A Polidez na Comunicação organizacional II A Linguagem na Perspectiva Pragmática

June 3, 2017 | Autor: J. Oliveira | Categoria: Pragmatics
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A Polidez na Comunicação organizacional II
Jair Antônio de Oliveira (MEDUC/UFPR)




Resumo

Este trabalho é uma revisão crítica e atualizada de artigo apresentado no XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação realizado em Manaus (2000) e tem como pressuposto a noção de linguagem como produtora de efeitos e não como meio de transporte de sentidos. Assim, o que acontece ao Sujeito ou o que ele faz acontecer, deve ser descrito em termos de um vocabulário de ações intencionais, isto é: descrito de modo a permitir ou a solicitar uma pergunta: "por que razão, com que fins"? Nessa perspectiva, a Pragmática da Polidez na Comunicação organizacional não fica restrita às regras de etiqueta e aos rituais típicos das organizações e inclui em suas investigações o comportamento político dos indivíduos envolvidos nas interações.
Palavras-Chave: Pragmática – polidez – Comunicação organizacional – Política.

A Linguagem na Perspectiva Pragmática
Na perspectiva Pragmática, a linguagem não é entendida como um "meio" através do qual se pode representar coisas ou fatos do mundo interno ou externo (caráter representacional). Também, não pode ser descrita como um esquema meramente formal, com um núcleo não-empírico, como deseja a teoria estrutural. A linguagem é definida em termos de ação, isto é: como uma atividade realizada de modo proposital por um determinado agente. As regras de uso da linguagem são criadas de acordo com a multiplicidade de experiências históricas, sociais e culturais que caracterizam as diferentes comunidades de prática em todo o mundo. Produzir textos orais e escritos nas interações não é meramente seguir um roteiro pré-determinado; pois a qualquer momento o caráter performativo da linguagem pode levar a rupturas inesperadas. A performatividade é inerente à linguagem, não algo que se acrescenta a ela. No que diz respeito aos atos de fala performativos, os indivíduos estão fazendo escolhas linguísticas e não linguísticas e toda escolha está ligada ao universo de valores individuais e coletivos, ao campo da ética, da política. Usar a linguagem é agir em uma "forma de vida" com determinados objetivos (WITTGENSTEIN apud SHIBLES, 1984). Isso implica em valorizar os recursos disponíveis pelos indivíduos enquanto integrantes de uma comunidade de prática: a história de sua vida, a classe, o gênero, a idade, a família, escolaridade etc. Somente no interior de uma comunidade de prática é que se pode mensurar a multiplicidade de regras para a ação que determinam e são determinadas pelos recursos individuais e coletivos de seus integrantes. Obviamente, diante dessa complexa realidade, a linguagem não pode ser reduzida a uma função única ou essencial como "representar" o mundo ou estados e sensações interiores. Por outro lado, os indivíduos não podem usar as palavras de modo totalmente arbitrário. Devem considerar as restrições que pertencem ao universo em que vivem "(...) tudo aquilo que numa determinada época e num determinado lugar seja possível e aceitável de se fazer com os textos e com os discursos" (ARROJO, 1992, p.39).
A Polidez
A polidez tem sido abordada a partir de múltiplas perspectivas e embora não haja uma definição conceitual a respeito, concorda-se que envolve o uso de estratégias verbais e não verbais a fim de manter a interação "livre de problemas". No Brasil, as pesquisas em torna da polidez, seja no ambiente organizacional ou fora dele, seguem prioritariamente os mesmos referenciais teóricos estrangeiros e priorizam a noção de face proposta por Goffman (1967) e Brown & Levinson (1979). A noção de face ocupa considerável espaço nas discussões e trabalhos acadêmicos tupiniquins, mas inexistem trabalhos apontando as estratégias polidas típicas de nossa cultura. Embora alguns aspectos da noção de face sejam interessantes, as críticas a essa teoria dizem respeito ao seu caráter universal e à ideia de uma face positiva e uma face negativa estar atrelada a instâncias sedimentadas de poder onde não há espaço para uma dimensão performativa (política) da linguagem. O que pretendemos ressaltar é que a noção de polidez no Brasil não é tributária de uma lógica da corte, como na França, ou de uma burguesia cheia de afetações e arrogância, como na Inglaterra. Mas, tem o seu próprio entorno a partir do processo de hibridização de nossa cultura, de um modo prático de vida em que o nivelamento entre os status sociais dos indivíduos eram menores e rompidos com frequência; não pela "falta" de polidez, mas pela proximidade em que os diferentes segmentos da sociedade sempre conviveram. Isto não quer dizer que não houve uma tentativa de trazer para os trópicos os padrões europeus: vestir casaca de lã em pleno centro de Manaus era o tom da moda para se ir ao teatro. Baixelas de prata e vinho não eram privilégios de nobres franceses. No entanto, a mecânica repetição de performances polidas tão a gosto de europeus nunca vingou aqui. Deve-se muito à própria informalidade dos procedimentos adotados à mesa, na rua, no botequim ou nas repartições brasileiras, onde o viço dos papéis contrastava com o "jeitinho" e as indicações dos padrinhos. Naturalmente, são manifestações de poder, mas o rastro dessa história tem sua origem muito mais em uma moral associada ao divino, às divindades, ao onipresente desconhecido, do que ao contrato social pré-estabelecido ou aderência às normas sociais. A garantia de que "Deus é Brasileiro" garante simbolicamente o manto de proteção e assim, transgredir, é sinônimo de esperteza e não de pecado ou de ilegalidade. O fato é que o jeitinho brasileiro sempre foi transgressor; e a ruptura com os compromissos e com as obrigações sociais não significa uma lógica libertária total, apenas um gesto de desconfiança. "Desconfiar" é colocar sob suspeita, nos moldes propostos por Derrida (1973) e adotado pelo jeitinho- o modo sutil e estratégico de lidar com as diferenças no Brasil.
É no coração e não na face que se deve buscar a origem da polidez do jeitinho brasileiro "(...) pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações" (ROMANOS, 5-5), ou seja: a política de afeto que Buarque de Holanda (1957) chamou de cordialidade é o afeto paradisíaco, a manifestação da deidade; que esconde o rosto para ocultar a intimidade, mas abre os braços para simular igualdade. Nesta perspectiva, as performances de corpo e alma- inclua-se aqui as manifestações verbais, são mais importantes que o próprio rosto. Sem face, a polidez do jeitinho não é homogênea, mas pura ação, atividade, disposição corporal com um enorme capital afetivo. Não saímos da racionalidade, mas, simbolicamente, aceitamos a ideia de uma relação edênica, fraterna, monitorada pelos céus. Daí resultar um enorme prazer na execução dos gestos cuidadosos, das escolhas efusivas, as reiterações verbais e a serena e aparente concordância.
A polidez do jeitinho é a "virtude do simulacro". Poupa-nos dissabores e carrega o afago divino. Daí não ser a face, mas o corpo, as mãos, os braços, o gesto, a palavra associada ao Eterno, as raízes da polidez no Brasil. Isso não exclui a proposta de Haverkate (1983, p.641) de que os falantes geralmente querem causar boa impressão sobre os ouvintes, ou seja: os falantes tendem a se expressar de tal forma que os seus interlocutores os consideram pessoas razoáveis e afáveis. Como objetivo inicial na interação, as estratégias verbais e não verbais ligadas à polidez estão relacionadas aos propósitos e interesses individuais para obter um retorno favorável ao assunto em pauta. Nesse aspecto, é importante observar que as relações interpessoais refletem as posições valorativas que assumimos diante do interlocutor e do mundo, portanto, alguns pontos devem ser ressaltados:
Há uma expectativa por parte do interlocutor, motivada por razões sociais, políticas, culturais e econômicas, de que as ações do falante sejam polidas. Ou seja: reflitam o conjunto de prescrições que a comunidade de prática em que estão inseridos possui. Esse comprometimento tácito entre os indivíduos é esperado pelo ouvinte;
Transgressões a essas expectativas devem ser "explicitadas", pois qualquer falha nesse sentido pode ser, literalmente, entendida como ausência da atitude polida requerida para a ocasião;
É preciso atenção para que a associação da polidez às ações discursivas não se resumam à qualidades abstratas que se fixam em enunciados específicos, itens lexicais ou morfemas, sem considerações às circunstâncias que regulamentam o uso da linguagem no local em questão. Como observa Mey (1993, p. 68): "ser inerentemente polido implica ser sempre polido, sem considerar os fatores contextuais que podem determinar a polidez em uma situação específica".
O fato é que a polidez, no contexto das organizações deve ser considerada em seu aspecto conceitual mais amplo, isto é: transcendendo o conceito individualista de face e reconhecendo uma orientação cultural (onde as crenças são elaboradas) e políticas (onde as crenças são usadas). A ideia de ações políticas está ligada à vulnerabilidade dos processos interacionais, pois tudo o que for dito ou escrito pelos participantes desses processos poderá se chocar frontalmente com outros propósitos envolvidos. Como diz Blumberg (1987, p. 429): "O homem é a única criatura incapaz de dizer alguma coisa sem propósito".
A Política da Polidez Organizacional
Derrida (1991, p. 271) afirma: "Cada vez que uma retórica define a metáfora, implica não só uma filosofia mas também uma rede conceitual na qual a filosofia se constitui". A filosofia do mundo pós-industrial continua a ser o lucro e a acumulação e os usos da linguagem não são indissociáveis dessa globalidade situacional. Portanto, explicitam seus efeitos em relação ao "sucesso" e ao "interesse". Essas metáforas são essenciais para a atual ética e lógica cotidiana e refletem a dimensão para onde convergem tempo, energia e esforços consideráveis das organizações. Pragmaticamente falando, sucesso e interesse estão interligados e implicam em considerar a contribuição dos aspectos extralinguísticos; contudo, sem perder de vista as condições internas aos enunciados, pois como observou Austin (1990, p. 26): "É sempre necessário que as circunstâncias em que as palavras forem proferidas sejam, se algum modo, apropriadas". É preciso atentar para o risco do fracasso, não como um fator acidental, mas como uma condição a que estão expostos todos os atos convencionais.
Sucesso e interesse, per si, são meras abstrações. Nas interações é pouco provável que se possa definir claramente onde começam e terminam os eventos estratégicos que levam aos objetivos almejados, pois são muitas as variáveis que interferem nesses processos. Obviamente, isso inclui as relações das organizações com os seus públicos por meio de ações comunicativas planejadas e polidas. O sucesso e o interesse estão intimamente ligados às crenças individuais e organizacionais e, nesses casos, cumpre-nos verificar como "o que é dito" ou "não é dito" de forma convencional ou de maneira singular – com o uso de estratégias polidas, está associado a propósitos específicos e não se trata de meros rituais de formalidades; sim de ações políticas. Nesta perspectiva, as finalidades da ação não avançam rumo ao altruísmo ou cooperação e os discursos organizacionais polidos, acontecendo em tempo integral, respondem à mesma dinâmica da circulação de mercadorias; ditando, desse modo, o escopo da linguagem da polidez. Assim, é importante observar o que diz Jacob Mey (1993, p. 34): "A tarefa da pragmática é desconstruir a metáfora a fim de descarregar a arma carregada da linguagem".
O "Corretamente" Polido nas Organizações
Lucchesi-Belzane (1993, p. 36) diz que, "polir os indivíduos por meio de suas palavras deve parecer natural, já que seria chocante forçar-se a tal harmonia". Mas a frequência com que se observa esse procedimento parece desmentir isso, ou seja: a maioria das interlocuções projeta a natureza assimétrica das relações individuais e os interlocutores precisam lidar com o potencial de interesses convergentes e divergentes em ação. Isso abre espaço para as condutas simuladas com fórmulas excessivamente polidas, denotando harmonia constante. Há uma espécie de "pressão de felicidade" que deve ser comunicada a todos os públicos a fim de demonstrar a saúde organizacional e a saúde dos indivíduos envolvidos nessa trama/drama diário. A ética do século é a simpatia, teria dito Nietsche, e mesmo com as rugas de expressão – o chamado bigode chinês, marcando os rostos cotidianamente, não há maior relevância para a face em relação à polidez. Os atos de fala indiretos, por exemplo, constituem uma estratégia eficaz para preservar a harmonia nas interações (Searle, 1975). Os atos de fala indiretos tendem a ser mais polidos porque ampliam o leque de opções de escolhas do interlocutor e a medida em que uma ilocução torna-se mais indireta, sua força tende a ser reduzida. Isto não ocorre apenas em situações onde o usuário executa um pedido, dá uma ordem ou faz uma súplica (na terminologia de Searle, tais atos são chamados de Diretivos). Mas, também em promessas e oferecimentos (Comissivos), em agradecimentos e congratulações (expressivos).
O senhor pode me alcançar a caneta?
Em (1) o falante não está simplesmente fazendo uma pergunta sobre a capacidade física do ouvinte, mas realizando um pedido. Não pretende obter como resposta um "sim" ou "não", mas o ato concreto de a caneta passar as suas mãos. O constituinte pode não é apenas a explicitude da pré-condição inerente à performance dos atos de fala impositivos, mas um signo formal de polidez. No caso de impositivos, é preciso considerar que o falante deve minimizar custos e maximizar benefícios para o interlocutor a fim de que esse responda cooperativamente (a terminologia dos negócios em ação). No entanto, certas ressalvas são necessárias, pois uma acentuada deferência torna-se entediante e o falante tende a sofrer rejeição se persistir nessa prática, pois será considerado insincero ou dissimulador.
A possibilidade de que alguém assuma com freqüência, no ambiente organizacional, uma atitude de ingenuidade, ignorância, complacência, benevolência, modéstia, concordância, simpatia, em relação aos interlocutores, relaciona-se à hipótese de que os usos da linguagem são sempre atos políticos, isto é: enquanto usuários da linguagem estamos sempre assumindo uma posição valorativa com as escolhas realizadas. Não é possível desconsiderar, por exemplo, as variáveis culturalmente sensíveis, como: distância social (familiaridade e solidariedade), grau de poder (o grau em que o falante pode impor os seus desejos a outrem), status, propósitos individuais, da organização etc. O que é relevante salientar é que a associação da polidez com os atos de fala não deve ser feita a partir de um conjunto de frases isoladas, fórmulas codificadas, distantes de uma situação real e do contexto social mais amplo.
A: Qual a sua opinião sobre o relatório?
B: Interessante.
B tem o mesmo status de A na hierarquia da empresa, portanto, sabe que emitir uma opinião contrária às expectativas do interlocutor pode resultar em efeitos que afetarão o relacionamento interpessoal; embora não ocorra a adoção de um comportamento explicitamente rancoroso ou opositivo – haja vista as exigências ritualísticas das organizações, mas com o risco de enfraquecer a cooperação entre ambos. Diante dessa situação conflitual, B aplica o que Leech (1983) chama de Máxima de Tato, e o resultado é uma resposta sem uma referência concreta avaliável nas circunstâncias. Obviamente, caso B tenha uma posição social, status, cargo diretivo na organização, propósitos divergentes, pode escolher uma resposta que será, mais ou menos, explicitamente impositiva. A lógica do jeitinho apela para um ato comedido, mas em primeiro lugar reforça o ato performativo do enunciado. Isto é: embora A tenha feito uma pergunta, a força ilocutória do enunciado é, na verdade, um pedido de aprovação, de concordância. Após a "aprovação" para minimizar possíveis efeitos contrários, emite outro performativo que deve ser entendido como uma "recomendação", uma ordem, uma advertência, dependendo do status de quem fala.
A: Qual a sua opinião sobre o relatório
B: Está bem legal assim, mas eu acrescentaria os dados das filiais também.
O fato é que as regras de protocolo social tornam mais relevante a obediência às normas de polidez do que a manutenção da própria sinceridade (a pressão das promessas em que as organizações estão envolvidas reforça esta hipótese). C e D trabalham na mesma empresa e C fez poucas vendas durante o mês, portanto, a sua comissão diminuiu drasticamente no período. Ao se lastimar, é "consolado" pelo interlocutor:
D: Não se preocupe pois no próximo mês você recupera as perdas. A situação econômica na Europa irá melhorar... No entanto, caso você precise de alguma coisa....
C: Obrigado, mas eu "me viro"...
O enunciado (4) é produzido por D apenas para atender ao ritual social, isto é: por uma questão de polidez. Isso abre caminho para que C também recuse polidamente a oferta, pois o conhecimento de mundo e conhecimento que C possui de D o leva a perceber que a oferta não é sincera. A máxima de generosidade é uma característica importante do jeitinho brasileiro, embora o conhecimento compartilhado entre os interlocutores "revele" que as ofertas e promessas relacionam-se às possibilidades de maximizar benefícios para o outro apenas verbalmente; raramente com uma contrapartida material. É bem provável que o "ping-pong" conversacional entre ambos continue e as ofertas sejam reiteradas, cada vez mais indiretas e polidas. No entanto, caso C aceite a "oferta":
C: Bem, se você tiver uns quatro mil para me emprestar...
Uma nova "negociação" pragmática (a ser iniciada pelo interlocutor que insistiu em oferecer ajuda) deve ser estabelecida para que não ocorra uma ruptura da interação. De certa forma, o ditado popular "muito educado para ser verdadeiro" reforça a ideia de que a maximização de procedimentos polidos corresponde a um mesmo nível de indiretas linguísticas para manter a virtude das aparências. Searle (1975) afirma que a sinceridade é uma condição básica para o uso "correto" (feliz, na terminologia dos Atos de Fala) das promessas. No entanto, o enunciado produzido por D em (4) não é sincero se for considerado as condições materiais do falante. Ainda assim, D não deve ser considerado um sujeito pérfido, manipulador etc em virtude disso. Os atos de fala cotidianos, em primeiro lugar, atendem às necessidades ritualísticas da comunidade de prática em que as pessoas estão inseridas e só posteriormente convergem para os interesses e assunto em pauta (quando acontecem).
Em qualquer caso de oferecimento é preciso considerar as condições concretas em que tais atos são feitos e aceitos. Há muitas expectativas que não podem ser satisfeitas sem as promessas e outras que são impossíveis atender. Mey (1985, p. 41) observou que: "É a pressão de promessas no mundo que nos coloca em uma corrida de promessas; não importando o quão freneticamente desejamos nos livrar disso". Nesse contexto, por exemplo, Clark e Schunk (1980) apud (WERKHOFER, 1992, p. 3) encaram as necessidades dos falantes como equivalentes a "mercadorias" e as manifestações de concordância por parte dos interlocutores como "serviços". Isso quer dizer que o falante usará uma análise "custo-benefício" a fim de determinar a escala necessária de polidez a ser empregada como "valor" para ser ofertada ao ouvinte. A polidez, nesse caso, é uma espécie de "dinheiro". O que está de acordo com a ideia manifestada anteriormente de que as pessoas estão sempre fazendo escolhas linguísticas e não linguísticas para assumir posições valorativas (políticas) diante de seus interlocutores. No entanto, é preciso verificar como a "polidez" enquanto "valor" (dinheiro) integra o conjunto de crenças dos indivíduos e a própria lógica do capital nas organizações, assim:
Como a polidez e o dinheiro, ambos fatores constituídos socialmente e investidos institucionalmente de uma carga simbólica, permeiam as ações comunicativas e estruturam procedimentos de ação nas organizações;
Como tais procedimentos constituem "meios de poder" ritualizados nos ambientes organizacionais que assumem com frequência uma função ambivalente de inclusão e exclusão dos indivíduos nas circunstâncias em que são empregados.
De um modo sintético e elementar, representaremos estas situações por meio do seguinte enunciado:
Sorria! Você está sendo filmado!
O enunciado (6), embora pareça um simples pedido, contém uma força ilocucionária de ordem (impositiva).
[Eu ordeno que você]...sorria!
... pareça feliz!
...esteja de acordo com as normas sociais para as circunstâncias!
O ato de minimizar a ordem em (6) tem início com o pedido de "sorrir" que em nossa cultura está associado à felicidade e satisfação. O discurso da organização não é impositivo para evitar rejeições dos interlocutores; embora os indivíduos geralmente negligenciem a rotina dos atos de fala que "alertam" e não deixam claro quais são as suas condições preparatórias. Lacuna que é intencional por que esses atos constituem formas "invasivas" de monitoramento sobre o comportamento humano. É um meio de "poder" ritualizado no contexto organizacional que é exercido mesmo sem a existência de câmeras ocultas. Tais "olhos" são desnecessários pois os indivíduos estão de tal forma integrados à sociedade disciplinar que agem e respondem como se todos os acontecimentos estivessem sendo registrados de forma ininterrupta. O sujeito é visto mas não vê. Mesmo quando está só permanece a sensação (ameaça) de que é vigiado. O ato de policiar inclui e exclui constantemente os indivíduos em domínios hierarquizados, estabelecendo uma relação assimétrica para as interações e ressaltando quem dá o "tom" para os relatos. A metáfora-fetiche "sorria" usada no exemplo (6) opera um deslocamento de sentido cujo efeito no interlocutor é semelhante ao da "espetacularização" midiática, isto é: tenta cooptar o indivíduo para uma dimensão aonde o espetáculo é a imagem arquetípica da pessoa feliz e admirada por esse atributo; aonde você é visto sem parar. "Daí o efeito mais importante do panóptico: induzir no indivíduo um estado consciente e permanente da visibilidade que assegura o funcionamento permanente do poder" (FOUCAULT, 1977, p. 177). A "espetacularização" é alçada à condição estratégica nas políticas de comunicação das organizações e a polidez, a performance dos gestos e da língua, contribui para aumentar as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) já que a visibilidade total implica em ações disciplinadas.
Concluir ... com Polidez
Não é somente o apelo da cidade (pólis) que impele os indivíduos às práticas polidas, mas também o que integra esse universo: a politéia e o politikós (a polícia e o político). Nada é gratuito, e nesse aspecto deve-se considerar as ações "corretamente polidas" como vitais para os fluxos de comunicação interna e externa na anatomia das organizações. O que a empresa diz por meio de sua comunicação, o que ela realmente faz, o que os seus públicos dizem a seu respeito, são comportamentos verbais e não verbais que, num primeiro momento, têm uma função regulativa nas interações; posteriormente, obter lucro e incrementar a acumulação. Obviamente, tais comportamentos devem ser investigados a partir de suas comunidades de prática, de seus locais de uso. Com isso, acentuamos o valor dos estudos da polidez na comunicação organizacional e das perspectivas relacionadas à cultura local. Não é o caso de defender teorias locais à qualquer custo; mas perceber as características e idiossincrasias das performances tupiniquins. Somos todos híbridos, resultados de uma extraordinária composição étnica, mas os traços daquilo que se chama polidez no Brasil tem a sua especificidade: o jeitinho. Com suas "manhas e artimanhas" não podemos negligenciar esse potencial. O que não se deve/pode fazer é confundir o jeitinho com a "Lei de Gerson" (levar vantagem em tudo). Assim, com jeitinho, é possível ser feliz. XXX

REFERÊNCIAS:
AUSTIN, John. Quando Dizer é Fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
BLUMBERG, Erwing. Anthropological Approach to the Contemporary Significance of Rhetoric. In: Phylosophy: end or transformation, 1987, p.428-458.
COSTA, Jurandir Freira. Redescrições da Psicanálise. Rio: Relume-Dumará, 1994.
DERRIDA, J. Margens da Filosofia. Campinas: Papirus, 1991.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petropólis: Vozes, 1977.
HAVERKATE, Henk. Strategies in Linguistic Action. Journal of Pragmatics, v.7, p. 637-656, 1983.
LEECH, Geofrey. Principles of Pragmatics. New York. Longman, 1983.
LUCCHESI-BELZANE, M. Um Vazio Essencial. In:__.Polidez. Porto Alegre: L&P, 1993, p.23-28.
MEY, Jacob. Pragmatics: introduction. Cambridge: Blackwell, 1993.
OLIVEIRA, Jair Antonio. A Linguagem da Polidez na Comunicação Organizacional. Texto apresentado ao XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (anais do Intercom), Manaus, 2000.
SEARLE, John. Indirect Speech Acts. In: COLE, P.; MORGAN, J. (Eds.). Sintax, v. 3. New York: Academic Press, 1975, p. 59-82.
SHIBLES, Warren. Wittgenstein: Linguagem e Filosofia. São Paulo: Editora da USP, 1984.
WERKOFER, K. Disponível on line no site: http://ita.berkeley.edu/~hasegawa/J269/Werkhofer92.html




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