A perícia técnica para apuração das perdas e danos no curso do processo de conhecimento em ações ressarcitórias por violações da propriedade intelectual

October 16, 2017 | Autor: Milton Barcellos | Categoria: Intellectual Property, Due Process Rights
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A Perícia Técnica para Apuração das Perdas e Danos no Curso do Processo de Conhecimento em Ações Ressarcitórias por Violações da Propriedade Intelectual Cristiano Prestes Braga Advogado associado da Leão Barcellos Sociedade de Advogados. Graduado em Direito pela PUCRS. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil - ABDPC. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Integridade Ética e Propriedade Intelectual da pósgraduação em Direito da PUCRS. E-mail: [email protected]. Milton Lucídio Leão Barcellos Advogado e Agente da Propriedade Industrial, sócio da Leão Propriedade Intelectual e da Leão Barcellos Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS (2002). Mestre (2006) e Doutor (2010) em Direito pela PUCRS (bolsista CAPES em ambos). Professor da disciplina de Propriedade Intelectual em diversos cursos de extensão e pós-graduação. Foi Professor-visitante na Faculdade de Direito da Universidade de Boston em 2009. E-mail: [email protected].

Sumário: 1. Introdução – 2. A prova pericial no procedimento comum ordinário – 3. A prova pericial contábil e a sua finalidade – 4. O bem jurídico tutelado – 5. A perícia contábil para quantificação do dano patrimonial e o seu momento processual adequado – 6. Conclusão – Referências bibliográficas

1. Introdução

Albert Einstein1 sugere a importância do olhar crítico ao definir, sob o nome de “Felicitações a um crítico”, que deve-se “Ver com os próprios olhos, sentir e julgar sem sucumbir à fascinação da moda, poder dizer o que se viu, o que se sentiu, com um estilo preciso ou por uma expressão artisticamente cinzelada, que maravilha. Será preciso ainda felicitá-lo?” É sobre este prisma que nos propomos a iniciar uma análise acerca das diretrizes que justificam a realização da prova pericial contábil no curso do processo de conhecimento (fase instrutória) em ações judiciais com pedido de indenização por violação de direitos da Propriedade Intelectual. Temos acompanhado, na prática, alguns episódios de deferimento de pedido para realização da prova pericial contábil na fase instrutória do processo, de modo a aferir o prejuízo contabilmente verifi-

cável suportado pelo titular de um direito imaterial. Todavia, o viés da prova técnica contábil aqui trabalhado não é o da comprovação do fato danoso, mas, sim, o da quantificação deste dano, amparado, como dispõe a Lei da Propriedade Industrial (nº 9.279/1996), na desnecessidade da comprovação da culpa, bastando, portanto, a prova da preexistência do título exclusivo e o preenchimento dos requisitos identificadores da violação operada por terceiro. Existem casos, evidentemente, que a identificação da violação carece de aprofundamento da atividade probatória. Por outro lado, há situações em que a violação é explícita até mesmo para quem não é técnico no assunto, o que autoriza, neste caso, o julgamento antecipado do processo. Estas situações é que serão objeto da presente investigação, pois entendemos que o processo de conhecimento pode ser aproveitado para dar ao jurisdicionado o bem da vida por completo, evitando o prolongamento judicial com a instauração do procedimento para liquidação da sentença.

1. EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Tradução de H. P. de Andrade do original “Mein Weltbild”. Europa Verlag, 1953, p. 52.

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2. A prova pericial no procedimento comum ordinário

to objetivo ou subjetivo, entendemos que os fatos objeto de análise na perícia estão enquadrados no aspecto objetivo da prova, cujo mencionado autor conceitua como “o conjunto de meios produtores da certeza jurídica ou o conjunto de meios utilizados para demonstrar a existência de fatos relevantes para o processo.” 6 Este esclarecimento serve para informar que o aspecto subjetivo da prova não será abordado no presente ensaio, pois a perspectiva da análise da prova do dano patrimonial tem escopo unicamente objetivo, de análise dos números relativos à movimentação financeira do violador dos direitos imateriais relacionado ao bem jurídico tutelado. Os conceitos deixam claro que o objetivo da perícia é provar o fato natural, e não o fato jurídico ou o direito, cujo juiz possui pleno conhecimento para aplicar a lei ao caso concreto. As conclusões exaradas no laudo do perito – que é mero assistente do juiz – jamais serão tidas como verdade real, pois a perícia realizada serve apenas para demonstrar o “fato natural”, e não o “fato jurídico”. Por se tratar, a prova pericial, de um meio (dentre outros) de prova, ela não pode garantir uma sentença apoiada exclusivamente nos termos conclusivos do laudo, uma vez que ao juiz, e unicamente a ele, é dado o poder do livre convencimento, utilizando, inclusive, outros elementos ou fatos provados nos autos (art. 436, do CPC). Caso contrário, o perito estaria se colocando na posição superior à do juiz, impondo verdade absoluta aos fatos periciados, questão não admitida no atual código de ritos (Lei nº 5.869/1973). Feitas as considerações iniciais, cumpre situar o conceito da perícia contábil e sua finalidade como garantia do efetivo ressarcimento do dano patrimonial.

O processo é tido como uma das ferramentas de realização da justiça social, de modo que, quando existente o conflito, incumbe ao Estado tutelar o direito do jurisdicionado, dizendo a quem pertence o melhor direito.2 Todavia, até que seja possível averiguar com segurança a tutela pleiteada, o processo, na sua marcha, pode ser dividido em 3 (três) fases, muito embora a linha divisória entre elas não seja plenamente identificável. A doutrina desmembra o processo nas fases postulatória, probatória (ou instrutória) e decisória. É na fase postulatória que o autor especifica os fatos e fundamentos do pedido, bem como as provas que pretende demonstrar a verdade dos fatos (art. 282, inciso VI, do CPC), enquanto que o réu alega, em contestação, toda a matéria de defesa, especificando as provas que pretende produzir ao longo do processo (art. 300, do CPC). Na fase probatória, ou instrutória, é o momento em que as provas indicadas pelas partes serão produzidas, desde que necessárias e pertinentes ao deslinde da lide, decisão que, por força de lei, caberá ao juiz, destinatário final da prova. Ao lecionar a respeito do conceito jurídico da prova, distinguindo o significado usual e o jurídico do vocábulo, Francesco Carnelutti diz que “a utilização da palavra prova se limita aos procedimentos instituídos pelo juiz para a comprovação dos fatos controvertidos (afirmados e não admitidos): aqui o conceito se adapta perfeitamente ao vocábulo segundo seu significado essencial”.3 Nessa esteira, é seguro afirmar que a prova, no processo, tem como finalidade formar a convicção do juiz a respeito dos fatos deduzidos em juízo pelas partes.4 O Código de Processo Civil regula a fase probatória nas seções que compõem o Capítulo VI (Das Provas), elencando os meios de prova mais comum. O legislador preocupou-se em não exauri-los, de modo a permitir que as partes se valham de todos os meios legais para provar a sua versão dos fatos (ainda que não previstos no Código), desde que seja observada a legitimidade moral das formas a serem adotadas (art. 332, do CPC). A “prova pericial” – objeto do presente estudo – está inserida no rol das provas arroladas pelo legislador, disposta na Seção VII (Da Prova Pericial) do Capítulo VI do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/1973), regulada entre artigos 420 a 439. Quando conceituou a perícia, Moacyr Amaral dos Santos afirmou que a mesma “consiste no meio pelo qual, no processo, pessoas entendidas verificam fatos interessantes à causa, transmitindo ao juiz o respectivo parecer”.5 Seguindo na linha de João Batista Lopes, para o qual o estudo da prova deve se dar sob o seu aspec-

De modo a situar o objeto do presente trabalho, iremos analisar tão somente o conceito jurídico e contábil, bem como a finalidade da prova pericial como meio de alcançar a verdade real dos fatos naturais, para moldar a convicção do juiz acerca do direito a ser tutelado. Além do mais, a perícia contábil aqui tratada diz respeito apenas àquela judicial, não atingindo as nuances daquela aplicada no âmbito extrajudicial ou administrativo. Dito isto, é possível, compulsando o comando normativo do artigo 4207 do CPC, perceber que a prova pericial é dividida em 3 (três) espécies: exame, vistoria ou avaliação. O desembargador Reinaldo Pinto Alberto Filho, ao tratar do tema, assim define as referidas espécies: o exame “visa à inspeção sobre pessoas ou coisas e bens móveis”, enquanto que a vistoria “visa também à inspeção, mas

2. Aqui adotamos o posicionamento de H. L. A. Hart quanto à possibilidade de existência de mais de uma resposta correta para solucionar casos difíceis, devendo ser escolhida a melhor resposta e não a única resposta correta defendida por Ronald Dworkin. 3. CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4ª ed. Campinas: Bookseller, 2005, p. 71. 4. THEODORO OR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 473.

5. SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeira linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 478. 6. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 22. 7. Texto legal do Código de Processo Civil: “Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação”.

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3. A prova pericial contábil e a sua finalidade

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para imóveis”, e a avaliação “visa à estimativa do valor em mercado corrente do bem em lide”.8 O enquadramento da prova pericial em uma das espécies mencionadas depende do objeto a ser periciado. No caso em análise, a justificativa da identificação da perícia como contábil advém da própria adjetivação da atividade a ser periciada. Se a pretensão é periciar os livros fiscais e balanços de uma empresa, a prerrogativa em realizar o exame é do profissional contador, ou contabilista. Da mesma forma, se a perícia recai sobre a autenticidade de assinatura em contratos, a perícia será grafotécnica, ao passo que será médica aquela que busca avaliar as causas decorrentes de doenças, traumas ou outras patologias.9 De acordo com o contador e professor Antônio Lopes de Sá, “a perícia contábil é a verificação de fatos ligados ao patrimônio individualizado visando oferecer opinião, mediante questão proposta. Para tal opinião realizam-se exames, vistorias, indagações, avaliações, arbitramentos, em suma todo e qualquer procedimento necessário à opinião”.10 A descrição a respeito do instituto se coaduna perfeitamente ao conceito da prova pericial já trabalhado, cujo objetivo é verificar fatos para emitir uma opinião, não se tratando, em momento algum, de uma verdade absoluta, haja vista que a sua finalidade é “sempre o de obter Prova Competente para que se decida.”11 Por sua vez, o contador e professor de perícia judicial Valder Luiz Palombo Alberto conceitua a perícia contábil como “um instrumento técnico-científico de constatação, prova ou demonstração quanto à veracidade de situações, coisas ou fatos oriundos das relações, efeitos e haveres que fluem do patrimônio de quaisquer entidades”,12 assentando que “o objetivo fundamental é, sim, o

conhecimento dos efeitos no patrimônio, de forma a fornecer subsídios a decisão correta (...)”13 A finalidade da perícia contábil judicial, portanto, é esclarecer os efeitos que o ato ilícito causou não só no patrimônio da vítima, como, também, no patrimônio do agente violador, permitindo quantificar o valor devido por este. Os referidos efeitos nem sempre cumprem a atividade isolada de recompor as perdas e danos decorrentes da violação de um Direito da Propriedade Intelectual, mas também podem fornecer maiores elementos para que o juiz se convença do ato ilícito.

8. ALBERTO FILHO, Reinaldo Pinto. Da perícia ao perito. Niterói: Impetus, 2008, p. 37. 9. ALBERTO, Valder Luiz Palombo. Perícia contábil. São Paulo: Atlas, 1996, p. 44. 10. SÁ, Antônio Lopes. Perícia contábil. São Paulo: Atlas, 1994, p. 15. 11. SÁ, Antônio Lopes. Perícia contábil. São Paulo: Atlas, 1994, p. 19. 12. ALBERTO, Valder Luiz Palombo. Perícia contábil. São Paulo: Atlas, 1996, p. 48. 13. ALBERTO, Valder Luiz Palombo. Perícia contábil. São Paulo: Atlas, 1996, p. 47. 14. A mudança do conceito de Propriedade Intelectual que era considerada como sinônimo de direitos autorais e, pós Convenção para o Estabelecimento da OMPI, passou a abranger a Propriedade Industrial, muito além de ser um simples agrupamento de



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4. O bem jurídico tutelado

Inicialmente cumpre destacar que nosso entendimento é o de tratamento individualizado das espécies de direitos da Propriedade Intelectual. Ou seja, entendemos que o agrupamento e, ao mesmo tempo, a padronização de conceitos pelo simplório fundamento de tratarmos de bens imateriais, é equivocado e conduz à dissintonias hermenêuticas indesejadas.14 Portanto, nosso tratamento fenomenológico em relação ao bem jurídico tutelado é individualizado, mas, no presente estudo, acaba por gerar resultados práticos similares por tratarmos de produção de prova relativa à apuração do dano sob o prisma do momento processual adequado. Importante notar que uma abordagem do bem jurídico tutelado que vai além da conceituação generalista de integrante do gênero Propriedade Intelectual (ou Direito Intelectual) revela a preocupação com a premissa fundamental metodológica.15 direitos com base na sua natureza imaterial, traz consequências indesejadas do ponto de vista da abordagem generalista. Portanto, de extrema relevância não buscar o “conceito de Propriedade Intelectual”, mas sim, realizar uma abordagem conceitual e de origens de cada uma das espécies de direitos da Propriedade Intelectual (ou, ainda, de Direitos Intelectuais) justamente para evitar a adoção de premissas equivocadas que contaminam o desenvolvimento do raciocínio e conclusões. 15. Para maiores detalhes ver: BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. Propriedade industrial & Constituição – As teorias preponderantes e sua interpretação na realidade brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.

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4.1. Marcas

Se existem dúvidas quanto à essência de algumas espécies de direitos da Propriedade Intelectual, já do ponto de vista do direito sobre as marcas, dúvida não existe quanto à sua equiparação, em nível constitucional, a um direito de propriedade, conforme expressa disposição do artigo 5º, XXIX da Carta Magna de 1988. Destacamos que a marca, na atualidade do mercado de consumo, desempenha papel diferente das patentes e dos direitos autorais, conforme destacam Landes e Posner:16

Marcas são uma forma distinta da Propriedade Intelectual em relação às patentes e direitos autorais. Em alguns aspectos o direito de marcas se aproxima do direito da concorrência (de fato, de um ponto de vista técnico, o direito de marcas é parte da seção do direito da concorrência conhecido como “concorrência desleal”) do que do direito de propriedade, pensando que existe uma passagem considerável e a economia básica da propriedade continua sendo relevante. Não apenas o direito de marcas é altamente ameno para análises econômicas, mas também a proteção legal das marcas possui uma eficiência mais racionalmente segura do que a proteção legal de trabalhos inventivos e expressivos.17

Ora, essa essência baseada na repressão à concorrência desleal e a clara, indissociável e atual função que adere aos interesses específicos da doutrina consumerista traz consigo uma compreensão específica do bem jurídico tutelado baseado no direito sobre determinada marca. Para o objetivo do presente trabalho que gravita em torno do momento processual para a produção da prova pericial para apuração do dano material envolvido na violação de direitos da Propriedade Intelectual em geral, no que tange às marcas, verifica-se que a essência destas demanda uma consciência sobre a essência do sistema jurídico envolvendo a propriedade das marcas. Denis Borges Barbosa,18 citando Ruy Barbosa, explica que “A noção de Ruy Barbosa não nega à marca a natureza de propriedade, mas apenas a sujeita a mais um feixe de tensões constitucionais, além da simples função social. O que Ruy aqui expressa é que essa posição exclusiva em relação a uma marca se constrói num contexto necessariamente concorrencial, que implica que essa exclusividade tenha natureza de um monopólio; além do dever de se usar essa propriedade de acordo com sua função social, essa função presume um uso concorrencial socialmente adequado”. 16. LANDES, William e POSNER, Richard. The economic Structure of intellectual property law. The Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge, Massachussetts, and London, England, 2003, p. 166. 17. Texto original: Trademarks are a distinct form of intellectual property from patents and copyrights. In some respects trademark law is closer to tort law (indeed, from a technical legal standpoint, trademark law is part of the branch of tort law know as “unfair competition”) than to property law, though there is considerable overlap and the basic economics of property continues to be relevant. Not only is trademark law highly amenable to economic analyses, but the legal protection of trademarks has a more secure efficiency rationale than the legal protection of inventive and expressive works. 18. BARBOSA, Denis Borges. O fator semiológico na construção do signo marcário. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, UERJ, 2006, p. 196.

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Já Graeme W. Austin19 destaca que a proteção dos consumidores da confusão e da diluição de marcas pode não ser o suficiente enquanto finalidade do sistema de marcas, afirmando “Protecting consumers from confusion or dilution of trademarks may be a necessary component in trademark law, but it may not necessarily be suficiente: The law of trademark infringement must also contend with a range of different policies that do, and should, supplement the straightforward story”.20 E é aí que, enquanto instrumento voltado para determinado fim, o exercício de direitos sobre marcas reclama uma tutela processual compatível. 4.2. Patentes

Já no que tange ao direito de patentes, o bem jurídico tutelado difere em sua orientação fundante em relação às marcas, pois a repressão à concorrência desleal torna-se assessória e o motivo fundante parte de uma equação de benefício social em sentido amplo que justifique a criação de um sistema de impedir temporariamente a concorrência sobre produtos que incorporem determinada tecnologia. Afirma Pontes de Miranda21 que “Os pontos constitutivos da invenção são, com a natureza e o fim da invenção, todo funcional, e não feixe de elementos materiais”. Reconhecer que a obtenção da concessão de uma Carta-Patente representa o reconhecimento estatal, ou melhor, a constituição efetiva de um direito de excluir terceiros de reproduzir a tecnologia nos limites reivindicados na referida Carta-Patente, representa uma intenção estatal inerente de que o conteúdo deste direito tenha real efetividade quando necessária a sua invocação. Na análise das cargas preponderantes no ato administrativo de concessão de patentes, mais uma vez Pontes de Miranda22 destaca que “O requerente da patente ou do registro exerce direito formativo gerador interno ou agarrante (= que tende a formar direito, dentro da esfera jurídica do próprio titular). Há mais, porque não se estendeu apenas eficácia, subjetivamente, nem se tornou real o que já existia: gera-se o direito real, em virtude do exercício do direito formativo gerador, em cujo suporte fático está o ato administrativo. Não há executividade preponderante; há constitutividade preponderante”. Sim, a carga preponderante é a constitutiva e, de posse desta, deve o processo judicial relacionado à violação funcionar como instrumento efetivo de confirmação do direito já constituído. 19. AUSTIN, Graeme W. Tolerating confusion about confusion: trademark policies and fair use in DINWOODIE, Graeme e JANIS, Mark D. Trademark Law and Theory. Edward Elgar, Cheltenham, UK, 2008, p. 371. 20. Tradução livre: “Proteger os consumidores de confusão ou diluição das marcas pode ser um componente necessário na lei de marcas, mas pode não ser necessariamente suficiente: A lei de violação de marcas também deve lidar com uma série de políticas diferentes que fazem e devem complementar a continuidade da história”. 21. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XVII, 2. edo. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1956, p. 228, edição assinada e numerada pelo autor n. 2886. 22. Ob. cit. p. 391-392.

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4.3. Desenhos Industriais

Finalmente a estética aplicada. Quão bom e quão aprazível é apreciar e sentir-se atraído pelo belo. Quando o belo é aplicado ou criado em um universo industrial, ainda mais relevante é a compreensão de suas limitações relacionadas ao campo para o qual destina-se essa expressão bi ou tridimensional marcada pela novidade e originalidade naquele determinado mercado relevante. Nesse sentido, Alison Firth23 introduz o seu artigo afirmando que “Design law has sometimes been called the ‘Cinderella’ of intellectual property. Its territory lies in the border zones between patent law, copyright law and trade marks. It shares this space somewhat uncomfortably with unfair competition and passing off laws”.24 Feitas as ponderações relacionadas à algumas das espécies englobadas pelo guarda-chuva da Propriedade Intelectual, conclui-se que a compreensão do direito material que envolve tais espécies reclama procedimento compatível com as suas naturezas e, no que tange à limitação do tema a que se volta o presente trabalho, momento processual adequado para a realização da perícia técnica para a quantificação do dano. 5. A perícia contábil para quantificação do dano patrimonial e o seu momento processual adequado

Delineados os contornos da prova pericial judicial e da essência dos direitos da Propriedade Intelectual analisados, cabe-nos, agora, explanar acerca dos motivos pelos quais entendemos que, na maioria dos casos, é imprescindível a realização desta prova ainda no curso do processo de conhecimento – mais especificamente na fase probatória/instrutória –, alinhando-se aos princípios informa23. FIRTH, Alison. Signs, surfaces, shapes and structures – the protection of product design under trade mark law in DINWOODIE, Graeme e JANIS, Mark D. Trademark Law and Theory. Edward Elgar, Cheltenham, UK, 2008, p. 498. 24. Tradução livre: “O Direito dos Desenhos Industriais tem sido por vezes chamado de “Cinderela” da Propriedade Intelectual. Seu território encontra-se nas zonas de fronteira entre o direito de patentes, direitos autorais e direito de marcas. Ele compartilha este espaço um pouco desconfortável com as leis de concorrência desleal e de passing off”.

dores da melhor adequação dos procedimentos processuais como meio de garantir a efetividade e a segurança da prestação jurisdicional como meio de realização da justiça social, bem como às recentes decisões proferidas nos tribunais estaduais e revisores. A jornada do processo compreende uma sequência complexa de atos que, projetados no tempo de forma ordenada, almeja o fim maior que é o ato do Estado-Juiz dizer, através da sentença, se o jurisdicionado que buscou o bem da vida possui, ou não, o direito à tutela pleiteada.25 Nessa esteira, o processo deve servir como meio de garantia da efetividade da prestação jurisdicional, de modo que todos os atos nele compreendidos oportunizem a ampla dilação probatória e observe o princípio do contraditório. Importante distinguir, nas ações que visam tutelar direitos da Propriedade Intelectual, a perícia técnica para aclarar os fatos atinentes à violação do direito de exclusividade (ou monopólio) dos direitos imateriais26 da perícia técnica para aclarar os fatos técnicos atinentes à quantificação do dano patrimonial causado pela mesma violação. Na primeira hipótese, a perícia serve de apoio ao juiz para tornar factível a identificação da violação do direito reclamado, enquanto na segunda hipótese, a perícia serve tanto para quantificar o dano patrimonial advindo da violação já constatada, quanto para garantir a efetiva satisfação da tutela ressarcitória na fase expropriatória. Nesse diapasão, é possível afirmar que a fase probatória do processo de conhecimento é o momento adequado para realização da perícia técnica para a apuração das perdas e danos nas questões atinentes à violação de direitos da Propriedade Intelectual, apoiada em 2 (duas) vertentes básicas: (i) aproveitamento da fase probatória (instrutória) para quantificar o valor da perda patrimonial, desobrigando o autor 25. LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os efeitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 12. 26. Nestes casos, coadunamos com o entendimento de Fabiano de Bem da Rocha de que “nas ações por infração a direitos da Propriedade Industrial que demandarem a produção de prova pericial, tem o juiz o dever de indicar e nomear profissional com qualificação e conhecimento específico sobre a matéria que irá examinar”, tendo em vista que a “avaliação não pode ser realizada por simples perito habilitado, mas sim por aquele qualificado”. (in Temas de Processo Civil na Propriedade Industrial. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 147).

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a percorrer toda a fase da liquidação da sentença (com nova produção de provas e todos os recursos cabíveis ) para, só então, instaurar o processo de execução, e (ii) garantir, com o aproveitamento da fase probatória, a efetividade da prestação jurisdicional, evitando que a prova da perda patrimonial se perca com o passar do tempo e impossibilite a realização do direito. Assim, para que o Juiz esteja escudado a deferir a produção da perícia técnica para apuração das perdas e danos sem infringir qualquer direito do réu, acusado de violação, forçoso observar, no caso concreto, alguns princípios e direitos constitucionais que, ao nosso sentir, norteiam e amparam a decisão do magistrado, consagrando, assim, a adequação do procedimento para uma efetiva e qualificada prestação jurisdicional. 5.1. O princípio da verossimilhança do direito

Um dos pontos mais sensíveis para o deferimento da perícia técnica para apuração das perdas e danos no curso do processo de conhecimento diz respeito ao sigilo dos livros que guardam o registro da movimentação financeira do empresário individual ou da pessoa jurídica demandada na ação por violação de direitos da Propriedade Intelectual, sem que haja uma decisão de mérito confirmando o ato ilícito suscitado pelo autor. Nas tutelas ressarcitórias por violação do direito da Propriedade Intelectual, o magistrado precisa estar ciente da conjuntura econômica e empresarial em que estão envolvidos não só os bens imateriais como as partes que formam a relação processual, a fim de observar a possibilidade e a necessidade do deferimento da perícia contábil e/ou econômica para quantificação do dano patrimonial durante a fase cognitiva, levando em consideração a verossimilhança dos fatos e do direito postulado pelo autor. 27. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento, volume 1, 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 71. 28. Francisco Rosito, ao tratar da diferença entre a “prova prima facie” e os “indícios de prova”, afirma que “há uma distinção em razão da fonte sobre a qual repousam. Na primeira hipótese, o juiz não se vale de elementos concreto do caso, senão se socorre da experiência genérica e abstrata, que faz presumir a existência de um fato desconhecido, na ausência de prova contrária, diferentemente, na segunda hipótese, o magistrado

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O saudoso processualista Ovídio Araújo Baptista da Silva dizia que “o princípio de verossimilhança domina literalmente a ação judicial. É com base nele que o juiz profere a decisão de recebimento da petição inicial, dando curso à ação civil, assim como, igualmente baseado em critério de simples verossimilhança, emite todas as decisões interlocutórias e, eventualmente – nos casos em que nosso direito o permite –, profere sentenças liminares, provendo provisoriamente sobre o meritum causae, como nos interditos proibitórios. A importância que o princípio de verossimilhança desempenha em todo o direito probatório é decisiva (...)”.27 Afiliando-se à doutrina supra mencionada, entendemos que o juiz, ao se deparar com o pedido de produção da prova pericial contábil no curso do processo de conhecimento, não pode exarar decisão sem averiguar a verossimilhança entre a tutela requerida e a prova dos fatos articulados no bojo do processo (indícios de prova), somado à prova prima facie, que nada mais é que o uso das máximas da experiência pelo magistrado. Importante ressaltar a distinção entre “indícios de prova” e “prova prima facie”, pois aquele caso está relacionado aos fatos que demonstram o fato gerador e a hipótese de incidência da norma legal, enquanto que este obriga o juiz a valer-se da sua experiência (máximas da experiência) para justificar qualquer decisão tomada no curso do processo.28 A posição do juiz, portanto, como gestor ativo do processo, é fundamental para tornar efetiva e satisfatória a prestação jurisdicional, até porque “os fatos são construídos pela mediação do discurso do intérprete.”29 Isto quer dizer que o juiz é quem define os fatos pertinentes para solução do conflito, formando, assim, o juízo de verossimilhança que lhe permitirá não só proferir decisão de mérito (sentença), como decisão interlocutória autorizando a

obtém a sua convicção diretamente das circunstâncias do caso concreto, quando esses indícios se apresentam graves, precisos e concordantes”. ROSITO, Francisco. Direito probatório: as máximas da experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 114. 29. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. Malheiros Editores, 2006, p. 100.

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produção da prova pericial técnica contábil e/ou econômica nos casos em que estiver suficientemente convencido do ato ilícito violador do direito do autor da ação, bem como a possibilidade de perda da oportunidade de cotejar os livros com a movimentação financeira da parte ré. Ao se valer destas cautelas para formação de um forte juízo de verossimilhança, o juiz estará respaldando sua decisão se aproveitando do processo para dar efetividade e celeridade à prestação jurisdicional, sem descuidar da qualidade que as partes esperam na decisão final. A decisão que defere a produção da prova pericial contábil calcada no princípio da verossimilhança externa a chamada “eficácia seletiva dos princípios”, os quais, segundo doutrina de Humberto Ávila, “protegem determinados bens jurídicos (ações, estados ou situações cuja manutenção ou busca é devida) e permitem avaliar os elementos de fato que lhes são importantes”.30 Destarte, a combinação da regra legal para uso da experiência (art. 335, do CPC) com o princípio da verossimilhança dá ao magistrado o arcabouço legal a justificar o deferimento da realização da perícia contábil e/ou econômica no curso do processo de conhecimento, desde que esteja convencido da violação do direito imaterial do autor e a possiblidade de perda da oportunidade de acessar os livros contábeis do réu para ratificar a violação e quantificar o valor devido a título de recomposição do patrimônio material do autor. 5.2. O princípio da adequação como garantia da efetividade da tutela judicial e da duração razoável do processo

O outro princípio que entendemos formar os pilares de sustentação da tese ora estudada é o “princípio da adequação, ou da adaptabilidade”, trabalhado por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o qual deixa saudades com a sua despedida prematura, ao 30. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. Malheiros Editores, 2006, p. 100. 31. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 116. 32. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 119.

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abordar o relativismo das bases internas do formalismo do direito processual. No afã de dar efetividade ao processo para que ele cumpra a função de realização do direito material, o saudoso jurista destaca que “a adequação apresenta-se sob o aspecto subjetivo, objetivo e teleológico, os quais, como fatores de adaptação, devem funcionar de modo simultâneo, para que o processo alcance o máximo de eficiência”.31 Ao tratar do fator teleológico, ressalta que “a existência de regras especiais para determinados procedimentos, em função da relação jurídica substancial submetida à apreciação do órgão jurisdicional, revela exatamente a necessidade de adequação do processo ao direito material.”32 O mencionado princípio é plenamente aplicável como justificativa para antecipação da prova pericial contábil e/ou econômica, na medida em que a verossimilhança do direito e o risco da perda da prova congregam todos os aspectos de adequação apontados pela doutrina (subjetivo, objetivo e teleológico), com destaque ao teleológico, pois a finalidade das legislações que regem a proteção da Propriedade Intelectual, albergadas pela garantia constitucional insculpida nos incisos XXVII e XXIX do artigo 5º, da CF/88, é impedir (proteger) o uso não autorizado das criações, sejam elas industriais, ou autorais. Fim ao cabo da fase postulatória, cabe ao juiz da causa sanear o processo e determinar as provas necessárias à fase instrutória (art. 130, do CPC), momento em que já terá analisado a tese das partes e formado, ainda que sumariamente, o seu convencimento acerca do direito posto em análise. Caso entenda suficientemente formado o seu convencimento, será possível, dependendo do caso, julgar a lide de forma antecipada (art. 330, inciso I, do CPC)33. Nestes casos, quando se tem um juízo de verossimilhança capaz de atestar a evidência da violação do direito, não há motivos para postergar a prova do dano material à fase de liquidação da senten33. Redação do artigo mencionado: Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.

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ça, uma vez que a violação, independentemente do tipo, atinge negativamente o patrimônio do titular do direito. Gama Cerqueira já apontava, no que tange às marcas, que “os delitos de contrafação de marcas registradas lesam forçosamente o patrimônio do seu possuidor, constituindo uma das formas mais perigosas de concorrência desleal, tanto que as leis, em todos os países, destacam-na como delito específico.”34 Destaca, ainda, que “é preciso ter em vista que, reproduzindo ou imitando a marca legítima, o contrafator, graças à confusão criada para iludir o consumidor, consegue vender os seus produtos, o que leva à presunção de que as vendas por ele realizadas teriam desfalcado o montante das vendas do dono da marca.”35 Considerando que a violação do direito imaterial leva à presunção da lesão, o juiz deve aproveitar a fase instrutória e deferir a produção da prova pericial para apuração das perdas e danos, de modo que o Estado possa entregar à parte o bem da vida na sua forma mais ampla. Tinoco Soares, ao comentar a respeito das perdas e danos ainda na década de 1990, assentava que “a prudência recomenda que na fase do conhecimento o interessado procure, desde logo, solicitar e justificar ao juízo o concurso do perito judicial para proceder a levantamento contábil na empresa autora e na ré, com o objetivo de comprovar as perdas e danos sofridos”.36 Embora o jurista aponte a prova pericial como meio de comprovação das perdas e danos, ela cumprirá, também, o outro aspecto aqui defendido, que é a entrega de uma sentença líquida no que tange à tutela ressarcitória dos danos patrimoniais. Ao antecipar a produção da prova pericial contábil e/ou econômica sopesando o caso concreto, o Juiz estará aplicando corretamente o “direito fundamental da duração razoável do processo” (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88),37 conforme exemplo prático trazido por Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz, em que “uma carga de camarão precisa de análise mais pronta frente a um carregamento de pneus”.38 Os mesmos autores assentam que “a compreensão do comando constitucional passa pela idéia de utilidade da jurisdição. Efetivamente, deverá o processo ter duração que não importe no fenecimento do direito posto em causa, vale dizer: a jurisdição deverá agir e concretizar o direito controvertido dentro de um tempo apto ao

gozo desse direito. Do contrário, a promessa constitucional de acesso jurisdicional não alcança a realidade, prejudicando a confiança social na administração da justiça. E poucos fatos são tão lamentados pelo cidadão quanto o reconhecimento tardio e inútil de seu direito. A injustiça, nessas hipóteses, ocorre duas vezes: pela ameaça ou agressão pretérita e pela resposta jurisdicional tardia e ineficaz”.39 Assim, caso a perícia contábil seja relegada ao momento da liquidação, o autor corre o risco não só de ver o seu direito à recomposição dos danos frustrada, como também perderá a oportunidade de provar, quando necessário, a lesão ao seu patrimônio, decorrente da violação do seu direito da Propriedade Intelectual. De forma a evitar essa impressão de injustiça e garantir a efetividade do provimento judicial, deve o Magistrado adequar o procedimento da produção probatória e, com base na verossimilhança do direito, autorizar a realização da perícia contábil para prova das perdas e danos e para liquidação do valor a ser ressarcido pelo réu.

34. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Vol. II, tomo II, parte III: Das Marcas de Fábrica e de Comércio, do Nome Comercial, das Insígnias, das Frases de Propaganda e das Recompensas Industriais, da Concorrência Desleal, atualizado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 217. 35. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Vol. II, tomo II, parte III: Das Marcas de Fábrica e de Comércio, do Nome Comercial, das Insígnias, das Frases de Propaganda e das Recompensas Industriais, da Concorrência Desleal, atualizado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 218. 36. SOARES, José Carlos Tinoco. Processo civil nos crime contra a propriedade industrial. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998, p. 180.

37. Art. 5º, inciso LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 38. PORTO, Sérgio Gilberto e USTÁRROZ, Daniel. Lições de Direitos Fundamentais no Processo Civil: o conteúdo processual da Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 101 e 102. 39. PORTO, Sérgio Gilberto e USTÁRROZ, Daniel. Lições de Direitos Fundamentais no Processo Civil: o conteúdo processual da Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 103.

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6. Conclusão

Em virtude da análise feita, conclui-se que é impositiva, em casos de violação inequívoca, a possibilidade de realização de perícia técnica contábil e/ou econômica no curso do processo de conhecimento, caracterizando-se como meio de efetivação do direito constituído através do Registro ou da Carta-Patente, transmudando-se mais em uma real necessidade para a garantia da indenização pleiteada ao final do processo do que em uma opção indesejada por inexistir dispositivo expresso que assegure a necessidade de sentença líquida nas causas envolvendo direitos da Propriedade Industrial. Nesse sentido, é adequado o foco na interpretação dos dispositivos legais que levem o seu objeto à efetivação no universo dos fatos do que o foco no mandamento processual específico que regule a produção da prova em todas as circunstâncias possíveis que envolvam os direitos da Propriedade Intelectual, tornando-se necessária a compreensão da máxima commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat (Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés daquela que os reduz à inutilidade) para que a intenção deste breve estudo seja alcançada e debatida pelos leitores.

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