neste lugar de elaboração constante e em contato com toda a carga de suas próprias vivências, trazidas à tona através das experiências promovidas pela relação com as propostas criadas por ela. Recorremos aqui a algumas de suas obras onde se evidencia essa qualidade, em especial os Bichos (1960 - 1966), Caminhando (1963) e as sessões de Estruturação do Self (1976 – 1988), com seus Objetos Relacionais. Mesmo que inicialmente identificada com a tendência da produção artística moderna, que visava romper com a tradição e religar arte e vida, Clark foi além, dando ênfase às transformações que a arte pode engendrar em seu entorno por meio de obras processuais, cuja realização depende da experiência que as mesmas convocam em seu público. Nesse sentido, sua poética é um gesto emblemático da transição entre o moderno e o contemporâneo na história da arte. No desenrolar de sua trajetória, Clark procurou deslocar o estatuto do objeto na obra de arte: ele deixa de ocupar um lugar de soberania, para tornar-se meio !

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para a experiência do público, e é com este fim que é criado. Sua obra era fruída na imanência do processo de criação; mais do que isso, ela passava a ser o acontecimento resultante deste processo. A arte, pensada a partir dessa compreensão, parecia cair do pedestal onde fora colocada pela tradição, chegando cada vez mais perto das questões que se colocam acerca da existência cotidiana. Na transição da arte moderna para a contemporânea, é possível observar muitos fenômenos que envolvem trabalhos que passam a exigir a atuação do público ao invés da mera contemplação. Segundo o artista, curador e pesquisador Julio Plaza (2003), propostas de interatividade do espectador passam a ser procedimentos comuns em parte considerável da produção artística a partir dos anos 1950. Podemos notar que procedimentos com esta característica são bastante recorrentes nas manifestações artísticas atuais, sobretudo naquelas que utilizam dispositivos tecnológicos. É a partir dos anos cinquenta que se constituem, no campo da arte, tendências que traduzem e antecipam as mudanças produzidas pelas tecnologias. De uma parte, o artista se interessa por uma nova forma de comunicação em ruptura com o contexto unidirecional dos meios de massa, uma tendência que procura a participação do espectador para a elaboração da obra de arte, modificando, assim, o estatuto desta e do autor. (PLAZA, 2003, p. 10-11)

É comum, contudo, encontrar leituras que colocam as propostas de Clark, sobretudo a partir dos Bichos, neste âmbito da arte interativa. Porém, classificar como interativas as produções desta artista que foram desenvolvidas a partir dos anos 1960 parece o resultado de uma leitura apressada e simplificadora. Até mesmo Plaza (2003), em sua observação bastante acurada que faz sobre o tema da interatividade na arte, considera que este tipo de leitura é inadequado. A própria Lygia Clark e seu amigo Hélio Oiticica8, inclusive, assinalaram inúmeras vezes em trocas de correspondências que suas propostas nada tinham a ver com procedimentos interativos. Em suas obras, a presença do espectador ganha um !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8

Hélio Oiticica (1937 – 1980) foi um importante artista brasileiro que, com Lygia Clark, entre os anos 1960 e 80, procurou superar a noção de objeto de arte, produzindo trabalhos que envolviam a participação do espectador. Existem muitas publicações que se dedicam à vida e obra deste artista. Recomendamos a leitura de Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica, organizado por Paula Braga e publicado pela editora Perspectiva, São Paulo, 2008.

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estatuto mais complexo e mais amplo, envolvendo aspectos e rememorações de suas vivências subjetivas, que nos oferece elementos para pensarmos sobre a noção de recepção performativa no âmbito da arte. (...) para mostrar a grande diferença entre as nossas posições, você de um modo e eu de outro, e as dos artistas que lidam com problemas de participação sensorial em geral; digo algo importantíssimo sobre o seu problema da Nostalgia do corpo, numa passagem, e sei que você vai adorar pois está bem formuladíssimo, relacionado com a descoberta do corpo, mostrando que para você o importante é essa descoberta, ali, e não a “participação num objeto dado”, pois esta relação objetal (sujeito – objeto) já está superada lá, ao passo que em geral o problema da participação mantém

essa

relação

objetal,

e

os

contrários.

(OITICICA

apud

FIGUEIREDO, 1998, p. 115)

A presença performativa do outro que Clark e Oiticica estavam procurando convocar com suas obras ia muito além da mera troca ou manipulação dos objetos criados por eles. Como dito por Suely Rolnik (2005, p. 9), eles convidavam “à mobilização daquilo que se move por trás da coisa corporal como elemento decisivo da obra”. O legado que estes artistas deixam para poéticas que solicitam a relação entre artista – obra – recepção é importante, pois eleva a presença do experimentador a um estado de elaboração mais intensivo, exigindo que a experiência com trabalhos com esse tipo de solicitação seja algo realmente transformador, na medida em que sua atuação e performatividade reconfigure e ressignifique, ainda que seja apenas para si, em seu processo de singularização, as propostas com as quais se relaciona. Julio Plaza (2003), em Arte e interatividade: autor – obra – recepção, apresenta também um panorama interessante para tratar das práticas artísticas que envolvem o outro, a recepção, no contexto contemporâneo. Neste texto, o autor busca analisar e discorrer sobre três elementos (autor – obra - recepção) que compõem o “jogo” artístico-estético da chamada arte interativa, dando maior ênfase exatamente à receptividade das obras. Plaza faz uma distinção dos tipos de abertura que a arte cria para, justamente, tratar de forma pontual o que de fato podemos compreender como interatividade nesse contexto, permitindo que concordemos ainda mais com a afirmação de que resulta inadequado classificar as propostas de !

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Clark no âmbito da arte interativa. Ele nos diz que, havendo três momentos produtivos da obra de arte - obra artesanal, obra industrial e obra eletro-eletrônica −, serão gerados três tipos de imagens: a de primeiro grau, a de segundo grau e a de terceiro grau. Cada uma dessas imagens, por sua vez, gera também três diferentes níveis de abertura, que traz a importância da presença da recepção no processo de elaboração das obras. Assim, temos a abertura de primeiro grau, a de segundo grau e a de terceiro grau. Na abertura de primeiro grau, a recepção está envolvida com a polissemia e ambiguidade de sentido propiciados pelos diferentes movimentos de interpretação que ela exerce sobre a obra. Já na abertura de segundo grau, estão envolvidas alterações estruturais e temáticas a partir da presença e opção do espectador em contato direto com as obras, por meio dos diferentes níveis de participação que exerce. A de terceiro grau se dá através da mediação por interfaces técnicas e pela intervenção da máquina na obra, e, segundo Plaza, é neste nível que se dá ou acontece a interatividade propriamente dita. Diante dessa consideração, Plaza relaciona a produção de Clark, sobretudo a dos anos 1960, como obras que oferecem abertura de segundo grau, e, portanto, como vimos, não como obras interativas. Já alguns neoconcretos se identificaram mais com a abertura de segundo grau, ou seja, a chamada arte de participação. A abertura de segundo grau não

se

identifica,

pois,

com

o

caráter

ambíguo

da

inovação

[tecnologia/interatividade], senão com as alterações estruturais e a variedade temática (social, orgânica, psicológica) para promover atos de liberdade dos espectadores sobre a obra que chama à participação. Posto isto, resulta inadequado chamar as obras de Hélio Oiticica (ambientes penetráveis) ou mesmo de Lygia Clark (trepantes e bichos) de arte interativa. (PLAZA, 2003, p.15-16, grifo nosso)

Como aponta Plaza, obras de arte que no seu processo de criação apresentam ou elaboram a abertura de segundo grau, que, a partir da participação ou presença performativa do espectador envolve suas alterações temáticas e estruturais, promovem atos de liberdade à recepção.

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Portanto, podemos considerar que, no contexto da arte contemporânea, que apresenta uma grande variedade de linguagens, temas e modos de atuação, existem muitas práticas que adotam dispositivos tecnológicos para provocar a interatividade, propiciando, com isso, a abertura de terceiro grau. Acreditamos que trabalhos como os propostos por Clark entre os anos 1960 e 80 podem também legar a estas práticas um aspecto importante, que consiste exatamente em convocar a presença do outro, de modo que a interatividade possa indicar algo a mais do que apenas uma troca superficial, objetiva, com os dispositivos, trazendo para estas práticas a possibilidade de atuar inclusive sobre a constituição da subjetividade dos envolvidos neste jogo. Veremos, nos demais capítulos, como estas propostas de Clark reverberam nos processos criativos dos artistas contemporâneos Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno. Muitos dos trabalhos destes artistas envolvem o uso de equipamentos tecnológicos, mas não perdem de vista a promoção da performatividade do outro em suas poéticas. O outro nas propostas de Caminhando e Estruturação do Self com os Objetos Relacionais Caminhando Caminhando (1963), segundo Rolnik (2005), é a proposta de Clark que extrapolou as fronteiras que delimitavam, naquele período, o campo da arte, fazendo com que a artista conseguisse desvelar algo que já estava latente no plano relacional, e que passaria sua vida tentando convocar através de suas propostas artísticas, criando um território inédito, porém virtualmente presente nos corpos da época. Assim, esta proposta pode ser considerada a mais impactante e decisiva, na medida em que marcou sua transição para proposições artísticas que independem de uma existência objetiva e demandam a experiência, a intervenção e a performatividade do espectador, convocando as fantasmáticas e sensações de seu corpo para realizar-se. Clark (1980) assim nos descreve a proposta: “Caminhando” é o nome que dei a minha última proposição. Daqui em diante atribuo uma importância absoluta ao ato imanente realizado pelo participante. O “Caminhando” leva todas as possibilidades que se ligam à

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ação em si mesma: ele permite a escolha, o imprevisível, a transformação de uma virtualidade em um empreendimento concreto. (CLARK, 1980, p. 25)

A descrição sobre o que consiste ou de como se configura objetivamente o Caminhando é até bastante simples, porém o que ele promove, no contexto da artevida, não é assim tão singelo. Descrevê-la em termos objetivos consiste unicamente em pegar uma tira de papel e unir suas duas pontas, fazendo, antes, uma pequena torção, de forma que o avesso de uma das pontas seja unido ao direito da outra. Com isso, forma-se uma fita de moebius. Feita a fita, com uma tesoura, o receptor/ator de Caminhando deve recortar sua superfície, evitando não só o ponto inicial do corte a cada volta, mas também qualquer outro ponto anteriormente escolhido. Abre-se assim uma outra experiência do espaço e do tempo, já que se trata de uma superfície sem antes e depois, em cima e embaixo, avesso e direito etc. O espaço surge do corte, ou seja, do tempo da ação, da performatividade, do outro. A obra se dá no processo mesmo em que esta ação/experiência acontece: no ato. Ela é esse processo de fazer-se. Pela primeira vez descobri uma realidade não em mim, mas no mundo. Reencontrei um Caminhando um itinerário interior fora de mim. Antes, o Bicho emergia em mim, jorrava em uma explosão obsessiva – por todos os meus sentidos. Agora, pela primeira vez, com “Caminhando” – dá-se o contrário. Eu percebo a totalidade do mundo como um ritmo único, global, que se estende de Mozart até os gestos de futebol na praia. (...) Agora, não sou mais só. Sou aspirada pelos outros. (CLARK, 1980, p. 23)

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Figura 1: Caminhando (1963). Fonte: http://isabellofgren.wordpress.com/2010/05/07/lygia-clark-full-emptiness/. Acesso em 18 mai. 2014.

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Evidencia-se aí que a relação proposta entre o trabalho e seu experimentador vai muito além de uma troca superficial com o objeto que lhe é oferecido. A experiência vivenciada pelo outro diante de Caminhando e de demais trabalhos de Clark que foram criados até a Estruturação do Self potencializa-se a partir de trocas estabelecidas com os objetos mais comuns do cotidiano, oferecendo a simultaneidade de sua ação com o acontecimento da obra e da criação. Esse processo retira o público, a recepção, o experimentador de um trabalho artístico, de uma zona de conforto e o transporta para uma zona de desconforto, agitada, onde tudo flui, transforma-se e vibra incessantemente. A proposta de Lygia Clark ganha corpo no ato, e forma no corpo. Existe no momento em que você a faz, ou vive, e nada permanece depois. E mesmo sua extrema simplicidade, sensualidade e fugacidade, é também coisa mental. O aspecto alegre e divertido (...) é seguido pela reflexão e pela consciência de que Lygia Clark propõe uma mudança profunda, um salto conceitual de longo alcance para a arte, a filosofia e a ciência – para a cultura e a vida de modo geral. (BRETT, 2001, p. 31)

A partir de uma relação dessa natureza, concretizada no ato, quebra-se o estatuto de uma obra distanciada e que tem sua criação centrada unicamente nas mãos do artista. A experiência oriunda dessa proposta de Clark retoma a necessidade de uma constante mudança no contexto e no entorno do público e do artista, fazendo com que não haja apriorismo para o acontecimento da obra/do trabalho; mas que se evidencie um pano de fundo em constante movimentação e devir, onde a ação, a performatividade, de todos os envolvidos na obraacontecimento transmuta-se, reconfigura-se. Talvez, aqui, haja a demarcação mais forte do elo entre arte e vida e da potencialização da relação oferecida por suas propostas relacionais. Ligar a arte à vida para Lygia, nesse contexto, parece abandonar a concepção de uma vida orgânica, no sentido de que esta estaria relacionada a um processo de mímese de formas previamente constituídas, e passa a buscar uma expressividade mais vital, que se entende e se estende no ato impulsionador, no ato criador, da obra. Celso Favaretto (2010), retomando a obra de Hélio Oiticica e o entendimento do conceito de ato criador desenvolvido por Marcel Duchamp, apresenta-nos algo relevante a este respeito: !

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O ato criador (...) implica o espectador na implementação ou na ativação das proposições, nas quais ele “experimenta o fenômeno da transmutação”: o papel do público é o de “determinar o peso da obra de arte na balança estética. (...) o ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador”. (FAVARETTO, 2010, p. 28)

Nesse sentido, podemos compreender que o ato que cria Caminhando decorre ou é gerado pelo encontro com o outro, com o experimentador. Como nos coloca Claudio Castro Filho: A arte dá-se, portanto, no encontro. No instante exato em que a atividade criadora se instaura e que permite, assim, o encontro denso, pensante, apaixonado, entre o eu e o outro. O outro é o mundo, mas o mundo, vasto mundo, é tão vasto lá fora quanto o é cá dentro. No instante criador, quando o impulso poético já não deixa margem a vacilações, o artista apropria-se de uma matéria-prima (...) tanto quanto sua matéria-prima se apropria de si. O ato criador (...) é extremamente governado por uma liberdade ambígua. (CASTRO FILHO, 2011, p. 40)

Acentuada a crise da representação na arte, Clark, com suas propostas, passa a exigir cada vez mais vitalidade da fabulação desse encontro do outro com suas obras. Ainda sobre o encontro promovido com Caminhando, ela diz: Você e ele formarão uma realidade única, total, existencial. Nenhuma separação entre sujeito-objeto. É um corpo-a-corpo, uma fusão. (...) um novo tipo de fusão (...) sendo o ato de fazer a obra, você e ela tornam-se totalmente indissociáveis. (CLARK, 1980, p. 26)

É desmistificando o objeto artístico, como ela faz sobretudo a partir desta proposta e, em seguida, usando os mais efêmeros e cotidianos materiais que nos cercam, que Clark consegue promover a intensificação da experiência de estar em contato e em relação com as vivências do outro que performatiza com suas propostas posteriores. Quando um artista transplanta um objeto da vida cotidiana (ready-made) ele pensa dar a este objeto um poder poético. Meu Caminhando é muito diferente. Nesse caso não há necessidade do objeto, é o ato que engendra a poesia. (...) Qual é, então, o papel do artista? Dar ao participante o objeto

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que em si mesmo não tem importância, e que só virá a ter na medida em que o participante agir. (CLARK, 1980, p. 27)

Essa obra, completamente suscetível à presença e ação do público, da recepção, do outro, além de se abrir para o acontecimento que vem a partir, e tão somente, do ato, permite também que se descortine uma espécie de subjetividade desse outro que, na medida em que atualiza a obra, transforma a si mesmo, descobrindo, na imanência de sua ação, seus processos de singularização, de individuação, que se atualizam em sua experiência através dos efeitos das forças convocadas a partir do campo relacional, e que o colocarão em conexão com a coletividade. Estruturação do Self e os Objetos Relacionais Como vimos através do breve histórico da trajetória de Lygia Clark que traçamos aqui, depois de Caminhando seu processo criativo seguiu investindo na convocação da presença do outro para o acontecimento de suas obras. Desmistificando os objetos, a fim de trazer à tona as experiências mais intensivas do corpo e na subjetividade das pessoas que se lançavam em suas propostas, Clark criou diversos trabalhos utilizando como recurso criativo os materiais mais banais e corriqueiros e, com eles, foi capaz de penetrar os recônditos da configuração do sujeito, tirando-o do âmbito da representação, da individualidade e do princípio de identidade, tão caros à definição de subjetividade moderna. Com isso, Clark fez da relação que se estabelecia entre seus objetos, o outro e seu entorno algo de uma precisão aguda e radical que caminhava em direção oposta à redução da experiência à representação, fato que levou sua obra a uma difícil classificação no âmbito das categorias tradicionais da história e da crítica de arte. Durante os últimos anos em que viveu e trabalhou em Paris, de 1968 até 1976, a artista criou diversas propostas utilizando materiais, como sacos plásticos, sacos de cebolas e/ou batatas, isopor, pedras, elásticos etc., para elaborar objetos que, completamente desmistificados, mais do que mediar, convocavam as experiências e rememorações dos envolvidos em seu projeto poético posterior a

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Caminhando. Muitas das experiências e criações com esses materiais se deram com seus alunos na Sorbonne. Aos poucos, da descoberta da realização da obra pelo ato do público, do outro, do experimentador, Clark vai promovendo ainda mais a performatividade e a elaboração da poética do outro a partir da abertura do intensivo na experiência com a obra e da mobilização dos afetos, sendo o corpo − receptáculo de todos os aspectos destes afetos tão variáveis − o ponto de contato com o outro. A constelação de tais afetos forma uma realidade (...) corpórea, que, embora invisível, não é menos real do que a realidade visível e seus mapas. É o mundo compondo-se e recompondo-se singularmente na subjetividade de cada um. Muda o mundo, muda a consistência sensível da subjetividade, indissociavelmente: entre o eu e o outro, desencadeiam-se devires não paralelos de cada um, num processo sem fim. (ROLNIK, 2000, p. 14)

Na medida em que os objetos de Clark promovem cada vez mais experiências e sensações através de vivências coletivas, vão se abrindo também verdadeiros baús de memórias corporais das pessoas envolvidas em suas propostas. Assim, eles foram batizados de Objetos Relacionais, pois possibilitavam que a obra migrasse do ato à sensação corpórea, o que será de fundamental importância para a última grande obra da artista: Estruturação do Self. Antes que passemos a compreender como se deu e o que provocou no outro as sessões de Estruturação do Self, não podemos deixar de destacar a definição dada por Clark dos Objetos Relacionais. Segundo a artista: O “Objeto relacional” não tem especificidade em si. Como o próprio nome indica é na relação estabelecida entre a fantasia do sujeito que ele se define. O mesmo objeto pode expressar significados diferentes para diferentes sujeitos ou para um mesmo sujeito em diferentes momentos. Ele é alvo de carga afetiva agressiva e passional do sujeito, na medida em que o sujeito lhe empresta significado, perdendo a condição de simples objeto para, impregnado, ser vivido como parte viva do sujeito. A sensação corpórea propiciada pelo objeto é o ponto de partida para a produção fantasmática. (...) Formalmente ele não tem analogia com o corpo (...), mas

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cria com ele relações através de textura, peso, tamanho, temperatura, 9

sonoridade e movimento (...). (CLARK, 1980, p. 49)

Os objetos criados com plásticos, tecidos, pedras, elásticos, borrachas etc., geralmente eram usados em sessões coletivas (figuras 2, 3 e 4). Na relação com os corpos das pessoas envolvidas, eles desconstruíam suas representações objetivas e subjetivas através das experiências que promoviam. Diante dessas experiências, fica claro que as obras de Clark liquidam com a figura passiva do espectador, legando para este a possibilidade de elaborar, simultaneamente à criação, as poéticas dos trabalhos que demandam sua performatividade.

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Texto escrito com a colaboração de Suely Rolnik. 37

Figura 2: Mascaras Sensoriais (1967). Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/images/1652_tropicalia/3161635_mascaras9.jpg. Acesso em 18 mai. 2014.

Figura 3: Rede de Elásticos (1973). Fonte: FUNDACIÓN ANTONI TÀPIES (Barcelona – ESP). Lygia Clark: catálogo [Barcelona]: FUNDACIÓN ANTONI TÀPIES. [1997]. 362p. Catálogo da exposição.

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Figura 4: A Casa é o Corpo: Labirinto (1968). Fonte: http://sibila.com.br/novos-e-criticos/aprojecao-do-corpo/2269. Acesso em 18 mai. 2014.

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39

Ainda no campo de convocação do outro para o acontecimento da obra, a artista passa do ato às experiências corporais através da confecção de roupas (figura 5) que desmistificam, ou destituem, qualquer identidade de gênero de quem as veste. É possível notar que, da passagem dos objetos às roupas, ela explora ainda mais as potencialidades e as fantasmáticas dos corpos dos participantes de suas propostas. O objeto perde agora totalmente sua visibilidade, ele passa a “vestir” o corpo e a ele irá se integrar. Com os olhos vendados, e recobertos por aquelas estranhas texturas, torna-se impossível para o espectador situar-se a partir de uma imagem tanto do objeto quanto de seu próprio corpo, independente das sensações que seus gestos exploratórios mobilizam. (...) Aqui, é o corpo (...) que redevém poético. (ROLNIK, 2000, p. 15)

Aberto, em seu processo de criação, esse grande campo para a presença, descoberta e performatividade do outro, Clark passa a explorar, e não mais apenas a convocar, a fantasmática do corpo daquele que vivencia suas propostas. Trazendo consigo muitos referenciais da psicanálise quando retornou definitivamente para o Brasil em 1976, elabora então as sessões Estruturação do Self, na qual, fazendo uso de seus objetos, passa a denominar o outro de cliente e procura envolvê-lo em um processo de cura. Assim, nessa última grande obra, ocorreu, segundo a artista, sua primeira “sistematização de método terapêutico com os Objetos Relacionais” (CLARK, 1980, p. 51). A proposta, que Lygia Clark cria em 1976 ao voltar definitivamente para o Brasil, é o desdobramento lógico do que lhe mostraram suas investigações no trabalho com seus alunos na Sorbonne. As condições deste trabalho lhe permitem constatar que a experiência que suas propostas supõem e mobilizam encontra barreiras erguidas na subjetividade do receptor por sua impossibilidade de viver os efeitos do mundo em sua sensibilidade. Impõese para a artista a invenção de uma proposta que favoreça a travessia desta barreira, o que implica que possam ser explorados não só em sua capacidade de mobilizar a experiência do receptor, como já era o caso de suas propostas até então, mas também de trazer à tona suas impossibilidades – aqui, não mais como um efeito colateral do trabalho, mas como seu elemento essencial. Tratar estas impossibilidades torna-se o

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objetivo da nova proposta que agrega assim uma vocação assumidamente 10

terapêutica. (ROLNIK, informação pessoal)

Figura 5: O eu e o tu: série roupa-corpo-roupa (1967). Fonte: http://universesin-universe.de/doc/clark/e_clark2.htm. Acesso em 18 mai. 2014.

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Citação extraída de um arquivo pessoal de Suely Rolnik, gentilmente cedido para a elaboração desta pesquisa.

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Estruturação do Self é de uma densidade e de uma complexidade tão profundas que levou Clark a dizer, em determinado momento de seu processo de criação, que estava abandonando a arte devido à experiência potente que a proposta provocava em seus clientes. Porém, não buscamos aqui discutir se houve ou não um direcionamento de suas propostas para o campo das psicoterapias. Optamos por entender que suas obras atuam no campo da arte e interessa-nos, portanto, encontrar o sujeito e a subjetividade do outro que ela convoca em seus trabalhos nesse campo. Se até 1976 seus objetos eram vivenciados na coletividade, em Estruturação do Self eles passaram a ser utilizados pela artista em sessões individuais, trazendo os traumas e fantasias do cliente, do outro, a partir do que em seu corpo foi convocado. As sessões aconteciam em seu apartamento. A pessoa, ou o cliente, como ela se referia àquele que vivenciava esta proposta, deitava-se sumariamente vestida sobre o grande colchão − que ela criou ao encher um grande plástico com bolinhas de isopor − coberto com um lençol solto (figura 6). Com o peso que o corpo imprimia no colchão, seus contornos ficavam marcados e a pessoa se acomodava confortavelmente sobre ele. Ao notar que o outro, o cliente, estava relaxado, Clark massageava longamente sua cabeça e a comprimia com suas mãos. Pegava em todo seu corpo e, assim, ia juntando todas suas articulações, o que conferia uma sensação de estar com todos seus pedaços reunidos. Além dos toques da artista, o corpo todo era trabalhado com os Objetos Relacionais, o que produzia uma sensação intensa de imersão na experiência. A fim de garantir o caminho de volta à pessoa que passava pela experiência das sessões de Estruturação do Self, ela mantinha, nas mãos dessa pessoa, o objeto relacional Prova de Realidade.

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Figura 6: Experiência com os Objetos Relacionais numa sessão de Estruturação do Self (1976 – 1988). Fonte: Círculo Brasileiro de Psicanálise

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Durante as sessões deste trabalho, Clark fazia anotações dos relatos daqueles que experienciavam a obra. Entre os registros dos processos das vivências, podemos encontrar elaborações de subjetividades que se dão justamente porque se considera que o corpo, como um campo de forças, é atravessado pelas intensidades do mundo e das trocas que estabelece. Nesse sentido, os trabalhos da artista que elencamos aqui nos mostram um sujeito e uma subjetividade que se constituem a partir do ato, da troca, da participação e da ativação corporal com o processo de criação, que o convoca desde experiências coletivas até o encontro com seus processos de singularização. O outro em seu aspecto singular: como tornar-se o que se é? Desde o século V a.C., a sentença do poeta grego Píndaro “como tornar-se o que se é?” (HARA, 2012, p. 16) oferece elementos para pensarmos sobre nossas singularidades. Até hoje, passado tanto tempo desde a elaboração do poeta, essa frase ainda nos angustia e nos faz tentar compreender o que nos torna aquilo que somos, o que constitui nosso processo de subjetivação. Podemos considerar que as práticas artísticas, principalmente aquelas voltadas para a performatividade do outro, também nos oferecem meios para a compreensão daquilo que forma nossa subjetividade. É por isso que buscamos aqui pensar sobre a questão “como tornarse o que se é?”, posta por Píndaro, abordando as propostas de Clark, que, principalmente a partir dos anos 1960, romperam com o estatuto da representação da subjetividade moderna. Notamos que, em seu processo de criação, a artista oferece modos intensos de subjetivação, considerando o outro − que participa, que atua, que performatiza e que se expressa através de uma experiência poética libertadora − como um modo de existência concreto. Isso nos permite ver esse outro e seu processo de subjetivação sem apriorismos, surgindo em imanência à fabulação de sua ação criadora, rompendo, assim, com os padrões de uma subjetividade racionalizada, como a formatada segundo o molde cartesiano. Depois de tomar contato com as experiências promovidas pela artista, é preciso pensar, ou considerar, que existe uma necessidade de inversão no idealismo subjetivo cartesiano, que povoou, e

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ainda povoa, boa parte da nossa compreensão de subjetividade, pois a reduz à ideia de pessoa, de indivíduo. No século XIX, o filósofo alemão Nietzsche já apontava em direção a essa necessidade de se pensar mais a fundo sobre o que de fato constitui aquilo que somos (HARA, 2012, p. 16). Nesse sentido, não seria apenas uma subjetividade idealizada, que rejeita a existência do corpo, que nos permite falar de uma ontologia do sujeito. É preciso ativarmos nossa capacidade de afirmar/compreender aquilo que somos também a partir e através de nossos desejos e das sensações que resultam daquilo que nos afeta num plano de imanência. Tony Hara, em seu livro Ensaio sobre a singularidade (2012), ao retomar o filósofo alemão sobre essa questão, afirma que é preciso querer: inverter o idealismo, convalescer dessa doença que (...) impede de prestar atenção nas coisas pequenas e próximas de existir com carne, osso e desejo (...) coisas pequenas e próximas, fundamentais para uma existência que não se conforma em pertencer à massa (...). A vida como experimento daquele que se aventura em conhecer (...). (HARA, 2012, p. 21-22).

Muitos artistas, em busca daquilo que nos lança em nossos processos de subjetivação, permitem-se viver a experiência proporcionada por essa inversão de uma ontologia idealizada da subjetividade, elaborando maneiras mais potentes e criativas para trazer essa compreensão para o contexto da vida cotidiana. Contudo, mesmo diante de práticas artísticas libertadoras, como são as de Clark, há também posturas mais conservadoras e conformistas que ironizam e desacreditam esta busca. Como aponta Hara a esse respeito: podemos rir e ironizar o tipo de herói que procura uma maneira singular de viver, fora dos padrões, normas e regras estabelecidas. Alheio à gritaria do mercado e indiferente aos encantos do entretenimento. Podemos rir daquele que procura incomodar a estupidez humana e viver uma vida reta. Rindo ou se vingando, o certo é que sem a presença desse tipo de heroísmo o nosso mundo se apequena. Torna-se cada vez mais difícil aprender algo sobre o que nós próprios não somos e não sabemos: criadores livres e criaturas capazes de praticar a ética como um exercício de liberdade. (HARA, 2012, p. 31)

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O artista que abre seu processo criativo para uma recepção performativa, que busca estabelecer relação com o outro, que quebra em sua obra o estatuto privilegiado da representação e que não concebe sua produção em isolamento, tampouco se interessa por entregar um objeto acabado para a fruição; ele rompe com a concepção de uma subjetividade somente identificada à racionalidade. Se retomamos o conceito de subjetividade moderna elaborado por Descartes, notamos que “a razão pertenceu por muito tempo à terra firme. Ilha ou continente, ela repele a água com uma obstinação maciça: ela só lhe concede sua areia” (FOUCAULT apud HARA, 2012, p. 35). Porém, ao nos deparamos com poéticas que buscam modos de subjetivação intensivos, que permitem, com isso, um entrelaçamento mais forte com o corpo e com a vida − como são os trabalhos de Clark que solicitam do público este registro da experiência −, vemos ser ampliado o espaço para o encontro com o outro e com a subjetividade que o constitui. Projetos poéticos com esse tipo de abertura nos trazem a figura de um sujeito atravessado por muitas intensidades e singularidades. É um verdadeiro exercício de liberdade, tanto para a criação quanto para a recepção a possibilidade de enredar-se nessa rede tecida pelas vivências proporcionadas pelas obras de Clark. Nos trabalhos que abordamos podemos perceber como esta artista dedicou-se a essa busca, como ela procurou, de forma ímpar, abrir esse caminho para a experiência libertadora do corpo, fazendo emergir tudo o que ele carrega, deseja e sabe. Com seus recursos criativos, a artista nos permitiu ver a constituição de uma subjetividade mais convulsionada, agitada por forças de toda ordem, e afetada pelo outro e pelo mundo. Podemos ler um pouco sobre isso no texto que ela escreve sob o título Pensamento mudo: (...) Me sinto sem categorias, onde meu lugar no mundo? Tomo horror a ser catalizadora de minhas proposições. Quero que as pessoas as vivam e as introjetem o seu próprio mito independente de mim (...) Perco o sentido do tempo e percebo a Terra que continua o mesmo processo, se fazendo e se desfazendo continuamente. Passam-se horas, que na realidade são segundos. (...) Os sons me penetram de maneira aguda, passam pelos meus nervos invadindo todo o meu corpo. (...) Pensamento mudo, o se calar, a consciência de outras realidades, do meu egocentrismo que de tão grande me faz dar tudo ao outro, até a autoria da obra. O silêncio, a

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interação no coletivo, a recomposição do meu eu, a procura de um profundo sentido de vida no grande sentido social, o meu lugar no mundo. (...) O outro passa a ser eu, o inverso do conceito expresso e vivido por tanto tempo como eu sendo o outro (...). (CLARK, 1980, p. 2)

Ao nos propor a quebra de categorias e, entre outras coisas, a vivência de nossos próprios mitos pessoais, independente de sua presença, Clark lança sua obra ao acontecimento, resultado do contato com o outro e de sua vivência no coletivo. O papel fundamental do ato, descoberto com Caminhando (1963), viabilizou que o outro, a recepção, que participou de seu processo criativo, vivesse e agisse de maneira imanente às suas propostas e, com isso, emergissem experiências e sensações que estavam marcadas no seu corpo. Dessa forma, no percurso criativo da artista, e também no contexto das práticas artísticas contemporâneas, o corpo assume grande importância nos processos subjetivos desencadeados pelas obras. Nesse sentido, é pertinente observar: (...) o corpo como um lugar de construção de sentido, espaço de investigação e criação de novas realidades, em conexão com diferentes meios e que se apresenta como aparelho produtor de linguagem. Pensar nesse corpo que emerge na contemporaneidade diz respeito também a inseri-lo no contexto das formas artísticas e a conhecer os diversos perfis que compõem sua identidade. (MELLO, 2008, p.141)

Diante das propostas elaboradas por Clark, notamos o surgimento de uma subjetividade imanente aos desejos do corpo e no entrecruzamento com o outro, o que escapa da concepção idealizada em termos racionais cartesianos. Portanto, para compreender aquilo que nos constitui em nossos modos de existência, pensando a partir das experiências artístico-relacionais de Clark, talvez tenhamos que nos afastar da sistematização da subjetividade moderna e nos aproximarmos mais das nuances de uma subjetividade antropofágica, como elaborou Suely Rolnik: (...) a ausência de identificação absoluta e estável com qualquer repertório e inexistência de obediência cega a qualquer regra estabelecida, gerando uma plasticidade de contornos da subjetividade (no lugar de identidade); uma fluidez na incorporação de novos universos, acompanhada de uma liberdade de hibridização (no lugar de atribuir valor de verdade a algum em particular);

uma

coragem

de

experimentação

levada

ao

limite,

acompanhada de uma agilidade de improvisação para criar territórios e suas

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47

respectivas

cartografias

(no

lugar

de

territórios

fixos

com

suas

representações predeterminadas, supostamente estável). (ROLNIK, 2013, p. 94)

Abrindo seu processo criativo para a ação, desmistificando o objeto de arte através do ato que faz da obra acontecimento; ativando, com estes mesmos objetos desmistificados e com roupas especialmente confeccionadas, as mais diversas afecções e sensações corpóreas, promovendo modos de subjetivação através de vivências coletivas, até convocar experiências individuais com seus clientes nas sessões de Estruturação do Self, os trabalhos de Lygia nos concedem um novo panorama no campo da arte, que permite ver o outro tornando-se o que se é sob o aspecto de sua singularidade. O homem moderno deve descartar-se deste excesso de racionalismo que está no coração do nosso pensamento. (...) É preciso achar o novo sentido que devolverá ao homem sua integridade. Este sentido não pode ser constituído de valores míticos que lhe sejam exteriores. (...) o homem deve tomar posição em face dele mesmo, com toda independência que adquiriu em sua terrível solidão. (CLARK, 1980, p. 29)

Com as práticas de Clark, podemos ver uma nova configuração para o papel do artista, que é dar ao outro, ao experimentador de seu projeto poético, um objeto que em si mesmo não tem importância, e que só virá a ter na medida em que ele agir (CLARK, 1980, p. 27). Assim, levando a leitura de suas propostas ao diálogo com os processos de criação dos artistas Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno nos próximos capítulos, procuraremos ver o legado que ela deixou para práticas que cooperam para a liberdade do sujeito/receptor da obra. !

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Capítulo 2 O outro experimentador nas propostas de Ricardo Basbaum Acredito que a obra de arte tenha uma vocação "pública", no sentido de ser lançada diretamente e sem rodeios em direção à alteridade, em toda a sua potência – o espaço de fruição da obra é necessariamente coletivo e generoso, aberto aos encontros e desencontros próprios da vida e da existência. Ricardo Basbaum

A proposta artística atravessada pela multiplicidade Ao passarmos pelo estudo sobre os procedimentos criativos da artista Lygia Clark que demandam e/ou convocam a presença atuante do receptor através da experiência artístico-relacional para o acontecimento da obra, verificamos o quão transformadoras podem ser as poéticas que se abrem para esse encontro com o outro experimentador. Na esteira disso, ao analisarmos fragmentos do processo de criação de Ricardo Basbaum, veremos que suas propostas são também atravessadas pela multiplicidade que vem do outro. Os procedimentos criativos desse artista, sobretudo a partir do final dos anos 1980, solicitam a presença ativa e performativa do público para que, de fato, um contexto de experimentação artística e subjetiva seja tecido. Como vimos anteriormente, com Caminhando e Estruturação do Self, de Clark, nas poéticas contemporâneas é bastante comum nos depararmos com procedimentos artísticos que vão se afastando cada vez mais da necessidade de concretização de um objeto pronto para delimitar ou sacralizar a obra de arte. São procedimentos que vão abrindo a obra para seu aspecto processual e relacional, permitindo que o outro seja enredado em propostas de vivências poéticas compartilhadas na experiência de criação, tanto do artista quanto do público. O artista torna-se, assim, um criador-propositor, abrindo mão da posição de criador isolado. Em seus processos criativos, ele é atravessado pela multiplicidade que vem dos infinitos diálogos que são tecidos com o outro e com seu entorno. Esse artista faz com que a arte caia do pedestal e a coloca em contato com demandas da vida concreta, prática, social, subjetiva e cotidiana.

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Produzir arte hoje é operar com vetores de um campo ampliado. (...) A cultura como paisagem não natural, configura o território onde se move o artista: sua ação transforma-se numa intervenção precisa ao mobilizar instabilidades do campo cultural (...) por meio de uma inteligência plástica que torna visível uma rede de relação entre múltiplos pontos de oposições, onde o trabalho de arte é um dispositivo de processamento simultâneo e ininterrupto, e nunca uma representação, destas relações. (BASBAUM, 2013, p. 27)

Basbaum, assumidamente, traz como referência para seu processo criativo as propostas relacionais de Lygia Clark e Hélio Oiticica, pois, como estes artistas que entregaram a obra à elaboração do outro experimentador, ele também busca ativar a ação performativa e poética da recepção, colocando suas propostas no espaço coletivo e abrindo sua criação para a multiplicidade gerada por esse encontro com o outro. Segundo o pesquisador, crítico de arte e curador Agnaldo Farias1: Basbaum atualiza a lição de Lygia Clark e Hélio Oiticica, que entendiam o espectador como um ser ativo, no limite, um coautor, alguém capaz de colocar a obra em movimento. Sua diferença básica reside na ênfase que dá ao espectador como aquele que circula por entre as coisas, atirando-as na parede, detendo-se para ler textos nela afixados, curvando-se para esgueirar-se por entradas estreitas, deitando-se para simplesmente deixarem-se estar. (FARIAS, s/d)

Chama a atenção de Basbaum, sobretudo nos processos de criação de Clark e Oiticica, o aspecto de transformação que eles conseguiram incutir em suas propostas que envolviam o outro. Por isso, ele vai trazendo essa mesma noção para as propostas que cria, principalmente a partir de Novas Bases para a Personalidade (NBP). Sobre as circunstâncias que aproximam suas propostas aos trabalhos desses artistas, Basbaum diz que: a própria noção de "transformação", característica fundadora do projeto NBP, foi concretamente referenciada no trabalho de Clark e Oiticica (...).

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Em http://www.bienal.org.br/post.php?i=551. Acesso em 17 ago. 2014. 50

Interessam-me as noções de "linha orgânica", de Lygia Clark, (...), de "suprasensorial", de Hélio Oiticica (...). (BASBAUM, s/d)

2

No final dos anos 1980 e início dos anos 90, quando cria o NBP − seu projeto que considera definitivamente o outro como participante do processo de criação da obra −, Basbaum, como um criador-agenciador, coloca suas propostas como ações de ativações de experiências coletivas, desconfigurando ainda mais o papel de um artista isolado em seu processo criativo. Ele abre mão, em certo sentido, da autoria absoluta do trabalho e o lança em um processo de vivência crítica de pessoas que aceitam performatizar seu trabalho. As ações dos experimentadores de NBP decorrem de diferentes maneiras. O entrosamento entre a proposição artística e as pessoas parece nunca se dar de maneira uniformizada e neutra, assim como quando nos relacionamos com as propostas criadas por Clark entre os anos 1960 e 80. Quando

nos

colocamos

em

contato

com

os

resultados

dessas

experiências/vivências desenvolvidas por Basbaum e outros artistas que possibilitam relações entre o sujeito, a obra, o mundo e a vida, podemos notar que espaços e ações neutros deixam de existir. Lançar-se na experiência com os dispositivos criados por Basbaum, assim como os que foram criados por Oiticica e Clark, requer um posicionamento crítico daqueles que se permitem viver o projeto, promovendo, assim, a ampliação do diálogo que estabelecemos todos os dias com as coisas que perpassam nosso cotidiano, e que, portanto, exige que embates diretos sejam travados com a artificialização de nossas percepções. (...)

experienciar

esse

agenciamento

enquanto

um

processo

de

transformação, envolvendo o desejo como força produtiva, com a constituição de uma superfície de registro da intensidade da experiência; isto inclui a metamorfose em um novo sujeito como possível resultado desse processo. (BASBAUM, 2007, p. 75)

Tomando como base o contato com a poética de Basbaum, aqui buscaremos ver como o sujeito performatiza uma experiência artística no âmbito coletivo e tece sua subjetividade. Por isso, o recorte que faremos de seu processo de criação recai !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2

Trecho extraído da entrevista world.de/dw/article/0,,2465447,00.html.

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que

Ricardo

deu

ao

site

http://www.dw51

sobre sua proposta de jogos e exercícios com o Superpronome. Nesta proposta do artista, que somente acontece a partir da presença performativa do outro, do público, da recepção, podemos notar que há uma preocupação que sempre surge quando pensamos em ações efetivamente transformadoras no campo da arte que visam construir um debate para atualizações das potências da vida e de todas as forças que nela agem: forças políticas, artísticas, sociais, subjetivas, entre outras. Parecem bastante acertadas as palavras de Basbaum, em entrevista concedida por ocasião da 12ª Documenta de Kassel, em 2007, de que com seu projeto ele visa “produzir uma relação dialógica de questionamentos e provocações mútuas, com a finalidade de uma conversa infinita”. Diante dessa perspectiva, as propostas do artista aparecem atravessadas por uma multiplicidade, justamente por envolver o outro em seu processo de criação e elaborar vivências em espaços coletivos. A esse respeito, Basbaum3 nos diz que: (...) existe o interesse concreto por um "pensamento coletivo", na medida em que o espaço de funcionamento e reverberação da obra de arte é sempre resultado da mobilização de muitos (...) constituir um corpo coletivo de ação e pensamento, a partir das experiências realizadas pelos participantes (...) construção de um pensamento polifônico e conjunto, apontando para diversas direções. (BASBAUM, s/d)

Assim como os trabalhos de Clark estudados aqui, notamos que as propostas de Basbaum também expandem os espaços institucionalizados, sejam museus, galerias etc, e levam a obra ao encontro de espaços que possibilitem trocas coletivas e com a alteridade, promovendo, cada vez mais, ações públicas performativas e transformadoras. (...) uma perspectiva de “vivência” que já aponta outros modos de fruição possíveis, a partir de metamorfoses de seu significado inicial (...) a própria expressão, em seu sentido amplo de relação com o campo da vida e da existência, acentua o seu aspecto transformativo: viver, estar vivo, não é permanecer o mesmo, mas sim saber atualizar-se sempre numa relação direta com as coisas em torno (...) (BASBAUM, 2008, p. 29).

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Entrevista concedida por ocasião da Documenta 12 (2007). 52

Diante do processo criativo de Basbaum, pensar, criar e promover arte exige também a desconstrução de certos modelos dominantes e imutáveis de subjetividade, levando a um modelo de comunicação que nos coloque em relação com a vida, em todas as suas esferas; e que as ações decorrentes desse envolvimento ativem as potências performativas da experiência da recepção, do outro. Trocar, ou comunicar-se com o outro e com o mundo, exige bem mais do que acionar dispositivos; exige transformar-se constantemente ao estar em contato com os mecanismos poéticos, que são trazidos à baila por artistas como os que estamos estudando aqui. A força e potência da obra de arte atravessada pela multiplicidade parecem residir justamente em fazer reverberar as ações e práticas de um contexto vivo, onde as interconexões e afetações estão em fluxo, propiciando que a realidade seja descrita por um processo vivencial e fugindo da soberania linear de um discurso histórico que procura situá-la numa esfera afastada do cotidiano, da vida. Vivenciar vivências é (...) aprofundar caminho aberto pela sensação (...) há um reforço da dinâmica das relações dentro-fora; incremento da mobilidade da percepção em seu embate com o campo discursivo; reposicionamento do papel e da imagem do artista em função de uma consciência de linguagem

distendida

estrategicamente

para

muito

além

da

obra,

incorporando o campo de efeitos sobre o outro (...). Esta categoria de relação com a obra constrói um espaço de deslocamento de total adesão ao fazer, mas que não elimina as frestas por onde se escapa: este é um lugar de atração, que obriga o circuito a um desvio, uma inflexão, para poder passar através daquele ponto-sujeito. Os artistas, principalmente, seja através de sua produção plástico-discursiva ou das alianças que estabelecem com segmentos de outras disciplinas interessados nesse processo acelerativo, notabilizam-se por construir modelos através dos quais alguma forma de realidade pode ser concebida, sentida e pensada. (BASBAUM, 2008, p. 38)

Percurso criativo-poético de Ricardo Basbaum Ricardo Basbaum nasceu em São Paulo em 1961 e aos 16 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde formou-se em Ciências Biológicas (1979 – 1982). Logo !

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depois de completar sua formação universitária, lecionou Biologia no ensino fundamental. Nesse período, estava envolvido também com a criação artística, por isso solicitou à direção da escola onde trabalhava assumir as aulas de Artes e, por algum tempo, recebeu permissão, ainda que não possuísse o diploma específico para tanto. Basbaum chegou também a abrir um processo solicitando a troca definitiva para a área de Artes, porém não obteve êxito. Com isso, abandonou a atividade de docência por dois anos e, quando voltou à instituição onde lecionava, já no final dos anos 1980, somente pôde assumir as aulas de Biologia. Em 1985, já bastante envolvido com as práticas artísticas, ingressou no curso de História da Arte e Arquitetura do Brasil na Pós-graduação em Artes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Um ano antes, porém, já havia participado da exposição Como Vai Você, Geração 80?, uma grande mostra realizada na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Laje, no Rio de Janeiro, que reuniu parte da produção de arte que vinha sendo realizada nos anos 1980. A exposição contou com 123 artistas com idades e formações variadas. Além de Basbaum, fizeram parte desta mostra os artistas Mônica Nador, Luiz Zerbini, Daniel Senise, Beatriz Milhazes, entre outros. Esta exposição figura como uma importante referência para compreender algumas direções que os artistas visuais estavam tomando naquela década. Na mesma época, Basbaum escreveu um importante artigo sobre a pintura dos anos 19804, e é a partir deste momento que começa a surgir em seu processo criativo a ideia de artista etc (que se desdobraria também em crítico e curador etc), que ele usa até os dias atuais para ampliar tanto a compreensão do papel do artista quanto os papeis do curador e do crítico, e que é de grande relevância para as propostas que perfazem sua trajetória poética. quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escrevemos “artista-etc”. (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artistaquímico etc) (...) Vejo o “artista-etc.” como um desenvolvimento e extensão do “artista-multimídia” que emergiu em meados dos anos 1970, combinando o “artista-intermídia” fluxus com o “artista-conceitual” (...) “Artista” é um termo cujo sentido se sobre-compõe em múltiplas camadas (...) O “artista-

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Pintura dos anos 80: algumas observações críticas. Gávea, n.6, Rio de Janeiro, 1988. 54

etc.” traz ainda para o primeiro plano conexões entre arte&vida (...) e arte&comunidades, abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferenças culturais e sociais, e o pensamento. (BASBAUM, 2013, p. 167-168)

De meados dos anos 1980 até o início dos anos 90, Basbaum participou de projetos de intervenções e performances com a Dupla especializada5, com o grupo Seis Mãos6, e com A Moreninha7, entre outras manifestações de ordem performativas. As ações e propostas elaboradas em conjunto com os outros artistas destes grupos seguiam na contracorrente da produção da geração 80. Partia, na maioria das vezes, de um incômodo com as práticas artísticas que demandavam a volta ao prazer da pintura, que fora posta em xeque, sobretudo, a partir das experiências artísticas produzidas entre os anos 1960 e 70. No primeiro momento do Pós-Moderno, com raras exceções, os artistas repudiavam as linguagens tradicionais da arte (pintura e escultura) por serem corrompidas e dependentes do mercado de arte. (...) discriminavam a pintura por ela representar o “bom gosto” da burguesia. Suas ideias de repúdio à pintura se espalham pela década de 70, na qual a arte é expressa sob meios anartísticos como o carimbo, postais, vídeo, holografias, fax etc. (...) O retorno do prazer da pintura nos anos 80 rompe com os limites de recursos que caracterizava a década anterior. A pintura passa a ser concebida a partir de novos pressupostos: uso abusivo das cores, grandes formatos, uso de objetos do cotidiano adotados como

suporte

pictórico

da

obra,

gestualidade,

figurativismo

e

expressionismo. Jovens pintores transitam constantemente entre a tradição da história da arte e os fragmentos do mundo atual, realizando uma pintura híbrida e contínua (...). Enfim, a pintura renasce da desmaterialização dos anos 70 livre para a criação-citação (pintura híbrida); ironizar ao inverter significados padronizados; representar

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Dupla formada com Alexandre Dacosta em 1981.

6

O grupo voltado para a performance, formado em 1983, reuniu Ricardo Basbaum, Alexandre Dacosta e Jorge Velloso Borges Leão Teixeira, o Barrão, e teve atuação até 1991.! 7!Grupo

que se formou, na segunda metade da década de 1980, com artistas e críticos que figuravam no circuito artístico carioca daquele período, quando estes se organizaram para realizarem visitas um ao ateliê do outro, e a partir das inquietações trazidas pela volta ao prazer da pintura que muitos artistas daquele período assumiram. Algumas das práticas desenvolvidas pelo grupo tinham um desdobramento multimídia e produziram ações, tais como: a maratona de pintura impressionista de Paquetá, intervenções na palestra do crítico italiano de arte contemporânea Achille Bonito Oliva, na Galeria Saramenha, a edição do livro e do vídeo Orelha, entre outras.

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55

imagens desencaixadas; ultrapassar limites da moldura do quadro com grandes formatos e cores atrativas; escolher entre múltiplos materiais e técnicas; e optar por signos figurativos ou abstratos. Desde os anos 60 é difícil encontrar categorias ou grupos estáveis no campo artístico, mas essa característica se intensifica com a vitalidade gestual da pintura, preocupada em libertar-se de ditames, escolas, estilos ou relações consagradas na arte moderna. A intenção é aproximar a arte à cultura de massa. (LEITE, 2014, grifos nossos)

Saindo do campo do experimentalismo pictórico das telas através das ações que desempenhava, Basbaum passou a propor, por intermédio de criações artísticas performativas, que o processo de recepção de suas propostas não se desse de forma neutra e tampouco fossem de passiva assimilação. Desde Olho (1984) (figura 7), trabalho com o qual participou em Como Vai Você, Geração 80?, ele investe na performatividade, na experiência, vivência e ação da recepção, possibilitando que o contato com a imagem marcada desse trabalho impactasse na memória das pessoas e que

fizesse, assim, sua condução para fora do espaço expográfico,

expandindo sua aderência nos vários campos da vida cotidiana. Segundo o artista: (...) esse Olho estava lá, apresentado como um par de adesivos que você podia comprar na secretaria da EAV, onde era vendido o catálogo. Na minha sala de exposição, peguei esses adesivos e colei em posters e objetos – e espalhei muitos por diferentes áreas do edifício −, mas ao mesmo tempo eles circulavam por conta própria, porque as pessoas os compravam. (BASBAUM, 2013b, p. 19)

Como vimos, Basbaum é, assumidamente, um artista que toma como referência para sua produção o legado deixado pelos artistas Lygia Clark e Hélio Oiticica, justamente porque estes abriram seus processos para a possibilidade de experiência, vivência e transformação na subjetividade da recepção envolvida em suas propostas artísticas. Por isso, ele desenvolve sua prática no sentido de insistir numa

recepção

performativa

que,

ao

invés

de

consumir

passiva

e

contemplativamente obras de arte, investe na proliferação destas nos campos ampliados da vida.

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56

Figura 7: Olho, adesivo, 1984, 19 x 9 cm. Fonte: BASBAUM, Ricardo. Você gostaria de participar de uma experiência artística? (+ NBP) Volume 2. 2008. 158 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) − Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 88.

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57

Depois da marca Olho (1984), entre 1990 e 1991 o artista passou a pensar na construção de formas de uma nova marca que não fosse apenas visual, mas que pudesse ser verbalizada e tivesse também sonoridade. Ele criou, então, a marca Novas Bases para a Personalidade, cuja sigla é NBP (figura 8), que também trata da memorização e visa funcionar como uma estratégia de saída da obra do espaço expositivo e atuar como proposta de contato direto com o corpo do público, fazendoa acontecer numa área que mistura arte contemporânea e questões de comunicação. Basbaum tem como uma de suas características fundamentais produzir séries de trabalhos que se estendem por longos períodos, deixando evidente o aspecto processual que acompanha a poética de suas propostas artísticas. NBP também passou por muitas experimentações, foi confeccionada em diferentes formatos e materiais, desde almofadas até paredes aramadas. A partir de 1994, a forma criada por Basbaum viaja pelo mundo promovendo transformações e contato com as pessoas que interagem com a obra. Em 2002, o artista participou da 25ª Bienal de São Paulo com a obra Transatravessamento, uma das versões da instalação com o NBP. Em 2007, com o mesmo NBP, mas na versão Você gostaria de participar de uma experiência artística?, participou da Documenta 12. Nesse momento, o projeto ganhou uma mudança significativa, pois ao invés de um único objeto posto em circulação inicialmente, foram produzidos outros 20 iguais àquele. Estes objetos continuam circulando ao redor do mundo até hoje, e os resultados das vivências das pessoas que aceitam participar desta experiência artística podem ser acompanhados pelo blog do projeto8. Basbaum, em Novas Bases para Personalidade (NBP), desenvolve um trabalho que é apresentado em forma de proposta de participação ampla do público. As pessoas que participam desse projeto devem transportar o objeto proposto, que tem grandes dimensões, para o cotidiano e utilizá-lo do modo como bem escolherem. A única contrapartida exigida é o compartilhamento de suas vivências com o NBP relatadas por meio do blog.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8

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http://www.nbp.pro.br/ 58

Figura 8: forma específica NBP, 1991. Fonte: Fonte: BASBAUM, Ricardo. Você gostaria de participar de uma experiência artística? (+ NBP) Volume 2. 2008. 158 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) − Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 95.

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59

O projeto Você gostaria de participar de uma experiência artística? (...) ainda está em desenvolvimento, consiste em convidar participantes a utilizar em casa, por um mês, um objeto de ferro pintado medindo 125 x 80 x 18 cm. (...) o objeto parece vazio, mas na realidade carrega diversos conceitos, que também podem ser utilizados. Localizado na linha de fronteira entre ser ou não um trabalho de arte, o objeto pretende traduzir um processo de transformação (...) ações e comportamentos, produzidos a partir de um nível intenso de vivência, hibridização e envolvimento por ele provocado (...). (BASBAUM, 2014, s/p)

Com a criação de NBP, Basbaum traz a compreensão da necessidade, cada vez mais evidente, de estratégias artísticas que envolvam e que permitam um espaço para a alteridade na empreitada de atribuição de um lugar críticocomunicativo de ação no contexto coletivo e da vida cotidiana. A partir desta proposta, e observando os testemunhos dos participantes, é possível considerar que a relação entre obra e público nunca acontece de maneira uniformizada e direcionada; o objeto é recriado, ressignificado, na medida em que o público o refuncionaliza. É possível notar que há no seu percurso criativo, e nos procedimentos utilizados por ele, uma preocupação de trazer ações que viabilizem a potência da experiência do outro que também performa suas propostas. Basbaum é um artista que atua num campo expandido da arte, produzindo objetos e propostas participativas, textos, oficinas, palestras, conversas e diálogos com o outro e seu entorno. Além de sua atuação como artista, ele é professor adjunto do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O outro no coletivo ‒ Como tecer o eu e o você?: o processo de criação de Superpronome (...) a subjetividade é produzida através da cooperação e da comunicação (...) cada movimento sucessivo da produção da subjetividade para a produção do comum é uma inovação que resulta numa realidade mais rica (...). Talvez devamos identificar nesse processo de metamorfose e constituição a formação do corpo da multidão, um tipo fundamentalmente novo de corpo, um corpo comum, um corpo democrático. (...) ainda que a multidão forme um corpo, continuará sempre e necessariamente a ser uma composição plural, e nunca se tornará um todo unitário dividido por órgãos hierárquicos. Antonio Negri e Michael Hardt

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60

Compreender o sujeito a partir da ação que tece o eu e o você, através de sua intervenção na paisagem, em sua atuação singular no coletivo, e lê-lo através de um processo artístico-performativo de uma escrita viva com o corpo. Eis o que encontramos quando abordamos a proposta do Superpronome, de Ricardo Basbaum. Neste trabalho, em sua versão de coreografias, jogos e exercícios que analisamos nesse estudo, o artista propõe que as pessoas tornem-se participantes de um jogo coletivo. Sua proposta poética é vesti-las com camisas estampadas com os pronomes eu e você, configurando, assim, uma ação, uma performance, que só acontece na medida em que essas pessoas, esses outros que estabelecem relação com o processo criativo da proposta, vivenciam o jogo no espaço coletivo. Vestidas com as camisas, as pessoas que performatizam a proposta de Basbaum, ao movimentarem-se pelos espaços e paisagens onde acontece a escrita viva do eu e do você, dão outras configurações para esses pronomes, buscando compreender a dimensão de coletividade gerada com suas ações, culminando na escrita, ou na construção do pronome “nós”, cuja fórmula, segundo Basbaum (2012, p. 2), “seria algo como: n(eu + você) = nós”. O resultado da escrita corporal, que relaciona eu e você, e que nos leva ao nós, gera o que ele chamou de Superpronome. convergência de pronomes pessoais em uma única palavra. euvocê, vocêeu mistura, hibridização, contaminação recíproca de um pelo outro, de eu por você, de você por eu, numa só coisa. êxtase do objeto, síntese ideal do desejo. instrumento de negociação para ações de uma alteridade incorporada, em fuga (BASBAUM, 2012, p. 4-5).

Nas coreografias, jogos e exercícios do Superpronome, os participantes entregam-se ao contato intensivo com o outro que vive a experiência e, com isso, é possível notar a construção de espaços e de distanciamentos entre o que delimita os contornos e a composição de suas subjetividades. !

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Figura 9: eu-você, serigrafia, camisas, jogos, exercícios. Realizado em Diamantina, Brasil, 2000. Fonte: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/entrelugares/ricardo.htm. Acesso em 12 abr. 2012.

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Categorias e conceitos que estabelecem as fronteiras do eu e do você até a compreensão do nós são postas por Basbaum como ferramentas de ação, e não como índices ou rótulos identificadores, portadores de uma classificação estática para o sujeito que interage com os jogos e exercícios propostos por ele. De maneira dinâmica e relacional, artista e participantes performatizam e reescrevem de modo vital estes pronomes, tecendo diagramas que formam coletivos. Segundo Basbaum: Quando proponho uma performação de tal conjunto de jogos e exercícios, sempre insisto em fazer parte do grupo, vestindo uma camisa ‘eu’ ou ‘você’: não vejo sentido algum em ficar de fora, atuando como uma espécie de ‘diretor’ ou coordenador de atividades, separado do grupo. O trabalho não opera como um conjunto de ações e movimentos pré-estabelecidos: qualquer instrução ou decisão deve vir a partir (do interior) do coletivo (BASBAUM, 2012, p. 2).

No caso particular dos jogos & exercícios eu-você (figura 10), Basbaum desempenha, como ele mesmo destacou, o duplo papel de propositor e ator, o que significa que ele atua tanto como sujeito quanto como objeto em sua proposta. Nestas ações/performances, ele age em relação a si mesmo e aos outros, no coletivo. Ao analisarmos o processo de criação deste trabalho específico, podemos notar que há uma tendência a procurar por recursos que possam, através das relações que são tecidas entre o eu e o você, reconfigurar tanto a presença do artista quanto a presença do outro, do participante, que se relaciona com propostas que se abrem para si no coletivo. Nesse sentido, segundo Basbaum (2013, p. 27) “o trabalho de arte é um dispositivo de processamento simultâneo e ininterrupto, e nunca uma representação destas relações”. Nas ações do Superpronome propostas pelo artista, são reunidos, na quase maioria das vezes, participantes de oficinas oferecidas por ele. Portanto, na constituição imanente e processual do trabalho, ele tem a possibilidade de elaborar

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Figura 10: eu-você, serigrafia, camisas, jogos, exercícios. realizado no País de Gales, Grã-Bretanha, Brasil ,1999. Fonte: BASBAUM, Ricardo. Você gostaria de participar de uma experiência artística? (+ NBP) Volume 2. 2008. 158 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) − Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 55.

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64

as abrangências práticas e conceituais de sua proposta, de sua criação diagramática e de caráter coletivo. Segundo Basbaum:

Os diagramas assim construídos constituem instalações ou intervenções, presentificando-se para um público fruidor a ser capturado em sua trama: este espectador envolve-se no campo proposto a partir de um jogo afetivo e perceptivo, estabelecendo uma dinâmica de intensidades que o conduzem a um limiar de transformação ou mudança. (...) com a proposição de um jogo intensivo de relações que toma o corpo-mente daquele que se posiciona junto ao trabalho. (BASBAUM, 2007, p. 76)

As práticas dessas ações do Superpronome se dão de maneira performativa e na relação que se estabelece com o outro, com o meio, com o espaço e com a paisagem onde são desenvolvidas. Nesse exercício de escrita vivencial-corporal, esse diagrama do eu e do outro, composto nesse jogo entre artista, obra e recepção, expande-se para além das instituições de arte e das circunscrições da subjetividade de seus participantes. As performances do Superpronome, que invadem, por assim dizer, espaços variados da vida cotidiana, como a rua, a paisagem, lugares alternativos e contaminados de alteridade, convocam, nos moldes das propostas relacionais de Clark, a reconfiguração do papel criativo do artista e da presença ativa e da vivência do outro, da recepção, para o acontecimento e a composição do sentido da obra. Para Basbaum (2013), essa compreensão crítica da arte que abrange o rompimento da figura de um artista especializado e fechado em um meio único de atuação demanda: (...) combater a discriminação entre materiais e meios artísticos e não artísticos, e ampliar o campo de atuação da arte para além de um espaço próprio, fechado, que não se relacionasse com outros campos de conhecimento. (...) Produzir arte hoje é operar com vetores de um campo ampliado. Um campo que se abre ao entrecruzamento das diversas áreas do conhecimento, num panorama transdisciplinar, sem prejuízo de sua autonomia e especificidade enquanto prática da visualidade (BASBAUM, 2013, p. 27).

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65

Ainda segundo Basbaum (2012, p. 5), trazendo essa compreensão de abertura para o Superpronome, sua proposta segue a proposição de Rimbaud: “Eu sou o outro”. Nele está impresso o quanto de alteridade há na composição do sujeito. O artista contemporâneo rompe as linhas que vão diretamente de eles para nós, tornando essa conexão complexa, isto é, enfatizando entre suas características o fluxo contínuo entre indivíduos, grupos, coletivos e instituições – indo e vindo de um para outro, desempenhando papéis simultâneos e ocupando mais de uma posição ao mesmo tempo numa só coisa. Êxtase do objeto, síntese ideal do desejo. Instrumento de negociação para ações de uma alteridade incorporada, em fuga (BASBAUM, 2012, s/p).

Para o artista, inserir o uso do Superpronome no seu discurso poético promove a intervenção na linguagem, induz significados antes não articulados e revela as configurações do eu e do outro na compreensão do sujeito no coletivo. Na verdade, o superpronome parece ser um grupo em si, em tamanho mínimo: não que as partículas euvocê ou vocêeu correspondam a dois indivíduos, mas que funcionam naquele campo de significado que considera impossível desenvolver um sujeito singular sem a presença intensiva do outro. Há uma lacuna entre euvocê ↔ vocêeu e nós ↔ eles – o primeiro parece circular e tautológico, o segundo indica um processo entre “concentrado” e “disperso” (algo como um arco) que se assemelha a ordem ↔ desordem (entropia). Assim, parece que duas conexões diferentes e independentes deveriam ser estabelecidas, colocando os superpronomes em contato direto com nós e eles, separadamente (BASBAUM, 2012).

É na complexidade das redes que tecem as nuances do sujeito singular em relação à presença intensiva do outro, até a composição do nós, que a proposta de Basbaum nos permite buscar elementos que respondam, ou que pelo menos indicam possibilidades para isso, a questão que se coloca: como tecer o eu e o você em processos coletivos? Como também dito por Negri e Hardt (2005, p. 253), “somos todos singulares (...) nossas diferenças não podem ser reduzidas a um corpo social unitário”. A forma de se considerar e enredar o outro no processo de significação deste trabalho nos permite constatar que os modos de subjetivação proporcionados por 66 !

Basbaum passam por outras vias de fruição da proposta artística, que, seguindo a tendência de abertura que as obras de Clark já nos ofereciam desde os anos 1960, consideram a recepção performativa como peça fundamental para que o ato comunicativo de sua proposta se complete e a mesma aconteça. Com isso, apreender ou receber o trabalho de arte é um ato construtivo que amplia e/ou expande o campo da sensorialidade estética e invade áreas da vida e da existência, abrindo assim espaço para a vivência com o trabalho artístico. Nas palavras do artista: (...) uma perspectiva de ‘vivência’ que já aponta outros modos de fruição possíveis, a partir de metamorfoses de seu significado inicial (...) a própria expressão, em seu sentido amplo de relação com o campo da vida e da existência, acentua o seu aspecto transformativo: viver, estar vivo, não é permanecer o mesmo, mas sim saber atualizar-se sempre numa relação direta com as coisas em torno (...). (BASBAUM, 2008, p. 29).

E ainda, para compreender a tessitura que compõe o eu e o você nessa rede que se estabelece em jogos artísticos coletivos e relacionais, através de vivências como esta proposta por Basbaum, podemos considerar que: (...) é necessário fugir de qualquer proposição linearizante e simplificadora de percursos tão complexos quanto aqueles da obra de arte. Será fundamental (...) conectar o conceito de ‘vivência’ a uma rede de relações que ultrapassem as tecnologias de invenção sensorial dos trabalhos, rumo a um envolvimento que articule também aspectos de contato e interfaceamento com a dinâmica do próprio circuito de arte (...). É importante investigar como artistas e obras processam certos recortes conceituais, uma vez que os trabalhos sempre colocam em jogo dinâmicas de funcionamento ao mesmo tempo sensorial e discursivo – é aí que residem

algumas

de

suas

mais

significativas

particularidades

e

possibilidades (BASBAUM, 2008, p. 32).

Na continuidade do estudo das práticas artísticas que se abrem para a presença e vivência do outro experimentador, como são as de Lygia Clark estudadas anteriormente, analisar o percurso poético e este trabalho específico de Basbaum nos mostra que, ao passo que arte em consonância com a vida deflagra

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67

processos de singularização, o outro também se tece em processos de coletivização e, nesse contexto, também cintila sua subjetividade.

! Figura 11: superpronome, metal, terra, plantas, 2000. Fonte: BASBAUM, Ricardo. Você gostaria de participar de uma experiência artística? (+ NBP) Volume 2. 2008. 158 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) − Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 57.

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Capítulo 3 O outro experimentador nas propostas de Cláudio Bueno A circulação continuada garante o funcionamento do corpo organizado, ou seja, a vida. A estrutura do corpo organizado é definida como um conjunto de redes compostas de canais ou vasos, isto é, um emaranhado de vínculos que se “entrecruzam”. Pierre Musso

A proposta artística na rede Ao estudarmos procedimentos que envolvem a experiência artístico-relacional nos processos de criação, vimos que o envolvimento das pessoas com as obras propiciadas por Lygia Clark, especificamente em suas propostas Caminhando e Estruturação do Self, com os Objetos Relacionais, permitiram compreender a atuação performativa do outro que se relaciona com tais procedimentos e possibilitaram constatar o potencial de transformação oferecida pela poética desse encontro com uma arte aberta à presença do outro. Com Clark, verificamos que essas transformações subjetivas são ativadas, ou convocadas, no sujeito que se lança em experiências poéticas com os objetos mais comuns e banais do cotidiano. Com Basbaum, pudemos notar que, através de propostas artísticas e ações realizadas com o outro no coletivo, as subjetividades dos envolvidos nesses jogos poético-criativos também podem ser tecidas nos encontros com obras assumidamente processuais e que absorvem a multiplicidade para seus acontecimentos. Todos os procedimentos analisados nos capítulos precedentes nos permitem aproximar a ideia de criação da noção de um processo de subjetivação, de ativação de um modo de existência que surge da relação artista-obra-recepção. Se no primeiro capítulo, ao nos debruçarmos sobre alguns trabalhos de Clark, verificamos esses modos de subjetivação expandindo a experiência do outro para além de seu contato com o objeto de arte, no segundo capítulo, ao estudar propostas de Basbaum, constamos que esses modos de subjetivação também podem se dar na experiência da arte no coletivo. Agora, ao estudarmos algumas propostas artísticas específicas de Cláudio Bueno, continuamos percorrendo procedimentos criativos !

69

que se abrem para a recepção atuante e performativa do outro e buscando verificar como os processos de subjetivação podem se dar no contexto das redes. Segundo o pesquisador André Parente (2013, p. 91), as redes são reais e, hoje, somos cada vez mais dependentes dela. Ainda segundo o pesquisador, elas sempre tiveram o poder de produzir subjetividade e pensamento, mas era como se, antes, elas fossem dominadas pela hierarquização social que nos impedia de pensálas de forma rizomática. Concordando com Parente, é importante perceber também que, com a emergência dos dispositivos de comunicação, aparece uma reciprocidade entre as redes e as subjetividades, e podemos notar uma pluralidade de pensamentos, e que o ato de pensar (e por que não dizer também criar?) se dá em rede. As redes tornaram-se ao mesmo tempo uma espécie de paradigma e de personagem principal das mudanças em curso justo no momento em que as tecnologias de comunicação e de informação passaram a exercer um papel estruturante na nova ordem mundial. (...) A sociedade, o capital, o mercado, o trabalho, a arte, a guerra são, hoje, definidos em termos de rede. Nada parece escapar às redes, nem mesmo o espaço, o tempo e a subjetividade. (PARENTE, 2013, p. 92)

Diante disso, podemos compreender a comunicação, com seus atuais dispositivos

tecnológicos,

como

um

disparador,

ou

um

agenciador,

de

acontecimentos diversos. Conectando diferentes pontos das redes, verificamos que seus agenciamentos tecem relações singulares e coletivas, potencializando a imagem do rizoma (figura 12). Com a inserção e substituição cada vez mais acelerada dos dispositivos tecnológico-maquínicos que viabilizam nossa comunicação como o outro e que reforçam a noção das redes, podemos pensar também numa produção maquínica da subjetividade (PARENTE, 2013, p. 93). A este respeito, Guattari (1993, p. 177) aponta que:

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Figura 12: rizoma. Fonte: https://rizoma.milharal.org/2012/07/14/a-tirania-das-organizacoessem-estrutura/. Acesso em12 out. 2014.

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(...) os conteúdos da subjetividade dependem, cada vez mais, de uma infinidade de sistemas maquínicos. Nenhum campo de opinião, de pensamento, de imagem, de afectos, de narratividade pode, daqui para frente, ter a pretensão de escapar à influência invasiva da “assistência por computador”, dos bancos de dados, da telemática etc... Com isso até chegamos a nos indagar se a própria essência do sujeito (...) não estaria ameaçada por essa nova “máquino-dependência” da subjetividade. (...) isso não faz delas [as máquinas] potências diabólicas que estariam ameaçando dominar o homem. (...) não tem sentido o homem querer desviar-se das máquinas (...) elas não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas e hiperconcentradas de certos aspectos de sua própria subjetividade (GUATTARI, 1993, p. 177).

Outro pensador que também nos fala sobre a noção de rede é Pierre Musso (2013). Ele nos aponta que ela é, hoje, onipresente em todas as disciplinas que envolvem a vida: ciências sociais, física, matemática, informática, tecnologia, economia, biologia etc. Em cada uma dessas disciplinas, a rede evidencia um caráter epistêmico de complexidade, um dispositivo de relação e de interação. É um complexo rizomático que se coloca no lugar de um sistema e/ou de uma estrutura: “A rede é um receptor epistêmico ou um cristalizador, eis porque tomou, atualmente, o lugar de noções outrora dominantes, como o sistema ou a estrutura” (MUSSO, 2013, p.17). Além de todas as disciplinas, a rede também envolve e captura o corpo e o coloca em um lugar importante para conceber configurações da subjetividade contemporânea. Como já vimos nos demais capítulos, ao considerar também o corpo, e não mais apenas a soberania racional para a subjetividade, a figura linear de um sistema ou estrutura cede lugar à forma rizomática, onde fluxos de vivências passam a funcionar de maneira a tramar os elos, ou os nós, dessa rede que nos constitui. A rede está sobre o corpo (ou em volta dele), captura o corpo, tal qual um paninho ou um tecido colocado sobre ele. (...) Pouco a pouco, rede e corpo se confundem: a rede está dentro do corpo e reciprocamente, por analogia de seus modos de funcionamento (MUSSO, 2013, p.18-19).

Nesse sentido, é preciso não descartar que o contexto das redes e das atuais investidas tecnológicas no campo da comunicação influenciam também a produção !

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de arte, corroborando a importância de pensarmos nas composições das subjetividades daqueles que experienciam processos poéticos abertos à presença e à performatividade do outro. Arlindo Machado (2007, p. 9) nos diz que “a arte sempre foi produzida com os meios de seu tempo” e, atualmente, podemos encontrar um sem-número de artistas que estabelecem sua produção a partir da utilização dos dispositivos tecnológicos e em conexão com as redes. Por isso, e dentro de um recorte mais específico destas práticas, para tratar da questão que nos colocamos desde o início, selecionamos para este estudo as propostas artísticas Casa Aberta (2009) e Redes Vestíveis (2010), de Cláudio Bueno, porque nos trazerem procedimentos que se constituem com o uso de tecnologias e dispositivos de comunicação, envolvendo o público, o outro, e evidenciando a produção de subjetividades junto ao acontecimento poético das propostas artísticas produzidas nesse contexto. Percurso criativo-poético de Cláudio Bueno Cláudio Bueno é um jovem artista, nascido em São Paulo, em 1983, que produz trabalhos multimídias. Por meio de intervenções no espaço público e virtual, suas propostas artísticas buscam envolver as relações entre o corpo, o espaço, a participação, as redes e a informação. Bueno utiliza-se dos meios digitais para trazer para o campo da visibilidade as ações que cotidianamente nos passam despercebidas, justamente pela grande exposição aos dispositivos que nos conectam hoje em dia. Bueno graduou-se em Publicidade e Propaganda e, por vários anos, trabalhou em agências de publicidade, o que influencia sua visão crítica das práticas comunicativas. Hoje, além de ser artista multimídia, é também pesquisador em artes. Mestre em Artes Visuais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), atualmente desenvolve seu doutorado na mesma instituição. Atuou também com professor em instituições de artes e comunicação. Sua produção artística é bastante recente. Suas primeiras experiências no campo da arte, ainda que não se considerasse artista, começam a surgir em meados de 2007 com trabalhos que já envolviam os dispositivos tecnológicos e a ocupação de espaços abertos à intervenção do outro. Em 2008, participou de uma 73 !

ocupação no Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), com um trabalho que disponibilizava um carimbo para que as pessoas que fossem ao Museu pudessem preencher as paredes do espaço. Nesse momento, já apareciam questões que envolviam o espaço e a performatividade do outro em seu processo criativo. Muitas de suas propostas artísticas se desenvolveram em projetos de residências artísticas ou nos grupos de pesquisa em que participa: Poéticas Digitais, da ECA-USP, coordenado por Gilbertto Prado, e Lat-23, que tratam de questões relacionadas às práticas artísticas que utilizam meios tecnológicos. Bueno considera que seu primeiro trabalho de arte acontece realmente em 2009, com Casa Aberta. Nesta proposta, que no início não tinha o apoio de qualquer galeria, ele trabalhou com transmissão online, utilizando o site Ustream1. Seu desejo em transmitir pela internet se deu justamente pela popularização das webcams online naquele período. Devido ao acesso a este dispositivo, as pessoas, mesmo não tendo o que compartilhar nas redes, passavam a ligar suas webcams não apenas em busca de pornografia ou coisas do gênero, mas em busca de companhia, de uma sensação de estarem acompanhadas, ainda que de presenças desconhecidas, para suprir o vazio, a solidão, que envolve vasto número de pessoas que vivem em grandes metrópoles. Os dispositivos tecnológicos de comunicação perpassam quase sempre a poética de suas propostas, mas não configuram o objeto principal de seus trabalhos. Esmiuçando o funcionamento e, muitas vezes, subvertendo as funcionalidades desses dispositivos, ele desvela o que fica camuflado, invisível, nas relações cada vez mais mediadas por eles na vida cotidiana. Sua criação artística “se apropria de uma mídia móvel e das redes de comunicação sem fio, para poeticamente e criticamente contrariá-las (...). Procura estabelecer vínculo forte com a experiência do sujeito.” (BUENO, 2013, p. 27) Depois de Casa Aberta, que foi exibida na Escola São Paulo em 2009, na Red Bull House of Arts em 2010, e na Galeria Luciana Brito, também em 2010, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

O site www.ustream.tv permite que qualquer pessoa transmita ao vivo e online vídeos realizados com os dispositivos de captação de imagens. Quando Cláudio Bueno criou Casa Aberta, em 2009, estavam muito em voga as transmissões feitas com as webcams acopladas aos computadores desktop e laptops, que se popularizavam naquele período.

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Bueno realizou os trabalhos Desluz (2009), em parceria com o grupo Poéticas Digitais, no qual atua como artista e pesquisador; The Lovers (2009), exibido em 2009 na exposição Grau Zero, no Paço das Artes, em São Paulo; Estrelas Cadentes (2009), desenvolvido na Residência LABMIS, no Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo; O Transporte #1 e #2 (2009 – 2010), exibido na Red Bull House of Art em 2009, e na Mostra SESC de Artes em 2010; Abrigo (2010), realizado em parceria com Rodrigo Sassi na Praça Buenos Aires, em São Paulo; Campo Minado (2009 – 2011), que foi comissionado pelo Rumos Arte Cibernética do Itaú Cultural em 2009, e premiado no Transitio_MX, na Cidade do México, em 2011; Redes Vestíveis (2010), comissionada pelo Festival arte.mov em 2010, e premiado com menção honrosa no Prix Ars Electronica em 2011, na Áustria; Corpo-circuito (2009 – 2010), realizado em parceria com Cristiano Rosas, exibido na inauguração do SESC Bom Retiro em 2011, e no Circuito SESC de Artes em 2012; Monumentos Invisíveis (2011 – 2012), que foi inicialmente criado em seu período de residência em La Chambre Blanche, em Québec, Canadá, em 2011, e depois realizados em outros pontos históricos, tanto de São Paulo quanto de outras cidades ao redor do mundo; e Estudos para Duelo (2013), desenvolvido com a artista Paula Garcia na residência Videobrasil em Contexto, realizada em parceria com a Casa Tomada, Delfina Foundation e Videobrasil, com exibição prevista para breve. As ações e instalações artísticas de Cláudio Bueno estão sempre voltadas para o questionamento do espaço público e virtual, da relação entre corpo e obra, da participação e das redes, e envolvem, sobretudo, os meios digitais e noções de invisibilidade trazidas pelas poéticas das redes. Para que possamos verificar como o outro é envolvido em seu processo criativo e compreendê-lo em sua experiência na rede, selecionamos para esta pesquisa duas de suas propostas que lidam especificamente com a relação entre o corpo e o espaço público/privado, o real/concreto e o virtual/programado: Casa Aberta e Redes Vestíveis. Ambas proposições artísticas convocam e ativam a presença e atuação do público através de dispositivos tecnológicos de comunicação móvel – celulares – para uma experiência artístico-relacional.

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O outro experimentador na poética da rede Quando Bueno começou a criar a proposta de Casa Aberta, estava procurando problematizar procedimentos de experimentações contemporâneas que possibilitassem outros modos de pensar sobre o espaço e o lugar, noções hoje cada vez mais tensionadas pelas tecnologias de transmissão e de comunicação móvel. É importante observar que, em seus registros de processo − citados também em sua dissertação de mestrado −, ele retoma vários outros trabalhos e artistas que, em suas poéticas, já vinham pontuando essas questões, tais como Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz, Richard Serra, Nam June Paik, Robert Smithson, Jorge Menna Barreto e Gilbertto Prado. Isso nos mostra que podemos pensar também sua “criação como rede de conexões (...) ligada à multiplicidade de relações que a mantém (...) com seu entorno”. (SALLES, 2008, p.17-18) É importante verificar que a movimentação criativa que está na base dessa sua proposta também passa pela vontade de trazer a ação artística para o acontecimento. Assim como vimos nas poéticas de Clark e Basbaum que estudamos anteriormente, Bueno (2010, p. 27) destaca “uma arte que não é pautada pelo objeto, mas pela ação artística enquanto acontecimento”. Pensando a relação do espaço e das práticas e procedimentos criativos atuais que são elaborados com os dispositivos tecnológicos, ele nos diz que: A efemeridade e imaterialidade de práticas artísticas atuais que utilizam tecnologias de transmissão – como, por exemplo, as chamadas artes em mídias locativas – não significam que os lugares físicos foram deixados de lado; ao contrário, estão cada vez mais presentes, mesmo que de modo diferenciado, ou seja, perpassados por fluxos informacionais. Não se trata mais de uma fala exclusivamente virtual do sujeito diante da tela (...). (BUENO, 2010, p. 17)

Não se pode mais pensar uma passividade da recepção, do público, do outro, diante de uma proposta artística que se desenvolve com dispositivos que expandem sua presença e encurta distâncias em um cotidiano permeado pelas tecnologias de comunicação em rede. Assim, no trabalho Casa Aberta (figura 13), que inicia sua investigação sobre as noções de lugar, espaço, transmissão e intervenção do outro no processo de criação artística, Bueno propõe viver a invasão da alteridade no seu !

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espaço privado, em sua casa, ou no seu espaço de trabalho, em seu ateliê. Para desenvolver a proposta, ele trabalhou com webcams conectadas à internet, que transmitiam 24 horas por dia imagens da sala de sua casa ou de seu ateliê. Além da transmissão online, para que as pessoas pudessem interagir com sua proposta, ele acoplou também aparelhos celulares ao controle remoto de sua TV. Assim, na primeira versão desse trabalho, era possível que, através de ligações feitas para esses celulares, o outro, uma presença desconhecida, interviesse e trocasse constantemente a programação televisiva que era exibida na sala da sua casa. Estas experimentações integraram high e low-tech ao conectarem circuitos eletrônicos e digitais. Um exemplo disso foram os aparelhos celulares ligados a motores, televisores etc (...). O trabalho começa de modo bastante simples, com a transmissão da minha casa exclusivamente on-line, fora do circuito artístico. A partir daí, começo a compreender suas forças. Após três exibições, ao invés de esgotar suas possibilidades, passo a enxergar novas articulações e caminhos, que apontam para a abertura de novos lugares: uma prática de negociação da abertura de lugares excessivamente fechados, mistificados e de poder. Aberturas que se fazem sob utilização dos meios de transmissão, ora como detecção e exacerbação do cotidiano conectado, ora como transgressão de determinados lugares. (BUENO, 2010, p. 34)

A primeira versão desse trabalho, a que mais nos interessa aqui, foi exibida na exposição Demasiada Presença, com curadoria de Christine Mello, na Escola São Paulo, no primeiro semestre de 2009, e contava com um monitor instalado no espaço expositivo que transmitia as imagens da TV que estava na sala de sua casa. Podia-se também acessar o trabalho à distância, pois ele estava disponível 24 horas na internet através do site http://www.justin.tv/casaaberta. O seu ambiente íntimo tornou-se um espaço para receber, sem hora ou combinação prévia, a presença e interferência do outro na sua realidade cotidiana.

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Figura 13: Casa Aberta (2009). Fonte: http://buenozdiaz.net/casaaberta.html. Acesso em 01 jun. 2014.

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Durante as últimas décadas, as experiências artísticas com os meios tecnológicos ampliam a noção de presença ao incorporarem as redes de trocas de transmissão online e os dispositivos de comunicação móvel. Elas referem-se, com isso, a uma nova dimensão do sujeito no espaço. Traz-nos a dimensão de um espaço conectado a temporalidades simultâneas, cuja natureza presencial é transitória, híbrida, entre a presença física e a virtual, entre o lugar fixo e o móvel. Acentuam processos de interação entre diferentes espaços. As experiências da arte nesse contexto promovem ações em espaços fluídos e intensificam o desejo de presença, de tomar contato. Seus sentidos associam a vontade de estar conectado à coexistência da esfera pública-privada. (MELLO, 2014)

Sobre a incorporação do outro diante de seu processo criativo e no seu espaço cotidiano, Bueno também afirma que: (...) havia o desejo de abrir minha casa à presença do outro-estranho. Exacerbar esta presença fazia explorar os possíveis limites entre público e privado e, consequentemente, da própria residência conectada. (...) Casa Aberta #1 permitiu notar a quantidade de conexões que habilitamos em nosso cotidiano e a oscilação entre sensações de conforto e incômodo. Entre a liberdade de estar sozinho e o sentimento de solidão. Estas conexões são percebidas não apenas em seu sentido de controle e vigilância, mas principalmente na construção de um novo espaço sensório habitado pela presença virtual do outro, que coloca em contato o dentro e o fora da residência. (BUENO, 2010, p. 35)

A proposta de Casa Aberta não só conseguiu promover questionamentos sobre as noções de lugar e espaço, ou sobre a invasão da privacidade do artista por uma presença constante e desconhecida em seu cotidiano que era exibido em uma mostra de arte, mas também trouxe à tona, para o campo da visibilidade, a responsabilidade do outro, do público, diante da ação invasivo-interativa que praticava utilizando dispositivos de transmissão e comunicação móvel que, hoje, se popularizam velozmente. Com este trabalho, à semelhança de trabalhos de Clark e Basbaum estudados aqui, Bueno proporcionou uma experiência artístico-relacional que ativou uma recepção atuante que fazia a proposta acontecer no momento em que a performava, desvelando um processo de subjetivação que se dá na relação com procedimentos criativos viabilizados pelos meios tecnológicos. !

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Já com Redes Vestíveis (2010) (figuras 14 e 15), Bueno propõe uma performance coletiva com a utilização de celulares, assim descrita por ele: Redes Vestíveis é uma performance coletiva baseada numa rede virtual elástica, geolocalizada e graficamente representada nas telas de aparelhos celulares. Duas ou mais pessoas conectam-se a ela e tornam-se novos nós da trama, que se tensiona por meio de movimentos e deslocamentos físicos em espaços próximos ou distantes. O corpo que se movimenta dentro da rede virtual incita o movimento dos outros, que caso não se movimentem também, fazem esgarçar e estourar os nós da rede, desconectando o sujeito participador do trabalho. A informação toma o corpo e o move. Pretende-se sugerir novas experiências para este corpo espacialmente localizado e em rede, que performa diante do que não vê, mas sente, entre corporal e incorporal. (BUENO, 2012)

Após tomar contato com a proposta de Rede de Elásticos, de Lygia Clark, e na continuidade de sua pesquisa que trata das questões sobre as configurações do espaço na contemporaneidade, Bueno buscou produzir “territórios e arquiteturas informacionais poéticos, críticos e de relação entre as pessoas e os espaços. (...) encontrar modos possíveis de habitar o contemporâneo” (BUENO, 2013, p. 22). Com isso, sua proposta traz para o plano do acontecimento artístico com as mídias móveis de comunicação as tensões da relação do corpo com um espaço geolocalizado. Embora tenha havido esse contato com a proposta de Clark, ele não procurou fazer desta performance uma releitura daquela obra, mas trazer as reverberações daquela experiência de relação entre os corpos. Inspirado na Rede de elástico, 1973, de Lygia Clark, Redes Vestíveis consiste na criação de um aplicativo online e geolocalizado, para utilização em celulares, em espaços públicos ou privados. Duas ou mais pessoas conectam-se a uma rede virtual representada graficamente na tela do celular por uma rede elástica. A cada nova participação, um novo nó é adicionado à trama, que se tensiona por meio de movimentos e deslocamentos físicos dos corpos conectados em espaços próximos ou distantes (...). Pretende-se colocar em jogo novas experiências para este

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Figura 14: Redes Vestíveis (2010). Fonte: http://buenozdiaz.net/redesvestiveis.html. Acesso em 01 jun. 2014.

Figura 15: Redes Vestíveis (2010). Fonte: http://buenozdiaz.net/redesvestiveis.html. Acesso em 01 jun. 2014.

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corpo que atua diante daquilo que não vê, mas sente, entre aqui e lá, corporal e incorporal. (BUENO, s/d)

Ao

projetar

e

desenvolver

um

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aplicativo

específico

para

celulares

smartphones3, ele buscou criar possibilidades de tensionar os nós das redes comunicacionais que nos cercam hoje em dia através do tão acelerado avanço da tecnologia, sobretudo daquela que trata da comunicação e da geolocalização. O trabalho não é o software, muito menos o aparelho celular, mas sim, a já sabida 'relação' em processo da experimentação do corpo com a obra. Assim como Bichos, Babas ou Parangolés não existem em vitrines, Redes Vestíveis não existe sem conexão, sem relação, sem link. Porém, a dicotomia aqui não está no objeto e sujeito, mas nas relações do sujeito espacialmente localizado. (BUENO, s/d)

Neste trabalho, Bueno nos coloca em contato com um tipo de performance artística que evidencia a constituição de um sujeito-artista e de um sujeitoparticipador no jogo que se estabelece entre o corpo e uma rede informacional. Os jogos, ou ações, propostos por ele, procuram deflagrar o sujeito diante das escolhas que faz e que tecem os nós da rede por onde ele se circula. A subjetividade do outro experimentador, nesse processo que refuncionaliza os aplicativos disponibilizados no espaço virtual/informacional que envolve seu corpo, tece-se nos fluxos destas redes, configura-se entre um nó e outro desta trama criada por Bueno. Os corpos, nessa composição em rede, sobretudo através das performances tecnológicas e interativas que cada vez mais surgem alavancadas por artistas que utilizam dispositivos tecnológicos, mesclam-se em ambientes que ficam entre o real/concreto e o virtual/digitalmente programado, tal como podemos observar ao tomarmos contatos com estas propostas de Bueno. Verificamos que: O corpo torna-se um campo de passagens entre elementos orgânicos e sintéticos, uma estrutura híbrida (...) o corpo como lugar de construção de sentidos, espaço de investigação e criação de novas realidades, em conexão com diferentes meios (...). (MELLO, 2008, p. 141)

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Detalhamento que consta no projeto do trabalho encaminhado para o Festival arte.mov em 2010. Arquivo pessoal do artista disponibilizado gentilmente para esta pesquisa.

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Era possível encontrar e baixar esse aplicativo na Apple Store, para dipositivos Iphones, e na Google Play Store, para dispositivos Android.

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Nas duas performances do artista, notamos que o jogo que ele estabelece com o outro, com o público, com a recepção de seus trabalhos, oferece, com as novas tecnologias de comunicação, maneiras de problematizar a nossa relação com estes dispositivos, com o outro e com a rede, pois, como aponta a pesquisadora Lucia Santaella (2003): (...) a introdução dos microcomputadores pessoais e portáteis (...) começou a mudar a relação receptiva (...) para o modo interativo e bidirecional que é exigido pelos computadores. (...) computadores estabelecem uma interface entre eletricidade biológica e tecnológica, entre o utilizador e a rede. (SANTAELLA, 2003, p. 81)

Bueno, ao projetar suas criações no ambiente da internet, oferece elementos que nos ajudam a pensar sobre as nuances de uma subjetividade que se tece na relação da poética artística com o outro e com a rede digital, que nos conecta ao mundo, que liga espaços privados, íntimos, os espaços públicos e de vivência coletiva. Verificamos que seus trabalhos, que utilizam recursos trazidos a partir da introdução da tecnologia nas produções da arte contemporânea, provocam embates entre o lugar da criação e da experiência do outro nessa rede complexa de comunicação. Como aponta a pesquisadora Priscila Arantes: (...) as artes em mídias digitais não somente exploram os recursos tecnológicos oferecidos pela indústria informática, mas também (...) atuam na contramão desses próprios recursos, desenvolvendo propostas que colocam em xeque as prerrogativas dos suportes tecnológicos, (...) as práticas artísticas que utilizam recursos midiáticos (...) subvertem os protocolos normais do trânsito e fluxo de informações realizados em rede (...) propiciam novas experiências sensórias por meio de instalações interativas e poéticas imersivas. (ARANTES, 2005, p. 27)

Nestes dois trabalhos que acabamos de ver, procuramos focar especialmente no papel fundamental que a atuação do outro tem em seus processos de criação. Por isso, compreendemos Casa Aberta e Redes Vestíveis no contexto das experiências artístico-relacionais que se abrem para a presença de uma recepção performativa para que os trabalhos aconteçam, de modo que esse outro não seja !

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apenas consumidor ou simplesmente interaja com os trabalhos, mas que possa tornar-se um experimentador diante das poéticas das redes. Assim, entendemos que relacionar os estudos sobre as obras dos artistas Lygia Clark e Ricardo Basbaum, que convocam a experiência e a performatividade do outro, da recepção, através de processos de singularização e de coletivização, com as propostas poético-artísticas elaboradas com os meios tecnológicos desenvolvidas por Cláudio Bueno, possibilita-nos verificar como a subjetividade se configura também através das redes virtuais de comunicação, que nos permitem relações simultâneas com diferentes espaços e com o outro. !

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Considerações finais: Diante das poéticas do processo, sob a dinâmica do trabalho em progresso, não há como concluir, mas sim colaborar na continuidade (imprevista e acidentada) destes percursos. Ricardo Basbaum

As aproximações e diálogos entre as práticas artísticas de Lygia Clark, Ricardo Basbaum e Cláudio Bueno que buscamos trazer neste estudo, levam-nos ao encontro de processos de criação que convocam, através de experiências artístico-relacionais, a presença atuante e performativa do outro, da recepção, promovendo processos de subjetivação. Notamos que o outro, que se relaciona com as propostas destes artistas, deixa de lado uma postura passiva e passa à condição de experimentador das obras. Experimentador não apenas porque participa ou interage com as obras, mas porque pode transformar-se a si mesmo a partir do convívio com propostas poéticas que se abrem para sua presença e performatividade. Verificamos que, nesses procedimentos estudados, as nuances e cintilações de sua subjetividade se elaboram através de trabalhos que propiciam experiências de singularização, de coletivização e das redes. Lidamos aqui com obras que não encontram suas significações em produtos prontos, não são objetos acabados, finalizados e lançados à contemplação, ou ao simples consumo, mas que tecem em redes a ampla capacidade de estabelecer relação com a experiência do outro, em um jogo que ultrapassa os elementos artista e obra. “A criação surge, sob essa perspectiva, como uma rede de relações” (SALLES, 2011, p. 61). Acreditamos que os procedimentos artísticos que selecionamos para este estudo permitem-nos discutir o peso e a relevância da performatividade do público, de sua atuação e experiência relacional com obras abertas à sua presença. Tratar da perfomatividade da recepção, que intervém de maneira direta no processo de criação de propostas como as de Clark, Basbaum e Bueno, permite-nos olhar para a subjetividade que se elabora em redes complexas, onde a inserção e ativação do corpo, não só do artista, mas também do público, são fundamentais para o !

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acontecimento das obras. Assim, uma intensa troca criativa é propiciada no jogo entre artista, obra e público. Procuramos, nas propostas elaboradas por Clark aqui estudadas, desvelar processos de subjetivação que nos possibilitasse verificar o que nos tornar aquilo que somos, não por um traçado linear, ou sob o aspecto de uma subjetividade formulada aos moldes de uma compreensão cartesiana, racionalizada, mas por aquilo que se desdobra no contexto das experiências de vida de cada um que é envolvido em suas poéticas. O processo de subjetivação que seus trabalhos promovem parece liberar a compreensão de um outro poroso, justamente desfazendo o conceito de uma identidade fechada, que tanto se fala quando se trata de significar aquilo que somos em nossos processos de individuação. Ao analisamos as ações de Basbaum em Superpronome, buscamos compreender o quanto este procedimento criativo pôde desestabilizar as categorias estatizantes que confinam o sujeito e o objeto, o eu e o você, em uma experiência artístico-relacional. Nesta proposta do artista, notamos que eu e você, sujeito e objeto, assumem funções flutuantes e não são ações idealizadas. Nela, os processos de subjetivação se dão quando se tecem o eu e o você em um contexto de ações e práticas coletivas. O artista contemporâneo rompe as linhas que vão diretamente de eles para nós, tornando essa conexão complexa, isto é, enfatizando entre suas características o fluxo contínuo entre indivíduos, grupos, coletivos e instituições – indo e vindo de um para outro, desempenhando papéis simultâneos e ocupando mais de uma posição ao mesmo tempo (BASBAUM, 2012, p. 3).

No contexto das redes, podemos perceber que nossas relações são cada vez mais mediadas por dispositivos tecnológicos, o que, quase sempre, torna invisível nossas intervenções e responsabilidades em ações cotidianas. Sob esta perspectiva, entendemos que a atuação artística de Bueno figura como uma tentativa de trazer para o campo da visibilidade os efeitos dos atos e ações que decorrem da interação que travamos com estes dispositivos. Seu processo criativo, que se dá no âmbito das poéticas digitais, sobretudo nestas duas propostas aqui relacionadas, lida com a presença do outro a partir da interatividade propiciada pelas !

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tecnologias que conectam espaços e temporalidades simultâneas e oferecem elementos para pensarmos também sobre a configuração de uma subjetividade que se tece nessa rede complexa de comunicação que nos situa no mundo. O que articula o estudo desses trabalhos não é a proximidade ou a identificação com um estilo estético em comum entre estes artistas; pelo contrário, o que nos faz relacioná-los são as buscas por procedimentos que conseguem convocar o outro para sair de uma condição de passividade diante de um trabalho de arte, e para que este não ocupe um lugar neutro em suas propostas. Sob essa consideração, não buscamos esgotar todas as possibilidades dos procedimentos destes artistas, mas trazer um estudo sobre os processos de criação de obras que não são apenas produtos prontos, mas acontecimentos, na medida em que conseguem revelar nuances de subjetividades que são tramadas e tecidas em projetos poéticos abertos à presença do outro experimentador. Não buscamos também afirmar que a questão sobre a presença do outro se resume nas propostas destes artistas. Existem outros que trouxeram e trazem esta questão à tona em suas poéticas. Dos anos 1960 até hoje, no contexto da criação artística, foram criadas diferentes formas de ativação do outro, mas com o recorte que fizemos aqui procuramos encontrar esse outro em propostas poéticas que evidenciam seus processos de singularização, de coletivização e de vivências nas redes. !

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