A perspectiva estratégica da Índia para o Século XXI

July 13, 2017 | Autor: Erik Ribeiro | Categoria: Asian Studies, International Relations, International Security, Regional Integration, India
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5º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais Redefinindo a Diplomacia em um Mundo em Transformação 29 a 31 de Julho de 2015

Área Temática: Análise de Política Externa Painel: China, Japão e Índia: política externa e perspectivas estratégicas

A PERSPECTIVA ESTRATÉGICA DA ÍNDIA PARA O SÉCULO XXI

Erik Herejk Ribeiro Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Belo Horizonte 2015

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A PERSPECTIVA ESTRATÉGICA DA ÍNDIA PARA O SÉCULO XXI

ERIK HEREJK RIBEIRO1

RESUMO

O trabalho apresentado procura analisar a perspectiva estratégica da Índia para o Século XXI. Pode se observar suas iniciativas sob os parâmetros da busca por maior segurança e, ao mesmo tempo, por integração de mercados. Em comparação ao século XX, a Índia se afastou da visão Nehruísta e pratica uma Política Externa mais Realista e pragmática. Destacam-se três elementos neste contexto: A busca por dominância no Oceano Índico, a Política de Olhar para o Leste (1991-atualmente) e o multi-alinhamento. O Oceano Índico apresenta-se como o espaço natural de projeção de poder e influência para a Índia. O país se propõe a ser o provedor de segurança regional, a exercer controle sobre Linhas de Comunicação Marítima e a limitar a interferência externa no Índico, especialmente da China. Do ponto de vista diplomático, econômico e político, a relativa lentidão do processo de integração no Sul da Ásia incentivou a Índia a aprofundar sua inserção no Leste Asiático. A Política de Olhar para o Leste tem inserido gradualmente a Índia nos assuntos da região vizinha através da participação em arquiteturas multilaterais (e.g. Fórum Regional da ASEAN, ASEAN+6) e de parcerias bilaterais. No âmbito global, a Índia busca parcerias estratégicas com as principais potências internacionais, tencionando se inserir politicamente no alto escalão de países. Esta política tem sido chamada de multi-alinhamento. Ao mesmo tempo, os Indianos evitam formar alianças ou parcerias que comprometam sua autonomia externa. Como resultado, observa-se que a Índia adaptou suas perspectivas com o fim da bipolaridade e com a emergência de uma nova geometria de poder global. Hoje, o país tenta assegurar sua predominância regional, ao mesmo tempo em que se associa ao possível novo polo dinâmico da economia mundial e também às potências tradicionais conforme o interesse nacional.

Palavras-chave: Índia. Ásia. Segurança. Integração.

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Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS. Bacharel em Relações Internacionais pela UFRGS. Contato: [email protected]

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A PERSPECTIVA ESTRATÉGICA DA ÍNDIA PARA O SÉCULO XXI Introdução O objetivo deste estudo é apresentar uma análise sobre a adaptação da Política Externa da Índia aos desafios estratégicos de uma ordem global e regional em mudança no Século XXI. A partir de 1998, houve certo consenso acerca das bases de inserção internacional partindo das correntes político-estratégicas Neoliberal e Realista. Neste caso, entende-se que há elementos do Neoliberalismo na adoção do pragmatismo diplomático em nome do crescimento econômico e de outras fontes de poder nacional. Ao mesmo tempo, há uma percepção realista sobre os interesses dos Estados e a competição interestatal. Assim, há a necessidade de forjar parcerias estratégicas mais profundas, sem que isto comprometa a autonomia estratégica nacional. Ou seja, o princípio fundamental proposto por Nehru, de não submeter-se aos interesses de potências estrangeiras, permanece atual e organizado sob uma nova lógica. Este estudo traz uma abordagem da inserção estratégica da Índia adaptada a partir dos três círculos concêntricos de Raja Mohan (2014), reorganizando-os em: Vizinhança Próxima (Sul da Ásia e Oceano Índico), Vizinhança Estendida (Oriente Médio/África e Leste Asiático) e a Dimensão Global2. Historicamente, a Índia enfrenta problemas com seus vizinhos imediatos. Em virtude da dificuldade em obter reconhecimento de sua dominância no Sul da Ásia, os indianos passaram a agir de forma benéfica sem exigir reciprocidade. A rivalidade com o Paquistão, contudo, tem se agravado e continua sendo o grande entrave para o reconhecimento de uma ordem regional liderada pela Índia. Em termos estratégicos, a solução provisória para o impasse regional é o alargamento do perímetro indiano, passando a abranger o Oceano Índico e seus pontos de entrada e saída. Assim, a Índia aspira tornar-se uma potência marítima capaz de promover bem estar e segurança para todo o litoral, prevenindo o envolvimento de potências externas. No contexto da Vizinhança Estendida, a Índia aproximou-se politicamente dos países do Leste para diluir a influência regional da China. Este é um dos aspectos da nova perspectiva estratégica da Índia, que assume de forma mais explícita a sua ambição de liderança na Ásia não somente pelas ideias (democracia, solidariedade asiática, cooperação Sul-Sul), mas também pelos aspectos materiais de poder econômico e militar. Na África e Oriente Médio houve a busca por recursos energéticos e novos mercados.

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A adaptação é necessária devido à crescente projeção externa da Índia, que já encara o Oceano Índico como seu entorno estratégico e área vital de interesse. Dada a iniciativa da Índia em participar de questões diplomáticas, econômicas e securitárias desde a África até o Leste Asiático, estas regiões devem estar inclusas em um perímetro externo de influência e atuação.

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No âmbito global, as elites indianas3 reivindicam status de Grande Potência e postulam um mundo policêntrico (ou multipolar) em que a Índia seja protagonista de uma ordem mais democrática, relativista e que reflita a atual distribuição de poder global. Ainda que o Nehruísmo e o não alinhamento não tenham encontrado voz no pós-Guerra Fria, isto não significa que a Índia sucumbiu ao fim da história ou ao egoísmo auto-interessado. Embora esteja mais voltada para o desenvolvimento interno, a Índia reconhece que os problemas do Sul não serão resolvidos por cada país individualmente (MENON, 2014). Assim, a Índia poderia se constituir numa potência de ligação, ou “bridging power” (KHILNANI, 2005) entre as potências tradicionais do Ocidente e o mundo emergente. Por hora, o país continua agindo conforme o objetivo basilar de Nehru: manter a autonomia estratégica nacional. No mundo atual, isto inclui parcerias com as principais potências do Sistema e coalizões de geometria variável com países do Sul político. As correntes político-estratégicas da Índia Identifica-se três correntes político-estratégicas principais na Índia atual: Nehruísmo, Neoliberalismo e Realismo4.

Seria possível relacionar, historicamente, as coalizões

lideradas pelo Indian National Congress (INC) com a visão Nehruísta e os governos do Bharatiya Janata Party (BJP) com a visão Realista (associada ao Hinduísmo). A influência do Neoliberalismo tem perpassado todos os governos desde a década de 1990. Atualmente, todas as três partem do Realismo, pois acreditam que o Sistema Internacional é anárquico e que suas bases de interação são o interesse próprio, poder e violência (BAJPAI, 2014). Os Nehruístas acreditam mais no poder das instituições internacionais e da diplomacia. Nas origens desta corrente de pensamento estão as ideias do anti-imperialismo e do não alinhamento, duas bases da Política Externa da Índia independente. O Internacionalismo, o Pan-Asianismo (ou solidariedade asiática) e a coexistência pacífica completam o corolário nehruísta, chamado de Panchsheel. Este conjunto de ideias se constituiu na base normativa da Conferência de Bandung (1955) e dos valores da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). A estratégia de Nehru, para além do não alinhamento e da solidariedade no Terceiro Mundo, era aumentar a autonomia estratégica da Índia em tempos de bipolaridade global e de fragilidade interna. A visão de Nehru prevaleceu até a derrota impactante na Guerra Sino-Indiana (1962), quando houve a ascensão do que Cohen (2001) classifica como “Nehruísmo

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Neste estudo, é abordada apenas a perspectiva das elites políticas nacionais. Esta visão negligencia o papel de elites regionais, que adquiriram maior participação eleitoral a partir dos anos 1990 e provocaram o surgimento de coalizões entre os partidos nacionais (Indian National Congress ou Bharatiya Janata Party) e partidos locais de menor expressão. 4 Bajpai (2014) também identifica mais três correntes: Hinduísmo, Gandhismo e Marxismo. Estas têm apenas influência marginal no pensamento e na formulação de políticas.

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Militante” durante os governos de Indira Gandhi (1966-1977 e 1980-1984). O Nehruísmo Militante se diferenciaria do original, segundo Cohen, por encarar o mundo de uma forma mais próxima ao realpolitik. Embora os nehruístas tradicionais também admitam a utilização da guerra e coerção em caso de falha da diplomacia, esta nova vertente enxergou um mundo onde predominavam ameaças: Os vizinhos passaram a ser vistos como manipulados por potências externas; o Paquistão se consolidou como arqui-inimigo; a China se tornou a potência rival por influência regional; e os Estados Unidos reforçaram seus laços com o Paquistão e retomaram sua relação com a China em 1971. Na visão dos Nehruístas Militantes, portanto, todos estes países estavam bloqueando a dominância justa e natural da Índia em sua região (COHEN, 2001, p. 41-43). O advento do fim da Guerra Fria, somado às dificuldades econômicas da Índia, favoreceu a ascensão da corrente Neoliberal. Segundo Sisodia (2014, p. 181-182), tornouse difícil situar o não alinhamento em um mundo subitamente unipolar e a Índia necessitava urgentemente de crescimento econômico. A partir de então, o crescimento passou a ser prioridade na política externa através da liberalização e da ênfase no comércio e investimento externo. Assim, a Índia revitalizou suas relações com as principais potências asiáticas e globais nas bases do pragmatismo (estendendo para agendas políticas e de defesa). No sul da Ásia, houve a tentativa de integração através da revitalização da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional (SAARC), que tornaria a Índia numa oportunidade de crescimento para os vizinhos. Os Neoliberais indianos acreditam na teoria da interdependência complexa e assumem um papel preponderante dos aspectos econômicos sobre indicadores militares. Há ênfase nos ganhos absolutos, contrariando a lógica realista de ganhos relativos. Ao contrário dos liberais-institucionalistas, não acreditam no poder das instituições globais para impedir conflitos, mas apenas no poder econômico. Este deve ser buscado através da abertura de mercados e da inovação tecnológica, que serão os elementos substitutivos da lógica de conflito militar por territórios (SISODIA, 2014). A presença do Realismo na Política Externa da Índia é antiga, influenciada por autores e textos pré-coloniais (em especial por Kautilya e por cinco escrituras do hinduísmo – as Vedas) (KARNAD, 2014), além de ideias trazidas pelo Raj Britânico (MOHAN, 2010). O pressuposto geral desta corrente coloca o poder militar no papel de fiador da soberania nacional e a balança de poder como sendo o elemento regulador das relações entre potências. Na sua visão, o fenômeno da Guerra é a extensão da política e não apenas fruto de erros de percepção. Do ponto de vista econômico, os gastos militares são vistos como investimentos, seguindo uma lógica keynesiana (BAJPAI, 2014, p. 117-124). Cabe ainda citar a importância da extensa comunidade de estrategistas realistas, seja no governo, na academia, ou em think tanks como o Institute for Defence Studies and

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Analyses (IDSA)5. No entanto, a relevância do Realismo cresceu apenas a partir dos anos 1990. Em associação, ascendeu a corrente Hinduísta, que partilha do nacionalismo hindu e de alguns valores sociais conservadores (COHEN, 2001, p. 43-47). Assim como o Neoliberalismo passou a dominar o campo econômico, substituindo as antigas políticas socialistas, os defensores do Realismo passaram a reivindicar uma política externa mais voltada para os objetivos de segurança nacional. A realização destes objetivos viria com a maximização do poder geral da Índia, especialmente de poder material (econômico e militar). Argumenta-se que o país deveria passar a atuar enquanto Grande Potência e ter maior atuação e reconhecimento externo. Os realistas defendem parcerias estratégicas com outras potências e a barganha com China e EUA. Além disso, defende-se o endurecimento da relação com o Paquistão, ao mesmo tempo em que são oferecidos benefícios para a negociação. A realização do teste nuclear de 1998 é vista como um rito de passagem da Índia para o clube das Grandes Potências e, analogamente, o acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos (2005) seria o reconhecimento desta condição pela superpotência global. Jaishankar (2008) aponta que houve certo consenso sobre as bases da política externa da Índia nos governos de Vajpayee – do BJP (1998-2004), e de Manmohan Singh – do INC (2004-2014). Suas características comuns abrangem: doutrina de dissuasão nuclear mínima, aproximação com os Estados Unidos, intensa diplomacia com o Paquistão, parcerias estratégicas com potências regionais, a Política de Olhar para o Leste e a Cooperação Sul-Sul. De uma maneira mais geral, os princípios da política externa da Índia neste período incluíram a priorização do desenvolvimento econômico, a ênfase na diplomacia e na soberania nacional, a visão do mundo a partir de balanças de poder, a aversão a alianças fixas, a não interferência direta em assuntos internos e engajamentos bilaterais com países chave, mesmo que sejam competidores (JAISHANKAR, 2008, p. 12).

Vizinhança Próxima: A Índia no sul da Ásia e no Oceano Índico Historicamente, as elites indianas pensaram geopoliticamente a Índia como um subcontinente que estendia seus domínios às fronteiras naturais das montanhas do Himalaia, englobando os territórios atuais do Afeganistão, Paquistão e Bangladesh. Frequentemente, o subcontinente sofreu invasões da Ásia Central e da Pérsia (atual Irã), fator que introduziu novas populações e a religião islâmica (KAPLAN, 2010). 5

Um expoente notável desta corrente foi K. Subrahmanyam (1929-2011), que aconselhou primeirosministros durante as guerras Indo-Paquistanesas de 1971 e 1999 e exerceu papel chave para incentivar a fabricação dos primeiros artefatos nucleares pela Índia. Subrahmanyam também foi o segundo diretor da IDSA, cuja criação foi inspirada pelo sucesso da norte-americana RAND Corporation.

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Ao sul, o Oceano Índico passou a ser encarado de forma estratégica a partir da colonização britânica, que reforçou a visão de poder marítimo e a importância do domínio dos mares contíguos e dos pontos de estrangulamento para impedir incursões de potências externas. Segundo Holmes, Winner e Yoshihara (2009, p. 38-39), o pensamento estratégico marítimo indiano se assemelha à Doutrina Monroe dos Estados Unidos. Isto significa que, caso haja a necessidade de intervenção na região, esta deveria ser feita pela Índia e não por uma potência externa. A colonização britânica e a subsequente fratura do subcontinente em 1947 deram origem a Estados incompletos e rivais entre si: Índia e Paquistão6. A rivalidade indopaquistanesa originou quatro guerras (1947-1948, 1965, 1971 e 1999) e grandes crises bilaterais (a maior em 2001-2002). Após o fim da Guerra Fria, a rivalidade indo-paquistanesa adquiriu novos contornos com a nuclearização dos dois países e o início da insurgência armada na Caxemira. Apesar de haver interpretações positivas e negativas sobre seu impacto estratégico (GANGULY; KAPUR, 2010), a presença de armas nucleares acentuou o conflito bilateral, especialmente devido à estratégia de guerra assimétrica do Paquistão7. A conformação de uma ordem regional harmoniosa é barrada pela dificuldade da Índia em relacionar-se com os vizinhos e em garantir estabilidade regional. A questão fundamental da política externa da Índia para o sul da Ásia é como conciliar a assimetria de poder regional e criar um ambiente estrategicamente seguro, politicamente estável e economicamente integrado. Ao longo das décadas, houve diferentes abordagens para atingir este objetivo, variando entre o intervencionismo da Doutrina Indira, o neonehruísmo da Doutrina Gujral (1997-1998) e o pragmatismo realista de Vajpayee-Singh (1998-2014). A Doutrina Indira exemplifica a abordagem proposta pelo Nehruísmo Militante em duas proposições: Evitar a intervenção de potências externas na região e intervir quando houver um conflito que afete seus interesses. A maior intervenção ocorreu no apoio à guerra de independência de Bangladesh (1971), quando os indianos operaram de forma encoberta e posteriormente iniciaram uma guerra aberta contra o Paquistão. Durante os anos 1970 e 1980, a Índia também interviu em conflitos políticos nas ilhas Maurício, Seychelles, Maldivas e no Sri Lanka, e promoveu um embargo econômico ao Nepal (BREWSTER, 2014). A Doutrina Gujral deu prioridade, pela primeira vez, ao desenvolvimento conjunto acelerado no sul da Ásia, que viria através do spill over do crescimento indiano para os vizinhos. Gujral declarou não esperar reciprocidade dos países menores, indicando maior vontade em carregar os custos da integração regional para diminuir as disparidades entre 6

A política de fronteiras do Império Britânico também causou linhas de fratura entre o Afeganistão e Paquistão através da Linha Durand, que dividiu arbitrariamente o Raj Britânico e a zona tampão afegã. 7 Em virtude de sua desvantagem militar convencional, os paquistaneses têm aumentado o apoio a militantes islâmicos atuando no Afeganistão e na Índia (RASHID, 2012).

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países. A abordagem para o Paquistão foi de resolução pacífica de disputas, enquanto a Índia unilateralmente decidiu encerrar as operações encobertas no país vizinho como gesto de boa vontade. Segundo Stephen Cohen (2001, p. 40), a Doutrina Gujral seria a expressão contemporânea do Nehruísmo, mas reforçando o papel integração regional como base de apoio e aceitando a nova realidade econômica global. O pragmatismo realista de Vajpayee-Singh colocou seu enfoque em dois eixos: 1) Priorização dos laços diplomáticos com o Paquistão, condicionando a estabilidade da relação aos esforços paquistaneses para encerrar o apoio a militantes anti-Índia e 2) Expansão da noção de vizinhança (e, implicitamente, de esfera de influência) para todo o Oceano Índico, combinando ações de diplomacia cultural, econômica, política e militar. Após os testes nucleares de 1998, Índia e Paquistão concordaram sobre a necessidade em evitar a confrontação e de resolver a questão da Caxemira de forma flexível. O processo foi iniciado pela Declaração de Lahore (1999), colapsando após a Guerra de Kargil. Na Cúpula de Agra (2001), o governo militar paquistanês de Musharraf recusou-se a assinar qualquer documento. Poucos meses depois, um ataque terrorista ao parlamento indiano causou nova crise, motivando a mobilização de 500.000 soldados indianos na fronteira. Devido à falta de efetividade em coagir o Paquistão, o Exército Indiano criou a Doutrina Cold Start, que prevê pela primeira vez a possibilidade de invasão rápida de pequenas porções do território paquistanês para obter vantagem em negociações. Esta doutrina tem gerado apreensão devido ao risco de escalada (LADWIG III, 2008). Provavelmente, a maior diferença entre as estratégias de Vajpayee e Singh tenha sido a utilização da coerção militar. Neste sentido, apesar do pragmatismo, o governo do BJP mostrou sinais de maior propensão à utilização da força contra o Paquistão. Contudo, Manmohan Singh também demonstrou que o avanço das negociações de paz dependeria do encerramento do apoio a grupos anti-Índia. Em 2006, iniciaram novas negociações para um tratado de paz e amizade, sendo interrompidas pelos atentados terroristas de Mumbai (2008). Desde aquele momento, as negociações não foram retomadas8. Em geral, se pode dizer que os indianos ficaram cada vez mais preocupados com a influência exercida pela China no sul da Ásia, especialmente no âmbito econômico, mas também em laços políticos e militares (MALIK, 2012). Apesar do interesse crescente da China no Oceano Índico, a Índia possui a vantagem geográfica natural e, mais do que isso, tem exercitado um papel diplomático de estabilização política dos vizinhos e de progressivo

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Em 2014, durante a última tentativa de negociação, houve o cancelamento do encontro entre o novo primeiro ministro Narendra Modi, do BJP, e Nawaz Sharif. A justificativa foi o encontro de líderes paquistaneses com líderes militantes da Caxemira. Desta forma, o BJP demonstrou pela primeira vez que sequer negociaria enquanto o Paquistão mantivesse sua interferência nos assuntos internos da Índia.

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papel no provimento de segurança a estes países, retomando a boa vizinhança de Gujral sem deixar de observar o plano securitário. A Índia auxiliou os esforços de transição política no Butão, Maldivas, Nepal e Sri Lanka. Em Mianmar, os indianos expandiram os laços militares (naval e anti-terrorismo), evitando pressionar por abertura política devido às relações especiais que o país mantém com a China. Houve ainda o estabelecimento de novas parcerias estratégicas com Afeganistão e Bangladesh. Recentemente, já no governo Narendra Modi (BJP), foi assinado um pacto de troca de enclaves fronteiriços com Bangladesh, sinalizando a continuidade das políticas anteriores. No Oceano Índico como um todo, a Índia tem combinado iniciativas de soft power cultural (Projeto Mausam), econômico-político (Indian Ocean Rim Association – IORA) e militar (Indian Ocean Naval Symposium – IONS e Indian Ocean Five – IO-5). O Projeto Mausam (Monção) procura reviver historicamente as ligações comerciais, culturais e sociais entre diversas regiões do Oceano Índico, muitas consideradas como patrimônio da humanidade. O IORA é a única associação pan-regional9 criada para facilitar o comércio e investimentos. Em 2014, foi introduzida a Declaração Econômica da IORA, que prioriza a Economia Azul: indústrias ligadas ao mar no desenvolvimento de portos, da pesca, energia renovável, exploração mineral e turismo. No âmbito securitário, o IONS é um fórum naval, criado em 2008 pela Marinha Indiana e composto por 35 países. O objetivo é aumentar a cooperação entre as marinhas do Oceano Índico em iniciativas para aumentar a segurança marítima em assuntos tradicionais e em novas ameaças. Apesar de seu interesse no multilateralismo, a Índia tem barrado a participação de potências extra-regionais interessadas no IONS, especialmente a China. O IO-5, grupo criado recentemente por Índia, Ilhas Maurício, Maldivas, Seychelles e Sri Lanka tem contornos de aliança. Os indianos tem provido segurança a estes países através de exercícios e treinamento militar, venda de equipamentos e compartilhamento de radares costeiros. Na prática, o grupo significa a institucionalização da esfera de influência indiana sobre estes países. Por trás deste papel maior no Oceano Índico está uma mudança no pensamento estratégico da Índia, se deslocando do continente para o mar. Os indianos perceberam que, ao contrário do poder terrestre, o poder marítimo seria uma forma de projetar-se militarmente e aumentar a segurança nacional sem antagonizar os países vizinhos. Tanto Vajpayee como Singh passaram a defender que o perímetro estratégico da Índia englobava desde Suez e o Golfo Pérsico até o Sudeste Asiático (REHMAN, 2013, p. 141). O uso do 9

Entre os países banhados pelo Índico, somente Arábia Saudita, Maldivas, Mianmar, Paquistão e Somália não participam da IORA.

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poder marítimo possui elementos de soft power, como a proteção dos bens comuns e operações humanitárias (LADWIG III, 2010). Além disso, a Índia tem forjado parcerias navais em pontos chave do Oceano Índico, entre os quais África do Sul (Cabo da Boa Esperança), Madagascar e Moçambique (Canal de Moçambique) e Singapura (Estreito de Malaca). A posse das ilhas Andaman e Nicobar, na Baía de Bengala, também possibilita acesso privilegiado ao Sudeste Asiático (RIBEIRO, 2015, p. 97-104). A mudança de concepção de região vizinha para uma área mais abrangente confere à Índia maior espaço de manobra e maior possibilidade de aceitação pela vizinhança. Por outro lado, esta estratégia não mitiga os conflitos interestatais regionais ou a necessidade da inclusão de China e EUA nos cálculos de poder indianos para o Índico. A Índia também não parece, por hora, ter capacidade (ou orientação política) de investimento externo e de comércio exterior ao nível da China. O crescimento apenas das cidades costeiras no Índico não cumpre a principal tarefa socioeconômica dos governos locais: prover empregos e bem estar a países populosos e jovens. O desenvolvimento interno dos países depende mais de projetos de infraestrutura terrestre que interliguem regiões distantes do litoral, hoje capitaneados pelo Cinturão de Prosperidade da China10. Assim, a despeito de suas ligações culturais, comerciais e políticas com os países da região, a Índia terá de encontrar um ponto de equilíbrio com a estratégia político-econômica da China na Ásia. Vizinhança Estendida11: A Índia no Leste Asiático e no Oriente Médio/África A iniciativa de observar o crescimento acelerado no Leste Asiático surgiu logo após o fim da Guerra Fria, quando o modelo de desenvolvimento da Índia se encontrava em crise e a região vizinha experimentava o Milagre Asiático. No entanto, a inserção de fato nos âmbitos econômico, político e securitário do Leste somente foi possível com a ascensão indiana na virada do Século XXI. Do ponto de vista político, existe uma disputa por influência com a China, decorrente de suas rivalidades históricas e das suas ambições geopolíticas (MALIK, 2012; RIBEIRO, 2015). Do ponto de vista econômico, a integração com as cadeias produtivas do Leste Asiático permanece um desafio para a Índia, que possui grande competitividade em serviços (tecnologia da informação, telecomunicações) e em bens industrializados (farmacêuticos, automotivos e infraestrutura). Os maiores competidores regionais são China e Japão, que estabeleceram forte influência sobre os países da ASEAN ainda no século XX. Mesmo 10

Hoje, os projetos chineses que afetam diretamente a Índia são os corredores energéticos, ferroviários e rodoviários Xinjiang-Paquistão (em expansão) e BCIM (Bangladesh, China, Índia e Mianmar). O BCIM tem figurado na agenda bilateral e pode tornar-se realidade nos próximos anos. 11 Os líderes Vajpayee e Singh utilizaram frequentemente a expressão Vizinhança Estendida para dar conta de uma nova projeção da Índia nas regiões contíguas (SCOTT, 2009, p. 108).

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assim, em 2013-2014, as exportações indianas para o Leste Asiático somaram 23% do seu total, comparado aos 16% da União Europeia, 15% dos países do Conselho de Cooperação do Golfo, 13% da América do Norte e 10% da África. As principais iniciativas subregionais da Índia foram a Bay of Bengal Initiative for Multi-Sectoral Technical and Economic Cooperation12 (BIMSTEC) e o fórum Mekong-Ganga Cooperation13 (MGC). Claramente, a Índia buscava alternativas de integração à SAARC devido às potencialidades do Sudeste Asiático e à relativa falta de resistência política. No entanto, a falta de capacidade de investimentos e as relações oscilantes com Mianmar – considerado a “porta de entrada” para a ASEAN – refrearam o avanço dos dois projetos. Num contexto mais geral, a Índia aproximou-se politicamente do Leste Asiático para diluir a influência regional chinesa e contrabalançar o papel exercido pela China no sul da Ásia. A presença de uma rivalidade histórica e geopolítica entre China e Índia é um fator importante, mas não definitivo das relações bilaterais. Pode-se incorrer no erro de que suas relações são fadadas à confrontação. É mais correto afirmar que existe em jogo uma perspectiva de política de poder em nível regional, ao mesmo tempo em que coexistem interesses convergentes nos níveis bilateral, regional e global. Ambas as potências asiáticas levam em consideração que o Século Asiático depende da sua própria cooperação, do contrário a região como um todo continuará fragilizada por atraso socioeconômico e por dependência de potências externas (RIBEIRO, 2015). A inserção política multilateral da Índia no Leste Asiático ocorre de forma reativa, resultando da articulação política da ASEAN. O Fórum Regional da ASEAN, criado em 1994, passou a figurar como a principal via de diálogo político e securitário na Ásia, incluindo todas as potências regionais e extra-regionais. Do ponto de vista econômico, a ASEAN promove o projeto do Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), que seria a junção de todos os seus tratados de livre comércio com China, Coreia do Sul, Japão, Índia, Austrália e Nova Zelândia. A Índia tem avançado em relações bilaterais estratégicas, destacando-se Japão, Singapura e Vietnã. Na Declaração de Tóquio (2014), indianos e japoneses estabeleceram uma parceria estratégia com foco em investimentos de infraestrutura, transferência de tecnologia, de equipamento militar e coordenação entre as agências de defesa. Em um gesto simbólico, o Japão iniciará suas vendas militares – interrompidas desde a II Guerra Mundial – fornecendo 15 navios anfíbios para a Índia. A parceria com Singapura teve início em 1994 e desde então a Índia treina todo o pessoal militar do país, além de realizar

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A BIMSTEC foi criada em 1997. Seus membros são Bangladesh, Butão, Índia, Mianmar, Nepal, Sri Lanka e Tailândia. 13 O fórum MGC foi criado em 2000. Seus membros são Camboja, Índia, Mianmar, Tailândia e Vietnã.

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exercícios navais anuais. O suporte de Singapura é essencial para as operações próximas ao Estreito de Malaca. Com os vietnamitas, a Índia procura contrabalançar as relações especiais entre China e Paquistão. Os dois países têm investimento conjunto nas reservas petrolíferas do Mar do Sul da China, região reivindicada pela China. A Marinha Indiana já declarou que é seu dever proteger quaisquer ativos indianos no exterior, incluindo os poços explorados pela ONGC Videsh nesta região. O Vietnã já fornece acesso de suas bases para o reabastecimento de navios militares indianos. A Índia também providencia treinamento militar e venda de equipamentos, incluindo navios de patrulha e possivelmente mísseis BrahMos (SCOTT, 2013, p. 56, 60-61). No Oriente Médio e na África, o interesse econômico da Índia é assegurar fontes de recursos naturais e, em menor medida, expandir suas empresas para novos mercados. Em termos quantitativos, o Oriente Médio representa dois terços de suas importações petrolíferas e quase metade do consumo total. A Índia é o segundo parceiro geral das economias do Golfo Pérsico (atrás apenas dos Estados Unidos), exportando serviços, manufaturas e capitais. Esses países também são grandes fontes potenciais de capital (XAVIER, 2009, p. 48-50). Na África, a Índia tem buscado diversificar suas fontes energéticas e expandir seus negócios em telecomunicações, farmacêuticos, automotivos e infraestrutura. As Ilhas Maurício – de população indiana – são a porta de entrada para o investimento externo direto (IED), somando 20% do IED total da Índia entre 2008 e 2012 (VIEIRA, 2012, p. 99-102). A importância energética do Oriente Médio para o mundo é um desafio político e securitário pela Índia, que considera esta região como uma arena central em futuras transições sistêmicas. Por conta disso, Xavier (2009) aponta três razões pelas quais a Índia deverá participar de forma singular na economia e na segurança regional: a) Diásporas Indianas – agindo como pontes econômicas e populações a serem protegidas; b) problema comum do radicalismo islâmico (muitas vezes financiado por países do Golfo); c) posição geoestratégica permanente no Mar Arábico. O autor defende que, embora o envolvimento securitário indiano ainda seja pequeno, a Índia poderia ser uma ponte de ligação entre os atores na região, pois tem boas relações com o Ocidente, Arábia Saudita, Irã, Israel, China e Rússia. A relação indo-iraniana merece menção especial. O Irã tem sido a porta de entrada da Índia para a Ásia Central e para o Afeganistão, onde ambos têm apoiado os mesmos grupos políticos contra o Talibã – este apoiado de forma encoberta pelo Paquistão. O acesso indiano se cristalizará com a modernização do Porto de Chabahar, no Golfo de Omã. O Afeganistão é a encruzilhada regional que, por conta de sua instabilidade e falta de infraestrutura, impede o centro da Ásia de conectar-se com o Oceano Índico (e dificulta a

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conexão da China com Cáucaso, Oriente Médio e Europa). Historicamente, o Paquistão tem utilizado o país vizinho como base de profundidade estratégica em caso de conflito com a Índia. Por conta destes fatores, o Afeganistão também é considerado parte da Vizinhança Próxima e tem recebido ajuda para enfrentar grupos radicais que atuam no próprio território indiano. Ainda, há grande interesse da Índia nas reservas energéticas da Ásia Central, hoje exploradas majoritariamente por China e Rússia. O interesse crescente da Índia na Ásia Central é demonstrado pela sua provável entrada na Organização para a Cooperação de Xangai14 (OCX), juntamente com o próprio Paquistão e, futuramente, o Irã. A experiência da OCX no combate aos três males (terrorismo, separatismo e extremismo religioso) tem sido positiva e pode ser a chave para a estabilização futura do Afeganistão, especialmente num contexto de retirada dos Estados Unidos. A dimensão global: Parcerias estratégicas da Índia e o multi-alinhamento Nesta seção, será tratada a dimensão global e sistêmica da perspectiva estratégica da Índia. No século XXI, a Índia deseja consolidar-se enquanto polo do Sistema Internacional e contribuir para a formação de uma ordem multipolar. Com o fim da Guerra Fria, emergiu uma nova estrutura e geometria de poder variável na Ásia. Raja Mohan e Parag Khanna (2006, p. 44) descrevem este novo momento:

A constante mudança de lealdades e de alianças na Ásia confunde tanto os historiadores quanto os experts em geometria. Há a díade patrão-cliente entre Pequim e Islamabad, encontros entre China-Índia-Rússia declarando a necessidade de multipolaridade, manobras militares russo-japonesas e sino-russas [...], um triângulo nuclear China-EUA-Índia, e a tentativa dos Estados Unidos em transcender sua preferência histórica entre Índia e Paquistão. A única inferência clara dessas configurações assimétricas é que a maioria dos Estados Asiáticos continua [...] a ser polida, especialmente com seus inimigos. Enquanto todas as potências asiáticas estão alerta à preponderância norte-americana, também procuram boas relações com Washington. Nenhuma delas esteve na linha de frente da crítica mundial à […] ocupação do Iraque. [Tradução própria]

As parcerias estratégicas são parte de uma nova estratégia de multi-alinhamento, segundo a qual há motivos para a Índia se aproximar de qualquer país relevante para o interesse nacional. A categoria em que se enquadram a maioria das parcerias (estratégicas ou não) da Índia é o desenvolvimento econômico e cooperação técnico-científica. Quando incluem países considerados do Norte, o interesse indiano é dominar novas tecnologias de 14

Seus membros são China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão. Afeganistão, Índia, Irã, Mongólia e Paquistão são observadores. Bielorrússia, Turquia e Sri Lanka são parceiros de diálogo. A entrada de Índia e Paquistão como membros plenos provavelmente será confirmada ainda em 2015.

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ponta (incluindo energia nuclear) e atrair investimentos para aumentar a produção e a produtividade interna. Com os países considerados do Sul, a Índia procura ampliar sua base de apoio político através de Cooperação Sul-Sul e da concessão de benefícios para ampliação do investimento e do comércio bilateral. Com alguns países específicos (EUA, França, Israel e Rússia) existe uma forte cooperação focada no setor de defesa. A Índia procura extrair os pontos positivos da globalização, atraindo grande quantidade de capitais e investimentos para o setor produtivo. Os setores nacionais mais competitivos também investem no exterior, inserindo-se através de intermediários nos mercados europeu (Holanda e Ilhas Virgens), asiático (Singapura) e africano (Ilhas Maurício), que somam dois terços do total de IED indiano. Ao mesmo tempo, está emergindo um consenso na política indiana de que a liberalização econômica e a abertura do mercado interno não devem reprimir a demanda interna e o consumo de massa. Além disso, é necessário haver uma rede de políticas sociais que diminuam o número de pessoas em situação de risco15. Num contexto de difusão do poder global, a Índia tem buscado maior reconhecimento de seu papel juntamente com outros polos emergentes (África do Sul, Brasil, China e Rússia). O IBAS é um exemplo de tentativa de liderança diplomática e de conjunção de espaços estratégicos em ascensão (Atlântico Sul e Índico). A institucionalização recente do BRICS, por sua vez, está promovendo uma alternativa financeira às instituições lideradas pelo Ocidente. Como aponta Maria Regina Lima (2012), estes países não desejam a erosão das instituições globais ou do liberalismo, mas sim um equilíbrio entre abertura econômica, salvaguardas nacionais e proteção social. Politicamente, o discurso e a prática da Índia se aproximam atualmente mais destes países do que dos Estados Unidos. Ao contrário dos norte-americanos, a Índia não utiliza a promoção da democracia de forma seletiva para atender a seus interesses estratégicos. Os indianos ainda defendem o respeito à soberania e a coexistência pacífica de diferentes sistemas políticos, embora acreditem em um futuro democrático para a Ásia e para o mundo. A Índia ainda sofre com os mesmos problemas socioeconômicos do Sul político global. Por isso, sua posição em fóruns multilaterais muitas vezes se aproxima dos BRICS e de países em condições similares. A criação e participação no G20 é um exemplo disso. No campo securitário, a Índia pleiteia um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e é um dos países mais ativos no envio de tropas de paz. Apesar do ativismo, a Índia demonstrou uma posição cautelosa e contrária a intervenções militares quando votou em resoluções sobre Irã, Sudão, Mianmar e Líbia. 15

Isto pode ser observado pelo comportamento histórico do Indian National Congress, ou pelas iniciativas recentes do governo Narendra Modi, do BJP. As maiores promessas de campanha deste novo governo são unificar os programas de transferência de renda, tornar o sistema público de saúde universal e criar um programa básico de saneamento universal.

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Por outro lado, a ascensão da China suscita questões geopolíticas complexas para a Índia, que vê sua tentativa de hegemonia regional ameaçada por um rival histórico. Da mesma forma, os chineses procuram evitar que a Índia supere suas fragilidades e se torne uma potência de igual magnitude. Os Estados Unidos aproveitam as inseguranças da Índia para incentiva-la a criar coalizões com Austrália e Japão, a fim de manter a balança de poder regional. A parceria com os Estados Unidos funciona como um seguro para a Índia, que não deseja ter as mesmas obrigações dos aliados americanos, mas auferir alguns de seus privilégios, como a transferência de tecnologia militar avançada e a cooperação nuclear. Além disso, seria difícil supor qualquer envolvimento dos EUA em uma eventual guerra sino-indiana, portanto uma aliança formal não seria vantajosa. A questão das novas ameaças na era digital é certamente a mais recente e imprevisível. A proliferação de golpes de Estado e de grupos insurgentes no Arco das Crises (Afeganistão, Oriente Médio e Norte da África) reflete esta nova realidade. Apesar de posicionar-se contra intervenções, a Índia viu com bons olhos a invasão americana ao Afeganistão, pois o Talibã representava um bastião do radicalismo islâmico e recebia apoio do Paquistão. Posteriormente, a Índia apenas observou as revoltas conhecidas como “Primavera Árabe”, que reconfiguraram totalmente o Oriente Médio. A ascensão do Estado Islâmico e a desestabilização de Síria e Iraque – causados pela interferência ocidental e pela disputa ideológica saudita-iraniana – mudaram este panorama. Grupos militantes atuando em território afegão e paquistanês já organizam seu apoio ao Estado Islâmico e ameaçam a derrubada do próprio governo do Paquistão, que se encontra numa crise de legitimidade interna. Neste contexto, a Índia se vê compelida a agir de forma preventiva, para evitar tornar-se alvo destes novos grupos e, mais do que isso, impedir que seu rival vizinho se radicalize. Uma das respostas da Índia, ainda de forma incipiente, é a maior coordenação com China e Rússia através dos encontros trilaterais e da provável entrada como membro pleno da OCX, juntamente com o Paquistão. As três maiores potências da Ásia continental perceberam que, num contexto de caos no Oriente Médio e de recuo estratégico dos Estados Unidos, caberá a elas exercer um papel político mais propositivo. Do contrário, estarão sujeitas a grande instabilidade securitária em suas periferias imediatas e em seus próprios territórios com histórico de intranquilidade (Caxemira, Chechênia e Xinjiang). Conclusão Ao longo deste estudo, foi possível observar que, na virada para o Século XXI, a Índia passou por uma transição em suas bases de atuação internacional. O ponto de equilíbrio foi atingido através da ascensão de novas correntes de pensamento político-

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estratégicas, que tiveram de adaptar a Política Externa da Índia a novos desafios e reposicionar o país conforme seu poder relativo e suas ambições políticas. Como resultado deste processo, a Índia expande cada vez mais seus horizontes e reflete seu poder material econômico e militar em maior influência político-diplomática. Os exemplos claros desta expansão são a ampliação do entorno estratégico (abrangendo o Oceano Índico) e a crescente influência na Vizinhança Estendida, gerando maior interdependência econômica e securitária desde a África até o Leste Asiático. Em termos estruturais, a Índia já pode ser considerada uma Grande Potência devido a sua capacidade militar, tecnológica e nuclear. As relações com outras potências, especialmente China, Estados Unidos e Rússia, revelam que a Índia não pode mais ser considerada num segundo escalão, a despeito de suas fragilidades internas e regionais. As possibilidades de atuação na condição de Grande Potência são muitas e provavelmente decepcionarão aqueles que imaginam a Índia como parte de uma aliança trilateral com EUA e Japão ou com China e Rússia. A vantagem indiana é justamente poder tornar-se um bridging power, utilizando a expressão de Khilnani (2005). É um Estado rico e pobre ao mesmo tempo, possui uma democracia liberal e valores de uma sociedade asiática pós-colonial e combina elementos de hard e de soft power. Como aponta Khilnani, a Índia pode se tornar uma potência indispensável se tiver habilidade política para construir coalizões e persuadir aqueles com interesses diversos. A conclusão a partir deste raciocínio e do estudo atual é que a Índia poderia ser a ponte comercial, diplomática, financeira e securitária entre dois “mundos” que começam a entrar em equilíbrio: o Ocidente e a periferia emergente. A julgar pela perspectiva estratégica da Índia no amanhecer do Século XXI, o país tem as credenciais políticas para auxiliar na conformação de uma nova ordem global. Referências BAJPAI, Kanti. Indian Grand Strategy: Six Schools of Thought. In: BAJPAI, K. et al. India's Grand Strategy: History, Theory, Cases. New Delhi: Routledge India, 2014. BREWSTER, David. India's Ocean: The Story of India's Bid for Regional Leadership. Routledge, 2014. COHEN, Stephen. India: Emerging Power. Washington; Brookings Institution Press, 2001. GANGULY, Sumit; KAPUR, S. P. India, Pakistan, and the Bomb: Debating Nuclear Stability in South Asia. New York: Columbia University Press, 2010. HOLMES, James; WINNER, Andrew; YOSHIHARA, Toshi. Indian Naval Strategy in the Twenty-First Century. London: Routledge, 2009. JAISHANKAR, Dhruva. The Vajpayee-Manmohan Doctrine: The moorings of contemporary Indian Foreign Policy. Pragati, No 19, Oct 2008. KAPLAN, Robert. South Asia’s Geography of Conflict. CNAS, [S.l.], August, 2010.

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