A Personagem na Crónica e na Série: O caso da Velhinha de Taubaté na crónica de Luís Fernando Veríssimo e de Frank Underwood na série House of Cards

July 11, 2017 | Autor: Manú Pereira | Categoria: Series TV, Comunicação, Análise De Conteúdo, Investigação, Estudos Narrativos
Share Embed


Descrição do Produto

A Personagem na Crónica e na Série: O caso da Velhinha de Taubaté na crónica de Luís Fernando Veríssimo e de Frank Underwood na série House of Cards

Emanuel Jorge Sebastião Pereira - 2011157749 Estudos Narrativos, Professor Doutor Carlos Reis Mestrado em Comunicação e Jornalismo, 2014/2015

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Índice 1-Introdução – 3 2.Definições e Conceitos Estruturantes da Personagem na Narrativa - 7 3. A personagem na crónica de imprensa – 9 3.3 Estudo de caso: A velhinha de Taubaté (1915-2005) – 11 4 – A personagem na série televisiva – 14 4.4 Estudo de Caso – Frank Underwood em House of Cards – 15 5.Conclusão – 18 6.Referência Bibliográficas - 19

2

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Considerações Gerais O presente trabalho surge no âmbito do seminário de Estudos Narrativos, orientado pelo professor Carlos Reis, uma unidade curricular do 1º semestre do Mestrado em Comunicação e Jornalismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. O objetivo primordial desta pesquisa é a análise da personagem na crónica e na série televisiva, alicerçada em dois casos particulares de estudo que foram debatidos em aula. No primeiro capítulo deste trabalho abordamos algumas noções sobre a personagem, fazendo a ligação com o mundo da ficção e a contextualização dentro das narrativas mediáticas. O segundo capítulo aborda as questões relacionadas com a crónica de imprensa e a sua relação com a categoria narrativa da personagem, um momento onde também fazemos a análise da Velhinha de Taubaté, da autoria do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo, através do recurso à última crónica sobre esta “senhora”. O terceiro ponto é dedicado à relação entre a série televisiva e o elemento ficcional que dá o mote à produção académica aqui apresentada, seguindo-se uma análise a Frank Underwood (interpretado por Kevin Spacey) na série House of Cards da produtora norte - americana Netflix. Os meus “grande guias” são os conteúdos, ideias e opiniões gerados nas aulas da disciplina, a 7ª edição do Dicionário de Narratologia dos professores Cristina Lopes e Carlos Reis, e ainda o artigo Narratologia(s) e Teoria da Personagem também do professor Carlos Reis uma obra a que entendemos ser crucial para desenvolver os temas em análise.

3

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

1.Introdução A noção e a importância da categoria da personagem, tal como os estudos narrativos, sofreram alterações ao longo das últimas décadas. Para este estudo achamos pertinente ter como ponto de partida os anos 60 do século XX, que acabam por marcar o princípio dessas mudanças, seguindo a linha de raciocínio do artigo Narratologias(s) e Teorias da Personagem do professor Carlos Reis, publicado em 2006, a constituição do campo dos estudos narrativos, passou por três grandes fases, a primeira está ligada à Revista Communications em 1966, nomeadamente o número 8 intitulado Analyse structurale du récit, (cf Reis, 2006a:10), numa altura em que: “ (…) a narratologia ainda não conceptualizada como tal, era a análise estrutural da narrativa” (Reis, 2006b:10), os pensamentos desta “revolucionária” edição, com escritores como R. Barthes, G. Genette, A. J. Greimas ou U. Eco “à cabeça”, não se limitou a interpretar apenas as narrativas “verbais e literárias” (Reis, 2006b:10), tentou incutir um carácter científico no estudo da narrativa e nesse número alargou os estudos da narratologia a novas áreas como o cinema ou a publicidade. Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há em primeiro lugar uma variedade prodigiosa de géneros, distribuídos entre substâncias diferentes, como se toda matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse as suas narrativas: a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura (…), no vitral, no cinema, nas histórias em quadradinhos, no fait divers, na conversação (Barthes, 1966:1) 1

Um segundo grande contributo foi dado por Gérard Genette com a obra: “Figures III”, mais concretamente o capítulo: Le discours du récit, de 1972, este trabalho introduziu novidades no estudo do discurso e da narração, aceitou uma dimensão “triádica da narrativa” (Reis, 2006c:11), assente em três planos de estudo ligados à história, ao discurso e à narração, e introduziu categorias da narrativa (cf Reis, 2006d: 11). Na análise do escritor francês contudo faltava algo: “ na teorização genettiana apesar de direta e frequentemente apoiada na ‘lição’ de um clássico como A la reserche du temps perdu, era justamente a personagem” (Reis,2006e:11), as ideias do escritor francês serviram de base a dicionários ligados à narratologia, casos do Dicionário de Narratologia de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes, publicado em 1987 do Dictionary of Narratology de Gerald Prince, publicado também em

1

Tradução da obra feita pelo professor Carlos Reis, aula de Estudos Narrativos, dia 23 de Outubro de 2014,R. Barthes Introduction à l’analyse structurale des récits, Communications, 8, 1966, p. 1

4

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

1987, duas obras que trazem consigo novas aberturas da narratologia, algo que é mencionado no mesmo texto de 2006. Os anos 90 marcaram a adopção do termo estudos narrativos, “falo já em estudos narrativos porque é essa a expressão que agora faz sentido, em função da renovação interdisciplinar que a narratologia conheceu, dos anos 90 em diante” (Reis, 2006f:12), este poder-se-á dizer que é o terceiro grande momento que está na génese deste campo. A publicação de David Herman em 1999 do livro Narratologies2, confirmou os avanços para “outros territórios” por parte da narratologia, que passou a incluir no seu campo áreas tão diversificadas como o hipertexto ou as comunicações artificiais (cf Reis, 2006g:13 apud Herman,1999). Para complementar este crescimento surgiram novos elementos, por exemplo revistas especializadas, que vieram dar ainda mais importância aos múltiplos âmbitos de investigação que os agora estudos narrativos, revigorados e apetrechados de novos motivos de trabalho procuram estudar e compreender, como constatamos no trabalho já referenciado. Começa a ganhar importância com esta renovação o campo ligado às ciências cognitivas, uma área que recebeu um importante contributo oriundo das Tecnologias da Informação e Comunicação, mais concretamente do computador. A força da metáfora computacional reside quer na clareza e simplicidade com que explica a mente, quer na sua capacidade de simular os vários processos mentais humanos. Não é por isso de estranhar que as Ciências Cognitivas se tenham desenvolvido principalmente a partir da Inteligência Artificial, consubstanciando-se no movimento cognitivista3 (Galvão e Alves, 2006)

Para ajudar a compreender o processo de criação de narrativas, os estudos cognitivos assumiram uma nova importância, ganhando destaque devido ao facto de “(…) as ciências cognitivas favorecerem o conhecimento de aspectos da produção de narrativas que têm que ver com polifuncionalidade de um modo discursivo que reconhecemos como parte decisiva da nossa relação com o mundo” (Reis, 2006h: 13-14). Esta breve contextualização importa constar aqui, na medida em que a personagem acompanhou todo este processo. Em 1966, aquando da publicação do número 8 da Revista Communications, foi pouco desenvolvido o estudo desta categoria (…) “de certa forma foi isso mesmo que os pais fundadores dos estudos narrativos ignoraram, quando a análise estrutural da narrativa dos gloriosos anos 60 procurou cumprir um projeto de trabalho de base 2

Herman, D., Nartatologies. Columbus: Ohio Statate Univ. Press, 1999 In Jornal das Ciências Cognitivas da Sociedade Portuguesa das Ciências Cognitivas http://jcienciascognitivas.home.sapo.pt/06-01_alveseartur.html [consultado a 10 de janeiro de 2015] 3

5

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

dedutiva4” (Reis,2013a). Na década 70, com o formalismo russo esta categoria estava “confinada” apenas aquilo que representava no texto, percepcionada como “um ser de papel” (Reis: 2006i:15). Como supramencionado, também Genette acabou por descurar o papel da personagem. Tornava-se assim necessário dar a esta categoria uma referência ficcional, algo que se perdera durante os anos 60 e 70 do século XX. Este passo foi dado aquando da abertura da narratologia a outras áreas do conhecimento, processo possível através da inclusão de áreas de estudo muito diversificadas e acelerado nos anos 80 e 90, altura também de grandes mudanças a nível tecnológico, político e social em todo o planeta, recorrendo mais uma vez aos pensamentos do professor Carlos Reis: “conforme se percebe do que hoje conhecemos como narratologia pós-clássica ou, como prefiro dizer, estudos narrativos; a sua conjugação com as solicitações e com os fundamentos epistemológicos da retórica, das ciências cognitivas, dos estudos femininos, dos estudos culturais ou dos estudos mediáticos trouxe de novo ao nosso convívio a personagem, essa figura que nenhuma narrativa dispensa 5” (Reis:2013b)

Esta evolução levou a que os estudos sobre personagem, na atualidade, estejam muito desenvolvidos, seja a um nível literário ou mais especializado, por exemplo em contextos de géneros mediáticos, o “centro das atenções” deste trabalho. Uma narrativa constitui-se sempre que um ser humano vive conflitos e os representa, pode ser através de linguagens verbais ou recorrendo a outras formas como gestos ou imagens. Pensamos ser conveniente introduzir aqui duas definições de narrativa. Para Gerald Prince é o “ recontar (como produto e processo, objeto e ato, estrutura e organização) de um ou mais eventos, reais ou fictícios, comunicados por um, dois ou vários (mais ou menos evidentes) narradores a um, dois ou vários (mais ou menos evidentes) narratários6” (Pince: 1987a:58). Outra interpretação importante do termo é dada pelo professor Carlos Reis e por Ana Cristina Lopes: “o termo narrativa pode ser entendido

em

diversas

aceções:

narrativa

enquanto

enunciado,

narrativa

como

conjunto de conteúdos representados por esse enunciado, narrativa como acto de os relatar (cf. Genette,1972: 71-72) e ainda narrativa como modo7” (Lopes e Reis,2002a:270).

4

Reis, C (2013) In Blogue: Morte e Ressureição da Personagem https://figurasdaficcao.wordpress.com/2013/10/29/morte-e-ressurreicao-da-personagem/ [consultado a 9 de janeiro de 2015] 5 Reis, C (2013) In Blogue: Morte e Ressureição da Personagem https://figurasdaficcao.wordpress.com/2013/10/29/morte-e-ressurreicao-da-personagem/ [consultado a 9 de janeiro de 2015] 6 A dictionary of Narratology, Gerald Prince, 1987, tradução nossa. Citação original:“The recounting (as product anda process, object and act, structure and structaration) of one or more real or fictious events communicated by one, two, or several (more or less overt) narrators to one, two or several (more or less overt) narratees” (Prince, 1987: 58) 7 In Dicionário de Narratologia. 7ª Edição. Livraria Almedina.2002

6

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Através destes dois significados podemos verificar que há múltiplas possibilidades na elaboração de narrativas, consegue também percecionar-se que envolvem uma matriz temporal ligada à experiência humana. Inerente a uma narrativa está a personagem, como foi abordado nas aulas, uma não pode existir sem a outra. Há particularidades específicas neste estudo da personagem, elementos que envolvem a sua criação e compreensão, algumas destas especificidades são abordadas em seguida. 2.Definições e Conceitos Estruturantes da Personagem na Narrativa Há personagens que são facilmente conhecidas pelo público, por exemplo o SuperHomem ou o Homem - Aranha da Marvel, outras são mais específicas e têm contextos muito próprios, são facilmente reconhecidas na sociedade onde foram originalmente criadas, mas torna-se difícil para quem não está inserido no mesmo contexto ter a perceção do que está a falar. Se falarmos a um italiano do Zé Povinho, por exemplo, personagem criada por Rafael Bordalo Pinheiro, muito provavelmente não irá associar a nada, porém, se for um português o caso é diferente. A personagem, que “é um género de ficção da narrativa” (Reis, 2006j: 15), pode ser mais ou menos trabalhada, coletiva ou individual ter uma importância maior ou menor num texto. “As personagens podem ser mais ou menos maiores ou menores (em termos da proeminência textual), dinâmicas (quando se alteram) ou estáticas (quando não o fazem), consistentes (quando os seus atributos e ações não resultam numa contradição) ou inconsistentes8” (Prince, 1987b:12). O mesmo autor aborda ainda mais possibilidades sobre a forma de construção da personagem que pode ser plana ou redonda9/10, a primeira seria mais simplista, os seus comportamentos poderiam ser mais previsíveis para o público, a segunda envolvia uma construção mais complexa e elaborada, cujos comportamentos se podem tornar verdadeiros “enigmas” (cf.Prince,1987c:12). A personagem assume-se como uma “categoria fundamental da narrativa, a personagem evidencia a sua relevância em relatos de diversa inserção sociocultura e de variados suportes expressivos” (Lopes e Reis, 2002b:314), é abordada a estreita ligação desta categoria com a narrativa, que acaba por ser o que lhe confere significado: “ (…) a personagem é uma unidade difusa de significação, construída 8

Tradução nossa. Original: “ Characters can be more or less major or minor (in terms of textual proeminence), dynamic (when they change) or static (when they do not), consistente ( when their attributes and actions do not result in contadcation) or inconsistente ( Prince,1987:12) 9 Gerald Prince utiliza os termos “flat” e “round” (p.12) para definir os dois conceitos. 10 Também Lopes, C e Reis, C, 2002 falam de personagem plana e redonda (cf.322-323)

7

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

progressivamente pela narrativa” (Lopes e Reis, 2002: 315 apud Hamon, 1983:20). Esta construção leva a que a personagem se transforme em signo, submetida a processos de criação, significação e de caracterização próprios (cf Lopes e Reis, 2002c: 316 e 317). Há diversos “paradigmas dominantes1112” (Eder, Jannidis e Scheneider:2010a:5) em relação à definição da personagem como entidade ficcional. Seguindo as ideias destes autores, há o enfoque “hermenêutico” (Eder et all,2010a:5), ligado a uma compreensão da personagem como uma representação do ser humano, um segundo paradigma que se centra na interpretação do psicológico das personagens, um terceiro que se foca mais em “métodos estruturalistas e semiótica” (Eder et all,2010c:5), os primeiros ligados à forma de elaboração da personagem e a semiótica procurando interpretar “as personagens como um conjunto de significantes e estruturas textuais” (Eder et all,2010c:5) e um quarto ligado às “ teorias cognitivas” (Eder et all,2010d:5) que “defendem as personagens como sendo o resultado de construções da mente humana, representações de seres imaginários na mente da audiência” (Eder et all,2010e:5). Muitas vezes para se perceber uma personagem ficcional acabamos por pensar em conhecimentos de pessoas reais, contudo elas fazem parte desse “universo” ficcional (cf Eder et all, 2010f:7). Olhando para a realidade dos media, podemos perceber isto, seja um leitor de um livro ou um telespetador de televisão, ele acaba por ativar sempre aquilo que já sabe para poder conseguir perceber o significado das personagens. Há quase uma tendência para habituar a personagem à vida quotidiana13 (cf Reis,2006j:17 apud Fludernik 1996). Neste estudo interessam-nos as personagens criadas no seio das narrativas mediáticas, pois a personagem adquire sentidos e conotações próprias e quando adaptada a contextos como o da crónica ou da série a suas potencialidades aumentam. Há dois conceitos que importa também referir aqui, o de intermedialidade e o de transmedialidade. O primeiro, como foi transmitido através das aulas, estabelece a possibilidade dos diferentes media poderem estabelecer interação. O segundo envolve a adaptação de narrativas similares em diversas linguagens 14. O termo tem a sua origem no campo da comunicação entre diferentes meios. A palavra intermedialidade, referindo-se etimologicamente ao que se situa inter media, surgiu, de facto, na área de estudos aplicados de comunicação, designando práticas comunicacionais desenvolvidas

11

Eder, J.; Jannidis, F. e Schneider, R (2010), Characters in fictional worlds- Understanding Imaginary Beings in Literature, Film, and Other Media, ed. De Gruyter 12 Idem, todas as traduções são nossas. 13 Fludernik, M. (1996) na obra Towards a Natural Narratology utiliza o termo “naturalização” (in Reis,2006: 17) 14 Temas abordados na aula de Estudos Narrativos do dia 16 de Outubro de 2014.

8

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

simultaneamente em, ou para, diferentes media, ou usando meios e dispositivos comuns a diferentes media: imprensa, rádio, cinema, televisão, internet 15 (Mendes, 2011:3)

Se olharmos também para as ideias de Mary-Laure Ryan sobre o estudo do conceito podemos constatar que ele pode ser entendido de duas formas. (…) a intermedialidade pode ser concebida num sentido mais estreito ou num sentido mais amplo. No sentido mais amplo é o equivalente medial da intertextualidade e cobre qualquer transgressão das fronteiras entre os diferentes media, no sentido mais estreito refere-se à participação de mais do que um medium- ou canal sensorial- de um dado trabalho16. (Ryan,2012:10 apud Wolf,2008)

A transmedialidade17 está ligada ao ultrapassar das barreiras entre os diferentes média, por exemplo o caso do Senhor dos Anéis, criado por Sir John Tolkien (cf Ryan,2012, 31), que adopta aquilo que originalmente era um livro e que posteriormente foi adaptado ao cinema, tendo, inclusive, um jogo de computador. Estes dois conceitos são, no nosso entendimento, fundamentais para a estruturação de séries televisivas, mas também podem estar patentes numa crónica de imprensa, o exemplo de Veríssimo, que escrevia crónicas nos jornais que posteriormente eram adaptadas e compiladas em livro, ativando assim a intermedialidade. 3. A personagem na crónica de imprensa Todos os dias se abrirmos um jornal encontramos crónicas. Com temáticas muito variadas e autores dos mais diversos campos da sociedade elas comportam diversas caraterísticas. A crónica ganha importância desde o séc. XIX devido às revoluções dessa época, beneficiou da liberalização e maior circulação do jornal, contudo ela já existia antes deste tempo, nomeadamente com as crónicas medievais e o folhetim “ [a crónica] não nasceu propriamente com o jornal, mas só quando este se tornou quotidiano, de tiragem relativamente

15

Mendes, J. (2011) Introdução às intermedialidades disponível in http://crossmediaplatform.ciac.pt/downloads/multimedia/texto/30/anexos/intermedialidades.pdf [consultado a 12 de janeiro de 2015] 16 Ryan, Marie- Laure (2012) Living Handbook of Narratology Tradução nossa, original: intermediality can be conceived in a narrow and in a broad sense. In a broad sense, it is the medial equivalent of intertextuality and covers any transgression of boundaries between different media. In a narrow sense, it refers to the participation of more than one medium—or sensory channel—in a given work. 17 A autora refere duas possibilidades para a transmedialidade, que pode ser em “efeito bola de neve” (Ryan:2012, 31), mais ligada a uma adaptação de narrativas, que já existem num suporte, mas que são desenvolvidas para outros ou ainda através de “franquias” (idem), com uma história a ser criada de raiz mas que previamente se define que vai servir para múltiplas formas de media (cf Ryan:2012,31)

9

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

grande e teor acessível, isto é, há uns 150 anos mais ou menos.” (Lopes e Reis, 2002k:88 apud Cândido, 1992:15). Ela esteve ligada à massificação do jornal enquanto produto de uma sociedade de massas. A crónica de imprensa, a que interessa diretamente a este trabalho, procura atingir o maior público possível, acabando por criar neste diversos efeitos. A crónica obedece a alguns princípios18: o princípio da circunstancialidade, ligado ao tempo e ao espaço, o princípio da subjectividade (cf Lopes e Reis, 2002d:89), retrata a opinião, impressões e ideias de quem a escreve, acabando por não ter tema fixo e assumindo, assim, uma ideia de aleatoriedade. Também possui a noção de digressão, pois numa crónica podemos ver uma espécie de “viagem”. Conseguimos apontar também o princípio da narratividade, pois sendo um género narrativo ela conta sempre alguma coisa. E o último princípio é o de brevidade, imposto por condições de natureza editorial. O estatuto que a crónica ganhou confere-lhe uma presença carregada de legitimação, sendo o cronista responsável por lhe dar opinião, identidade e coerência estilista. Com a sua dimensão temporal, basta-nos olhar para origem da palavra19, tendo, enquanto estratégia comunicativa, três dimensões: interpela (é preciso “chamar o leitor); argumenta (procura convencer alguém) e tem uma dimensão pragmática (tenta provocar efeitos em quem lê). Podemos ver também uma multiplicidade de crónicas especializadas. Devemos ter em atenção que o espaço da crónica na imprensa não segue os mesmos princípios que as notícias, contudo elas podem ter algumas semelhanças. Se o jornalista deve ser objetivo e imparcial, baseando-se em fontes reais, o cronista tem o poder de criar personagens que o público recebe e interpreta, inseridas num campo imaginário, ou seja fictícias. Mas não só: “a crónica pode, e deve, criar as duas primeiras [actualidade e oportunidade], alargando a terceiro [difusão colectiva]20” (Rodrigues,1998:292]. As potencialidades existentes em torno da criação da personagem são muitas. Ela pode ter sentimentos próprios, falas específicas, um nome, e consegue mover-se dentro do campo de ação criado pelo cronista, que acaba por ser o elemento responsável por conceber o seu discurso, as suas caraterísticas físicas e psicológicas e até as suas caraterísticas sociais. “Existem personagens nas crónicas, isto é, figuras humanas, inseridas em um mundo ficcional, onde elas podem pensar, falar e agir21” (Becker:12 s/d). Se repararmos na zona em 18

Princípios apontadas em aula. Advém do grego “Chronos” cujo significado é tempo. 20 Rodrigues, E. (1998) Mágico Folhetim – literatura e jornalismo em Portugal 21 Becker, C. Personagem na Crónica? Um estudo sobre personagens feminas nas crónicas de António Lobo Antunes[sic] disponível através do endereço: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IIICILLIJ/Trabalhos/Trabalhos/S7/carolinebecker.pdf [consultado a 13 de janeiro de 2015] 19

10

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

que as crónicas são inseridas num jornal, podemos observar que elas surgem maioritariamente no espaço muitas vezes intitulado de “opinião”, quando isso não acontece, o leitor pode ter problemas em percecionar a personagem da crónica como sendo algo não real.

3.3 Estudo de Caso – A personagem na crónica A Velhinha de Taubaté (1905-2015)22 Breve Biografia do Autor23: A velhinha de Taubaté foi uma personagem criada pelo escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo. Nascido em Porto Alegre, no Brasil, a 26 de Setembro de 1936, viveu a sua juventude entre o país do samba e os Estados Unidos, algo influenciado pela vida profissional do pai, o também escritor Érico Veríssimo. A profissão do pai teve bastante influência em Luís Fernando Veríssimo: “por ser filho do escritor Érico Veríssimo, Luís Fernando Veríssimo tinha sempre por perto uma considerável biblioteca e cresceu num ambiente propício à leitura e ao desenvolvimento da arte de escrever24” (Devanier, 1996:1). Ao longo da sua vida trabalhou em diversos jornais como o Zero Hora (onde em 1969 assinou a sua primeira crónica), O Estado de São Paulo, O Globo e o Jornal do Brasil. Foi também redactor de publicidade, cartoonista e guionista. O seu primeiro livro denominado O Popular, de crónicas e cartoons, foi publicado em 1973. Muitas das suas crónicas nesses jornais foram compiladas em livro. Dentro das personagens mais marcantes podemos salientar o Analista de Bagé, Ed Mort ou a Velhinha de Taubaté. Maioritariamente as suas obras são crónicas, mas escreveu também contos, romances e literatura infanto-juvenil. Está também ligado ao mundo da música, mais concretamente ao Jazz. Considerado o Intelectual do Ano pela União Brasileira de Escritores em 1997, recebeu posteriormente o Prix Deus Oceans do Festival de Culturas Latinas de Biarritz, no ano de 2004 em França. Estudo de Caso – A personagem na crónica A Velhinha de Taubaté (1905-2015)25 A crónica em análise é a última em que aparece a Velhinha de Taubaté, personagem “que morre” neste momento da narrativa de Veríssimo. O dia 25 de Agosto de 2005 ditava o 22

A crónica está patente nos anexos do trabalho. As informações foram recolhidas através dos websites: http://pensador.uol.com.br/autor/luis_fernando_verissimo/biografia /; http://www.ebiografias.net/luis_fernando_verissimo / e http://www.estudopratico.com.br/vida-de-luis-fernando-verissimo/ [consultados a 13 de janeiro de 2014] 24 DEVANIER, Antoniella . (1996) Luís Fernando Veríssimo: um diálogo entre crónica e jornalismo, XIX Congresso da Intercom-Londrina disponível em http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/5bc04b9c61e6866e4ac1ba81198e018e.pdf 25 A crónica está patente nos anexos do trabalho. 23

11

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

fim da “última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo26”. Para a compreensão da crónica torna-se necessário ter algum conhecimento sobre a vida política brasileira. No caso de estudo podemos ver aceções a diversos presidentes do Brasil, João Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor, Getúlio Vargas o próprio Lula da Silva. O autor, neste caso, assume também a posição de narrador, é Veríssimo, num discurso da 3ª pessoa do singular, que conta a história ao público, podemos também dizer que é claramente omnisciente, pois sabe os pormenores sobre a senhora. A Velhinha de Taubaté, ligada à cidade do Estado de São Paulo com o mesmo nome, surgiu como é transmitido: “durante o governo Figueiredo, o último do ciclo dos generais27”. Se olharmos para essa altura podemos ver que coincide com o período do governo militar no Brasil. Os pensamentos, ideologias e tudo o que envolveu a morte da Velhinha, são transmitidos por Luís Fernando Veríssimo através de uma descrição sistemática do evento, que faz dele um acontecimento mediático. Toda a personagem é catarerizada28 pelo narrador de forma direta. A marca mais comum nesta crónica é o humor com que tudo é narrado. Dentro da história podemos ver um narrador autodiegético29, que dá a sua opinião na crónica, uma marca de subjetividade que é notada, por exemplo, na seguinte passagem “das maiores atrações turísticas do estado”. Há marcas no discurso que são apresentadas30, seguidas de uma sequência de eventos: primeiro a morte, depois é-nos introduzida a “importância” para a comunidade que a senhora tinha, ao ponto de “além de estandes de tiro ao alvo e de venda de estatuetas da Velhinha e de uma roda-gigante, ergueram-se tendas para vender caldo de cana e pamonha em volta da pequena casa de madeira”. O autor volta a ironizar a situação sempre com a marca do humor: “curiosos que chegavam em ônibus de excursão para serem fotografados com ela e pedirem seu autógrafo”. Em seguida voltam a ser retomadas as convicções políticas da idosa, com uma referência que revela o primeiro “desencontro”: “já tivera um pequeno acidente vascular ao saber da compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique Cardoso”, o último problema que levou a algo novo nos sentimentos da figura principal da crónica foram “as CPIs, (…) mas ultimamente começara a dar sinais de desânimo e, para grande surpresa da sobrinha, descrença”. Somos também confrontados, nesta passagem, com uma repetição da vogal “e”, o que revela que ela acreditou nos políticos 26

Expressão presente na crónica. Citação presente na crónica 28 “entende-se por caracterização todo o processo de pendor descritivo tendo como objeto a atribuição de caraterísticas distintivas aos elementos que integram uma história” (Lopes e Reis,2002l:51) 29 Voltando novamente a utilizar o “Dicionário de Narratologia” de Ana Cristina Lopes e Calos Reis: “o narrador autodiegético não pode deixar de afetar o perfil esboçado com a sua posição subjetiva” (p.53) 30 Idem pp.109-112 27

12

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

incessantemente. A atestar esta ideia vem a passagem seguinte: “A Velhinha acreditara em Lula desde o começo e até rebatizara o seu gato, que agora se chamava Zé. Acreditava principalmente no Palocci”, e se olharmos para o contexto político da época, verificamos que estas Comissões Parlamentares estavam a investigar o famoso caso Mensalão, explicando de maneira simplista, “ [Mensalão] assim ficou conhecido e popularizado o esquema de compra de votos de parlamentares, deflagrado no primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores)31” (Duarte, s/d), quanto a Palocci foi um ministro envolvido no caso, que era natural de São Paulo32. Nesta passagem há ainda mais uma genial marca humorística: “até rebatizara o seu gato de Zé”, que consideramos ser uma alusão a José Serra, o candidato que foi derrotado por Lula da Silva aquando das eleições para a presidência. Salienta-se, também, a ironia e o tom cómico com que é relatada a investigação da própria polícia sobre as causas da morte. Final destaque para a expressão: “Pode ter sido suicídio”. Salientamos esta passagem porque representa o fim da personagem, motivado pelo descrédito na política. Indo mais longe, podemos fazer um paralelismo com as convicções pessoais de Veríssimo, que afirma: “nunca escondi minha simpatia pelo PT, pelo Lula33” (entrevista de Rubim. J e Rubim. R,2006) podendo interpretar o fim da Velhinha como o descrédito do próprio cronista pelo partido. A última afirmação revela um “ambiente de grande consternação”, mas decorre no “parque de diversão”, mais uma ironia. Humor, ironia e algum sarcasmo marcam esta narrativa do cronista. A crónica está construída, na nossa opinião, quase como uma notícia, sendo um exemplo, o aparecimento da figura de Suzette - a sobrinha - uma personagem secundária, utilizada como uma fonte para dar credibilidade ao que está a ser descrito. A temática principal é sem dúvida a política (diversas referências não só a políticos de maneira explícita, mas também a “casos” desse “mundo”). Podemos também ver outra matéria: a da solidão e abandono dos idosos - “a Velhinha morava sozinha com seu gato”. Existe mais uma passagem secundária, e também humorística, que revela ao leitor um pormenor extra sobre a vida de Suzette: “Suzette, que tem uma agência de acompanhantes de congressistas em Brasília embora a Velhinha acreditasse que ela fazia trabalho social com religiosas”. A Velhinha, no 31

Informação recolhida através de Duarte. L (s/d) presente no website: http://www.infoescola.com/politica/mensalao/ 32 Na edição online da revista Veja é afirmado: “Em 2005, já ministro da Fazenda, foi acusado por seu exassessor Rogério Buratti de ter recebido um mensalão de 50 000 reais em seus tempos de prefeito. Segundo Buratti, o dinheiro era pago por uma máfia de empresas” in http://veja.abril.com.br/infograficos/redeescandalos/perfil/antonio-palocci.shtml?scrollto=conteudo-rede 33 Entrevista a Rubim, e Rubim, 2006, disponível no endereço: http://www.underfloripa.com.br/site2012/entrevistas1.asp?id=2

13

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

nosso entender é uma personagem redonda. Uma última nota, se olharmos para as iniciais, VT vemos que são o contrário de TV. Com uma forma de escrita realista, Veríssimo levou muitos Brasileiros a pensar que a história era verídica, o que só mostra que por vezes as personagens da crónica de imprensa podem “ganhar vida” fora do jornal. 4 – A personagem na série televisiva A série televisiva insere-se no contexto das narrativas mediáticas na medida em que é criada, seguindo certos princípios estruturantes da narrativa. Obedece a componentes que derivam da narratividade (por exemplo o conflito, a personagem, etc). As séries televisivas seguem estruturas próprias, contudo são formadas a partir de diversas narrativas, “ (…) em televisão chama-se série a um conjunto de relatos dotados de autonomia, mas relacionados entre si de modo a que subsistam elementos de continuidade e redundância entre as várias narrativas que a constituem” (Reis e Lopes, 2002e:378). A Série Romanesca é-nos apresentada como uma sequência de romances usualmente conectados por diversos laços – personagens, espaço e tempo – e reforçada por um título genérico e abrangente. É também caracterizada pelo escrutínio das principais categorias da narrativa através dos incentivos ideológicos e temáticos que a série impera e pretende transmitir. O título e o subtítulo de uma série conferem o elo entre os componentes temáticoideológicos e as estratégias narrativas instauradas, acabam por impor uma certa “continuidade” (cf Lopes e Reis, 2002f378). Esta continuidade encontra-se simultaneamente presente nas personagens que, articuladas entre si, estão sujeitas a procedimentos de caracterização, chegando a representar grupos sociais ou profissionais – personagens tipo. As personagens são também harmonizadas no Espaço, pelo qual se evidenciam “componentes de ordem social e histórica que enquadram os conflitos das personagens” (Lopes e Reis,2002g:378). No caso da Televisão, é apelidado de série todo o agregado de relatos autónomos que se articulam entre si de forma a conceder os elementos base de continuidade e redundância entre as várias narrativas – “Um seriado de Televisão é ‘um grupo de programas com um enredo contínuo de episódio para episódio’34” (Huisman in Fulton et alii,2005, p.154).

34

Tradução nossa. Original : “A television serial is ‘a group of programs with a storyline continued from episode to episode’” Huisman, R apud http://www.itsmarc.com/crs/arch0946.html in Fulton, H et alli, Narrative and Media,2005

14

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

É acertado referenciar a relação de semelhança entre as séries televisivas e cinematográficas marcadas pela presença de certas personagens ao longo dos vários episódios e pela utilização de títulos apelativos. A continuidade que está incutida na série manifesta-se através do tratamento pelo qual as categorias da narrativa são subjugadas. Por um lado temos o Herói que é permanentemente referenciado nos episódios, rodeado de personagens secundárias e por certos comportamentos e objectos que o caracterizam, mantendo, assim, a sua presença ao longo da série. Também o Espaço, tratado como o ambiente onde as personagens atuam, e onde se desenvolvem os episódios, acaba por dar pistas para a caracterização, quase instantânea da personagem. A Série Televisiva é exibida semanalmente e geralmente recorre a um breve momento de analepse onde é recordada a sua problemática. Este momento pode auxiliar-se no genérico para ter o efeito pretendido, como a reapresentação das personagens e dos acontecimentos. Conseguimos encontrar ainda uma distinção dentro das séries de televisão: o chamado seriado e as séries episódicas, “ ao contrário de séries episódicas, nas quais cada episódio é autónomo e as histórias não continuam transversalmente, cada parcela de um seriado faz parte de uma narrativa contínua que não é concluída até ao final da série.35” (Jones,S. 2005 in D. Herman et alii (eds.),2005.p527). 4.4 Estudo de Caso – Frank Underwood em House of Cards A série House of Cards foi criada pela produtora NetFlix, um canal norte-americano que desenvolve conteúdos para a internet e que funciona pelo modo streaming. Lançando todos os episódios de uma temporada ao mesmo tempo, o público poderá assistir a tudo numa só noite. Entendemos que é um seriado, os seus episódios obedecem a uma lógica progressiva36, o espetador só consegue perceber a história e os acontecimentos se tiver visto os episódios anteriores. Esta série é uma adaptação do livro de Michael Dobbs, com o mesmo título, estando assim implícito o conceito de intermedialidade (cf supra capítulo 1). Saliento também que não é a primeira vez que é introduzida em televisão, pois a cadeia Britânica BBC, em 1990 criou uma mini-série com o mesmo nome. Por aqui vemos mais uma caraterística 35

Tradução nossa. Original: "Unlike episodic series, in which each episode is self-contained and storylines do

not continue across episodes, each instalment of a serial is a part of continuing narrative that is not concluded until the end of the series”, Jones, S. “Serial Form” in Herman,D. ; Manfred, Jahn e Ryan, Marie –Laure (eds.). The Routledge Encyclopedia of Narrative Theory. London, 2005,p.527[material fornecido em aula] 36

Termo foi desenvolvido em aula.

15

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

inerente às narrativas mediáticas que é o conceito de “remediação37” (Ryan,2012 apud Bolter e Grusin 1999). (…) o conceito de remediação para explicar as relações entre diferentes media. No ponto de vista dos autores, cada novo meio de base tecnológica deve ser entendido no contexto de outros meios de comunicação, como uma tentativa de “remediar” as suas limitações de maneira a conseguir ficar mais perto da meta ilusória que é “atingir o real”38 (Ryan,2012 apud Bolter e Grusin, 1999).

Centremos as nossas atenções na personagem principal desta história. Frank J. Underwood, protagonizado por Kevin Spacey, é um político norte-americano, já com muita experiência no Congresso e que lidera o partido democrata. A política e o drama são as temáticas principais, mas a série comporta outras sub-temáticas: o elo de ligação é Frank. Enumeramos algumas: um matrimónio de conveniência - tanto Frank como Claire têm interesses que querem satisfazer e a sua relação assenta no mútuo apoio para atingirem o que querem (é casado com Claire Underwood, interpretada por Robin Wrigh); a relação com uma jornalista - para conseguir que a imprensa divulgue “o que lhe dá jeito”; a traição consentida no matrimónio (por parte do casal principal); a utilização de todos os recursos para conseguir atingir os seus fins (incluindo homicídios); o jogo psicológico constante para manipular a fim de chegar onde quer; a corrupção; entre muitas outras que são transmitidas. Frank é por diversas vezes o narrador da história, há momentos em que inclusive faz comentários para o espetador, quase como se de um aparte se tratasse, uma técnica para aproximar o público ao drama de House of Cards. A personagem Frank é o herói e ao mesmo tempo o vilão da trama. O Sr. Underwood é uma personagem rica em elementos muito próprios e até peculiares, por isso podemos considera-la uma personagem redonda39, muito elaborada, carregada de elementos muito específicos (por exemplo tem como hobby jogar videojogos de guerra ou utilizar “soldadinhos de guerra” para construir um “mini mundo”). Os espaços em que mais vezes se desenrolam as cenas são o Capitólio, - centro máximo do poder norteamericano - a sua casa e o seu escritório em Washington. O próprio genérico pode ser interpretado como um elemento de poder, acaba precisamente com a imagem do centro máximo da política dos EUA. Realçamos ainda a colocação da bandeira norte-americana “ao contrário” do normal, o que nos transmite a ideia de que a vida política daquele país não é 37

Ryan, M. L. 2012 apud Bolter e Grusin 1999 in Narration in Various Media disponível em: http://www.lhn.uni-hamburg.de/article/narration-various-media [ consultado a 13 de janeiro de 2015] 38 Idem. Tradução nossa. Original : “the concept of “remediation” to explain the relations between different media. In their view, every new technology-based medium must be understood, in the context of other media, as an attempt to “remediate” their limitations and get closer to the elusive goal of “achieving the real” 39 Termo definido anteriormente.

16

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

“tão bela” como muitas vezes se faz transparecer. Ao longo das duas temporadas da série já transmitidas podemos perceber que o caminho percorrido pela personagem é uma espécie de escada até ao topo (no final da 2ª temporada é o presidente da nação mais poderosa do mundo). Tudo começou quando Garret Walker (o presidente dos EUA no início da série) não cumpriu a promessa de que em caso de ganhar as eleições colocaria Frank (que ajudou à eleição) como secretário de Estado. A partir deste momento Underwood começou a desenhar a sua própria estratégia de vingança, um plano que demorou duas temporadas (13 episódios em cada uma), sendo cada episódio com uma duração média de quarenta a quarenta e cinco minutos, mas que culmina no fim que a personagem pretende. O carácter frio, pragmático, racional e sem qualquer tipo de consciência chega a chocar o público, basta olhar a morte do jovem político Peter Rousso ou da jornalista Zoe Barnes, empurrada para uma linha de metro, quando passava um metropolitano. O responsável pelas mortes? Frank Underwood. O político sem escrúpulos que subiu a sua “escada” do poder através de esquemas, sempre apoiado, também, pelo seu “súbdito” leal, Doug Stamper, chega finalmente à presidência no último episódio da segunda temporada. Os recursos estilísticos mais comuns no discurso de Frank são o sarcasmo, a ironia, o eufemismo e a metáfora, mas reiteramos que há mais que levariam a uma análise muito mais extensa. Em suma, Frank Underwood é uma personagem que tem ganhado muito mediatismo, seja pela qualidade do ator40, que faz um papel, arriscamos dizer fenomenal, seja por toda a complexidade que envolvem as suas características psicológicas e emocionais (ou falta delas). Enquanto personagem representa o lado “menos bonito” da política, entrando em jogos e conspirações, algo que atrai o público ávido por conhecer esta realidade. Uma nota final para a capa da série41, onde vemos Frank Underwood sentado na “cadeira do poder”, saltam à vista as semelhanças com a estátua do presidente norteamericano Abraham Lincoln, o Memorial Lincoln, presente em Washington DC. A estátua de Lincoln foi criada para lembrar as batalhas que travou enquanto esteve à frente da presidência, o seu mandato atravessou o período da Guerra Civil e ficou muito marcado pela abolição da 40

Na gala dos globos de ouro da academia, que decorreu dia 12 de janeiro de 2015,Kevin Spacey arrecadou o galardão para melhor ator de série dramática com a personagem de Frank Underwood. 41 Nos anexos consta a capa e a estátua de Abraham Lincoln, um elemento que também foi analisado em aula do seminário.

17

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

escravatura. Comparando a imagem do “nosso” protagonista, ela serve para ilustrar as batalhas de Frank para chegar ao poder (as duas imagens aludem a essa característica), mas salientamos o sangue presente nas mãos da personagem enquanto está sentada na cadeira, o que mostra que não teme nada nem ninguém e se tiver de matar (literal e figurativamente) não terá qualquer problema. Podemos ainda ficar a pensar num aspeto: terá Frank Underwood o mesmo fim que Abraham Lincoln? Lincoln foi assassinado no teatro, vamos ver o que acontece “ ao presidente dos Estados Unidos” em futuro House of Cards... 5.Conclusão Comparando as duas personagens conseguimos concluir que têm em comum a temática da política. O caso da Velhinha de Taubaté de Luís Fernando Veríssimo é uma personagem que acredita “cegamente” na verdade que existe por trás deste mundo tão encoberto e duvidoso. Já Frank Underwood de House of Cards é o oposto, ele transmite-nos a ideia de que a política, no caso específico norte-americano, serve para cumprir interesses e ambições pessoais de quem nela está envolvido, não sendo bonita nem amiga de ninguém. Ao longo da produção académica percecionámos também que as narrativas mediáticas constroem personagens com elevada complexidade, com ideias muito elaboradas nestes casos de estudo. As duas personagens “saem” da sua existência no mundo ficcional, deixam o leitor e o telespetador a pensar muitas vezes se realmente existem, se a verdade que contam é a do mundo real que o rodeia. Outro ponto explicitado é o de que tanto a crónica de imprensa como a série televisa têm os seus fundamentos e princípios fundacionais no séc. XIX, com uma clara ligação a áreas da literatura e da história. Falar da personagem enquanto construção do mundo imaginário não é tarefa fácil, tentámos neste espaço dar uma visão geral desta categoria da narrativa. Este trabalho acaba por ser curto para abordar tudo o que esta comporta. A Velhinha de Taubaté pode ser interpretada por muitos outros aspetos, desde as ironias que acarreta às suas implicações na vida social dos leitores do jornal até à data em que “morreu”. Um estudo deveras interessante, que poderá dar temas de teses e de outros trabalhos, é a análise dos elementos que fazem de Frank Underwood uma personagem diferente daquilo a que o público estava habituado a ver nas séries televisivas. A própria série dava estudos em diversos campos, como por exemplo a relação entre o protagonista principal e a sua mulher

18

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Claire. Quem sabe nos próximos tempos não poderemos ver mais trabalhos aprofundados nesta matéria. Como já nos alongámos até aqui, terminamos com a ideia de que estes dois “seres” do mundo da imaginação se transcenderam e aí há que dar mérito aos seus criadores. Uma salva de palmas a Veríssimo, a todo o elenco e às pessoas que trabalham na produção de House of Cards. Que se fechem as cortinas, por agora. 6.Referências Bibliográficas BARTHES, Roland. (1996) Introduction à l’analyse structurale des récits, Revista Communications, 8, p. 1 [material fornecido em aula] BECKER, Caroline. Personagem na Crónica? Um estudo sobre personagens feminas nas crónicas de António Lobo Antunes[sic]. s/d disponível através do endereço: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IIICILLIJ/Trabalhos/Trabalhos/S7/carolinebecker.pdf [consultado a 13 de janeiro de 2015] DEVANIER, Antoniella. (1996) Luís Fernando Veríssimo: um diálogo entre crónica e jornalismo, XIX Congresso da Intercom-Londrina disponível em http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/5bc04b9c61e6866e4ac1ba81198e018e.pdf [consultado a 11 de janeiro de 2015] EDER, Jens. e JANNIDIS, Fotis. e SCHNEIDER, Ralf (2010), Characters in fictional worlds- Understanding Imaginary Beings in Literature, Film, and Other Media. Berlim ed. De Gruyter. Disponível no endereço : https://www.academia.edu/1842267/Characters_in_Fictional_Worlds_Understanding_Imagin ary_Beings_in_Literature_Film_and_Other_Media._Berlin_de_Gruyter_2010._coedited_with_Fotis_Jannidis_and_Ralf_Schneider_ [consultado a 9 de janeiro de 2015] FULTON, Helen e HUISMAN, Rosemary e MURPHET, Julian e DUNN, Anne. (2005). 1ª Edição. Narrative and Media. Cambridge: University of Cambridge Press. Disponível no endereço: http://www.philol.msu.ru/~discours/images/stories/speckurs/Narrative_and_media.pdf [consultado a 14 de janeiro de 2015] GALVÃO, Artur e Alves, J. A. (2006). Introdução Histórica às Ciências Cognitiva. Jornal de Ciências Cognitivas. Sociedade Portuguesa das Ciências Cognitivas disponível em http://jcienciascognitivas.home.sapo.pt/06-01_alveseartur.html [consultado a 10 janeiro de 2015] JONES, Sara. Serial Form in D. Herman Manfred, Jahn e Ryan, Marie -Laure (eds.). The Routledge Encyclopedia of Narrative Theory. London, 2005,p.527 LOPES, Ana e REIS, Carlos. (2002). Dicionário de Narratologia.7ª Edição., Coimbra: Livraria Almedina

19

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

MENDES, J. (2011) Introdução às intermedialidades. Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve Escola Superior de Teatro e Cinema disponível no endereço http://crossmediaplatform.ciac.pt/downloads/multimedia/texto/30/anexos/intermedialidades.p df [consultado a 12 de janeiro de 2015] PRINCE, Gerald. (1987). A Dictionary of Narratology.1ª Edição., Nebraska: University of Nebraska Press: Lincoln & London REIS, Carlos (2006). Narratologia(s) e Teoria da Personagem. Figuras de Ficção. Centro de Literatura Portuguesa. Pp.9-23.Coimbra. Disponível no endereço: https://coimbra.academia.edu/CarlosReis/Papers [consultado a 11 de janeiro de 2015] REIS, Carlos (2013). Morte e ressurreição da personagem. Figuras de Ficção. Blog do escritor. Disponível no endereço: https://figurasdaficcao.wordpress.com/2013/10/29/morte-eressurreicao-da-personagem/ [consultado a 9 de janeiro de 2015] RUBIM, Jerónimo e Rubim, Rafael, (2006).Entrevista com Luís Fernando Veríssimo. Blog UNDER FLORIPA disponível no endereço: http://www.underfloripa.com.br/site2012/entrevistas1.asp?id=2 [ consultado a 14 de janeiro de 2015] RODRIGUES, Ernesto. (1998). Mágico Folhetim – Literatura e Jornalismo em Portugal. 1ª Edição.,Lisboa: notícias editorial. Coleção Artes e Ideias RYAN, Marie – Laure. (2012). Narration in Various Media in Hühn, Peter e Pier, John e Schmid, Wolf e Schönert, Jörg. (eds..)The Living Handbook of Narratology. Berlim: Walter de Gruyter, (2009). Disponível no endereço: http://www.lhn.uni-hamburg.de/article/narrationvarious-media [consultado a 13 de janeiro de 2015] Outras fontes Websites - Dados biográficos de Luís Fernando Veríssimo http://pensador.uol.com.br/autor/luis_fernando_verissimo/biografia [consultado a13 de janeiro de 2015] http://www.e-biografias.net/luis_fernando_verissimo [consultado a 13 de janeiro de 2015] http://www.estudopratico.com.br/vida-de-luis-fernando-verissimo/ [consultado a 13 de janeiro de 2015]

Caso mensalão Duarte. Lidiane (s/d). Disponível no endereço: http://www.infoescola.com/politica/mensalao/ [consultado a 13 de janeiro de 2015] Revista Veja, artigo não assinado. Disponível http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/perfil/antoniopalocci.shtml?scrollto=conteudo-rede

no

endereço:

20

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Anexos Elemento número 1. Crónica analisada, publicado no dia 24 de agosto de 2014 retirada do endereço: http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,morre-a-velhinha-de-taubate,7027,0.htm [acesso no dia 10 de janeiro de 2015]

21

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Elemento número 2. Imagem de Frank Underwood na “cadeira do poder” fonte: Jornal Observador, notícia: Globos de Ouro: nódoas e nomeados, escrita por Eurico de Bastos e Sara Otto Coelho, publicada

no

dia

11

de

janeiro

de

2015,

disponível

através

do

endereço:

http://observador.pt/2015/01/11/globos-de-ouro-nodoas-e-nomeados/ [acesso no dia 12 de jnaneiro de 2015]

22

Mestrado em Comunicação e Jornalismo| Estados Narrativos| A Personagem na Crónica e na Série- Estudo de Casos Emanuel Jorge Sebastião Pereira- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – ano lectivo 2014/2015

Elemento número 3.- Estátua de Abraham Lincoln (Lincoln Memorial) fonte: Jornal ABC, notícia: La noche de los Oscar y la verdadera ruta de Lincoln , escrita por María Picatoste, publicada no dia 25 de feveireiro de 2013, disponível através do endereço : http://www.abc.es/viajar/estados-unidos/abci-lincoln-oscar-eeuu-201302211238.html [acesso dia 13 de janeiro de 2015]

23

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.